A2 CORREIO POPULAR Campinas, sábado, 29 de junho de 2019
Coordenação: Marcelo Pereira marcelop@rac.com.br
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Edição: Maria José Basso maria.basso@rac.com.br
“O que vi de dinheiro desperdiçado e dinheiro jogado no ralo é impressionante” Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, sobre desperdício de recursos públicos no Executivo Federal
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marli gonçalves Nossos Invernos, infernos internos O Inverno é isso. O País tropical anda rendido. E absolutamente perplexo no dia a dia dos últimos meses assistindo a um espetáculo diário de besteirol sem qualquer graça, sem roteiro e com o apoio solene de comediantes medíocres de stand up. Sim, eles, de pé, em cima de palanques, tribunas, altares, púlpitos, onde quer que estejam, é só esperar, dali coisa boa é que não vem. O caso é pensar como chegaremos às próximas estações. E, seja em quem foi que você, leitor, possa ter votado, não é possível que não perceba que estamos na famosa sinuca de bico, beira de precipício, esquina do horror, e que não há reforma que resista a uma crise depois de outra, a tanta insanidade em verde amarelo, azul e branco — que agora aparece até na gravata que o homem coloca para anunciar os amigos nos espaços vazios das crises. O patriotismo é mais do que apenas refúgio; pode ser o biombo que esconde a incompetência ou algo mais que ainda não se revelou por completo. Apenas em parte. Não adianta em público fechar os olhos, fazer marra, considerar-se feliz por tanta perturbação, pelo quanto pior, melhor, ou bater no peito, arrumar briga nas redes sociais, xingar a todos de comunistas ou “petistas”, dizer que “estamos” atrapalhando, e que não queremos o fim da corrupção, patati patatá. Esses discursos não cabem mais depois de 180 dias de sandi-
ces, isso sem contar todas que já foram disparadas durante o período eleitoral. O governo anônimo, sem marca, do Marcelo Álvaro Antonio e agora do Jorge Antonio de Oliveira Francisco, os nomes de nomes. Tudo o que se poderia até ter acreditado que ocorreria, veja só, não ocorreu. Os índices continuam ladeira abaixo, nenhuma reforma, e agora até de reeleição já ousou falar, convencido, o mesmo que a negava. Se alguém ainda punha fé na ampla presença de militares de alta patente no sistema, apure seus ouvidos e ouça o burburinho que anda entre eles, tratados com desprezo, este sim, bem patente. No masculino governo sumiram até com as leituras de libras antes tão aplaudidas. Reparou? Seis meses que se passaram de tal forma que até ser oposição tornou-se dispensável. Também ... com essa que temos, desorientada, sem novos quadros, sem liderança. Ser imprensa acaba sendo apenas uma cruel repetição de gritos no escuro. Registra-se de dia o que à noite será mostrado nos telejornais, isso se não tiver havido algum recuo, uma dança sem par. Depois eles se explicam lá no Programa do Ratinho. Em geral, gravado antes, bem editado. Não é sintomático? Alguém, em algum lugar, nesse exato momento, deve estar se dando muito bem com isso tudo. É você? Temo que não. I I Marli Gonçalves é jornalista
LEANDRO FERREIRA/AAN Vitrinista ajeita o vestido de manequim em loja do Centro de Campinas, deixando o visual atraente para as clientes
LEI MUNICIPAL
TransgredirasaúdeeaConstituição LEÔNCIO QUEIROZ NETO
A Oftalmologia é a especialidade médica que mais agregou tecnologias nos últimos anos. Por isso, possibilita o diagnóstico de diversas doenças oculares logo no início. O problema é que 47% dos brasileiros, acreditam que as alterações visuais apresentam sintomas assim que aparecem. Ledo engano. Até os vícios de refração — miopia, hipermetropia e astigmatismo — podem passar despercebidos no início. O diagnóstico tardio das doenças oculares explica porque a OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que 60% dos casos de cegueira são evitáveis. Em Campinas a perda da visão evitável pode se tornar ainda maior que a estimativa da OMS. Isso porque, o prefeito Jonas Donizetti sancionou na última quarta-feira, no Salão Vermelho da Prefeitura, projeto de lei aprovado por 19 a 10 votos na Câmara Municipal que propõe legalizar na cidade a instalação de consultórios optométricos para prescrição de óculos de grau à população. A nova lei municipal transgride diversos pontos da Constituição Federal. Primeiro porque só a União pode legislar sobre o exercício das profissões. Além disso, os artigos 38 e 39 do decreto 20.931 que regulamenta o exercício da medicina, estabelecem respectivamente que a venda de óculos de grau no País só pode ser feita mediante apresentação de receita médica e proíbe aos optometristas a instalação de consultório.
