Onde está São João?

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onde está São João?

dani da gama


Textos, Fotos e Diagramação: Dani da Gama


“São João está dormindo / Não me ouve, não. Acordai, acordai, acordai, João”. (Capelinha de Melão - Domínio Público)

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Trabalho apresentado como requisito para conclusão no Curso de Comunicação Social-Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) Orientadora: Professora Dra. Alessandra de Falco Brasileiro Novembro de 2015

Este livro é dedicado à Alessandra, mestre e amiga que não me deixou desistir à Maria Catarina e Cecília, que me ajudaram a caminhar a Felipe e Juliana, pelo exemplo e apoio a meu pai, que ainda acredita em meus sonhos à minha família e ao Seu Nelson, que perguntou se o projeto já estava pronto...


Sumário Capítulo 1 - Cidades

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Mundos

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Mapas

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Espaços

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Limites

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Capítulo 2 - Gente

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Nação Tejucana

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Um samba para o Bonfim

37

Dos vaga-lumes

48

Entre mansões e quintais

55

Andar com fé

67

Deuses e mortais

77

Caminhos

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Referências

96

Referências nas páginas de fotos

99

Índice de Fotos

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“Cada lugar é, à sua maneira, o mundo”. Milton Santos - geógrafo


Capítulo 1 CIDADES


s

mundos


C

ada cidade é um mundo, ou melhor, vários. Vai do inferno ao paraíso, do turístico ao oculto, não raro com a mesma beleza. E cada cidade é uma nova poesia. Observar uma cidade de cima é vê-la feita em linhas que arranham um caderno, onde um aprendiz tenta escrever um romance. Olhá-la mais de perto e caminhar por estas linhas é tentar ler essa história, seus personagens e seus capítulos. E, como num caderno, toda cidade tem um meio, um miolo, de onde se abre, para o antes e o depois, as velhas lógicas de esquerda e direita. O centro é mesmo um tanto lógico, é masculino. Calculado, direto, muitas vezes burocrata, feito de cartões-ponto e repartições. De ruas repartidas em caminhos matemáticos e sinalizados. Já a periferia não é simétrica, nem lógica: é temperamental. Feminina, é romântica e guarda versos em suas curvas e dobras. Deixando de lado a metáfora, a etimologia ensina que “periferia” quer dizer “levar em torno”. Ou: ao limite de um espaço ou objeto, à fronteira, as margens daquele grande caderno escrito. De fato, embora sempre rica de personagens e histórias, ela costuma permanecer mesmo à margem do que é contado, e do que é visível. Acontece que nas última décadas, a periferia passou a ocupar cada vez mais a cabeça de artistas, sociólogos e outros estudiosos. Passou a ser contada com mais frequência, ora pela ótica da violência, como pontos de exclamação das consequências do esquecimento pelo poder público, ora pela reação pacífica dos moradores, como suaves reticências a predizer saídas, construídas pela arte, cultura e associação. Em dois extremos, a periferia cresceu, apareceu e pediu para ser escrita. E também buscou se escrever. Cresceu o número de produções literárias e musicais que vêm - e falam - da periferia, intervenções anônimas pelo grafite, ou organizacionais como os jornais comunitários, que compartem o espaço com o olhar “de fora”, do estrangeiro: o olhar da mídia e do entretenimento, que creditam ora os encargos de vilão, ora o status de mocinho, de forma superficial e estereotipada, à população desse “outro mundo”. São João del-Rei, como toda cidade, também comporta muitos mundos. Cidade histórica mineira, com ar romântico de novela, sempre retratada por suas igrejas barrocas, seus sinos conversadores e suas ruas e pontes centenárias. Aliás, em uma delas, a Ponte da Cadeia, costuma-se dizer que se você sentar nunca mais vai embora. Mas São João não termina na ponte da Cadeia. São João, com uma população de 84.469 habitantes de acordo com o último censo (IBGE, 2010), e estimada em 88.902 habitantes em 2014, se completa em 8 bairros, oficialmente, e várias outras microrregiões. É história para você sentar e não ir embora nunca mais.

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Por isso, este livro noticia o anônimo, registrando a beleza do invisível, do que está além do centro. Caminhando nas linhas quase sempre escondidas é que são encontradas estas narrativas de muitos atores que estão fora das manchetes e das notícias que não estão no jornal, mas que são contadas e recontadas, na mesa do jantar, por entre as janelas, nos encontros no bairro, ou ainda que ficaram esquecidas nas solidões tão cotidianas. São narrativas que moram na periferia, em cada lugar onde, não cabendo um cartãopostal, caberia por certo um poema. O registro é da pesquisadora, futura jornalista, mas as histórias são deles. E como a autora que fala não é de São João del-Rei, nem ao menos de Minas, este olhar também é estrangeiro. Mas sempre é possível ajustar as lentes.

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mapas


“F

ica estabelecido o perímetro urbano da cidade de São João del-Rei, intensamente ocupada com edificações, ruas e praças, também reservada à expansão urbana, ainda não ocupada por construções ou equipamentos urbanos, conforme discriminação abaixo: O perímetro urbano da cidade de São João del-Rei terá seu início na foz do Córrego Caiambola, no Rio Carandaí, subindo a encosta à margem esquerda do Rio Carandaí, contornando as águas da Colônia do Marçal até a nascente do Córrego do Porto (hoje seco); nascente do Córrego do Porto até sua foz no Rio das Mortes ; Rio das Mortes até a foz do Córrego do André; Córrego do André passando pela ponte na BR–265 até a foz do Córrego Morro Redondo; foz do Córrego Morro Redondo à margem da BR–265, a uma distância de 500 metros até o divisor de águas do Rio das Mortes Grande e Pequeno, no Morro dos Vilelas, sob a rede de transmissão de alta tensão da CEMIG, a 2 km do trevo do Tejuco na BR–265; morro dos Vilelas até a Serra do Lenheiro; Morro das Almas até a cabeceira do Córrego do Bengo; Córrego do Bengo até sua foz no Rio das Mortes; foz do Córrego do Bengo no Rio das Mortes, pelo espigão da margem direita do Rio das Mortes até a cabeceira do Córrego Caiambola, Córrego Caiambola até sua foz no rio Carandaí.”

(Extraído da Lei Municipal n. 2.521 de 31 de agosto de 1989)

Afimal, onde está São João? Centro, Sr. dos Montes, Fábricas, Colônia do Marçal, Matosinhos, Jardim Central, Bonfim e Tejuco. Em 1989, 8 bairros eram oficialmente reconhecidos em São João del-Rei. Como dizia o texto da lei 2.521, a divisão foi feita com a finalidade de “facilitar o próximo recenseamento” do IBGE. Segundo o historiador Antonio Gaio Sobrinho, a primeira divisão oficial de São João em bairros se deveu a um possível surto de cólera em 1855, para melhor fiscalização das residências. Os bairros dividiam-se em 4, ordenados pelas linhas de uma cruz que iam do Tejuco ao final da atual Avenida Tancredo Neves, e da Capela das Mercês à do Bonfim. Um quinto bairro compreendia o Arraial de Matosinhos (GAIO, 2008). O Censo mais recente, de 2010, aponta que São João já atingiu quase 85 mil habitantes, sendo que quase 80 mil vivem na zona urbana. Em virtude do tombamento e impedimento de alteração dos imóveis do centro histórico, da forte especulação imobiliária na área central e do crescimento das universidades, entre outros fatores, São João foi expandindo seus limites urbanos para dar conta de um crescimento que tem sido desordenado.

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Algumas periferias do município, surgidas na década de 70, se formaram no rastro da ação omissa dos governos e da especulação imobiliária. Nos anos 80 este processo se consolidou em um crescimento que estudiosos consideram “fragmentado”. E assim cresceu uma São João polarizada. São 8 bairros oficiais e mais outras microrregiões que também já chamamos de bairros, e uma convivência limitada entre estes espaços. Há em São João um centro da cidade, famoso e conservado, atendido pelas políticas públicas e admirado pelos moradores e visitantes; os bairros da classe média, providos de toda infraestrutura para uma existência confortável; e uma vasta periferia esquecida e distante, ainda que geograficamente não tão longe das áreas centrais. Tampouco o centro da cidade compõe hoje um espaço de vivência que inclua estas periferias: o centro tornou-se elitista e restrito a um público que pode “consumir” este espaço. Enquanto isso, as periferias buscam, através de organizações não-governamentais, associações e grupos culturais, suas próprias soluções para a falta do atendimento de suas demandas mais básicas. É possível, assim, dizer que os bairros de São João conformam “cidades dentro da cidade”. Cidades estas que não se comunicam entre si, e tampouco têm voz para comunicar a si mesmas, especialmente com a existência de uma mídia local concentrada e centro-focada.

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espaรงos


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ão João del-Rei é uma cidade histórica mineira, pertencente ao circuito conhecido como Estrada Real - caminhos que, durante o Brasil colônia, levavam os metais preciosos das Minas Gerais ao Rio de Janeiro. A cidade recebe milhares de turistas anualmente, principalmente em datas como Carnaval – um dos mais tradicionais do estado – e na Semana Santa, em virtude de sua forte tradição religiosa e suas igrejas históricas do período barroco. Mas também é uma cidade universitária, que tem recebido estudantes de diversos municípios mineiros e de outros estados brasileiros, além de estudantes do exterior, em regime de intercâmbio estudantil. Assim, a ocupação de seu espaço urbano já é preocupação antiga. Quando da descoberta de ouro na região, o então Senado da Câmara - casa de governo - escolheu para implantação da vila uma área oposta à da exploração do metal precioso, para ampliar seus limites. Já nas últimas décadas do século XVIII, a vila começou a crescer em direção aos subúrbios, aos caminhos de entrada e saída da cidade (MALDOS apud COTA; DIORIO, 2013). Segundo Cota e Diorio (2013), em fins do século XIX, São João del-Rei apresentava um formato alongado, tendo o córrego do Lenheiro e os trilhos do trem da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) como eixos de sua expansão. Já em 1938, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) realizou o tombamento da cidade, com a preservação de várias de suas construções. Ainda conforme as autoras, a partir dos anos 40 a cidade apresentou novo padrão de crescimento, com a ocupação das extremidades da cidade – a leste em direção à Colônia do Marçal e a oeste em direção ao bairro Tejuco – e o adensamento de bairros situados em encostas próximas da área central, como o Bonfim, Guarda-Mor, Senhor dos Montes e Fábricas. Analisando a evolução urbana do município entre 1940 e 1970, Pereira (apud COTA; DIORIO, 2013, p. 08) considera que São João se desenvolveu como uma “espinha de peixe”, formação que se mostrou “[...] eficiente para diminuir a pressão no centro histórico, mas também para aumentar o número de vias e de bairros nos arredores do centro e nos prolongamentos dos córregos da cidade”, o que, segundo o autor, viria a induzir a processos de dispersão e fragmentação. Nos anos 70, a cidade passou por período de decadência econômica. Novas áreas urbanas periféricas se formaram, em virtude do colapso da atividade industrial e da valorização imobiliária na área central, passando a ser habitadas principalmente por populações de baixa renda. Atualmente, Andrade (2014, p. 1002) aponta os altos preços dos imóveis nas regiões mais centrais, a “[...] impossibilidade de verticalização do centro histórico” em virtude de legislação que protege o patrimônio histórico, e o crescimento da população nos últimos anos, como fatores que têm levado a expansão imobiliária a áreas mais afastadas. 17


São inúmeros os loteamentos e novos empreendimentos, tanto para segmentos populares, como de média renda. No entanto, Cota e Diorio (2013, p. 09) defendem que a atuação do Estado e do mercado imobiliário “[...] não vêm contribuindo para minimizar o crescimento segregado e fragmentado da cidade, reforçando as desigualdades socioespaciais” e permitindo caracterizá-la como “dispersa e fragmentada”. Loteamentos são implantados “[...] sem levar em conta seu entorno, dando origem a espaços ‘isolados’” (COTA; DIORIO, 2013, p. 10), e reproduzindo padrões de segregação, “[...] ao direcionar segmentos de baixa renda mais no sentido oeste da cidade (...) e os segmentos de média renda mais a leste, no sentido Colônia do Marçal e adjacências” (COTA; DIORIO, 2013, p. 12). Para as autoras, essa ação reforça agrupamentos por extratos socioeconômicos, já que os loteamentos mais populares são implantados próximos das periferias urbanas, já ocupadas por segmentos de baixa renda – e com menos infraestrutura. Este tipo de conformação direciona as moradias de setores populares a locais em que acabam por se desenvolver problemas estruturais “crônicos”. Este processo é fruto do desenvolvimento da cidade que reproduz no espaço as desigualdades existentes na sociedade e na qual os interesses que prevalecem são os daqueles que mais podem “dizer” no espaço público.

