MÓDULO 1
A NEUROCIÊNCIA
Professor Nelson Pascarelli Filho | GPEC – Educação a Distância
A neurociência é um termo que reúne as disciplinas biológicas que estudam o sistema nervoso, normal e patológico, especialmente a anatomia e a fisiologia do cérebro inter-relacionando-as com a teoria da informação, semiótica e linguística, e demais disciplinas que explicam o comportamento, o processo de aprendizagem e cognição humana bem como os mecanismos de regulação orgânica. Tanto do ponto de vista histórico como teórico não se pode deixar de considerar as contribuições da cibernética, hoje a neurociência computacional que se define como a ciência da comunicação e controle no animal e na máquina. Essencialmente é uma prática interdisciplinar, resultado da interação de diversas
áreas do saber ou disciplinas científicas como, por exemplo:
neurobiologia,
neurofisiologia,
neuropsicologia,
neurofarmacologia
(psicofarmacologia), estendendo-se essa aplicação à distintas especialidades médicas
como
por
exemplo:
neuropsiquiatria,
neuroendocrinologia,
neuroepidemiologia, psiconeuroimunoendocrinologia, etc. Observe-se que a maioria dos vocábulos com prefixo neuro podem ser substituídos ou associados ao prefixo psico, a moderna neurociência tende a reunir as produções isoladas face ao risco de perder a visão global do seu objeto de estudo: o sistema nervoso, contudo a complexidade deste, e em especial do sistema nervoso central da espécie humana, exige o estudo isolado de cada campo e o exercício da inter-relação de pesquisas. Existem pelo menos cinco maneiras ou áreas de estudo da relação entre sistema nervoso e comportamento e/ou sua fisiologia: O espectro animal – diversidade de modelos que a natureza oferece e os padrões reconhecíveis de comportamento e de estrutura 2
anatômica
e
bioquímica.
Atividade
também
denominada
Neuroetologia; As diversas patologias e lesões anatômicas e suas consequências funcionais. Para deficiência mental, por exemplo, já se conhece pelo menos 300 causas; Os estágios do desenvolvimento humano/animal e envelhecimento. Existem estágios previsíveis de modificação anatômico-funcional e comportamental nas diversas fases do desenvolvimento do SN humano; Efeito de drogas em diferentes sítios anatômicos. Existe certo consenso quanto a três formas básicas de efeito farmacológico de drogas no sistema nervoso. As substâncias psicoativas podem ser classificadas como lépticas (estimulantes); analépticas (depressoras) e dislépticas (modificadoras). É nesse último grupo que se enquadram as substâncias conhecidas como alucinógenos ou enteógenos; Estudo da mente (psique), a inteligência, capacidade cognitiva e/ou comportamento.
Para
um
grande
conjunto
de
alterações
comportamentais estudadas pela psicopatologia e criminologia ainda não existe consenso sobre suas causas biológicas e psicossociais. O mesmo pode ser dito para alterações psiconeuroendócrino fisiológicas da experiência religiosa ou êxtase religioso e estados alterados de consciência induzidos por técnicas como meditação e yoga.
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Múltiplas inter-relações entre esses diversos métodos e possibilidades de estudos são possíveis, contudo ainda não existe grandes teorias que façam da neurociência uma única teoria ou método científico com suas múltiplas aplicações práticas na área médica (Neurologia, Psiquiatria, Anestesia, Endocrinologia, Medicina Psicossomática) ou paramédica (Psicologia, Fisioterapia, Ortóptica, Fonoaudiologia, Neurortopedia bucal, Terapia Ocupacional etc.). Uma forma distinta de conceber a diversidade de metodologias com que podemos estudar o cérebro é, como proposto por Lent, acompanhar em princípio os distintos níveis anatômicos – funcionais que a biologia utiliza para o estudo dos seres vivos. Estabelecendo então: Neurociência molecular; Neurociência Celular como níveis de análise equivalentes as bem estabelecidas disciplinas da bioquímica e citologia; a Neurociência Sistêmica orientada pelos princípios histológicos, estruturais e funcionais dos aparelhos e sistemas orgânicos; a Neurociência Comportamental em princípio acompanha os níveis de organização básica do indivíduo ou seu comportamento equivalendo aos estudos da Psicobiologia ou Psicofisiologia e finalmente a Neurociência cognitiva ou estudo das capacidades mentais mais complexas, típicas do animal humano como a linguagem, autoconsciência etc. que também pode ser chamada de Neuropsicologia. Observe-se que não há um plano ou nível privilegiados de análise e nem sempre a melhor explicação de um nível situa-se necessariamente no anterior (ou posterior). Paradoxos complexos podem ser criados como o estudo molecular da consciência ou
o entendimento
da
consciência e
comportamento
como 4
propriedades emergentes relativamente independentes do estudo do sistema nervoso. Um entendimento pleno deve considerar como verdadeiras e igualmente importantes todas as maneiras de estudo do cérebro e sistema nervoso.
