MARIELLE VIVE: LUTANDO POR DIREITOS | Livreto 02_TFG 2020 UNICAMP | Daniele A. Silva

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MARIELLE

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autora: daniele aparecida silva orientadora: profª. drª. silvia mikami

TFG

Arquitetura e Urbanismo

.

2020

UNICAMP


O Conceito ampliado do habitar O Habitar e a Natureza Os processos participativos Táticas e pistas de projeto


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habitar e produzir em meio à natureza


o conceito ampliado do habitar O livreto anterior esclareceu como o mundo, neoliberal e capitalista, não é vivido e percebido da mesma forma por todos. Nesse sentido, ainda que o conceito de habitação tenda a ser sólido e inquestionável (PELLI, 2006), o objeto moradia em si também é adquirido - quando possível de ser adquirido -, de maneiras distintas. Deste modo, Víctor Saúl Pelli (2006) afirma que é necessário discutir, refletir e nos perguntarmos de que tipo de habitação estamos falando: como é e o que agrega este “objeto-habitação” (ou “objeto-conjunto habitacional”). Assim, é necessário, também, trazer à discussão a questão da carência habitacional que é pontual neste debate. Isso porque é notório que ela não inclui apenas o número de déficit habitacional em si, mas também o número de moradias precárias e improvisadas e as localizadas em áreas ambientalmente frágeis. Neste ínterim, a fim de discutir acerca das múltiplas formas de habitar e ocupar a cidade, é preciso compreender o conceito ampliado do habitar. Que diz respeito ao fato do habitar não se tratar apenas da unidade habitacional em si, mas sim de toda uma discussão de direitos à cidade, saúde, educação, esporte, lazer, e, inclusive, à natureza. Nesse sentido, para Víctor Pelli, a habitação trata-se, além da casa, da inserção intrínseca e complexa da mesma no tecido físico e social da cidade. E neste caso, o autor refere-se à cidade de um modo genérico, incluindo tanto o espaço urbano como o não urbanizado. De acordo com Pelli (2006), no caso de áreas rurais, a interação entre a unidade habitacional e o tecido físico e social, provoca um impacto ainda mais direto na vida doméstica e no apoio físico do que em áreas urbanas, devido à re26

lação de subsistência que existe com a terra. É válido ressaltar que a habitação requer, para a sua implementação, um grande movimento de recursos como de terra, finanças, materiais, sistema produtivo e distributivo, recursos humanos, entre outros. Tendo em vista o conceito ampliado do habitar, no qual se compreende que a habitação transcende a unidade de moradia - compondo necessariamente uma rede de serviços e equipamentos institucionais-, o projeto e a consolidação das áreas do seu entorno devem, também, considerar as necessidades, demandas e preferências dos usuários para os quais a habitação se destina. Nesse sentido, pode-se retomar à questão da cidadania discutida no capítulo anterior, uma vez que é por meio dessa participação e discussão, que os usuários passam a criar sentimento de pertencimento no espaço físico e no social.

DEMANDAS DOS USUÁRIOS

LINGUAGEM ARQUITETÔNICA

OBJETO-HABITAÇÃO (OU CONJUNTO)

tipologia e solução contrutiva

ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS e orçamento

REDE DE SERVIÇOS E INFRAESTRUTURAS

Figura 6. O Conceito Ampliado do Habitar. Fonte: Elaborado pela autora com base em PELLI, 2006.

conceitos


o habitar e a natureza Ao verificar a amplitude do conceito do habitar, depara-se, também, com a importância da questão ambiental e dos impactos causados pela intervenção do ser humano no ambiente, seja ele rural ou urbano. As atividades antrópicas têm causados cada vez mais aumento nas emissões de carbono, inundações, aumento de temperatura e do nível do mar, extinções de fauna e flora, entre outros. Neste contexto de atenção global à importância da natureza, propagou-se a pesquisa acerca dos serviços ecossistêmicos (serviços de proteção, regulação, provisão, cultural e suporte), os quais promovem inúmeros benefícios aos seres humanos. Difundiu-se, também, as produções relacionadas à infraestrutura verde, às cidades biofílicas, à renaturalização das cidades e às soluções baseadas na natureza (DE OLIVEIRA, 2019). SOLUÇÕES BASEADAS NA NATUREZA O conceito de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) surgiu no início do século XXI como uma forma de propor iniciativas baseadas em ecossistemas, visando a conservação da biodiversidade e o gerenciamento ambiental. Posteriormente, agregou questões econômicas e sociais. É através deste conceito integrado que se reconhece as SBN como uma forma de alcançar a saúde e o bem-estar de todos (SOMARAKIS et al., 2019). Para as SBN, a natureza é primordial por oferecer alternativas sustentáveis e multifuncionais para lidar com os desafios globais egressos das atividades humanas e para aumentar o capital natural, abordando dimensões sociais, ambientais e econômicas. Os desafios a serem enfrentados reconceitos

lacionam-se, sobretudo, às mudanças climáticas, gestão da água, uso da terra e desenvolvimento urbano. Nesse sentido, as SBN apresentam diversos objetivos para enfrentar tais desafios: urbanização sustentável, restauração de ecossistemas degradados, adaptação e mitigação das mudanças climáticas e gerenciamento de riscos e resiliência. Estes objetivos estão diretamente relacionados às metas de desenvolvimento sustentável e, pode-se afirmar que as SBN contribuem para vários objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS)² da Organização das Nações Unidas (ONU), e não apenas para aqueles relacionados à biodiversidade e ecossistemas (SOMARAKIS et al., 2019). 17 ODS Com o intuito de mitigar os impactos ambientais e auxiliar a comunidade internacional no processo de implementar um desenvolvimento sustentável, criou-se a Agenda 2030. Esta agenda está em vigor desde 2016 e foi inspirada nos objetivos do milênio e nas decisões tomadas na Rio +20. Este documento aprovado na sede da ONU, abarca os 17 ODS relacionados a 169 metas a fim de reforçar o paradigma de solidariedade e sustentabilidade no mundo (ROSA, CAMPOS, 2020). Os ODS que devem ser implementados por todos os países durante os próximos 10 anos, são:

Figura 7. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Fonte: www.nacoesunidas.org. (Modificado pela autora).

2.  17 ODS. Disponível em <https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/>.

