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Cultura

Raul Lino, um grande arquitecto português A carreira inicial de Raul Lino como arquitecto foi marcada pela transição do século XIX para o século XX, e pelo início do movimento Modernista. A arte portuguesa passou então por uma fase muito produtiva: jovens artistas receberam pela primeira vez formação em Paris (ou noutros centros culturais europeus) e regressaram ao seu país com ideias e influências inovadoras.

Painel de Azulejos, Raúl Lino, Casa do Cipreste, Sintra, c. 1915.

A Europa estava consciente da necessidade de mudança numa sociedade em transformação. As ideias clássicas e românticas opunham-se à industrialização e à cultura de massas. O clamar por reformas políticas e sociais era cada vez mais frequente. O desmoronamento da República de Weimar, a Guerra, a Revolução de Outubro, o fim de Monarquias influentes e o nascer de novas repúblicas – tudo isto influenciou o trabalho intelectual na Europa. Este marco também passou pela arquitectura, criando novas formas e meios de expressão artística. Em alguns dos primeiros projectos de Raul Lino são visíveis as influências da Arte Nova nos ornamentos, ele que no fundo se dedicava prioritariamente às raízes da arquitectura portuguesa.

FORMAÇÃO

Raul Lino nasceu no dia 21 de Novembro de 1879 e passou a sua infância em Lisboa. Como filho de um abastado comerciante teve o privilégio de poder estudar em Inglaterra, onde frequentou um colégio católico de 1889 a 1893. Depois foi para a Alemanha estudar arquitectura. Em Hanover frequentou a Escola de Artesanato e a Escola de Artes e Ofícios, assim como o Instituto Superior Técnico, ficando com uma formação profissional no trabalho prático de carpintaria e também com a

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Cultura vam a Raul Lino. Ele queria revelar as verdadeiras raízes portuguesas da “Casa Portuguesa” e mantê-las longe das influências de outras orientações estilísticas que não tinham a ver com o espírito português. Para se aproximar o mais possível deste objectivo, utilizava nas suas obras materiais por ele criados, como azulejos vidrados, vitrais, telhas, vinhetas e mobiliário caracteristicamente português.

A MÚSICA E A NATUREZA

formação teórica. O seu trabalho no estúdio de Albrecht Haupt, um arquitecto doutorado e especialista na arquitectura portuguesa do Renascimento, foi de especial importância na sua carreira. Este arquitecto alemão teve uma enorme influência na formação artística de Raul Lino e o contacto entre o mestre e o seu aluno nunca cessou, mesmo com o regresso de Raul Lino a Portugal. O contacto manteve-se até ao falecimento de Albrecht Haupt. Na Alemanha, o jovem Raul Lino teve contacto com as ideias e obras da arquitectura contemporânea alemã e foi testemunha da progressiva separação cultural com a França. Neste sentido, a sua estadia no estrangeiro marcou também a sua compreensão do fenómeno do Modernismo e determinou a grande importância que ele dava à música e à natureza, ou seja, à universalidade do espírito artístico. Em 1899 projectou um pavilhão para a Exposição Universal de Paris de 1900, onde se fez notar aos olhos da crítica. Mesmo depois do seu regresso a Portugal, Raul Lino visitava com frequência a Alemanha. Em 1911 passou 11 meses em Berlim, onde tirou um curso de Arte Gráfica e Decorativa. Os valores tradicionais e nacionais como o amor pela pátria tiveram grande influência e fizeram parte da formação de Raul Lino nos últimos anos do século XIX em geral, e principalmente em Portugal, onde a industrialização começou tarde. Lisboa crescia e muitas das novas zonas foram projectadas a partir dos princípios do design moderno vindo de Paris. Mas esses projectos não interessa-