O cérebro, a mente e os seus problemas Além da tarefa ainda não concluída em milhares de anos de pesquisas, especulações, tentativas, erros e acertos sobre a anatomia e fisiologia do cérebro e de suas funções, sejam o comportamento/pensamento (psique) ou os mecanismos de regulação orgânica e interação psicossocial alguns problemas se impõem aos pesquisadores, destacando-se entre estes os que podem ser reunidos pela patologia. Ressalte-se, porém, a inconveniência de reduzir a neurociência à clínica e anatomia patológica como na história da medicina já se fez, e perdermos de vista a possibilidade de construção de um conhecimento da saúde (não redutível ao oposto qualificativo da doença) considerando também as dificuldades de aplicação dos conceitos da patologia às variações genéticas e bioquímicas das espécies e natureza da psique e/ou comportamento. Assim esclarecido temos duas estratégias básicas para abordar os problemas da mente-cérebro e/ou a principal aplicação prática da neurociência na clínica médica:
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O estudo da função nervosa e suas alterações, ou seja, o coma, alterações da consciência e do sono; alterações dos órgãos dos sentidos, delírios, alterações do intelecto e da fala; distúrbios do comportamento,
ansiedade
e
depressão
(lassidão,
astenia);
desmaios, tontura (vertigens) e estado convulsivo; distúrbios da marcha e postura (tremores, coréia, atetose, ataxia); paralisias e distúrbios da sensibilidade e dor (cefaleia e segmentos periféricos); espasmos, incontinências e outras alterações da regulação orgânica; O
estudo
etiológico
das
patologias
do
sistema
nervoso
-
malformações congênitas e erros inatos do metabolismo; doenças do desenvolvimento, degenerativas e desmielinizantes; infecções por grupo de agentes e sítio anatômico (meningites, encefalites,etc.); traumatismo no sistema nervoso central e periférico; doenças vasculares (hipoxias, isquemias, infarto hemorragias); neoplasias (tumores malignos, benignos por tecido de origem e cistos); doenças neuroendócrinas, nutricionais, tóxicas e ambientais; transtornos mentais e distúrbios do comportamento. UM POUCO DE HISTÓRIA Se não considerarmos que o conhecimento de métodos de tratamento invasivo como trepanações das medicinas antigas e pré colombianas; utilização de plantas psicoativas e outras técnicas de modificação da consciência e anestesia (similares à yoga e acupuntura), fazem parte da neurociência, podemos tomar como data de criação desta interdisciplina a publicação de De morbis nervorum em
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1735 , de autoria do mĂŠdico holandĂŞs Herman Boerhaave (1668 - 1738), considerado o primeiro tratado de neurologia.
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Pode-se ainda marcar seu início com a descoberta da função cerebral atribuída ao grego Alcmaeon da escola Pitagórica de Croton em torno de 500 aC, que discorreu sobre as funções sensitivas deste.
Suas observações foram confirmadas por Herófilo, um dos fundadores da escola de medicina de Alexandria (século III aC.), que descreveu as meninges e a rete mirabile (rede maravilhosa) de nervos (distinguindo este dos vasos) e medula com suas conexões com cérebro, cujo conhecimento foi sistematizado e
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demonstrado empiricamente, através do corte seletivo de nervos, por Galeno (130211 aC.).