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OS 17 ODS Objetivo 1: Erradicar a pobreza. Objetivo 2: Erradicar a fome, alcançar a soberania alimentar e a agricultura sustentável. Objetivo 3: Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos. Objetivo 4: Assegurar a educação inclusiva, equitativa, de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Objetivo 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Objetivo 6: Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos. Objetivo 7: Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia. Objetivo 8: Promover o crescimento econômico, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos. Objetivo 9: Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação. Objetivo 10: Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles. Objetivo 11: Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Objetivo 12: Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis. Objetivo 13: Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos . Objetivo 14: Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos. Objetivo 15: Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade. Objetivo 16: Promover sociedades pacíficas e inclusivas, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Objetivo 17: Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

INFRAESTRUTURA VERDE Tendo em vista que os ODS relacionam-se, sobretudo, à preocupação com o uso sustentável dos ecossistemas e com a melhoria da qualidade de vida nas cidades e nos assentamentos humanos, a infraestrutura verde surge como uma forma de trazer Soluções Baseadas na Natureza (SBN) para alguns dos objetivos da Agenda 2030. Nesse sentido, a infraestrutura verde possui potencial para mitigar os efeitos colaterais da urbanização como enchentes, deslizamentos, poluição e geração de resíduos, causados pelas infraestruturas cinzas (superfícies impermeáveis de estacionamentos e vias pavimentadas). (HERZOG, ROSA, 2010). O termo verde associado à infraestrutura se deve ao fato de contribuir na função estrutural da cidade, ao auxiliar na mobilidade (propondo rotas alternativas para pedestres e ciclistas), no abastecimento de água (coletas pluviais), na drenagem (conduzindo as águas com segurança), no lazer (ao propor espaços de contemplação e recreação), entre outros. Assim, a infraestrutura verde possibilita a redução de pegadas ecológicas uma vez que consiste em uma rede multifuncional de serviços que busca a renovação e a adaptação da infraestrutura local por meio da vegetação, do sistema hídrico e da drenagem (HERZOG, ROSA, 2010).

(...) a infraestrutura verde são os espaços abertos e vegetados, como parques, praças, corredores ecológicos, remanescentes florestais, alagados naturais e construídos, jardins, tetos verdes, etc., aliados em alguns casos a tecnologias ambientais, como tratamento com fitorremediação, materiais e pavimentos filtrantes, sistemas de irrigação mais eficiente, placas fotovoltaicas promovendo melhoria na qualidade ambiental e ganhos sociais e econômicos (...). (FERREIRA, 2013, p. 194)


As SBN utilizadas pela infraestrutura verde podem ser diferenciadas a depender do seu contexto de aplicação. No contexto urbano, referem-se principalmente ao projeto e gerenciamento de novos ecossistemas ou soluções de engenharia inteligente de pequena escala, incorporados ou não à edificação, visto que em áreas livres e no sistema viário também existem dispositivos possíveis de serem implementados, como os pisos drenantes (LOTUFO, 2017) . Já nas áreas não-urbanas concentram-se principalmente agroecossistemas, áreas ou parques protegidos, corredores verdes, bacias hidrográficas e zonas costeiras (SOMARAKIS et al., 2019). A seguir, expõe-se alguns dispositivos de infraestura verde, bem como suas imagens esquemáticas³:

meio urbano t e t o s ve r

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As biovaletas, são semelhantes aos jardins de chuva, mas trata-se de depressões lineares ocupadas com vegetação, solo e elementos filtrantes, que processam a limpeza da água da chuva, aumentando o tempo de escoamento. Dirigem o escoamento para os jardins de chuva ou sistemas convencionais de retenção e detenção das águas. São geralmente usados para tratar os escoamentos de ruas e de estacionamentos.

conceitos

as cisternas também contribuem na redução do escoamento superficial. Podem ser feitas com barris pequenos ou com grandes tanques, a fim de de coletar a água das chuvas para posterior reúso, consumo humano ou para criações, irrigação de culturas, no uso para limpeza ou fins sanitários.

3.  Imagens esquemáticas retiradas de Cormier e Pelegrino (2008) e SOMARAKIS et al (2019) (modificadas pela autora).

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ja r d i n s d

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Funcionam como bacias de retenção la g que recebem o escoamento superficial por drenagens naturais ou tradicionais. Parte da água pluvial captada permanece retida entre os eventos de precipitação das chuvas. Melhoram o microclima e podem se tornar lugares de recreação e lazer, valorizando o entorno.

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et

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são uma espécie de “jardins de chuva compactados” em pequenas áreas. Além da sua capacidade de infiltração, pode apresentar um extravasador, ou, em exemplos sem infiltração, contar só com a evaporação, evapotranspiração e transbordamento. Podem receber escoamento de talhados, de calçadas e da rua, visto que diminuem a velocidade da água, limpam-na e reduzem o volume, antes que desemboque no corpo d’água mais próximo.

uva

são depressões topográficas que recebem o escoamento da água pluvial proveniente de telhados e/ou áreas impermeabilizadas limítrofes. O solo, geralmente tratado com insumos que aumentam a porosidade, suga a água, enquanto microrganismos e bactérias do solo removem os poluentes difusos trazidos pelo escoamento superficial. Adicionando-se plantas, aumenta-se a evapotranspiração e a remoção dos poluentes. Podem ser alocados junto a leitos carroçáveis ou ao meio-fio por exemplo.

r o s pl u v

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Fachadas, terraços, pátios, escadas e abrigos verdes são aplicáveis à edificações d novas ou existentes. São uma laje ou telhado, com camadas de substratos para o plantio de musgos, herbáceas e/ou árvores de pequeno porte. Auxiliam na retenção de água de chuva, filtragem para reuso ou retorno do excedente ao sistema drenagem; isolamento térmico, resfriamento do entorno; captura de carbono; hortas urbanas; caminhos para polinização; migração de microfauna, dispersão de sementes; humanização e bem-estar.

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Os Parques Peri-urbanos são espaços naturais localizados próximos de núcleos urbanos, criados ou não pelo homem, que atendem às necessidades recreativas da população. Servem como sumidouros de carbono, preservando e aumentando a diversidade dos biótopos locais. Para uma melhor conectividade entre a cidade e o parque, a infraestrutura de transporte deve incluir ciclovias.

