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JOSÉ EDUARDO AGUALUSA “NENHUM LIVRO NASCE DA MESMA MANEIRA. EM TODO O CASO

“Nenhum livro nasce da mesma maneira. Em todo o caso, o mais importante é sempre encontrar a voz certa para contar aquela história”

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA ACABA DE RECEBER O GRANDE PRÉMIO DE CRÓNICA E DISPERSOS LITERÁRIOS, ATRIBUÍDO PELA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESCRITORES, COM O LIVRO “O MAIS BELO FIM DO MUNDO”, QUE REÚNE CRÓNICAS, CONTOS E NOTAS DIARÍSTICAS, ESCRITOS ENTRE 2018 E 2021 NA REVISTA VISÃO, NA GRANTA E NO JORNAL BRASILEIRO O GLOBO. EM ENTREVISTA À PRÉMIO, O ESCRITOR ANGOLANO FALA DO SEU NOVO PROJECTO LITERÁRIO, UMA ESPÉCIE DE BIOGRAFIA QUE DIZ SER TAMBÉM UM ENSAIO SOBRE A HISTÓRIA RECENTE DE ANGOLA.

A Literatura é um espaço de reflexão? A literatura deve ser, em primeiro lugar, um território de reflexão e de debate. A mim começou por me ajudar a compreender Angola, e o meu lugar dentro do país.

Escreve todos os dias? Sim. Escrevo o meu diário, por vezes crónicas, outras vezes contos. Isso quando não estou a escrever um romance. Acontece escrever ao mesmo tempo contos, romance, crónicas e o diário. A Ilha de Moçambique, onde vive actualmente, já foi também o “chão” de Luís de Camões, Bocage e de António Gonzaga. Que impressões gostaria de trocar com estes escritores se pudesse coincidir no tempo por alguns momentos? Obviamente, gostaria de os ouvir falar sobre o tempo em que viveram. E gostaria de saber o que pensariam sobre alguns aspectos do nosso tempo — não sobre os avanços tecnológicos, mas sobre questões como o fim da escravatura ou a emancipação feminina. “Toda a literatura é política e de intervenção, em particular em países, como Angola em que a maior parte das pessoas não tem maneira de se fazer ouvir”. É frequente abordarem-no no sentido de ser “mensageiro” de questões desta natureza? Tenta fazer esse papel? Sim, por vezes acontece leitores pedirem-me que escreva sobre determinadas questões. Ouço toda a gente. Até me acontece encontrar leitores que me contam estórias que acham que poderiam dar um bom romance.

FOTOS GENTILMENTE CEDIDAS PELO ESCRITOR

ENTREVISTA

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA,

ESCRITOR

CATARINA DA PONTE

Recentemente inaugurou, na Guarda, a exposição de poesia e fotografia “Gramática do Instante e do Infinito” sobre a Ilha de Moçambique. O Lugar de contemplação, criação e exposição da fotografia tem semelhanças com o exercício da escrita? Tem algumas, sobretudo se o propósito com a fotografia for o de contar uma história, que é o que acontece com essa exposição. Também é possível tentar contar uma história com uma única imagem. Olhar para os fotografados enquanto personagens.

O que o fez aceitar este desafio da curadora Lucia Bertazzo? Sempre gostei muito de fotografar. A partir do momento em que me instalei na Ilha de Moçambique comecei a fotografar mais. Além disso, tinha uma história para contar e a Lucia percebeu isso.

Viveu em Lisboa, Luanda, Rio de Janeiro e Berlim e, actualmente, na Ilha de Moçambique, qual o legado que cada um destes sítios lhe deixou, enquanto pessoa e escritor (se é que podemos dissociar estes dois corpos). Todas essas cidades são lugares de encontro – territórios que se abriram a outros e a vivências diferentes. É o que mais me interessa neles.

Que referências literárias contribuíram para a sua construção enquanto escritor? Desde Eça de Queirós a Bruce Chatwin, passando por [Jorge Luís] Borges e [Gabriel] García

“[AS MINHAS HISTÓRIAS] PODEM NASCER DE UMA NOTÍCIA NUM JORNAL, DE UMA FRASE OUVIDA NA RUA, DE UM SONHO. NENHUM LIVRO NASCE DA MESMA MANEIRA.”

Márquez. Gosto de escritores que saibam contar uma boa história, com paixão e deslumbramento, e usando todos os recursos da língua.

“Escrevo para saber”. As suas histórias nascem a par de personagens e cenários? Podem nascer de uma notícia num jornal, de uma frase ouvida na rua, de um sonho. Nenhum livro nasce da mesma maneira. Em todo o caso, o mais importante é sempre encontrar a voz certa para contar aquela história. Isso é muito mais importante do que a própria história.

O livro “Os Vivos e os Outros” (vencedor do Prémio PEN Clube Português 2021) é uma profecia ou uma coincidência do contexto pandémico? O livro ficou pronto alguns meses antes do início da pandemia. Trata de questões que já me interessavam ou preocupavam antes, e que me continuam a interessar. Sobretudo, do poder da palavra.

Como vê a literatura africana, sobretudo a emergente? Com muito optimismo. Os países africanos são muito diversos entre si, com uma extraordinária riqueza de culturas e de formas diferentes de olhar o mundo. A própria carência tem forçado as populações africanas a exercitar a criatividade. Não surpreende que, tendo os instrumentos adequados, África surpreenda no mundo das artes, das artes plásticas à literatura.

O que está a escrever neste momento? Uma espécie de romance não ficcional – uma biografia, que é também um ensaio sobre a história recente de Angola, vista a partir do coração da nação ovimbundo.

O seu último livro é sobre sonhos e sobre sonhadores. Com o que é que ainda sonha José Eduardo Agualusa Alves da Cunha? Tenho os mesmos sonhos das misses: sonho com a paz mundial. l

PERGUNTAS RÁPIDAS, RESPOSTAS PRONTAS

Do que se alimenta um escritor? Escritores alimentam-se de tudo aquilo que os cerca, da luz à escuridão.

O amor tem o contorno da Ilha de Moçambique? O amor transcende geografias.

Que livro gostaria de ter lido antes de começar a viver? O meu diário.

O “Mais Belo Fim do Mundo”, lançado no final do ano passado, junta crónicas e textos de ficção sobre os tempos que vivemos entre 2018 e 2021. Como seria o mais belo fim do mundo, se o pudéssemos e quiséssemos realmente desejar? “O mais belo fim do mundo” é a Ilha de Moçambique.

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