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limites


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omo acontece em outras cidades antigas, em São João del-Rei há dois centros. O centro “novo”, onde se desenvolvem as atividades comerciais e de serviços, e o centro histórico, preservado e tombado pelo IPHAN. Todos os visitantes – sejam os turistas que passam aqui os fins de semana, sejam os moradores sazonais que participam da vida universitária – são atendidos pelo centro novo – lojas, casas bancárias, locais de encontro, hospitais – e pelos atrativos culturais do centro antigo. Mas para além destes locais centrais, há toda uma cidade. Uma cidade de que pouco se vê e pouco se fala. Em São João há 2 canais de TV, 5 rádios entre AM e FM, vários jornais impressos e diversos jornais murais. Tal como num mapa turístico, que aponta o que não se pode deixar de “ver” na cidade, a mídia também efetua sua seleção do que vale a pena ser (re)conhecido e lembrado. Os temas e espaços abordados são um recorte que “representa” a cidade na perspectiva escolhida pelos veículos noticiosos, visibilizando alguns aspectos em detrimento de outros. Este filtro é parte da atividade jornalística, que não dá conta de abarcar todos os acontecimentos de todos os locais durante todo o tempo. Mas quando a mídia escolhe falar do centro e ocultar a periferia, há nisso uma opção política que invisibiliza um grande segmento da população e suas realidades específicas. Por outro lado, quando se elege falar da periferia também há o risco de tornarse tão estigmatizante e excludente como ao não falar dela, falando da “voz da periferia” como um discurso isolado, negativo ou de menor valor. Fala-se da violência – ocultada nas regiões centrais e escancarada quando se trata de bairros periféricos – ou de sua produção cultural, abordada também de forma apartada de uma produção cultural “central”. Mesmo quando, e em cada vez maior grau, é a própria periferia quem produz seu discurso, isso não significa que seus enunciados sejam legitimados pela imprensa ou pelo público. Nesses casos, o discurso pode vir mesmo a reforçar preconceitos e violências. Assim, é importante reconhecer a relevância dos discursos produzidos pela mídia, observando que tipo de relação estabelecem com os sujeitos da periferia, e como simbolicamente os representam e a seus espaços. É importante que esta periferia produza, também, suas próprias formas de mídia. A maior relevância de incluir a periferia no discurso midiático se baseia na afirmação de Hjarvard (2012, p. 78): “A interação mediada não é nem mais nem menos real do que a interação não-mediada, mas o fato de que a interação mediada ocorre entre indivíduos que não compartilham o mesmo espaço físico, muda as relações entre os participantes”. A periferia que não aparece na mídia não “importa” e não “existe”, para quem não compartilha desse mesmo espaço físico. Ela deixa de existir nas relações da cidade, no espaço público e para as políticas públicas, porque sua representação – ou falta dela – é mediada por um discurso no qual ela simplesmente não “conta”. 21


“A última fronteira política é a fronteira da narrativa. Quando a gente a domina, a gente está no início do embate, do diálogo”. Adirley Queirós - cineasta, morador da periferia de Brasília.


capítulo 2 GENTE


“A rua tem alma”. João do Rio - escritor, cronista das ruas do Rio de Janeiro


nação tejucana


T

ejuco - “Recebeu esse nome devido ao fato de existir, antigamente, na região, um terreno baldio e pantanoso” (GAIO, 2008, p. 32). Tejuco – entre ruas que serpenteiam subindo e descendo ladeiras da General Osório à Santo Antônio, ou em longos caminhos da Padre Rocha ao sopé da serra do Lenheiro, portinhas que oferecem carnes, consertos e sabão, pessoas carregando seus sonhos, sonos e sacolas. O Tejuco sempre me pareceu um lugar familiar, mesmo para mim que sou de longe, mas sempre gosto das calçadas acolhedoras. Era numa calçada da General Osório que eu ia encontrar D. Vilma. A indicação veio de uma liderança do bairro, que me adiantou que D. Vilma tinha feito parte da associação de moradores, ajudado a abrir escola, biblioteca, associação de arte, a cuidar de praça.... Ao telefone, a voz é firme e decidida. Imaginei aquela grande senhora altiva que eu ia encarar. Numa tarde fresca encontro no portão a D. Vilma de verdade, mais amena do que a que eu tinha posto na imaginação: uma senhora pequenina e delicada conversando com o vizinho no portão. Uma santinha que não conheço, e acabei por não perguntar, dependura-se a proteger o peito, guardador de histórias, lado a lado com o óculos olhador de tudo. Do aparador onde várias figuras sacras abençoam nossa entrevista, só reconheço o Espírito Santo. O sino de uma igreja próxima badala algumas vezes entre nossas conversas. D. Vilma começa a contar suas rezas, suas crenças. Dela, e de tantos outros protetores do Tejuco. *** Dona Vilma das Mercês Lopes da Silva. 65 anos. Solteira. Sem filhos. Professora aposentada. O óculos pende junto da correntinha de santo. Cabelos curtos. Sobrancelha fina. - Eu nasci nesse bairro, nessa rua aqui. D. Vilma começa sua história e fixa o acontecimento num Tejuco de outro século, que tinha árvores, mangas e jabuticabas. As casas quase todas tinham hortas muito grandes. - A gente gostava de ouvir os passarinhos... E a professora vai catando lembranças e colocando numas poesias assim espontâneas: - Da minha casa eu via o pôr do sol, onde hoje é a Área de Preservação Permanente, era tão bonito nesses dias pequenos... a gente ficava observando, a Serra do Lenheiro, também, o pôr do sol nos dias maiores...Cantavam os passarinhos, quando armava chuva a gente ficava prestando atenção naquela ventania, parecia que a gente via o avesso das folhas nas árvores.

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Aí conta que brincava na rua e eu, ainda nervosa perdendo a noção do tempo que passa, pergunto dos carros. Ela diz que a rua não tinha calçamento ainda, e poucas pessoas tinham carro. O que tinha mesmo era vagalume. - Aqui onde é a Rossino Bacarini, que a gente fala “a praia”, tinha à noite muito vagalume. Hoje a gente não vê mais. Eu me lembro das lavadeiras no Córrego do Lenheiro, aqui nos fundos lavando roupa, então tinha umas pedras, elas iam lavar roupa ali. Eu teeeeento lembrar o que que elas cantavam… - e puxa pela memória que não chega. - As crianças nadavam... hoje é só esgoto. Sem lembrar da cantiga das lavadeiras, então arrisca vereda pelas notícias menos bucólicas: - Mudou, mas mudou mesmo. Infelizmente pra pior. Porque o desrespeito com o córrego é muito grande. E a professora vai lembrando que faz muito, muito mesmo, o Tejuco também é desrespeitado. - Nosso bairro é muito abandonado. A verdade é essa. Eu tenho documentação lá da década de 40, que os senhores que reuniam com o padre aqui pra fazer uma igreja, que ainda não tinha nenhuma aqui, que hoje é a Matriz de São José, tem na ata o presidente dizendo que ‘da Ponte do Rosário pra cima nada subia’. Década de 40. - pontua. Desta igreja também surgiu a escola, e o Tejuco foi ainda o primeiro bairro a ter posto de saúde, conta a professora. Tudo sem auxílio do governo. A voz não perde a doçura, mas vejo os olhos muito acesos, preocupados. Porque há tanto para se preocupar do lado de cá do Rosário. *** Lá vai D. Vilma passeadora fazendo mentalmente um mapa para a “turista” que lhe entrevista: - O Tejuco é o que? Da Ponte do Rosário, pega a General Osório, Santo Antônio, Padre Rocha, São João... pega Jardim São José, rua São José, Águas Férreas, pega vila São Bento... depois já começam outros bairros. Bairro da Alvorada. Barro Preto. Residencial Lenheiro. Águas gerais. São muitos bairros, mas o Tejuco mesmo é da Ponte do Rosário até São Bento. Eu explico para ela que a minha pesquisa considera tudo um Tejuco só. Porque afinal, mesmo hoje havendo inúmeras localidades que todo mundo aqui chama de bairro, a lei municipal ainda vigente só reconhece sete, além do Centro – Tejuco e Fábricas, Marçal e Matosinhos, Jardim Central e Senhor dos Montes. Bonfim. E pergunto dos quadros na parede. Pergunto se as pinturas também são do Tejuco. Um ela fica na dúvida – Deve ser Tiradentes... Os outros ela aponta com mais orgulho: 27


- Essa é a capela de Santo Antônio, aqui na rua Santo Antônio. Esse parece ser daqueles prédios antigos da Santo Antônio... Esta rua, aliás, é uma das mais antigas da cidade. - Eu falo que ela é o centro cultural daqui. Ela tem a sede da Lira sanjoanense, a sede da Orquestra Ribeiro Bastos – tudo já bicentenário. Tem a sede da banda Teodoro de Faria, que já tem cento e tantos anos.. Tem três escultores que moram lá, e esculpem em madeira pra fora de São João. E D. Vilma não para, seguindo da Santo Antônio por todo o bairro, que considera celeiro da arte de São João. - A parte de música... o que esse bairro fornece de músicos pras orquestras, pras bandas. Não é fácil. Pintores... aqui tem uma gama grande. Os sinos tocam longe. Lembro de imediato de toda tradição e movimentação cultural sanjoanense conhecida que acaba se resumindo ao centro histórico – pertinho dali. Minha bússola gira. Não que eu vire menos turista, menos estrangeira. Serei sempre, vou só passeando. *** - A gente fez um grupo de artistas, sabe, o Tejuco Arte Real – pintores, escultores, escritores... tudo aqui do bairro. Mas o artista é muito difícil de você lidar... parece que pelo trabalho deles eles conseguem trabalhar mais sozinhos. Eles não conseguem trabalhar entre eles.... – analisa, pesarosa, a associação que deixou de ser. Digo que ela, como professora, deve estranhar isso, porque lidar com crianças na escola requer sempre recuperar o senso de comunidade. Comunidade é o que, pra ela, traduz seu bairro. - Tudo que se faz aqui é com a boa vontade do povo. Tudo que aparece aqui, pode saber, não vem de mão beijada não. E considera - Se o povo não bate o pé, não luta, não corre atrás, não consegue. Eu lembro do trabalho da ONG que já atua fortemente no bairro há 10 anos, e D. Vilma reacende os olhos. - A ONG Atuação. Às vezes eu passo e fico olhando lá os meninos aprendendo computação, nas férias brincando, as donas que fazem sabão... então olha que trabalho maravilhoso. E tudo iniciativa de moradores. E considera que a coisa ali só não está pior porque tem muita gente “segurando”. Essa gente que ela caracteriza como um povo extremamente generoso. - Nós tínhamos a sopa, na década de 80. Havia muita criança no bairro sendo internada no hospital com anemia. Aí a gente foi dando ideia, procura fulano, procura beltrano... 28



Na época, o bairro passou grandes dificuldades. - Mas grande mesmo, depois graças a Deus foi firmando. Eu acho que foi aparecendo mais oportunidades, teve época que o desemprego era enorme... o trabalho aqui era nas fábricas tecelãs. As mulheres, muitas eram operárias de fábrica e empregadas domésticas. Os homens geralmente na construção civil ou bicos. Tinha muita lavadeira, também, nessa época. Mas depois já apareceu escola pública, aqui em cima o padre José Antônio criou o ginásio para atender à noite aos adultos que não tiveram oportunidade de estudar...isso tudo foi somando. A sopa atendeu em média 70 a 80 crianças por dia, durando 14 anos. E nomes de muitos “fulanos” e “beltranos” como o padre José Antônio, Seu Onofre…., vão se integrando ao conto que D. Vilma vai desfiando pra falar de um Tejuco feito por muita gente. Um Tejuco que cresceu, e que carrega estigmas e dificuldades difíceis de romper. - Hoje já é um bairro que tem advogado, médicos, agora mesclou tudo, ele cresceu. Mas na cabeça de muita gente aqui é um submundo, eles falam. “Eles” são quem não somos “nós”. Os tejucanos. - O tejucano tem um amor pelo bairro que se ele muda daqui dificilmente ele acostuma em outro lugar. E tudo que é pra fazer pelo bairro eles se manifestam presentes. Idealismo e utopia, ou não, pronuncia tejucano quase como se fosse nação.

***

D. Vilma resume: - Eu falo, aqui não é valorizado, é discriminado. As coisas boas daqui nem a própria imprensa liga pra divulgar. Tiro a base quando inaugura alguma coisa boa, de luta do povo daqui, como inaugurou a Creche Celina Viegas, a imprensa... não. Ela reclama que a imprensa não liga, não falam, nem comentam. - Inaugurou há pouco tempo o Colégio Cleber Figueiras, que há 40 anos ele ficava num prédio que era da Paróquia de São José, e a gente correndo atrás pra ver se conseguia um prédio, foi que com muito empenho da população a gente conseguiu. Não veio ninguém filmar, ninguém ver.. neeeeeem se importou - e estica a indignação -. Quando é uma catástrofe, uma coisa absurda que acontece, num instantinho é divulgado. Mas as coisas boas daqui, muito difícil. A invisibilidade a que a mídia destina o bairro se repete nas lentes desfocadas dos governos. Nessa hora, a professora cruza os braços e a testa se franze. E analisa o que, pra ela, é o que vai se fixando na própria ideia que os jovens do bairro passam a ter de si.

