O Desenvolvimento na Teoria Piagetiana e na Teoria Vigotskyana

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O Desenvolvimento na Teoria Piagetiana e na Teoria Vigotskyana Curso: Construção da Linguagem e Arteterapia Módulo 2 – Texto Base GPEC – Educação a Distância Autora e Professora: Sonia Branco


O Desenvolvimento na Teoria Piagetiana e na Teoria Vigotskyana

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Jean Piaget nunca pensou em estabelecer uma prática pedagógica, inicialmente o seu objetivo era em responder à questão de como se constrói o conhecimento. Assim, dedicou-se ao estudo da gênese do conhecimento, com a finalidade de compreender como um conhecimento mais elementar progride até o pensamento mais abstrato e elaborado. A epistemologia genética procura mostrar, com o apoio da experimentação, os processos fundamentais da formação do conhecimento na criança. Piaget considera que não é possível compreender a conduta do adulto sem a perspectiva evolutiva. Sob essa perspectiva, apresenta comparações detalhadas entre os estados de desenvolvimento sucessivos. Como biólogo, sentiu desperta dentro de si o interesse pelo desenvolvimento do pensamento, levando à analogias entre a biologia e a inteligência. Ele acreditava que a inteligência é uma forma de adaptação, uma contínua construção, criando formas cada vez mais complexas e buscando uma equilibração progressiva entre o organismo e o meio. Acreditava ainda que a inteligência possui estruturas variáveis e funções invariáveis, estas últimas possibilitando descrever o mecanismo de funcionamento do pensamento em termos biológicos. Para Piaget (1987), as funções invariáveis são chamadas de invariantes funcionais da inteligência - funcionais, porque estão envolvidas no funcionamento da inteligência e invariantes, porque qualquer que seja o momento evolutivo, sempre haverá assimilação do meio às atividades do sujeito e acomodação destas atividades às características impostas pelo objeto. As funções invariantes básicas são a organização e a adaptação, esta última, com seus dois componentes inter-relacionados – assimilação e acomodação. “O organismo adapta-se construindo materialmente novas formas para inseri-las nas do universo, ao passo que a inteligência prolonga tal criação construindo, mentalmente, as estruturas suscetíveis de aplicarem-se ao meio” (Piaget, 1987, p.15-16). Piaget deixa claro que se refere à adaptação no sentido de processo, distinta da adaptação-estado. Acompanhando o processo, percebe-se que é o “organismo que se transforma em função do meio, e essa variação tem por efeito um incremento do intercâmbio entre o meio e aquele, favorável à sua conservação, isto é, à conservação do organismo” (op.cit.), p.16).


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Toda vez que há uma incorporação de dados a esquemas já construídos ocorre a assimilação. Para assimilar um novo significado aos esquemas anteriores é necessário acomodar o próprio esquema para permitir a incorporação deste novo significado. Nisto constitui-se a acomodação, na modificação dos esquemas para poder assimilar as várias situações que se apresentam. Para a adaptação ser considerada realizada, é necessário que atinja um equilíbrio entre a acomodação e a assimilação. Não existe assimilação sem acomodação e vice-versa, e, já que o meio desencadeia ajustamentos ativos, também não existe adaptação sem organização complementar dos dados incorporados pelo sujeito. A concepção de Piaget sobre inteligência remete a uma abordagem onde o desenvolvimento do pensamento é um processo de autêntica construção. No desenvolvimento das estruturas da inteligência ele identificou quatro estágios que marcam essa evolução (sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto, e operatório formal).

Em todos os estágios, a construção da inteligência se dá pela atividade e essa construção é entendida em termos de significação. A inteligência constrói significações, dá significado ao mundo. A significação é dada na interação do sujeito com o meio (físico, social e simbólico) quando coloca em ação seu sistema de significações. Por essa ação, o sujeito transforma o meio e através das transformações que efetua, transforma-se a si mesmo, ou seja, há um contínuo processo de construção, auto-regulação e auto-equilibração. No desenvolvimento das estruturas de conhecimento, a criança passa de um nível de interação sensório-motora para um nível de representações operatórias. O nível de interação sensório-motora é marcado pelos limites da percepção e pela ação imediata, ou seja, a ação ocorre na presença do objeto. Para Piaget, “conhecer não é simplesmente contemplar, imaginar ou representar o objeto; conhecer exige uma ação sobre o objeto para transformálo e para descobrir as leis que regem suas transformações”(RamozziChiarottino, 1984,p.47). Essa ação é definida por um constructo que ele chama de esquema, o que é generalizável em uma dada ação, ou seja, o significado colocado pelo sujeito no objeto através da ação, sendo que todo esquema tende a assimilar o objeto. Um esquema se caracteriza por coordenar as relações entre ações que comportam propriedades comuns. Flavell (1988) considera que a noção de esquema apresenta muitos matizes e está fortemente ligada à concepção total de desenvolvimento cognitivo de Piaget. “Chamamos „esquemas‟ de uma ação a estrutura geral dessa ação, se conservando durante suas repetições, se consolidando pelo exercício e se aplicando a situações que variam em função das modificações do meio” (Piaget, 1983b, p.243).


