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JOÃO ESTEVES DE OLIVEIRA “A ARTE É UM SONHO TORNADO REALIDADE”

JOÃO ESTEVES DE OLIVEIRA

“A arte é um sonho tornado realidade”

AO LONGO DE PERTO DE DUAS DÉCADAS, DEU A CARA E O NOME POR UMA GALERIA ÚNICA:

UM ESPAÇO DEDICADO A TRABALHOS SOBRE PAPEL. DE APAIXONADO POR ARTE, JOÃO ESTEVES DE OLIVEIRA DESCOBRIU-SE COLECCIONADOR E OFERECEU AO PÚBLICO A SUA LEITURA COMO

GALERISTA. A GALERIA ESTEVES DE OLIVEIRA PODE TER FECHADO PORTAS, MAS A ARTE NUNCA VAI

DEIXAR DE OCUPAR OS SEUS SONHOS – NEM O SEU OLHAR.

ANA VENTURA

O mote para a abertura da sua galeria foi um desejo muito claro de ter um espaço dedicado apenas a trabalhos sobre papel, não foi? Gostava muito de uma galeria, a “Works On Paper”, e acabei por copiar a ideia: de facto, só tinha trabalhos sobre papel, que é uma das minhas paixões. A minha colecção tem pinturas e óleos sobre tela, mas há muito trabalho sobre papel, modernistas do princípio do século XX e contemporâneos.

Porém, antes do galerista, houve o apaixonado por arte que se descobriu coleccionador. Sim, sim – e houve a coincidência dessas duas situações, do coleccionador e do galerista, porque o coleccionador foi sempre comprando na própria galeria.

Foi o seu melhor cliente? Talvez isso seja um exagero porque tinha bons clientes – mas é verdade que dava as minhas picadelas. A primeira obra que comprou foi um trabalho em papel de Jorge Pinheiro – tinha pouco mais de 25 anos. Exactamente. Não a tenho comigo: foi a minha filha mais velha quem ficou com esse Jorge Pinheiro, que é uma maravilha.

Depois, em Paris, viu-se a gastar um ordenado quase na totalidade com um Júlio Pomar. O “L’Etonement”, uma coisa espectacular. Estive quase 10 anos em Paris, a trabalhar na banca, na sucursal do BPA que depois se tornou BCP, e uma das boas coisas que esse tempo me trouxe foi a relação de proximidade com o Júlio Pomar. Nessa altura, comprei vários Pomares.

Diz que acha que nunca fez muitas asneiras, que sempre teve algum “olho”. Isso é presunção da minha parte – ou, por outra, não é presunção porque é verdade, mas não o devia dizer. Tenho

um conjunto de coisas boas... e foram raros os disparates. Se é que os houve.

Tem ideia de quantas obras tem? Perto de duas centenas: uma boa parte está representada no livro “Moderno e Contemporâneo: a colecção de João Esteves de Oliveira” [publicado em 2019, com João Pinharanda], onde já faltam os mais recentes: dois Amadeos, um Léger, um Pomar, um Graça Morais, um Cecília Costa, um Pedro Cabrita Reis, um António Sena, um Sonia Dalaunay, três António Carneiro, um Eduardo Malta, um Rui Chafes...

Há traços que definam a sua colecção? É uma colecção de pintura, de esmagadora maioria de autores portugueses, modernistas e contemporâneos, e com uma componente importante de trabalho sobre papel. Não sei se poderei dizer que é dominante, mas a percentagem é, de facto, justificação para esse tipo de caracterização. A obra mais antiga será da década de 1920 e estende-se até à actualidade.

Tem alguma que possa dizer que é a sua preferida? Não... Não posso dizer que seja um desgosto, mas uma asneira grande que fiz foi ter vendido uma coisa muito importante que tinha da Paula Rego, o “Jenufa”. Não resisti ao namoro que foi feito por uma equipa da Sotheby’s: convenceram-me a pôr o quadro em leilão, foi vendido – e

bem vendido –, em Londres, mas é uma coisa que não me perdoo. Era uma peça grande da colecção que nenhuma outra vai substituir.

Quando abriu a galeria, passou a partilhar com o público a alegria que sente com estas obras. Decidi abrir a galeria na altura em que acabei a minha vida na banca e ainda bem que o fiz porque foi algo que me deu muito gozo, que me deu proveito e que me fez acrescentar muita coisa na colecção.

As pessoas estranharam a dedicação exclusiva da galeria – mas também foi isso que a distinguiu. Foi um dos trunfos e uma das razões do sucesso, passe a imodéstia.

Aquando da exposição “Álvaro Siza. O Desenho”, o próprio arquitecto chamou a atenção para a intimidade única que se encontra num esquisso – foi isso que o atraiu nessa ideia de especialização em trabalho sobre papel? Para já, tenho uma paixão grande por trabalho sobre papel; por outro lado, para ter autores de primeira linha, o trabalho sobre papel é mais acessível do que a pintura propriamente dita... Acho que o sucesso era mais facilmente alcançável (ou provavelmente alcançável) do que se tivesse uma galeria com papel, pintura, escultura, uma galeria de arte sem um foco limitado.

Sendo que o trabalho de um coleccionador é muito diferente do trabalho de um galerista. O grande desafio, quando preparava uma exposição, era escolher nomes já respeitáveis ou que acreditava que viriam a ser respeitáveis. Por outro lado, também procurava ter autores ou artistas cujo trabalho me interessava, que gostaria de ter na minha colecção – e que acabei por ter, como é óbvio. Não deixava acabar uma exposição sem ficar com um ou dois. Conheci alguns artistas através da galeria, mas poucos: a maior parte dos que por lá passaram já eram artistas da minha predilecção que, felizmente, aceitaram os meus convites.

Continua a ser surpreendido pelas obras que tem ou já as conhece tão bem que elas não lhe guardam segredos? A verdade é que já as trato por tu, não há segredos entre nós.

A arte é a vida no seu supremo estado ou é “apenas” algo que nos faz sonhar? Com certeza que é uma forma de nos fazer sonhar e há muita coisa que eu gostaria de ter... Não será a forma suprema da vida porque ela está aqui. Não é algo inatingível, é um sonho tornado realidade, um sonho que fui capaz de concretizar. Como é evidente, gostava de ir mais além, mas o que tenho já satisfaz a minha paixão. l

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