Vale ressaltar que na Oftalmologia não é possível separar exame de refração e diagnóstico de doenças oculares porque muitas coexistem. A cisão proposta por este projeto de lei é irresponsável já que o olho tem de ser examinado como um todo para impedir a progressão de doenças que não podem ser corrigidas com óculos. Este é o caso da catarata, glaucoma e alterações na retina que atingem 32% da população adulta de baixa renda da cidade, conforme um levantamento durante mutirão realizado no hospital. Como se não bastasse, o ceratocone e o astigmatismo tem sintomas refrativos semelhantes na fase inicial. A doença degenera a córnea e no Brasil responde por 70% dos transplantes. Esta degeneração afina a córnea, aumenta o espaço entre suas fibras de colágeno e faz a lente do olho que normalmente é esférica, assumir o formato de um cone. Em geral surge
na adolescência, mas pode aparecer na infância. Quando isso acontece progride rapidamente. A boa notícia é que o Crosslinking, único procedimento que interrompe a progressão por aumentar a resistência da córnea em até 3 vezes, tem melhores resultados quando aplicado na infância. A má é que permanecer muito tempo só cuidando da refração impede esta cirurgia porque córneas muito finas não podem passar pelo procedimento. Outra alteração visual grave na infância é a ambliopia ou olho preguiçoso que acontece quando há uma grande diferença de acuidade visual entre os olhos. A ambliopia não pode ser corrigida por óculos. Pior, se o olho que enxerga menos não for estimulado até os 8 anos de idade leva à cegueira monocular permanente. É bom lembrar que a miopia se tornou uma verdadeira epidemia no mundo todo e em Campinas não é diferen-
I I Leôncio Queiroz Neto é presidente do Instituto Penido Burnier, membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e da Associação Brasileira de Catara e Cirurgia Refrativa
EDUCAÇÃO
Namoro na adolescência: fato ou fake? ACEDRIANA VICENTE VOGEL
O início da adolescência coincide com o final do Ensino Fundamental, fase em que desabrocham as paixões e, com elas, o convite: “quer namorar comigo?” Se tudo o que é humano não é estranho à escola, o assunto do namoro deve ser tratado com naturalidade. Há adultos que, pelo discurso defendido, deixam a impressão de
que já nasceram adultos. Ligam o dispositivo de memória seletiva e apagam as vivências da travessia dos 13 aos 18 anos, em que se articulam medo, angústia e prazer no mesmo segundo de sua vida. Namorar é uma ação humana; portanto, faz parte do dia a dia de todos os que se ocupam da educação de adolescentes e jovens e trabalham em favor da grande conquista que é aprender a lidar com as emoções que emanam das relações nos espaços de convivência. Quando ouço de gestores de escolas
de Ensino Médio que os alunos não namoram porque é proibido, logo me vem à mente: ah, coitados, como são iludidos! A visão ingênua de que, por ser proibido, não acontece, não ajuda no tratamento, nem acolhe a angústia que esse tema suscita. Yves de La Taille, psicólogo e referência na área de desenvolvimento moral, defende a construção dos limites no espaço escolar sob três dimensões: a) Os limites a serem transpostos — encorajar os estudantes a conhecer os próprios limites, a fim de
te. Pesquisas revelam que a única terapia capaz de barrar a progressão para altos graus é a prescrição durante a infância de um colírio que só pode ser diluído nas farmácias de manipulação mediante receita médica. Portanto, entregar aos optometristas o cuidado com a refração pode levar ao crescimento na cidade da alta miopia que aumenta os risco de descolamento da retina e outras doenças na retina que podem levar à perda permanente da visão. O conhecimento do oftalmologista sobre a anatomia e funcionamento do corpo humano, permite que em uma consulta de rotina para prescrição de óculos faça o diagnóstico de doenças antes dos primeiros sinais. Entre elas se destacam a hipertensão arterial, diabetes, alterações reumáticas, tuberculose, toxoplasmose, lepra, Aids, tumores intracranianos e até o mal de Parkinson. Significa que a consulta oftalmológica pode preservar a qualidade de vida . Em um levantamento no Instituto Penido Burnier durante ação social pudemos constatar que nas classes sociais menos favorecidas 18% das pessoas engavetam a receita dos óculos de grau, 80% a mais que a média nacional de 10% segundo o CBO (Conselho Brasileiro de Oftalmologia). Por isso, recentemente encaminhamos ao poder público proposta de criação de modelos básicos subsidiados pelo governo local para que a correção visual seja um bem acessível a todos.
transpô-los, pois, afinal, foi rompendo os limites do seu tempo que, por exemplo, a luz elétrica, o avião e tantos outros objetos foram criados; b) Os limites a serem respeitados — criados para organizar o mundo social, que qualifica a liberdade em sua relação direta com a responsabilidade. O semáforo, por exemplo, não foi criado para impedir o deslocamento, apenas para organizá-lo; c) Os limites para a intimidade — essa dimensão é assegurada pela Constituição brasileira e estabelece a diferença entre o pri-
vado e o público, bem como o respeito à privacidade e o controle de acesso dos outros à nossa intimidade. Sendo o namoro algo de foro íntimo, pode estar aqui um importante argumento para os que defendem a sua proibição em espaços públicos, como por exemplo, na escola. Quando compreendemos as três dimensões educacionais do limite e o conceito de liberdade — associado à responsabilidade —, o maior impasse educativo se encontra em discernir se o limite é um convite para o outro lado —
transposição — ou uma ordem para respeitar as fronteiras. Quanto mais conhecemos os nossos estudantes e adentramos o restrito espaço de sua convivência, mais entendemos que são criaturas ávidas por limites, interessadas pelas descobertas que ultrapassem o óbvio, desde que sejam tocadas de forma inteligente, estabelecendo e gerenciando vínculos positivos. Namoro na adolescência é fato, sobretudo no Ensino Médio, e deve ser tratado como todos os assuntos polêmicos, com diálogo franco, a partir da empatia e da generosidade entre as gerações que habitam a escola. I I Acedriana Vicente Vogel é diretora pedagógica do Sistema Positivo de Ensino