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RUI MASSENA
MAESTRO, COMPOSITOR, RUI MASSENA É UM NOME INCONTORNÁVEL NO MUNDO DA MÚSICA EM PORTUGAL. COM 22 ANOS DE CARREIRA, E DEPOIS DE TER APRESENTADO VÁRIOS PROJECTOS A SOLO, DIZ-SE PRONTO PARA VOLTAR À DIRECÇÃO DE ORQUESTRA. “AINDA VAI CHEGAR O MEU MOMENTO DE ASSUMIR NOVAMENTE UM PROJECTO DE DIRECÇÃO DE ORQUESTRAS”, PARA ISSO NÃO EXCLUI UMA IDA PARA O ESTRANGEIRO, AGORA QUE OS FILHOS JÁ ESTÃO CRESCIDOS. RUI MASSENA DIZ QUE ACIMA DE TUDO QUER CONTINUAR A DESAFIAR-SE E A VIVER, LONGE DA AMARGURA QUE MUITAS VEZES ACOMPANHA OS MÚSICOS.
Como é que vem para a música e para o piano? A educadora do jardim de infância disse aos meus pais que eu tinha talento para a música e que me deviam colocar a estudar música. Foi o que os meus pais fizeram, primeiro com um compositor de Gaia, César Morais, estudava piano e educação musical em casa dele e, passado dois anos, fui para a Academia de Música de Vilar do Paraíso.
Tem memória de ser criança e gostar de tocar? Médio, porque acho que as crianças não gostam do estudo da mecânica da música. A música tem uma gramática delicada, o solfejo e tudo o que diz respeito à formação musical é duro de aprender, é uma linguagem nova e o instrumento sobre o ponto de vista cognitivo e motor é também exigente. Como é uma linguagem exigente as crianças rejeitam-no a não ser que tenham um talento excepcional.
Que era o seu caso… Aprendi piano não sei como, só me lembro de algumas coisas me chatearem…
Além da dificuldade, o piano é também um instrumento muito solitário. Tem toda a razão, mas eu também tocava viola com os meus amigos… é verdade que o piano é mais individualista, mas esse sacerdócio eu nunca o quis aceitar.
Daí ter ido para a direcção de orquestra. É um pouco isso, escolho a direcção de orquestra porque, aos 15 anos, começo a dirigir uns coros e umas orquestras feitas por mim e percebo que aquilo que gosto mesmo é de fazer música em conjunto. Costumo dizer que não sou um pianista, sou pianista para tocar as minhas coisas, não para interpretar os grandes clássicos. O que gosto mesmo, a minha vocação, é gerir pessoas.
FOTO: ISABEL PINTO
ENTREVISTA
RUI MASSENA,
MAESTRO, COMPOSITOR
ELISABETE FELISMINO
A fuga ao tal individualismo… Eu não adoro o processo de estar um dia inteiro a estudar piano sozinho, no entanto, posso estar um dia inteiro com pessoas a fazer música. Por isso é que a determinada altura, lanço um projecto que se chama “solo” e que é o meu grande desafio: como é que consigo estar horas a estudar e a programar um projecto em que vou para o palco sozinho? Encarei esse desafio como uma possibilidade de comunicação com o público sem distracções no palco.
Quando é que se dá o clique e percebe que tem futuro na música? Tinha por aí uns 16/ 17 anos, é por essa altura que começo a perceber que era disso que vivia. De esse respirar das pessoas que tinham uma sensibilidade diferente, que gostavam de coisas diferentes dos outros, que não ouviam a mesma música que os outros ouviam na escola e que gostavam de dançar em conjunto, quando faziam festas, que cantavam os parabéns a “vozes”… era um mundo diferente.
Mas nessa idade ainda há o risco de “isto pode não correr bem”… Acho que não, talvez hoje a sociedade seja mais medida ou mais mensurada e os números e as estatísticas afetem a nossa mente colectiva, mas não creio que naquela idade, nem eu nem os meus paisporque os pais são decisivos no ensino das artes- pensássemos nisso.
Os seus pais têm alguma ligação com a música? Gostam imenso de música, o meu avô materno tocava guitarra portuguesa, o meu pai aprendeu piano para me ajudar a estudar. Apesar de no país haver a ideia de que para seres alguém tinhas que ser engenheiro ou advogado, os meus pais – felizmente – tinham uma cabeça aberta e quase que me empurravam para a música.
Como é que surge depois a direcção de orquestra? Surge no meio de tudo isto, uma vez numa festa no coliseu do Porto em que eu estava a dirigir uma orquestra e um coro, o director da academia, entregou-me simbolicamente, pelo bom trabalho desenvolvido, uma batuta. Tentei dirigir com a batuta, mas não conseguia, então achei que tinha de aprender. Peguei na batuta e fui aprender a dirigir.
