o jornalismo vive a histĂłria, as mĂdias e os dias atuais
“Um povo que não conhece a sua História está condenado a repeti-la” -Karl Marx
o jornalismo vive a história, as mídias e os dias atuais
DANIEL ORTUNHO JOCELINE OLIVATO
SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO 13 JORNAL 19 Os tempos de OURO 33 Rasgar o papel? 39 REVISTAS 47 RÁDIO 55 PODCAST 65 TV 73 ON DEMAND 85 BLOGS E MICROBLOGS 95 VÍDEO BLOG 109 JORNALISMO DE DADOS 115 ALGORITMOS E RELEVâNCIA 125 FACT-CHECKing e pós-verdade 133 JORNALISMO Móvel 143 hipermídia 147 hipertexto 155 crosmedia e transmídia 165
INTRODUÇÃO O QUE ESTÁ POR VIR...
“Se queres conversar comigo, define primeiro os termos que usas.” -Voltaire
introdução 11 De acordo com os dicionários, a comunicação está relacionada diretamente ao efeito de transmitir, receber e ligar. Fazemos comunicações o tempo todo, principalmente depois da popularização da tecnologia e fácil acesso à internet. Mesmo sem nos darmos conta de que se trata de uma comunicação, ela, ainda assim, é feita a todo o momento. O ato de se comunicar é intrínseco ao ser humano e pode até ser considerada uma necessidade básica. A hierarquia de necessidades, também conhecida como pirâmide de Maslow, é uma divisão hierárquica publicada por Abraham Maslow em 1954 na Motivation and Personality, onde ele explica que as necessidades de nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das necessidades de nível mais alto. Começando da base, têm-se as necessidades fundamentais para a sobrevivência, com as fisiológicas e biológicas (respiração, fome, sede e o sono). Num segundo estágio temos a segurança, como viver sem perigo, em ordem, estabilidade no emprego, entre outros; neste ponto já se faz necessária à comunicação.
“Nós lemos para saber que não estamos sozinhos” -Clive Staples Lewis
Com o aumento das mídias sociais, é nítida a necessidade humana de se expressar e se comunicar em todos os níveis sociais, de assuntos relevantes até a refeição diária.
12 o jornalismo vive A comunicação é algo tão natural que fazemos sem pensar, mas nem sempre isso foi tão simples. Nos primórdios, o ser humano diante tal necessidade começou de forma rudimentar a se comunicar por meio de gestos, posturas, gritos e grunhidos, assim como os demais animais. Apesar de o homem não ser o único animal que desenvolveu um aparelho vocal capaz de produzir uma gama de sons básicos que permitam uma linguagem, somos os únicos capazes de utilizar isso e nos comunicar de forma mais ampla e complexa. Com a evolução humana e de suas ferramentas vieram às primeiras tentativas de expressão, de forma bem rudimentar, a arte rupestre. Os primeiros registros de comunicação que temos datam de 8 mil anos antes de cristo. Foram os sumérios que deixaram suas primeiras pinturas nas paredes das cavernas onde demonstravam como era o seu dia a dia na época e de certa forma como pensavam e enxergavam a vida. Este sistema precário e bem limitado, por ser pictográfico, estava muito longe de uma comunicação direta e livre de ruídos. Eles apenas conseguiam expressar o concreto, sendo impossível exprimir quaisquer ideias ou conceitos abstratos, inviabilizando assim a passagem do conhecimento adiante. Hoje, sabemos bem como mantermos uma comunicação... Criaram-se diversos idiomas e formas de linguagem que expressam claramente as ideias e vontades. Se há alguns milhares de anos o homem escrevia nas paredes das cavernas pré-históricas, hoje se escrevem em smartphones, computadores e tablets de última geração, que em poucos instantes, comunicam ao mundo o que estamos pensando. E isso é maravilhoso! Ontem eram paredes, hoje nos comunicamos em livros, jornais, publicações, fotos, imagens, filmes, músicas, sons, redes sociais, emails, tweets e tudo mais que o homem usa para se relacionar.
história da comunicação como surgiu e se desenvolveu
“O meio é a mensagem.” -Marshall McLuhan
história da comunicação 15 Por volta de 3000 a.C, os egípcios desenvolvem um sistema que além de pictográfico é ideográfico, os hierós glyphós ou “escrita sagrada”, como os gregos as chamavam. Agora sendo capaz de expressar-se não só de conceitos concretos, como também ideias abstratas, torna-se viável o registro de fatos mais complexos, possibilitando a partir de então um estudo mais avançado de seu cotidiano da época. Deste período é datada a Pedra de Roseta, um fragmento de uma estela de granodiorito do Antigo Egito, cujas inscrições foram cruciais para a compreensão moderna dos hieróglifos egípcios. A pedra contém um decreto promulgado em 196 a.C., registrado
em três parágrafos com o mesmo texto: o superior está na forma hieroglífica do egípcio antigo, o trecho do meio em demótico, variante escrita do egípcio tardio, e o inferior em grego antigo. Nesse ponto você pode se perguntar da comunicação falada, ela já era utilizada e passada de geração em geração, mas por não deixar registros fósseis, impossibilita uma confirmação histórica de seu surgimento e desenvolvimento. Existem muitas teorias aceitas que se baseiam no trabalho como ponto central deste desenvolvimento. Com uma sociedade cada vez mais complexa, com papeis e tarefas cada vez mais sofisticados, a fala se torna necessária para se passar instruções adiante.
16 o jornalismo vive Processos de trabalho, como se produzir e utilizar as ferramentas são coisas difíceis de ensinar com gestos e grunhidos apenas, assim a fala foi tomando forma. A partir deste momento, os comportamentos aprendidos individualmente puderam ser passados aos outros e as gerações seguintes. Com isso, cresceu muito a rede de conhecimento comum de um grupo, facilitando a vida de todos e de cada um individualmente. Porém, ainda não havia registro das ações cotidianas e muito se perdia com a morte de alguém que detinha certo conhecimento. E a civilização foi se desenvolvendo desta forma até o desenvolvimento da primeira
escrita. Neste ponto os sumérios voltam a contribuir e muito para o desenvolvimento da comunicação humana com a chamada escrita cuneiforme, a língua escrita mais antiga das que se têm registros. Eram impressões de caracteres em placas de argila na forma de cunha, de onde se dá origem ao nome. Estas placas eram secas ao sol e expostas ao fogo para endurecerem, dando origem a uma extensa atividade literária que contou com a criação de poemas, códigos de leis, fábulas, mitos e outras narrativas. O primeiro “jornal” de que se tem registro surgiu em 59 A.C em Roma e se chamava Acta Diurna. O imperador Júlio César, desejando
história da comunicação 17 informar ao público sobre os mais importantes acontecimentos sociais e políticos, além de poder divulgar suas conquistas militares e informar o povo da expansão do Império, ordenou que os eventos programados fossem divulgados nas principais cidades. A acta trazia notícias diariamente para a população de todos os cantos do Império (e de fora dele) falando principalmente de conquistas militares, ciência e de política. Ela era publicada em madeira ou placas de papel, algo similar a uma placa ou banner dos dias atuais e eram expostas nas principais praças das grandes cidades para que as pessoas pudessem ler de graça. Apesar de
ser publicada todos os dias, na época as comunicações dependiam de transporte a pé ou cavalo, o que atrasava em dias ou semanas a publicação de uma notícia. Nesse momento surgem também os primeiros jornalistas, os correspondentes imperiais, que eram enviados a todas as regiões e províncias romanas para acompanhar os fatos e noticiar, caso eles sejam favoráveis ao império, pois como foi criado pelo próprio imperador, o mesmo nunca veiculava notícias negativas de derrotas do Exército Romano e nem escândalos envolvendo pessoas públicas e aliadas do Imperador. Durante a Dinastia Han na China, por volta dos séculos I e II A.C, circulavam boletins em tecido chamados de Tipao, os quais eram lidos apenas pelos oficiais e continham informações da corte e do governo. Já entre 713 D.C e 734 D.C, o Kaiyuan Za Bao (Boletim
18 o jornalismo vive da Corte), publicado em papel na Dinastia Tang, continha notícias do governo e era ainda de acesso restrito aos oficiais do governo. Bi Sheng, inventor que viveu por volta dos anos 1000 D.C na China, é o primeiro a desenvolver uma tecnologia conhecida como impressão de tipos móveis. Este processo consistia na produção de peças de argila com os caracteres em relevo que eram arranjadas em ordem numa placa para ser pressionado contra papel ou seda e uma placa plana coberta de uma tinta feita a partir da mistura de resina de cera e cinzas de papel. Este processo se tornou popular e se espalhou para outros países do Leste Asiático, como a Coreia, Japão, Vietnã e Filipinas. Entretanto, este sistema ainda era muito rudimentar e não permitia um processo de produção em massa.
