Que beleza (1)

Page 1

QUE BELEZA! Por Dani da Gama

Vinicius que me perdoe, mas beleza não é fundamental. Pelo menos não no sentido que o poeta desejou, ao estabelecer padrões como a existência de saboneteiras nas clavículas femininas e temperaturas ideias para suas reconcavidades... Apesar da ditadura da beleza ainda existir, cada vez mais mulheres percebem que beleza é muito mais um estado de espírito do que a medida da cintura ou das madeixas, e começam a sentir­se bem em sua própria pele.


Retranca 1


infográfico estatísticas


Cabelo, cabeleira Cleo Souza, de 24 anos, é Para Cleo, em relação a estudante do curso de História. imposições de beleza, o cabelo é Negra, foi escrava da chapinha por “esteticamente e simbolicamente uma década antes de se falando”, seu principal fator de autodescobrir e libertar­se dos libertação. padrões relativos à sua própria “Eu lembro que no dia que eu cortei etnicidade. Ela conta que o processo bastante meu cabelo, a primeira de autodescoberta como negra não sensação, uma das melhores da foi rápido. “Até meus 19, pros 20 minha vida, foi poder sair e tomar anos, eu ainda não me via como chuva, porque eu não podia tomar negra até porque eu tentava fazer chuva por conta do alisamento. Então coisas que me aproximassem de uma sentir a chuva na minha cabeça estética não negra: alisava meu simbolicamente foi o momento mais cabelo, não havia também na minha maravilhoso da transição”, explica. adolescência maquiagens próprias Hoje ela gosta do seu cabelo natural, para pele negra...”. Ela lembra que bem volumoso. Mas ainda percebe a tinha o cabelo muito cacheado e dificuldade da ditadura dos lisos cheio, e que sempre prendia o cabelo quando está no ambiente escolar, para ir para escola até chegar um dando aulas. “Eu vejo outras meninas momento em que ela e a mãe negras e percebo que ali existe, sim, optaram por alisá­lo. imposição ainda. No nosso meio, por Mas a história mudou. O cabelo, ser universitário, talvez ainda seja um alisado desde os 9 anos por conta de pouco mais fácil. Mas ainda tem muito bullying sofrido na escola, inclusive trabalho a se fazer..”. por comentários de professores, foi Mas sua própria imagem finalmente liberto e hoje vive leve e certamente influencia esta nova solto. Aos 19 anos, Cleo parou de geração nas escolas. “Eu comecei a alisar o cabelo. Ela explica que isso perceber que só pelo fato de eu estar se deve muito ao acesso que passou ali, muitas meninas começaram a se a ter, fora da escola, a outras sentir mais livres para irem para a formações, e à ligação pessoal com a escola com o cabelo natural. Inclusive temática do racismo e do feminismo uma veio até falar comigo, que me negro. “Acho que por conta desde achava muito bonita, meu cabelo contato e com outras meninas que já muito bonito”, afirma. tinham se assumido que eu por conta própria fui lá e cortei meu cabelo e


Mesmo havendo ainda brincadeiras, De sobrancelhas grossas, num rosto delicado, Cecília Cleo crê que sua imagem na sala de aula já é um fator para que as meninas vai narrando suas maiores negras se sintam mais à vontade para dificuldades quando o tema é falar sobre o assunto e desconstruir aos beleza: “Na verdade da sobrancelha eu nunca liguei, poucos estéticas aprisionadoras centenárias. Cleo costuma levar para a mas o meu bigode eu me sinto muito mal...”. sala de aula a temática do racismo, e Cecília lembra também da sua presença ajuda as crianças a se verem como negras e começarem a se repressão que sente ao estar em determinados lugares libertar. Mas a estudante ressalta que reconhecer­se é um processo longo, e com determinadas roupas, ou que se sente pressionada a não só estético. E se sentir bonita também não é um sair “mais arrumada” para ir processo fácil! Para Cleo, determinados Sua presença ajuda beleza é liberdade, sentir­se eventos. Conta que as crianças a se bem na própria pele e vai muito sua mãe sempre além da estética. "É o que você comenta: “Não vai verem como negras escolheu para você mesmo, de tênis, se e começarem a se independentemente do tipo de maquie”. “Fazer a libertar. corpo que você escolheu, do unha, também”, tipo de cabelo que você esco­ adiciona. “Eu já me senti bem mal, com lheu. É você acordar de manhã, se olhar vergonha, mesmo, de não mostrar no espelho e não sentir que está tendo porque estava todo mundo com a uma imposição”, reflete. Há ainda muitos unha feita e eu não estava”. padrões impostos, como relembra Cleo – Hoje Cecília se sente muito mais para a mulher negra, a gordinha, a trans, livre, embora tenha dúvidas, como e todas as minorias. Mas para ela, se qualquer mulher. “Não ligo de não sentir bonita é se sentir livre, usar sutiã, e me sinto muito mais à independentemente do que a sociedade vontade quando estou peluda. Eu quer que você seja. acho até bonito tudo peludão.” Para Cecília, uma pessoa é bonita O problema de Cecília Santos, idade, Pelo sim, pelo não quando está se sentindo bonita. “Se estudante de Comunicação, está em eu estou me sentindo bonita, eu vou outro tipo de cabeleira. “Eu ainda não estar usando uma roupa que eu me sinto bem com meus pelos, me sinto quero, é talvez uma coisa mais de muito suja”. segurança, acaba que as outras