Herófilo
Galeno
Para Mark F. Bear o estudo do encéfalo é tão antigo quanto a ciência e entre as disciplinas que o estudam inclui a matemática, destacando ainda as reflexões de Hipócrates sobre esse órgão no clássico da medicina, atribuído a ele - "Acerca das doenças sagradas" (Hipócrates Séc IX a.C.) - o homem deve saber que de nenhum outro lugar, mas do encéfalo, vem a alegria, o prazer, o riso, e a diversão, o pesar e o ressentimento, o desânimo e a lamentação (...) por esse mesmo órgão tornamonos loucos e delirantes, e medos e terrores nos assombram(...)Nesse sentido sou da opinião de que o encéfalo exerce o maior poder sobre o homem(...)
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Hipócrates Ressalta, porém que a palavra neurociência é jovem e que a primeira associação de neurociência foi fundada somente em 1970.
Mark F. Bear Dr. Bear is a Howard Hughes Medical Institute Investigator and is the Picower Professor of Neuroscience at the Picower Institute for Learning and Memory and the Department of Brain and Cognitive Sciences, Massachusetts Institute of Technology. Prior to moving to MIT in 2003, Dr. Bear was on the faculty of Brown University Medical School for 17 years. After receiving his B.S. degree from Duke University, he earned his Ph.D. in Neurobiology at Brown. He took postdoctoral training from Dr. Wolf Singer at the Max Planck Institute for Brain Research in Frankfurt, Germany, and from Dr. Leon Cooper at Brown. His honors include Young Investigator Awards from the Office of Naval Research (1988) and the Society for Neuroscience (1993), and the Brown University Class of 2000 Barrett Hazeltine Citation for Teaching Excellence. He was elected as a Fellow of the Neurosciences Institute and Dana Alliance for Brain Initiatives in 1999, the American Association for the Advancement of Science in 2003, the American Academy of Arts and Sciences in 2004, and the American College of Neuropsychopharmacology in 2005. In 2006, Dr. Bear was the recipient of the William and Enid Rosen Research Award for outstanding contributions to our understanding of Fragile X Syndrome by the National Fragile X Foundation. Dr. Bear served as Director of The Picower Institute for Learning and Memory at MIT from January 2007 until June 2009. 10
Para Saber Mais
Alexander, Franz G, Selesnick, Sheldon T. História da psiquiatria: uma avaliação do pensamento e da prática psiquiátrica desde os tempos primitivos até o presente. São Paulo : Ibrasa, 1968.
Canguilhem, Georges. O Normal e patológico, RJ, Forense-Universitária, 1982
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Foucault, Michael. Doença Mental e Psicologia, RJ, Tempo-Brasileiro, 1968
Hubel, David H. El cérebro, edicion especial sobre neurobiologia da Investigacion y Ciência, nº 38. Barcelona, noviembro de 1979 ou The Brain, Scientific American nº 3, v 241. USA, september 1979
Kandel, Eric R.; Schwartz, James H.; Jessell, Thomas M. Fundamentos da neurociência do comportamento. RJ, Guanabara Koogan, 1997
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Lent, Roberto (Ed.). As ciências do cérebro. Numero especial da Rev. Ciência Hoje, v16/ nº 94, Rio de Janeiro, setembro-outubro de 1993.
McGaugh, J.L.; Weinberger, N.M.; Whalen, R.E. Psicobiologia, as bases biológicas do comportamento. (textos do Scientific American). SP, EDUSP – Polígono, 1970
Sites
NEUROREDE - Primeira Rede Social Colaborativa de Neurociências em Língua Portuguesa
Portal de Neurociências com Sistema de Busca de Artigos Científicos em PDF 13
NetMed - NeuroCiências e Neurologia
Instituto de Neurociências & Comportamento (INeC)
Instituto Internacional de Neurociências de Natal
International Brain Research Organization
Neurociencias: Ciencia do Cerebro
Sociedade Portuguesa de Neurociencias
Sociedade Brasileira de Neurociencias e Comportamento (SBNeC)
Sociedade Brasileira de Neuropsicologia
Neurobiologia Celular
Inteligência Artificial
Cerebro & Mente, Revista Eletrônica de Divulgação Científica em NeuroCiência
IBNeuro Instituto Brasiliense de Neuropsicologia e Ciências Cognitivas
Pavlov Institute of Physiology
Comparative Animal Behavior Research: THE ETHOGRAM
University of Wisconsin and Michigan State Comparative Mammalian Brain Collections
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Fontes Consultadas: Revisado e ampliado de www.ibneuro.com.br, neurorede.com, pt.wikipedia.org, www.braincampaign.org
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