Dissertação dos Livros

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Curso: História e Cultura Afro-Brasileira

Módulo 4

Dissertação dos Livros

Maria José Caldas GPEC – Educação a Distância www.gpeconline.com.br Historia e Cultura Afro-Brasileira Módulo 4


Dissertação dos Livros Crime e Escravidão, Liberdade Por Um Fio, Rebelião Escrava no Brasil Ailton Mattos Jr. Denise Coutinho Flávio de Miranda S. Machado Marcos Flávio Nascimento dos Santos Maria José Caldas Ronney Fernando Castanha

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Sumário

Introdução

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Múltiplas Faces da Resistência Escrava no Brasil_______________

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Revolta do Malês ____________________________________

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Dos Quilombos a Abolição ______________________________

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Memórias da Escravidão __________________________________

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Representações do Trabalho _______________________________

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Conclusão _____________________________________________

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Bibliografia ____________________________________________

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Introdução O trabalho que para nós foi proposto baseia-se em um recorte de tempo que vai do final do século XVIII ao final do século XIX. Foram dadas três obras para trabalharmos cada uma delas com recortes espaciais diferentes, vamos do interior de São Paulo, Campinas e Taubaté (Crime e Escravidão), passando por Minas Gerais, Rio de Janeiro e retornando a São Paulo (Liberdade Por Um Fio), culminando na Bahia, na revolta de 1835 (Rebelião Escrava no Brasil). Após dialogarmos com as fontes, tentaremos traçar um paralelo com a produção didática que apresentamos aos alunos de 6ª série (História e Vida Integrada). Tentaremos levantar a hipótese de que o que é passado sobre escravidão em sala de aula é bem diferente da resistência negra que encontramos em obras acadêmicas. Cada obra apresenta resistência negra de sua maneira, mas culminando na mesma ideia: de que forma a resistência existiu? Seja quebrando uma ferramenta, organizando rebeliões, reunindo-se em quilombos e agredindo seus senhores, vemos a insatisfação que o regime escravista gerava no indivíduo escravizado. Outro ponto que abordaremos em nosso trabalho são as redes de comunicações que levavam e traziam informações importantes para o sucesso da resistência. Diversos dos pré-conceitos trazidos até antes da leitura dessas obras foram quebrados. Principalmente a escravidão, o quilombo e a abolição foram desmistificados das ideias secundaristas que trazíamos até então. A ideia que tínhamos de escravidão mostrava-nos a vinda de milhões de escravos para trabalharem em lavouras e mineração como meras mercadorias, sem identidade étnica ou uma ideia de nação. Percebemos agora que a nossa antiga visão estava condicionada às restrições dos livros didáticos, a escravidão foi muito além do que simplesmente um comércio de escravos, foi um processo pelo quais negros trazidos da África formaram uma sociedade, tendo como modelo as estruturas sociais que viveram além mar. A respeito de quilombo, a ideia que tínhamos era unicamente o Quilombo de Palmares, sendo que existiram vários quilombos em diversas regiões por onde se expandiu a escravidão. Aprendemos com Richard Price que, em todos os lugares do nosso mundo onde houve plantation, houve formação de quilombos, essa “nova” informação que nos foi

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passada desconstruiu a ideia de Palmares como única resistência negra no Novo Mundo.

“Da mesma forma que a escravidão de plantation implicava violência e resistência, o ambiente selvagem das primeiras fazendas e engenhos do novo mundo fez da fuga e da e da existência de quilombo uma realidade onipresente.” (PRICE, 2003. p. 52). A nossa mentalidade sobre abolição remetia-se a assinatura da princesa Isabel. O que dava a entender era que tinha ocorrido um presente do branco para com o negro, onde só os intelectuais participaram deste processo, como se o negro não fosse um ator importante no processo de sua liberdade, sendo apenas um espectador passivo que concordava com o sistema em que vivia. O que se pôde comprovar é que o negro foi agente do processo de sua “liberdade”, lutando por ela, se engajando em processo de resistência e em alguns momentos até mesmo tentando subtrair o poder constituído, e dessa forma estabelecendo no Novo Mundo, uma nação negra.

“(...) o problema que se coloca é o da integração da figura do escravo, seus comportamentos sociais, valores e universo mental articulado à desintegração da escravidão e o processo emancipacionista. Trata-se de inscrever a participação escrava no interior do complexo quadro de desagregação da escravidão, resultante este último de inúmeras variáveis conjunturais e estruturais.” (MACHADO, 1987. p. 15-16). No processo de cotejamento dos dados, nos deparamos com várias situações atípicas, com problemas e questionamentos fora da nossa concepção escravista, como por exemplo, o levante do Malês, que era totalmente desconhecido por nós, até então, com toda sua complexidade, com as questões religiosas, culturais e a sofisticação com que articulara o processo de revolta.