pessoas vão me ver também bonita. Se eu ficar muito insegura vou estar corcunda, me escondendo , cabelo no rosto”, descreve. Para ela, beleza vem de dentro, e é muito maior que mera aparência.

que o mais importante pra mim é a forma como eu usufruo desse corpo”, ensina. Para Janete, a beleza está mais ligada ao aspecto vivencial. “Há dias em que eu acho tudo lindo em mim, não importa o que os outros pensem ou digam. Há dias em que nada funcionará e a minha visão de mim pode ficar distorcida”, diz. Muito mais consciente de si, hoje Janete ensina: “A minha beleza geralmente denota conforto. Se estou parecendo bonita é sinal de que estou confortável vivendo sob minha própria pele. Beleza para mim não é mais sobre como eu pareço para os outros. É sobre como eu me sinto”.

Dois pesos duas medidas Janete Helena Resende Souza, de 35 aos, é funcionária pública. Ela relembra sua adolescência, quando tinha a ideia de que seu corpo era o que ela possuía para chamar a atenção. “Aos dezoito me achava gorda e feia. Usei óculos fundo de garrafa por muito tempo.”, conta. E por muito tempo atribuiu tudo o que dava errado com sua aparência. “Fiz dietas malucas, virei rata de academia, até 2005, quando uma depressão me levou à necessidade de tratamento medicamentoso”, explica. Depois disso, Janete perdeu muito peso, passou a usar lentes, e pensava que devia estar se "Beleza é sobre como eu sentindo melhor, me sinto". o que não aconteceu. “Magrela e sem óculos”, narra, “eu não me senti melhor. Precisei reavaliar e reavaliar várias vezes meu conceito sobre beleza. Fui diagnosticada com Transtorno Bipolar aos trinta anos, o que faz minha visão de mim mesma variar conforme meu humor”, afirma. Hoje em dia, Janete consegue controlar os transtornos quanto a sua própria imagem. Quer perder peso, mas não é mais algo essencial, e sim uma questão de “conforto”: “Não me importo tanto em


Que beleza? Com o passar dos anos, os padrões de beleza também vão mudando. Por isso, também, a busca incessante de se "encaixar" pode ser tão frustrante e improduviva. Década de 20 Magras e de sobrancelhas finíssimas, as mulheres quebram de vez com muitos padrões remanescentes do século XIX. Década de 40 Surgem a pin ups, modelos de muitas curvas e cinturas finíssimas. Década de 60 Brigitte Bardot se torna o ícone da época. O bumbum passa a ser o foco da beleza feminina.

Anos 2000 Conviveram pernas longas e finas com seios fartos e uma certa postura blasè.

Década de 70 Dias de hoje A esquálida e quase Embora ainda sejam corpos andrógina modelo magros que predominam nas Twiggy substitui as passarelas e fotos de revistas, a curvas dos últimos 30 beleza aparece de forma cada anos. vez mais natural.. Década de 90 A era das supermodelos trouxe mais diversidade, e personalidade ao que se podia chamar de belo.


Baseado na linha do tempo, conclusão do texto


Janete Sousa, 35, funcionária pública Foto: Arquivo Pessoalt

"Beleza é conforto."


Foto: Fernando Lopes

Cleo Souza, 24, estudante de História

Ensaio 2

"Beleza é liberdade".


Ensaio 3 ­ Suely


Dani da Gama, 36 anos, repórter

Ensaio 4

"Beleza é naturalidade".


Foto: Arquivo Pessoal

"Beleza é autoconfiança"

Cecília Santos, 22, estudante de Jornalismo


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.