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As zonas naturais são, muitas vezes, desconectadas umas das outras, causando impactos negativos para a vida selvagem e para a biodiversidade. Assim, essas reservas naturais isoladas podem ser conectadas por corredores verdes, formando redes que permitem o deslocamento seguro às populações de animais selvagens entre zonas naturais. Um bom exemplo é a conexão dos espaços verdes planejados para a cidade de Lisboa, que inclui árvores de rua, novas áreas verdes, ciclovias e ruas de pedestres. Os corredores verdes também podem ser acoplados por ecodutos: uma forma de infraestrutura que se estende acima das estradas, a fim de ligar entre duas zonas naturais.

t u ra

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As terras rurais, agrícolas ou não, apresentam flora e fauna muito diversas.A urbanização e a agricultura de monoculturas causam perdas de biodiversidade, polinizadores e uma paisagem menos atraente. Um exemplo bem-sucedido de NBS para sustentabilidade e multifuncionalidade de ecossistemas é a agrofloresta de Montpellier, França. Ela consiste em uma combinação de cultivo diversificado de árvores e culturas. As agroflorestas elevam em 40% a produtividade, além de ser menos vulnerável às mudanças climáticas e seus riscos relacionados. As árvores fornecem abrigo para plantações e controle de danos devido a altas temperaturas. A biodiversidade aumenta, há melhorias na qualidade do solo e da água, reduz-se a erosão e os danos causados ​​pelas inundações são evitados. No entanto, as agroflorestas são um investimento de longo prazo, pois leva tempo para as árvores amadurecerem e fornecerem suas funções.

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AGROECOLOGIA A agroecologia é uma forma de conhecimento científico, prática agrícola e movimento social que busca implementar associar a teoria científica às práticas sustentáveis para o meio ambiente e para os trabalhadores da terra, além de buscar uma conscientização acerca da importância da agrobiodiversidade, dos valores culturais e de uma relação harmônica e produtiva com a terra, tanto do ponto de vista natural como econômico. Procura-se criar um novo paradigma produtivo que integre a produção agrícola, as biodiversidades animal e vegetal e justiça social, para obter uma produção ecologicamente sustentável. Nesse sentido, a agroecologia é um instrumento de empoderamento social para a transição para uma agricultura agroecológica fomentadora do desenvolvimento sustentável, tornando-se, assim, uma ferramenta para se materializar 10 dos 17 ODS propostos pela ONU (ROSA, CAMPOS, 2020). Para se alcançar o 1º ODS acerca da erradicação da pobreza, a agroecologia apresenta alguns dispositivos como: o aumento de benefícios sociais por meio da otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos; a agricultura familiar como foco de proteção e garantia do exercício de suas atividades; e, a promoção da justiça social pela produção de base agroecológica. Para os 2º, 3º e 12º ODS acerca da fome zero, da agricultura sustentável, da saúde e do bem-estar e do consumo e produção sustentáveis, a agroecologia oferece produtos saudáveis, isentos de insumos agroquímicos, agrotóxicos e energéticos externos, com uso sustentável dos recursos naturais, além de assegurar o direito humano à alimentação adequada e à soberania alimentar ao ofertar uma gama diversa de alimentos. Com relação ao 4º ODS que diz respeito à conceitos


educação igualitária a todos, sobretudo a voltada ao desenvolvimento sustentável, destaca-se o papel da agroecologia como a ciência que agrega os saberes e técnicas calcados na sustentabilidade. Contempla-se também o 5º ODS que trata da igualdade de gênero, visto que na agroecologia utiliza-se de “metodologias participativas, garantias de acesso aos direitos básicos de cidadania, respeitos às diferenças culturais e de gênero. Já para o 6º ODS que engloba metas para garantir saneamento e gestão sustentável de água para todos, propõe-se a eliminação de agrotóxicos e o manejo sustentável dos recursos naturais, além de propor técnicas de captação de água e de nutrientes das bacias hidrográficas, reciclagem e manejo dos nutrientes na produção. O 8º ODS que trata da oferta de emprego pleno é contemplado uma vez que valoriza-se a aplicação dos conhecimentos e técnicas do agricultor, bem como a sua a força do trabalho. O 11º ODS que trata das cidades e comunidades sustentáveis é contemplado, pois a agroecologia prioriza o uso sustentável dos recursos naturais, regionalizando a produção e o comércio; a adoção de instrumentos que buscam dar infraestrutura, educação e promover o cooperativismo e associativismo na produção orgânica, com sistemas justos e sustentáveis na produção/consumo. Nos 13º e 15º ODS relacionados à mudança global do clima e ao cuidado com à vida terrestre, a compatibilidade é completa, pois a agroecologia melhora a resiliência à mudança climática, devido aos métodos de diversidade de espécies e de atividade agrícolas, bem como pela desvinculação da dependência de energia fóssil. Ademais, busca a preservação e ampliação da biodiversidade dos agroecossistemas para produzir autorregulação e sustentabilidade. conceitos

A SUSTENTABILIDADE INTEGRADA Dada a crise urbana, já explicitada em capítulos anteriores, a qual abarca extrema pobreza, violência e degradações ambientais, a temática da sustentabilidade faz-se imprescindível, trazendo à tona o debate das transições urbanas para a sustentabilidade. Assim a urbanização sustentável é frequentemente associada às “cidades compactas”, como se esse fosse o único modelo possível de transição. De acordo com francês François Mancebo (2014)4, PhD e professor de planejamento urbano e sustentabilidade na Universidade de Reims, por mais indesejável que seja, a expansão e fragmentação urbana é característica da cidade contemporânea. Pois, para existir uma cidade compacta, precisa existir em seu lado externo, espaços que integrem os serviços relacionados ao metabolismo urbano como as usinas de esgoto e os depósitos de lixo. Nesse sentido, ainda que a sustentabilidade na cidade compacta preze por redes de infraestrutura inteligentes, pela reciclagem do tecido urbano e pela utilização do existente, tais aspectos da sustentabilidade urbana acabam não sendo tratados dentro de seus limites territoriais. E até mesmo a grande maioria dos trabalhadores da cidade acabam ficando do lado de fora desta cidade compacta, por não conseguirem se manter, devido aos altos custos advindos de especulação e/ou gentrificação. Deste modo, Mancebo afirma que, segundo David Pearce, quando a cidade transita para a sustentabilidade exportando o ônus de seu desenvolvimento, como poluição e resíduos, não pode ser classificada como sustentável de fato, visto que sua sustentabilidade é importada. Por conseguinte, para evitar este tipo de sustentabilidade, as políticas urbanas de sustentabilidade devem ser concebidas e implementadas em áreas grandes, em três escalas complementares:

4.  It’s Not Only City Design—We Need To Integrate Sustainability Across the Rural-Urban Continuum. Disponível em: <https://www.thenatureofcities.com/2014/03/24/ its-not-only-only-city-design-we-need-to-integrate-sustainability-across-the-rural-urban-continuum/>. Acesso em: 24 maio 2020.