Qual foi a primeira orquestra que dirigiu? Foi a orquestra académica metropolitana de Lisboa, até aí olhava para a música como um instrumento para juntar as pessoas, mas nessa altura começo a olhar a música, até por necessidade de estudos, como um fim em si mesmo.
Entretanto vai para a Madeira… Acabo o meu curso e vou para a Madeira, em 2000, já depois dos meus aperfeiçoamentos estarem concluídos. Na Madeira começo verdadeiramente, com 27 anos, a vida profissional. Estava a caminho de Chicago, tinha já a inscrição para ir estudar e surgiu essa oportunidade. Tive uma vida maravilhosa durante todos aqueles anos na Madeira. A orquestra foi fantástica, foram anos incríveis. Estive lá até 2012, mas a partir de 2010 acumulei com a Capital Europeia da Cultura de Guimarães. Aqueles anos na Madeira, até à entrada da Troika foram fantásticos.
Como é que vem para Guimarães? A Cristina Azevedo, da Fundação Cidade Guimarães, vai à Madeira assiste a dois concertos e convidame para programar a área da música na Capital Europeia da Cultura.
E quando é que aparece a Casa da Música? Durante o período em que estou como titular da Orquestra Clássica da Madeira, dirijo as orquestras nacionais. Aliás, nesse período, dirigi, em 14 países diferentes, à volta de 40 orquestras. Entre 2000 e 2014 desenvolvi a minha actividade em muitas orquestras.
Entretanto, começa a compor a solo. Decidi começar a criar porque depois de todos estes anos sentia que alguma coisa não estava bem. Não estava suficientemente feliz só a dirigir orquestras. O acto de dirigir orquestras é muito complicado e tem muito a ver com a necessidade de chegar às pessoas, antes de chegarmos à música. Decidi então que ia criar um projecto para mim, enquanto autor, que não tinha nada a ver com as grandes composições da história da música. Aquele ano de 2015 foi providencial porque eu não estava bem e quis cumprir este sonho de criar um projecto baseado nas minhas composições em que a palavra-chave é tranquilidade.
Hoje o Rui Massena é mais maestro ou mais compositor? Sou a conjugação de todas estas valências. Felizmente lancei quatro discos, entre 2015 e 2022, três álbuns e um EP e dei concertos tanto em Portugal como fora, tenho tido a oportunidade, quer de voltar ao piano, quer de voltar à gravação em orquestra, ou seja, dirijo a minha própria música e quando estou em palco, como toco com músicos acabo por beneficiar de toda a minha ‘expertise’ enquanto maestro. Ainda agora fiz um concerto no Casino do Estoril e vou fazer na Casa da Música, em que necessito em absoluto de ter esta formação, uma vez que tanto dirijo, como toco. É muito engraçado, acho que música hoje e, sobretudo, no pós-pandemia, me ajudou a decidir que sou tudo isto.
Logo a seguir à pandemia disse que tinha descoberto que não era só piano, o que é que isso quer dizer? Para a minha música sou exactamente tudo isto: sou a pessoa que dirigiu estas orquestras todas, que faz o Rock in Rio, que faz as experiências com os Expensive Soul, com os Da Weasel, que fundou uma orquestra em Guimarães e que foi programador. É muito engraçado que depois da pandemia, de um ato de sobrevivência, de um naufrágio colectivo, aceitei que tinha de pôr em jogo isso tudo, sem barreiras, sem preconceitos porque de facto olho para trás e já lá vão 22 anos, e percebo que é exactamente isto a minha identidade.
Mas não está zangado com a direcção de orquestras? Não, não estou zangado. Aliás, acho que ainda vai chegar o meu momento de assumir novamente um projecto de direcção de orquestras, só que ainda não chegou. Até porque já não me interessa estar à frente de um projecto qualquer.
De que é precisa neste momento? Preciso de ter um projecto sustentado, que me ofereça condições de melhoria e de expansão. Depois dos projectos por onde passei e das dificuldades que conheci, já sei onde tem de começar um projecto para aceitar a direcção de orquestra, até já sei que dificuldades é que não pode ter. Para me mobilizar e para fazer as coisas em bom nível artístico posso aceitar um projecto fora do país e cheguei a ponderar fortemente essa possibilidade, mas achei que a minha estabilidade afetiva, e acompanhar o crescimento dos meus filhos, era insubstituível. Mas agora já estou noutra fase, os meus filhos já estão crescidos, começam a ganhar a sua própria vida, pelo que já estou mais disponível para abraçar outras realidades.
Diria que o seu regresso à direcção de orquestra passará mais pelo estrangeiro do que por Portugal? Não forçosamente, imagine que há um projecto em Portugal que me desafia e me cativa para crescer, eventualmente, aceitaria.