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A sua paixão pela natureza teve grande influência na sua atitude moral e profissional. Raul Lino dava uma grande importância ao diálogo entre a arquitectura, ou seja, o edifício em si, e a localização geográfica da sua obra, ou seja, o ambiente natural. Determinado acontecimento no ano 1905 exemplifica essa sua atitude. Lino foi encarregado de fazer o projecto de uma habitação para o francês Conde Armand, um rico proprietário de minas. O arquitecto passou uma noite inteira no terreno da futura casa, em Setúbal, para captar a área, enquadrála na natureza e assim criar a nova obra de uma maneira adequada à sua imediação. A tendência de Raul Lino para a meditação, para o isolamento e a sua paixão pela natureza são componentes importantes de uma visão do mundo tradicional e romântica. Neste contexto, a obra literária do americano H.D. Thoreau teve uma função importante, pois esta “Bíblia” para os amantes da natureza aprofunda os valores de uma vida de meditação virada para o interior. Raul Lino aprendeu neste livro, inspirado pelo transcendentalismo, que só através do respeito pela relação entre a casa e a sua localização geográfica, a obra poderá enriquecer a região. Raul Lino viajava muito pelo país e conhecia muito bem a região do Alentejo. Na sua juventude ele adorava


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passear por corredores largos, podendo apreciar ao pormenor as paisagens que se sucediam. As suas caminhadas solitárias focavam, muitas vezes, a Serra de Sintra, onde posteriormente viria a construir a famosa Casa do Cipreste. Esta é uma obra que está de tal forma integrada na natureza que se torna difícil detectála ao longe. A música foi outra paixão de Raul Lino. Após regressar da Alemanha, passou algum do seu tempo com Viana da Mota, tendo um círculo de amigos ao qual também pertencia o pianista Alexandre Rey Colaço, para quem Raul Lino projectou a Casa Monsalvat em 1901. Este círculo intelectual influenciou Lino, não só no seu interesse pela música romântica, mas também na sua maneira de encarar a arquitectura. Na sua longa carreira como arquitecto, tal como no seu gosto pela música, Raul Lino teve sempre tendência para o conservadorismo. Por isso mesmo afastou-se do primeiro Congresso Nacional de Arquitectura, em 1948, que visava e exigia uma ruptura da arquitectura portuguesa com o seu passado. Em 1968 Lino escreveu um artigo no Diário de Notícias sobre a música contemporânea, criticando-a por considerar que já não existia “uma fronteira entre os sons e o ruído”. Como grande admirador de Richard Wagner, Raul Lino empenhava-se pelo regresso ao Clássico. A obra Quatro palavras sobre a Arquitectura e Música, da autoria de Raul Lino, cria uma ligação entre estas duas formas de arte. Lino opõe-se à ideia de que a sociedade de consumo inunde as “massas” de objectos de baixa qualidade. Em vez disso ele acha possível e desejável elevar o nível cultural das massas.

A CASA PORTUGUESA – O “REAPORTUGUESAMENTO” Raul Lino adquiriu o seu diploma de arquitectura em 1926, mas o número de trabalhos encomendados e o reconhecimento pelo seu trabalho não foram, de modo algum, resultado desse diploma, nem antes nem depois da sua obtenção. Durante toda a sua carreira, os seus projectos preferidos recaíam num determi-

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nado tipo de casas, enquanto outro tipo de edifícios tinha um papel secundário. A questão sobre as verdadeiras características da Casa Portuguesa atravessa tanto as suas obras práticas como teóricas e é causa de admiração mas também de crítica ao seu trabalho. O que é notável é que foi um estrangeiro - Albrecht Haupt - que incendiou esta


Cultura nia, entretanto perdida, entre a região e as cidades portuguesas, e ao mesmo tempo demarcar nitidamente a arquitectura portuguesa de influências vindas do estrangeiro. Este grupo comprometeu-se a um ideário nacionalista: a arquitectura em Portugal deveria ser “reaportuguesada”. Neste sentido, também se inspiravam em obras de grandes escritores portugueses como, por exemplo, Eça de Queiroz, que nos seus romances traçava exaustivamente um retrato de Portugal – a beleza da menina do campo, as delícias culinárias, as artes, etc.

EDIFÍCIOS URBANOS

paixão no jovem arquitecto: como amante de Portugal e da arquitectura portuguesa, o mentor alemão de Raul Lino influenciou a sua carreira profissional de uma forma essencial. Lisboa viveu no final do século XIX um renascimento do estilo manuelino (neo-manuelino), um estilo que se distinguia fortemente na Europa de outras orientações estilísticas dominantes, sendo esta uma forma de expressão tipicamente portuguesa. Raul Lino não era da opinião de que no estilo neo-manuelino se encontravam as verdadeiras raízes da arquitectura portuguesa. Para ele, este estilo era uma composição do Gótico, Mudéjar, Renascimento e Naturalismo. Ele estava convicto de que as origens arquitectónicas do país se encontravam no Período Romano. Lino encontrou nesta arquitectura portuguesa originária aquilo de que sentia falta na arquitectura individualista do Liberalismo: o bom gosto, o bom senso e a lealdade na construção das casas. A campanha para a Casa Portuguesa ambicionava reconstituir a harmo-

