Revista Soleira #1

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EMBAIXO DA PORTA "Quando se está na soleira é possível ver os dois lados, tanto de dentro quanto de fora. Este pode ser o lugar de passagem entre dois mundos, como o conhecido e o desconhecido, o imaginário e o real."

Provavelmente você já se encostou no batente da porta e ficou na soleira contando relatos do cotidiano a alguém. Talvez já tenha sentado neste mesmo lugar para contar e ouvir histórias numa reunião de prosa ou só para passar um tempo olhando para o que há além da porta. Parece bobagem, mas a soleira carrega muitas histórias, carrega cultura. E claro, também é nela que damos as boas-vindas às visitas. Então, seja bem-vindo a Revista Soleira, caro leitor! Aqui, trazemos conteúdos culturais brasileiros de forma a promover e celebrar a diversidade que compõe nossa identidade nacional. A Revista Soleira busca as narrativas culturais por trás das coisas, refletindo e identificando elementos folclóricos da cultura popular e mostra aplicações contemporâneas sobre temas atemporais da cultura. Vamos ler esse panorama cultural juntos?


SumÁRiO


CurIoSO bRasIL na Rua

XAdaLU

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resenha 10

A LunETa dO TemPO Matéria principal

DiA do FolClOrE

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trampos br

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contos

AraRUamA, ConTOs Dos ORixÁS "A imITaçÃo dE XarIã" E a "cRiAçãO doS AniMAis"


O que é ser brasileiro? Num país onde nem nós conhecemos a nossa vasta cultura, por vezes, caímos em estereótipos e não chegamos nem perto da resposta para essa pergunta. Aqui traremos a tona curiosidades, origens e histórias por trás desse Curioso Brasil. 6


TEreNA Segundo maior grupo étnico do Mato Grosso do Sul, os índios Terenas têm como língua materna o Aruák e são originários dos Guaná, povo proveniente da região do Chaco Paraguaio que vieram para o Brasil durante o período colonial. Inicialmente eram coletores e caçadores, mas aqui, passaram a se relacionar com novas realidades que influenciaram o seu modo de vida, como ter contato com “não-indígenas”, a expansão pastoril no centro oeste e a Guerra do Paraguai. Hoje, totalizam cerca de 26.065 indígenas e se encontram também na região centro-oeste paulista nas áreas indígenas Araribá, Icatu e Avaí. O resgate ancestral terena é caracterizado por diversos fatores. No artesanato, nas roupas e na pintura corporal há uma escolha de cores que são características para eles: o preto, representando o luto pelo genocídio indígena; o vermelho, o sangue indígena que carregam; e o branco, a paz que buscam. Além disso, quando alcançam algum feito, realizam o Kohixoti-kipaé,, a dança da ema ou dança do bate pau para celebrar com alegria juntos. O Mito de Origem dos Terenas também faz papel importante na tradição. Com ele, fundamentam o comportamento dos membros, dividindo em metades: Xumonó (gozadores, “bravos”) e Sukirikionó (sérios, “mansos”), que ditam aspectos da vida social e cerimonial Terena. Apesar de viverem em reservas, possuem grande grau de integração com a sociedade “não-indígena” que, por ignorância, reage com preconceitos, mascarando a resistência de um povo que luta para manter viva sua cultura. O fato é que os Terena permanecerão Terena em qualquer situação,, já que os padrões socioculturais são dinâmicos e se alteram frente à história da humanidade.


CURIOSO

BRASIL

VIda NO liTOraL: caIÇarA

Até hoje, turistas que buscam o litoral Sul e Sudeste brasileiro como abrigo para as suas férias, entram em contato, sem saber, com uma das mais belas e antigas culturas do Brasil: a tradição caiçara. Início da combinação entre o indígena, os colonos e o negro escravo, os caiçaras são um povo que tenta preservar seus valores de grupo até hoje, vivendo da subsistência da pesca, da agricultura familiar e também do artesanato. Seus costumes se baseiam no uso diverso da mandioca na alimentação, a canoa de voga, a técnica de coivara, o Fandango Caiçara entre outras manifestações culturais que vislumbram o “ser brasileiro”.