Em 1447, a prensa, inventada por Johann Gutemberg permitiu a produção e reprodução de volumes e impressos, iniciando o livre intercâmbio de ideias e cultura, disseminando o conhecimento. Durante essa época, a classe média em ascensão, que correspondia aos comerciantes, era abastecida de informações sobre o mercado por boletins informativos, que muitas vezes tinham um teor sensacionalista. Construída com base na tecnologia dos tipos (letras) móveis e também da prensa de vinho (que já era conhecida na Europa) permitiu que Gutenberg criasse toda uma nova indústria. A Bíblia de Gutenberg, foi o primeiro livro a ser produzido, lançado e vendido com a tecnologia da prensa mecânica de papel.
jornal extra, extra, extra...
“Tenho mais medo de três jornais do que de cem baionetas.“ -Napoleão Bonaparte
jornal 21 Há certa divergência sobre o momento histórico de origem do Jornalismo. Foi adotada neste livro a perspectiva defendida por Jorge Pedro Sousa (2008) e outros pesquisadores, que consideram que o jornalismo moderno surge após a invenção da prensa por Gutenberg. Como foi abordado anteriormente, a difusão das primeiras gazetas informativas acontece nos séculos XVI e XVII, que motivada por mudanças na estrutura social do ocidente e um crescimento da demanda por informações estruturadas. Fenômenos anteriores, como as actas diurnas do Império Romano ou informativos da Europa medieval e Ásia, são considerados pré-jornalísticos. Souza ainda cita Alejandro Pizarroso Quintero(1996), que sistematiza três grandes opiniões sobre a origem do fenômeno jornalístico, as duas primeiras “socioculturais” e a terceira “técnica”: 1. O fenômeno jornalístico existe desde a Antiguidade, pois desde então já existiam meios para a troca de informações atuais de forma regular e organizada, ou seja, notícias. 2. O fenômeno jornalístico é uma invenção da era Moderna, atrelada ao desenvolvimento tecnológico, à aparição da tipografia e a consolidação de uma periodicidade da imprensa na Europa, embora tenha como antecedente direto as folhas noticiosas manuscritas e impressas que surgiram entre a Baixa Idade Média e o Renascimento 3. O fenômeno jornalístico nasce no século XIX com o surgimento de dispositivos que permitiram a massificação dos jornais, sejam técnicos, como impressoras e rotativas ou auxiliares, tal qual os de transmissão dainformação à distância, como o telégrafo e os cabos submarinos, da mesma forma que os para obtenção mecânica de imagens, as máquinas fotográficas.
22 o jornalismo vive Desconsiderando as publicações noticiosas mensais que surgiram no final do século XVI, a aparição das gazetas de fato deuse em 1604 na França, com o lançamento da La Gazette Français, de Marcellin Allard (SOUZA, 2008, p. 75). Para Souza, o que diferiu as gazetas das demais foi o fato de que: 1. Uma atitude informativa, embora paginados em sucessão e sem intervalos entre eles, agora eram datados e geograficamente localizados, por vezes com menção direta às fontes, geralmente desenvolvidos numa narrativa cronológica; 2. Primeira página com título e em alguns casos, ilustrada, com menção de data e local de impressão/edição e o nome do edito; 3. Generalização dos temas e abrangência das notícias, abordando política, ciência, sociedade e fenômenos maravilhosos ou insólitos, temas locais ou remotos, podendo se tratar de algo do outro lado do mundo, nas colônias ultramarinas dos países europeus; 4. Periodicidade cada vez mais frequente, até chegar na publicação diária; 5. Publicação de notícias do dia anterior; 6. Existência de profissionais para a redação, paginação e impressão; 7. Inclusão de publicidade. Vale ressaltar que as gazetas não eram hegemonicamente de conteúdo noticioso neutro, muitas incluíam notícias criadas para servirem determinadas causas, textos argumentativos, opinativos e persuasivos, por vezes simplesmente propagandísticos. Temos como exemplo disso a imprensa política de partido que existiu entre os séculos XVIII e XIX, as gazetas da Restauração portuguesas, engajadas na luta contra a dominação espanhola e também outras que tinham
jornal 23 cunho religioso e moralista, misturando-se textos com características noticiosas, propagandísticas, argumentativas e moralistas.
“(...) a Europa viu surgir dois modelos normativos e funcionais de jornalismo: o inglês e o francês. O primeiro consagra a liberdade de imprensa; o segundo, impõe o controlo sobre a imprensa. O primeiro propõe o paradigma em que se fundará o jornalismo ocidental contemporâneo(Modelo Ocidental de Jornalismo); o segundo alicerça a forma de fazer jornalismo em ditadura (Modelo Autoritário de Jornalismo, influenciando também os modelos Socialista e Desenvolvimentista de jornalismo).” (SOUZA, 2008, p. 81)
O autor mostra desta forma que o jornalismo noticioso tem fundação europeia dos séculos XVI e XVII, com raízes remotas na antiguidade clássica e antecedentes imediatos na Idade Média e no Renascimento. Já no final do século, em 1690, o jornalismo chega nas colônias britânicas na América, pela mão de colonos altamente religiosos e letrados. Neste ano se deu a fundação do jornal Public Occurences Both Foreign and Domestic em Boston, por Benjamim Harris, um jornalista inglês perseguido pela justiça e que teve sua publicação rapidamente encerrado pelas autoridades coloniais. Para alguns autores e inclusive a UNESCO, um jornal publicado quatro dias por semana já se configura como diário, porém este conceito diverge opiniões de alguns autores.
24 o jornalismo vive Em todo caso, podemos citar como os primeiros jornais dentro deste critério como sendo: 1618: Courante uyt Italien, Duytsland, etc. em Amsterdã; 1635: Einkommende Zeitung em Leipzig; 1660: Neueinlauffende Nachricht von Kriegs-und Welt-Händeln em Leipzig; 1662: Leipziger Post-Und Ordinari Zeitung em Leipzig; 1702: Daily Courant na Inglaterra. O grande momento de virada para o jornalismo foi o Iluminismo, devido ao clima de renovação e mudança que aumentava a demanda dos cidadãos por informação. Alguns fatores foram chave para este cenário como: • O desenvolvimento acentuado de riquezas por conta do aumento da produção e colonialismo; • A expansão do comércio, nacional e internacional; • A consolidação dos estados; • A ascensão do racionalismo e experimentalismo; • Os “direitos naturais” provenientes da Revolução Francesa • Os avanços científicos • A reforma protestante • A urbanização acelerada; • As novas técnicas e o ambiente político-económico com liberdades políticas e de mercado; • A tomada de poder da burguesia sobre os sistemas aristocráticos.