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Com o desenvolvimento, as ações tornam-se cada vez mais interiorizadas. A interiorização, que começa a aparecer no sexto estágio do sensório-motor, vai progredindo tornando as ações cognitivas cada vez mais reversíveis, esquemáticas e abstratas, transformando-se assim em operações internas. Piaget (1983b p. 247) considera a reversibilidade no sentido matemático, isto é, “um grupo comporta, com efeito, composições diretas, inversas (retornos), idênticas e associativas (desvios)”. “Com efeito, de um ponto de vista psicológico, uma operação é uma ação que foi interiorizada e que se tornou reversível através de sua coordenação com outras ações interiorizadas dentro de um todo estruturado que obedece a certas leis de totalidade” (Piaget em Flavell,1988 p.82). A constituição da função simbólica, que possibilita diferenciar o significante do significado, permite o reforçamento da interiorização das ações. A partir dessa diferenciação, o sujeito pode trazer à lembrança, através dos significantes, os significados afastados no tempo e/ou espaço. É essa característica que diferencia os índices ou sinais sensório-motores dos signos verbais, símbolos lúdicos, mímicos ou imaginados. Piaget (1973a) considera que a transição entre o sensório-motor e as condutas simbólicas ou representativas é assegurada pela imitação “cujos prolongamentos diferidos e cuja interiorização garantem a sua diferenciação dos significantes e significados” (p.69). Essa interiorização supõe uma reconstrução no plano do pensamento, a representação (latu sensu). Com o avanço provocado pela representação, surge a capacidade do sujeito de evocar o ausente e realizar operações a nível mental, isto é, reversíveis. Sendo o pensamento reversível, possui a possibilidade de ser antecipador e retroativo. A reversibilidade e a interiorização são características da operação. A reversibilidade pode distinguir-se de duas formas: inversão (negação) e reciprocidade. No nível do pensamento concreto a reciprocidade envolve as relações, enquanto a negação é executada nas operações classificatórias. A representação (stricto sensu) possui dois aspectos distintos, o figurativo e o operativo, que são definidos por Piaget (1983b). O aspecto figurativo “é tudo o que se dirige às configurações como tais, em oposição às transformações. Guiado pela percepção e sustentado pela imagem mental, o aspecto figurativo da representação desempenha um papel preponderante (...) no pensamento “pré-operatório” da criança de 2 a 7 anos”. Enquanto a compreensão do mundo baseia-se principalmente na percepção, revela-se o pensamento figurativo. Este apóia-se sobre o pensamento estático e o configural do real. O aspecto operativo “é relativo às transformações e se dirige assim a tudo o que modifica o objeto, a partir da ação até as operações. Dolle (1994) diz que a abstração empírica (e pseudo-empírica) revela os processos


figurativos do conhecimento, enquanto a reflexiva ou reflexionante, revela os aspectos operativos.