De rEPenTE um REpeNtISta... ÁraBE? Popular do Nordeste Brasileiro, o Repente é uma arte brasileira do improviso poético cantado, onde a criação dos versos são “de repente”. Mas você sabia que essa tradição tem influências dos imigrantes árabes do século XIX? A “versão árabe” do repente é o zajal, também um desafio poético baseado no improviso. Como no repente, existem escalas e ritmos árabes que são estruturas fixas. O improviso é feito em cima dessa estrutura e a canção acontece. Apesar de todas as semelhanças, temos diferentes ritmos, as histórias dos repentistas e o humor brasileiro no repente que são únicos.

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"baRrIGa vERde"

Refere-se à estrutura rítmica e à técnica de composição dos versos a partir de uma métrica. Geralmente, o Repente Nordestino tem como base a sextilha (estrofe de 6 versos), sendo os versos redondilhas maiores rimadas no esquema "ABCBDB".

Com a posição de quinto maior país do mundo, designar quem nasce no Brasil apenas como brasileiro não basta. Quem nasce em Santa Catarina é Catarinense, ou então, Barriga Verde. Mas de onde veio esse apelido? A hipótese da origem do termo é que, no século XVIII, os soldados do Regimento de Infantaria de Linha da Ilha usavam uma faixa verde sobre a barriga. Tal batalhão teria sido reconhecido pela bravura nas campanhas do sul. Entretanto, há controvérsias pela falta de registros. Independente da origem do termo, ele é assumido com orgulho pelos catarinenses, culminando até na nomeação da sede do governo de Palácio Barriga Verde.

A cuLtURa dO açAí Parte da cultura da Amazônia e do Pará, o açaí recebe forte atenção da indústria cultural. Ignorando por completo o modo típico de plantá-lo, colhê-lo, transportá-lo e consumi-lo, o açaí recebeu por todo o Brasil um forte fetiche de “sabor exótico”, sendo ressignificado na forma de consumir. Provavelmente você não sabe, mas no norte, o açaí é uma das bases da população ribeirinha, tanto na fonte de renda, quanto na alimentação. Lá, o consumo da polpa é diverso, mas vale ressaltar o acompanhamento com farinha e com caldo de peixe, sendo principalmente um prato salgado.

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NA RUA

XADALU

de porto Alegre ao Mundo No cenário urbano gaúcho e de mais de 60 países, Xadalu é a figura do indiozinho sorridente e de olhos arregalados que estampa adesivos e cartazes, sendo um enigma para muitos. Mas a arte tem uma causa: a sobrevivência indígena.

Criador de Xadalu, Dione Martins procura com seu trabalho conscientizar o público para as questões da causa indígena, da arte de rua e da organização do espaço urbano. “Xadalu é um resgate da cultura Indígena, uma espécie de repovoamento. Para despertar o índio que existe dentro de cada um”, explica Dione.

Xadalu nas ruas de Berlim, Alemanha.

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Xadalu já transpassou as ruas do mundo, chegando a galerias, museus de arte e agora nas páginas do recente livro do autor, “Xadalu - Movimento Urbano” que é traduzido em

português, inglês e guarani. Financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC), o livro conta com um caderno pedagógico infantojuvenil que será empregado na educação de escolas de quatro comunidades indígenas, sendo elas as aldeias Koenju, Pindó Mirim, Nhundy e Pindó Poty.

Dione Martins: a arte e a causa.



RESENHA

A LUNETA DO TEMPO

e o mito do cangaço Estreia de Alceu Valença no cinema, “A Luneta do tempo” é um filme que revisita a mitologia do cangaço e a figura de Lampião, misturando cinema e a linguagem do cordel nordestino.

O enredo do filme A revisitação do personagem Lampião Virgulino é feita pelo ator Irandhir Santos junto à Hermila Guedes, que faz Maria Bonita. O enredo começa com o casal junto ao grupo de cangaceiros na jornada pelo sertão, fugindo dos volantes comandados por Antero Tenente (Aramis Trindade). A trama começa a aparecer quando Antero mata Severo Brilhante (Evair Bahia), cangaceiro de confiança de Lampião. Em paralelo, se desenvolve a história do argelino Nagib Mazola (Ceceu Valença), dono de um circo itinerante, que se envolverá com a história de Antero e Severo, continuando o legado do embate entre as figuras que os representam.