jornal 25
“(...) a formação moderna da opinião pública ao longo do Iluminismo ocorre inicialmente em espaços íntimos de discussão de ideias, com apresentação em primeira mão das obras, para medir as reações, transferindo-se, depois, para os debates mediados pelos meios impressos, por colaboração de uma intelectualidade crítica nascente. O princípio da publicidade, defendido pelos burgueses cultivados, opõe-se à prática do segredo (...). Ao fazê-lo, a burguesia cria um autêntico estado de mediação entre a sociedade civil e o Estado (esfera do poder público). O público forma-se quando os indivíduos se reúnem para falar. A palavra “público” adquire o seu presente significado, referindo-se a uma área da vida social à margem do domínio familiar e dos amigos íntimos (...). Em tal espaço público burguês utilizam-se instrumentos, como a imprensa de opinião e as diferentes formas de representação política, que confluem na formação da opinião pública (...), espécie de árbitro entre opiniões e interesses particulares. À comunicação interpessoal sucede a comunicação dos meios de informação, que os séculos XIX e XX virão alargar. Ao mesmo tempo que cresce o número de leitores de jornais, a imprensa de intervenção política (...) perde a sua influência.”(SANTOS, 1998: 10-11, apud SOUZA, 2008, p. 91)
Nesta citação Rogério Santos(1998) adaptada para o português, interpreta Cándido Monzón(1996) e Bernard Miège(1989), referindo-
26 o jornalismo vive se a formação da opinião pública e o começo de uma independência jornalística. Neste momento alguns espaços, como cafés e clubes de cavalheiros, que viraram moda no século XIII, se tornaram locais de discussão racional de assuntos econômicos, políticos, ciência e literatura, novas versões dos fóruns e ágoras atenienses. Porém ao contrário dos tempos remotos na Grécia Antiga, “a explosão da imprensa transferiu para os jornais e revistas os debates que anteriormente se desenvolviam nesses lugares. A imprensa tornou-se, assim, a primeira grande instância mediadora na configuração do espaço público moderno, um espaço público mais “imaterial” e “simbólico”.” (SOUZA, 2008, p. 90) Neste momento a imprensa ainda era sujeita a diferentes enquadramentos normativos e funcionais no Reino Unido e na Europa continental. O Reino Unido adotava a liberdade de imprensa, na medida que a Europa continental impunha restrições relevantes à imprensa. Deste modo, não gera espanto que tenha vindo da Inglaterra um dos mais relevantes desenvolvimentos da imprensa. Os assuntos locais começaram a ser priorizados na segunda metade do século XVII, mas ainda eram controladas para que os jornais não abordassem nada que incitasse o povo a uma atitude de oposição ao governo dominante. Ainda assim, alguns jornais conseguiram alguns feitos como as manchetes de jornais que noticiaram a decapitação de Charles I ao fim da Guerra Civil Inglesa, apesar de Oliver Cromwell ter tentado apreender os jornais na véspera da execução. A primeira lei para proteger a liberdade de imprensa surgiu em 1766 na Suécia, primeira lei de liberdade de imprensa do mundo, mas após certo tempo os suecos chegaram à conclusão de que era necessário criar um modelo que, se de um lado preservava a essencial liberdade de expressão, de outro continha os perigosos excessos da mídia, mas isso será abordado em breve. O The Spectator, com grande projeção europeia, que procurava
jornal 27 discorrer com profundidade sobre ideias e valores, sem ataques pessoais e sem partidarismo, inaugurando a chamada “imprensa moral” em 1714. Ainda no mesmo século temos a formação dos primeiros grupos de imprensa, como é exemplo o dos irmãos Henry e William Woodfall, que unia o Public Advertiser e o Morning Chronicle and London Advertiser, que viria a agregar ainda posteriormente os jornais Morning Chronicle, Morning Post e Morning Herald, em busca de atender a demanda da audiência em cada momento. Já em 1785 surge o Daily Universal Register, de John Walter, que se tornaria o conceituado The Times britânico. A independência dos EUA, declarada no dia 4 de julho de 1776, quando foram rompidos os laços coloniais com a Inglaterra e posteriormente a aprovação das dez emendas à Constituição, ratificadas no dia 21 de junho de 1788, fizeram eles se tornarem o maior produtor de conteúdos culturais e também o país onde ocorrerão as principais transformações que o jornalismo atravessará ao longo dos séculos XIX e XX. O que assegurou e assegura até hoje isto é a Primeira Emenda que mantém o caráter constitucional e inviolável da liberdade de expressão nos EUA. O telégrafo, inventado por Samuel Finley Breese Morse em 1791, foi um “divisor de águas” para o jornalismo porque foi a primeira tecnologia internacional com o potencial de acelerar o processo de produção de reportagem em longas distâncias, o invento e suas quebras de paradigma serão abordados a frente em outro capítulo com maior profundidade. Os pombos-correios utilizados pela agência de notícias Havas e, mais tarde, pelo barão Reuters no início da metade do século XIX tinha alcance limitado, mas o telégrafo tinha alcance global e comparado com outras tecnologias usadas na época, era extremamente rápido. Schwarzlose (1974, p. 595) sustentou que o telégrafo transformou
28 o jornalismo vive o jornalismo norte americano em uma “indústria faminta por notícia” entre a metade dos anos 1840 até 1865, com ênfase na Guerra Civil Norte-Americana. “A ansiedade pelas notícias mais atuais cresceu ainda mais com as novas tecnologias do vapor e da eletricidade.” Livingston (1996, p. 6) sugeriu que o telégrafo era o “mais significativo meio de comunicação internacional” em todo o mundo entre os anos 1840 e 1920. Com a vinda da família real para o Brasil, foi criada a Imprensa Régia no pais e no dia 13 de maio em 1808 se inaugurou de certa forma o jornalismo no país, porém tendo de fato seu primeiro titulo produzido, impresso e veiculado nacionalmente com o surgimento da Gazeta, que começou a circular em 10 de setembro do mesmo ano, no Rio de Janeiro. Com a entrada do século XX, tido como o mais vertiginoso que a humanidade viveu, comportando grandes transformações históricas e guerras, como as Guerras Mundiais e a queda do muro de Berlim, porém por outro lado historicamente rico devido as grandes evoluções no campo científico e tecnológico, ascensão e queda de regimes totalitários, polarizações político sociais, agravamento dos problemas ecológicos e a globalização. A Suécia, pioneira de outrora na criação das leis de liberdade de imprensa, também foi a primeira a notar que ”a liberdade de expressão, quando exercida de forma abusiva, pode ofender, incitar à discriminação e à violência, ou ter consequências negativas para um indivíduo ou uma sociedade como um todo”, conforme literatura oficial sueca. Em 1916, o país criou o mais antigo conselho supervisor de imprensa da história – um modelo pioneiro, que viria a inspirar a criação de organismos de autorregulamentação da mídia em diversos países ao redor do mundo. O conselho de imprensa sueco é formado por 32 integrantes: além dos quatro juízes da Suprema Corte que se revezam na presidência,
jornal 29 a composição do órgão é equilibrada entre 16 representantes das organizações de mídia e 12 membros do público em geral, como professores, médicos, representantes de sindicatos. Ola Sigvardsson, ex-jornalista que desde 2011 que ocupa o cargo de Ombudsman - termo de origem sueca que se forma de ”ombud”, representante, e ”man”, povo” - da Imprensa na Suécia, observa que:
”Um jornal poderia, por exemplo, publicar os nomes de pessoas que cometeram suicídio, ou de indivíduos suspeitos de ter praticado um crime. Isso não seria uma violação à lei, mas seria antiético. A ética também manda que a imprensa seja particularmente cuidadosa com as vítimas de crimes, por elas já terem sofrido o suficiente”
Assim como o telégrafo, a câmera fotográfica também foi um marco no jornalismo, em especial quando em 1907, se tornou possível a transmissão delas por meio de telegrafia e mais tarde por belinografia. Deste modo o fotojornalismo ganhou mobilidade e os fotojornalistas começam a ir a campo com mais frequência e desta forma estreitou-se a relação texto e imagem no campo jornalístico. Este fato se fez muito importante em 1914 na Primeira Grande Guerra, apesar de uma censura inicial, sancionada pelo governo britânico que limitava os jornalistas a receberem informações apenas por intermédio de militares especificamente dedicados a essa tarefa. Já no ano seguinte por pressão dos Estados Unidos, alguns jornalistas foram admitidos na frente aliada, mas sendo ainda sujeitos a censura.