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Outro fato importante, e que será abordado no decorrer deste trabalho, foi o perceber que, mesmo tão distante um levante do outro, havia uma ligação, mesmo que em um primeiro momento não perceptível, entre as várias formas de resistir. O trabalho é levado, quase que naturalmente, a começar tratando a ideia de crime. Percebe-se que as três obras „Liberdade Por Um Fio‟, organizado por João José Reis e Flávio do Santo Gomes (1996), „Crime e Escravidão‟ de Maria Helena P. T. Machado (1987) e „Rebelião Escrava no Brasil‟ de João José Reis (2003) são fortemente embasados na ideia de crimes, os dois últimos, por exemplo, foram produzidos utilizando como bases autos criminais; mesmo agora sabendo que quase todas as “movimentações” negras no período (fim do século XVIII) eram tidas pelas autoridades como crime. Como base para o nosso trabalho, tomará alguns crimes que se assemelham nas obras para tentarmos provar o desenrolar dos autos criminais, os mesmos contextualizam a sociedade escravista da época e suas relações e tensões com os escravos.

Múltiplas Faces da Resistência Escrava no Brasil Muitos dos crimes eram resolvidos dentro do próprio território, nem todo crime era levado ao estado maior, era preferível castigar o escravo na terra a levá-lo para castigo do poder maior e ser punido por pouco tempo e o senhor acabaria ficando sem uma mão de obra por muito tempo, acarretando grande prejuízo. Muitos desses crimes eram cometidos devido à vontade de se libertar e de se proteger. Quando esses crimes eram levados até o estado maior, a pena que era imposta era a pena de galés, em outros crimes as punições mais comuns eram as que eram feitas com ferros e açoites. Em muitas dessas denúncias ocorria certo castigo para ambas as partes, tanto para o senhor que levava seu escravo quanto para o próprio escravo que denunciasse seu senhor por alguma agressão por ele praticada. Os senhores temiam, todavia, todos os escravos domiciliares que fossem maldosos e estivessem presentes em sua casa devido a muitos contatos pessoais que aconteciam, eles tinham medo de algum envenenamento ou qualquer outra espécie de violência. Aconteciam muitas resistências e elas eram baseadas nas honras pessoais, o individuo é usado para brigar como os próprios escravos. 6


Crimes de furto eram cometidos por muitos escravos, com intenção de ficar com os bens do seu senhor, o principal alvo de consequência desses crimes eram as escravas que tinham contato direto com os senhores por trabalharem em sua casa, com o lucro desses roubos os escravos investiam em objetos para um culto.

“Fato demonstrativo de que os bens apropriados vinham a preencher muito mais um universo simbólico do que prover recompensas econômicas. É notável também que em alguns casos escravos e libertos tenham destinado parte da quantia furtada para a aquisição de velas e objetos litúrgicos, ou para mandar rezar missas”. A própria sociedade é controladora da vida dos escravos. Para que não aconteça nenhum tipo de desordem ocasionada por furtos e outros tipos de crimes, o pensamento da sociedade vem com interesses de proteger e manter a ordem de si própria. Como exemplo, podemos citar o processo criminal que descreve a história de dois escravos, João e Antonio, que foram indiciados pelo crime de roubo. Isso aconteceu, porque, simplesmente, estavam fazendo compra em uma venda. Ao desenrolar do processo, Antonio foi “liberto” das acusações, pois sempre recebia pequenas quantias em dinheiro do seu senhor.

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Um dos castigos citados no livro „Rebelião Escrava no Brasil‟ nos leva a ter contato com um fato vivido por um escravo que é enviado de Salvador para o engenho do seu senhor no recôncavo baiano de Santo Amaro, como punição por ter furtado o seu senhor em sua própria casa.

“De fato, meses antes da rebelião, Ahuna fora enviado para lá algemado, acusado pelo dono de algum pequeno criem doméstico, cuja natureza desconhecemos.” ( Reis, José João, 2003). Nesse contexto, podemos ter como segmento dos crimes as questões dos quilombolas que em várias regiões do Brasil cometiam diversos roubos e sequestros de escravos para se integrar ao grupo, não existem dúvidas de que esse grupo ameaçava a estabilidade da escravidão. Tendo esse contexto de crime seguido de certas revoltas, nos permite dizer como citado no livro “Liberdade Por Um Fio” que “onde houve escravidão, houve resistência”, e incrementando, onde houve crimes, tivemos conflitos com seus senhores.

Dentro do território de convívio dos próprios escravos, existiam escravos que tinham certas obrigações de um ritmo de trabalho intenso, que poderia aumentar de acordo com o aumento da produção, automaticamente com o aumento dessa produção que era cercado de grande rigidez e abusos por parte dos senhores, obviamente resultaria em grandes tensões; devido a essas explorações constantes, os escravos reagiam com grande oposição 8