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- A nossa juventude é um pouco parada... não participa, eu não sei qual é a maneira de eles enxergarem as coisas. Eles estão desfrutando daquilo que já foi criado, não lutam pra criar coisas novas. Não sei também se porque tanta carga negativa... - e reflete - é isso, é … ‘ah nós aqui, né’ - e faz um ar de desânimo - Tem hora que eu chego a pensar que é isso, porque realmente, estímulo pra nós aqui.... não. Recorrente no discurso da mídia sobre os bairros da cidade, e nas reproduções que fazem os moradores, é a questão do tráfico de drogas e da violência. Uma noção que a juventude possivelmente assimila, negativando seu lugar de origem. Se poucas são as iniciativas que partem dos jovens, como afirma D. Vilma, essas poucas acabam sendo silenciadas por um discurso estigmatizante, que não é privilégio do Tejuco, senão de muitas periferias. - A droga ‘tá em todo lugar. Droga, droga ... só falam do Tejuco... Então o que acontece aqui é o que acontece em vários bairros, mas o daqui é uma ênfase. Porque a gente tem parentes da gente que moram em outros bairros… Lá é mesma coisa, violência do mesmo jeito, absurdos do mesmo jeito… O descaso do poder público também é apontado por D. Vilma como um fator para os problemas do bairro. Menciona a biblioteca e a praça, que ficam logo ali a alguns números pra baixo de sua casa. - Na biblioteca eu fiquei uns 5 a 6 anos, que é aquele quiosque da frente da praça. Nós pedimos, fizemos campanha de livros, arrumamos um acervo bom pro bairro. A praça e a biblioteca foram planejados para ser um pequeno centro cultural. - Tem a praça ali, é linda. Tem jardineiro pra tomar conta da praça? Não tem. Aqui era a gente que comprava as mudas e plantava e cuidava, mas cansa. Porque é responsabilidade do poder público, que não liga, ‘tá arrumando as praças lá embaixo... Quando que vai plantar o nosso jardim? Até oferecer as mudas a gente oferece mas… é muito difícil. “Lá embaixo” é o centro. O centro histórico, o centro comercial. O centro das atenções. É onde passam os consumidores que podem pagar pelo centro. É onde circulam os turistas. E agradar o turista por aqui é primordial. Compreensível. São João é uma cidade turística. Mas não só. E se o negócio é fazer coisa pra inglês ver, o Tejuco também tem o que mostrar. D. Vilma fala do caminho que liga o bairro ao Senhor dos Montes, onde primeiro se encontrou o ouro por estas regiões: - Fazendo a caminhada até chegar no Cristo, a gente vai olhando como que podia aproveitar aquilo porque aí já emenda com o Ribeirão, se faz uma limpeza, deixa uma estrada, um caminho alternativo pra turismo, com charretes... quem gosta de fazer cavalgada... põe as lojinhas de roupa de nadar, se o Ribeirão ‘tivesse limpinho... Tem tudo pra ser explorado. É muito bonito aqui. 31



O sino toca novamente. Dona Vilma rezadora sonha. Amém. ***

Mas a descrença toma conta como de uma fé dedicada que aos poucos vai desmanchando. - Cantam muito a serra de São José, aqui de Tiradentes, mas o que é feito pela Serra do Lenheiro? … Ninguém se preocupa com a serra do Lenheiro, não. Por que não cerca lá, não mantém vigia, não mantém alguma coisa lá? Ela vai contando a história da serra e seus escondidos como uma guia. O nome da serra vem da época em que não havia fogão a gás e a serra era coberta de candeias. Então os lenhadores cortavam de lá as árvores, que eram trazidas nos cargueiros para serem vendidas na cidade. - Foi onde que acabou a candeia. Lembra-se com aflição da água tão limpinha na Gameleiras. As famílias que traziam as crianças para tomar banhos nos domingos. “O caminho todo cheio de quaresmeiras...” Então critica os atuais rumos das políticas locais de meio ambiente. É onde grita mais sentida a voz baixa de D. Vilma. - Meu Deus, meu Deus!, onde que nós estamos! Não vamos chegar a lugar nenhum com essa mentalidade, não. Não é que a gente não tem esperança, mas tá muito difícil. Quantas reuniões a gente já participou sobre isso, dá em nada... O fim da frase sai com uma ira que parece destoar da personagem. Que bom. Não somos nunca uma coisa só. E ela volta a falar firme e manso, defendendo a serra, e sofrendo pela serra, e a esperança e a serra vão esfiapando. - A serra está desmanchando. Literalmente desmanchando. Quem que toma providência? Descobri que ela estava desmanchando passando aqui na ponte das Águas Férreas, eu vi uma quantidade de areia branquinha. Será de onde que é essa areia… E tece previsões. - Daqui a uns tempos, a capela Santa Rosa de Lima não vai existir mais. Às vezes o povo fica impotente, porque são coisas que não estão nas nossas mãos, e como é o bairro do Tejuco... ... e espalma as mãos. Fico em silêncio. Acompanho de longe o olhar critico e clínico de uma tejucana de profissão e coração. *** As lembranças de D. Vilma vão de um lado a outro traçando um panorama do bairro, maior do que eu podia esperar. Do meio ambiente à cultura, do turismo à relação com a imprensa, ela mesma vai dirigindo a entrevista dando uma aula de Tejuco. As novidades antigas de um Tejuco esquecido. 33


- Teve aqui um cinema, ali em cima. Era a coqueluche o cinema do seu Zé Pires. Ali onde que é o supermercado foi o Artur Azevedo. O cine teatro, na década de 50. A novidade é descobrir um Tejuco tão movimentado culturalmente, coisa que vai se perdendo com a falta de incentivo e sem a renovação do interesse da juventude pelo bairro. D. Vilma se preocupa com o futuro e se ressente do descaso com o passado. - Infelizmente essa parte ninguém quer pesquisar. Só vai se perdendo, só se fala no negativo. Lembra ainda dos diversos blocos de carnaval que surgiram no bairro, berço da festa tradicional de São João. - Aqui já teve Cordão de Ouro, Rancho Custa Mas Vai, Depois eu Digo, teve Lua Nova, Unidos das Águas Férreas e hoje tem a Vem me Ver. Aquelas flores abriam, a gente não esquece, as princesas dentro das flores... uma vez saiu um pavão...então abriu aquela cauda bonita… Lembranças bonitas, que vão borrando nos cantos, como as cantigas de lavadeira de que já não se pode lembrar. E lembranças tristes entremeadas, num tom sentido. - Dei aula no Iago Pimentel, depois por 8 anos na APAE, depois me aposentei. Dei aula de música também. A vida da gente que é professor é uma vida de muita dedicação, a gente esquece muito da gente. Você vê muitos problemas, parece que você quer resolver os problemas do mundo. E a época que eu trabalhei aqui a gente não tinha experiência. Eu perdi dois alunos meus de desnutrição. Eu não sabia, não tinha experiência, que os sintomas que eles tinham era de desnutrição… depois que perdi esses alunos, eu ficava atenta, com medo de acontecer com outros… Histórias, uma atrás da outra. A professora de então que recebia atrasado e ainda tinha que comprar papel pra fazer prova e merenda pras crianças em dificuldades, hoje conta sua vida como em fábulas de ensinar. - A escola não tinha, o governo não dava, então a mesada que o pai da gente dava era pra comprar material pras crianças, a gente ficava era sem nada. Você vai se envolvendo, muita coisa pra gente passa a ser supérflua, passa a ser bobagem, que a gente já viveu tanta coisa assim difícil.... - pondera. - Tem hora que a gente fica meio desanimado. E solta uma imprevisível risada. *** No fim da conversa, uma ponta de frustração aparece na firmeza mansa da tejucana, que conclui, com uma resignação “quase” convincente de quem cansa de lutar: - É um bairro desprezado mesmo. É... como diziam na década de 40: da Ponte do Rosário pra cá nada sobe...

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A afirmação parece definitiva, mas a sentença é ela mesma quem reza: - Falo que vou parar, mas fico injuriada. Não vou parar não. Que bom, D. Vilma. Prazer te conhecer. ***

Na volta pra casa, já no centro histórico-comercial, onde parece que os anjos e santos fazem mais algazarra, noto uma plaquinha numa esquina movimentada. Por acaso, porque quase ninguém deve perceber os dizeres, em uma folha ofício a modo de protesto: “Ego Centro?” Registrei. Ri. É isso mesmo que vim perguntar. Também a D. Vilma. Aliás, se depender dela, Deus olha pra esse canto. E vira tejucano, um tanto.

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um samba para o Bonfim


“Senhor do Bonfim, faz um favor pra mim / Chama o pessoal / Manda descer pra ver.../ Oh, meu Deus do céu, na terra é carnaval / Chama o pessoal / Manda descer pra ver...” (“Filhos de Gandhi”, Gilberto Gil).

P

ra ir ao Bonfim, a gente sobe. Do alto do morro, caminho antigo que levava o ouro sanjoanense para outros estados, se vê um grande panorama da cidade. Nos idos da época colonial, ali se chamava Morro da Forca, porque era onde se erguia o patíbulo para o triste fim dos condenados. Mas meu personagem do Bonfim conversou comigo longe do morro. O seu Nelson é meu colega de trabalho. Antes esbarrei com ele uma ou outra vez pelos corredores, e só um olá respeitoso marcava nosso conhecimento. Nós dois um tanto perdidos no departamento de água e esgoto da cidade: eu, projeto de repórter, ele, técnico de enfermagem. Escondidas, entre eu e ele, tantas outras histórias. ***

Nome completo? – Nelson Antônio dos Anjos. Idade? – Sou de nove do cinco do cinqüenta. Sessenta e cinco anos. Alto, magro. Grisalhos os cabelos e a barba. Um tom brejeiro que talvez eu nunca tivesse notado nos esbarrões formais no corredor. – Vim parar no Departamento porque a vida... – e se interrompe para começar direito a história – Eu trabalhava em Ipatinga. Eu tenho duas filhas e minha esposa faleceu. A mais velha tinha nove e a menor quatro. Eu trabalhava de três turnos, o que me levou a ficar pra lá pra cá, preocupado com elas... trabalhava e não dormia. E tinha uma noite que eu não passava em casa. Calmo, Seu Nelson vai relembrando aventuras e desventuras. – Elas ficavam sozinhas. De 23 às 7. Eu deixava o telefone na cabeceira da cama da mais velha. Cinco e meia eu ligava: “Acorda, acorda sua irmã e vai tomar banho”. A calma do Seu Nelson é interrompida pela gritaria dos trabalhadores do Departamento chegando de obras na rua. Ele fica injuriado porque não nos deixavam gravar a entrevista. Acho bonita a importância que ele dá para nossa conversa. Até que a gente se obriga a mudar de locação. Seu Nelson, que nasceu e se criou no Bonfim, também mudou de locação. Passou 22 anos mais ao norte de Minas, em Ipatinga. A luta por um salário melhor o levou pra longe de São João. 38


– Vinha toda Semana Santa, minha esposa gostava. Natal às vezes dava pra vir. Comemorava no Bonfim mesmo. Também o carnaval. E fala de um Bonfim repleto de tradições. De Folia de Reis à festa junina. De festas de igreja ao samba. – O folclore da época era na praça, onde estavam as barraquinhas em homenagem ao Senhor Bom Jesus do Bonfim, onde tem o Cruzeiro. Então ilustrava o bairro, muito. Na época o pessoal dizia que a Igreja e o Senhor Bom Jesus eram muito milagrosos. Cultura e religião ilustravam, como diz Seu Nelson, o bairro que também participava dos eventos da cidade. – Tinha a festa junina que era atração do bairro, quando a gente era criança. Chegou a ter o campeonato de festa junina, disputado no Largo Tamandaré. Cada bairro se encontrava ali, pra disputa de quadrilha. O Bonfim sempre foi apegado com essas histórias. Era um bairro pobre, lembra Seu Nelson. – Mas rico em cultura, né. Seu Nelson sabe de cor as lendas que envolvem ruas e becos do Bonfim. A rua que ele mora se chama Beco dos Aflitos. – Ó pra cê vê – ele diz, rindo. Pergunto o porquê do nome. E seu Nelson: – Isso aí é que eu não sei... – e ri bem mais. É que Seu Nelson deveria morar no Beco dos Tranquilos. *** – Tem o Esporte Clube Bonfim onde a gente nasceu e foi criado, jogando futebol no juvenil e no amador, muitos anos. Até os 18 anos. Aí fui servir o quartel e fui embora. Seu Nelson vai retomando a infância e a juventude simples no bairro. – Até minha infância, não eram asfaltadas, nem calçadas, as ruas. E conta que o tempo mudou muito, o bairro e a vida. – Nós não tínhamos essa vida que hoje nossos filhos têm. Nossas diversões eram papagaio, pião, bolinha de gude, pique... – e fica tentando lembrar o resto da lista de brincadeiras de então. Inclusive a de ouvir histórias. – Escutar os velhos, os mais antigos conversar, se eles deixassem você ficar perto! – ressalta. – Que entre eles era “Sai pra lá, menino!”. Aí a gente curioso queria tentar escutar alguma história deles... Contavam que a mula sem cabeça passava naquela rua... eram muitas histórias. Que bom que hoje Seu Nelson gosta de contar e não me manda embora. ***

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Vão chegando mais lembranças da juventude, às vezes entrecortadas de imagens, de contrastes. – Ali, o colégio Santo Antônio, hoje a Federal, era internato. Só pessoas de fora, países, estados distantes... aquilo nos deixava curiosos, a vida que eles levavam. A gente vendia laranja, banana ou às vezes fazia recado pra muitos deles... Algumas coisas diferenciavam os alunos do Santo Antônio, dos colegas de Seu Nelson. – Eles tinham sempre o uniforme, era camisa branca e calça azul. Eles vinham no matinê no Artur e a gente ficava observando eles, aquela fila só de alunos do Santo Antônio. E nós estudávamos no Curso Anexo – olha o nome. Era o curso José Rodrigues da Costa... Onde só estudava pessoas de menor poder aquisitivo. Onde hoje é o Frei Seráfico. Era regido pelas irmãs. Às vezes a gente jogava bola direito, e enfrentava os alunos do Santo Antônio, que era dirigido pelos padres. Fora da escola, uma das diversões era a telona. – A matinê era todo domingo às dez horas depois da missa das nove e meia. Nesse bairro tinha um capitão do exército, que esperava o catecismo acabar e falava: “Os que foram no catecismo eu vou pagar o matinê”. Então aquilo incentivava você a ir ao catecismo. Tudo pela sétima arte. Seu Nelson lembra: – Quem não ia? Ia rindo à toa, assistir os Trapalhões, Jeca Tatu, Tarzan, Moisés, Ben-Hur... Quem não adorava? A gente não tinha televisão, era rádio só. A gente seguia todo dia, às seis horas, o Jerônimo, herói do sertão. Era isso. A vida era essa. Mas o tom é de alegria. Seu Nelson lembra, com carinho, da infância passada no bairro. – A gente tinha mais saúde, andava no meio do mato, matando passarinho. Nossa fruta era mais fácil... goiaba, abacate, banana, laranja... e a gente ainda tinha um defeito de criança: o dono da horta não estava, nós entrava e fazia a feira!... Ele dá risada. Lembra-se de uma vítima específica, professor Jaburu, em cuja propriedade davam umas das laranjas mais gostosas do Bonfim. E compara tudo com os tempos de hoje. – Hoje não se vê nem fruta na horta. É uma coisa séria. Hoje também o velho não tem tempo de reunir com o jovem, pra conversar. O jovem não tem tempo pro velho. Era uma vida saudável. Mas Seu Nelson conta que na época era tão magro que o chamavam de Prego. E reproduz uma conversa corriqueira.