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Filme-cordel O fato de trazer narrativas brasileiras para den- tro do cinema já é louvável. Mas além disso, Alceu Valença subverte a linguagem no cinema, fazendo um “filme-cordel”. “A Luneta do Tempo” é praticamente um grande cordel composto pelos diálogos rimados, cantados e declamados, e pela trilha sonora elaborada pelo próprio Alceu, um dos pontos fortes do filme.

“Gira o mundo, roda a vida Tudo é puro movimento sobe o sol atrás da lua O destino atrás do tempo Roda o carrossel da vida nas voltas do cata-vento Ê, saudade”

O Mito do cangaço Em entrevista à Rolling Stones, Alceu diz: “A Luneta do Tempo não é sobre Lampião, é sobre o cangaço, sobre a mitologia do cangaço.” A metáfora da Luneta nada mais é que a visão de um passado que “se repete”. É como a forma do Mito, uma narrativa com caráter simbólico da realidade. Acontecimentos históricos podem se transformar em mitos, se tiverem uma simbologia relevante a uma cultura, como é o caso da história de Lampião para o brasileiro. “No filme também existe a tragédia, uma coisa grega, e no fim das contas o filme é regional, mas é universal: a conversa vai muito além do cangaço. Tem como ponto de partida o cangaço, mas eu poderia fazer o filme na favela, sobre a luta de traficantes.”, diz Alceu.

Alceu Valença e seu olhar nordestino.

Crítica da Soleira Se você espera linearidade no enredo, é preciso estar com a mente aberta e dedicar toda a sua atenção à obra do autor. O enredo vai costurando histórias de diversos personagens e fazendo uma viagem entre passado, presente e futuro, que, às vezes, se perde pelos cortes bruscos de cena. O longa é cativante e consegue ambientar muito bem o mito com a iconografia do nordeste na fotografia, mostrando a seca infinita, as indumentárias, os facões entre outros elementos simbólicos do sertão. Assim, o filme tem pequenas falhas na narrativa, sim. Mas nada que atrapalhe a experiência visual de conhecer o cangaço e outros elementos da cultura nordestina pelo olhar criativo de Alceu.

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DiA do FolClOrE

Por que a Mitologia Brasileira

nĂŁo atravessa


a infância? Com certeza você já se relacionou com o Folclore Brasileiro. Mas já parou pra pensar em que época isso se deu? Provavelmente na infância, mas e depois? Para celebrar o Dia do Folclore, dia 22 de agosto, falaremos sobre o porquê do interesse por essas narrativas não passar da infância. 15


MárIo dE anDrADe Breve história folclórica do Brasil O Brasil é reconhecido pela sua riqueza cultural e não seria diferente no folclore. O encontro dos povos indígenas com os europeus e os escravos trazidos na colonização gerou uma grande mistura de lendas que por serem transmitidas oralmente, elas assumiram diferentes formas e se transformaram de acordo com a época e o lugar. - Isso não só foi natural e inevitável, como vital para a sobrevivência das lendas se adaptarem a realidade de cada região brasileira. Além da cultura oral, o folclore começou a ser estudado de forma sistemática e introduzido em narrativas literárias só em meados do século XIX. Muito do que conhecemos hoje vem desse momento em diante por causa de autores que foram fundamentais para a popularização dos contos. Dentre eles, temos principalmente Luís da Câmara Cascudo, Mário de Andrade, Ziraldo, Clarice Lispector e claro, Monteiro Lobato com o famoso “Sítio do Picapau Amarelo”. A introdução dessas narrativas por Monteiro Lobato e Ziraldo ao mundo infantil foram essenciais para popularização dos contos. Porém, mesmo com a suavização das lendas, Monteiro Lobato, ainda escreveu alguns contos com uma dose moderada de terror e suspense que não chegaram tanto ao imaginário popular quanto a sua obra máxima.