“O caiar das casas é de boa tradição no nosso país e bem merece ser mantido pelo que tem de praticamente vantajoso e pelas possibilidades artísticas que oferece. Abençoado o uso da cal que com a sua variegada paleta salpica a nossa paisagem de alegria, ora exuberante com as ocas e os vermelhos, ora cheia de delicadeza onde o acaso ou o instinto dos alvenéis justapõe as mais finas cambiantes dos amarelos claros e dos rosas numa tonalidade que lembra o aspecto apetitoso dos alperces maduros”.

Lino projectou poucos edifícios urbanos, e estes distinguiam-se bastante de outros edifícios, que na maioria dos casos se encontravam fora da cidade. A explicação está na sua paixão pela natureza, nos seus princípios étnicos e filosóficos. Muitos dos seus projectos urbanos nunca chegaram a ser construídos o que o fez chegar a uma conclusão: “O português para quem eu projectei este trabalho, não existe”. Os espaços comerciais projectados por Raul Lino, como a loja dos chapéus Gardénia no Chiado ou a Loja das Meias no Rossio adaptam-se ao local, ao tipo de comércio, assim como ao tipo de clientela e os seus interesses. A obra urbana mais importante de Raul Lino é, sem dúvida, o Teatro Tivoli, construído em 1925 na Avenida da Liberdade, prometendo aos Lisboetas um novo meio de entretenimento.

O estilo do Teatro Tivoli apresenta influências francesas e tem pouco a ver com a ideia da Casa Portuguesa. Por isso não foi a obra preferida do arquitecto, mas foi projectada com grande amor pelo detalhe e ocupou Raul Lino durante vários anos. Os únicos apartamentos urbanos que ainda existem são a casa de AntónioSérgio e a própria residência de Raul Lino, em Lisboa. Estas casas caracterizamse por um design bastante funcional que se contrapõe às casas no Estoril e Sintra, com um design que cria um espaço menos formal.

CASAS DE CAMPO

O primeiro projecto de Raul Lino foi construído em 1901, na região do Monte Estoril. Aí nasceu um núcleo de habitações: quatro casas só separadas por jardins, as casas de Monsalvat, Schalk, Batalha Reis e Vila Tânger. Nesta última casa notam-se influências de Marrocos. A casa Monsalvat é um dos primeiros exemplos da preocupação de Raul Lino com a problemática da Casa Portuguesa. Por fora a casa está adaptada às cores do terreno. No interior, Raul Lino completou o efeito de uma casa de campo tipicamente portuguesa com decorações de azulejos por ele criados. A arquitectura de interiores tem uma orientação funcional. O arquitecto sabia do estilo de vida do proprietário Alexandre Rey Colaço, pianista e amigo de Raul Lino. A casa deveria conjugar a vida familiar com a vida intelectual, sem criar duas esferas separadas. Raul Lino conseguiu um ambiente onde estes dois mundos coexistem de uma maneira natural.

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Cultura “A grande luta do arquitecto, a sua tarefa mais difícil e importante, não é vencer problemas técnicos ou económicos; é transformar a massa inerte da construção em obra orgânica com aspecto de coisa viva. O mais difícil nesta arte é o proporcionar”.

A própria casa de campo de Raul Lino, a Casa Do Cipreste, foi construída entre 1912 e 1914, mas os primeiros projectos desta casa já datam do seu tempo de estudante na Alemanha. Esta casa situa-se em S. Pedro de Sintra e servia como ponto de partida para as caminhadas que Raul Lino tanto apreciava. O único edifício capaz de se ver a partir da casa, é o Palácio Real de Sintra, no qual Raul Lino viria a fazer mais tarde algumas obras de reconstrução. A Casa do Cipreste forma um todo com o terreno contíguo à casa. Também no seu interior existe uma harmonia evidente que respeita as regras psicológicas, funcionais e estéticas. Este edifício é hoje visto como o projecto mais bem sucedido do arquitecto. A Casa dos Penedos, construída em Sintra em 1922, expressa de uma forma muito particular o estilo único deste arquitecto. Construída na encosta, forma uma união com a paisagem montanhosa de Sintra e está completamente integrada na paisagem. No interior da casa existem azulejos de alta qualidade artística e uma luminosidade espantosa – uma referência à grande importância que o arquitecto dava à penetração da luz natural.

