Para além do princípio antrópico: por uma filosofia do Outside, de Fabián Ludueña Romandini

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Para além do princípio antrópico



Fabián Ludueña Romandini

Para além do princípio antrópico: por uma filosofia do Outside

Cultura e Barbárie Desterro, 2012


Título Original Más allá del principio antrópico: hacia una filosofía del Outside Tradutor Leonardo D’Avila Revisão Flávia Cera, Diego Cervelin Conselho Editorial Alexandre Nodari, Diego Cervelin, Flávia Cera, Leonardo D’Ávila de Oliveira, Rodrigo Lopes de Barros Oliveira L947p Ludueña Romandini, Fabián Para além do princípio antrópico : por uma filosofia do Outside / Fabián Ludueña Romandini; [tradutor Leonardo D’Ávila]. – Desterro [Florianópolis] : Cultura e Barbárie, 2012. 92p. – (PARRHESIA, Coleção de Ensaios) Tradução de : Más allá del principio antrópico : hacia uma filosofia del Outside Inclui bibliografia ISBN: 978-85-63003-02-7 1. Filosofia moderna ocidental. 2. Ensaios. I. Oliveira, Leonardo D’Ávila de. II. Título. III. Série. CDU: 1 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

Editora Cultura e Barbárie R. Beija-flor, 218 CEP: 88062-253 Florianopolis/SC Tel:(48) 99605336 editora@culturaebarbarie.org www.culturaebarbarie.org


Aos amigos do Brasil, cuja terra pr贸diga em dons inspirou estas p谩ginas.



Índice Premissas 9 I. Schelling como sintoma: o reencontro do mythos com o logos

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II. Filologia da Vida

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III. Hipótese acerca de uma topologia dos mundos crepusculares

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IV. Princípio antrópico: cosmologia

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Apostila

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Biliografia

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Premissas Ao menos desde 1844, quando Max Stirner proferiu seu estridente grito anti-humanista1 – ademais, rápida e convenientemente calado pelas forças da ordem do mundo – com o qual fez cambalear as convicções do Grupo dos Livres de Berlim e, com ele, todas as certezas da grande especulação ocidental, cujo coroamento à época fora, e continua sendo, o sistema hegeliano, a filosofia centrou seu interesse em glosar, dos modos mais diversos e refinados, a sentença de morte do Homem proferida por Stirner. Inclusive as ciências – da biologia evolucionista à cosmologia – cursaram a mesma deriva ontológica rumo 1  Stirner, Max. Der Einzige und sein Eigentum. Neue Ausgabe, mit einer biographischen und erläuternden Einführung Von Anselm Ruest. Berlim: Rothgiesser & Possekiel, 1924 (1844a) [edição brasileira: O único e a sua propriedade. Tradução de João Barrento. São Paulo: Martins, 2009].


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a um descentramento do Homem do substratum de suas elucubrações teoréticas. De Darwin a Einstein, de Heidegger a Foucault, a filosofia e as ciências, lentamente, com avanços e retrocessos, mas por um caminho certeiro, não fizeram senão se desprender do legado humanista e antropocêntrico com o qual haviam inaugurado sua retumbante entrada em cena a partir do início da Modernidade. Essa crítica da antropologia como elemento reitor do pensamento especulativo e científico decantou, sucessivamente, em uma nova atenção2 ao caráter eminentemente animal do Homo sapiens, bem como em um interesse crescente, em todos os campos do saber, pelo problema da vida (o auge contemporâneo da biopolítica ou das mais avançadas ciências biológicas são apenas um sintoma tardio de um fenômeno que vem sedimentando seus estratos desde, pelo menos, meados do século XIX). A animalidade e as diversas declinações da filosofia da vida se impuseram, então, como uma garantia para todos aqueles que querem nadar nas águas aparentemente seguras do pensa2   Dizemos, sem dúvida, “nova” atenção, dado que a animalidade do homem constitui, como veremos, um ponto de partida de toda a filosofia pré-moderna. Nesse sentido, permito-me remeter a Ludueña Romandini, Fabián. La comunidad de los espectros I. Antropotecnia. Madri; Buenos Aires: Miño y Dávila, 2010 [edição brasileira: A comunidade dos espectros I. Antropotecnia. Tradução de Alexandre Nodari e Leonardo D’Avila. Desterro: Cultura e Barbárie, 2012].