aos senhores. Nesse contexto, era necessária uma manutenção do sistema escravista para que o mesmo tivesse continuidade. Homicídios e lesões corporais relatados, nos quais aparecem como vítimas homens livres, violência na qual teve como estimulo a ação deste mesmo homem livre que quis substituir a autoridade senhorial, controlando os escravos que ali estavam, no momento da captura, da prisão e do mau trato, obviamente sofriam o revide dos cativos, que entendiam que aquele homem livre não detinha nenhuma autoridade senhorial. No intuito de receber uma quantia na captura de escravos, eram constantemente vítimas de agressões. Também existiram conflitos entre escravos e homens livres pobres, o que dá a ideia de uma intensa relação entre eles, tornando os conflitos inevitáveis. Vários destes conflitos ocorriam de forma que se pode chamar de crime por honra pessoal, onde uma parte tentava afirmar-se tanto pessoalmente quanto socialmente, isso suscitava a ideia de coragem, destreza e destemor, o livro “Crime e Escravidão” chama estas condutas de “Código do Sertão”. Na convivência mútua, tanto na senzala como na vida comum escrava, os escravos necessitavam de laços de cooperação, que ajudariam na sua própria sobrevivência, isso não significa que não existiam crimes entre escravos, esses crimes existiam sim para uma aquisição de poder dentro do próprio grupo de convívio deles. A conclusão da análise dos autos criminais onde foram encontrados esses crimes indica que existia sobre os escravos um forte código de convivência, isso era necessário devido à realidade de extrema pobreza e carência material. Outro fato que levava a grande quantidade de crimes eram as disputas afetivas, isto justificado pela quantidade reduzida de mulheres em relação ao número excessivo de homens.

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Revolta do Malês “Nosso Senhor! Resgatai-nos desta cidade, Cujo povo é opressor; E mandai-nos alguém que nos protegerá: E mandai-nos alguém que nos ajudará!” Alcorão 4:75 Conforme o trabalho se desenvolvia, fez-se necessário falar com grande especificação do levante do Malês. Por ser um assunto com uma vasta bibliografia e de extrema importância para as revoltas escravas do século XIX, mesmo sabendo que não foram apenas escravos que dela participaram. Como já foi citado no trabalho, esta revolta ou levante não era por nós conhecida até este momento, e ao dela tomar-mos conhecimento ficamos deslumbrados com suas especificidades, tanto em organização como em motivação religiosa. Jamais havia passado por nossa cabeça que os africanos de confissão religiosa islâmica tivessem tão bem articulados como demonstrado pela historiografia. Não tínhamos ideia de como a Bahia deste período era rica em diversidade cultural e étnica, sabia-mos que tinham escravos de várias etnias, mas com nossa visão secundarista, não entendíamos como se dava esta divisão no Brasil e se em terras tupiniquins havia união entre estes filhos das mesmas regiões africanas. Agora começa descortinar para nós a realidade do que aqui acontecia. Tanto na obra “Rebelião Escrava no Brasil” (REIS, 2003), como em um artigo da obra “Liberdade Por Um Fio” (org. REIS, GOMES, 1996) escrito por Schwartz (p.373), nos são apresentados o contexto histórico do levantes do Malês, e no caso do último, conspiração de escravos Haussás na Bahia em 1814. Os acontecimentos de ambos são semelhantes por serem insurreições que têm como principais os negros islamizados que vieram como escravos para a Bahia. Em sua terra natal, tanto Haussás como Iorubas sofreram processos de assimilação da cultura muçulmana e ambos os povos se viram próximos a territórios que estavam envolvidos em um Jihad Fulane, esta havia sido declarada por Dan Fodio contra o regime do Sarki Yunfa.

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“Em 1808, Dan Fodio transferiu seus acólitos para um local protegido, Gudu, definindo essa migração como uma hégira, e ali declarou uma Jihad contra o regime do Sarki Yunfa” (REIS,2003 p.160). Após este período, várias cidades-estados Iorubas foram islamizadas, estes conflitos geraram um enorme número de prisioneiros, que eram levados até a costa e vendidos como escravos, estes por sua vez acabaram vendidos para o mercado escravista brasileiro, mais precisamente baiano. Não temos aqui a pretensão de dar conta de todo o processo que ocorria na África neste período e pedimos perdão se as poucas palavras descritas acima banalizam a complexa história deste continente tão importante em nossa formação como nação. Mas a nossa vontade é apenas mostrar que estes povos, Iorubás e Haussás, eram povos que entendiam e vivenciavam a guerra em suas terras natais, e provar assim que a grande maioria dos escravos destas nações que aqui chegavam eram guerreiros. É importante ressaltar o que o José Reis gosta muito de frisar em sua obra, que estes elementos acima descritos não são base para afirmar que o levante de 1835 era uma Jihad, o levante, mesmo sendo feito por muçulmanos, não tinha apenas muçulmanos, tinha também escravos pagãos e cristãos, outro ponto por Reis levantado é que o levante brasileiro foi feito basicamente por iorubas e estes:

“(...) não possuíam uma tradição própria em Jihad.( ...)”(REIS,2003. p.274) Há momentos que temos de nos policiar para não tropeçar-mos nos argumentos. Por ser muita informação, a tendência é querer expor tudo de uma só vez, tentaremos não cometer este erro, porém se não tivermos êxito, mais uma vez pedimos desculpas. Retornando ao raciocínio. Os levantes foram feito por negros libertos e escravos que por eles foram convocados para o levante. Estes negros eram em sua maioria Iorubas e Haussás islamizados que em “terra de branco” ensinava o alcorão para outros de sua