30 o jornalismo vive E por falar em censura, ela também vigorou no Brasil, desde o primeiro período do governo provisório de Getúlio Vargas, que teve início em 1930. Já no ano seguinte foi criado o Departamento Oficial de Propaganda (DOP), que foi um órgão da administração pública especialmente devotado à propaganda estatal no governo de Getúlio Vargas, criado para elaborar e sistematizar o que foi chamado na época de um discurso legitimador através da propaganda e, sobretudo, da necessidade de eficácia e abrangência dos canais de difusão. O Departamento Oficial de Propaganda (DOP), criado por Vargas em 1931, foi substituído pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que ampliava os poderes do anterior. Três anos depois, o DOP foi reestruturado e transformado no Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), seguindo as diretrizes do DOP. E em 1939, foi substituindo pelo DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda. A abrangência do DIP era maior do que a do DPDC e consequentemente do DOP. As mudanças de nome e funções, serviram para conceder cada vez mais poderes ao órgão com a centralização da informação, o controle e a função de censor de todas as manifestações culturais do Brasil, então passando a ser o controlador do pensamento da população brasileira. Ainda mais reforçada pela nova constituição do país de 1937, que previa no Artigo 122 “assegurar à nação sua unidade e as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e a sua prosperidade”. Orgãos de imprensa não registrados no DIP não tinham permissão para circular. Até este momento mais de 60 jornais e revistas independentes tiveram sua publicação interrompida com a cassação de suas licenças para importação de papel. Foi um período complicado para o jornalismo no Brasil, mas com a constituição de 1946, a liberdade de imprensa foi restituída, mas foi violada pelo presidente Castelo branco com a Lei de Imprensa de
jornal 31 9 de fevereiro de 1967 e Lei de Segurança Nacional de 13 de março de 1967. Desde entãoos jornais brasileiros entram na fase da “nota oficial” e do pres-release que, muitas vezes, pela dificuldade de se obter informações, ficavam sendo a única fonte de noticia da qual disponham os profissionais de imprensa e isso se perdurou até 1972.
“Entre 1964 e 1980, nasceram e morreram no Brasil cerca de 150 periódicos, que ficaram conhecidos como imprensa alternativa (também chamada de nanica, independente, entre outros). O dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, entretanto, faz uma diferença: a imprensa alternativa caracterizar-se-ia “por uma posição editorial renovadora, independente e polêmica”. Já a chamada imprensa nanica seria um tipo de imprensa alternativa com estrutura empresarial modesta e poucos recursos financeiros. Seria também caracterizada pelo formato tabloide, comum à maioria dessas publicações. Os jornais alternativos da época conseguiram reunir várias tendências, desde a discussão político intelectual até as manifestações mais descompromissadas de humor. Em comum, esses jornais a presentavam a característica da resistência ao regime militar. Tinham uma postura de oposição ao governo bem mais contundente do que a grande imprensa e denunciavam sistematicamente violações dos direitos humanos como torturas e prisões ilegais, além de críticas ao modelo econômico.”¹
¹ Extraido de: Imprensa alternativa: apogeu, queda e novos caminhos. 2005.
os tempos de ouro do luxo ao lixo
“Eu gostava de falar mal do governo quando os jornais não o faziam.“ -Chico Buarque
os tempos de ouro 35 Existe um até um certo preciosismo das gerações anteriores ao falar de como o jornalismo se profissionalizou, tomou parte na sociedade e se tornou uma engrenagem importante da democracia. De fato os anos 80 foram muito bons para o jornalismo, muito em função da inflação que favorecia os anúncio de varejo pois retornavam de forma visível aos anunciantes. “Até o final dos anos 90, o jornal era uma garantia de retorno para o anunciante. Era mídia mais forte e de maior prestígio. Havia vários casos de clientes que tinham no jornal o seu negócio. Podiam ser grandes ou pequenos. Tinha espaço para todo mundo e todos precisavam do jornal” - Jeferson Bronze, Ex comercial Gazeta do Povo Reconhecido como segundo maior meio publicitário, ficando na época atrás apenas da TV aberta, os jornais viviam tempos de constante crescimento de pessoal, maquinário, assinaturas e toda estrutura subjacente vinha numa crescente cuja a qual não se previa estabilização ou redução. Ainda mais com o uso dos conhecidos como “anabolizantes”, produtos que eram ofertados aos compradores ou assinantes dos jornais. A circulação aumentou, os leitores aumentaram e é claro, as publicações aumentaram. De 288 títulos que circulavam em 1988 para mais de 500 em 20 anos depois. Em 2008 a circulação chegou ao recorde de 8,04 milhões de exemplares diários e a participação dos jornais nos investimentos de publicidade aumentavam. Apesar do cenário favorável dentro do país, os indicadores da imprensa diária dos Estados Unidos não iam muito bem.
36 o jornalismo vive A circulação nos dias úteis, que era de 62,3 milhões de exemplares em 1990, caiu para 55,8 milhões em 2000 e para 50,7 milhões até 2008. Aos domingos, os números são de 62,6 milhões, 59,4 milhões e 51,2 milhões, respectivamente. A receita de publicidade, que tinha dado um salto extraordinário dos US$ 30,3 bilhões de 1991 para o pico de US$ 48,7 bilhões em 2000, entrou numa espiral descendente desde então. No segundo trimestre 2008, as principais cadeias de jornais perderam entre 10% e 20% da receita com anúncios, em comparação com 2007. A cotação das ações das editoras despenca nas bolsas de valores e dezenas de milhares de pessoas perderam o emprego. E como pode este fato curioso ocorrer, levando em conta que sempre se encontra resultados mais favoráveis por lá? Na verdade esta é uma falácia e das grandes. O que realmente ocorreu foi um impacto tardio da crise gerada pela bola da internet e o acesso e popularização dela aos brasileiros. A bola da internet começou a se formar por volta de 1995 com a chegada das empresas de tecnologia e perspectivas extremamente positivas, fato que levou muitos investidores aportarem altas quantias em empresas do setor, principalmente nos Estados Unidos. Sem levar em conta os métodos tradicionais de avaliação de ativos, já existia um risco alertado por muitos, mas a baixa taxa de juros e a alta especulação só fez a bolha inflar. O ápice se deu no dia 10 de março de 2000, quando o índice a bolsa eletrônica dos EUA chegou a 5.132,52 pontos, sua máxima histórica até o momento. A crise global toma forma e a tônica empresarial agora era o “downsising” que “surgiu nos Estados Unidos na década de 1970, com o principal objetivo era a diferenciação competitiva das organizações. Pós uma década, chegou ao Brasil com a tentativa de reestruturar as organizações, a fim de atingir a eficiência de custos e a tentativa de
os tempos de ouro 37 eliminação da burocracia corporativa desnecessária, provocando assim um achatamento na pirâmide hierárquica.” Caldas, M. P. (2002) A prática não era novidade, mas se tornou necessária e se fez presente dentro e fora do Brasil ainda mais neste momento. Como exemplo temos a Organização Jaime Câmara (OJC), o maior grupo de comunicação do Centro-Oeste, com emissoras de televisão, filiadas à Rede Globo, jornais diários e emissoras de rádio. Segundo Fernando Portella, vice-presidente executivo do grupo, em 2003 a OJC estava bem posicionada no mercado, era líder e tinha forte presença local, mas precisava enfrentar alguns desafios financeiros, operacionais e de organização. A reestruturação, que começou no ano seguinte e ocasionou o fechamento de alguns negócios, levou a uma redução dos custos operacionais de 48% para 30,3% e a cortar o endividamento pela metade. A organização fez investimentos pesados em tecnologia e na digitalização do conteúdo, cerca de 10% do faturamento daquele momento. A popularização da internet e o processo de convergência acentuaram a penetração dos grandes conglomerados de mídia e trouxeram com eles as empresas de telecomunicações como Google, Amazon, Apple, Netflix, entre outros. O Brasil não era mais é controlada pelas tais nove famílias simplesmente, o tempo agora é outro e o mercado de comunicações fica cada vez mais dividido. Um evento marcante nas mudanças de paradigma do jornalismo foi uma ação da Agência Nacional dos Jornais (ANJ) em 2014, que foi denominada de “Jornais em Movimento”. Esta tinha como toante o ressignificado do jornal, de não vê-lo só como o papel, mas como a sua marca, sua tradição, sua história, seu relacionamento com os leitores e sua credibilidade. O congresso de 2014 da ANJ foi marcado por otimismo, num momento onde já se enfrentavam anos consecutivos
38 o jornalismo vive de queda de receita, de margem e de participação de mercado. Num movimento nunca presenciado anteriormente, os grandes se uniram. Folha, O estado, O Globo, Zero Hora, A Gazeta de Vitória e a Gazeta do Povo lideraram o movimento. Os anos seguintes não foram muito favoráveis e o otimismo não durou muito tempo. A crise econômica emergente e a crescente pulverização da mídia publicitária em novos meios acabaram atingindo em cheio os jornais, sua rentabilidade e modelo de negócios.