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Na obra “A Formação do Símbolo na Criança”, Piaget (1987a) desenvolve seu pensamento, considerando que as formas de pensamento representativo (imitação, jogo, representação cognitiva) são solidárias e que a representação evolui em função do equilíbrio crescente entre a assimilação e a acomodação. É devido à reversibilidade do equilíbrio dinâmico da assimilação e acomodação generalizadas que é possível chegar-se ao pensamento operatório. Segundo Dolle (1994), podemos considerar a ação e a percepção como um primeiro nível no desenvolvimento das estruturas, onde há uma simples memória de reconhecimento e as ações exercidas sobre o real são irreversíveis. O segundo nível consiste nas imagens das operações, dando origem a uma memória de evocação, enquanto a operação mental supera as ações físicas, sendo reversível. Chamamos operações às ações interiorizadas (ou interiorizáveis), reversíveis (no sentido de poderem se desenrolar nos dois sentidos e conseqüentemente de comportarem a possibilidade de uma ação inversa que anula o resultado da primeira), e se coordenando em estruturas, ditas operatórias, que apresentam leis de composição caracterizando a estrutura e, sua totalidade, como sistema. Esses dois aspectos se referem à maneira do sujeito de apreender o real. Para Piaget, o indivíduo e o meio não são considerados separadamente, mas como um conjunto numa relação dialética. O desenvolvimento do pensamento supõe trocas interindividuais a respeito dos objetos representados. A relação sujeito e sociedade, para Piaget, é uma relação dialética, onde não existem fronteiras que demarcam o social e o individual. O processo de diferenciação do ponto de vista do sujeito resulta das trocas estabelecidas com o meio físico e social. A partir da teoria piagetiana, entendemos o processo de desenvolvimento cognitivo como uma evolução individual e social, esta se realizando conjuntamente por coordenações intraindividuais e interindividuais. Nas coordenações intraindividuais as coordenações inferenciais são realizadas entre os sistemas do sujeito ou entre um dos subsistemas e o seu sistema total de significação. Nas coordenações interindividuais, as coordenações inferenciais dependem das trocas e regulações recíprocas entre sistemas de significações de sujeitos diferentes (Fagundes, 1994). Por que o sujeito procura, num dado momento da sua evolução mental, representar-se as (sic) relações espaciais, em vez de agir simplesmente sobre elas? Evidentemente, é para comunicar a outrem ou para obter de outrem alguma informação sobre a realidade que se relaciona com o espaço. Fora dessa relação social não descortinamos razão alguma para que a representação pura suceda à ação (Piaget, 1970, p.342).


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Para Piaget, os progressos da inteligência representativa não se devem apenas à linguagem, mas, acima de tudo, à função semiótica como um todo, pois é ela que diferencia o pensamento da ação e conduz à representação.

Mas sendo o desenvolvimento da imitação solidário do progresso das condutas inteligentes, em seu todo, vê-se, pois, que é legítimo considerar a linguagem como desempenhando um papel central na formação do pensamento mas tãosó na medida em que ela constitui uma das manifestações da função simbólica, sendo o desenvolvimento desta, por seu turno, dominado pela inteligência em seu funcionamento total ( Piaget, op.cit., p. 70). A linguagem é considerada por Piaget (1973a, p.66) como “condição necessária à realização de operações lógico-matemáticas sem que isso seja uma condição suficiente para a formação das mesmas”. Para Piaget, anteriormente às operações formuladas pela linguagem, existe uma espécie de lógica das coordenações de ações que comporta as relações de ordem e as ligações de concatenação (relações parte com o todo). Considera que o pensamento não seja resultado de uma simples relação causal da linguagem. Porém, reconhece que a formação do pensamento, como “representação” conceptual, na criança, é correlativa à aquisição da linguagem. Tanto o pensamento como a linguagem participam de um processo mais geral que consiste na composição da função simbólica. Piaget (1989), analisando frases de crianças, faz uma classificação das funções da linguagem infantil, dividindo-a em egocêntrica e socializada. Na linguagem egocêntrica, a criança não procura colocar-se sob o ponto de vista do interlocutor, falando somente sobre si mesma. Já na linguagem socializada, a criança troca realmente pensamentos com o outro, há troca e discussão. Se a criança se coloca no ponto de vista do interlocutor, se esse interlocutor não pode ser indiferentemente substituído pelo primeiro que aparecer, há informação adaptada; se, pelo contrário, a criança somente fala de si, sem se preocupar com o ponto de vista do interlocutor, sem nem mesmo se certificar de que este último a escuta e compreende, há monólogo coletivo (Piaget,1989, p.7). A partir do que ocorre com a linguagem – esta podendo ser egocêntrica ou socializada – Piaget propõe que existem, também, um pensamento egocêntrico e uma inteligência comunicativa, possuindo duas maneiras distintas de raciocinar, ou seja, duas lógicas diferentes. A lógica egocêntrica e a comunicável têm modos completamente distintos de funcionamento, e a partir disto é que Piaget (op.cit., p.34) explicita as divergências dessas duas lógicas. A lógica egocêntrica e a comunicável, segundo o autor, diferem mais no seu funcionamento do que em seu resultado final. A lógica egocêntrica é mais intuitiva, sincrética, seus raciocínios não são explícitos. Já a lógica comunicativa


