GPEC – Educação a Distância
MÓDULO 1
CONTEXTO HISTÓRICO
Maria José Caldas |Curso: “O Olhar do Outro” O Negro no Brasil Pós-Abolição
Contexto Histórico A questão mais crucial delas, a Escravidão, foi resolvida por um lento processo de leis monarquistas, que na verdade procuravam escamotear a dinâmica das transformações econômicas em curso, representadas na segunda metade do século XIX pela lavoura cafeeira, mais bem integrada ao capital internacional, pelo conjunto de transformações políticas decorrentes do processo de descolonização do continente americano, e pela crescente presença do imperialismo inglês sobre os países do Cone Sul. Se não, como explicar o combate inglês ao tráfico atlântico de negros, imposto pelo “humanitário” Bill Aberdeen de 1845 e a crise diplomática entre Brasil e Inglaterra, no início da década de sessenta, culminando depois na paz comercial francamente favorável ao capital inglês? Além de trabalharem como escravos na época do Brasil colônia, a população negra produziu grande parte do café em São Paulo, produto que consolidou a industrialização do Estado. Os negros também implantaram a estrada de ferro no interior paulista. Falar sobre a contribuição dos negros para o crescimento de São Paulo exige um mergulho na história do Brasil. Vindos para cá como escravos, em 1530, eles permaneceram nesta situação até 1888, quando ocorreu a abolição da escravatura, ou seja, ficaram nesta condição durante 358 anos. Trabalharam intensamente na produção de cana-de-açúcar, que na passagem do século XVIII para o XIX foi substituída pelas plantações de café. A força escrava também foi usada para a extração de ouro e diamantes nas regiões de Goiás, Mato Grosso, e Minas Gerais, na época do Brasil Colonial, e em diversas outras áreas. Durante três séculos e meio, a população negra não só ajudou a construir o Brasil, como fincou os alicerces econômicos para a industrialização, sobretudo no Estado de São Paulo, cujo grande impulso industrial ocorreu com a produção e comercialização do café, que ajudaram o estado a acumular um grande volume de capital.
No século XIX e XX, São Paulo torna-se o maior produtor de café do mundo, o que ajuda a equilibrar a balança comercial brasileira durante muito tempo. "O capital usado para construir as indústrias veio do café, que foi plantado e colhido pelos braços dos escravos negros. Nos últimos anos da escravidão, a população negra trabalhava em semanas inteiras, sem sábados e sem domingos, chegando a 16 horas por dia no Vale do Paraíba. Os barões do café faziam isto porque sabiam que a escravidão estava com os anos contados, por isso maximizavam a produção, à custa do árduo trabalho escravo. Quando os imigrantes aqui chegaram, principalmente os italianos, já encontraram tudo consolidado", conta o professor universitário Hélio Santos, mestre em Finanças e doutor em Administração pela Faculdade e Economia da USP, também autor do livro "A Busca de Um Caminho para o Brasil". Todos os imigrantes que começaram a chegar ao País em meados do século XIX contribuíram para o crescimento de São Paulo, "mas os negros foram os que colaboraram durante mais tempo, sem nada receber. E os italianos, quando os substituem nas lavouras, passam a ser assalariados". Somando-se a isso, o processo de imigração tinha também um cunho de branqueamento da população brasileira. A ideologia dominante da época acreditava que o desenvolvimento e modernização da sociedade seria produto do crescimento da população branca em detrimento da população de negros e índios. No passado, houve políticas que beneficiaram grupos étnicos que não eram negros. Eram italianos, japoneses, alemães, suíços. É por isso que, em grande parte, os descendentes destes grupos hoje estão bem. Pois a situação de quem veio como imigrante é totalmente diferente daquela que veio escravizada. Esta visível e gritante desigualdade contribui para que tenhamos dois “Brasis”. Para onde foram os negros após a libertação da escravatura? Qual foi a política habitacional para que eles pudessem morar em casas decentes? Qual foi a política para absorvê-los no mercado de trabalho? Estas questões, muito freqüentes, são resultados da atual situação vivida hoje em grande parte pelos negros no Brasil. Havia um estigma na sociedade brasileira, porque
mesmo após a abolição, o negro estava associado ao trabalho escravo e não conseguia ocupar um melhor espaço no mercado de trabalho, por falta de oportunidade, decorrente de sua cor. Os negros disputavam vagas com os espanhóis e italianos, também analfabetos, para trabalharem como forneiros em padarias e fazer serviço pesado como rachar lenha, mas não conseguiam vaga porque o trabalho livre era reservado aos brancos, apesar da abolição da escravatura. “Nem mesmo o trabalho pesado sobrou para os negros, que foram entregues à própria sorte”. As mulheres negras continuaram fazendo trabalhos serviçais, como lavadeiras, copeiras, empregadas, que na época nunca faltou, com salários diminutos. Mas foi este trabalho que permitiu à mulher negra manter sua prole, e contribuiu para que não houvesse a absoluta desintegração das famílias negras, porque o homem negro estava na periferia da cidade. Historicamente, a discriminação e exploração do negro no Brasil-colônia mostra-se claramente aos olhos de toda a sociedade brasileira, leigos ou estudiosos da historiografia nacional. O exemplo dessa prática pode citar a exploração da mulher negra àquela época, fortemente presente. Tratada como objeto de prazer, era vista pelos senhores de engenho como prova de virilidade e emancipação sexual do seu filho adolescente, objeto excêntrico de desejos. Para ela, o desejo do seu senhor representava uma forma de ascensão social. Surge também, com a colocação do mulato para exercer funções específicas, face à escassez da mão-de-obra branca, incorporando-os nas casas-grandes coloniais, a idéia da democracia racial brasileira. É dessa forma que ele vai integrar o mundo da casa-grande, a serviço da família branca dominante. Associou-se à tez mais clara do mulato, seu processo de mobilidade social vertical. Esta é a raiz da ideologia do branqueamento, código racial nacional por excelência, base das relações raciais brasileiras e informativas da conduta dos sujeitos. Cria-se e ganha corpo a grande violência racista brasileira: a sociedade pretende que o negro se torne branco. Busca-se, assim, a destruição da identidade do sujeito negro. Com a campanha abolicionista, movimento para libertação dos escravos, intensificada a partir do final da Guerra do Paraguai, milhares de negros foram utilizados nas frentes de batalhas. Anos mais tarde, o