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– O Seu João Leiteiro gritava: “Ô, Prego, vem cá!”, e falava “Vamo lá no Calaboca”. “Ah, é muito longe!”. “Não, menino, você tem que andar”. Então eu saía da João da Mata e ia lá no Calaboca. Lá passa uma água gelada pra caramba! Ia apanhar gabiroba, araçá, caju rasteiro, coco. Voltava pra casa de tarde, riiindo, empoeirado, numa alegria... Ah, Seu Nelson. Empoeirar-se das tardes é uma alegria mesmo. *** O orgulho vem quando o assunto é a escola de samba do Bonfim. – Nós refundamos a escola. A escola tinha acabado. Aí renascemos ela outra vez há seis anos atrás. E vai fazendo a evolução: – A escola foi originada por ausência de alegria no bairro. É um bairro enorme e não tinha uma satisfação pra comunidade. Então nós reunimos e conseguimos fundar essa escola. No período inicial eu fui presidente, durante dois anos. A escola foi agraciada pela cidade toda. E daí pra frente cresceu muito, foi muito aplaudida. Seu Nelson é presidente fundador da Mocidade Independente do Bonfim, de quem fala com tal paixão, embora esteja faltando fôlego, diz, para quem leva o samba no coração. – Eu desisti porque não vi interesse mais em mexer com samba. Porque o samba você tem que estar muito ativo nele. Você gosta de sambar, você gosta de dançar, então ‘cê tem que ter... pique pra isso. Eu olho como quem desconfia. Ah, Seu Nelson, e o senhor não tem mais? – Já to sem pique!!! – e ri bastante. Eu por dentro cantarolo: Seu Nelson... “não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar...”. *** Nada que conte parece afetar o jeito bem-humorado do Seu Nelson. Mesmo quando se ressente dos rumos que o samba tomou. – Hoje, aqui em São João del-Rei, principalmente, você não está vendo samba no pé mais. Que é o que engrandece qualquer escola. O que tem é o folclore, um grupo de jovens, não tem mais aquela linha de sambista, tem mais não. Não tem aquela coisa bonita que sempre teve uma escola de samba, que você destacava um passista, uma bailarina, uma ala que tinha uma baiana que sambava, uma ala-show, pra dançar pro povo ver.

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Então eu sugiro que deve ter sim. Porque eu também sou otimista, né, Seu Nelson, e insisto que talvez seja só o caso de procurar. – Ahhh eu acho difícil. Porque a vida mudou. Hoje entrou forró, esses rap, né. O jovem não tem aquele interesse mais pelo samba. E o assunto fica em torno daquilo que o Seu Nelson mais é, além de pai e mãe de suas duas meninas: – O samba ‘tá dentro de você. Tem que estar, se não você não faz. E vai teorizando sobre como o sambista, sambista mesmo, já nasce pronto. – Você não aprende samba, você aprende a rebolar. Igualzinho futebol, basquete, handebol, você já tem o dom. Você pode aprender técnicas, mas aquilo natural seu não tem jeito. Até o modo de a pessoa andar, mexer, você vê que já é diferente do cara que está aprendendo. Ele vai ter que copiar... Eu não vou ter que copiar ninguém. Aquilo eu já faço naturalmente, meus pés já desenvolvem os passos sozinhos. E conclui: – O samba é coisa natural. O samba é coisa de Deus. E fica satisfeito. Eu acredito. *** Muita coisa mudou e vem mudando no cenário da cidade e do Bonfim. Seu Nelson conta que antigamente, os moradores se identificavam mais com seus locais de origem. – Tinha vontade de se gabar: “eu moro no Bonfim, o Bonfim é daqui pra cima”. E ele diz que isso não acontece só ali. Para ele, é porque não se cria nada de novo e, quando se constroem novas moradias, não se criam espaços de convivência, que poderiam fortalecer laços nas comunidades. – Não se cria um centro educativo, uma área de lazer... O cimento armado tomou conta. – analisa. Nas cidades pós-modernas, os bairros crescem, e as pessoas vivem sem conviver. Mas muita coisa também mudou pra melhor. – Mudou o panorama do bairro. Hoje o poder aquisitivo do bairro é alto, se falar que tem miserável, tem não. E dá suas explicações: – O avanço do país nosso, onde o pobre já foi aceito, agregaram mais as pessoas humildes, deram oportunidade de você estudar, as pessoas foram melhorando – eu mesmo melhorei, uai!

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Seu Nelson testemunha: – Eu já fui vendedor de esterco, vendedor de laranja, servente de pedreiro, tudo isso na minha fase juvenil. Apesar de ter jogado bola, mas era por amor à camisa, por vontade. Foi quando eu conheci a Santa Casa, fiz o curso de Auxiliar de Enfermagem. Fui embora pra Ipatinga onde terminei o curso, casei, e aposentei. E por não ter a família ao lado, vim pra São João... depois de 23 anos de serviço. Juntando todo meu tempo, deu pra sair. Quando as duas filhas cresceram e entraram na faculdade, uma em Juiz de Fora e a outra em Sete Lagoas, Seu Nelson teve que voltar a trabalhar, para ajudar no sustento das meninas. Mas se orgulha de que hoje elas estão quase se formando. Ele tem uma opinião bastante firme quanto aos jovens: – Na juventude de hoje, apesar dessa tristeza da droga, há muitos jovens vendo o céu brilhar. E considera que os bairros estão ficando mais caóticos, mas porque muitos jovens estão se importando em estudar, ou em cuidar de seus interesses profissionais e pessoais, e acabam perdendo esse vínculo com a comunidade. É difícil que os jovens se preocupem em formar grupos ou associações, por exemplo. – Hoje você não vê grupos, você vê é dois, três destacados. Eu questiono se esses jovens que estão crescendo e adquirindo conhecimentos importantes não poderiam voltar-se a suas próprias comunidades aplicando o que aprenderam. Seu Nelson aponta com sensatez: – A comunidade não tem espaço pra eles. E exemplifica com sua própria história. Para crescer profissionalmente, ainda na década de 70, ele e mais quatro colegas se mudaram para Ipatinga. Três eram do Matosinhos, um era do Centro. Os salários lá fora eram melhores. – É difícil viver longe de seu lar, mas é compensatório no futuro. Ele lembra do orgulho que teve ao dizer “Mãe, toma essa TV de cores pra senhora”. Seu Nelson fez esse caminho, como suas duas meninas que hoje seguem seu exemplo e estão longe de casa para estudar. E talvez, pelo mercado de trabalho tão restrito por aqui, não possam voltar a São João para trabalhar. Também para se divertir muitas vezes o jovem não encontra lugar. Eu comento que com este desinteresse pela comunidade, as tradições também vão deixando de existir, as festas, a cultura. – Deixando não. Já acabou. – sentencia categórico. O saudosismo aparece em alguns momentos, junto de uma certa indignação. 45


– Antigamente tinha um coreto, coisa mais chique! O prefeito que entra me derruba aquilo. Às vezes na minha infância a Banda Municipal ou a Santa Cecília faziam retreta, ficavam tocando música lá... E fica assim pensando como quem se pergunta onde foi que isso se perdeu. *** O Bonfim hoje conta com associações de bairro, da igreja e da Escola de Samba. Para seu Nelson, “mesmo com divergências, é onde tem união”. Mas critica que o bairro não tem um líder político, que possa lutar pelos interesses da comunidade. E para o Bonfim ficar melhor, Seu Nelson tem suas sugestões: – O que eu queria que o bairro tivesse no momento seria uma rotatória, porque tem muito veículo, na praça Guilherme Milward. E uma banca de revistas. Quer comprar um jornal tem que vir cá embaixo... Eu gostei da ideia da banca. Afinal, não é só no Centro que se lêem jornais. No fim já não tenho mais memória no gravador, e sigo anotando. Quando Seu Nelson sai se despedindo, o colega que emprestava a sala pra nossa entrevista diz, a modo de brincadeira: “Não acredita nele não, é melhor confrontar com outras fontes!”. Seu Antônio vai saindo tranquilo, aquele jeito de quem não tem nada a temer. Eu rio. Confiro se gravei tudo direitinho. E o colega volta a brincar: “Se perder não tem problema, ele conta tudo de novo”. É que Seu Nelson gosta mesmo de história. E gosta do Bonfim. Eu fico é gostando mais de samba. Me dá vontade de dançar. Coisa de Deus, ou não é? “Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim / Não me valeu / Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim! O resto é seu...” (“Trocando em Miúdos”, Chico Buarque).

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dos vaga-lumes


Para as comunidades de São Geraldo, São Dimas, Senhor dos Montes, Araçá, Bela Vista e Alto das Mercês.

U

m emaranhado no mapa. Na parte alta de São João estão os bairros São Dimas, Araçá, Senhor dos Montes, Alto das Mercês, Bela Vista, São Geraldo. Sem limites definidos, entre encontros e desencontros. Pode ser que você pare numa praça para pedir informação e do lado de cima te digam: “É São Geraldo!”. E embaixo te afirmem: “É Bela Vista”. Da praça da igreja do São Geraldo a vista é bela mesmo. De um lado você pode ver a cidade – o centro e o centro histórico. Descendo escadaria e ladeira você vai estar pertinho do centro ilustre da cidade, lá pela esquina do Bar 70, lugar dos bêbados tristes. Do outro lado você parece estar num mar de morros, vias que vêm de todos os lados, de todos esses bairros limítrofes, como se tudo parecesse levar ao encontro, inevitável. *** 29.07 – um encontro inevitável – Jovem de 21 anos é assassinado na praça do bairro São Geraldo. Não se sabe ao certo os motivos. Possivelmente dívida de tráfico. De moto táxi, o criminoso chega, atira no rapaz e foge a pé. As notícias se somam a tantas que versam sobre a violência no São Geraldo, nos jornais locais. *** 29.08 – um encontro inevitável – Subo até o São Geraldo para o evento que vinha sendo preparado há três semanas pela associação do bairro e jovens da comunidade, especialmente jovens ligados ao movimento hip hop. A ideia surgiu depois do homicídio do fim de julho. A sensação de que alguma coisa precisa ser feita. Há dois anos outro crime já havia acontecido na comunidade – num ensaio de carnaval, três pessoas foram mortas em uma quadra lotada, com cerca de 500 pessoas. Não sei muito bem o que esperar, mas acho que vou conseguir tirar boas fotos e entrevistar alguém que possa me falar sobre a realidade do bairro. Eu, que já visitei o São Geraldo algumas outras vezes buscando histórias e fotografias, esperava descobrir alguma coisa que ficasse entre as notícias de jornal – disseminando medo e mortes – e as cenas que já tinha presenciado na comunidade – de união, confraternização, botecos felizes que sempre me seduziam. Ou seja, alguma coisa que fosse de verdade. Quando chego, alguns meninos experimentam rimas no salão comunitário. Uma base de rap toca enquanto eles tentam imitar seus ídolos do hip hop no palco. Alguns, maiores, tentam ensinar passos de break para os meninos menores. 49


Do lado de fora, no ponto de ônibus movimentado, foi montado um ponto literário. Algumas crianças estão por ali desenhando, usando lápis de cores, ou folheando livros infantis. O muro que desce para o Bela Vista, crianças grandes vão colorindo com grafites. Sprays, lápis e tintas vão enchendo um sábado. Alguns monitores mais velhos orientam as atividades, as crianças se ocupam aprendendo forró, outras cantam as rimas que conseguiram produzir numa oficina. O evento recebeu o apoio de pessoas de bairros próximos que vivem ou já viveram o mesmo cenário de medo, preconceito ou desunião. Pessoas de vários bairros estão ali. Eu estou ali. Parecemos todos velhos conhecidos. Dona Cristina ajuda a fazer o almoço, coletivo. Todo mundo convidado. Ulisses, do São Dimas, e Marina ajudam na oficina de rima. Um casal lá do Matosinhos vem para ajudar com os cortes de cabelo. Rodrigo, que é das Mercês, conhece bem a realidade que levou até esse encontro: foram muitos companheiros mortos de forma violenta.Tudo gente de verdade. O problema não é a violência no bairro, que fica latente quando noticiada. O problema é a violência do descaso. De um sistema que oprime e rotula. Da falta de perspectiva. Da falta de auto-estima. Clichê? Diga isso para as crianças, para quem as ações e omissões ainda fazem mais diferença. Izabel Cristina do Nascimento, líder comunitária que trabalhou para fazer nosso almoço coletivo no fim de semana, conta que o trabalho é difícil. A comunidade reclama, mas acaba não colocando a mão na massa. E diz que não quer parar de lutar. “Estamos perdendo nossos jovens”. Mãe de dois meninos, um de 11 e um de 15, ela quer que o bairro seja um lugar feliz como foi quando ela mesma tinha essa idade. “Os jovens daqui não têm aquela expectativa de vida, você não vê nenhum deles falar ‘ah eu quero ser isso, eu vou estudar pra isso’. Ficam o dia inteiro na rua, aí acontece o que aconteceu. Aí o povo fala que é a comunidade”, e reflete: “A droga tá tomando conta”. Cristina não conta uma novidade, nem uma realidade exclusiva do bairro. “Porque aqui é periferia, aqui é morro, então acham que só tem marginal”. Cristina se revolta, mas é lúcida. Conta que muitas meninas ficam largadas sentadas pela porta da igreja, quando sai e quando volta do trabalho estão sentadas no mesmo lugar, ou “socadas nos botequins”. O que ela deseja é que o bairro possa ser um lugar de acolhimento para esses jovens, que possam retomar perspectivas de vida e que voltem a sentir respeito por si mesmos, e pelo lugar de onde vêm. Eu observo, tentando ficar invisível. Penso nas meninas largadas, penso nos jovens sem expectativas. Mas o que vejo é que nos primeiros batuques, com os instrumentos da Unidos do São Geraldo, a criançada já chega pronta para tocar. Pedem a base do rap para enfeitar com rima.