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a do bairro, a da cidade e a das áreas agrícolas e naturais adjacentes. Isso porque não é possível abordar as questões de sustentabilidade urbana considerando apenas as áreas de grande densidade urbanas e as cidades compactas, sendo crucial agregar as áreas integradas como as rurais, naturais e periurbanas a fim de incluir a maioria dos fluxos do metabolismo urbano. Assim, se faz necessário retomar a questão de que não se pode criar uma dicotomia entre as áreas urbanas e rurais, como se fossem incompatíveis. Ainda que a expansão urbana acarreta em dificuldades de acessibilidade e maiores custos da conexão às redes de serviço público, é preciso reconhecer que a periurbanização possui também vantagens. Isso porque colabora com a redução da poluição, dos congestionamentos e da densidade de centros urbanos, já que é geograficamente impossível para todos viverem no centro. E oferecer a possibilidade de moradia e trabalho em áreas periurbanas às pessoas que prezam por este estilo de vida é primordial. Assim, para promover a transição urbana para a sustentabilidade, a solução não é se opor à expansão urbana, mas guiá-la. Afinal, a urbanização de baixa densidade é contemplada pelos novos argumentos trazidos por políticas climáticas, pois é sabido que bairros verdes e de baixa densidade auxiliam na redução da temperatura local (10% do aumento da vegetação reduz a temperatura em até 1 ° C em um raio de 100 metros). Por isso, nos bairros verdes as condições ambientais tendem a ser melhores, visto que é levado em consideração a uso prudente dos recursos, da água, do ar, da energia e da biodiversidade. Assim, abordar a sustentabilidade em escalas grandes o suficiente para impedir a sustentabilidade importada, também significa reconhecer e promover a diversidade de caminhos que levam à cidades sustentáveis. 32

metabolismo rural-urbano integrado

bairros

cidades

áreas naturais

áreas agrícolas

Figura 8. A sustentabilidade integrada. Fonte: Elaborado pela autora.

conceitos


os processos participativos Os processos participativos são uma das formas de responder aos problemas político-sociais das cidades neoliberais ao incluir a opinião e o desejo dos usuários, garantindo cidadania e democracia na concepção dos espaços. Dando voz aos usuários e levando-os à efetiva apropriação e identidade com o espaço construído, as chances de se alcançar um projeto de arquitetura e urbanismo mais adequado e pertinente são maiores. Giancarlo de Carlo, arquiteto italiano, é uma referência nessa temática visto que foi um dos pioneiros, durante as décadas de 1960 e 1970, a refletir sobre a importância de projetos participativos. O arquiteto era membro do TEAM 10, um grupo de arquitetos formado dentro dos CIAM com o intuito de romper com os congressos modernistas, em 1956. Eles procuravam promover reflexões acerca dos problemas da arquitetura moderna e defendiam a ampliação da participação, apropriação e interação dos habitantes com o lugar. Deste modo, o sentido de morar não englobava somente o fato de possuir uma casa, mas o fato de se sentir pertencente ao lugar, apropriando-se e considerando-o como parte da cidade. As propostas de De Carlo para o desenvolvimento do projeto de habitação operária da Villa Matteotti (1964- 1974) e do estudo de desenvolvimento urbano de Urbino (1958-1976) são muito importantes para a definição dos métodos de trabalho em projetos participativos. Ele traduziu a participação dos usuários na tríade: oferecer ao habitante a opção de escolha x ampliar seu repertório arquitetônico x mostrar ao cidadão os seus direitos. Ao proporcionar tal metodologia, De Carlo pretendia levar ao processo de projeto a educação e a cultura (BARONE, 2004). conceitos

Assim, a partir das discussões era possível entender quais eram as reais necessidades dos moradores, seja na estrutura dos espaços ou na habitação. Desta forma, os processos participativos nos projetos de arquitetura e urbanismo possuem uma relação muito forte com o conceito ampliado do habitar. A discussão deste conceito se faz importante à medida que se compreende que o habitar não se trata apenas da unidade habitacional em si, mas sim de toda uma discussão de direitos já mencionada nas seções anteriores (BARONE,2004). E, enquanto a luta por direitos, sobretudo à cidade e à moradia, não é alcançada, resta às pessoas de cidades periféricas e desiguais a alternativa da autoconstrução. Esta prática que a população pobre encontrou para garantir seu acesso à moradia, na maioria desprovida de infraestrutura e serviços, é realizada nos fins de semana e/ou nos horários de descanso dos trabalhadores (MARICATO, 2015). A Lei de Assistência técnica de 2008, a qual garante a essas pessoas o acesso gratuito a serviços de arquitetura, urbanismo e enhenharia, é uma conquista legislativa importante, visto que retomou a discussão acerca da habitação popular e da participação de arquitetos e urbanistas nesse processo (CARDOSO, AMORE, 2018). As primeiras experiências de assistência técnica no Brasil tiveram muita influência das experiências das Cooperativas de vivenda por ayuda mútua do Uruguai. O projeto de Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte de São Paulo, é um exemplo da união de trabalhadores que se auto-organizaram, na ajuda mútua, a fim de produzir sua moradia em contraponto à produção padronizada do BNH que não os contemplavam. (CARDOSO, AMORE, 2018). 33 33


No final dos anos de 1980, os mutirões autogeridos de movimentos sociais em parceria com as assessorias técnicas foram se expandindo. Nesta época, o governo municipal de São Paulo estruturou um programa habitacional, com a supervisão de técnicos e especialistas. No quadro técnico dessas assessorias, era comum a atuação interdisciplinar de profissionais, ainda que predominassem os arquitetos e urbanistas.Os profissionais se propunham a trabalhar para auxiliar a melhoria das condições de vida da população mais vulnerável economicamente, apoiando as lutas pelo direito à moradia digna e aos serviços essenciais da cidade (CARDOSO, AMORE, 2018). Atualmente, há equipes de assessorias técnicas que apesar de terem surgidas há décadas, seguem atuando juntamente aos movimentos sociais a fim de auxiliar na produção de habitação social e na reurbanização de favelas. Em São Paulo, é notório as assessorias realizadas pelos grupos Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais e Usina Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado (CARDOSO, AMORE, 2018). Na figura 8 têm-se o Edifício Copromo, em Osasco - SP. Sua escada metálica pré-fabricada, proposta pela USINA CTAH, permitiu a segurança dos mutirantes, tornando-se uma solução inovadora. Na figura 9, têm-se o exemplo de uma oficina de projeto participativo realizada pela Peabiru para o conjunto habitacional Vera Cruz, em Diadema (SP).