RASGAR O PAPEL? chegou o temido momento
“Jornal é sua marca, sua credibilidade, sua personalidade, sua história com os seus leitores e com a sociedade.” -Julio Sampaio
rasgar o papel? 41 Em 2016, Guilherme Cunha Pereira, presidente do Grupo Paranaense de Comunicação (GPRCOM), o maior do Paraná e um dos maiores do Brasil, levanta um dos assuntos mais espinhosos do momento, a ruptura para o digital. O grupo que preside foi formado em 2000 e é constituído pelos jornais Gazeta do Povo e Tribuna, pelas rádios 98FM e Mundo Livre FM (Curitiba e Maringá), pela unidade móvel de alta definição HDView, e pela RPC e suas oito emissoras afiliadas à Rede Globo. Este momento de ruptura se encontra descrito detalhadamente na obra de Julio Sampaio publicado pela editora Ponto Vital em 2018. Foi a primeira empreitada em busca da ruptura do paradigma do papel no Brasil. Nunca antes havia se levantado a real hipótese de se deixar o impresso para trás e embarcar 100% no digital. Apesar da iminência deste momento se tornar irremediavelmente necessário, todos eram receosos quanto a questão e ninguém havia tido coragem para tal. Esta grande mudança não se resume apenas numa mudança de suporte, mas também numa reestruturação total do jornal, da maneira que ele é administrado até como é produzido.
“Pessoalmente, eu não sou mais assinante de nenhum jornal. O tempo todo, nós somos puxados pelas notícias, principalmente, pelas redes sociais. Entro pela notícia e uso o veículo para a chancela, mas não entro por ele. Como o jornalismo sério será financiado, não sei. Creio que precisarão de um novo modelo, talvez mais pulverizado, sem um dono, numa espécie de rede. Enfim, não sei como, mas precisará ser criado.” -Thiago Biazetto, sócio-diretor da agência TIF Comunicação
42 o jornalismo vive Restando apenas alguns anos para que a Gazeta do Povo completasse seu centenário, com as enormes baixas de mídia comprada nos jornais num geral, enumeras tentativas fracassadas de alavancar as assinaturas, como os “anabolizantes” e pacotes de vantagens, o cenário de mudança já estava completamente formado. A queda de circulação tanto em vendas avulsas, quanto assinaturas era alarmante, porém não significava menos leitores, mas muito pelo contrário. A Gazeta do Povo nunca havia sido tão lida, agora que dispunha de seu portal online, os números eram animadores e se sabia que era preciso continuar a crescer na internet, se familiarizar com as práticas digitais e se adaptar para este novo paradigma. Existia uma grande resistência em abrir o conteúdo jornalístico de forma gratuita, coisa que além de quebrar antigos paradigmas da área, era arriscado por poder afetar a circulação do impresso. Após muitas discussões internar a Gazeta do Povo optou por adotar um modelo freemium e abrir gratuitamente o que fosse considerado commodity, ou seja, conteúdo sem muita profundidade e que poderia ser encontrado em outros portais, blogs e outros. Esta delimitação do que é ou não aberto causou muita confusão, principalmente pelo leitor, que não entendia ao certo qual era o critério. As pesquisas realizadas naquele momento apontavam que havia baixa superposição de leitores nos diferentes suportes e de que até o perfil do público era distinto em cada um deles. Com isso, a ideia de que o conteúdo online gratuito iria gerar uma migração dos leitores do impresso pago foi se perdendo. A crise real se encontrava na queda de valor do jornal como mídia publicitária e no modelo de negócios ultrapassado onde se baseava dois terços de sua renda nisso. A publicidade começou a ser diversificada nas diferentes plataformas que se tornaram disponíveis e
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“Meu pai comprou o jornal por causa dos classificados. O modelo mental dele era o Correio do Povo de Porto Alegre. Ele achava que este era o caminho. Naquela época os jornais não eram de veículos de negócios, eram veículos financiados por aqueles que queriam ser opor ou defender qualquer regime que estivesse vigente. A publicidade entrou depois, tanto que muitos nem a aceitavam. Viam a publicidade como uma coisa até desonrosa para um jornal,que estava ali para guerrear. O modelo mudou. Durante muitos anos, o grande negócio da Gazeta foi os classificados de domingo, os cadernos de empregos, carros e imóveis.” -Mariano Lemanski, presidência do conselho e acionista da GPRCOM.
os classificados desde a chegada da internet já não eram mais “a menina dos olhos” de outrora. A Associação Nacional de Jornais discutiu amplamente a questão do valor do jornal como mídia, principalmente, no comitê de mercado anunciante. O quadro geral do setor eram quedas de receita e os esforços para recupera-la gerava novos custos, grandes custos fixos, em estrutura e pessoal para suprir a necessidade de incrementação na complexidade da operação. Esses novos custos iam totalmente contra um pensamento que circulava anteriormente de que com o digital os custos seriam menores, uma vez que não existiria impressão. O cenário era pior para aquele que estavam nos dois “mundos”, tendo tanto os custos pelo impresso, papel e tinta, como os custos pelo digital, sistemas e pessoal.
44 o jornalismo vive A ideia de ser multiplataforma era boa, porém não teve muita adesão pelos jornais. Não que eles não o fizessem, mas faziam sem muita convicção e pouco alinhamento estratégico. Foi neste ponto que a Gazeta do Povo marcou seu posicionamento diferenciado, investiu tempo e dinheiro, implantou novas práticas, ajustou as que já existiam e fez o que tinha que ser feito para o momento.
“O que é um jornal? Como já dito, ele não é papel. Jornal é sua marca, sua credibilidade, sua personalidade, sua história com os seus leitores e com a sociedade. É uma definição simples e rdadeira e forte o suficiente para fazer com que os jornais se vissem e fossem vistos como um veículo que, ao contrário do que muitos pensam, não está fadado a desaparecer com o surgimento da internet. Os que pensam de outra forma têm em mente o jornal de papel, cujo tempo dirá se permanecerá, será extinto ou sofrerá transformações.” (SAMPAIO, 2018, pg. 71)
O cerne do problema e também da solução é o core do negócio. A atividade fim sempre foi e sempre será a produção de notícias, porém a publicidade sempre foi um “coadjuvante protagonista”, que apesar de não ser a finalidade do jornal, representava mais da metade do seu faturamento. Ela era coadjuvante no quesito atividade fim, porém protagonista quando se trata de receita e este fato sempre canalizou energia e esforços. Era necessário inverter esta equação, fazer do jornalismo o core do negócio, buscar como receita o mercado de leitores ávidos por um produto editorial.
Eu pensava diferente. A tendência é entender que tem umproduto com dois fluxos de receita: circulação e publicida-de. Minha percepção é outra. Temos um produto editorial,o qual precisamos que tenham pessoas dispostas a pagar.Depois nós temos um público com uma relação que ofere-cemos para o anunciante. Ou seja, nós temos um produtoe um meta produto. Não são a mesma coisa. É algo simples,mas naquele momento teve a sua importância. Buscar ummodelo de fluxo de receita dependente unicamente dopúblico leitor que aprecia o produto editorial. - Guilherme Cunha Pereira, presidência e acionista.
E assim a Gazeta se reinventou em seu centenário, rasgando o papel e abraçando o digital, numa iniciativa pioneira no país ela mostra sinais de sucesso e um futuro onde o jornalismo de fato “paga as contas”.