LuÍs Da cÂMarA CasCUdo

ZirALdo

As lendas brasileiras ainda estão vivas, mas...

ClaRIce liSpECtoR 16


CAPA MonTEirO loBAto

...Por que só associamos a mitologia nacional ao infantil? Sua primeira relação com o folclore brasileiro deve ter sido na infância, mas o cerne da mitologia brasileira está longe de ser “só” para criança. O que acontece é que o quê se propagou na mídia brasileira sobre o nosso folclore foram só histórias de lendas adaptadas para o público infantil e parou por aí. Não foram trabalhadas narrativas que cativassem um público adolescente e adulto, como por exemplo diversos livros, quadrinhos, filmes, jogos e outras mídias exploram nas mitologias que têm seu registro escrito desde os tempos antigos. Assim, é comum que, após uma certa idade, muitos jovens passam a ter mais interesse na mitologia grega e/ou egípicia que o folclore brasileiro. Elas são revisitadas e reimaginadas a todo tempo pela indústria do entretenimento.

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“Agora, pare pra pensar comigo, você acha mesmo que poderia ser mostrado o folclore nacional, em sua complexidade, para crianças? As raízes dos mitos, como eles eram e se comportavam, além dos desenhos, e da série de tv? Se fizéssemos isso, colocaríamos crianças diante do inferno e da morte, de temas sexuais, canibalismo e muitas formas de violência. Pois vou resumir: em uma das histórias de Saci ele é um demônio fugindo do inferno em um dia que o diabo estava fazendo uma festa de forrobodó e os guardas ficaram bêbados, e isso é um relato presente em um livro de Lobato, não direcionado para crianças, claro. A primeira menção a Curupiras é a visão binária de padre Anchieta, onde eles são demônios de grande força física, que espancam os índios que não lhes dão certas oferendas. Isso claro, está ligado à catequese da época, e ao etnocídio nativo, mas eu adoraria ter tido essa informação no ensino médio ou em qualquer fase da adolescência. Vamos falar um pouco sobre a obra de Monteiro Lobato. Peguemos O Saci, um livro que gosto bastante. Vocês já imaginaram ler para crianças um livro onde um saci revela para um menino, Pedrinho, que um dia, ele vai morrer? E Pedrinho fica triste, transtornado, pois se toca do óbvio e da fragilidade da vida. Ele vai morrer. Então o Saci, com certo humor, tenta explicar a vida e a morte de outra forma, dizendo que a vida é uma fada, que uma hora, abandonará seu recipiente, mas que continuaria voando por aí, existindo. No mesmo livro, a Mula Sem Cabeça original era uma rainha que praticava canibalismos num cemitério. Se liguem na frase que vou escrever agora: "A mãe do medo é a incerteza, e o pai do medo é o escuro. Enquanto houver escuro no mundo, haverá medo. E enquanto houver medo, haverá monstros como os que você vai ver." Cara, isso poderia estar sendo dito num livro de religião, ocultismo ou filosofia, mas está num livro infantil e é dito pelo saci a Pedrinho. Mas esses diálogos não foram para a série, lógico."

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Trecho da página do Facebook Mil Mameluco “Sabe Por Que Você Não Gosta De Folclore Brasileiro?”


CAPA Então deveríamos dar menos atenção às lendas para crianças? De forma alguma, muito pelo contrário. Além de introduzir o imaginário da nossa mitologia, as lendas do folclore nacional tem forte caráter simbólico na educação das crianças. Aliás, é importantíssimo dar atenção ao folclore na infância pois é nessa fase que passamos a ter interesse nessas narrativas. O problema é que a visão sobre o que uma criança pode e quer consumir mudou do século XX para o XXI. Assim, podemos observar dois obstáculos no folclore infantil: primeiro, que as adaptações dos contos, em sua maioria, são rasas, perdendo uma boa parte das histórias antes contadas às crianças de gerações passadas, e segundo, que a forma de contar essas histórias não é atualizada.

"Os vários sacis que o imaginário brasileiro pode inVentar."