Qual é que é o grande projecto que lhe falta? Falta expandir o meu projecto, conseguir colocar na minha música tudo aquilo que sou, conseguir criar uma unidade total. Estou sempre a descobrir-me. Por exemplo, neste momento estou a fazer música para um filme com um grande realizador espanhol, Jaime Echavarria, é um grande desejo que tenho, vou fazer música épica para um documentário, estou a fazer música para um jogo de consolas, um projecto espectacular para uma empresa portuguesa com ambição mundial, estou a construir o meu novo álbum, estou em concertos com 15 músicos no palco, faço conferências, vou entrar novamente num júri de um concurso de televisão, entender que tudo isto junto sou eu! No fundo, a minha ambição passa por ir aperfeiçoando os meus modelos e ir chegando a mim, sempre mantendo a curiosidade. Acho que a minha grande ambição é essa.
Qual o projecto que até hoje mais o marcou? Olho para a minha vida sempre com um grau de exploração grande. Na Madeira senti que a orquestra se expandiu artisticamente. O projecto da orquestra da Madeira foi um projeto muito bonito, qualquer pessoa num café conhece a orquestra clássica da Madeira. Guimarães foi um projecto muito engraçado porque 95% da programação foi portuguesa, o projecto da minha música também já leva 7 anos e também já está estruturado, o mesmo acontece com a minha ligação à comunicação, já faço conferências há 12 anos. Obviamente que o projecto do Rock in Rio me marcou, foi um concerto absolutamente incrível. Foi um desafio que a Roberta Medina me colocou e foi também um quebrar de preconceitos: música instrumental para milhares de pessoas. Mas como diz a Roberta, “quando se dá coisas boas às pessoas, as pessoas vão e gostam”.
O Rock in Rio, os Da Weasel, entre outros, são projectos que estão menos ligados às elites, mais populares… São projectos que aproximam o instrumento da orquestra das pessoas e sobretudo que ajudam as pessoas a perceber a riqueza que uma orquestra tem. São projectos que fazem daquele instrumento- a orquestra- um instrumento absolutamente fantástico. Eu adoro Mozart, Beethoven, adoro todas as épocas da história da música, da mesma forma que gosto de olhar para aquele instrumento e perceber como é que ele se pode modificar. Gosto que haja muita gente a gostar das coisas que gosto.
E lida bem com a fama? Lido muito bem. Sou abordado na rua, sempre fui muito bem tratado, é algo muito natural, porque nunca deixei de fazer nada por ser mais conhecido ou menos conhecido. Escolhi o palco quando tinha cinco anos, aos 15 já era um miúdo conhecido, quem vive com o palco, não se distancia do palco.
Como é que encara o facto de vender mais fora de Portugal do que no seu país? Os países têm a escala que têm, portanto se me pergunta se quero ser mais ouvido em Portugal? Quero, claro que sim. Mas também quero ser cada vez mais ouvido no mundo porque isso legitima aquilo que faço. Eu acho que tenho de ir fazendo as minhas coisas para construir o meu país. O que é isso significa? Significa que vou fazendo o meu papel, sendo suficientemente corajoso para aceitar críticas em relação ao que faço. Se uma pessoa desconstrói e recria o papel que as pessoas têm do maestro corre sempre o risco de ser criticado. Quanto mais pessoas disfrutarem das grandes obras da literatura orquestral, quanto mais pessoas conhecerem a orquestra, quanto mais natural for a ligação das pessoas aos músicos e à arte, em Portugal, melhor o meu país vai entender outras coisas que não a arte. A arte é um passaporte para se entender a vida. A minha contribuição é dizer que sou um apaixonado pelo olhar artístico, pelo olhar diferente, pela criatividade e se as pessoas usarem essa ferramenta na vida vão perceber que os seus básicos são outra coisa. No fundo, é ambicionar uma vida mais rica em Portugal. No fundo, é tornar as áreas da criatividade uma indústria e uma economia relativamente estável e sólida, bemencarada, bem entendida e vista como essencial ao desenvolvimento colectivo.
Como é que se vê daqui a 10 /20 anos? Não sou pessoa de fazer muitos planos, o meu plano diário é tentar tocar, compor qualquer coisa, ter esperança de continuar a ter trabalho e navegar naquilo que me vai surgindo. Aceitar os desafios. Gostava de chegar daqui a 10/15 anos com o meu projeto de composição bem estruturado e bem desenvolvido. Gostava também de ter, com mais regularidade, concertos pelo mundo fora e sobretudo, manterme “vivo” e não viver na amargura que muitas pessoas desta área vivem, manter-me curioso, com alegria naquilo que faço. Manterme curioso e alegre com vontade de viver a vida. l