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“família”, neste caso o mesmo que nação. Ele se reuniam em casas alugadas ou na casas dos próprios líderes, para ali estudarem e aprenderem a cultura islâmica. Os Alufás (mestres Malês na tradição Ioruba) convidavam alguns para estudarem o alcorão e a escrita árabe, com isto os neófitos tinham contato com as bases de liberdade pregada pelo “profeta”, e aprendiam a citar partes do livro sagrado. Quando da revolta, muitos carregavam amuletos que traziam escrito partes do alcorão em árabe, segundo Reis, eles criam que estes amuletos protegiam suas vidas quando em batalha. Temos mitos destes patoás que resistiram ao levante e foram usados como provas nos processos que seguiram o levante. O levante propriamente dito teve seu início na madrugada do dia 25 de Janeiro de 1835, ainda na noite do dia 24 os negros se juntaram para planejar o que ocorreria naquela madrugada, pelos depoimentos descritos no livro “Rebelião Escrava no Brasil”, o levante já vinha sendo planejado com muita antecedência, o dia foi escolhido por que os escravos sabiam que naquela data todos estariam em festa no bairro de Bonfim, era dia de Nossa Senhora da Guia, um bom dia para rebelar-se, a cidade estaria vazia e tomar o poder seria mais fácil. Como dito antes, os lideres da revolta eram todos muçulmanos, alfabetizados no árabe e alufás, como tal tinham muita influência entre a comunidade Malê, em sua maioria homens, pois as mulheres eram menos praticantes dos ritos. Destes homens, destacam-se sete: Ahuna, Pacífico Licutan, Luís Sanin, Manuel Calafate, Elesbão do Carmo (Dandará), Nicobé (Sule) e Dassalú. Estes sete homens eram os alufás mais importantes na revolta, é tanto que será na casa de Manuel Calafate que começará a movimentação na noite do dia 24 e começo da madrugada do dia 25. O plano já havia sido combinado com vários libertos e escravos, tanto da capital Salvador como do Recôncavo Baiano, em principal as cidade de Santo Amaro. A ideia inicial era começar em Salvador e ir caminhando em direção do Recôncavo, rumo aos engenhos de lá e no percurso ir ganhando simpatizantes ou forçando outros escravos africanos a participar, mesmo que a força, do levante. No pensamento dos líderes, na manhã do dia 25 os reforços do Recôncavo chegavam e a vitória era certa. O grande problema que os líderes da revolta não sabiam é que as autoridades já haviam sido informadas do levante. Uma negra liberta por nome Guilhermina, ao tomar 12


conhecimento por intermédio de seu cônjuge das movimentações por parte dos negros nagôs e saber por intermédio de outra mulher de que muitos participariam, correu para avisar seu antigo senhor; “Também ouviu algo sobre a chegada de gente de Santo

Amaro para participar da luta. Mais tarde ela informou que 'depois de combinar com seu camarada foi também avisar ao seu patrono Souza Velho'. Era uma prova de lealdade ao exsenhor ou 'patrono', Firmino Joaquim de Souza Velho. Lealdade que provavelmente lhe favorecera a própria liberdade.” (REIS, 2003. p.12). Com as autoridades avisadas, os revoltosos foram pegos de surpresa, por volta da 1 hora da madrugado do dia 25 eles esperavam o momento para começar o levante mas foram pegos de surpresa pelo juiz de paz do 2º distrito da Sé, um tenente e dois soldados. Quando se viram acuados, os quase cinquenta ou sessenta homens seguiram gritando. Mas para os líderes da revolta esta antecipação dos acontecimentos foi ruim, os negros não estavam preparados para aquele momento e os reforços do Recôncavo não chegariam a tempo. A casa que eles estavam localizava-se na sobreloja da casa nº2, da ladeira da igreja da Nossa Senhora de Guadalupe. Os negros se dividiram em várias frentes, uns subiram a ladeira e outros correram em sentidos opostos. A ideia era encontrar-se no quartel da cavalaria. Alguns saíram batendo de porta em porta chamando e forçando os negros a participarem do conflito. Porém, na frente do quartel, foi o lugar onde se deu o maior número de baixas para os negros, muitos tombaram e outros fugiram no sentido Recôncavo. O sonho da liberdade era mais uma vez adiado. O que nos chama mais a atenção nesta revolta é a vontade da tomada do poder, e não apenas resistir ou tentar reproduzir parte da África em um lugar isolado. Eles queriam Salvador e suas riquezas. Outra coisa que nos chama a atenção é a ausência de crioulos e mulatos no levante, a revolta era de negros, e os afro-baianos não participariam. Os negros tinham o Brasil como terra de branco, e esta terra não era o que eles queriam, 13


havia um desejo de voltar à África e vemos quanto os Nagôs tinham a coragem e a força para tentar alcançar tal feito. Outra informação que para nós foi valiosíssima é a de que na Bahia de1835 o número de Nagôs era relativamente pequeno comparado com outras etnias, mas no levante a proporção de Nagôs é altíssima.

