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EDSON ATHAÍDE, PUBLICITÁRIO O FEIJÃO E O SONHO
EDSON ATHAÍDE*,
PUBLICITÁRIO
O FEIJÃO E O SONHO
Otítulo deste artigo remete diretamente a dois universos supostamente antagônicos: a realidade e a fantasia ou, se preferirmos, o racional do abstrato. O feijão é o alimento, que é plantado, que vem da terra, que comemos, que tem preço, peso, espaço físico. O sonho, bem, o sonho é isto mesmo: o onírico, o que não tem pés nem cabeça, não tem fim e nem começo, como argumenta o dicionário: utopia, devaneio sem fundamento, quimera vã que dura pouco. “Razão e coração”, diria o meu Tio Olavo, a lembrar que as complementaridades dos opostos costumam seduzir. Quem fala feijão, poderia dizer batata, carro, computador, roupa, avião. A economia é feijão, o mercado é feijão, o estado é feijão, o marketing é feijão. Quem fala de sonho, poderia dizer cinema, teatro, literatura. A moda é sonho, a música é sonho, a arte é sonho, a cultura é sonho, a criatividade publicitária é sonho. “O Feijão e o Sonho” é o título de um romance de 1938 escrito por Orígenes Lessa, um grande autor brasileiro que foi também publicitário. O livro contava as agruras de um escritor que sonhava muito, mas ganhava pouco, negligenciando as necessidades da família, restando à sua esposa o papel de ser o feijão, lutando para que o alimento não faltasse à mesa. Lembro-me sempre desse livro e de Lessa quando me pedem para dissertar sobre o que há de arte na publicidade. Há muita. Sempre houve. Sempre haverá. O que não torna a publicidade em arte ‘per si’. Não é. Nunca será. “A publicidade é conversa de vendedor por escrito”, resumiu um dos fundadores da publicidade moderna. Mas, para que essa conversa de vendas seja persuasiva, precisa de ser bem escrita. E aí que entra a arte. E aí que entram tipos como Orígenes Lessa, Fernando Pessoa, Ary dos Santos, Luís Fernando Veríssimo e tantos outros autores que tiveram passagens pela publicidade. Mas também não podemos esquecer de pintores, escultores, cineastas que foram ou são publicitários. Caso não saiba, Spike Lee é dono de uma agência. Assim como o ator Ryan Reynolds. Scorsese realizou vários anúncios. David Fincher ainda realiza. No final do século XIX, os donos dos cabarés parisinos solicitavam aos artistas que criassem cartazes exaltando as virtudes e os excessos das farras que promoviam. Toulouse-Lautrec pagou muitas das suas contas de vinho e absinto a fazer cartazes. As latas de sopa de tomate de Andy Warhol ilustram bem a relação quase incestuosa entre as Belas Artes e a cultura publicitária. A Campbell Soup Company não poderia sonhar com uma estratégia de marketing melhor do que a criada por Warhol para eternizar na mente da sociedade americana um produto tão banal quanto aquele.
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CAMPANHA PARA AS BATEDEIRAS
KITCHENAID. A PUBLICIDADE ADORA “ROUBAR” AOS GRANDES ARTISTAS.
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QUANDO A PUBLICIDADE IMITA A ARTE QUE IMITA A VIDA.
A BENETTON NÃO SE CONTENTAVA COM FAZER PUBLICIDADE COMERCIAL. O FOTÓGRAFO OLIVIERI TOSCANI, RESPONSÁVEL PELAS CAMPANHAS DA MARCA NOS ANOS 90, ESTAVA SEMPRE A PISAR AS RISCAS E A FAZER HISTÓRIA.
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AMERICAN WAY OF LIFE. O ILUSTRADOR NORMAN ROCKWELL USOU A SUA ARTE NÃO APENAS PARA REPRODUZIR, MAS PRINCIPALMENTE CRIAR A FORMA COMO OS AMERICANOS SE VIAM NO COMEÇO DO SÉCULO XX. MUITO DO SEU TRABALHO FOI EM PUBLICIDADE.
JOSEPH CAROFF: O HOMEM DE TODOS OS CARTAZES. POR DÉCADAS JOSEPH CRIOU CARTAZES PARA HOLLYWOOD E LOGOS PARA GRANDES EMPRESAS. A GRANDIOSIDADE DA SUA OBRA CONTRASTA COM O DESCONHECIMENTO DO SEU NOME.
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CIGARROS SILK CUT. ERA PUBLICIDADE? ERA ARTE? ERA AMBAS AS COISAS. ESSA CAMPANHA INGLESA DOS ANOS 90 PRIMAVA POR CARTAZES ARTISTICAMENTE IRREPREENSÍVEIS.
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KELOPTIC. COMO PARÓDIA OU COMO REFERÊNCIA, OS GRANDE ARTISTAS ESTÃO SEMPRE A DAR AS CARAS NA PUBLICIDADE. QUAL TERÁ SIDO O CACHET DO VAN GOGH?
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POSTERS LITOGRÁFICOS , JULES CHÉRET, 1889, FRANÇA. OS DONOS DA NOITE PARISINA TROCAVAM BEBIDA POR ARTE.
Entre as muitas frases definitivas que Andy Warhol cunhou está a que diz: “Quando pensa sobre isso, as lojas de departamento são como museus”. ‘Touché’. Keith Haring emprestou os seus talentos para cartazes da vodka Absolut e para os cigarros Lucky Strike. Assim como os pintores Edward Hooper e René Magritte também emprestaram. O genial ilustrador Norman Rockwell foi mais longe: vivia basicamente de vender os seus traços para marcas comerciais (e foi assim que ajudou a dar forma ao Pai Natal, num clássico anúncio para a Coca-Cola). Porém, ser um artista genial não garante uma carreira publicitária de sucesso. Salman Rushdie, por exemplo, tentou ser ‘copywriter’ mas chumbou no teste. Scott Fitzgerald foi um redator publicitário mediano. O grande poeta brasileiro Paulo Leminsky criou anúncios menores. O nosso Alexandre O’Neil criou ‘slogans’ memoráveis (“Há mar e mar, há ir e voltar”), mas nada comparado com a sua obra literária. Artistas e publicitários até podem sentar à mesma mesa, mas não são as mesmas pessoas necessariamente. O que me faz recordar uma lenda (talvez verdadeira) sobre um evento que teria acontecido ao nosso Orígenes Lessa lá do começo do texto. Impressionado pelo sucesso de uma campanha para a Fechadura Brasil, o responsável pelo marketing do sabonete Gessy teria procurado a agência onde trabalha Lessa e feito um pedido: - Sabe aquele ‘slogan’ que diz “Fechadura Brasil. Fecha e Dura”? Quero algo tão sonoro quanto para o Gessy. Orígenes achou que tinha percebido a tarefa e pôs-se a trabalhar. Na semana seguinte apresentou algumas opções que foram chumbadas no ato. Humildemente, continuou a trabalhar em alternativas durante meses, sem nunca encontrar algo que satisfizesse plenamente o cliente. Até que um dia, durante uma reunião exclamou: - Já sei o que poderia ser o nosso “Fechadura Brasil. Fecha e dura”! Todos se entreolharam e ficaram em silêncio à espera do momento de pura arte e genialidade que iria acontecer. - “Sabonete Gessy. Sabo e nete!”, disse Orígenes antes de curvar-se a dar uma gostosa gargalhada. A conta foi tirada da agência. Os bons artistas enquanto publicitários são assim. Perdem o cliente, mas não perdem a piada. l