Evidentemente, é necessário que haja um rearranjo e escolha dos contos segundo o público infantil, mas que também converse com os dias atuais para que se tenha o interesse das crianças. Apenas passar pelo mitos mais clássicos não é o suficiente. Exemplos que tentam entrar na contramão disso são narrativas que trazem os contos menos conhecidos como algo novo, como a animação “Além da Lenda”. O produtor e roteirista da série, Ulisses Brandão, descreve o projeto como uma tentativa de atualizar as lendas na atualidade. Durante as suas pesquisas, ficou surpreso ao descobrir a quantidade de mitos brasileiros, especialmente os que nunca tinha ouvido falar. “Mostra que tem muita coisa a ser explorada ainda”, diz Ulisses ao site Colecionador de Sacis.

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CAPA O Esquecido Folclore Saci, Curupira, Mula Sem Cabeça, Iara, Cuca, Lobisomem, Boto Cor de Rosa, Boitatá e... O que mais mesmo? Diante de uma cultura tão vasta, rica e diversificada, conhecemos poucas lendas de nosso folclore brasileiro. Temos a ingenuidade de acreditar que um país de proporções continentais, que possuía incontáveis culturas nativas e deuses, que foi colonizado por portugueses e esses trouxeram os africanos, se restringe culturalmente a uma quantidade de criaturas que nem completa as duas mãos. Você conhece o Mapinguari? e o Chibamba? Aqui vão diversos nomes de lendas populares para você, leitor, ter uma noção de quão grande é nosso Folclore: Uirapuru, Vaqueiro Misterioso, Barba Ruiva, Cabra Cabriola, Caboclo D’Água, Comadre Fulozinha, Papa Figo, Capelobo, Cobra Norato, Gorjala, Carbúnculo, Anhangá, Negrinho do Pastoreio, Pisadeira, Matinta Pereira, Onça da Mão Torta, Quibungo, Mãe de Ouro entre muitas outras. Este foi só um recorte popular, mas se fossemos falar sobre as lendas das etnias indígenas, afrobrasileiras entre muitas culturas que nos cerca, não teríamos revista suficiente para a lista.

De origem africana, o Chibamba é uma espécie de Bicho Papão que assusta as crianças teimosas. Vestindo folhas de bananeira, esta lenda dança em ritmo compassado e, na adaptação brasileira, ronca como um porco.

Em resumo, se você gosta de mitologia e fantasia, mas não gosta de folclore nacional, considere que, talvez, tenham te informado muito mal sobre essa temática.

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Que trampo! Aqui a Soleira trás para você, leitor, diversos trabalhos independentes brasileiros que merecem a nossa atenção, mas mal aparecem nas mídias. Trampos que compõe nossa identidade nacional dentro do nosso tempo. 22


Os ConTOs Dos ORixÁS - HugO CanUTo As grandes histórias da mitologia Yorubá levadas para o universo dos Quadrinhos por Hugo Canuto. Financiada no Catarse, a HQ "Os Contos dos Orixás" surgiu após grande repercussão nas redes sociais de ilustrações dos deuses Yorubás feitas pelo autor homenageando o estilo clássico do quadrinista Jack Kirby. Para Hugo, as religiões afro são essenciais para a formação da cultura brasileira e precisamos desconstruir preconceitos diante essas narrativas. Contudo, Canuto não está sozinho nessa empreitada. O projeto conta com o colorista Pedro Minho e o arte-finalista Marcelo Kina. "Lá, naquele tempo antigo, deuses e heróis caminharam entre os homens. Lutaram suas batalhas com furor, ensinaram a curar e lidar com a terra,

o ferro e o fogo, reinaram e amaram com a mesma intensidade. Alguns desceram do luminoso Orum para realizar os destinos, outros nasceram no Ayê e por seus feitos foram elevados a Orixás. E assim marcaram para sempre a história de dois continentes. "

Hugo Canuto é ilustrador, quadrinista e procura expressar a relação entre arte e mitologia de muitas maneiras.