“Eles figuram como 31,1% dos africanos escravos e 24,2% dos africanos que obtiveram alforria em Salvador (excluímos deste cálculo os nascidos no Brasil), mas formavam 83% dos africanos escravos e 53,6% dos libertos (excluindo os cinco afro-baianos presos) que enfrentaram a justiça dos senhores. (...), 72,6% de todos réus, enquanto representam apenas 29,6% de todos os africanos de Salvador, uma grande distância de 43 pontos percentuais.” (REIS, 2003. p.332). As noticias do levantes do Malês rodaram o mundo na época, demonstrando a força negra em terras longínquas, mostrando tanto para o negro daquele tempo, quanto para nós, seus descendentes de hoje, que a resistência é possível mesmo que em um primeiro momento vá gerar perdas. Alguns de nosso grupo, que já estão lecionando e conversaram com seus alunos sobre o levante do Malês, constataram que alunos desconheciam o tema. Nossa proposta é apresentar para estas crianças esta parte da nossa história que lhes foi negada a conhecer. Dentro de muitas revoltas que aconteciam, já existiam objetivos claros por parte dos escravos, reconhecidos pela vontade de obter certas autonomias na senzala ou até mesmo para reivindicar melhores condições de sobrevivência, e é nítido que se estas solicitações não tivessem sido atendidas, surgiriam e gerariam tensões, como ditas anteriormente, e em seguida estas tensões ocasionavam revoltas e fugas, tornando o negro um criminoso foragido, lembrando que existiam fugas com intenção escravista de criar um lugar com ideal de recuperar sua etnia, que pouco estava sendo praticada.

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Dos Quilombos a Abolição O tráfico de escravos da África para o Novo Mundo foi uma grande empreitada, tanto do ponto de vista comercial quanto do ponto de vista cultural. O Brasil teve papel extremamente participativo neste processo, calculado em 40% desta participação e por mais de três séculos a escravidão fez parte da sociedade. Hoje, a ideia de grande parte da população brasileira sobre resistência dentro do processo de escravidão negra, é que houve sim, mas com restrições a certos grupos. A ideia comprovada é de “onde houve escravidão, houve resistência”, esta gerada de formas diversas: seja quebrando ferramentas, fazendo “corpo mole”, agredindo senhores e feitores e até incendiando plantações; dessa forma o escravo negro manifestava sua revolta e insatisfação contra o sistema escravista colonial. Isso quebra a ideia de que o negro em geral era acomodado e inconformado com a sua real situação. O negro que fugia não necessariamente formava grupos de escravos foragidos, o mesmo poderia se diluir no anonimato, geralmente em cidades onde não era incomum a circulação de homens negros livres. A questão do quilombo tratada de forma especial no livro „Liberdade Por Um Fio‟, desenha Palmares com uma visão arqueológica, tratando de detalhes da divisão territorial, conseguindo descrever onde e como viviam, como se defendiam e como atacavam. Esse que foi o mais importante quilombo das Américas e que até hoje desperta curiosidade em muitas partes do mundo. Não há dúvidas que questões ligadas a temas diversos, relacionadas ao contexto dos quilombos, trazem questionamentos e a necessidade de desvendá-los: as condições que facilitavam fugas, como os quilombos eram constituídos, a geografia que facilitava a instalação e ao mesmo tempo a defesa do território e suas táticas especificas, a economia, as estruturas de poder, as relações com o mundo exterior a eles, a religiosidade e as culturas que foram mantidas e as que foram agregadas. Tudo isso e muito mais é alvo de estudo de diversos historiadores. Não se pode deixar de lado a reflexão que os conflitos gerados entre escravos fugidos e as autoridades coloniais fazem parte de um capítulo da história militar do Brasil.

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As reflexões das forças militares contribuíram para o combate de fugitivos, é importante ressaltar a presença da Igreja e outras instituições no desejo de dominação do negro.

“No Brasil, Deus estava contra Palmares. O poderoso Deus católico... Jesuítas defendiam e até praticavam a escravidão, ressaltando que era necessário reformá-la para não haver revoltas da grandeza de Palmares” (Reis, 1996, 15). Como em todo confronto e toda guerra, a imagem divina tornava-se ambígua, com os dois lados dizendo-se protegidos, amparados por Deus. Pode-se notar esse pensamento nas relações de Santo Antônio com os escravos, da mesma forma que os caçava ele também os protegia. O quilombo, que no conceito colonial começava pela reunião de cinco ou mais escravos fugidos, foi, pelo escritor Carlos Magno Guimarães, entendido como “uma contradição estrutural da realidade escravista”. Os quilombolas, assim chamados os integrantes de um quilombo, que não incomum possuíam brancos e comumente indígenas, praticavam o sequestro de escravos, roubo, agricultura, caça, coleta e mineração. Isso tudo dependendo da área que estavam estabelecidos e também da época. Mas o maior perigo para a sociedade escravista em relação aos inúmeros quilombos espalhados pelo país, era de serem grupos politicamente estruturados que contavam com líderes consagrados e mantinham importantes contatos com diversos setores sociais. As autoridades coloniais detinham em seu controle um importante ator no combate aos quilombolas, os próprios negros, estes livres e libertos

intitulados “milicianos” ou

“capitães-do-mato”. O motivo desta atitude deve-se ao fato de que eram ou tornava-se a ser negros donos de outros negros (negro-forro). Mas em contra partida, os fugitivos tinham o apoio de outros setores da população, que os informavam sobre o avanço dos ataques. Palmares e todos os demais quilombos próximos, ao fim da escravidão, fazem parte da história das resistências e anseios de liberdade de homens que ousaram confrontar os ideais escravistas. 16