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mento pós-metafísico ou, em todo caso, estar urdidos de uma confiante Destruktion da tradição metafísica de um Ocidente esgotado de suas próprias ensonhações teóricas. Neste livro, ao contrário, defenderemos implicitamente a necessidade de uma reabilitação plena da metafísica como forma suprema da filosofia (para além da multiplicidade de modos e escolas que tal saber possa gerar); aqui nesta ocasião nos limitaremos em expor o que estimamos ser o prolegômeno necessário a toda metafísica futura, isto é, uma crítica radical do princípio antrópico. Só uma filosofia verdadeiramente não-antrópica será capaz de assumir a tarefa de propor uma metafísica que seja capaz de se postular assumindo as conquistas e os apontamentos do período genealógico da filosofia do século XX, ou seja, como uma autêntica metafísica pós-desconstrucionista. Neste percurso, cair em algumas formas de esquematismo expositivo será inevitável e, de fato, este é, de certo modo, o objetivo visado. Isto porque todos os sistemas ou pensadores que aqui serão mencionados têm uma enorme riqueza teórica que não pode ser reduzida a algumas proposições totalizantes e, por essa mesma razão, continuam sendo fontes necessárias de toda filosofia futura. Não obstante, nosso objetivo consiste, justamente, em tomar algumas proposições filosóficas como sintomas de um certo devir do conjunto do filosofar e/ou do saber científico. Trata-se então de um diagnóstico macroscópico geral que,


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certamente, poderia ser matizado com análises particulares em escala microtextual. Mas aqui nos interessa apenas chegar a conceber ou tematizar o que consideramos o fio condutor do devir filosófico-científico até nossos dias. Em certo sentido, poderíamos dizer que queremos trabalhar aqui com o que gostamos de denominar os Urbegriffe da filosofia e da ciência do Ocidente; nesse caso, particularmente o princípio antrópico. Todo conceito primordial tem a propriedade de dar conta de algum dos grandes eixos que estruturam as cosmovisões filosóficas que traçaram o caminho do pensamento especulativo no Ocidente. Nesse sentido, se a filosofia (ainda que também a ciência) pode ser definida, em sua vertente ocidental, como uma passagem do mythos ao logos, ou, ao menos, como um ajuste de contas entre os poderes sacros do mito e os exercícios domesticadores do logos dialético, postularemos aqui que, para além de tal cisão aparente, existe, entre uma dimensão e outra, uma linha subterrânea de continuidade, uma Urbegriff que enlaça secretamente os destinos das potências do pensamento ocidental. Assim, tendo em vista tudo isso, optaremos por tomar os dois extremos – aparentemente opostos – do devir ocidental do pensamento: o mundo arcaico dos mistérios antigos e, no extremo temporal em que acreditamos habi-


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tar, alguns dos postulados mais audaciosos da cosmologia contemporânea. Conseqüentemente, entenderemos sucessivamente por princípio antropológico aquele que faz do Homem o substrato metafísico no qual se fundamenta um sistema filosófico. A “desconstrução do fundamento” se encarregou, como dissemos, de atacar fortemente esse princípio para defender a animalidade substancial do homem e o primado ontológico da vida. Por outro lado, chamaremos de princípio antrópico forte aquele que tem como base implícita a descentralização do humano como condição – só aparentemente paradoxal – da explicação do homem e de seu mundo. Outra forma de chamar esse princípio poderia ser finalismo antrópico forte, já que a diferença entre o princípio antropológico e o antrópico consiste neste último fazer do homem um fim – inclusive não-suposto ou criptoteleológico – e nunca um fundamento propositivo. Em contrapartida, denominaremos princípio antrópico fraco aquele cuja postulação implica um antropismo, mas não faz necessariamente deste um finalismo pleno em que, veladamente, a presença do humano se transforma em condição de possibilidade da diagramação ou funcionamento de um sistema (mítico, metafísico ou cosmológico). Assim, neste último caso, o homem pode ser pensado como um elo necessário de uma cadeia metafísica superior.


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A hipótese que colocaremos à prova é, então, a de que a filosofia pôde se desfazer do princípio antropológico (e, de fato, não cessa de se vangloriar do que considera um triunfo assegurado), mas não conseguiu nem identificar e nem superar um princípio antrópico subjacente e determinante do qual o primeiro é subsidiário. É chegada a hora, então, de submergirmos na noite dos tempos.


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