Exército assumiu a defesa da abolição e se negou a perseguir os negros que fugiam. O principal responsável pelo processo de abolição foi o grupo da aristocracia cafeeira paulista, que introduziu o trabalho assalariado via imigrante. Neste processo, destacam-se os cai fases que segundo o historiador Francisco Assis Silva “era o nome dado aos homens que, em São Paulo, formaram um grupo antiescravista e que organizara incursões às fazendas para ajudar os negros fugidos e estimulava a revolta dos escravos contra os senhores”. Outro fator de grande importância foi a pressão externa sendo mais fortemente expressada pela Inglaterra, sendo que o Brasil era o único país americano que mantinha a escravidão. Diante de forte pressão, o governo imperial decretou algumas leis abolicionistas, quais sejam: a Lei do Ventre Livre, Lei dos Sexagenários e Lei Áurea. Mesmo com o negro alcançando a igualdade jurídica com a abolição, mantinha-se não só a desigualdade econômica e social entre brancos e negros, mas ainda a antiga ideologia que definia bem a diferença entre os dois e reservava ao negro uma posição de submissão. O preconceito racial continuou a ser exteriorizado de maneira discreta e branda, ou seja, o preconceito de cor existe em várias regiões do Brasil, e penetra em maior ou menor grau, todas as classes sociais, sem, contudo associar-se com manifestações ostensivas. A abolição é relativamente recente e o processo de passagem da condição de escravo para a de cidadão foi feito de maneira errada e sem se pensar o que fazer com o contingente de trabalhadores livres. Da noite para o dia os negros foram declarados livres e após a “comemoração” encontravam-se sem abrigo, trabalho e meios de subsistência. Mesmo sendo forçado, no trabalho escravo o negro recebia um mínimo para sua subsistência. Com a libertação, não se considerou a necessidade de proporcionar-lhes meio de sobrevivência, como posse da terra para sua fixação. Supondo-os sem direito àquela, dava-se o primeiro passo para sua marginalização e desfavoreci mento. Os negros que viviam na cidade encontravam-se agora perambulando pelas ruas como mendigos, começaram a habitar cortiços que deram origem a
favelas, fato que pode ser observado claramente na cidade do Rio de Janeiro. Os que viviam no campo emigraram para as cidades causando uma das grandes manifestações de êxodo rural em nosso país. Durante muito tempo, os negros não conseguiram acesso a profissões ou ocupações, mesmo aquelas das quais foram desalojados, principalmente devido à chegada de imigrantes europeus que passaram a substituir o homem negro primeiramente nas lavouras de café. Os serviços mais modestos, que exigiam especialização mínima
e
eram
mal
remunerados
representavam
normalmente
as
oportunidades mais amplas do negro no mercado de trabalho. Com o capitalismo o negro, por não possuir qualificação, fica à margem do processo ou é utilizado em serviços pesados nas indústrias. A necessidade de colocação no mercado de trabalho do trabalhador livre inicia-se com o novo modo de produção, que não condiz com o trabalho escravo e não especializado. Ao sistema capitalista faz-se senhor a conformação de sua produção à necessidade de lucro. “Quando a procura de ocupações foi maior que a oferta, ou quando esta foi seletiva, os negros e mulatos ficaram em último lugar.” Esta situação se refletiu tanto no nível econômico dos negros quanto levou a um processo de marginalização social, uma vez que implicou na acumulação de riquezas e na elevação do nível de vida. O escravo passa de meio de produção para assalariado, porém não participa da elevação social no mesmo nível que os senhores brancos. A reprodução da deterioração do nível de vida do negro dá-se então a partir daí, sendo ele impedido de exercer plenamente as atividades de trabalhador livre, uma vez que não tem fácil acesso ao mercado de trabalho e à participação política. Com o escravismo, constituíra-se uma estrutura de privilégios a favor da população branca. Admitir o negro como um cidadão significaria, para esse contingente dominante, a provável perda dos benefícios angariados ao longo da adoção do trabalho escravo. Preconceito e discriminação ganham, então, novos significados e espaços de atuação, voltados para a defesa desta estrutura de privilégios. José Murilo em “Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi” (1987). Aborda a emblemática ausência popular nos acontecimentos da
Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, retomando o enfoque do Teatro das Sombras: a política imperial (1988), em que a ausência do povo dos acontecimentos políticos do império é explicada pela capacidade das elites oligárquicas manterem-se coesas, apesar das diferenças, contra o temor e supostas conseqüências das revoltas dos cidadãos e da insubmissão dos escravos. A bestialização dos espectadores em 15 de novembro, contudo, é explicada como um paradigma que dissolveu o clamor republicano da década de 1880, que instigava o povo contra a Monarquia, pelo menos em seus jornais, clube e grêmios republicanos, numa ausência popular, provocada em nome da ordem a se construir. Uma ordem liberal que desprezará o poder público como mero acessório do poder privado, optando deliberadamente pelo estadanismo contra as aspirações legitima da cidadania.