Devido ao uso habitual da escravidão na Europa no final da Idade Média e no começo do período Moderno, não havia empecilho algum, do ponto de vista moral, em fazer o mesmo aqui, no Novo Mundo. Considera-se o negro africano e mesmo o índio como coisa e não como ser humano, arrastou-se desde o direito romano até então, tirando de ambos quaisquer direito a condição humana. Os quilombos tornaram-se comuns, havendo ali o mais efetivo meio de se opor à escravidão e a essa negação dos europeus em considerá-los como gente, dignas de direitos e não só de deveres. Palmares, datado do século XVII, tinha em sua maioria habitantes de origem africana, de regiões onde hoje são os atuais países africanos Angola e Zaire. Nos anos de 1640, os holandeses que haviam invadido Pernambuco consideravam Palmares “um sério perigo”. Ao analisar a estrutura física de Palmares, constatou-se que ali os fugitivos viviam da mesma forma que em Angola, porém índios, europeus e africanos, mesmo com a predominância desse último, interagiam ali, estabelecendo uma sociedade multiétnica. O assentamento de Palmares, com ruas, casas, muros, entre outros, mostra a diferença do que fora encontrado na África. Está ai uma forma de analisar como eles forjavam uma nova cultura no Brasil, que por longos anos se bem sucedeu e desafiou a sociedade escravista. Entre tantas designações que se possa dar, até mesmo com termos poéticos como “Terra de Heróis”, esse quilombo foi a maior resistência no Novo Mundo, a forma de escravidão de plantation prova de que o negro, no geral, não se acomodou, mas resistiu. Grande parte do que se soube sobre Palmares vem de escritos que se opuseram a ele, ou seja, os militares e ou autoridades dispostas a aniquilar tal afronta. Partindo da ideia de que os militares analisaram as defesas de Palmares, conseguem-se informações para se ter uma ideia de como eram suas fortificações, seus armamentos e suas táticas de guerrilha. A descoberta em Macaco de uma capela e escritos levaram estudiosos a concluir que a religião ali praticada era semelhante à religião católica, isso é explicado por talvez haver nos povos bantos uma certa pobreza mística, mas é claro que os mesmos possuíam seus rituais religiosos habituais e os de guerra. Perante muitos quilombos tivemos inúmeros líderes, mas um dos que mais se destacou por ter sido líder de um dos maiores quilombos foi Zumbi, sobrinho do Rei Ganga Zumba, hoje conhecido como Zumbi dos Palmares, atuou pela primeira vez com grande 17


destreza destacando-se na batalha que ocorreu na expedição organizada por Manuel Lopez em 1675.

“Segundo Eduardo Bueno, Zumbi, cujo nome quer dizer “deus da guerra”, era sobrinho-neto da princesa Alquetune. Envenenou seu tio Ganga Zumba, “rei” de Palmares, e tomou o poder. Zumbi era casado com uma branca. Zumbi preferiu o suicídio à rendição: jogou-se dum penhasco para não ser capturado pelos que atacam seu quilombo. Zumbi era homossexual. Todas as afirmativas acima estão erradas ou são improváveis. Pouco se sabe sobre o guerreiro dos Palmares. Documentos comprovam que, de 1676 a 1695, de fato existiu um “general” negro de nome Zumbi. Ele era baixo, coxo e valente: “negro de singular valor, grande ânimo de constância rara; aos nossos serve de embaraço, aos seus de exemplo”, disse um cronista. Contrário a paz firmada por Ganga Zumba, Zumbi liderou a resistência final de Palmares. Delatado, foi morto em 20 de novembro de 1695. Sua cabeça foi exposta na praça central do Recife até se decompor”. Conforme citado no livro “Liberdade Por Um Fio”, Zumbi conseguiu fugir desse conflito e após algum tempo foi capturado e morto no dia 20 de novembro de 1695, quando hoje se comemora o dia da Consciência Negra. Nesse contexto, a importância de Palmares para os dias atuais, refere-se a “negritude”, isso levanta paixões, sonhos e imaginários e a refletirmos sobre essa importância, inevitavelmente somos obrigados a relacionar Palmares com as relações raciais dos dias atuais no Brasil. Termos como “Terra de Heróis” e “Solo Sagrado” são termos carregados de paixões e emoções deste que foi um dos territórios mais importantes das Américas e que ousou lutar pela liberdade, tantas vezes almejada e até hoje questionada.

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A importância de Palmares foi tão grande e intensa que propiciou mudanças na legislação escravista para repressão de quilombos e fugitivos, pois o maior temor entre a sociedade escravista colonial era do aparecimento de outros inúmeros Palmares. Não se pode ter a ideia de que não houve outros grandes quilombos, podemos citar como exemplo a existência de grandes quilombos em Minas Gerais e no Mato Grosso durante o século XVIII. Para se ter uma noção da participação dos quilombos de Minas Gerais e sua tamanha importância para formação da reação contra a escravidão, entre 1710 e 1798 foram descobertos e destruídos cerca de 160 quilombos na área dessa capitania. Isso já nos dá a ideia de que é necessário recuperar as teses de escravidão suave, de harmonia entre senhores e escravos que muitos autores teriam levantado. O conceito de que o quilombo teria gerado apenas prejuízo econômico não é verdadeiro. O quilombo trouxe danos ao sistema escravista como um todo. Gerado principalmente por negros fugidos, ele trazia um questionamento da real estrutura do sistema escravista e sua eficácia, isso nos permite dizer que os escravos foram participantes árduos na queda da escravidão. Devido ao grande processo de crescimento das revoltas de escravos, teve início a disseminação de que poderia acontecer uma revolução social extremamente perigosa e ameaçadora à sociedade elitista, o que era muito pior que a liberdade dos escravos. A partir disso, começa-se a adotar várias questões sobre a participação do negro no processo de dissolução do sistema escravista colonial e o processo emancipacionista. Diversos fatores podem ser apontados como sintetizadores deste assunto. As disputas políticopartidárias e a política imigracionista serviram como incentivo à transição do trabalho escravo para o trabalho livre, além disso, temos a forte pressão dos grupos de opinião que cada vez mais mostravam indícios de abusos sofridos no interior das senzalas.