Figura 10. Conjunto habitacional Vera Cruz. Fonte: peabirutca.org.br (modificado pela autora)

Pode-se citar algumas das estratégias efetivas que são utilizadas de forma recorrente em processos de projeto participativo. O manual de metodologias participativas para o desenvolvimento comunitário (2007) apresenta algumas oficinas, dinâmicas e jogos que podem ser utilizados por assessorias técnicas de modo a levantar as preferências e gostos dos usuários. A seguir serão apresentados alguns exemplos de metodologias que podem ser utilizadas. ÁRVORE DOS SONHOS Essa oficina tem o objetivo de identificar sonhos e desejos em comum entre os usuários. A metodologia tem sua origem no início da Eco 92, quando pessoas do mundo todo escreveram seus sonhos de futuro em papéis em forma de folhas que foram penduradas nos galhos de uma árvore gigante, que foi instalada na praia do Flamengo, no Rio de Janeiro. A duração da oficina é de aproximadamente 2 horas e os materiais necessários são papéis em forma de folhas, fita crepe e um tronco de árvore com seus galhos que pode ser desenhado em papel ou lousa, como ilustrado na Figura 11. E, para seu desenvolvimento, o grupo é subdividido em subgrupos que devem responder como gostariam que fosse o lugar que desejam morar. Cada grupo ao apresentar seus sonhos vai compondo as folhas das árvores para que a árvore dos sonhos desenvolva uma organização do

Figura 9. COPROMO, Osasco –SP. Fonte: USINA CTAH (modificado pela autora)

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pensamento coletivo e destacando os principais pontos em comum. WISH POEMS (POEMA DOS DESEJOS) Esse instrumento, desenvolvido por Henry Sanoff (1995 e 2001), será aplicado às pessoas com até 12 anos incompletos e seu principal objetivo é possibilitar que as crianças do acampamento também possam expressar com maior liberdade, por meio de desenhos, frases e/ou palavras, as suas necessidades e demandas relativas ao ambiente que desejam morar (Figura 4). A duração da oficina é de aproximadamente duas horas e os materiais necessários são folhas de papel (sulfite, cartolina, papel craft), canetas coloridas e lápis variados para todos os participantes. Com essa dinâmica espera-se encontrar respostas, que possam ser categorizadas para identificar padrões de demandas semelhantes.

Figura 11. Árvore dos sonhos. Fonte: Manual de metodologias participativas (modificado pela autora)

BIOMAPA COMUNITÁRIO/MAQUETE Essa dinâmica tem o objetivo de contribuir para o mapeamento e identificação de aspectos importantes da realidade local. Desta forma, os participantes podem ampliar sua noção do espaço, identificando a estrutura básica existente na comunidade que se possam elencar pistas para as futuras diretrizes de implantação e zoneamento da comunidade. A duração desta oficina é de aproximadamente 2 horas e os materiais necessários são Folhas de papel (sulfite, cartolina, papel craft), canetas coloridas, lápis, lápis de cor.

Figura 12. Poema dos desejos. Fonte: Oficina Participativa de Desenvolvimento Urbano de Ilhéus e “Cidades Criativas. (modificado pela autora)

JOGO DE CARTAS O jogo de cartas possui como objetivo principal identificar as preferências e demandas dos usuários por meio da técnica de preferência declarada (PD). Esta técnica consiste em expor aos participantes diversas alternativas para que uma única seja escolhida. Esta escolha indica a sua preferência pelos atributos de uma opção sobre outras (BRANDLI; HEINECK, 2005), para que conceitos

Figura 13. Biomapa comunitário. Fonte: Manual de metodologias participativas (modificado pela autora)

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assim possa ser possível hierarquizar as demandas e preferências de modo a conduzir a elaboração de um programa de necessidades e de pistas para a implantação do projeto. O jogo de cartas apresenta cinco parâmetros de valor (ou naipe): inserção urbana, ambiente intraurbano, valor ambiental, valor sócio cultural e valor econômico e 24 conceitos (ou cartas) relacionados ao desenho urbano (Figuras 12 e 13). Para facilitar o entendimento do jogo, cada naipe é identificado com uma cor e cada carta possui uma ilustração referente ao conceito apresentado. O registro de preferências para cada parâmetro é executado em uma folha de coleta de dados no momento da aplicação dos cartões aos participantes. Este tipo de instrumento participativo já foi utilizado em outras consultas de projetos de habitação de interesse social e demonstraram ser muito efetivos na sinalização de pistas para o processo de projeto (PINA e De PAOLI, 2015; GRANJA et al, 2009). A duração do jogo é de aproximadamente 4 horas e o material utilizado são apenas as cartas do jogo e a folha de coleta de dados.

Figura 14. Exemplo de Naipes e formulário. Fonte: PINA e De PAOLI, 2015; GRANJA et al, 2009 (modificado pela autora)


táticas e pistas projetuais CUNHAS VERDES A ideia foi proposta no século XX pelo urbanista alemão Rudolf Eberstadt para ser um modelo de inclusão sistêmica de áreas verdes no tecido urbano das cidades modernas. Para este urbanista, as cidades iriam se expandir seguindo grandes eixos viários que irradiariam do centro às periferias. Nesse sentido, a ocupação do território geraria vazios em forma de cunha entre as áreas urbanizadas, que poderiam ser transformadas em áreas verdes, de modo a trazer o campo e as áreas naturais ao centro das cidades (DE OLIVEIRA, 2019). Segundo Fabiano de Oliveira (2019), ao contrário da ideia dos cinturões que mantém a maior parte das áreas verdes distantes da população, o modelo de cunhas verdes devido à sua morfologia, traria a natureza para o cerne da vida cotidiana. Dentre os benefícios deste modelo, pode-se citar a distribuição equitativa de áreas verdes, a reconexão com o campo, zoneamento adequado separando áreas industriais de residenciais, e a criação de canais que facilitariam a entrada de ar puro nas cidades e remoção do ar poluído. Isso significa que os serviços ecossistêmicos são trazidos para perto das pessoas, beneficiando-as no seu dia a dia.

