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GONÇALO M. TAVARES

O escritor-cartógrafo

CATARINA DA PONTE

Gonçalo M. Tavares nasceu em 1970, em Luanda. Publicou a sua primeira obra, “O Livro da dança”, em 2001, na Assírio & Alvim, com 31 anos. É considerado um dos grandes nomes da literatura contemporânea ocidental. Em apenas duas décadas, publicou mais de 40 títulos em diferentes géneros literários – poesia, epopeia, romance, teatro, conto, ensaio, tabelas literárias, fragmento, aforismo –, está presente em cerca de 50 países e é traduzido em quase 40 línguas. O seu romance “Jerusalém”, publicado em 2005, mas escrito em 1997, faz parte do guia cronológico dos mais importantes romances de todos os tempos,”1001 livros para ler antes de morrer”. Foi, também, este o livro que lhe valeu a atribuição do Prémio José Saramago, em 2005, sobre o qual o nobel da literatura portuguesa disse “’Jerusalém’ é um grande livro, que pertence à grande literatura ocidental. Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!”. Saramago chegou mesmo a apontá-lo como o próximo nobel da literatura portuguesa. Não tem recordações de Luanda porque chegou a Portugal com dois anos. A sua infância e juventude, passadas em Aveiro, foram marcadas por duas grandes paixões que a escrita veio deixar no passado. O futebol e a matemática. Chegou a ser avançado do Atlético Clube de Portugal e, mais tarde, do Beira Mar. Aos 18 anos achou que nenhuma destas áreas o iria fazer tão feliz como a Literatura. Passava largas horas na biblioteca do pai, que lhe mostrou as primeiras obras clássicas da literatura universal, a ler “compulsivamente”, num ritmo de 4 a 5 horas diárias. Percebeu que a leitura é um bom início para a reflexão, uma espécie de prefácio dos pensamentos e que lhe dava um enorme prazer. Quando decidiu que o seu caminho passaria pela escrita, tomou a decisão de não publicar nenhum livro antes dos 30 anos. Escrever e publicar são, para o autor, verbos e mundos muito distintos. Nesta equação, a escrita leva 13 anos de avanço à publicação do seu primeiro livro. Gonçalo M. Tavares é o escritor dos mundos imaginários, da desconstrução do real e da proposta de mundos alternativos. Não se identifica com nenhum género literário porque entende que estas categorizações são inimigas da criatividade. “Escrevo textos”, afirma em várias entrevistas. Aliás, costuma dar nomes a géneros literários e organizá-los em séries, numa espécie de cartografia autoral. Os seus títulos encontram-se organizados em cerca de 14 séries: “Investigações”, “O Reino”, “O Bairro”, “Teatro”, “Bloom Books”, “Poesia”, “Arquivos”,

“Estudos Clássicos”, “Canções”, “Enciclopédia”, “Cidades”, “Epopeia”, “Short Movies”, “Atlas”. Gosta também de juntar a imagem às letras, criando obras híbridas como o “Atlas do Corpo e da Imaginação”. Além de escritor, M. Tavares tem uma faceta menos conhecida que é a de professor universitário no mestrado de Reabilitação Psicomotora na Faculdade de Motricidade Humana, da Universidade de Lisboa, direccionada a futuros professores com alunos com necessidades específicas. Talvez por lidar com esta realidade, recorde como um dos momentos mais marcantes da sua vida, a subida ao palco D. Maria II do grupo Crinavel (colectivo artístico com jovens com deficiência intelectual), em 2016, para interpretar o seu romance homónimo “Uma menina está perdida no seu século à procura do pai”, juntamente com actores da Companhia. Além desta, a sua obra tem sido levada a palco inúmeras vezes e em diferentes países. Já se transformou em performances, óperas, peças de teatro e até em canções. É “caleidoscópica” e “fragmentária”, na definição de Alberto Manguel (romancista e editor argentino). Entre vários galardões nacionais e internacionais, a sua obra foi distinguida com o Prémio Ler Millennium BCP 2004, o Prémio Literário José Saramago 2005, o Prémio Portugal Telecom 2007 e 2011 (Brasil), Prémio Internazionale Trieste 2008 (Itália), Prémio Belgrado 2009 (Sérvia), Grand Prix Littéraire du Web – Culture 2010 (França), Prix Littéraire Européen 2011 (França), e foi por várias vezes finalista do Prix Médicis e Prix Femina. “Uma Viagem à Índia” recebeu, entre outros, o Grande Prémio de Romance e Novela APE 2011. No seu último livro, “Diário da Peste” (2021), Gonçalo M. Tavares reúne uma série de textos que publicou diariamente no jornal Expresso (online) durante o período mais duro da pandemia, entre Março e Junho de 2020. Foi um livro revolucionário para o autor, porque contrariou o seu ‘modus operandi’ de só publicar vários anos depois de escrever os seus livros. Nas Conversas Confinadas – rubrica publicada diariamente no Facebook e Instagram da Junta de Freguesia de Alvalade –, em 2020, confessou que este foi um dos livros mais importantes da sua vida. l

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