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é muito mais dedutiva e procura tornar explícitas as ligações entre as proposições, os “pois”, os “se então”, etc.. Por ser intuitiva, a lógica egocêntrica insiste pouco na demonstração, ao passo que a comunicativa insiste na prova e organiza toda a exposição tendo em vista a prova, o ato de convencer o outro. Os julgamentos de valor pessoal, enfim, influem muito mais no pensamento egocêntrico do que no pensamento comunicável.

Piaget deixa claro que o egocentrismo verbal – ou linguagem egocêntrica – não pode ser considerado como medida precisa do egocentrismo intelectual, sendo apenas uma indicação das atitudes sociais e epistêmicas em nível mais profundo. Equilibração das Estruturas Cognitivas Os componentes de todo equilíbrio cognitivo são os processos fundamentais da assimilação e da acomodação. A teoria da equilibração possui dois postulados considerados básicos para sua elaboração: o primeiro consiste em afirmar que a atividade do sujeito é motor da pesquisa, o qual, pelo seu esquema de assimilação, busca incorporar elementos exteriores e compatíveis; o segundo é que o esquema de assimilação precisa se acomodar aos elementos que assimila, ou seja, modificar-se em função de suas particularidades, porém sem perder sua continuidade. A partir desse segundo postulado, fica clara a necessidade de um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação. O lúdico na educação infantil Com relação ao jogo, Piaget (1998) acredita que ele é essencial na vida da criança. De início tem-se o jogo de exercício que é aquele em que a criança repete uma determinada situação por puro prazer, por Ter apreciado seus efeitos. Em torno dos 2-3 e 5-6 anos nota-se a ocorrência dos jogos simbólicos, que satisfazem a necessidade da criança de não somente relembrar o mentalmente o acontecido, mas de executar a representação. Em período posterior surgem os jogos de regras, que são transmitidos socialmente de criança para criança e por conseqüência vão aumentando de importância de acordo com o progresso de seu desenvolvimento social. Para Piaget, o jogo constitui-se em expressão e condição para o desenvolvimento infantil, já que as crianças quando jogam assimilam e podem transformar a realidade. Já Vygotsky (1998), diferentemente de Piaget, considera que o desenvolvimento ocorre ao longo da vida e que as funções psicológicas superiores são construídas ao longo dela. Ele não estabelece fases para explicar o desenvolvimento como Piaget e para ele o sujeito não é ativo nem passivo: é interativo.


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Segundo ele, a criança usa as interações sociais como formas privilegiadas de acesso a informações: aprendem a regra do jogo, por exemplo, através dos outros e não como o resultado de um engajamento individual na solução de problemas. Desta maneira, aprende a regular seu comportamento pelas reações, quer elas pareçam agradáveis ou não.

Enquanto Vygotsky fala do faz-de-conta, Piaget fala do jogo simbólico, e pode-se dizer, segundo Oliveira (1997),que são correspondentes. “As maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade (Vygotsky, 1998). Piaget (1998) diz que a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança, sendo, por isso, indispensável à prática educativa (Aguiar, 1977: 58). Na visão sócio-histórica de Vygotsky, a brincadeira, o jogo, é uma atividade específica da infância, em que a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos. Essa é uma atividade social, com contexto cultural e social. Vygotsky, citado por Lins (1999), classifica o brincar em algumas fases: durante a primeira fase a criança começa a se distanciar de seu primeiro meio social, representado pela mãe, começa a falar, andar e movimentar-se em volta das coisas. Nesta fase, o ambiente a alcança por meio do adulto e pode-se dizer que a fase estende-se até em torno dos sete anos. A Segunda fase é caracterizada pela imitação, a criança copia os modelos dos adultos. A terceira fase é marcada pelas convenções que surgem de regras e convenções a elas associadas. Vygotsky (1989: 109), ainda afirma que: é enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. “É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não por incentivos fornecidos por objetos externos”. As brincadeiras que são oferecidas à criança devem estar de acordo com a zona de desenvolvimento em que ela se encontra, desta forma, pode-se perceber a importância do professor conhecer a teoria de Vygotsky. No processo da educação infantil o papel do professor é de suma importância, pois é ele quem cria os espaços, disponibiliza materiais, participa das brincadeiras, ou seja, faz a mediação da construção do conhecimento. A desvalorização do movimento natural e espontâneo da criança em favor do conhecimento estruturado e formalizado ignora as dimensões