AraRUamA - iAn FraSEr Embarque em uma nova experiência de literatura fantástica brasileira de Ian Fraser, “Araruama - O Livro das Sementes”. Também financiado no Catarse, o autor traz uma narrativa fictícia nos moldes de J. R. R. Tolkien, mas com uma pegada brasileira de Ian Fraser. "Elfos? Anões? Aventura com capa e espada? Não aqui. Em Araruama, você irá encontrar outros tipos de seres fantásticos, todos inspirados nas culturas e mitologias dos povos sul e mesoamericanos. Mapinguarís, Quetzalcoatl, Anhanguëras, entre outros, permeiam esse universo singular. Nessa reimaginação da América do Sul, ao olhar para os céus, dependendo de sua sorte (ou azar), você não verá dragões, mas poderá encontrar Aráybaca, a gigantesca arara azul, e do chão, dos abismos mais escuros da terra, o Taturanaruxu pode emergir." Em “O Livro das Sementes”, o primeiro volume da série, o leitor é transportado para uma realidade dura e encantada, onde as palavras são magia, a floresta é o mundo, e forças determinam o equilíbrio da Ibi, a terra. A harmonia se baseia nas regras dos deuses, onde morte e vida, caça e caçador convivem até que a luz se apague. Mas este ciclo tão familiar pode estar com os dias contados, pois sobre a Ibi se espalha um sentimento novo e incômodo: uma “fome sem apetite”, uma paixão pelas pedras derretidas. É o anúncio de que tempos sombrios estão por vir, sob formas nunca vistas antes— e os destinos das crianças de Araruama estão tão entrelaçados como raízes retorcidas.

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TRAMPOS Um mundo completamente novo, repleto de segredos e mistérios, aguarda por você. Com oito ilustrações do artista Paulo Torinno e a edição da Editora Moinhos Moinhos, a saga Araruama é uma experiência como você nunca leu. Aproximadamente 250 páginas.

Ian Fraser é um escritor apaixonado pelas narrativas de ficção, autor do premiado livro "O Sangue é Agreste".

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ImiTAçõES de XArià Nhanderu, em um passado distante, decidiu fazer um ajaka ("cesto trançado") para ser produzido e usado pelos Guarani. Ao fazê-lo aplicou-lhe desenhos na trama do trançado com motivos bem simples. Xariã, seu irmão mais velho, tentou imitá-lo, mas em vez de motivos criar motivos simples no trançado, fez vários desenhos complexos, copiando manchas da pele dos animais. Xariã ficou muito feliz com o que fez, mas quando Nhanderu viu, ficou muito irritado por ver sua criação deturpada. Num acesso de fúria, Nhanderu toma seu arco e golpeia o cesto uma vez; desta ação teve origem Guyrapa Rete ("corpo de arco", isto é, o homem); tomando uma taquara, ele golpeia o cesto pela segunda vez, dando origem, então, a Ajaka Rete ("corpo de cesto", ou seja, a mulher). Por fim, lançou um raio no jeguaka ("cocar") de Xariã. Ele correu para espantar o fogo que destruía seu jeguaka, e enquanto corria as cinzas que saíam das chamas transformaram-se em insetos que até hoje picam e incomodam os homens, porque tudo que vem de Xariã serve para provocar as pessoas. Essas formas de cestaria foram herdadas pelos Guarani, sendo produzidas atualmente por estes para certos usos: a cesta de Nhanderu para o autoconsumo e a cesta de Xariã para o artesanato e a venda.