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Na primeira chamada para a reunião de reflexão sobre família, as meninas e seus

desejos de bonecas são as primeiras sentadas na fila. Penso onde pode estar o trilho que leva esse ânimo pro lugar certo. É preciso colher o brilho desses vaga-lumes. ***

Cristina relembra que nesse salão, onde os meninos estão treinando passos de break, já houve cinema, teatro, baile. E que, hoje em dia, não vê muito interesse da comunidade pelo bairro. Em geral, é a Associação e as pessoas que mais estão relacionadas às ações que acabam “puxando” tudo. Digo a ela que isso não é prerrogativa do “São Gê”, como vem sendo carinhosamente chamado o bairro. Ela concorda. “Aí surgiu essa ideia da AsSãoGê pela Paz. Para trazer confiança”, explica. O evento pretendia trabalhar, por um lado, para a própria comunidade - levar lazer e reflexão para as pessoas dali, recuperar a estima da população pelo bairro, e cobrar união da comunidade. Mas também para mostrar para as pessoas de fora que São Gê “não é ‘esse bicho de sete cabeças’ que anda sendo pintado por aí”, como diz Cristina. Ela fala dos homicídios, que se tornaram notícia e fizeram da região um local considerado “marginal” e “perigoso”: “São fatos isolados, mas que acontecem na comunidade. Fizemos o evento para ver se traz um pouco de confiança. É um bairro que todo mundo gostava de frequentar, e agora a gente está nessa situação. Não é só o bairro. Por ser periferia, é morro, aí dizem que tudo de ruim acontece, e não é por aí. Aqui acontece muita coisa boa sim. Esse evento também é pra mostrar às comunidades vizinhas que podem vir sim. Que aqui não é essa violência que todo mundo acha que é”. É fácil para um visitante perceber que a comunidade é tranquila e acolhedora. “Abraçar o povo que vem, isso a gente tira de letra porque todo mundo que chega aqui é bem recebido, desde criança até os mais velhos. Sempre foi assim, a comunidade sempre foi acolhedora. A gente nem sabe de onde é, caiu aqui no São Geraldo é bem acolhido. Mas pelo fato de ter acontecido esses fatos, o povo fica com medo”. Mas também afirma que esse medo é muito menor dentro da comunidade, e que as notícias acabam alarmando quem está de fora, como se fatos isolados que podiam acontecer em qualquer lugar da cidade, fossem habituais e só acontecessem ali: “A comunidade aqui em geral não sente medo. A gente fica aí nos bares, anda pelas ruas sem medo. A gente conhece o lugar que a gente mora. Mas quem tá de fora não sabe”. Mas é a essa mesma comunidade que falta voltar-se para dentro. Cristina diz que está há três anos à frente da Associação e que antes eram uma equipe e agora todo mundo “pulou fora” e ela está sozinha. Mas não pretende desistir. “Eu quero melhorias pro meu bairro. Eu ainda quero ver o bairro igual antigamente. Eu tinha o maior prazer de viver aqui, e é o que eu quero resgatar, é o que me dá motivação para continuar”.

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Ela diz que, por enquanto, está tendo ânimo. O que se reforça com o auxílio de um grupo de jovens, entre universitários e outros que são moradores do bairro, que têm contribuído para as ações que estão ocorrendo não só ali, mas no Araçá, no São Dimas, nas Mercês. Um sinal de que este ânimo não arrefecerá tão cedo. Quando pergunto se as comunidades ali em volta costumam se reunir para enfrentar os problemas que, como esses, são tão comuns a todas, ela explica que não: “Não tem rivalidade, mas não há uma união. Ela diz que tem encontrado com outra líder de associação, que esbarra por aí informalmente. “A gente está vendo de marcar, juntar as duas associações. Fazer algo pra juntar as comunidades. É um plano que a gente só tem em mente”, sonha Cristina. Ela conta que os estudantes, que montaram logo ali na frente do salão uma república, estão ajudando um bocado. E, terminada a entrevista, já anunciada a chuvarada, os meninos da república me chamam pra uma cerveja que eu tinha ficado devendo pelos favores todos do fim de semana. Fiquei pra cerveja, Cristina saiu pra fazer as unhas. Fomos viver nossas vidas. Eu tinha acordado desanimada e fiquei pensando na diferença que faz acreditar nessas coisas que eu às vezes juro que não mais acredito. E eu acredito, sim, em pessoas como essa dona Cristina, como essa Marina, como esse Ulisses, como esse Allyson, como esses meninos cujos nomes não soube, não anotei, mas eu acreditei um pouco mais por causa deles. E mais do que nas notícias de troca de tiros ou de assassinatos sem muita explicação, eu acredito nas rimas criadas no escorregão dos lápis no papel, na pressão dos monitores que incentivam, nos cantores mirins rapeando seus sentimentos com um tanto de coragem e um tanto de voz trêmula. Eu acredito no olhar atento do menino no repique e nos olhos curiosos das crianças desvendando os livros infantis no ponto de ônibus adaptado por um moço que acreditou que o ponto de ônibus dava uma boa biblioteca pra um sábado azul. Acredito no movimento, e no céu azul que fez naquele fim de semana pra depois despencar num aguaceiro repentino de domingo, lavando a alma de qualquer cristão ou não. Assim, depois de subir e descer e mirar minha câmera por todos os lados, tentando escrever essa história, voltei pra casa, encharcada e melhor de humor. Deixei a batida tocando longe, e fui editar minhas fotos, mas elas não diziam nada. Coloquei uns filtros, mas não eram nada. Eu mirava nas fotos era o olhar dos meninos de verdade. E talvez pouco digam essas linhas, que vêm sem rima e vêm sem meninos. Como qualquer notícia, vêm mesmo sem nenhuma verdade, é só história. De verdade mesmo, é subir o morro pra ver. “Vamos passear no Parque / Deixa o menino brincar / Fim de Semana no parque/ Vou rezar pra esse domingo não chover...” (“Domingo no Parque”, Racionais MC’s). 53



entre mans천es e quintais


O

ano de 1888, quando o Brasil enfim aboliu a escravatura, foi também quando se iniciaram as políticas nacionais de incentivo à imigração, para suprir a mãode-obra nas fazendas e indústrias crescentes do país. Minas Gerais não ficou de fora desse processo. A primeira leva de imigrantes que São João del-Rei recebeu veio ocupar a região da Várzea do Marçal, que hoje é o bairro Colônia do Marçal. Mas foi a partir dos anos 2000 que o bairro passou a viver um crescimento muito expressivo, com a forte especulação imobiliária que tem promovido a construção de residenciais e loteamentos nesta área. Algumas partes do bairro vão se tornando fortemente elitizadas, outras demonstram grande diversidade, com casas mais simples bem próximas de mansões. Um destes loteamentos é o Solar da Serra, minha visita desta vez. Solar estava o dia. A onda de calor que durava já a semana toda me fazia pingar debaixo do frágil amparo do ponto de ônibus onde eu esperava o transporte para lá. Por uma hora. Eu ia encontrar o seu Jair, ou seu Izaías, uma incógnita, eu estava na dúvida. Já no ônibus, curva para lá, curva para cá, eu que não estou acostumada a andar por aqueles lados, comprovo mais uma vez como é gigante essa São João. ***

No ônibus mesmo o cobrador e os passageiros colaboraram com minha empreitada. Comecei dando as referências: um restaurante, “Quintal do Seu Jair”, perto da única mercearia do local, bem próximo da “mansão do seu Guido”. Hum, mercearia estava fácil. Mansão ninguém sabia. Até que uma jovem sentada lá no fundo me chama – “É o Seu Jair que você quer achar?” Eu digo que sim, e ela me ensina que eu devo parar exatamente no próximo ponto. Fui bem logo encontrando a casa do meu entrevistado, que vem descendo as escadas com certa dificuldade e uma fala mansa. São 74 anos, mas não tantos de Marçal. Nascido em Resende Costa e vivendo muito tempo em São Paulo, também veio para o bairro nos anos 2000. - Foi uma das primeiras casas aqui dessa região. – diz. Descubro que o nome certo é Izaias. Izaias Erculano dos Santos. Mas que todo mundo chama de seu Jair, como também ficou denominado o restaurante, que começou mesmo no seu quintal. Antes de micro-empresário (nome que quase não cabe nesse senhorzinho simpático que parece vô da gente), ele foi torneiro mecânico, depois se aposentou e trabalhou em obras da igreja da Colônia como voluntário por 13 anos, e ainda foi trabalhar em uma pousada em Tiradentes. Os olhinhos vivos mostram que ainda cabe mais história nisso tudo. - Quando cheguei havia poucos habitantes no bairro, e poucas melhorias. O que era conseguido, era pelos moradores. 56


Ele conta que logo quando chegou, ainda em 2002, resolveram reativar a associação de moradores, que tinha existido até 4 anos antes, e ele foi o primeiro a voltar a presidi-la. Diz que o presidente anterior teve “o maior prazer” em passar todos os documentos para ele. - Porque era “pepino” - esclarece. Então o grupo começou a fortalecer as revindicações. - Não havia uma rua asfaltada. Está certo. Mas na época, conta, também quase ninguém tinha carro. E nem foi há muito tempo atrás. - E não havia água encanada. Então a gente pegou amostras de cisternas e levou para a Unicamp para fazer análises, porque eu tinha um conhecido lá. Todas estavam contaminadas. Chamamos as autoridades, e eles disseram que a Colônia é muito grande e tinha poucos moradores. Não compensava realizar o esforço de construir rede de abastecimento de água no local, ou não havia infra-estrutura para isso. - diz ele. Ele conta que então o povo pediu um plebiscito, pelo qual decidiu que empresa seria a responsável pelo abastecimento de água no bairro. Sem entrar no mérito de quem tem razão na “guerra da água”, que é polêmica na cidade, o que é certo é que a chegada dos equipamentos urbanos como redes de esgoto, água e luz, contribuíram para a expansão urbana da cidade na direção da Colônia. *** Do tempo que trabalhou para a igreja, ele lembra: - Na Igreja havia aberturas entre o teto e a laje que você via o sol e o vento entrando. A paróquia na época pertencia a Santa Cruz de Minas, e seu Jair trabalhou coordenando trabalhos de reforma no templo. - Fizemos cerca em volta do terreno. E construímos a casa paroquial, para aqui virar paróquia. Porque padre é exigente, fizemos uma casa com muitos dormitórios. Construímos a torre. As pessoas iam fazendo doações de cascalho, fazíamos campanha pelos sacos de cimento. Todo mundo ajudava. Eu ficava até emocionado. Para pagar o pedreiro era com rifa. Era preciso rifar imagens sacras, que seu Jair arrumava. Para a festa de Santo Antônio, que até hoje acontece no bairro embora sem tantos festejos, eles faziam campanha para pagar cantor, para ter festa com baile. - O povo dançava no caramanchão da igreja, o povo era festeiro! – testemunha seu Jair. Conta que também conseguiram um posto de saúde, através da doação de um terreno da associação, onde deverá ainda funcionar um Posto de Saúde da Família para o bairro. 57


E como que seu Jair chamava as pessoas para participarem de tanta campanha, e das assembléias da associação? - Usava o som colocado no Corcel II. O Corcel ainda existe. Já o povo não é mais o mesmo. - Acho que hoje o povo é manso, quer que tudo venha de graça, e só sabe reclamar. Mas antes não era assim. E lembra que, quando das reformas da igreja, ele pedia contribuições para lojas de materiais de construção, pedidos que nem sempre eram bem aceitos de imediato. Foi solicitar uma vez para uma grande loja do bairro. - A igreja é o cartão de visita pra quem vem de BH para cá. Você não quer ver sua comunidade bonita? – indagava o incansável Jair. Ele disse que a loja ajudou e o dono seguiu colaborando por muito tempo depois. - A Igreja, o dia que tiver dinheiro, te paga. – prometia na época o empreiteiro Jair. E me confessa: - Até hoje não pagamos. E ri. - Fomos ousados. Foi assim que a gente revolucionou nossa Colônia.

*** Os olhos do seu Jair costumam se encher de água quando conta notícia boa e quando é notícia mais triste. Se emociona quando lembra de sua mãe, que morreu com “99 anos e 9 meses!”, faltando pouquinho para completar um século. Mas que ele afirma que curtiu bastante. Pergunto também da época que morou em São Paulo, se também se envolvia com as lutas do seu bairro. Ele me conta que quando chegou lá foi morar com a irmã, numa periferia. - Mas era uma periferia milionária. Era um loteamento onde havia casas muito boas. Então num cantinho que sobrou, que não deu a medida certa, eu comprei. No terreno que tinha de cada lado uma medida diferente, ele fez sua casinha de 3 cômodos. - E como a terra era úmida, eu plantei, ficou um tapete verde de verduras. Domingo tinha feira no bairro e ele ficava parado lá sem coragem de oferecer suas mercadorias. Até que alguém se ofereceu para fazer as vendas por comissão, e aí sim: “Como vendemos!”, se diverte seu Jair. 58


Depois ele foi morar em outro bairro, já formado, “periferia até com alguns bandidos”. Ali também foi presidente da associação de moradores, mas “como era época do militarismo, não se podia estar reclamando muito, não”. E vai me contando muitas histórias que eu também queria lhes contar, mas dessa vez é do seu Jair no Marçal que a gente está falando. São Paulo fica para outra hora. *** História puxa história, então ele começa a contar, orgulhoso, do filho, chamado Jair dos Santos. Levanta, e eu também, então vai me mostrando as fotos da família na estante da sala. - Imagina uma pessoa bem pobre para ser advogado! Passou com 90.7 na OAB! Era chato, questionador. Ele conta que o filho ajudou a fundar o bloco de carnaval no bairro, que tinha um “sentido educacional e de saúde”: era o Bloco do Pirulito – Carnaval sem Aids. - Quando se formou, foi perto do carnaval – lembra - numa sexta, lá em São Paulo. Seu Jair conta que ele lhe prometeu: “Quero ser um dos maiores advogados do país e defender os pobres”. E nesse momento seu Jair se emociona mais uma vez. O fim da história é que Jair, o filho, veio para São João passar o carnaval, como sempre envolvido com o bloco. E que 8 dias depois da formatura, em meio aos dias de folia, ele morreu.

