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“MACAU É UM PALCO DE EMOÇÕES”
O CRUZAMENTO ENTRE AS CULTURAS ORIENTAL E OCIDENTAL É O QUE DISTINGUE A CIDADE. A
FUSÃO TRADUZ-SE NA ARQUITECTURA, OFERTA CULTURAL, MAS TAMBÉM NA GASTRONOMIA E NA
LÍNGUA. ALÉM DOS MONUMENTOS E OUTROS PONTOS HISTÓRICOS, SÃO VÁRIOS OS EVENTOS QUE
FAZEM DA REGIÃO UM DESTINO TURÍSTICO.
CATARINA BRITES SOARES
AMacau dos edifícios altos e dos neóns que recebe de primeiras os que chegam no lusco-fusco esconde a dos traços que a tornam única e que se resumem na fusão entre Ocidente e Oriente, como gosta de ser conhecida. “Macau sempre soube manter uma atmosfera única que a torna muito diferente das regiões vizinhas. É hoje, como ao longo dos séculos, uma harmoniosa mistura entre as culturas chinesa e portuguesa, vivida de forma pacífica pelas suas gentes”, lê-se no ‘website’ dos Serviços de Turismo, no texto que apresenta o território. A simbiose é visível na arquitectura, sobretudo do centro, mas também na agenda cultural.
A pandemia e a progressiva integração na China continental fazem com que o enfoque seja cada vez mais numa oferta e artistas chineses, ainda que se procure manter alguma ligação ao exterior e à cultura lusófona, fruto da presença portuguesa. “Macau é único pela sua génese”, realça Miguel de Senna Fernandes, advogado e encenador do grupo de teatro Dóci Papiaçám di Macau. “A presença secular dos portugueses e de outros povos que por causa dos portugueses se estabeleceram aqui fez com que Macau tivesse nascido de forma peculiar e muito diferente de outras terras chinesas, e de Hong Kong”, acrescenta o também presidente da Associação dos Macaenses. Pisar o centro seria suficiente para intuir o passado de 500 anos de coexistência. A calçada portuguesa, a toponímia nas duas línguas oficiais da região – português e chinês; a arquitectura – pelo menos das fachadas – são algumas marcas do legado histórico. O Largo do Senado, o coração da cidade, concentra grande parte dessa identidade que se vai esbatendo com a nova construção. Há outras manifestações culturais sintomáticas da convivência. O patuá é um desses exemplos, salienta Senna Fernandes. “Este crioulo, de base portuguesa, nasceu por causa desse ambiente de coexistência. A gastronomia é outro exemplo de miscigenação. Muitos peritos dizem que foi a primeira cozinha de fusão”, afirma, sem desconsiderar o centro histórico. “Macau tem de ser visto como um todo, precisamente por esta origem. Mas mais uma vez, chamo atenção para um espaço na China com monumentos e outros resquícios de cultura não chinesa.” Só no centro há duas igrejas - a de S. Domingos e a Sé – onde continuam a celebrar-se missas. Perto estão as Ruínas de S. Paulo – o monumento mais emblemático da cidade – que a poucos passos de distância tem o Museu de Macau, circundado por uma muralha e canhões, e com uma vista panorâmica da cidade. Há outras vistas que merecem a pena, como a da Igreja da Penha que bem perto tem o Templo de A-Má – deusa a quem se deve o nome da cidade em português. Os templos, como as igrejas, são vários e encontram-se quase em cada esquina.
Momentos altos Na zona do Largo da Barra, onde está o de A-Má, teve por exemplo
JARDIM DE LOU LIM IOC
TEMPLO DE A-MÁ
lugar a primeira exposição em Macau do português Alexandre Farto. “Destroços” era uma reflexão sobre o meio urbano de Macau e particularidades, num confronto com a realidade de outras cidades. Antes, o artista mais conhecido por Vhils já tinha deixado assinatura num mural com uma imagem de Camilo Pessanha nos jardins do Consulado de Portugal da região, onde o poeta viveu e morreu. Pelas Oficinas Navais passa também o Festival Literário de Macau – Rota das Letras. Fundado pelo jornal Ponto Final, afirma-se como o primeiro e maior encontro de literatos da China e dos Países de Língua Portuguesa. Escritores, editores, tradutores, jornalistas, músicos, cineastas e artistas plásticos de distintas partes compõem o cartaz do evento. No mesmo local, a fechar o Outono, tem lugar o “This is My City”, que também junta artistas lusófonos e chineses. Concertos, debates, ‘workshops’, performances, teatro, cinema e exposições preenchem o programa de um festival que tem vindo a crescer pelas mãos da associação cultural +853. Com o mesmo propósito de agregar culturas é organizado todos os anos o Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa, mais conhecido como Festival da Lusofonia. Além de concertos noutras partes da cidade, é na Taipa, do outro lado das pontes e nas Casas Museu, que tem lugar um dos eventos mais acarinhados da cidade. A área ao ar livre - de frente para o Cotai, onde estão concentrados grande parte dos casinos – é ocupada por barraquinhas com artesanato e gastronomia típica da Lusofonia e da China. Todos os anos marcam presença artistas de todos os países de língua portuguesa como aconteceu com o angolano Paulo Flores e os portugueses Orelha Negra.
De lés a lés No âmbito da música, há outro nome incontornável. Vincent Cheang tem talvez o espaço mais alternativo da cidade. O LMA – Live Music Association, no 11.º andar de um edifício ainda mais alto, acolhe concertos de bandas de vários estilos de Macau e de fora. O promotor cultural confessa que gostava que Macau
tivesse mais diversidade já que a maioria dos festivais de música é organizada pelo Governo e casinos. Apesar ser a música a sua área, é de outra área o evento local que escolhe como o ponto alto. “O Grande Prémio é o momento mais especial para quem, como eu, adora carros”, diz. Há outros momentos que todos os anos se repetem como o Salão de Outono, que tem lugar na Casa Garden, junto ao Jardim Camões. A exposição, que resulta da parceria entre a Fundação Oriente e a associação Art for All, reúne trabalhos de artistas locais – mais e menos consagrados. O Festival Internacional de Artes procura dar visibilidade às diversas expressões artísticas. Até à pandemia e da cidade se fechar ao exterior como acontece desde 2020, vários nomes importantes de fora enriqueciam o programa que abarca teatro, bailado, música, performance, dança clássica e contemporânea e tem como palco alguns dos espaços referência da cidade como o Centro Cultural, o Museu de Macau, o Teatro D. Pedro V e o Edifício do Antigo Tribunal. Ainda que a música faça parte deste, tem outro momento exclusivamente dedicado a ela. A cantautora americana Laurie Anderson e o pianista/ compositor de jazz Billy Childs foram alguns dos nomes que já passaram pelo Festival Internacional de Música. A par dos que nunca falham no calendário anual, há outros momentos que vão tendo lugar em diferentes sítios num esforço de levar a cultura além dos espaços convencionais como sucede com a Casa do Mandarim – residência tradicional chinesa de Zheng Guanying, importante figura literária chinesa – que acolhe concertos da Orquestra de Macau. “Macau é um palco de emoções: da cidade real à das ilusões… os casinos, são como catedrais onde convergem as famílias e turistas”, refere Lúcia Lemos. A coordenadora da Creative Macau, centro de indústrias criativas, sublinha que “é indispensável ver é a cidade de lés a lés”. l