revistas muito mais que passatempos
“Não leia revista de beleza, ela só vai fazer você se sentir feio.” -Pedro Bial
revistas 49 Com a invenção da prensa por Johannes Gutenberg, a Alemanha teve uma grande vantagem em relação aos outros países europeus para reproduzir materiais para leitura em grande escala. Livros, jornais e panfletos conseguiam ser mais rapidamente impressos e distribuídos. Até aquela época, para se transmitir notícias relevantes eram utilizados panfletos. Aos poucos eles começaram a ser publicados com mais frequência, e tinham um caráter misto entre revista e jornal. Seu formato era semelhante ao de um livro pequeno e as matérias publicadas podiam ser importantes, mas não eram diárias. Esses folhetos acabaram servindo de base para as revistas. Apesar de ter o maquinário apropriado, a primeira revista que se tem notícia surgiu somente dois séculos depois do invento de Gutenberg. Em 1663, surgia em Hamburgo na Alemanha a Erbauliche MonathsUnterredungen, algo como “Edificantes Discussões Mensais”, primeira revista da qual se tem história. Além da Erbauliche alemã, outros títulos apareceram ainda no século 17, como a francesa Le Mercure (1672) e a inglesa The Athenian Gazette (1690). Nessa época, as revistas abordavam assuntos específicos e pareciam mais coletâneas de textos com caráter puramente didático. No início do século 19, começaram a ganhar espaço títulos sobre interesses gerais, que tratavam de entretenimento às questões da vida familiar. No Brasil, a primeira revista surgiu no ano de 1812 na cidade de Salvador (Bahia). “As Variedades ou Ensaios de Literatura”, nome dado à publicação, tratava de temas cultos e tinha muito mais a cara de um livro. As suas publicações traziam novelas de gosto comum, fragmentos de história antiga e moderna e discursos sobre costumes e valores sociais, além de artigos de estudos científicos e textos de autores clássicos portugueses. Em 1827, surge o ramo de revistas segmentadas, ou seja, que são especializadas em um gênero, como o lançamento
50 o jornalismo vive da revista “O Propagador das Ciências Médicas” com temas voltados para medicina e “Espelho de Diamantino”, a primeira revista feminina brasileira. Esta tratava de assuntos variados como arte, política e moda, de forma simplificada. Em 1839 foi lançada a “Revista do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro”, que abordava discussões acerca de temas culturais e a científicos, a revista circula no Brasil, e é a mais antiga ainda ativa. Um fator predominante para o sucesso ou fracasso dos veículos entre os séculos XVII e XX é a taxa de alfabetização de determinada região (tanto na Europa como no Brasil, posteriormente). O interesse pela leitura sempre teve relação direta com o conteúdo buscado pelos leitores. A força da revista aumentou junto com os avanços tecnológicos dentro da indústria gráfica. Esse fator possibilitou uma maior tiragem, com melhor qualidade e, automaticamente, trouxeram para os veículos um número maior de anunciantes. Com esse crescimento as revistas ocuparam um papel fundamental na amplificação de conteúdo cultural e científico já que os jornais, nesse período, ainda tinham um caráter político e ideológico intenso e não procuravam aprofundar-se em conteúdo editorial que as revistas ocuparam (cultura, cotidiano, etc.). Na década de 1980 a revista mudou-se para a cidade de Nova Iorque, para ficar mais próxima das agências de propaganda, ocasionando um choque cultural. As revistas explodiram no mundo todo, com títulos cada vez mais segmentados, destinados aos públicos com interesses superespecíficos. Marília Scalzo, no livro Jornalismo de Revista, lembra que a revista – mesmo antes de receber esse nome na Inglaterra em 1704 – surgiu com uma missão parecida com a que ainda domina uma maioria das publicações: “destinar-se a públicos específicos e aprofundar os assuntos – mais que os jornais, menos que os livros”. Foi durante o
revistas 51 século XVIII que surgiram as primeiras revistas parecidas com as que encontramos nas bancas hoje. Com exceção às revistas científicas, o tipo de narrativa adotada por um grande número de publicações geralmente é mais “leve”. Uma maioria de publicações é aberta para textos com características literárias e que fogem das amarras do lead e da narrativa jornalística objetiva. O leitor de revista quer, geralmente, além da informação bem apurada, uma experiência prazerosa, simples e clara: um texto que o deixa satisfeito e suprime suas necessidades por cultura, entretenimento e informação. Vogue foi lançada em 1892 na cidade de Nova York, idealizada por Arthur Baldwin Turnure e Harry McVickar, como um pequeno folhetim de moda, com aproximadamente 30 páginas, destinado às mulheres da alta sociedade nova-iorquina no final do século 19.. A popularização da moda aconteceu com o seu lançamento, tendo em seus primeiros números personalidades como Gertrude Vanderbilt Whitney vestindo suas próprias roupas. A história da Vogue começou a mudar em 1909, quando foi adquirida pelo grupo Condé Nast Publications, que de um modo visionário, tornou a revista o ponto de partida de um império editorial internacional. A primeira edição mostrava, entre outras coisas, os vestidos usados pelas mulheres mais ricas dos Estados Unidos. A publicação, além de se tornar mensal, teve seu conteúdo reformulado para torná-la mais atraente, e transformou a moda em “objeto de desejo” e “sonho de consumo” para as mulheres. Condé Nast transformou a publicação, até então um pequeno semanário, em uma das revistas de moda mais influentes do século 20. No século XX, dois jovens criam o que seria uma das publicações mais influentes da história do jornalismo de revista. Briton Hadden e
52 o jornalismo vive Henry Luce, em 1923, lançam a Time. Nos EUA – e o mundo todo iria copiar a ideia – era necessário fazer uma revista com publicação semanal de notícias com características específicas do jornalismo (concisão e apuração de informações, por exemplo), bem estruturada e organizada semana após semana. Treze anos depois o mesmo Henry Luce cria uma nova fórmula de revista usando como principal recurso a fotografia e seus recentes avanços tecnológicos. Desse trabalho surge a Life, publicação que serviu de inspiração em países como Alemanha, França e, posteriormente, Brasil – com a revista Cruzeiro, dos Diários Associados de Assis Chateubriand. Em 1928, é lançada a revista Cruzeiro, com publicações mensais. Ela enfatizava grandes reportagens com apelo para as imagens, aproximando o fotógrafo do fato e utilizando recursos do fotojornalismo e teve uma tiragem inicial de 50 mil exemplares. A revista apresentava matérias jornalísticas sobre temas nacionais e estrangeiros, textos primorosos bem diagramados, apresentando boas fotos e ilustrações. Em 10 de dezembro de 1928, ou seja, apenas quatro dias depois do lançamento do novo veículo no Rio de Janeiro, Cruzeiro estava nas bancas das principais cidades brasileiras, de todas as capitais e nas principais revistarias. Após poucos meses de seu lançamento, Cruzeiro já era um sucesso de vendas, atraindo um público variado de leitores, pois surgia com o compromisso de apresentar um Brasil moderno. Em 1940, surgia a revista “Diretrizes”. Principal concorrente de Cruzeiro, com bons profissionais que compunham a redação da revista, a Diretrizes tinha como foco principal a política e se posicionava contra o regime de Vargas em pleno Estado Novo. Por esse motivo, muitas de suas matérias geravam atritos com o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda implantado por Vargas para censurar a distribuição de informações. A publicação contava com grandes escritores como Jorge
revistas 53 Amado, Álvaro Moreyra, Rubem Braga e Joel Silveira. Em 1952 é lançada, pela Editora Bloch, a revista Manchete, que priorizava a fotografia e a ilustração, seguindo uma linha diferente das outras revistas que compunham o cenário literário brasileiro. Com publicações voltadas para o público urbano, a revista trazia curiosidades da cultura brasileira, sem muitos aprofundamentos. Em 1966, nasce uma revista que marca a história da imprensa do Brasil, a revista Realidade, que tinham suas reportagens pautadas pela objetividade da informação. Antes de a revista ser lançada, a Editora Abril S.A. fez uma pesquisa para medir os efeitos da primeira edição e definir quem seria o púbico alvo a consumir a revista. As classes A e B, mensuradas como principal foco na pesquisa nortearam as publicações e concretizaram o seu sucesso. Os jornalistas da redação eram em sua maioria, de partidos de esquerda que expressavam na linha editorial um espírito democrático que inspiravam o debate, mas sem ser partidário. A revista Realidade resistiu por um tempo à competição com os noticiários de TV, que mostravam o fato com a urgência do tempo real. Entretanto, não conseguiu sobreviver à crise do mercado editorial brasileiro, somado ao Ato Institucional AI-5, que institucionalizava as restrições à liberdade de imprensa no Brasil. Em 1976, Realidade fechou sua redação com a edição número 120. Na mesma época, o fundador da revista Realidade, Victor Civita, havia criado a revista Veja. Mas foi só depois de dez anos de sua primeira publicação, em 1978, que a revista passou a gerar lucros. Depois da Veja, foram criadas as revistas Isto é, Isto é Senhor, Afinal e Época, marcando a entrada das Organizações na Globo no mercado das revistas semanais de informação. Com o surgimento das fotonovelas, nas décadas de 50 e 60, as revistas voltadas ao público feminino e popular foram um grande
54 o jornalismo vive sucesso de vendas. Nesse ramo, destaca-se o surgimento da revista Capricho em 1952, com publicações quinzenais, chegando a vender mais de 500 mil exemplares a cada publicação. Na década de 70, a revista começa a perder espaço para as telenovelas da televisão, e por isso, modifica a sua linha editorial, que passa a ser centrada no público adolescente. No mesmo período, surgem as revistas de História em Quadrinhos, com destaque para autores como Ziraldo e Maurício de Souza com histórias do Pererê e Turma da Mônica, respectivamente. Nesse tempo as revistas se afirmam, definitivamente, como bons veículos de publicidade e propaganda. O contexto social de desenvolvimento industrial e cultural propiciou o surgimento de revistas segmentadas, voltadas para atender um público ainda mais específico. Assim surge a revista Manequim em 1959 e a revista Cláudia em 1961. Ainda na década de 50, com o crescimento da indústria automobilística aparece a revista Quatro Rodas. As revistas voltadas, por exemplo, para um público feminino buscam fugir das pautas estereotipadas pensando em uma mulher com maior consciência de sua individualidade e de seu papel social – uma “mulher moderna”. As revistas que eram classificadas como “revistas masculinas” trazem um conteúdo mais criativo e atendem um público cada vez maior. As revistas científicas e culturais continuam buscando atingir seus leitores e assim essas publicações mantém um espaço no mercado.