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Memórias da Escravidão Em 1986, um grupo de pesquisadores coordenados pelas professoras Maria de Lordes M. Jannotti e Suely Robles R. de Queiros, começou a registrar depoimentos orais de integrantes de famílias negras do estado de São Paulo. Formou-se assim um acervo documental composto hoje por 150 fitas, acompanhadas de transcrições, fichas, fotografias, relatórios de viagens... Foram ouvidas 110 pessoas, de 45 famílias, representando em geral, em cada caso, três gerações adultas consecutivas.

“O 13 de maio não significou o desaparecimento de hábitos associados à escravidão. Por isso, em nosso país, quanto 20


mais o negro e o mulato se identifiquem com os ideais do cidadão e encarnem os direitos fundamentais da pessoa, tanto mais serão incompreendidos e depreciados. Submissão e conformismo são o que deles se espera. Mas as novas gerações esboçam reação.” Suely Robles Reis de Queiros. “Da escravidão nem eu me lembro. Os únicos cativos aqui da minha gente foram minha avó e meu avô. Não gosto nem que fale, porque me dói o coração. Minha mãe não contava isso, não falava no assunto. Eu fui cativeiro na televisão. Não gosto de ver. Me dá aquele nervo de saber o sofrimento que todos ali passaram. Não quero saber. Não gosto de falar”. (D. Maria Francisca Bueno, 106 anos, moradora de Rio Claro). (Memórias da Escravidão, Revista Ciência Hoje, suplemento vol. 8 nº48 p.36).

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Representações do Trabalho A geração de escravos libertos não chegou a competir de forma efetiva no mercado de trabalho. Mas os depoimentos mostram que, no decorrer de três gerações, mudam-se muito as avaliações sobre a posição social do negro. A reflexão sobre o preconceito e da discriminação continua polêmica, mesmo entre os descendentes diretos daqueles que foram escravizados. Vários destes entrevistados na reportagem de Tânia R. de Luca iniciaram algum tipo de atividade produtiva entre sete e doze anos de idade.

“Trabalhei, quando moleque, dos sete anos em diante: era engraxate, carregador de lenha, de sacos de carvão. Trabalhei de empregadinho no Carlos Campos, e ali perto tinha a Cadeia Pública. Eu ia comprar cigarros para os presos na praça, o único moleque que podia entrar lá era eu. Quando fiz 14 anos, voltei para Votorantin e comecei a trabalhar na fábrica, no setor de estamparia”. (Joel Marciano, da segunda geração pós-Abolição, de Sorocaba) “Eu era pequena, mas gostava de trabalhar (...) Sai de Sorocaba e fui para Votorantin arranjar serviço (...) Eu não alcançava nem a máquina naquele tempo! No canto da repartição eles puseram um balde de pôr lixo e eu tinha que varrer a seção, duas varridas por dia. Quando não tinha o que fazer, eu ia ver o que os outros estavam fazendo, para aprender. De modo que eu cresci lá, naquela fábrica”. (Maria Mathias, da primeira geração pós-abolição) “Minha vida foi primeiramente a roça, lavoura, serviço de enxada. Depois, em continuação, entrei no serviço de carvão; trabalhei no carvão durante 21 anos da minha vida. Depois que 22


saí do carvão entrei no serviço do machado, derrubava madeira. Terminou a madeira me arrumaram para entrar no clube. Fui empregado do clube por oito anos. Minha vida é essa”. (João Gonçalves, primeira geração, morador de Cruzeiro). Questionado sobre sua infância, o depoente respondeu laconicamente: “Está tudo esquecido.” A imagem que faz de si mesmo se esgota nas funções que desempenhou ao longo da vida. Maria do Carmo, esposa do Sr. João, também da primeira geração pósabolição, descreve a vida da família durante os vinte e um anos em que o marido trabalhou no carvão: “Nós estávamos sempre nos matos. Naqueles desertos,