RAUL LINO E O ESTADO NOVO A construção anti-modernista e conservadora de Raul Lino foi aproveitada pelo Estado Novo e adaptada aos seus objectivos. O estilo arquitectónico típico de

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Lino, bem como a decoração das suas casas com as tradicionais varandas e galerias alpendradas, arcaria e colunatas, o uso do tijolo burro aberto, e no interior a utilização do azulejo artisticamente pintado, Lino criou intencionalmente (ou não) um fundamento importante no qual a futura arquitectura regional/tradicional do Estado Novo se pôde estabelecer. A ideologia do Estado Novo era manifestada em diversas exposições internacionais. Alguns modelos neo-tradicionais, como o Pavilhão de Portugal projectado por Raul Lino para a Exposição de Paris em 1900, tinham a intenção de apresentar uma obra multifacetada que unia diversos elementos tradicionais numa “colagem”. Assim surgiu uma mistura de um estilo alentejano manuelino e gótico tardio com alpendre e cerâmica. De certa forma, este modelo pode ser visto como o primeiro passo em direcção à verdadeira Casa Portuguesa. Raul Lino só conseguiu realizar a sua proposta na exposição colonial de Paris, no ano 1931. O edifício com muitas torres por ele projectado pretendia lembrar a Capela de São Brás, em Évora.

DEFINIÇÕES… Para Raul Lino a beleza na arquitectura corresponde ao “habitar poético”, no qual a estética está relacionada e ligada às realidades físicas do terreno. A arquitectura deve exprimir as ideias, as nostalgias e intenções do homem. Entre a arquitectura e a música existe uma analogia estrutural que se manifesta em dois níveis diferentes: a arquitectura tem uma relação próxima com a história e a cultura. Em contrapartida, a música está mais ligada à psicologia e à alma do homem. A conexão entre estas duas artes está na relação entre o design e a melodia, entre a cor e o timbre (tom), entre proporções e harmonias. O conservadorismo fez sempre parte da maneira de pensar de Raul Lino. Ele dedicou a sua vida à defesa dos valores tradicionais da cultura portuguesa com o objectivo de conservar esses valores na arquitectura e de os reproduzir.


Cultura Lino opunha-se a tudo o que correspondia ao espírito moderno, em relação à Literatura ou a qualquer outra arte. Nos seus textos é mais visível uma rejeição a tudo quanto é novo. Aí ele pronuncia-se contra a viagem à lua, contra os computadores, contra a televisão, etc. Raul Lino via a o Modernismo como sendo uma época sem segurança, uma época que tudo questiona, onde não existem medidas constantes e onde os valores morais se desmoronam. Ele estava convencido de que o cinema, a televisão, a rádio e a imprensa ilustrada tornariam o homem neurótico. Por isso, ele vivia segundo os ideais românticos do isolamento e retraimento, e em harmonia com a natureza. Pela arte contemporânea, Raul Lino não tinha qualquer afeição. Ele desvalorizava-a nas suas obras teóricas utilizando expressões como “tolice”, “ilusão”, “descaramento” e “vigarice”. A arquitectura moderna não era para ele mais do que uma mera construção sem espírito nem sentimento ou alma, uma expressão de puro materialismo. Segundo Lino, é precisamente com a arquitectura moderna que começa a decadência da arquitectura. Para ele, a uniformidade da arquitectura moderna está em oposição à individualidade do homem, per-

dendo assim todo o seu valor cultural. Nas obras teóricas de Raul Lino ele falava do significado especial das “boas maneiras” na arquitectura: às obras deve ser acrescentado uma “componente moral”. Para Lino isto significava, entre outras coisas, o uso de materiais nobres, como o mármore. Ele rejeitava categoricamente as imitações. Raul Lino estava convencido de que só na continuidade de tradições históricas, a componente moral poderia ser preservada ou recriada na arquitectura. O estilo e a continuidade representam, na arquitectura, aquilo que na vida são as boas maneiras.

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