rádio as ondas que unificaram
Falar é uma necessidade, escutar é uma arte. - Johann Goethe
rádio 57 O rádio foi o primeiro dispositivo criado para permitir a comunicação de massa. Permitiu que a informação fosse transferida em sua totalidade não só nacionalmente, mas internacionalmente também. O desenvolvimento do rádio começou em 1893. Nikola Tesla fez uma demonstração de rádio comunicação sem fio em St. Louis, Missouri e seu trabalho estabeleceu as bases necessárias para o aperfeiçoamento posterior do rádio usado atualmente. O homem mais associado com o advento do rádio é Guglielmo Marconi, que em 1986 foi premiado com a patente de oficial para o rádio pelo governo britânico. Os primeiros usos do rádio eram principalmente para manter o contato entre navios para fora um mar. No entanto, este meio inicial era incapaz de transmitir a fala, e somente enviava mensagens em código Morse. Durante a Guerra Mundial, ambos os lados usaram o rádio para transmitir mensagens aos soldados e oficiais superiores, bem como pareceres sobre as pessoas na frente de batalha. Após o fim da guerra, com o crescimento dos receptores de rádio, começaram as transmissões na Europa e Estados Unidos. As emissoras de rádio desenvolvem-se de fato após a I Guerra Mundial. Durante o conflito, a transmissão das ondas eletromagnéticas fica sob o controle do governo dos países em guerra. Esse atraso na implantação da radiodifusão para o grande público, no entanto, é compensado pelos avanços feitos no período, que facilitam o crescimento das estações de rádio no pós-guerra. Em 1919 é criada a primeira grande empresa norte-americana de telecomunicações, a Radio Corporation of América (RCA), seguida da National Broadcasting Company (NBC), em 1926, e da Columbia Broadcasting System (CBS), em 1927. Na Europa são implantadas várias empresas de grande porte, entre as quais a italiana Radiotelevisione Italia- na (RAI), em 1924; a inglesa British Broadcasting Corporation
58 o jornalismo vive (BBC), em 1927; e a francesa Radio France Internationale (RFI), em 1931. O número de receptores das ondas de rádio também tem aumento substancial: nos EUA, por exemplo, os aparelhos de rádio sobem de 50 mil, em 1922, para mais de 4 milhões, em 1925 . Entre os anos 30 e 60, o rádio alcança a massa, e sua popularidade é incomparável. As emissoras profissionalizam-se e os aparelhos transmissores e receptores tornam-se cada vez mais potentes. Os progressos na amplificação permitem modular as correntes das emissoras (separar as ondas) e melhorar o som, evitando problemas de interferência. Com esses aprimoramentos, o rádio passa a difundir mais música e cultura. Os avanços técnicos continuam na II Guerra Mundial, quando são utilizadas novas freqüências de onda. Os primeiros emissores em freqüência modulada (FM) são produzidos nos EUA, pela General Electric, em 1942. A FM permite uma recepção em alta-fidelidade (qualidade técnica), mas seu alcance é pequeno. Já a difusão em amplitude modulada (AM) tem longo alcance, mas algumas limitações de qualidade. A transmissão via satélite é inaugurada em dezembro de 1958, com o Score I, o primeiro satélite artificial de telecomunicações. Sua utilização representa o maior salto tecnológico da história da radiodifusão. Com ele, as emissoras podem irradiar seus programas com menos interferências e para qualquer parte do mundo. As transmissões comerciais iniciam-se sete anos depois com o lançamento do Intelsat 1, da International Telecommunications Satellite Organization. O rádio surgiu no Brasil com a fundação da Rádio Clube de Pernambuco, em 1919. Mas, a grande inauguração da radiodifusão
rádio 59 do Brasil só começou em 7 de setembro de 1922, junto com as comemorações ao Centenário da Independência. Na ocasião, o então presidente da República, Epitácio Pessoa, discursou para 80 receptores na abertura da Exposição Internacional do Rio de Janeiro, que estavam distribuídos em Niterói, Petrópolis e São Paulo. A primeira transmissão de rádio foi um evento bem sucedido, mas a ausência de um sistema de captação de ondas radiofônicas tornou o projeto inacessível a população, por isso após aos comemorações do Centenário da Independência, as transmissões via rádio foram interrompidas e o rádio saiu do ar. No ano de 1923, foi instalada uma pequena estação de rádio na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, como uma iniciativa do Governo. A instalação efetiva e definitiva da radiodifusão no Brasil ocorreu em 20 de abril de 1923 com a inauguração da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Edgard Roqquette-Pinto, que ficou conhecido como o pai do rádio brasileiro. Ele definiu bem como foi à primeira transmissão de rádio no Brasil: “Tudo roufenho, distorcido, arrombando os ouvidos, era uma curiosidade sem maiores conseqüências”. Essas frases fazem parte do discurso dele sobre a primeira transmissão radiofônica no Brasil, na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, 1922. A partir disso, a rádio passou a fazer parte da vida dos brasileiros, ajudou a acabar com a República Velha, tomou parte da Revolução de 1932, relatou sobre a Segunda Guerra Mundial, cumpriu um papel importante no Golpe Militar de 64, repercutiu o impeachment e participou ativamente de vários outros episódios importantes. Roquette-Pinto foi o criador do primeiro jornal de rádio brasileiro. O Jornal da Manhã trazia fatos comentados, o programa foi pioneiro do “jornal falado”, e trazia diariamente as principais noticias do jornal impresso com comentários e opiniões do comentarista. Em 1925 e 1926
60 o jornalismo vive a programação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro firmou-se e trazia noticias de dia, tarde e a noite, mas sem haver repórteres nas rádios, os locutores se alimentavam dos recortes de jornais do dia. No início dos anos 30, quando o rádio começava a dar seus primeiros passos no país, havia 19 emissoras no Brasil. O rádio comercial desponta a partir da legalização da publicidade. Com o crescimento da indústria e do comércio, o número de propagandas aumenta e o rádio transforma-se em um negócio lucrativo. Surgem os anúncios cantados, os jingles, que revolucionam a propaganda radiofônica. A Legislação promulgada em 1932 oferecia soluções para o problema da sobrevivência financeira das emissoras, ao mesmo tempo que garantia ao Estado uma hora diária da programação em todo o território nacional para a transmissão do programa oficial do governo. O rádio trouxe inovações técnicas e modificou hábitos, transformando-se na maior atração cultural do país. Em 1932, Getúlio Vargas compreendeu o grande potencial comunicativo do rádio e regulamentou seu funcionamento, autorizando a veiculação de propagandas junto às noticias diárias. Após a regulamentação, o veículo passou a trazer uma programação mais popular, com o objetivo de atrair um maior número de ouvintes. Aos poucos, foram contratados cantores e artistas, que apresentavam diversos tipos de programas: humorísticos, radionovelas, transmissões esportivas, orquestras, etc. Durante a Revolução Constitucionalista, também em 1932, o rádio foi utilizado pela primeira vez como meio de mobilização popular no Brasil, e junto surgiu o radiojornalismo em emissoras paulistas. A Rádio Record se destacou ao introduzir no começo dos anos 30 uma programação política, trazendo políticos para darem palestras instrutivas e culturais. Seu principal locutor, César Ladeira, ficou conhecido