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educativas da brincadeira e do jogo como forma rica e poderosa de estimular a atividade construtiva da criança. É urgente e necessário que o professor procure ampliar cada vez mais as vivências da criança com o ambiente físico, com brinquedos, brincadeiras e com outras crianças. O jogo, compreendido sob a ótica do brinquedo e da criatividade, deverá encontrar maior espaço para ser entendido como educação, na medida em que os professores compreenderem melhor toda sua capacidade potencial de contribuir para com o desenvolvimento da criança.

Entendemos, a partir dos princípios aqui expostos, que o professor deverá contemplar a brincadeira como princípio norteador das atividades didático-pedagógicas, possibilitando às manifestações corporais encontrarem significado pela ludicidade presente na relação que as crianças mantêm com o mundo. A PEDAGOGIA WALDORF (Texto elaborado pela Federação das Escolas Waldorf, dezembro de 1998) Fontes epistemológicas Goethe, como investigador, conseguiu transcender no seu estudo da botânica o meramente físico, para alcançar o conhecimento das forças vitais que configuram o que denominou a “planta arquetípica”, por meio do desenvolvimento da idéia da metamorfose. Entende por ela as leis básicas que impulsionam o processo de crescimento mediante uma constante modificação morfológica. Goethe comprovou que na diversidade dos organismos impera o princípio de que em cada fase de desenvolvimento estão contidas outras. Esse princípio transcende a mera observação da essência do mundo e dos fenômenos universais. Só a partir da dualidade eu-mundo, é que se pode alcançar uma compreensão tal que funde o investigador numa unidade vivencial harmônica com os processos que ele estuda. Rudolf Steiner retomou esse trabalho, aprofundou-o e ampliou-o a todos os reinos da natureza, incluindo o ser humano. Nesse estudo aprofundado, Rudolf Steiner mostra como o Homem contém em si cada reino da natureza. Assim, o reino mineral está presente no Homem, os ossos e em toda a estruturação do corpo físico. O reino vegetal se manifesta no homem através dos processos vitais presentes nos líquidos humorais e sangue, similares à seiva na planta. Por sua vez, o reino animal está no Homem em seus instintos e sensações. Porém, o princípio de liberdade


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individual, de autoconsciência, só existe no reino humano e isto torna o homem um ser pertencente, simultaneamente, ao reino natural-físico e ao espiritual, portanto, sujeito às leis de ambos. Ele aprofundou suas investigações sobre Kant e os idealistas alemães, em especial Fichte, procurando explicar essa dicotomia, a partir da concepção goetheanística do homem como unidade psico-físico-espiritual. Em sua obra, A Filosofia da Liberdade, Rudolf Steiner buscou estabelecer uma analogia entre as experiências sensoriais e as experiências espirituais, propondo uma metodologia científica.

Sua contribuição inédita consistiu em ter desenvolvido um método de investigação rigoroso que permite incursionar tanto no campo do físico-sensível como no plano espiritual. Esse método permitiu-lhe enfocar e estudar, a partir de ambos os pontos de vista, o ser humano, o universo e todas as relações e inter-relações existentes com uma visão holística, global, a respeito da origem, do desenvolvimento, das metas dos seres e do mundo. Steiner desenvolve a Antroposofia, definindo-a como um caminho de conhecimento capaz de dar respostas rigorosas e comprováveis a todos os campos relacionados ao homem e a seu mundo. A Antroposofia entende o ser humano como um microcosmo no qual vibram e pulsam os processos do universo. Centrando seu estudo no homem, tenta responder às suas necessidades, abarcando o científico, o cultural e o artístico-religioso, trazendo para a sociedade impulsos de aplicação prática concreta. Fontes sócio-antropológicas Sobre a base de sua investigação científica e fiel à idéia do homem como unidade, Rudolf Steiner elaborou uma concepção do ser humano e da vida que deu origem a novos impulsos em todos os setores do conhecimento humano: a Pedagogia, a Medicina, a Arquitetura, a Agricultura, a Organização Social, a Arte, etc. Suas iniciativas pretendem responder às necessidades essenciais do homem e aos problemas do indivíduo e da sociedade moderna e, por conseqüência, pós-moderna. Em relação a isto, desenvolveu nos últimos anos de sua vida uma intensa atividade, tratando de trazer soluções à crise política, social e pedagógica, estabelecida na Europa, depois da primeira guerra mundial. Rudolf Steiner antecipou a crescente dimensão da problemática social e ecológica com que se haveriam de enfrentar as jovens gerações do século XX