naquelas serras, lugar de onça, lugar de cobra, de bicho bravo. Tinha que derrubar as árvores, queimar, fazer lenha. Aí cortava aqueles paus para fazer casinha, fazia casinha de dois cômodos, um quarto e uma cozinha. Arrumava pedra, barro, fazia um fogãozinho, cortava pau, fincava quatro esteios no chão, fazia uma espécie de tarimba de pau para poder dormir - porque nós mudávamos muito e não tínhamos condições de ter móveis. Quando saia dali, ia pra outro mato, tornava a fazer a mesma coisa, sempre trabalhando. Sei dizer que, durante 21 anos que ele trabalhou no carvão, nós fizemos quase 200 mudanças. As vezes eu pedia: ai meu Deus do céu, dá força pra nós, saúde pra nós vivermos e um meio da gente ter uma condição melhor pra ele largar esse serviço! Tinha dia que ele levantava duas horas da manhã pra ir tirar carvão”. Essa vida solitária, longe de tudo e de todos, que raramente propicia a participação em espaços públicos ou a convivência com grupos sociais mais amplos, só permite relações humanas mais intensas no âmbito familiar. Os deslocamentos constantes não significavam nesse caso ampliação de perspectivas, mas subordinação a fatores naturais adversos. O trabalho é esforço muscular, sujeição a necessidades primeiras, puro sofrimento que 23


garante apenas a sobrevivência. (Representações do Trabalho, Revista Ciência Hoje, suplemento vol. 8 nº48 - p.41)

“Minha avó foi escrava. Minha mãe disse que um dia viu a mãe dela ir para o tronco. Ela era criança e começou a chorar, porque viu quando pegaram minha avó para pôr no tronco. Aí ela pediu socorro para um homem chamado Antônio e dizia: “Acuda! Estão matando a minha mãe!” E esse homem disse: “Não estão matando, não. Não chore.” Minha mãe sempre contava essa história. Ela dizia que os escravos tinham que fazer tudo e sempre apanhavam. Minha mãe sempre contava isso. A Abolição foi uma coisa boa, porque naquele tempo os pretos eram mandados, não tinham liberdade, não podiam sair. „Mainha‟ contava muitos casos. Ficavam presos nas senzalas, diz que era tudo junto, diz que comia no cocho tudo junto. “Eu acho que agora é melhor”. (Dona Hermelinda, de Piracicaba, representante da primeira geração pós-abolição). À medida que se avança na compreensão dos testemunhos comprova-se que há memórias individuais e memórias coletivas. O indivíduo participa desses dois tipos de memórias (...) Conforme ele participa de uma ou de outra, ele adotará duas atitudes muito diferentes e ao mesmo tempo contraditórias (...) De um lado e no quadro de sua personalidade, ou de sua vida pessoal, que as recordações tomam sentido, relacionam-se com outras recordações e delas se diferenciam.

“Meu avô falava que o avô dele veio do Congo, da África. As vezes ele mistura as histórias. São histórias que se a gente for ver, tem que ir juntando, pedaço por pedaço, para a gente inteirar uma história”. (Ediana Arruda, pós-abolição, da terceira geração)

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No decênio após a Abolição, o negro não desempenhou papel relevante na constituição do mercado de trabalho livre. Os indivíduos (pertencentes às famílias entrevistadas) ocupavam os cargos mais subalternos de uma sociedade estruturada em classes. Conclusão

Contextualizamos em uma pequena dissertação todo o conjunto dessa obra, sempre procurando mostrar os objetivos apresentados, esse trabalho tem como objetivo restaurar todos os pensamentos e colocações estabelecidas nas três obras por muitas vezes citadas acima. Sem mais ressaltar, dentro do temas selecionados pelo grupo, temos: Os crimes omitidos pelos senhores com pensamentos apenas econômicos, esquecendo o conceito de que os escravos também eram seres-humanos e não mão de obra movida à violência. Esse ponto de omissão tem a visão de que o senhor é literalmente dono da “vida” do seu escravo, ao mesmo tempo em que ocorriam esses fatos, os senhores também tinham receio de serem traídos, consequentemente roubados ou até mesmo mortos. Devido a muitas punições que ocorriam aos escravos que cometiam crimes, foi gerado um clima de tensão entre as duas partes, principalmente por parte dos escravos, isso inevitavelmente gerou a necessidade de uma possível manutenção do sistema escravista. Dentre muitos conflitos que tivemos, não podemos deixar de ressaltar os conflitos entre escravos, que eram causados por diversos motivos, um dos principais eram as disputas afetivas, externamente, temos os conflitos com fundamentos religiosos pela intolerância e interesse da igreja católica em afirmar a supremacia do Deus cristão. Nem todos os escravos que conseguiam fugir dos seus cativeiros, juntavam-se a quilombos, mas morriam no anonimato da sociedade. Aqueles que se juntaram a outros grupos formavam quilombos, que foi a mais comum forma de resistência nas Américas. O mais importante deles foi Palmares, liderado por Zumbi, que hoje é um símbolo de resistência e luta daqueles que ousam lutar por liberdade. 25


Os quilombos não ocasionaram prejuízos somente na parte econômica, mas também trouxeram danos a todo sistema escravista, motivando junto a outros fatores, o crescimento do processo abolicionista.

Bibliografia BUENO, Eduardo. História do Brasil. 2. ed. Folha de São Paulo/Zero Hora, 1997. MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. Crime e Escravidão. São Paulo: brasiliense, 1987. Memórias da Escravidão, Revista Ciência Hoje, suplemento vol. 8 nº48. PRICE, Richard. REIS, João José. Liberdade Por Um Fio. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

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