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À luz pág

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Ausência pág

Ausência pág

“Eu, forçado a ascender, eu, Mutilado, busco a Estrela que chama, inapelável. E a Pulsação do Ser, Fera indomável, arde ao sol do meu Pasto-incendiado.”

Abertura “Sob Pele de Ovelha”

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À luz

Pertencimento e raiz não têm ligação direta com espaços geográficos nem com registros da certidão de nascimento. No caso de Ariano Suassuna, nascido nas bordas do mar, sempre foi a Taperoá que ele se referiu como “a minha terra, no Sertão da Paraíba”. Oitavo filho do casal Rita de Cássia Dantas Villar e João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna, o lugar de nascimento, a capital, na época, também era chamada de Paraíba. Antes havia sido Nossa Senhora das Neves — nome do qual Ariano tanto gostava como religioso e católico que era — e também Frederikstad, denominação que a cidade recebeu no século 17, durante a ocupação holandesa.

Em 16 de junho de 1927, João Suassuna era o presidente da Paraíba, cargo hoje correspondente ao de governador, quando teve seu penúltimo filho com dona Ritinha. O parto ocorreu dentro do Palácio da Redenção, sede do governo paraibano. O prédio fora construído para servir de residência a jesuítas, ainda no século 16. Pedro havia sido o nome escolhido para o novo integrante da família, mas o pai lera, na época, sobre a história de um santo egípcio dos anos 300 e decidiu dar ao filho o nome dele, Ariano.

Saulo, João, Lucas, Selma, Marcos, Germana, Betacoeli, Ariano e Magda, a caçula: esses são os irmãos Vilar Suassuna, filhos de João e Rita. Um ano depois do nascimento de Ariano, encerra-se o mandato do pai e a família volta para o

Sertão, indo viver na Fazenda Acauhan. Desde muito cedo, o menino despertou a atenção da família sobre sua inteligência e memória potente. Adulto, contava como havia impressionado dona Ritinha ao lembrar-se de vários detalhes do dia em que quebrou um braço, fato que ocorreu em 19 de março de 1929 — antes, portanto, que ele completasse 2 anos de idade.

Aos 3, a tragédia que transformaria a vida e balizaria toda a criação de Ariano Suassuna: a morte do pai, assassinado, no Rio de Janeiro, com um tiro pelas costas. Viúva, aos 34 anos, com nove filhos, entre eles a caçula de um ano, Rita Suassuna precisava seguir o destino que não escolhera. Os trajes de luto a acompanharam até o último dia de vida, mas nunca permitiu que nenhum dos filhos se vestisse de preto como ela. Jamais admitiu que fosse feita vingança à morte do marido. Nem admitia lamúrias nem lamentos.

Sem o pai e com os irmãos homens, mais velhos, vivendo no Recife, Ariano cresceu, em Taperoá, cercado por mulheres — fato que sempre ressaltou como privilégio em sua vida. Além da mãe, as irmãs Beta e Magda (Selma e Germana estudavam em Campina Grande, mas sempre estavam no Sertão) e tia Neves, a principal responsável pela alfabetização de Ariano.

Como surpresa para o sobrinho, ela encomendou, na feira de Taperoá, a primeira cartilha do menino. Com as mãos escondidas atrás do corpo, pediu que ele adivinhasse o que trazia ali. Desafiou: “Você me paga as alvíssaras?” Ariano, que havia topado "pagar" com um jarro de cajarana, recebeu a cartilha.

“Eu, brincando, digo: não sabia ela que estava me escravizando para o resto da vida. Claro que falo brincando porque, na verdade, ela estava me abrindo um reino da mais alta importância, o reino da leitura.”

Na memória, as primeiras obras que fariam dele um leitor quase compulsivo: Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, e os clássicos brasileiros de Monteiro Lobato. O pai havia deixado uma biblioteca sortida; alguns dos livros foram guardados durante toda a vida de Ariano como relíquias: um exemplar de Os Sertões, de Euclides da Cunha; Cantadores, Sertão Alegre e Violeiros do Norte, os três escritos pelo cearense Leonardo Mota; A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras, do autor português Eça de Queiroz.

Foi no Sertão que Ariano assistiu, aos 7 anos, à primeira cantoria de viola. O desafio, comandado pelos cantadores Antônio Marinho e Antônio Marinheiro, jamais seria esquecido.

“Fui levado pelo meu irmão Lucas para a casa de um oficial da polícia que morava em Taperoá, onde estava presente um dos maiores cantadores que já houve no Nordeste, Antônio Marinho. Na minha primeira cantoria eu tive a sorte de ouvir essa figura mágica.”

Também são dos primeiros anos da infância as lembranças de apresentações de mamulengo e de espetáculos de teatro encenados sob lonas de circos. A chegada do circo e, principalmente, a atuação do palhaço, era alumbramento para menino morador de Taperoá. “Bastava que alguém dissesse ‘O circo chegou’ que começava a desencadear-se um estado de tensão poética dentro de mim”, confessava. O fascínio fez de um dos palhaços vistos nos picadeiros sertanejos personagem da literatura brasileira: Gregório, astro do circo "Stringhini", está na origem do narrador do Auto da Compadecida, obra mais consagrada de Ariano, com versões para TV e cinema, além de traduções para idiomas como alemão, francês, holandês, polonês e espanhol. “Sou um palhaço frustrado”, repetia. “Gosto de rir e de fazer rir.”

Também do circo vem a imagem a partir da qual o autor, certa vez, descreveu o mundo:

“O Circo é uma das imagens mais completas da estranha representação da vida, do estranho destino do homem sobre a terra. O Dono-do-Circo é Deus. A arena, com seus cenários de madeira, cola e papel pintado, é o palco do mundo, e ali desfilam os rebanhos de cavalos e outros bichos, entre os quais ressalta o cortejo do rebanho humano — os reis, atores trágicos, dançarinas, mágicos, palhaços e saltimbancos que somos nós.”

Existem duas formas de se contar o tempo que Ariano morou na cidade: entre seis e dez anos de idade, ele pouco saía da vila sertaneja; e dos dez aos 15 ainda estava lá a sua casa, que era também de sua mãe e de seus irmãos, mas o colégio interno, no Recife, era onde passava a maior parte do tempo.

A Fazenda Acauã é um importante patrimônio histórico rural paraibano. Com 300 anos de história, é a mais antiga fazenda de gado e algodão do Sertão da Paraíba. A 409 quilômetros da capital, atualmente se localiza na zona rural da cidade de Aparecida. Ariano Suassuna morou no casarão, durante parte de sua infância, e se inspirou na Acauã para escrever suas obras.

História que afirma identidade, patrimônio que confere pertencimento, beleza grandiosa que é Sertão: está tudo na construção de mais de três séculos, encravada em Aparecida, Paraíba sertaneja, brasileira. Agora, seguem juntos a criação de Ariano Suassuna e a Acauã.

“Aqui morava um Rei quando eu menino: vestia ouro e Castanho no gibão. Pedra da sorte sobre o meu Destino, pulsava, junto ao meu, seu Coração.”

AriAno SuASSunA, “A Acauhan - A Malhada da Onça”

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