*** Na sala cheia de imagens sacras, seu Jair me explica: - Hoje não leio mais muito, mas eu lia muito a Bíblia e tem uma passagem que diz… que Deus fez o céu e a terra e cada ser, com o tempo que Ele determinou. Por isso não perdi minha alegria de viver. E conclui: - Com 40 anos ele viveu mais do que eu com 74. Vejo sinceridade no sorriso dele. - A gente conquista as pessoas com o sorriso. – ensina. E vai me ensinando mais coisas também. Disse que a coisa “mais boa” que Deus nos deu foi a liberdade. - Deus podia fazer com que o homem andasse em suas normas, tudo, mas aí como ele ia saber quem era fiel e quem não era? Porque aí era tudo obrigado. Seu Jair: eu, que não sou crente, acredito em pessoas e em sorrisos como os seus. 59


E na liberdade, principalmente. ***

O dinheiro que Seu Jair recebia na pousada ele foi guardando, e conseguiu assim abrir o restaurante que começou no seu quintal. Quis deixar de ser empregado. Na saída, ele me oferece um guaraná. - Peguei lá no restaurante. E me convidou para conhecer o quintal, suas orquídeas e sua jabuticabeira carregada. Porque, sim, no Marçal ainda há terrenos grandes e casas que ainda têm jabuticabeiras. Mostrou também a reserva de lenha pro fogão do restaurante, que funciona a todo o vapor. Prometi um dia voltar só pra almoçar, e visitar de novo o Marçal, que um dia foi dos italianos e agora um pouco meu também, embora bem longe de onde eu moro e tendo que dar tantas voltas para chegar. Aliás, para voltar para casa nem precisei pegar o ônibus, porque o velho Corcel II do seu Jair me deu carona. Era uma sexta-feira ensolarada, e tudo andava bem. A gente aprendendo e ensinando uns aos outros a não perder a alegria de viver.

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“Não se pode dizer que um aspecto da cidade seja mais verdadeiro que o outro” Ítalo Calvino, escritor, no livro “As Cidades Invisíveis”


“A periferia não tem museu, não tem teatro nem cinema, o único espaço público que tem é o bar”. Sergio Vaz, um dos idealizadores dos Saraus da Cooperifa (SP)


Peri = “em torno”, e pherein = “levar”. Originalmente a linha que define uma circunferência. Refere-se ao limite de qualquer espaço ou objeto.


“Mais do que a Internet, a periferia é a grande novidade do século XXI”. Heloísa Buarque de Holanda, especialista em cultura da periferia


“Vou de vidros abertos. (...) E mais acordar pras sumessências da cidade”. Vário do Andaraí - taxista e cronista das ruas


duas cidades, trĂŞs cidades centro e bairro - bairro e bairro limites? gente.


andar com fĂŠ


D

epois de subir pra lá e pra cá cheguei ao bairro onde eu moro. Nestes quatro anos de São João já tive meus dias de Jardim Central, no beliche de um albergue aonde primeiro cheguei. Tive o tempo de Centro Histórico, plena Rua da Cachaça – mais turística impossível – na pensão onde vivi os primeiros meses. Fui do Dom Bosco e de suas ruas calmas, construindo quase uma família na república que fiz de “primeiro lar”. Também fui cosmopolita moradora da Leite de Castro, longa avenida principal do Fábricas. E sempre que tinha que vir ao Matosinhos, pensava que aqui parecia outra cidade. A paisagem mudava, eram outras as caras. Autosustentada, com sua própria dinâmica, seus próprios atrativos, tinha algo de pequena “metrópole” desta São João multifacetada. Então chegou o dia de visitar um “vizinho”, por assim dizer. Vizinho em um bairro gigante. Muitos são os núcleos habitacionais e comunidades que fazem parte do que chamamos “grande Matosinhos”: Santa Terezinha, Pio XII, Bom Pastor, Santo Antônio, Nossa Senhora de Fátima, Jardim Paulo Campos, Lombão... Cada uma com suas próprias características de bairros dentro desta minicidade, movimentada nas avenidas principais, repletas de estabelecimentos de comércio e trânsito intenso durante todo o dia, e calma nas ruas paralelas, de casas baixas e crianças nas ruas. Foi numa destas ruas calmas que fui encontrar Seu José Tadeu do Nascimento, de 54 anos. Nascido em Emboabas, distrito de São João, ele mora desde os 25 anos no bairro. Hoje aposentado, trabalhava como pedreiro. Um sujeito de gentileza e calma, que economiza palavras. Começo perguntando do bairro, nos tempos de “antigamente”: - Era diferente, mais tranquilo... mais serviço... Tento pescar algumas histórias deste tempo, mas Seu José não fica animado. Então fui pesquisar muita coisa, dos tempos de bem antes do Seu José. O bairro, hoje o mais populoso de São João, é considerado por alguns historiadores como o verdadeiro berço da cidade. Embora a descoberta do ouro nas imediações do bairro Senhor dos Montes, em 1704, tenha iniciado o núcleo da atual cidade, antes disso a região do Matosinhos já era povoada, e iria dar origem ao núcleo do Arraial Novo do Rio das Mortes, depois chamado Arraial de Nossa Senhora do Pilar e, enfim, São João del-Rei. Hoje o bairro conta com população estimada em cerca de 30 mil pessoas, segundo o censo IBGE de 2010. Características marcantes do bairro são as tradições culturais fortemente preservadas: a festa dedicada ao Divino Espírito Santo e ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos, por exemplo, inciou-se provavelmente com a inauguração da igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em 1774, e até hoje é comemorada, embora o templo original tenha sido demolido em 1970. *** De volta à pequena sala em que estamos eu e seu José, a conversa só rende mesmo quando o assunto é o congado, outra das tradições preservadas no bairro. Seu José é capitão do Terno de Congado São Benedito e São Sebastião, que existe desde 2002. Ele me explica a importância da sua função: 68


- O capitão puxa as músicas, comanda, carrega a turma nas costas. – afirma. Seu José entrou no grupo logo quando ele foi criado, na época exercendo a função de caixeiro-guia. Hoje o grupo tem cerca de vinte componentes, incluindo crianças. Seu José vai me contando: - Eu sou muito conhecido aqui no bairro... sou também da comissão de eventos, fui o Imperador Negro da Festa do Divino, em 2004... O imperador é uma figura folclórica da festa, eleito a cada ano. Pergunto, então, ao capitão, como o grupo é recebido pela comunidade do bairro. - O povo gosta muito, prestigia e valoriza o congado daqui... – diz, sempre tranquilo. Seu José fala da tradição. - O congado surgiu no tempo da escravidão. Naquele tempo, os escravos levavam os capatazes assistir a missa, mas o negro não podia entrar na igreja. Por devoção, os congadeiros – “soldados” de Nossa Senhora – dançam e cantam, levando ornamentos repletos de símbolos que representam sua fé. Cada cor, cada pedraria, os rosários, as fitas, cada detalhe remete a alguma característica da tradição. - O nosso grupo é o Catupé. Já no Moçambique, a música é mais lenta, eles levam chocalhos nos pés, as músicas são mais difíceis... – diferencia Seu José. Tudo no congado é feito de hierarquias e normas que servem para levar o batalhão em cortejo firme, nas provas de devoção e homenagem às divindades. - O primeiro do cortejo é o congo Catupé, puxador da frente. Depois vem o Moçambique. O pesquisador Daniel Albergaria Silva estudou o Congado a partir de relatos de grupos na Região das Vertentes, em especial em São João del-Rei. Alguns dos depoimentos colhidos levaram à consideração de que a congada, ou congado, era também “[...] uma forma de conseguir dinheiro para alforriar negros, e que cada negro alforriado, ao participar destes grupos, peregrinava por Minas Gerais procurando locais para o garimpo, de onde retiravam ouro e diamantes, almejando também alforriar outros escravos” (SILVA, ano, p.xx). Assim, o estudioso salienta que a festa do Rosário não pode ser encarada apenas sob o viés religioso. Mas certamente essa perspectiva é a que mais aparece nos grupos fiéis que perduram ainda hoje. *** E fé é palavra de ordem para o congadeiro. Na casa simples, na salinha pequena onde Seu José me recebeu, há dois pequenos altares. Do lado direito, alçada na parede, a pequena prateleira onde estão, lado a lado, a cabocla Jurema, rainha das matas – figura da umbanda – e São Sebastião. Reconheço apenas o Divino Espírito Santo, representado pela pomba branca, e São Cosme e Damião, porque eles estão rodeados de doces. Seu José vai me ensinando, apontando Oxóssi, ou São Sebastião, e Xangô, o Juiz, com as tábuas dos 10 mandamentos. 69



Eu explico a ele que minha família é católica, mas eu mesma não entendo muito disso... Ele parece fazer uma recriminação. Ao ver a figura de São Jorge na parede, eu, enfim achando algo familiar, apontei: - Minha irmã é devota de São Jorge!... E ele me assevera, em tom de pai, aconselhador: - É...? Você também podia ser devota de algum deles... – e vai me sugerindo uns, com ligeira afetuosidade. Do lado esquerdo da salinha, mais ao canto e abaixo do sofá, está o altar com os pretos velhos. Figuras que Seu José também nomeia, um a um. Representam espíritos dos ancestrais. Junto deles também está o tamborim de couro de boi para fazer a marcação das caixas nos festejos. A devoção dos congadeiros se estende a entidades de religiões de matriz africana, espíritos de ancestrais e santos católicos. O respeito à ancestralidade africana perpassa todos os rituais do congado. No tom lamurioso ou festivo das canções – referência ao sofrer e ao festejar dos escravos –, nas figuras levadas em bandeiras, como a do grupo tiradentino Congado Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia, que carrega a figura da escrava em seu estandarte. Os rituais também buscam reproduzir a cultura dos antepassados. Como os festejos, que costumam levar o dia inteiro. Isso para lembrar que, no tempo de escravidão, os negros só eram autorizados a fazer sua celebração uma vez por ano. Tinham que aproveitar ao máximo, começando a festa bem cedinho e indo até muito tarde da noite. - A gente volta depois das dez horas da noite... – diz seu José, contente. – De manhã, a gente assiste à missa conga, ou missa inculturada. Peço para ele me explicar. - Na missa conga, os cantos são diferentes, os batuques são diferentes. Tem as oferendas, pra repartir com o povo. É uma missa mais alegre, mais festiva, que todo mundo dança – conta, divertido. Lembrei de dizer a ele que na metade deste ano, assisti a uma celebração de congado ali mesmo, dentro da Igreja Bom Jesus do Matosinhos. No templo de tetos altos ressoavam os batuques de vários grupos que cantavam à Nossa Senhora, no que me pareceu um símbolo do sincretismo que une à fé católica as crenças que os escravos já traziam de suas terras de origem. Estou no caminho certo, mas ele me corrige quando eu pergunto da relação entre os santos católicos e “as figuras do candomblé”. Ele me corrige, rápido: - Não é candomblé, não. É da umbanda. O congado não tem nada a ver com o candomblé, não. Opa, depois da barrigada, fui pesquisar melhor. O sincretismo religioso no Brasil ocorreu da mescla da fé trazida pelos negros africanos com a fé católica, dos europeus. As manifestações religiosas trazidas pelos negros, tornados escravos, eram aqui proibidas e criminalizadas. A solução que encontraram para professarem sua fé foi usar a aparência do catolicismo, assim eles rezavam para a imagem do santo católico e colocavam suas oferendas para os Orixás. 71


O professor doutor do Departamento de Letras da UFSJ, Claudio do Carmo, em entrevista ao jonal laboratório do curso de Jornalismo da universidade, Ora-Pro-Nobis, explica que a associação se dava a partir de características que poderiam aproximar um santo de determinado Orixá. Por exemplo, São Jorge, que era um grande guerreiro, foi associado a Ogum, que também tem esta característica. Não apenas a proibição levava à perda ou alteração de rituais de origens africanas. Muitas vezes, negros vindos de diversas tribos africanas, capturados e trazidos para o Brasil, aqui passavam a conviver com negros de outras tribos, com outras manifestações religiosas, o que ocasionava mudanças nos rituais. Assim, a umbanda é uma religião brasileira que traz elementos do espiritismo e que absorveu também elementos das crenças indígenas, católicas e africanas. Já o candomblé é oriundo da junção de manifestações religiosas das nações trazidas da África pelos escravos, sendo que os rituais são os mesmos utilizados pelos ancestrais africanos. Agora está explicado. *** Cada divindade, correspondente a um santo católico, é simbolizada no congado também por suas cores. Seu José vai me explicando: - O amarelo é de Iansã, ou Santa Bárbara. O verde, de São Sebastião, ou Oxóssi, caboclo da mata. O azul simboliza Iemanjá, Nossa Senhora. Agora Seu José já está dono da conversa e, orgulhoso, sai toda hora da sala a buscar coisas para me mostrar. Traz pequenos álbuns de fotos, que contam passeios a outras cidades levando o grupo de congadeiros. Também estão ali sua família, suas crianças, que hoje estão grandes. Ele traz seu bastão de capitão, todo enfeitado de pedras coloridas e fitas. Traz o chapéu e a bandeira. Os quartos parecem caixinhas de surpresa de onde seu José me traz mais novidades. Na bandeira figuram os santos de devoção do grupo: São Sebastião e São Benedito. E Seu José começa a explicar a simbologia das cores das vestimentas do batalhão: - O chapéu é marrom, cor das vestes de São Benedito. A faixa vermelha é por causa das vestes de São Sebastião. Seu José sabe todas as histórias: São Benedito, o Santo Negro, era de família pobre e é padroeiro dos cozinheiros. São Sebastião foi soldado, e morreu a pauladas e açoites, ao contrário do que eu pensava, pela imagem que sempre nos é apresentada do santo ferido por flechadas. Seu José me explica que depois de ser capturado e levar as flechadas, o santo curou-se e ainda retornou a fazer sua pregação. A roupa do grupo é branca. Branca também é a bandeira, item de extrema importância. Os congadeiros dizem que “sem a bandeira, o grupo não sai”. Seu José Tadeu confirma: 72



