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GERMANO DE ALMEIDA
O Prémio Camões que nunca quis ser escritor
CATARINA DA PONTE
Germano de Almeida nasceu a 31 de Julho de 1945, em Sal-Rei, Ilha da Boavista, em Cabo Verde. Advogado de profissão, ex-procurador Geral da República e ex-deputado do seu país, tornou-se escritor – ou antes “contador de estóreas” (expressão que prefere) – já perto dos 40 anos, sendo actualmente um dos autores mais consagrados da literatura lusófona e dos mais lidos e traduzidos de Cabo Verde. Em 2018, foi distinguido com o Prémio Camões, tornando-se o segundo escritor cabo-verdiano a vencer o mais importante galardão de literatura de língua portuguesa, depois do poeta Arménio Vieira, em 2009. Em Outubro do ano passado, lançou o seu último romance “A Confissão e a Culpa” (no 14º Festival Literário Escritaria, de Penafiel), encerrando a Trilogia do Mindelo, um conjunto de três livros, dos quais fazem também parte os títulos, “O Último Mugido” (2020) e “O Fiel Defunto” (2018). Publicadas em Portugal sob a chancela da editorial Caminho, as obras centramse no assassinato do escritor ficcional, Miguel Lopes Macieira, retratando a essência do povo do Mindelo, cidade que se localiza na ilha de São Vicente, onde o autor vive há mais de 45 anos. É, aliás, no fervilhar da vida cultural desta cidade que adoptou e que o adoptou, que vai buscar muita da inspiração espelhada na sua extensa obra. Apesar de uma certa displicência com que sempre falou de si e da sua obra, rejeitando o título de escritor e reclamando o de “contador de estóreas”, num artigo do Jornal de Letras, publicado em Junho de 2018, Ana Cordeiro, especialista da sua obra e de literatura cabo-verdiana, alerta para o facto de: “os seus romances, todos, sem excepção, poderem ser objecto de diversas e complexas leituras. Seja do ponto de vista sociológico, jurídico, literário, linguístico, antropológico ou qualquer outro, há sempre uma nova camada a descobrir, um novo ângulo a ser explorado”. Veste-se quase sempre de branco, tem 1,95 metros de altura, um sorriso permanente nos lábios e um sentido de humor e ironia aguçados. Viveu até aos 18 anos na ilha da Boa Vista, a terceira maior de Cabo Verde, de onde saiu rumo à capital portuguesa para se licenciar em Direito, na Universidade Clássica de Lisboa, com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Estava em Lisboa, a frequentar o terceiro ano da licenciatura, quando se deu o 25 de Abril de 1974. Regressou, dois anos depois, já com o canudo na mão e com a independência de Cabo Verde (proclamada a 5 de Julho de 1975). Em 1979, inicia a sua profissão de advogado e começa a trabalhar no Gabinete de Estudos do Ministério da Justiça, na Praia (Ilha de Santiago). Pouco tempo depois assume o lugar de Procurador-Regional também nessa cidade, altura em que nessas mesmas funções é transferido para Mindelo. Deu os primeiros passos como escritor no início da década de 1980. Em 1981, com 36 anos, edita o seu primeiro livro, “O Dia das calças Roladas”, onde narra a contestação popular contra a reforma agrária no final do mês de Agosto desse mesmo ano. As suas
primeiras histórias são escritas sob o pseudónimo de Romualdo Cruz e publicadas na revista Ponto & Vírgula (existente entre 1983 e 1987), a qual co-fundou com o artista plástico Leão Lopes e com o psicólogo Rui Figueiredo. Aquelas histórias foram, posteriormente, publicadas em 1994 com o título “A Ilha Fantástica”, que, juntamente com “A Família Trago” (1998), recriam os anos de infância e o ambiente social e familiar que o autor viveu na ilha da Boa Vista. Ainda no plano cultural foi co-proprietário da Ilhéu editora (1989) e do jornal mensal Agaviva (entre 1991 e 1992) criado após a vitória eleitoral do MpD (Movimento para a Democracia). Anos depois, aos 44 anos, publica o seu primeiro romance, “O testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo” (1989), considerado um clássico da literatura cabo-verdiana e lusófona. Escrito em 15 dias, a obra narra a história de um dos mais ricos comerciantes de Cabo Verde que consegue enriquecer a vender milhares de guarda-chuva, numa terra onde a seca é permanente. Elogiado pela crítica, o livro foi adaptado ao cinema pelo realizador Francisco Manso em 1996 e contou com um elenco de brasileiros, portugueses e cabo-verdianos e, com a participação especial da “rainha da morna”, Cesária Évora. Conquistou o 1.º Prémio do Festival de Cinema Latino-Americano de Gramado, no Brasil, em 1997, e os prémios para o Melhor Filme e Melhor Actor no 8º Festival Internacional Cinematográfico de Assunción, no Paraguai. Sucederam-se-lhe os títulos “O Meu Poeta”, 1990, “Estórias de Dentro de Casa”, 1996, “A Morte do Meu Poeta”, 1998, “As Memórias de Um Espírito”, 2001 e “O Mar na Lajinha”, 2004, que formam o que os especialistas consideram o ciclo mindelense da obra do autor. Da sua extensa obra, distinguem-se, ainda, os livros “A morte do meu poeta” (1998); “A Família Trago” (1998); “Estórias contadas” (1998); “Estórias de dentro de Casa”; “Dona Pura e os Camaradas de Abril” (1999); “As memórias de um espírito” (2001); “Cabo Verde – Viagem pela história das ilhas” (2003); “O mar na Lajinha” (2004); “Eva” (2006); “A morte do ouvidor” (2010); “De Monte Cara vê-se o mundo”, entre outras. As suas obras encontram-se publicadas no Brasil, França, Espanha, Itália, Alemanha, Suécia, Holanda, Noruega e Dinamarca, Cuba, Estados Unidos, Bulgária e Suíça. Recebeu duas condecorações de Portugal, o grau de Comendador da Ordem do Mérito (1997), e o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (2019). l