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ADRIANE SALTLI

Por favor, um último encontro antes de morrer

Adriane Saltli

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Aos que me conhecem e sabem que não escrevo sobre minha vida, nem fatos correlacionados, tenho que admitir que sempre quis me dar esta história. Então, vamos lá. Vou começar com meus 20 anos. Uma retrospectiva de um grande amor: o primeiro, talvez não o principal; mas o primeiro, e que me arrebatou por muitos anos.

Eu era estudante e, como qualquer jovem matriculada numa Universidade, nutria sonhos e imaginava loucuras. Estava no terceiro ano, sexto período de hoje, e uma associação ligada à minha área realizaria uma semana de estudos, dentro do próprio Campus. Claro que, sem pestanejar, me inscrevi. Estava extasiada com a possibilidade de participar de algo diferente, onde poderia ver e ficar frente a frente com professores-escritores dos livros que eu devorava. Poderia fazer perguntas! Teria coragem? Mesmo sendo uma das melhores alunas, o nível das palestras talvez fosse elevado para meus conhecimentos.

A data lentamente chegou. Foram feitos os tramites de entrada, como papelada, crachá, escolha do lugar... tudo me entusiasmava! Encaminhei-me para a mesa redonda que previamente havia escolhido. Pela primeira vez o vi. Nossos olhares se cruzaram; a partir de então, ele falava fixando seu olhar só para mim. A plateia inteira notou. De tempos em tempos, uns viravam para trás a fim de saber o porquê daquela direção. Eu não escondia aquele feitiço. Quando acabou, ele veio sentar-se ao meu lado. Seus olhos da cor das florestas mudavam de tons repetidamente, seja quando falava, sorria ou quando ficava sério. Foi um tipo de amor descrito só por romancistas inveterados: Jane Austen, ou Gabriel Garcia Marques em “O Amor nos Tempos de Cólera”, e tantos outros. Saímos, viajamos e nos amamos como se o mundo parasse a cada encontro. Mas nunca ficamos juntos por longos períodos. A vida nos pregou várias peças. Estágios distantes, casamentos, separações e muitos reencontros. Posso dizer-lhes que a cada beijo o tempo se dissipava. A cada longo olhar, que precedia nossos abraços, sentia que mergulhava na amplidão de um éden. Foram 13 longos anos, onde sua respiração me acompanhava durante quase todas as noites. Mas, enfim, um dia nos separamos. Teria que acontecer: Maktub. É a roda da vida girando a fim de que alcancemos equilíbrio. Minha vida foi preenchida por trabalho e amor por outro homem. Um amor diferente, intenso... mas aos poucos, aqueles olhos que tanto me envolviam começaram a desaparecer da minha lembrança. Outra experiência “obscura e inexplicável”, como disse Descartes, havia se tornado parte de mim. Não vou negar que em muitos momentos eu o procurava em algum lugar da minha memória. Mas outros tons de contrastes me fizeram conhecer outras alegrias. Não sei como foi a vida dele. A minha foi, por muito tempo, bonita e com uma dose de magia. Excluindo a rotina, que sempre fora prazerosa para mim, procurei muitas filosofias e seitas diferentes. Achei o Akram Vignan. Consegui, numa cerimônia, ver minha luz amparando meu corpo. Tento, a cada dia, praticar desapego e não sentir aversão pelo que a natureza me impõe. Mas ano passado, o sentido da morte começou a ocupar meus pensamentos. Não, não com medo, mas como aceitação de um final absoluto, onde o sofrimento inexiste. A nós, seres humanos, nos foi dada a capacidade de adaptação e superação. E agora tenho certeza de que é mais um momento sublime da natureza.

Achá-lo foi fácil. Hoje as redes sociais nos expõem. E quanto mais importantes são as pessoas, mais notificações a respeito delas são publicadas. Mandei um e-mail e aguardei. Sua resposta veio para o meu coração com melancolia e euforia. Marcamos um encontro para os próximos dias. E eu finalmente lhe vi com o mesmo olhar penetrante, o mesmo sabor nos meus lábios. Nossas mãos percorreram nossos corpos, ávidas de saudade. Deitamos na relva. Ficamos nos olhando, nos sentindo. Era tanto amor contido que senti minha respiração parando. Calmaria e paz. Uma luz forte me cegava. O sol morno foi esfriando lentamente. Seus olhos se transformaram num grande oceano translúcido... E eu mergulhei nesse mundo de amor infinito.

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