- A bandeira é o esteio do congado, é como um símbolo do grupo que está representando. No fim de muitas coisas que seu José me trouxe do quartinho ele, também me traz um DVD sobre grupos de congado da região, que me dá de presente, avisando: - Sou eu no final do vídeo, cantando. Seu José é muito orgulhoso de sua posição de capitão de congado e de sua atuação no bairro. Conta que está sempre sendo procurado para entrevistas, e que nem se assusta mais não. Entrevistei minha primeira celebridade!!! *** Hoje Seu José dá aula de congado na comunidade em que nasceu – Emboabas – para vinte pessoas. É o grupo Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Há também crianças no grupo, o que menciono que é importante para a preservação da tradição. Ele diz que é importante “para tirar essas crianças dessa vida de hoje em dia”. Seu José também ajuda a administrar os documentos do congado de Matosinhos. Ele vai me mostrando e afirmando que está tudo na legalidade: tem CNPJ, declaram imposto de renda... E desde 2006 obtiveram declaração de utilidade pública. Mas ele reclama que o governo não ajuda muito, apesar de o grupo levar o nome de São João del-Rei e representar uma tradição forte e muito valorizada pelo povo. - O prefeito aqui não dá valor pra essa cultura, nós reclama muito, mas é de transporte, é uma dificuldade danada, temos que tirar do nosso bolso. Tem convite, o grupo tem CNPJ, é tudo legalizado, tudo em dia. Os convites, a que se refere Seu Tadeu, são feitos por outros grupos de congado, para suas festas. O espaço de festejo, segundo Daniel Albergaria Silva, “[...] aparece como local de agregação e trocas recíprocas, de convites, de cânticos, melodias, danças, troca de comida, de saberes sobre os utensílios utilizados nos congados uns dos outros” (SILVA, ano, p.xx). É um momento de reciprocidade - e também rivalidade - importante para os grupos congadeiros. Então Seu Tadeu me pede: - Bota aí na internet. Não queremos dinheiro, queremos transporte, e pra divulgar São João del-Rei. Está dito, Seu José. *** Seu José disse que há algum tempo a paróquia realizou um trabalho do qual ele fez parte. Foi uma espécie de censo, que além de estimar o número de habitantes do bairro, procurou visitar as casas e verificar “se as coisas estavam evoluindo”. Pergunto os resultados. 74


Se as coisas estão indo bem? Ele acha que estão. Uma das principais reclamações de antes, diz ele, era que as pessoas não contribuíam muito para os debates de suas comunidades, não participavam. E agora parece que isso tem mudado. A conversa estava rendendo, mas tive que ser enfática para terminar minha aula de congado. Se deixasse, a conversa durava a manhã inteira, porque Seu José vinha com suas novidades o tempo todo. Mas expliquei que tinha que ir para o estágio, e a manhã já ia para a metade. Seu José mora a uns dez minutos da minha casa e eu fiquei imaginando o que tantos outros vizinhos podem ter pra contar, escondidos por aí nestas tantas portas. Boas histórias ou bons conselhos pra escutar. Do Seu José, eu guardo este, de que vou me lembrar sempre junto com a figura do guerreiro vencendo o dragão. Até ando pensando em ter fé. Quem sabe eu vou? “Andá com fé eu vou / Que a fé não costuma faiá / Olálá!” (“Andar com Fé”, Gilberto Gil).

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deuses e mortais


Gente é muito bom / Gente deve ser o bom / Tem de se cuidar / De se respeitar o bom...” (“Gente”, Caetano Veloso).

A

costumei-me à paisagem da subida com chuva. Dom Bosco, São Dimas, São Geraldo. Da última vez ficara presa por causa do toró na casa de amigos recém-conhecidos. Para visitar o Senhor dos Montes escolhi ir de ônibus, porque o céu tecia uma ameaçazinha, ainda, depois da chuva forte da manhã. Gosto de andar de ônibus. Assistir à cidade como num filme, reparar no que os passageiros trazem nas mãos, no rosto. Fico tentando adivinhar seus pequenos absurdos e alegrias. Prever sua humanidade. Gosto de descobrir nelas sua consistência de gente. Às vezes me frustro e dou suspiros irritados. Indelicadezas, incompreensões, pequenas ou grandes violências. Outras vezes, sorrio involuntariamente. Acho que mais ando sorrindo do que suspirando, o que é bom e me dá essas crenças na vida. Acho que gente é minha religião. Vejo uma senhora descendo os degraus no ponto com dificuldade, ajudada por uma mocinha que vai subir. Ela sorri e se despede. Eu fico namorando as duas pela janela. O ônibus volta a rodar, e vai entrando no território que não é mais o de voltar para casa. Estou indo de visita. Gosto da novidade de ruas que não me foram apresentadas. Vejo os bares de portas fechadas para esta segunda-feira – como sempre são de cinza as segundas-feiras. Alguns moradores olham a vida pelas janelas. Há inscrições nos vidros dos carros, mas não há tempo para ler. Há inscrições nos muros e paredes das casas. Em uma delas, com o nome de ateliê de arte, se vendem abajus. Penso que sempre há uma forma inédita de escrever uma mesma palavra antiga; gosto de pensar que elas comunicam, assim mesmo, e talvez por isso mesmo. A parede da escola está grafitada. Conto os números das casas, os muros das casas. É tanta gente e eu, tão curiosa, assunto pelas frestas da minha janela móvel, enquanto o coletivo roda subindo, subindo como se indo para o teto de São João, nosso terraço. Aqui por esta região, em que há alguns séculos o primeiro sujeito de sorte descobriu ouro na cidade, há muitas construções humildes, há muitas obras sendo erguidas. Fora do furor do centro, que nem está tão longe, e muito longe da época de riqueza áurea, deste teto vemos uma São João verde se estender a não mais poder. Uma casa é azul. *** Vim sem “personagem”, não tenho contatos por aqui, não consegui nenhum amigo que indicasse um amigo que indicasse um numerozinho de telefone ou endereço, interfone. Então fui procurar o Centro de Referência de Assistência 78


Social, o CRAS, afinal, pensei “Lá deve passar muita gente, devem conhecer o bairro todo, haverá mocinhas diligentes que vão me ajudar a encontrar a pessoa que vai me contar histórias destes lados de cá”. Chego, me apresento, as coisas se misturam na minha conversa e eu fico de pé esperando que ela re-conte minha história para sua superiora. Enquanto ela vai e não volta, o senhor que estava sentado por ali, e ouviu tudo, me indaga: - Você faz é Jornalismo? Eu confirmo, dou meia explicação mais uma vez. E ele: - A gente tem um coral aqui. Acho que encontrei minha história. *** O CRAS, lugar aconchegante, parece uma casinha de todo mundo. Os grupos vão chegando e se reunindo na sala de espera, crianças e idosos vêm para participar de oficinas. Trocam impressões do fim de semana. Contam de gripes, mingau de fubá, a procissão em que Nossa Senhora tomou chuva. Será que a Santa gripou? Resolvi entrevistar as pessoas do grupo, que não é um coral, exatamente, como me explica o professor, mas um grupo teatral. Tive de marcar a entrevista para o dia seguinte, porque naquela segunda-feira o grupo teria oficina. Ficaram de vir três dos integrantes. O Seu Francisco, que puxou conversa comigo, e mais duas mulheres. No dia seguinte eu estava lá, mas apenas uma já me aguardava, conversando com uma das funcionárias. Ela não sabia do Seu Francisco, mas a outra senhora tinha avisado que não ia poder ir, porque sua netinha estava com catapora. Então decidimos conversar nós duas. Eu e Dona Evangelina. - Evangelina Bárbara da Silva Lima. – se apresenta. Nascida em Nazareno, sua família veio para o Senhor dos Montes quando ela tinha ainda oito meses. Hoje Dona Evangelina, ou Nenega para os amigos, tem 80 anos, mas jovial e alegre parece ter bem menos. E mora na mesma rua em que viveu seus primeiros anos. Pergunto se então ela está ali todo esse tempo. - Bom, vamo’ com calma. – organiza a narradora. Ela, que hoje está aposentada, trabalhou desde muito moça. Primeiro em uma fábrica de tecelagem, depois em casas de família. Na sopa do Vovô Faleiro, obra social que funciona no centro de São João del-Rei, trabalhou por nove anos. Hoje ela trabalha voluntariamente na sopa São Vicente de Paula, no Senhor dos Montes. - Uma vez na semana, todas as quartas-feiras, fazendo comidinha pro pessoal – conta. E relembra como foi a infância no bairro. 79



- Fiz a 4ª serie só, que é o que dava para fazer. Depois fui trabalhar, né, já estava bem crescidinha mas a cabecinha não era muito boa pra estudar não... – diz - Quando saí da escola estava com 14 anos, já tinha perdido bastante tempo, né? Mas aquela época... se soubesse fazer uma continha e saber escrever o nome, estava bom demais. Seu pai trabalhava em uma fábrica, “lá embaixo”, e sua mãe lavava roupa para fora, “no riacho aqui”. Eram três irmãos. - Na época aqui era completamente diferente. Era cheio de buraco, a chuva passava e fazia aquelas crateras, era difícil mesmo. Foi melhorando, foi melhorando. Onde eu moro só tinha a minha casa, a casa da Dona Cecília, tinha uma outra casa que era de Seu Alfredo. Agora ‘cê vê como ‘tá. – conta. E lembra como a infância naquele tempo era muito mais saudável... - A gente brincava de roda, pique, esconde-esconde, pulava corda, fazia teatrinho, comidinha... juntava aquela turminha de meninas, fazia piquenique, catava umas coisinhas e ia lá pro Cristo. O que tivesse botava numa vasilinha. Tinha um campinho ali também, dava a vista lá pra baixo, pra cidade. Era bom demais. Segundo o historiador sanjoanense Antonio Gaio Sobrinho, a estátua do Cristo, de 4 metros e meio de altura sobre um pedestal de 13, já existia desde 1942. Mas não as antenas que hoje lhe servem de guarda-costas, captando e emitindo sinais, menos transcendentais. - Tenho um papel que tem a data direitinho de quando eles colocaram o Cristo ali. - lembra Dona Evangelina. - Eles ainda não tinham colocado ele ali não, ele estava na Igreja do Senhor Bom Jesus, todo mundo ia lá fazer visita. E eu feito boba botei a mão assim, eu sei que eles botaram a cruz em cima da minha mão... Apertou, né, o peso era pesado!... Hoje o bairro ainda é como uma grande família, na opinião de Dona Evangelina. - Todo mundo se conhece, todo mundo é amigo, quando tem uma pessoa doente a gente vai lá socorre, pergunta se está precisando de alguma coisa. Eu me viro brevemente para conferir se está tudo gravando – insegurança da repórter em treinamento – e ela logo pergunta: - ‘Tô falando besteira? Asseguro a ela que não!, mas ela, o tempo todo, permanece achando que está, e vez por outra, se desculpa por estar falando mais da própria vida que do Senhor dos Montes. Mas para mim, é tudo uma coisa só. *** - Com 18 anos eu tinha que trabalhar na tecelagem e eu não gostava de trabalhar lá, me dispensaram. Trabalhei em casa de família muitos anos. Nesse período eu perdi a minha mãe. Então tinha a filha da minha madrinha que trabalhava no Rio aí fui trabalhar lá. No Rio ela morou por 27 anos. - Reencontrei um namorado meu que era daqui. Aí eu me espanto – ah, tudo nessa vida é possível! Então quer dizer que os dois saem do Senhor dos Montes e vão se reencontrar na segunda maior capital do país?

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- E foi por acaso, num baile. – recorda, enriquecendo a trama – E ele não estava sozinho, não. Fico curiosa, acompanhando, como se fossem capítulos de novela, enquanto ela conta: - Aí ele ficou espantado de me ver lá. “Que ‘cê ‘tá fazendo aqui?”, e eu “O mesmo que você, ‘cê não ‘tá trabalhando?”. Então ela me explica que ele estava acompanhado e quase ao mesmo tempo de sentir a grande felicidade do reencontro, ela sentiu como se lhe jogassem um balde de água fria. - Ele me apresentou: “Ah, minha pequena”. E eu, coitadinha de mim. Era bonita a mulata dele, Nossa Senhora. Quando a gente é jovem sempre anda arrumadinha, gostava de saltão desse tamanho… mas quando eu vi a mulata dele, eu fiquei no chinelo. Ela ‘tava bem mais arrumada do que eu. Ah, Nenega, sabemos como é... - Minha colega, que era muito assanhada, já deu logo o telefone do meu trabalho, marcou encontro... E se interrompe de novo, preocupada: - Isso aí não ‘tá interessante não, né? E eu querendo saber as cenas dos próximos capítulos. *** - Aí, minha filha, namoramos... Teve uns problemas com os dois lá... e aí ele disse “Prefiro você, que eu já conheço... namorada antiga...”. Na época, o pai de Dona Evangelina já tinha falecido. Então o pretendente escreveu para o irmão dela, que morava aqui em São João, pedindo-a em casamento. Dali para frente foram 33 anos felizes, “Graças a Deus”. Seu Sebastião faleceu há 20 anos. Do casamento, dois filhos, para quem vão suas orações, explica. - Quando Daniel fez um ano, eu já estava grávida de três meses do mais novo. Parecia que eram gêmeos. Hoje Dona Evangelina é bisavó, de três bisnetos, e tem 4 netos. E vai nomeando a prole, que está distribuída entre Juiz de Fora e o Rio de Janeiro. Até que nossa conversa volta para cá. - Quando meu marido aposentou tinha vontade de voltar pra Minas. Eu tinha um terreno que era da minha família. Fizemos uma casinha lá. Era muita dificuldade e custou pro pessoal levar material de construção lá, com aqueles buracos, não era calçado, tinha que carregar no muque. Na opinião dela, hoje o bairro está bem servido.