Figura 15. Cunhas Verdes. Fonte: (DE OLIVEIRA, 2019)

Nesse sentido, o urbanismo de cunhas verdes apresenta dez princípios norteadores a serem aplicados nas cidades que seguem as diretrizes de infraestruturas verdes baseadas nas SBN. Estes princípios são: relação equilibrada entre áreas edificadas e natureza, conexão entre cidade e campo, continuidade das cunhas verdes, maximização do acesso e uso público, o planejamento positivo e o projeto de lugares de alta qualidade, a integração sistêmica, a inclusão dos serviços ecossistêmicos, permeabilidade das bordas das cunhas verdes e conexões cruzadas, uma aproximação multi escalar e flexibilidade da forma (DE OLIVEIRA, 2019).

operações táticas

Figura 16. Operações táti Fonte: www.vitruvius.com.br

Estudantes do Department of Landscape Architecture de Havard, com o auxílio do Professor Christian Werthmann, elaboraram em 2009 13 operações táticas em parceria com a Secretaria de Habitação de São Paulo. Estas operações tinham como objetivo contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes da antiga ocupação Cantinho do Céu, à margem da Represa Guarapiranga no sul de São Paulo, hoje urbanizada pelo Programa Guarapiranga. Sua principal diretriz de recuperação refere-se, principalmente, às questões ambientais, visto que está localizada em áreas de ZEIS e em uma APP. 37


O projeto Cantinho do céu, premiado nacional e internacionalmente, é referência no que tange à à urbanização de favelas, à recuperação e à preservação ambiental associada à transformação e criação de espaço público de qualidade. A relevância das táticas elaboradas para implementar o projeto consistem no fato de que podem ser replicadas em outros projetos, não apenas de reurbanização de favelas, mas também àqueles que têm relação direta com a conscientização ambiental, com movimentos de luta por direitos básicos, ocupações urbanas, produção de alimentos, entre outros (WERTHMANN, 2009).

01 conectando a metrópole

02 criando empregos

03 iniciando intercâmbios

as treze operações táticas 38

04 aproveitando a poluição

05 promovendo recreação

consiste na criação de conexões eficientes de transporte entre o Cantinho do céu e o centro de São Paulo, para facilitar a conexão dos cidadãos aos bens, serviços, empregos e equipamentos urbanos da cidade formal por meio de uma rede transporte eficiente. Ao reduzir essas distâncias, devolve-se a cidadania e rompe-se com o exílio socioespacial da população periférica. Propõe criar um corredor zíper de integração urbana e social, no mesmo da tática 01, que integraria as favelas do Cantinho do Céu e Gaivota. Para isso, propõe-se propõe enterrar as linhas de eletricidade, por segurança, para o desenvolvimento econômico e geração de empregos, criando novas moradias, equipamentos públicos, parques e espaços de lazer, serviços e pequenos negócios. Esta tática se relaciona à criação de píers às margens da represa Billings com o intuito de propor o intercâmbio social, comercial, cultural e ambiental. Este novo uso na orla favorece a conexão entre os moradores, mas também uma possibilidade de uso turístico futuro, para transporte aquático dos moradores e/ou visitantes. Sugere-se uma aproximação e identificação dos moradores com a represa, trazendo a necessidade de protegê-la e celebrá-la, criando ilhas wetland, auxiliam na limpeza da água, no aumento de área para cultivo e contribuem para o aumento da renda da população. Para a recreação, propõe-se a alteração do desenho urbano no que concerne ao alargamento de calçadas, plantio de árvores, aterramento de fiação elétrica de modo a incentivar aos moradores a levarem as alterações para dentro das unidades habitacionais também, de modo a aquecer a economia local. Ademais, propõe-se que nas áreas de remoções, sejam previstos espaços de recreação e lazer como parques, praças, entre outros. conceitos


06 conduzindo os fluxos materiais

07 limpando a água

08 discutindo o direito

09 reduzindo o estigma

10 construindo moradias

conceitos

Para solucionar as questões de esgoto à céu aberto, propõe-se a implantação de jardins de tratamento de esgoto que percorreria as vielas e áreas residuais da comunidade. Estes jardins são dispostos em platôs a fim que que a condução da água pelos biofiltros seja feita por meio do desnível, por gravidade.

As ilhas flutuantes associadas ao cultivo de plantas despoluidoras e os jardins de tratamento de esgoto auxiliam na qualidade da água que chega à represa. Aproveita-se também da rica bacia hidrográfica, que por seu relevo, formam pequenas piscinas naturais as quais podem ser potencializadas e melhor aproveitadas como espaços de lazer caso a água chegue limpa. Propõe-se um sistema de calçadões na orla que permite a habitabilidade das margens. Esta margem habitável pode, assim, ser utilizada com recreação, comércio e habitação. Este sistema auxilia na delimitação daquilo que é construído e passível de ocupação do não construído e reservado à preservação. Como as táticas em sua maioria possuem o intuito de cuidar do ambiente, das águas, diminuir a poluição e revitalizar toda a área, criando espaços de recreação, habitáveis e agradáveis, consegue-se mudar o estigma ruim e preconceituoso criado da favela. Rompendo com a imagem de um ambiente de mal cheiro, sujo, degradado e poluído, mesmo porque um dos maiores agentes poluidores da represa em questão é a cidade formal. Devido às inevitáveis remoções e a valorização que o bairro receberá, prevê-se um também inevitável aumento na demanda por moradias. O terreno das linhas de transmissão de energia é um local possível para a construção de conjuntos habitacionais para o reassentamento dos moradores removidos e para a chegada de novos moradores.

11 construindo nódulos urbanos

12 aumentando a biomassa

13 promovendo espaços públicos

Propõe-se a criação de espaços abertos e de qualidade que concentrem diversidade de usos e atividades, para possibilitar encontros, reuniões, festivais, etc, configurando uma centralidade. Tais espaços podem fazer a interação entre escolas, praças, comércios, moradia, ruas principais, etc.

Se relaciona ao plantio de árvores na ocupação, ao mesmo tempo em que reconhece a dificuldade de executar essa tarefa frente aos obstáculos que são de natureza econômica, física e social. As árvores jovens podem serem vandalizadas, os espaços livres para o plantio em larga escala são escassos, e as ruas são estreitas e muitas vezes íngremes. Assim, a proposta de conversão do terreno das linhas de transmissão em uma grande porção livre de terra, um viveiro de mudas de árvores, além, do plantio nas ruas, é potencial. A nova biomassa desempenharia funções vitais: moderação da temperatura, absorção da poluição e sequestro de carbono, redução do escoamento superficial, embelezamento da área.

Os espaços públicos são como a peça chave para que vinguem a grande maioria das táticas anteriores. Através dos espaços públicos de qualidade implantados e bem geridos pode-se alcançar a mudança na qualidade de vida dos moradores e diminuir as disparidades entre a cidade ilegal da cidade formal que tanto geram o preconceito e a segregação social. Ainda que pequenos e escassos nos assentamentos precários, esses espaços acabam sendo tão importantes quanto a implantação de equipamentos públicos e serviços. 39


referências de assentamentos e as teorias urbanísticas correlatas A partir da luta por direitos, bem como das demandas de organização dos acampamentos e assentamentos do MST, o movimento decidiu criar modelos de assentamento a serem seguidos a fim de criar um padrão urbanístico a ser seguido. Assim, elaborou-se, em 2001, o Caderno de Cooperação Agrícola nº 10: “O que levar em conta para a organização do assentamento – a discussão no acampamento”. Neste caderno apontam-se diretrizes diversas sobre como realizar a titulação por meio da Concessão Real de Uso da Terra (quando a propriedade da terra permanece sendo do Estado); sobre a organização de núcleos base a partir da divisão do assentamento em grupos de até 20 famílias, para garantir autonomia para resolver pequenos problemas evitando a convocação de assembleias do assentamento; sobre como organizar a cooperação agrícola com a realização de um plano de produção em conjunto com o planejamento da utilização de créditos apoiados pela assistência técnica; sobre como organizar o parcelamento do assentamento e implantar a infraestrutura e os serviços sociais, contemplando também a memória e os símbolos da luta pela terra. Para implementar esta última diretriz, o caderno oferece modelos específicos de organização do espaço dos assentamentos a serem explicitados a seguir. Antes deste caderno, como pode ser visto na figura a seguir, o modelo adotado pelo INCRA apresentava o parcelamento de lotes ocupando toda a área do assentamento, a partir de lotes de tamanhos regulares que seguiam apenas estradas e acidentes naturais. (RAGGI, 2014) 40

Mas este modelo de parcelamento foi muito criticado por uma série de questões, pois, apresentava dificuldades de de acesso às áreas coletivas e de implantação de infraestrutura devido à grande dispersão das famílias. Por esse motivo, os dirigentes do MST o apelidaram de “quadrado burro”. Como alternativa para esses problemas, o MST propõe duas soluções de parcelamento diferentes: MODELO RAIO DE SOL conhecido também como roda de carroça, possui formato radial com pequenos centros comunitários em torno dos quais são agrupados os núcleos de famílias. Nesta proposta, a distribuição de infraestrutura é viabilizada por ser realizada em uma área mais restrita, reduzindo os custos. Além disso, o trabalho cooperado seria otimizado, tendo em vista que o formato radial permite a melhor utilização de tratores para aragem e plantio em vários lotes de uma só vez. E, a criação de áreas de agroindustrialização próximas aos locais de moradia facilitariam o acesso de pessoas e o deslocamento da produção agrícola. MODELO DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS Este modelo de núcleos habitacionais separados das áreas de produção, consiste na implantação de pequenas agrovilas com lotes reduzidos (cerca de 1 hectare, podendo ou não haver um lote individual de maiores dimensões separado do local de moradia). Assim, cada família pode ter sua produção individual, mas produção principal é coletiva e dividida por núcleos de moradia. Este modelo é mais flexível e é adequado para áreas com relevo acidentado, pois permite a implantação de áreas coletivas e núcleos habitacionais em áreas de dimensões diferenciadas. conceitos


TEORIAS URBANÍSTICAS CORRELATAS Ambos os modelos (Raio de Sol e de Núcleos Habitacionais) apresentam uma morfologia e uma lógica organizacional através das quais se pode identificar influências de teorias urbanísticas da literatura. Assim, pode-se identificar muitas semelhanças estruturais e teóricas com relação ao Urbanismo Rural, que por sua vez, apresenta influências da Unidade de Vizinhança e da Cidade Jardim (PINHO, MONTEIRO, PINA, 2019). O Urbanismo Rural foi desenvolvido pelo teórico arquiteto José Geraldo da Cunha Camargo com o intuito de levar aos colonos as facilidades de serviços, comércios e infraestrutura do meio urbano. Em uma alusão à Cidade Jardim de Howard, era necessário combinar a cidade e o campo para encorajar a ocupação da Amazônia. Assim, a teoria foi aplicada na colonização da Amazônia ao longo da Rodovia Transamazônica na década de 1970, durante a ditadura militar, mas não apresentou resultados positivos, sendo classificado como um fracasso. (PINHO, MONTEIRO, PINA, 2019). A teoria de Camargo possui o propósito de conter o êxodo rural, capacitar os rurícolas permitindo-lhes um desenvolvimento sociocultural e criar núcleos urbanos em áreas rurais, a fim de evitar problemas urbanos como favelas e crescimento desordenado. Para isso, era necessário fornecer terra, assistência técnica, médica e educacional, socialização e acesso aos serviços de necessidades básicas. Assim, os assentamentos propostos próximos a centros urbanos apresentam intenção semelhante, pois normalmente as famílias que trabalham no campo valorizam a proximidade ao urbano, mas como já explorado no capítulo anterior, é necessário garantir condições mínimas de subsistência (RAGGI, 2019). conceitos

Figura 17. Modelo Quadrado Burro. Fonte: RAGGI, 2019 (Modificado pela autora)

Figura 18. Modelo Raio de Sol. Fonte: RAGGI, 2019 (Modificado pela autora)

Figura 19. Modelo de núcleos habitacionais com áreas de produção coletiva. Fonte: RAGGI, 2019 (Modificado pela autora)

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Com relação ao seu modelo de planejamento, o Urbanismo Rural consiste em um conjunto hierárquico de “urbs” composto da tríade Agrovila – Agrópolis–Rurópolis, articulada às cidades. As agrovilas equivalem a bairros rurais, nos quais os moradores poderiam praticar agricultura de pomares, horticultura e criação de animais de pequeno porte. Com relação aos equipamentos, previa-se a instalação de escola rural, centro comunitário, pequenos comércios, posto de saúde, serviço social, centro administrativo e áreas de lazer. Cada Agrovila teria um raio de influência de 48 lotes rurais de 100 ha (PINHO, MONTEIRO, PINA, 2019). Fazendo uma analogia, as agrovilas seriam como os núcleos-base dos assentamentos que articulados compõem o assentamento todo que por sua vez apresenta uma relação de interdependência com as cidades. Já as Agrópolis, que seguindo a analogia corresponderiam ao assentamento em si, equivalem a bairros mais independentes, com zoneamento definido de áreas residenciais e de comércio. Os lotes teriam dimensões menores, mas também seriam permitidas as práticas rurais das Agrovilas. Com relação aos equipamentos, previa-se escola primária e secundária, comércios maiores, cooperativas, pequenas agroindústrias, armazéns, patrulha mecanizada, cemitério, centro telefônico, correio e telégrafo. Seu raio de influência poderia chegar a 10 km, apoiando um conjunto de 8 e 10 Agrovilas, funcionando como satélites de uma Agrópolis. No terceiro nível estaria a Rurópolis, um núcleo urbano de 20.000 habitantes, considerado como centro de integração microrregional cultural, social, comercial, industrial e administrativo. Nele, o raio de influência estaria entre 70 e 120km. Com relação a seus equipamentos, é fundamental essa “urbs” oferecesse todos os níveis educacionais, 42

escolas primárias, secundárias e técnicas. Para então poder se chegar ao último nível de “urbs”: as cidades que deveria incorporar centros universitários, cursos técnicos e dotar implementos socioeconômicos compatíveis com um núcleo polarizador de desenvolvimento (PINHO, MONTEIRO, PINA, 2019). Além disso, deveria ocorrer um processo mínimo de desflorestamento, pois Camargo incentivava que fosse realizada nos lotes rurais uma agricultura agroflorestal. Já a agricultura de subsistência deveria ser realizada ao redor da Agrópolis, enquanto que nos lotes residenciais poderia ser praticada uma agricultura de complementação de subsistência. Nesse sentido, o modelo teórico de Camargo poderia ser expandido para além das margens da Rodovia Transamazônica, gerando uma malha viária em grelha e conectada às cidades existentes (PINHO, MONTEIRO, PINA, 2019). Aqui pode-se identificar semelhanlas com relação à produção dos assentamentos que também pregam este tipo de cultivo, permitindo tanto uma produção pequena individual, como a preponderante comunitária e coletiva, além de toda a preocupação com a sustentabilidade intrínseca. Deste modo, pode-se citar as semelhanças estruturais com os modelos de assentamento propostos pelo MST. Isso porque apresentam um ambiente comunitário e cooperativo. Além disso, a morfologia radial, setorizada em núcleos independentes mas que cooperam entre si, a hierarquização viária que prioriza os pedestres, a setorização e o zoneamento funcional também são pontos destacáveis semelhantes. Levando em consideração uma análise comparativa entre o Urbanismo Rural e as teorias da Cidade Jardim e da Unidade de Vizinhança, pretende-se, a seguir, levantar semelhanças estruturais com os modelos de assentamento supracitados. conceitos


UNIDADES DE VIZINHANÇA agrovila agrópolis cidade agricultura geral agricultura horti-granjeira reflorestamento estradas principais Figura 20. Esquema do Urbanismo Rural de Camargo. Fonte: REGO, 2019 (Modificado pela autora)

agrópolis com lotes hortigranjeiras

lotes de agricultura florestal

agrovila

reserva florestal do lote

agrópolis vias

reserva florestal

Figura 21. Módulo Teórico de Colonização proposto por Camargo. Fonte: PINHO, MONTEIRO, PINA, 2019 (Modificado pela autora) reservas florestais

estradas vecinais

A teoria das unidades de vizinhança foi desenvolvida nos anos 1920 pelo arquiteto e urbanista Clarence Perry. Este modelo idealizava uma cidade com áreas residênciais autônomas e que priorizasse o pedestre. Algumas são as semelhanças entre as propostas de Perry, Camargo e modelos de assentamento, a saber: a necessidade da presença de equipamentos públicos como escolas primárias, pequenos parques, comércios e serviços essenciais; a prioridade dada às vias peatonais; alguns princípios de Perry podem ser encontrados na tríade urbana de Camargo e também nos modelos de assentamento, como os limites marcados por vias, espaços de Recreação Públicos/Comunitários, localização dos serviços e comércios. O fato de Perry conferir que a unidade pode ria ser considerada tanto uma peça de um conjunto maior quanto uma unidade distinta em si mesma, retoma-se ao paralelo feito anteriormente entre as agrovilas e os núcleos-base. Com relação à morfologia, a questão das vias largas e delimitadoras da unidade também é um ponto semelhante. CIDADES JARDIM

transamazônica

estradas perimetrais

Figura 22. Esquema de composição de diversos módulos teóricos. Fonte: PINHO, MONTEIRO, PINA, 2019 (Modificado pela autora)

conceitos

Já com relação à teoria da Cidade Jardim proposta pelo inglês Ebenezer Howard, desenvolvida a partir da década de 1890, também podem ser traçadas semelhanças com Urbanismo Rural e os modelos de assentamento. O primeiro paralelo refere-se à presença de um conjunto de núcleos urbanos cercados por cinturão verde, mesclando áreas produtivas e áreas de preservação. Esta proposta preconiza a proximidade e a facilidade de se estabelecer mercados para os 43


produtos agrícolas nos vários níveis do sistema. Além disso, assim como na cidade jardim, os lotes podem prever a implantação de residências cercada por jardins produtivos. Outro ponto em comum está no posicionamento sempre central das áreas verdes e na tentativa de organizar o centro cívico-administrativo nessa área, que no caso dos assentamentos, seriam suas centralidades. É válido ressaltar que nas Agrópolis, a localização setorizada das pequenas indústrias e cooperativas é próxima à via principal, fazendo correlação tanto com a Cidade Jardim como com a Unidade de Vizinhança, uma vez que em ambas as fábricas e depósitos e comércios eram estrategicamente posicionados próximos à via de escoamento (PINHO, MONTEIRO, PINA, 2019). No caso dos assentamentos, esse ponto poderia ser estendido para um ponto de distribuição da produção que poderia ser incorporado ao programa.

Figura 23. Unidade de Vizinhança industrial 5.

Figura 24. Esquema das “Urbs” da cidade jardim 5.

Figura 25. Diagrama da cidade jardim 5.

Figura 26. Proposta de Agrovila 5.

Pode-se trazer como semelhança a questão morfológica uma vez que todos apresentam desenhos radiais, dividindo a área em setores, assim como o desenho das vias. Pois, assim como Howard, Camargo propôs vias largas para a circulação interna, que variavam de 12 a 20 metros, apesar de nas Agrovilas não serem bulevares como proposto na Cidade Jardim. Já nas agrópolis, a hierarquia viária apresentava canteiros centrais, rotatórias e fundos de saco, além de estacionamentos. E estes são pontos que podem ser considerados no desenho urbano dos assentamentos, bem como enfatizar a prioridade na circulação peatonal dentro dos núcleos. Além disso, as teorias se assemelham também na organização do sistema de “urbs” satélites que favorecem um desenvolvimento urbano descentralizado, hierarquizado e ligado com a área de produção agrícola no entorno dos centros urbanos, assim como a proposta dos assentamentos. 44

5.  Fonte das imagens: PINHO, MONTEIRO, PINA, 2019 (Modificado pela autora)

Figura 27. Esquema da relação entre as teorias e o Urbanismo Rural através de um projeto de Agrópolis 5.

conceitos


TÁTICAS e parâmetros

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TÁTICAS e parâmetros

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conceitos e diretrizes

ODS

LEGIBILIDADE

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* parâmetros projetuais selecionados a partir da obra de Christopher Alexander: UMA LINGUAGEM DE PADRÕES (2013)

Figura 28. Esquema das diretrizes gerais para o projeto. Fonte: Elaborado pela autora.

conceitos

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