A CriAÇãO dOS Em tempos imemoriais, um grande dilúvio cobriu toda a terra. Somente o cume da Serra de Krinjinjimbé se sobressaía das águas diluviais. Índios de diversas tribos nadavam em direção desse limitado pedaço de terra. Os Kaiurucré e os Kamé se cansaram de nadar, afundaram e morreram, fazendo suas almas habitarem o interior da montanha. Os Kaingang e uns poucos Curutons conseguiram alcançar a terra. Alguns permaneceram no chão, outros se refugiaram em árvores por que não encontraram mais lugar. Estavam prontos para morrer quando ouviram o canto das saracuras, que traziam pequenos cestinhos de terra e o depositavam sobre as águas, que começaram a recuar lentamente. Os Kaingang pediram às saracuras que se apressassem, e essas chamaram pela ajuda dos patos. Logo, as aves conseguiram formar uma planície espaçosa, que dava espaço suficiente para os Kaingang, com exceção daqueles que se refugiaram nas árvores. Estes se transformaram em macacos, e os Curutons em macacos urradores. Terminada a grande inundação, os Kaingang se estabeleceram nas proximidades da Serra do Mar. Do interior da montanha, as almas dos Kamé e dos Kaiurucré abriram caminho e saíram, criando nascentes de rios. Na noite em que saíram da montanha, acenderam fogo e Kaiurucré, usando cinzas e carvão, deu forma às onças e lhes disse que saíssem à caça de homens e animais. Não havendo mais carvão para pintar, fez de cinzas as antas e as ordenou que caçassem. As antas, não tendo ouvido a ordem corretamente, perguntaram o que deveriam fazer. Kaiurucré, que já estava ocupado criando outro animal, disse-lhes que se alimentassem de plantas.

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anIMaIs

CONTOS

Quando o sol estava para nascer, Kaiurucré ainda não tinha terminado sua nova criação, faltando lhes colocar os dentes, a língua e as garras. Com suas forças diminuindo por causa da luz do sol, deu-lhes uma vara na boca e disse que se alimentassem de formigas. Por isso os tamanduás são animais inacabados e imperfeitos. Em outras noites, Kaiurucré fez diversos outros animais, incluindo as abelhas. Kamé, por outro lado, fazia seus próprios animais para que combatessem as criaturas de Kaiurucré. Fez os leões, as cobras venenosas e as vespas. Terminando seu trabalho, ambos se uniram e foram se juntar aos Kaingang. Kaiurucré percebeu que as onças eram muito ferozes e devoravam muita gente. Atirou-as a um rio profundo para que se afogassem. As onças urraram e mostraram seus dentes, e Kaiurucré, com medo, deixou que voltassem à terra. Por isso elas podem viver tanto na água quanto na terra. Ao chegarem nas planícies próximas da Serra do Mar, os povos se uniram e casaram seus filhos entre si. Por isso os Kaingang, os Kamé e os Kaiurucré são parentes e amigos.

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Referências Curioso Brasil: “Araci Cultura Indígena”, “PIB Socioambiental”, “Costa Brasilis”, “FundArt”, “MARIUZZO, Patrícia. Riqueza cultural e capacidade de adaptação são suas marcas.”, “Estados e Capitais do Brasil”, “A INDÚSTRIA CULTURAL E O AÇAÍ: ALIENAÇÃO, REIFICAÇÃO E FETICHISMO NA AMAZÔNIA”, “Jornal SP Norte”, “Wikipedia”. Na Rua: “ZH Entretenimento”, “G1”. Resenha: “Alceu Valença – Site”, “Folha de S. Paulo”, “Rolling Stone”, “Cinemascope”. Matéria Principal: “Mil Mameluco”, “Colecionador de Sacis”, “CASCUDO, Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro e Geografia dos Mitos Brasileiros”, “FRANCHINI, A. S. AS 100 MELHORES LENDAS DO FOLCLORE BRASILEIRO”, "Obvious Mag". Trampos: “Catarse”, “Mapinguanerd”, “Contos dos Orixás e Araruama - Facebook”. Contos: “TEMPASS, Martin César. "Quanto mais doce, melhor": um estudo antropológico das práticas alimentares da doce sociedade Mbyá-Guarani.“, “COMIN. Mitos Kaingang. COMIN: Conselho de Missão entre Povos Indígenas”, “SILVA, Sergio Baptista da. Etnoarqueologia dos Grafismos 'Kaingang': um modelo para a compreensão das sociedades Proto-Jê meridionais.".

Idealizador Daniel Batista Ilustrações

Daniel Batista Capa, poster e pág. 29

Gustavo Paulino Guardas, poster, matéria principal e págs. 30 e 31

Orientação

Cássia Carrara Projeto III

Caroline Gomes Produção Gráfica IV

Esta publicação foi realizada para as disciplinas do Curso de Design da UNESP-Bauru e não tem caráter comercial.








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