3 minute read

ISOLDA COLAÇO PINHEIRO

A DIMENSÃO DA LINGUAGEM EM A PAIXÃO SEGUNDO G. H.DE CLARICE LISPECTOR

Por Isolda Colaço Pinheiro

Advertisement

O que se pode reconhecer do ser da linguagem é o seu poder de transgressão em que a palavra detém o poder de criação. Na dimensão do ser e da escritura, quem sabe é a palavra como desveladora de si mesma. A literatura é o lugar por excelência em que o sujeito se cala para fazer falar a palavra no movimento da escritura. A linguagem na literatura, nesta obra, torna-se um convite ao leitor para, Clarice, “pessoas de alma formada”.

1 A LINGUAGEM POÉTICA E MÍTICA NA BUSCA DO EU EM A PAIXÃO SEGUNDO G.H. A obra da autora expõe uma quebra com a forma clássica da narrativa, ao utilizar traços característicos da prosa com linguagem própria do poema, originando o que Antônio Cândido denominou narrativa poética. Antônio Candido, em julho de 1944 no artigo intitulado, com acerto, “No raiar de Clarice Lispector”, destaca a “performance da melhor qualidade” da escritora. Na visão do crítico, a estreante tem uma densidade afetiva e intelectual e procura captar a essência, o ser, ao eleger as paixões e os estados de alma, como força motriz da narrativa.

Em A paixão segundo G.H., especialmente, a escritora extrapola o limiar da misticidade, buscando, por meio de uma narrativa sensorial, impulsiva, intuitiva e até mesmo metafísica a paixão a qual tanto almeja por meio da personagem G.H. Sua capacidade intuitiva revela-se em vários momentos da narrativa, principalmente por meio dos símbolos escolhidos, para a construção dos eixos principais da trajetória metamórfica da personagem. A arte de tocar o intocável, uma busca enlouquecida, cheia de paixão e inquietude, faz com que a personagem G.H. torne-se uma “desvendadora” de seus anseios ainda não conhecidos, mas tão desejados e, ao mesmo tempo, temidos pela autora. O estilo indagador da escritora ressalta o dilema existencial da personagem, como há também em alguns autores da Literatura brasileira, como Machado de Assis. Ainda no primeiro parágrafo do livro, encontra-se um discurso arrojado e incomum, redigido pela escritora que inicia a narrativa com seis travessões ([...] estou procurando, estou procurando), o que indica uma possível crise existencial da personagem: a identidade de G.H. em descompasso com o mundo onde ela sempre estivera habituada, e consigo mesma, a música da sua vida não a bastava.

Essas reticências duplicadas permitem ao leitor atento uma interpretância de continuísmo, como se essa história houvesse começado bem antes daquele início, ou seja, aquela trajetória já começara bem antes, provavelmente, em seu interior. A personagem se encontra fora de sua construção humana, deslocada de seu mundo anterior, um mundo inabitável, assim como ela refere-se à ausência de sua “terceira perna” (uma metáfora para as situações que passamos a entulhar em nossa existência, todavia não servem para nada, apenas para nos deixar numa zona de conforto). Sua crise a exaspera por estar completamente cansada, extenuada de sua máscara, a qual dava a ela um pertencimento de “ser” e a confirmação do que “era”, essencialmente, sua zona de conforto e alienação, talvez uma personagem consciente. Na linguagem clariceana, portanto, os símbolos linguísticos utilizados estão em busca de certa ordem existencial na qual a personagem, por meio desses, trilha incessantemente.

G.H. pensa, por conseguinte, que provando daquilo que ela considerava demasiadamente asqueroso e repugnante (a barata) chegaria à “redenção” de sua própria existência. Ou seja, ao próprio estado de libertação dos limites que a definiam como humana. Porém, a personagem novamente é surpreendida durante o feito. Já que ao provar a barata morta (elemento simbólico) e, em seguida, cuspe os restos mortais do animal, G.H. não sente nada; apenas uma estranha insipidez, que a remetia a coisa alguma, senão a ela mesma. Neste instante, ela dá-se conta do nada que se havia tornado, ou do que era para os outros, havia-se perdido... era um encontro doloroso, mas incessantemente necessário.

No livro, “Mulheres que correm com os lobos”, a autora Clarissa Estés faz uma alusão interessante sobre esse dilema o qual G.H. passava naquele instante, relatando que a vida das mulheres têm ciclos como as estações. Há tempo de correr, ficar, envolver-se, distanciar-se e até mesmo de pe-

CONGRÉS CULTIVE INTERNATIONAL CULTUREL DE LA FEMME

«Esse é o universo feminino, mas todos podem vir reverenciá-las»

This article is from: