A QUEM INTERESSA A MINHA IMAGEM?

Page 1

para reflexão

A QUEM INTERESSA a MINHA IMAGEM? A exposição à mídia dos irmãos Anderson e Émerson e a decisão judicial contra o estado

MARIA ALLINY TORRES

O

ano era 2012. E eu era uma garota cheia de sonhos. Eu não sabia exatamente o que eu queria ser no futuro. Mas eu sabia, com todas as minhas forças, o que eu não queria ser. Concluí o meu ensino médio em um colégio particular e prestei vestibular para várias universidades, tanto federais como privadas. O curso? Jornalismo. Como vocês já devem saber. E acreditem, naquela época, eu tinha a certeza que o jornalismo era uma das ferramentas mais valiosas para colaborar com a formação social de um mundo mais justo e igua-

litário. Fui aprovada na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), e em 2013, dei início a uma graduação que me ensinou muito mais do que as teorias da comunicação. Me ensinou a ser gente. E quando eu falo sobre gente, gente de verdade, eu passo a me recordar de tanta gente que me fez perceber que por trás de um bloco de papel e de uma caneta, existe um ser humano, que em muitas vezes, vai dormir pensando no que viu durante o dia. Nos entrevistados, nas cenas, pensando nas perguntas que deveria ter

feito e nas que fez. Pensando nos rostos. Durante a minha graduação, logo no segundo ano, comecei a ter a vivência na prática do que seria ser jornalista. Iniciei o meu estágio em uma redação de jornal online e a partir de então, comecei a ter a experiência de lidar com prazos, entrevistas, pautas, e entre muitas coisas, algo que acontecia quase que diariamente, as coletivas de imprensa promovidas pela Secretaria de Segurança Pública do estado de Alagoas (SSP/AL). E foi, na minha primeira vez estando pre-

sente em uma coletiva de imprensa na SSP, que eu tive a certeza sobre o que eu queria ser. E eu não estou falando sobre ser jornalista de assuntos policiais. E sim, de ser alguém, que muito além da profissão, não se acostumaria com a opressão que o sistema causa sobre uma parcela da nossa sociedade. s pessoas presas eram apresentadas como objetos para os jornalistas que ali estavam presentes. Mas não eram apresentações consentidas. Os presos, em sua maioria homens, entre 18 e 30 anos, negros e per-

A

1


tencentes a bairros periféricos, eram arrastados para a frente das câmeras, algemados, e sem dignidade alguma. Esses homens, ao cometerem crimes, são presos em flagrante ou com mandatos judiciais. Mas aqui em Alagoas, como em diversos outros estados do Brasil, antes mesmo do preso ir para o presídio, eles passavam pela coletiva de imprensa, e naquele momento, teriam o julgamento iniciado. m nome de um suposto combate à criminalidade, o Estado, que deveria ser o primeiro a prezar pela Constituição Federal, é na verdade, o primeiro a desacatá-la. E por quê? Porque o estado quer mostrar que está resolvendo os crimes que aterrorizam a população. E para mostrar que o trabalho está sendo feito, nada mais fácil do que divulgar em jornais que chegam ao alcance de inúmeras pessoas que passariam a replicar a informação. E o jornal, por sua vez, passou a se apropriar dessa prática de expor os presos. Quando há imagens, há um maior interesse na matéria. Quando há rostos, há curiosidade. Cometeu que crime? Quantos anos tinha? Como a polícia chegou até o suspeito? Eram algumas das perguntas feitas pelos profissionais da imprensa à cúpula da segurança. “Tragam os presos”, essa frase sempre era

E

2

dita em algum momento. E essa era a frase que eu mais temia. ão dava, em hipótese alguma, para considerar que aquilo era algo correto, legal perante a Constituição. Eu não entendia. Como aquelas pessoas eram expostas antes de ao menos terem sido julgadas? Por que deveríamos acreditar que tinha sido aquela pessoa de fato que cometeu o crime em questão? Então quer dizer que é a palavra da polícia contra a de um suspeito? Sim! E do mesmo modo que a polícia tinha e sempre terá voz, essas pessoas presas também deveriam ter. Mas o que acontecia, era que, em muitas vezes, eles ficavam calados. Os presos se silenciavam. Quem cala consente? Nem sempre. Talvez eles acreditassem que não tinham voz, que não seriam escutados, que ninguém os levariam em consideração. “Vocês acham mesmo que é certo fazer isso? Tirar fotos dessas pessoas e colocar na matéria? E se ficar comprovado a inocência, como será a vida dele após isso?”. Eram essas as perguntas que eu fazia quase que semanalmente para os meus colegas jornalistas em cada apresentação de presos na SSP. E a reposta geralmente era a mesma “Sempre foi assim”. E eu não conseguia parar de pensar que, por trás de cada imagem

N

daquela, tinha um ser humano que possuía direitos. Direitos esses que começavam a ser negados antes mesmo de entrarem na prisão. O direito à imagem e a presunção de inocência eram retirados ali, naquele momento em que eram expostos. E se essa pessoa fosse inocente? E se, mesmo culpada, como ela conseguiria voltar ao convívio social com a sua imagem como criminoso rondando a sua caminhada por onde passasse? Eu não quis ser cúmplice disso. Pedi demissão do jornal em que trabalhava e não mais voltei para uma redação. Continuei minha trajetória no jornalismo e em 2016, acompanhei o caso dos irmãos Anderson e Émerson. E foi a partir daí, que a história começou a ser escrita de outra forma e enfim, a esperança por um estado mais justo reapareceu.

I O CASO

N

o dia 20 de setembro de 2016, o professor da Universidade Federal de Alagoas do Campus A.C Simões, doutor em química e com uma personalidade tímida, segundo os seus alunos da época, não compareceu à aula que teria que ministrar naquele dia. Daniel Thiele teria saído de sua residência em seu veículo, no bairro da Pajuçara, e a partir de então, não

foi mais visto. Com vida. Alunos e amigos iniciaram as buscas pelo professor, que era natural do estado do Rio Grande do Sul, e morava sozinho em Maceió. A Polícia Civil foi informada do desaparecimento, e as investigações tiveram início. delegado responsável pelo caso, foi Filipe Caldas, da Seção Antissequestro da Divisão Especial de Investigação e Capturas (Deic) da Polícia Civil. Ao relembrar o ocorrido na época e a linha de investigação que os agentes seguiram para encontrar o professor desaparecido, Filipe afirma que após os primeiros depoimentos de pessoas que conviviam próximo a Thiele, a hipótese de sequestro foi a primeira a ser descartada. Dezessete dias após o início das buscas, o carro que pertencia ao professor foi encontrado em uma mata que fica localizada entre os municípios de Rio Largo e Pilar. Naquele dia, 6 de outubro, dentro do carro encontrado, havia o corpo de Daniel Thiele carbonizado. Naquele mesmo dia, duas pessoas foram presas suspeitas de terem cometido o crime. Eram dois irmãos, Anderson Leandro Palmeira e Émerson Palmeira da Silva. “No decorrer das investigações, solicitamos a quebra do sigilo telefônico do número que pertencia ao Daniel Thiele. A partir disso, foi constatado que

O


havia partido duas ligações do número já após o desaparecimento da vítima. Com as evidências que tínhamos, a linha de investigação passou a ser de latrocínio e crime passional. Foi emitido o mandado de busca e apreensão seguido com o mandado de prisão temporária das três pessoas envolvidas nas ligações”, explica o delegado. o mesmo dia em que foram presos, os irmãos Anderson Leandro e Émerson Palmeira foram apresentados em uma coletiva de imprensa promovida pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de

N

Alagoas (SSP/AL), com a presença de jornalistas dos veículos de comunicação. A terceira pessoa que, segundo as investigações da época, também teria participação no crime, não foi presa por não ter sido encontrada em Alagoas, estava em viagem fora do estado. Filipe Caldas afirma que as prisões foram realizadas afim de investigação, pois os registros telefônicos eram as únicas pistas de uma possível ligação entre a vítima e os suspeitos. O crime foi considerado com a hipótese de passional, porque a terceira pessoa, que não teve o seu nome divulga-

do na época – e que essa reportagem também não irá expô-la por acreditar não haver a necessidade, já que a inocência foi comprovada - pertencia ao mesmo ciclo social do professor Daniel Thiele, sendo também professor. urante a coletiva de imprensa, que ocorreu na sede da Secretaria de Segurança Pública, os irmãos foram apresentados para a imprensa algemados, em lágrimas, onde afirmavam que eram inocentes. Na ocasião, estava presente, além do delegado que investigava o caso, o secretário da SSP, Lima Júnior; a reitora da UFAL, Valé-

D

ria Correia; o irmão da vítima, Marcelo Thiele e agentes policiais. No momento da apresentação, com a presença dos suspeitos, as autoridades informaram aos jornalistas que o professor teria sido sufocado e em seguida, teria tido o carro e o corpo carbonizados, e que chegaram até os irmãos, a partir das ligações realizadas com o chip do professor. Inocentes. Eram como os irmãos se consideravam. E afirmavam repetidas vezes durante a coletiva que assumiam as ligações, mas que não sabiam nem quem era o professor e que tinham

3


como provar que eram inocentes. Eles ficaram presos, do dia 6 de outubro até o dia 11 do mesmo mês. Cinco dias. Cinco dias necessários para que a defesa junto com os familiares provasse a inocência dos irmãos. “Eles foram presos em uma terça-feira e no mesmo dia foram apresentados à imprensa. Como advogada, busquei entender a linha de investigação que a polícia estava fazendo. Quando tive o primeiro contato com a família, conversei com a mãe deles, ali já pude perceber que eles eram inocentes. Fui na delegacia conversar com eles, e na hora que eles me explicaram a situação, eu vi que eles não tinham nada a ver, que eles realmente eram inocentes e estavam surpresos com tudo que tinha acontecido”, argumenta a advogada de defesa contratada na época pela família dos irmãos, Claudia Xavier. o mesmo dia em que os irmãos foram presos, os seus familiares realizaram um protesto em frente à delegacia, alegando que as prisões eram injustas e que tinham como provar que Anderson e Émerson eram pessoas honestas, sem envolvimento no crime em questão. A advogada, ao lembrar como foi feita a defesa, relata como a família realmente lutou para provar a inocência de ambos, e que fizeram um trabalho próprio de investigação.

N

4

“A

família trabalhou muito para provar a inocência deles, foram peças fundamentais. Foram atrás de testemunhas, foram ao trabalho deles e tiveram acesso as filmagens que comprovaram que no horário do suposto desaparecimento do professor um dos irmãos estava trabalhando. A própria família conseguiu a filmagem da empresa, conseguimos testemunhas que estavam almoçando no mesmo local. E a inocência ficou comprovada”, explica a advogada ressaltando que, em depoimento, Émerson assumiu que havia achado o chip da vítima na rua, e ao ver que tinha crédito, realizou as ligações. Ao analisar todas as provas apresentadas pela advogada, o próprio delegado Filipe Caldas e o Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE/ AL) emitiram pareceres a favor da liberdade dos irmãos, que foi constatado e determinado a soltura pelo juiz substituto da 9ª Vara Criminal, Mauro Baldini. Após seis dias presos, Émerson e Anderson foram soltos. No dia 11 de outubro, saíram da delegacia com a presença dos filhos, esposas, da mãe, vizinhos. Saíram da delegacia após uma prisão temporária, em que foi confirmada que não havia envolvimento no crime, após as provas adquiridas pela própria família. No momento da

saída, não houve uma nova coletiva de imprensa por parte da segurança pública para retratar a exposição que eles sofreram como sendo suspeitos. Segundo a advogada, os irmãos precisaram ter acompanhamento psicológico e demoraram para voltar ao convívio social. Demoraram para voltar ao trabalho, para entenderem que como inocentes, eles não precisavam andar de cabeça baixa. Eles sofreram, ao ver suas fotos nos jornais, que se encontram disponíveis até hoje, sendo apresentados como criminosos, suspeitos de um crime que chocou a sociedade na época. O crime vai completar dois anos, e os irmãos continuam tendo pesadelos com o ocorrido, e lembram das câmeras apontadas para eles e os sussurros das perguntas se eles tinham executado o professor. Eles foram procurados por esta reportagem, mas não quiseram gravar entrevista, pois “o sofrimento ainda é presente e doloroso”, salientou um dos injustiçados. o dia 22 de novembro daquele mesmo ano, quatro homens suspeitos pela morte do professor foram presos. Segundo a versão oficial da SSP na época, os suspeitos eram integrantes de um grupo criminoso que praticava assaltos, tráfico de drogas e outros crimes em Maceió. Dessa vez, o delegado Filipe Caldas concluiu que, de

N

acordo com as investigações, Daniel Thiele teria sido morto após reagir a abordagem. s investigações continuaram e localizamos o jogo de rodas do carro do professor e o celular que pertencia a ele. A partir daí encontramos os vendedores, que são os acusados. A quadrilha havia seguido o professor até uma área mais isolada, onde anunciaram o assalto e o levaram para a mata. Mataram o professor, retiraram o jogo de rodas do carro e roubaram o celular da vítima. Após isso, carbonizaram o carro e fugiram”, diz o delegado. Caldas ainda afirma que, no trajeto de fuga dos suspeitos, que estavam de posse do celular, eles retiraram o chip do aparelho e jogaram na rua. Chip este que foi encontrado por um dos irmãos, que colocou o chip em seu próprio telefone, e realizou as ligações, resultando na prisão temporária. “ Te r m i n a m o s então a investigação policial, prendendo os suspeitos e concluindo que Daniel Thiele foi vítima de latrocínio”, ressalta o delegado. Os quatro homens foram apresentados à mídia e tiverem suas identidades reveladas em uma nova coletiva de imprensa promovida pela SSP, no dia 22 de novembro de 2016. Em dezembro, um quinto homem suspeito de participação

“A


no crime também foi pre- sim, a prática recorrente so. que ocorria em Alagoas da SSP convocar coletivas de imprensa para divulII gar o trabalho que estava A AÇÃO DA sendo realizado e expor o DEFENSORIA PÚBLICA resultado final das operações policiais: os presos. ano ainda é 2016. O A Constituição desfecho do caso do não era respeitada. A desaparecimento do presunção à inocência da professor já havia sido pessoa presa era ignoraapresentado para a so- da. O direito a imagem ciedade. Cinco homens não existia. As pessoas foram presos pela polícia eram expostas para os civil acusados de come- jornalistas, que as filmaterem o crime. Em um vam e tiravam fotos sem espaço de tempo de três nenhuma autorização meses, desde o início das prévia daqueles que eram investigações até a sua tratados como objetos. conclusão, a Secretaria de Durante muitos anos, Segurança Pública pro- essa era a forma do estamoveu três coletivas de do mostrar para a socieimprensa para a apresen- dade como estava combatação daqueles que eram, tendo a criminalidade em segundo a polícia, autores Alagoas. da morte do professor. té que, em março Mas a primeira coletiva, de 2017, baseado apresentou dois homens na história dos irinocentes, trabalhadores, mãos Anderson Leandro com residência fixa e fi- e Émerson Palmeira, a lhos para criar. Defensoria Pública do Culpados ou ino- Estado de Alagoas, por centes. Em ambos os ca- meio do Núcleo de Direisos, as apresentações das tos Coletivos e humanos, pessoas presas não po- ajuizou uma ação civil deriam ser realizadas, é pública contra o estado o que diz a Constituição de Alagoas, com o propóFederal de 1988 no artigo sito de impedir que mais 5º, especificamente nos coletivas com o caráter de parágrafos que trata da apresentação de pessoas presunção à inocência: presas continuassem a “São invioláveis a inti- acontecer. midade, a vida privada, O autor da ação, a honra e a imagem das o defensor público Othopessoas, assegurando o niel Pinheiro, relembra direito à indenização pelo a estratégia montada na dano material ou moral época para que a ação tidecorrente de sua viola- vesse êxito. ção”. E isso não se refere “Foi preciso ter apenas a este caso que uma estratégia para atinestá sendo exemplificado gir o objetivo, no que diz nesta reportagem, mas respeito a hora, como uti-

O

A

lizar a ação, qual é o dia, contra quem ajuizar essa ação. Então a minha primeira decisão foi que não iria ajuizar a ação contra os veículos de comunicação, porque eu teria que entrar contra vários veículos de comunicação, ou seja, demandaria uma batalha muito maior, muitos advogados, muita gente querendo recorrer. Então decidi entrar com uma ação contra o estado. O estado de Alagoas que é o que combate a criminalidade, é a quem pertence a polícia, porque toda essa violação da imagem, da presunção de inocência, ela parte do próprio estado. A imprensa estar ali apenas ao redor”, explicou o defensor. Othoniel ressalta ainda que, o objetivo da ação era impedir que o estado não mais apresentasse os presos à imprensa, que fosse respeitado à sua intimidade. “O que queríamos era que não fosse mais feito aquele show de apresentação, em que o delegado deixava o preso disponível para os veículos de comunicação. Prendeu o suspeito, em flagrante ou por ordem judicial, vai para a cela e pronto. Como manda a lei”. ogo após o acontecido com os irmãos, ainda em novembro de 2017, o defensor público enviou um ofício destinado à SSP, solicitando esclarecimentos sobre a necessidade da realização das coletivas de imprensa com a exposição

L

indevida dos presos a mídia. Segundo Othoniel, o ofício não foi respondido, e a partir de então, o trabalho para a ação ser concretizada começou a ser feita com o intuito de impedir que esta prática inconstitucional continuasse em Alagoas. Na ação civil pública apresentada pela defensoria, constava a interpretação de que o direito que está sendo protegido é o direito crucial, que foi baseado em dois fundamentos. O primeiro, que é o direito à imagem, um direito de caráter individual, e que o estado e os veículos de comunicação não podem violar. O segundo está baseado na presunção de inocência. as apresentações que a secretaria de segurança pública fazia, que as delegacias faziam, era negado o princípio da presunção de inocência, porque eles ali eram apresentados como culpados, estigmatizados perante a sociedade, eles perdiam emprego, moralmente degradados em nome de uma suposta liberdade de imprensa, em nome de um suposto combate à criminalidade por parte do estado”, relata Othoniel. O Código Penal Brasileiro, assim como a Constituição Federal, explica de maneira explicita que a perda da liberdade é o único direito que será negado à pessoa presa. De acordo com o texto constitucional, todos os outros direitos devem

“N

5


ser preservados. Então, a partir do momento em que o indivíduo tem a sua imagem exposta como o autor de algum crime praticado, a sua presunção de culpa já é embutida e o seu julgamento social já tem início antes mesmo de ser levado à justiça. ntão o estado dizia que estava combatendo a criminalidade, e apresentava a imagem dos presos na televisão, com a desculpa de que com isso outras pessoas que poderiam ter sido vítima aparecer e ajudar nas investigações, para ajudar a capturar mais criminosos. Então essa justificativa por parte da secretaria de segurança pública e das delegacias para o combate à criminalidade, nós denominamos como instrumentalização da pessoa humana”. A instrumentalização da pessoa humana, em que o defensor público diz respeito, é a prática de violar direitos de um determinado indivíduo em razão dos direitos de outras pessoas. Neste caso que está sendo discutido, é relativizar o direito à imagem, a garantia a presunção de inocência, em nome do combate a criminalidade. “O estado quer combater a criminalidade então por isso ele viola o direito de uma pessoa. Isso não é permitido. Todas às vezes, em nossa história, que aconteceu violação de direitos em nome de um objeti-

“E

6

vo estatal, a tragédia foi anunciada”. thoniel relembra que, na época em que solicitou à justiça a proibição das coletivas de imprensa, foi bastante questionado se essa seria uma forma de promover a censura do jornalismo. Em contrapartida, ele explica que o jornalismo não tem liberdade absoluta, que deve respeitar a constituição e os direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana e acredita que há muito o que avançar culturalmente. “A gente conseguiu colocar o dedo na ferida de um processo histórico que já vinha a muito tempo, a gente conseguiu derrubar uma prática que já vinha a décadas sendo perpetuadas na imprensa alagoana e brasileira. Ainda temos muito o que avançar culturalmente, em uma sociedade onde a gente pode amadurecer a questão do desenvolvimento do próprio jornalismo levando em consideração o seu conteúdo”, concluiu.

O

III A DECISÃO JUDICIAL

“P

roteção contra qualquer forma de sensacionalismo”, é o que diz o artigo 41, inciso 8º da Lei de Execução Penal, de 1984. “O preso não será constrangido a participar, ativa ou passivamente, de ato de divulgação de in-

formações aos meios de comunicação social, especialmente no que tange à sua exposição compulsória à fotografia ou filmagem”, reforça ainda o artigo 47 da resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, de 1994, que determina regras para o tratamento de presos em todo o território brasileiro.

O

s direitos das pessoas presas já são garantidos por lei, mas o ano é 2017, e precisou que um juiz determinasse judicialmente que o estado cumprisse o que a lei manda. No dia 22 de março, mesmo mês em que a defensoria pública ingressou com a ação cível pública, o juiz Alberto Jorge Correia, titular da 17ª Vara da Comarca de


Maceió, acatou o pedido e ordenou que os agentes públicos não mais tivessem participação na exposição involuntária dos presos aos veículos de comunicação, onde colaboravam para a produção de conteúdo sensacionalista e inconstitucional. No Teor do Ato da ação, disponibilizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas

(TJ/AL) a esta reportagem, o juiz explica que: “Não é possível, entretanto, aos agentes públicos, a utilização da pessoa presa para exploração sensacionalista. Nesta hipótese há, mesmo, o perigo de acordos espúrios entre agentes públicos e os meios de comunicação para produção de “matérias jornalísticas”. Bem como, há a possibilidade que as empresas

privadas (v.g. TVs, rádios, jornais, entre outros meios e mídias eletrônicas) valham-se do instrumental público (veículos, ações etc) e dos agentes públicos (v.g. policiais) para interesse dos seus negócios privados. De nenhum modo o Juízo está afirmando a ocorrência destes fatos, porém advertindo para o perigo da sua possibilidade, sendo certo, aqui, a ne-

cessária separação entre o público e o privado. 8. Por fim, há de ficar consignado que os agentes públicos não podem cercear, de modo algum, a liberdade de imprensa. Fotos, vídeos, divulgação de nomes podem ser produzidas livremente pelos meios de comunicação, observada as restrições legais e a responsabilidade destes veículos. O que não é possível

7


é a colaboração dos agentes públicos com os meios de comunicação para a exposição involuntária e sensacionalista de presos que sequer tiveram suas culpas formadas”.(SIC) ão quer dizer que a imprensa não possa fotografar, que não possa revelar o nome. Não quer dizer que a imprensa deixe de ter o seu direito a informação para repassar aos indivíduos que constituem a sociedade. Mas existem os limites. O que está sendo esclarecido na decisão, que já consta na própria lei, é que as autoridades públicas não podem expor os presos como um troféu, não pode utilizar da pessoa deles para produzir sensacionalismo, atos de heroísmo, não pode colocá-los para que a imprensa os fotografem sem um consentimento prévio. “A autoridade não pode colocar o preso em um determinado lugar exposto a tudo e a todos, isso não é possível. Repórteres que entram em carros e helicópteros da polícia para fazer ações sensacionalistas. Isso não é permitido. Por quê? Porque o poder público não está autorizado a esse tipo de coisa, e o contribuinte quando paga seus impostos, quando paga os juízes, os promotores, os policiais, a todos os agentes públicos, evidentemente os pagam para que eles hajam estritamente dentro da lei, é isso que se espera dos agentes

N

8

públicos”, explica o juiz Alberto Jorge em entrevista a esta reportagem. Em se tratando de direitos, o juiz salienta ainda que não há direito absoluto, e que eles podem ser relativizados diante da necessidade de outras pessoas. Neste caso em questão, o direito a imagem em situações raras pode ser violado, em nome do exercício de outros direitos, não em nome do poder da atividade investigatória do estado, segundo o juiz: “isso está fora de questão. Não pode haver relativização de direitos em nome de interesses puramente do estado”. o entanto, não há qualquer problema na divulgação escorreita de fatos imputados, nomes, fotografias e/ou atributos físicos dos presos para fins de instrução prévia ou definitiva, para informações de inteligência entre as polícias, por requisição judicial ou do Ministério Público, entre vários outros casos em que o interesse social exigir e estiver contemplado nas normas legais vigentes”, diz o Teor da Decisão, no que se refere a utilização da imagem dos presos em caráter de investigação, apenas por agentes policiais, sem a exposição dessa imagem à sociedade. Ao ser questionado se a decisão judicial poderia ser interpretada como uma censura à imprensa, o juiz ressaltou que, o que aconteceu com

“N

os irmãos Émerson Palmeira e Anderson Leandro, foi apenas um caso em meio a tantos outros em que, diferentemente do que aconteceu com eles, não há a divulgação de que a pessoa que foi exposta como suspeita, na verdade, era inocente. imagem do preso deve ser preservada. A divulgação da imagem dessas pessoas só reflete em consequências para ela mesma, prejudicando a sua ressocialização no meio social e danificando a sua honra e moral perante a sociedade”. Alberto Jorge continua ressaltando que, “do mesmo modo em que a imprensa pode prejudicar, ela também pode colaborar. Do mesmo modo que cobrou das autoridades um desfecho para o crime cometido contra o professor, divulgou a imagem dos irmãos como sendo os suspeitos. Imagens essas que estão disponíveis até hoje na internet, etc” De acordo com o teor da decisão, ficou determinado que, o superior da secretaria de segurança pública, e, respectivamente, o delegado-geral da Polícia Civil e o comandante da Polícia Militar, instruíssem os demais agentes de segurança do estado, a cumprir com as regras da lei e a não mais expor os presos involuntariamente aos veículos de comunicação, os obrigando a mostrar o rosto e a prestar declarações.

“A

Em caso de descumprimento da decisão, o juiz determinou que fosse aberto um processo administrativo disciplinar contra o agente o público que desobedecer, e terá fixo multa diária de R$ 1.000,00 para cada autoridade citada. Até a elaboração desta reportagem, a decisão judicial ainda estava em vigor.

IV A COBERTURA JORNALÍSTICA

E

ra 27 de setembro de 2016, e naquele dia, ainda no período da manhã, os principais jornais online de Alagoas começaram a divulgar o desaparecimento de uma pessoa. Mas não era qualquer pessoa desaparecida. Era um professor da Universidade Federal, com o título de doutor em química e respeitado dentro da academia. Na época, os jornais tomaram ciência do desaparecimento do professor após a assessoria de comunicação da universidade divulgar uma nota informando sobre o sumiço. Alunos e professores começaram a divulgação em redes sociais e a notícia foi se espalhando e ganhando notabilidade por despertar na população a curiosidade de saber onde o professor estava. O dia-a-dia de uma redação de jornal


não é um dos ambientes mais tranquilos de trabalho. O tempo, muitas vezes, é o melhor amigo ou o maior inimigo de um jornalista. Quando um fato acontece, naquele momento, é levada em consideração a sua relevância para a sociedade e a partir daí é decidido, entre aqueles que estão no comando do jornal, se vai ser divulgado ou não. nde há mortes, há jornalistas”, é o que diz o Nelson

“O

O

s dias foram passando, a comunidade acadêmica insistindo em encontrar o professor com vida, a imprensa preparada para fazer o desfecho da história, não se sabia ainda se o professor estava vivo. O delegado responsável pelo caso, Filipe Caldas, prestava entrevistas esclarecendo que as investigações estavam em andamento. En-

Traquina, o grande jornalista estudioso da comunicação da atualidade, em seu livro “Teoria do Jornalismo volume 1”, de 2005. E a comprovação da fala de Traquina pode ser observada e confirmada ao se deparar com os noticiários diários, onde os temas que compõem as notícias são, por muitas vezes, violentos. A morte, propriamente dita, é um dos critérios de noticiabilidade defendidos por Traquina.

Além dela, o estudioso também determina alguns outros, como: tempo, notoriedade, proximidade, relevância, novidade, notabilidade e o conflito. esta reportagem, foi realizada a análise das matérias produzidas por quatro sites de conteúdo jornalístico com maior visibilidade no estado. A Gazeta Web, G1 Alagoas, CadaMinuto e Tudo Na Hora, postaram, no dia 27, a notícia

N

informando o desaparecimento do professor, relatando os depoimentos de alunos e amigos, enfatizando as características de Daniel Thiele e descrevendo informações sobre o carro, endereço da residência, a última vez em que foi visto e solicitando a colaboração da população com informações que pudessem ajudar a polícia a encontra-lo, divulgando o número do Disque Denúncia 180.

tão, no dia 6 de outubro, o carro do professor foi encontrado. No mesmo dia, os veículos de comunicação foram informados via e-mail que naquela tarde, teria uma coletiva de imprensa na sede da Secretaria de Segurança Pública com o intuito de esclarecer o crime e apresentar os suspeitos de o terem cometido. Como era de cos-

tume, a apresentação de pessoas presas após a elucidação de um crime era considerada algo comum na rotina das redações de jornalismo. As coletivas eram informadas via e-mail, encaminhado pela assessoria de comunicação do órgão policial, com um breve relato sobre do que se tratava e o que seria apresentado. Ou quem. As equipes de

comunicação chegavam ao local marcado, onde aguardavam as autoridades que iriam prestar os esclarecimentos. a coletiva sobre o desaparecimento do professor, os irmãos Anderson Leandro e Émerson Palmeira foram apresentados à imprensa e tiveram os seus rostos fotografados e divulgados para a sociedade.

N

9


P

orém, é possível verifi- apresentação, as explicações Foi relatado no interior das Cerqueira, que afirmava que car que, para os jornalis- sobre a prisão dos irmãos matérias a fala do delegado a motivação do crime ainda tas que presenciaram a não ficaram esclarecidas. geral da Polícia Civil, Paulo não estava confirmada.

O

crime ainda estava sendo investigado, mas os irmãos já estavam sendo tratados como acusados, mesmo sem julgamento e sendo considerados pela polícia apenas suspeitos, pois perante a sociedade, a morte do professor já estava

10

associada à imagem dos dois homens presos. A cobertura teve continuidade e a família de Émerson e Anderson não deixavam o caso cair no esquecimento. Na época, protestos foram feitos na porta da delegacia e a partir de então,

a busca por provas para provar a inocência dos irmãos tiverem início e foram concretizadas. o dia 11 de outubro, a prisão foi anulada pelo Ministério Público Estadual e os irmãos soltos. Ao sair da prisão, poucos jornalistas os es-

N

peravam para alguma declaração sobre como eles estavam se sentindo em serem presos inocentemente. Naquele dia, novamente, os irmãos tiverem os seus rostos estampados no noticiário, mas dessa vez, como injustiçados.


D

iferentemente de muitos outros casos, os irmãos, ao provar que não tinham envolvimento na morte do professor, tiveram a oportunidade de mostrar que estavam falando a verdade e que eram inocentes perante a imprensa. A mesma imprensa que os divulgaram como sendo suspeitos, também os divulgaram como homens livres. Porém, há de ressaltar, que para outras pessoas a história não tem um final como esse, e que em muitas outras vezes,

são apresentadas pela polícia como suspeitas, saem da prisão como inocentes e não são retratadas. É naquele momento, expostos a microfones e câmeras que indivíduos começam a perder os seus direitos. Antes mesmo de entrarem na prisão, eles eram colocados à disposição dos jornalistas, que por sua vez, se apropriavam do conteúdo para transformar em matérias. Cliques movimentam o setor financeiro. Quanto mais clique,

mais usuários estão consumindo o conteúdo daquele jornal. Quanto mais usuários, mais visibilidade e mais anunciantes. A lógica da comunicação no jornalismo online passou a girar desta forma, como um mercado que precisa de cliques para sobreviver. pós o que aconteceu com os irmãos, e que já foi discutido nesta reportagem, a justiça determinou que não mais acontecesse as coletivas de imprensa por parte do estado. Há de se concluir

A

que, nesse momento, não só as pessoas presas tiveram o direito garantido, mas que também, os jornalistas tiveram a oportunidade de não produzirem mais esse tipo de material e de respeitarem o Código de ética dos jornalistas, que em seu artigo 6° ressalta os valores da profissão: “É dever do jornalista defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático de direito”. Mas o que será que esses profissionais pensam sobre isso?

11


Essa decisão judicial foi muito acertada, na prática o que muda é que não mostramos mais o rosto do preso. Agora em coletiva a cúpula da segurança pública se reúne com a imprensa, apresenta os fatos, nomes, cita o caso, mas não mostra o rosto, não traz a pessoa para a apresentação. Pensamos também que desse modo, deixa também a questão mais igualitária em relação a classe social, porque era muito comum a apresentação de preso comum. Não vínhamos um político, um fazendeiro, um empresário, ser levado para apresentação, e isso também mexia muito com as pessoas. Hoje elas reclamam que não mostramos ninguém, mas antes elas falavam “só tá mostrando porque é pobre, porque é negro”. Então eu acho que torna um tratamento igualitário. No início pareceu muito que seria censura, mas não é. A informação tá ali, nós temos a informação, só não mostramos o rosto, porque aquela pessoa é apenas um suspeito.

Em que pese eu ter a convicção de que no Brasil houve uma distorção na essencial política dos Direitos Humanos, em função de uma visão ideologizada que acaba favorecendo a criminalidade, e defenda o endurecimento de penas para crimes hediondos, como homicídio, latrocínio e estupro, incluindo em alguns casos a prisão perpétua, vejo como abusiva a exposição de presos como trófeus em uma coletiva de imprensa. Acredito que, em um Estado Democrático de Direito, isso acaba antecipando uma visão de julgamento. É preciso garantir direitos que são de todos. Bandido bom é bandido preso, julgado e condenado em pena proporcional o crime. Tudo o que passado disso para mim é excesso. Claro e evidente, que aqui falo das situações em que a prisão se dá, pois nas em que há o confronto, o criminoso assume o risco e, em este confronto sendo real, estou ao lado o policial. Bandido tem que ser tratado como bandido. Nem mais, nem menos.

Jamylle Bezerra Editora Gazeta Web

Luís Vilar Editor Cada Minuto

V A HUMANIDADE

S

egundo o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, humanidade é: 1. A natureza humana. 2. O gênero humano. 3. Benevolência, clemência; compaixão. Mas há de se considerar aqueles que são excluídos da sociedade, que vivem as margens, e que perdem a sua humanidade e passam a ser reconhecidos como sub-humanos. Como é o caso das pessoas presas que são expostas a mídia sem o consentimento prévio, e indo de encontro o que diz a Constituição Federal. Para o especialista em Direitos Humanos, Pedro Montenegro, a negação da humanidade do outro é extremamente preocupante por se tratar

12

que essas pessoas passam a perder os seus direitos de cidadãs, e que por essa segregação, os direitos considerados fundamentais não são nem aplicados a elas. ssas pessoas presas que eram expostas pela polícia podem ser reconhecidos como sub cidadãos, eles não são considerados cidadãos plenos. Além da questão da negação da cidadania deles, que em geral essas pessoas que são apresentadas são as excluídas da sociedade e que passam a ter a sua humanidade negada. Essas pessoas não são consideradas nem cidadãs e nem humanas, então o direito da constituição não é aplicado a elas”, ressalta o defensor dos direitos humanos. Assim como os irmãos Émerson e An-

“E

derson, as pessoas que costumavam ser apresentadas na coletivas de imprensa, eram em sua maioria, pertencentes aos bairros periféricos de Maceió, sem escolaridade, e predominantemente negros. O que para Montenegro, significa que as apresentações realizadas pelo órgão policial eram de naturezas seletivas. “A segurança pública é um terreno onde a ciência não existe, aqui em Alagoas é tudo feito na base da intuição e do senso comum, e como o senso comum é impregnado de preconceitos, de estereótipos, ele vai sendo reproduzido. É inadmissível a utilização do estado para violar a constituição e para propagar ainda mais o preconceito já existente. Isso é grave e precisa ser combatido diariamente”, afirma.

“A

té que ponto a apresentação do suspeito não colabora com firmação da culpa sem prova?”. Essa pergunta foi feita pela reportagem para o psicólogo especialista em comportamento social Fabrício Carvalho, que explicou que, pode sim influenciar no processo penal e sobretudo no júri, porque se já está dito que a pessoa é culpada antes de todo o trâmite necessário, pode acarretar uma influência também no resultado final da ação. “Temos que entender o estado como o ser que tanto pune como protege. As divulgações da imagem dessas pessoas irão marcá-las para sempre, passarão a ser chamadas de bandido, de assassino, de assaltante, dos mais diversos nomes. Para uma pessoa


que é exposta conseguir se reconstruir tanto psicologicamente como socialmente, é muito mais complexo. É bem mais fácil destruímos a imagem de uma pessoa, do que reconstruí-la”, salientou o psicólogo que afirmou ainda que as sequelas poderão persistir pelo resto de suas vidas. “Os danos psicológicos dificilmente conseguem ser reparados, você pode em terapia conseguir ordenar algumas coisas e resolver alguns quesitos, mas alguns gatilhos podem ser acionados e é lembrado tudo o que passou, as humilhações, e serão constantemente lembradas socialmente, por causa de um episódio específico”. ontenegro possui o mesmo entendimento do psicólogo e acredita que os estigmas ficarão associados pelo resto da vida de uma pessoa que foi exposta, tendo ela cometido o crime ou não, e que esse tipo de dano é um dano irreversível, que mesmo que eles entrem na justiça contra o estado e contra os veículos de comunicação, eles podem até receber uma indenização, mas que isso não apaga as sequelas deixadas pela exposição. E afirma ainda que nunca houve explicação concreta para a existência dessa prática inconstitucional. “Quando o estado diz que as apresentações são necessárias porque colaboram com o combate à criminalidade, eles

M

estão mentindo, porque eu já perguntei se existe algum estudo que comprove isso, se eles já elaboraram alguma estatística que afirme isso e não existe. Eles apresentavam os presos por puro sensacionalismo. Se criou esse argumento para as apresentações por ser mais utilitário, algo mais sofisticado”.

VI O ESTADO

O

trabalho da Segurança Pública é importante, é necessário, precisa ser feito. É preciso garantir a segurança de todos. De todos. A Constituição Federal não é apenas um mero pedaço de papel que mereça ser ignorado em favor de vaidades dos governantes e a promoção do sensacionalismo. A criminalidade em Alagoas não diminuiu com a prática da apresentação das pessoas presas à mídia. De acordo com o Atlas da violência de 2018, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a capital maceioense está colocada na 9ª posição no ranking destinado as cidades mais violentas do país. No ranking dos estados mais perigosos para os jovens, onde mais se mata, Alagoas é colocado em terceiro lugar, com uma taxa de homicídio de 122,4 assassinatos de jovens por 100 mil habitantes. O estado alagoano tam-

bém é considerado perigoso para as pessoas negras. No terceiro lugar, Alagoas possui uma taxa de homicídios contra negros de 69,7% para 100 mil habitantes. Porém, em relação ao homicídio de pessoas não negras, o estado obteve a menor taxa, de 4,1%. Enfatizando os mesmos questionamentos realizados pelo defensor público Othoniel Pinheiro e do especialista em Direitos Humanos, Pedro Montenegro, que segundo o mesmo “o estado de Alagoas só se utiliza de argumentos falsos para justificar a exposição dos presos”. Esta reportagem solicitou a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Alagoas explicações acerca das exposições dos presos que aconteciam a luz do dia na sede do órgão. A solicitação de entrevista foi negada e o e-mail com perguntas sobre o tema não foi respondido até o fim da elaboração desta reportagem.

VII A lUTA

D

ireitos negados. Constituição por muito tempo desprezada. Seres humanos que passam a viver na sub humanidade. Pessoas que não conseguem por muitas vezes que a voz da sua versão seja escutada, mas que possuem seus rostos fotógrafos, filma-

dos, divulgados. A quem interessa essa imagem? A quem interessa negar a presunção de inocência de quem quer que seja? É suspeito? Precisa ser investigado. Comprovado a autoria do crime? Julgado. Condenado? Preso. A constituição precisa ser respeitada. Declaração Universal dos Direitos Humanos é apenas a garantia de que qualquer pessoa tenha a sua dignidade humana zelada, definindo apenas os direitos básicos do ser que vive em sociedade. É sobre humanidade. E por falar em sociedade, que bom seria se todos praticassem a compaixão pelo outro. Que bom seria, se todos percebessem que em um dia você pode está julgando aquele cidadão pelo seu rosto que está sendo exposto em uma página de jornal, mas que amanhã, poderia ser o seu que estivesse lá. Aos governantes que se utilizam da força policial para a opressão e desrespeitam as leis em nome de um suposto combate à criminalidade, Renato Russo já dizia: “Ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”. Quanto a mim, serei defensora dos direitos humanos, sendo jornalista ou não, até o fim. Por que a luta, caro leitor, a luta não termina nunca. E agora eu te pergunto: que País é esse? •

A

13


14


EXPEDIENTE Editora-Chefe

Maria Alliny Torres

Projeto Gráfico Maria Alliny Torres e Daniel Borges Diagramação Daniel Borges Texto Maria Alliny Torres Revisão Maria Alliny Torres Ilustração Orientação

Eva de Oliveira Prof. Ricardo Coelho

Universidade Federal de Alagoas Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte Curso de Jornalismo Coordenador Prof. Ricardo Coelho de Barros Vice-coordenador Prof. Carlos Gusmão

15


Trabalho de conclusĂŁo do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas

16


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.