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em todo o mundo, e assinalou que, para a abordagem dessa difícil tarefa, não é suficiente a aquisição de conhecimentos científicos e técnicos: o fundamental reside em conseguir um pensamento vivo e global, que permita atuar com independência e capacidade de iniciativa, com competência para uma tomada adequada de decisões e um atuar autônomo sustentado na responsabilidade social. Para isso, deve-se enfatizar o aspecto meio-ambiental e multicultural da educação. As ferramentas que irão prover tal educação deverão procurar uma flexibilidade, uma qualificação básica multidisciplinar, um interesse ativo por todos os aspectos da vida e uma vontade comprometida com o social. A partir da análise das dimensões específicas do ser humano: o pensar, o sentir e a vontade, Rudolf Steiner firmou as bases de uma educação que tende a responder às necessidades atuais e futuras da humanidade. Segundo ele, uma sociedade só pode configurar-se e desenvolver-se de forma sadia e adequada às solicitações da época se levar em conta as dimensões essenciais do ser humano. Como escola livre, a escola Waldorf tornava real o impulso da autogestão; como escola para crianças de qualquer procedência, capacidade, raça, religião, plasmava a idéia da co-educação social. Existem, hoje, no mundo, cerca de 726 escolas Waldorf. Nos últimos anos, o Movimento de Pedagogia Waldorf ganhou transcendência no âmbito pedagógico internacional, nas mais diversas esferas. Introdução à Pedagogia Waldorf Uma das principais características da Pedagogia Waldorf é o seu embasamento na concepção de desenvolvimento do ser humano introduzida por Rudolf Steiner. Essa concepção leva em conta as diferentes características das crianças e jovens segundo sua idade aproximada. O ensino é dado de acordo com essas características: um mesmo assunto nunca é dado da mesma maneira em idades diferentes. Ela é uma pedagogia holística em um dos mais amplos sentidos que se pode dar a essa palavra quando aplicada ao ser humano e à sua educação. De fato, ele é encarado do ponto de vista físico, anímico e espiritual, e o desabrochar progressivo desses três constituintes de sua organização é abordado diretamente na pedagogia. Assim, por exemplo, cultiva-se o querer (agir) através da atividade corpórea dos alunos em praticamente quase todas as aulas; o sentir é incentivado por meio de abordagem artística constante, além de atividades artísticas e artesanais, específicas para cada idade; o pensar vai sendo cultivado paulatinamente desde a imaginação dos contos, lendas e mitos no início da escolaridade, até o pensar abstrato rigorosamente científico


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no ensino médio (colegial). O fato de não se exigir ou cultivar um pensar abstrato, intelectual, muito cedo é uma das características marcantes da pedagogia Waldorf em relação a outros métodos de ensino. Assim, não é recomendado que as crianças aprendam a ler antes de entrar na 1ª série. Como o computador força um pensamento lógico-simbólico, nenhuma escola Waldorf o utiliza, sob qualquer forma, antes do ensino médio (9ª série na seriação Waldorf). As escolas Waldorf são totalmente livres do ponto de vista pedagógico, pertencendo em geral a uma associação beneficente sem fins lucrativos. Idealmente, a administração escolar é feita pelos próprios professores. Cada escola é independente da outra: o único que as une é o ideal de concretizar e aperfeiçoar a pedagogia de R.Steiner, visando formar futuros adultos livres, com pensamento individual e criativo, com sensibilidade social e para a natureza, bem como com energia para buscar seus objetivos e cumprir os seus impulsos de realização em sua vida futura. O amor que os professores Waldorf devem desenvolver pelos seus alunos, e o conhecimento profundo que eles adquirem de cada aluno são outras características fundamentais da pedagogia. As escolas Waldorf sempre foram integradas da 1ª à 8ª (ou 9ª) séries, e até a 12ª quando possuem o ensino médio. Não há repetições de ano, e nem atribuição de notas no sentido usual.


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