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- Hoje está asfaltado, passa carro, bicicleta, passa tudo na minha porta, só não passa ônibus. – ri. Além do asfalto, outros benefícios que ela considera muito: - Graças a Deus nós temos duas igrejas, evangélicas são duas, que eu sei, no fundo da minha horta tem um centro de umbanda. Um lugar bom, bonito. Acho que eles iam gostar de ser entrevistados. – opina. E lista as comodidades do local, ela que eu já imaginava que seria difícil de reclamar de alguma coisa, tão bem humorada e de bem com tudo... - Temos um posto de saúde, graças a Deus. Farmácia, supermercado, mercearia, escola, um jardim de infância, creche. Pergunto se os jovens também têm distrações. Ela pensa: - Tem... tem quadra, futebol. Eu falo das oficinas, também, das atividades do CRAS, onde estamos, e ela comenta empolgada: - Ajuda muito aqui, vou te contar, é uma benção mesmo, ajuda muito as pessoas. Entro no tema da violência. Ela logo afirma: – Ah, isso é geral. Neste ponto ela se preocupa, porque a entrevista está adiantada, se o Seu Chico ainda não veio – isso porque ela sempre está receosa de não estar contando nada de interessante. Mas está. Talvez seja difícil para estas pessoas (comuns?) acharem que importam para o jornalista. Ela mediu meu interesse: “ Eu acho que você queria uma história assim, mais...”. Mas o que eu quero mesmo é que ela também se sinta importante... Ela é. *** Volto a perguntar sobre a situação dos jovens. Ela retoma: - Eles têm o que fazer, mas talvez eles não queiram. Porque se quisessem mesmo, participar de eventos ... Só aqui, então, tem muita atividade, basta eles quererem. Vêm só uns gatos pingados, pra um bairro que é grande. Só querem ficar ali na esquina usando drogas, desocupadamente. Tem que ter boa vontade, não adianta. Boa vontade que, eu sugiro, também é necessária para preservar valores importantes do bairro. O local, tão rico em patrimônio imaterial e histórico, não tem hoje uma ação de conservação e divulgação cultural consolidada. O Cristo, ponto que podia ser turístico, quase não recebe visitantes. - O Cristo está abandonado, muito mato. E à noite eu não aconselho ninguém a subir lá não. – assevera.

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Mas importantes ações pelo resgate da cultura do local têm sido realizadas em trabalhos do CRAS. Entre elas, o Teatro de Memórias, que é o projeto teatro-coral do qual Seu Chico e Dona Evangelina participam. Ela conta como foi quando ficou sabendo do projeto, entre outros criados pelo serviço de Assistência Social: - Convidaram, ofertando as oficinas. Eu tinha marcado um monte!, mas não tinha tempo, ou você canta ou assovia. – pondera – Achei interessante esse Teatro de Memórias. E vai me contando o que eles fazem no grupo. - Eles perguntam, igual a você. - me diz - Vão atrás de fotos antigas, pessoas que têm mais conhecimento para explicar, e dizem para o grupo. Ela explica que quem faz esse trabalho são “as meninas”, que se interessaram mais pelo assunto. Ela mesma gosta é de ouvir as histórias. Eu também gosto. Pergunto se o projeto já apresentou alguma peça. - Ah!!!... a gente fez uma peça – e seu rosto se abre com o orgulho. A peça foi apresentada em junho, junto com o grupo de teatro do bairro Tejuco. A função foi lá. E Dona Evangelina adianta que há outra apresentação programada para dezembro, e que eles têm ensaiado algumas músicas. Pergunto qual era seu personagem na peça. - A gente fez cada um uma coisa de dona de casa, fez os movimentos de arrumar a casa, passar roupa, cozinhar, mas não falava não, era só a mímica. É mímica, né? – pergunta. E me assegura: – Mas todo mundo entendeu!, ganhei muitas palmas. – e espalma as mãos com entusiasmo. A peça de que fala Dona Evangelina se chamou “O Arraial”, e foi concebida a partir das lembranças dos moradores dos dois bairros envolvidos. Um trabalho parecido com o que estou fazendo aqui... então eu digo a ela que eles estão roubando meu emprego... e as duas rimos. *** Dona Evangelina agradece em sua fala, a cada minuto, a Deus por tudo que tem. Mas para ela, quem reza tem que saber esperar. Ela, que passa por algumas sérias dificuldades com um dos filhos, conta que vai toda terça-feira no terço das mulheres, e também no encontro de mães, que acontece nas segundas, para orar pelos filhos. Apesar dos problemas, diz que as amigas comentam que ela está sempre “Com uma carinha que parece que está feliz da vida”. Ela diz que temos que ser assim mesmo, afinal, “Alguém tem culpa dos problemas que eu tenho?”, questiona. E completa, confiante: “Tudo passa...” Eu sorrio, aperto a mão e dou um abraço àquela senhora tão doce e calma.

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Um dia desses, no trabalho, eu tinha visto uma frase estampada na parede da sala de um colega, que explicava o significado da palavra “Namastê”. No sentido estrito, ela quer dizer: “Eu saúdo você”, ou “Curvo-me perante a ti”, uma saudação de grande respeito, usada nas culturas hindus e budistas. Mas explicações mais amplas são da crença de que existe uma centelha divina em cada gente. E que a saudação simboliza: “O Deus que habita em mim reconhece o Deus que habita em você”. Depois de me despedir, já descendo de volta para casa, vim pensando nessa história de gentes e de deuses, enquanto me afastava do bairro, serpenteando pelo morro que leva ao terminal turístico, até cair feito calda doce em pleno centro da cidade. De longe, em minha descida, imponentes ficavam as antenas que captam e comunicam, rodeando um Cristo pequenino que abençoa a cidade dividida em asfalto e verde. ...é a comunicação amparando até Nosso Senhor, numa cidade que dali, melhor entendida em meus caminhos, parece uma coisa pequena e compreensível. Pequena e simples. Pequena e bela. Muitas das referências são cristãs – está ali Jesus em toneladas de pedra-sabão, são católicas as igrejas que vão surgindo na paisagem e os famosos sinos que simbolizam a cidade. Mas, para mim, é por esses deuses mortais – Evangelinas, Nelsons, Vilmas, Cristinas... – que me sinto abençoada. Namastê!

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caminhos


C

hego estrangeira. A cada nova rua achada, as pessoas me acham. Me olham, me assuntam, muitas me cumprimentam e sorriem. As crianças brincam livremente na rua. Bola de gude, pipa, futebol. Estranho a liberdade dos pés descalços como estranho os sorrisos dos desconhecidos. Nem tudo é lirismo. Ou será? Algumas vezes me abordam. Dou a volta e descubro que alguém me seguiu para averiguar o que tanto estou fotografando. Em outro bairro, sigo silenciosa. Em algum ponto alguém já sabe exatamente o que vim fazer, quem sou, a troco do quê. Penso que a comunidade se protege. Senhores sentados às calçadas irrompem em conversas sobe futebol, politica, amenidades. Pequenas lojas estendem seus dizeres e seus panos para a oferta diária. Mulheres conversam às janelas. Janelas com cortinas, janelas com flores, janelas e pessoas com cortinas e flores. Tiro foto de algumas crianças que jogam bola de pés descalços, uma menina se aproxima, tímida, um olhar longe. Pergunto seu nome. É Sara. “O que você ‘ta fazendo?” . Digo que achei bonito, estou tirando fotos dos meninos jogando bola. “Você conhece eles?”, interroga com uma certa crítica precoce. O meu olhar foi longe feito o dela. Não conheço. Mas quero conhecê-los. Como quero conhecer as pessoas que me deram informações para que eu não me perdesse, ou me perdesse menos. E os senhores que conversavam na praça, as meninas me sorrindo da janela. O sujeito que me emprestou um papelão para eu não precisar sentar no chão. Em meus percursos encontro alegres moradores que fotografo num bar, numa descida íngreme de um domingo. Um deles me explica que eles fazem vaquinha para comprar a carne e cada um paga sua bebida. Insistência para que eu fique e tome uma cervejinha. Imensa vontade, mas estou a trabalho, recuso. O cantor então escolhe uma música “Essa é pra você!”. Eu que já ia guardando a câmera sento-me e ouço o samba. Resolvo entrar no bar e peço para bater uma foto. O dono se afasta para liberar a paisagem. Eu insisto: não, eu quero a foto é com o senhor. Eu queria lhe dizer que eu quero a foto é com eles. As pessoas. Afinal são elas que fazem a beleza do bar. E depois dessa viagem, posso dizer – são elas que fazem a beleza de qualquer lugar. Guardo a máquina e abro a minha gelada, em comemoração, sem endereço certo. Agora, sim, estou em casa. 88


ver a cidade


“(...) a saída não é nem apenas valorizar as qualidades das periferias nem fugir delas. A verdadeira solução está em transformá-las, transformar as periferias em centro – de atenção, de foco de desenvolvimento, em novos centros da cidade”. Izabela Moi, co-fundadora da Agência Mural de Jornalismo das Periferias


“As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa.” Ítalo Calvino, escritor, no livro “Cidades Invisíveis”


“Não adianta querer, tem que ser tem que pá, O mundo é diferente da ponte pra cá.” (“Da ponte pra cá” - Racionais Mc’s)


“O desconhecido precisa ser reconhecido, o invisível quer tornar-se visível, procura a raiz o desenraizado. O que não existe na televisão, existe na realidade?” Eduardo Galeano, autor de “Veias Abertas da América Latina”


“Cada configuração territorial é o resultado, localizado no tempo, de práticas e lutas sociais pregressas e, simultaneamente, condição para construções e apropriações territoriais futuras”. Eder Jurandir Carneiro, sociólogo



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Referências nas Páginas de Fotos p. 6. SANTOS, 2006, p. 213. p. 22. QUEIRÓS in CORREA, 2015. p. 24. do RIO, 1908. p. 63. CALVINO in OLIVEIRA, 2010, p. 23. p. 64 VAZ in ROUSSELET, 2012. p. 66 HOLANDA in FAUSTINI, 2009, p. 5. p. 67 ANDARAÍ, 2009, 14. p. MOI, 2015. p. CALVINO in PACHECO, 2015. p. GALEANO, 1999, p. 296. p. CARNEIRO, 2009, p. 3.

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Índice de Fotos Capa e p. 2. Rua entre os bairros São Dimas e São Geraldo. p. 6. Ponto de ônibus no bairro São Geraldo, tornado Ponto Literário no evento AssãoGê Pela Paz, em agosto de 2015. p. 7. Mapa exposto na Rodoviária Municipal. p. 11. Rua defronte ao Salão Comunitário do bairro São Geraldo. p. 15. Manifesto exposto em uma das ruas do Centro Histórico, direção do Tejuco. p. 19. Muro no bairro Bela Vista. p. 22. Placa na rodovia BR-265 (Créditos Alessandra de Falco). p. 23. Praça no bairro Matosinhos. p. 24. Rua no bairro São Geraldo. p. 29. Rua General Osório, Tejuco. p. 32. Rua Santo Antonio, Tejuco. p. 36. Sinalização no bairro Tejuco. p. 41 Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, no Bonfim. p. 44. Parte de trás da Igreja de São Francisco e do Cristo do Senhor dos Montes, ao fundo, vistos pelo Bonfim. p. 47. Céu no bairro Bonfim. p. 52. Oficina de rima no evento AssãoGê pela Paz, no bairro São Geraldo. p. 54. Oficina de percussão no evento AssãoGê pela Paz, no bairro São Geraldo. p. 59. p. 62. p. 63. Evento pela Semana da Consciência Negra, no bairro Bela Vista. p. 64. Bar no bairro São Geraldo. p. 65. Salão comunitário no bairro São Geraldo. p. 66. Instrumentos da escola de samba do bairro São Geraldo. p. 67. Rua entre os bairros São Dimas e São Geraldo. p. 68. Oficina de dança no evento AssãoGê pela Paz, no bairro São Geraldo. p.. Grupo de Inculturação Africana Raízes da Terra, no bairro Senhor dos Montes. p. Ponto de ônibus no bairro São Geraldo. p. Feira livre no bairro Matosinhos. p. Porta de residência no bairro Matosinhos. p. Congadeiros em evento pela Semana da Consciência Negra, no bairro Bela Vista. p. Feira livre no bairro Matosinhos p. Salão Comunitário no bairro São Geraldo. p. Congadeiros em evento pela Semana da Consciência Negra, no bairro Bela Vista. p. Oficina de rima no evento AssãoGê pela Paz, no barrio São Geraldo. p. Trecho de rap produzido na oficina de rima. p. Sinalização no bairro Tejuco.

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p. Recortes de jornal e rua no bairro SĂŁo Dimas. p. EstĂĄtua do Cristo no bairro Senhor dos Montes. p. idem.

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Danielle da Gama S達o Jo達o del-Rei, novembro/2015


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