rádio 61 como o “locutor da revolução” por convocar a população paulista a se manifestar a favor da elaboração de uma nova Carta Constitucional. Em 1935 foi criada a Hora do Brasil, programa que ia ao ar de segundafeira a sábado com noticiário emitido pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Criada em plena ditadura Vargas, numa época em que as comunicações não alcançavam a totalidade do território nacional, o programa perpetuou-se não apenas por interesse dos presidentes e de políticos, que passaram a utilizá-lo como canal de comunicação com suas bases. O programa Voz do Brasil foi criado por Armando Campos, amigo de infância de Getúlio, com a intenção de ajudar o seu amigo, colocando suas ideias para a população escutar, e assim serem a favor de seu governo. Passou ser transmitido em 22 de julho de 1935, com o nome de “Programa Nacional”, sendo apresentado pelo locutor Luiz Jatobá. De 1935 a 1962, foi levado ao ar com o nome de Hora do Brasil. Em 1939 o Decreto Lei 1.915 cria a Hora do Brasil com o objetivo de “Centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, e servir como elemento auxiliar dos ministérios, entidades públicas na parte que interessava à propaganda nacional”. Existiam cerca de 77 emissoras de rádio no País. Entre as décadas de 1920 e 1930, outras rádios importantes surgiram no Brasil, como a Rádio Mayrink Veiga, em 1934; a Rádio Tupi e Jornal do Brasil, em 1935 e a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em 1936, que liderou a audiência por 20 anos. Em março de 1940, Vargas tomou posse do grupo empresarial que detinha a Rádio Nacional e a partir daí, a empresa passou a ser uma das empresas incorporadas ao patrimônio da União e tornou-se a maior emissora do Brasil. Entre as décadas de 40 e 50, surgiu o chamado Rádio-Espetáculo, os programas traziam personalidades marcantes na história do país, como Emilinha Borba e Marlene, Carmem Miranda, Sivio Caldas, Carlos
62 o jornalismo vive Galhardo, entre outros, que ajudavam na popularização da linguagem radiofônica e conseguiam atingir assim novos públicos. Devido a entrada empresas multinacionais no país, que patrocinavam programas de rádio em troca de divulgação, a década de 40 foi marcada por uma grande injeção de verba publicitária no país. O desenvolvimento do radiojornalismo se deu na Segunda Guerra Mundial, em 1939, pois o rádio tinha um papel estratégico de transmitir com agilidade as noticias vindas do front. Nesse período os equipamentos e os sistemas de transmissão foram aperfeiçoados. O Repórter Esso, primeiro noticiário de radiojornalismo do Brasil que não somente lia notícias e recortes dos jornais, tinha suas matérias enviadas por uma agencia internacional de noticias dos Estados Unidos e entrou no ar, pela primeira vez, em 28 de agosto de 1941, com um estilo inovador. O noticiário chegou ao Brasil como uma iniciativa da política norte-americana de cooperação internacional. No ar por 27 anos ininterruptos, o programa revolucionou o radiojornalismo brasileiro, trazendo, além da notícia, um texto bem dirigido, propaganda político-ideológica, e opinião com alvo bem determinado. O noticiário chegava às casas dos brasileiros pela frequência da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, sendo retransmitido também por outras emissoras, como a Record de São Paulo, a Farroupilha de Porto Alegre, a Rádio Clube de Recife e a Rádio Inconfidência de Belo Horizonte. O Reporte Esso trazia isenção, neutralidade, imparcialidade e credibilidade. Os locutores da Esso que alcançaram maior sucesso foram Heron Domingues, Luiz Jatobá e Gonitjo Teodoro. O principal conteúdo passado nas noticias eram o modo de vida americano, a evolução das guerras dos Estados Unidos, e a cobertura da Guerra da Coréia em 1950. Em 1962, o noticiário ganha dimensão nacional
rádio 63 quando é transferido para a emissora Globo, propriedade de Roberto Marinho. Seis anos depois, em 1968 seria transmitida a última edição do Repórter Esso, onde Roberto Figueiredo se despede dos ouvintes com uma retrospectiva dos principais acontecimentos que já passaram pelas transmissões do noticiário desde 1941. A Rádio Tupi do Rio de Janeiro foi fundada no dia 25 de setembro de 1935 pelas Emissoras e Diários Associados do Brasil de Assis Chateaubriand. O apelido da rádio era “Cacique do ar”. Mas a primeira apresentação da rádio foi no dia 15 de setembro do mesmo ano com a execução do Hino Nacional por um coral regido pelo maestro Heitor Villa-Lobos. Na década de 1940 a Rádio Tupi tinha um elenco com grandes nomes da música brasileira como Sílvio Caldas, Jamelão, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Dorival Caymmi, Vicente Celestino etc, tendo também um elenco de rádio teatro com nomes como Paulo Gracindo, Yoná Magalhães, Maurício Shermann, Orlando Drummond etc. O jornalismo da Rádio Tupi foi importante no final da Segunda Guerra Mundial sendo a primeira a anunciar o final da guerra. Um outro marco do radiojornalismo brasileiro foi o Grande Jornal Falado Tupi, que entrou no ar em 1942, na Rádio Tupi de São Paulo. O noticiário da Tupi tinha uma única edição diária, mais longa e dividida em blocos. Novidades tecnológicas como o gravador portátil deram mais agilidade à cobertura jornalística ao passar dos anos. Aos poucos, o estilo direto e sintético do Repórter Esso, baseado em notícias de agências internacionais, passou a perder espaço para as notícias transmitidas de maneira mais leve, próxima da linguagem falada. Uma das pioneiras dessa nova fase do radiojornalismo brasileiro foi a Rádio JB do Rio de Janeiro, onde música e informação dividiam espaço. Além de notícia, música e entretenimento, o rádio também foi responsável por levar aos brasileiros os grandes momentos do esporte.
64 o jornalismo vive No final do anos 1960, com o advento da televisão, o período de ouro dos programas de rádio entra em declínio. A TV iniciava suas primeiras transmissão no Brasil no ano de 1950. Os artistas do Rádio migrariam para a TV, os programas de humor seriam substituídos por música e as novelas e programas de auditório que dariam lugar a serviços de utilidade pública. Em 1960, ao lado das 735 emissoras de rádio, incluindo as primeiras dez estações de frequência modulada, o País abrigava quinze emissoras de televisão. No começo, os canais de televisão ainda se encontravam num estágio incipiente de implantação e ajustes, no interior de uma indústria cultural ainda dominada pelo investimento publicitário na mídia radiofônica.
CURIOSIDADES • A primeira partida de futebol (confira em história do futebol) foi transmitida pela rádio no dia 19 de julho de 1931 por Nicolau Tuma, através da Rádio Educadora Paulista; • A terceira copa do mundo, que ocorreu em 1939 na França, foi a primeira a ser transmitida pela rádio. Ela foi narrada por Gagliano Neto pela Rádio Brasileira. • Durante a Primeira Guerra Mundial o rádio era usado como meio de comunicação entre os militares e o seu desenvolvimento era submetido a um controle severo.
podcast o mesmo, porém novo
“Se você quer algo novo, você precisa parar de fazer algo velho.” -Peter Drucker
podcast 67 O termo Podcast é uma junção das palavras iPod e broadcast (transmissão via rádio), e surgiu em 2004. Os créditos do conceito deste termo são atribuídos ao ex-VJ da MTV Adam Curry, que criou o “Como ouvir seus podcasts preferidos”, primeiro agregador de podcasts e disponibilizou o código na Internet para que outros programadores pudessem aperfeiçoar e utilizar. Podcast é uma forma de transmissão de arquivos multimídia na Internet criados pelos próprios usuários. As publicações dos arquivos podcast são feitas através de podcasting, um sistema que segue um padrão de feed RSS, ou seja, permite que os internautas possam subscrever determinado post de seu interesse e acompanhar automaticamente todas as recentes atualizações deste. Nestes arquivos, as pessoas disponibilizam listas e seleções de músicas ou simplesmente falam e expõem suas opiniões sobre os mais diversos assuntos. Os podcasts são como um blog, só que ao invés de escrever, as pessoas falam, sendo uma forma super fácil de consumir conteúdo. Em geral, ouvir e baixar podcast é gratuito. A movimentada e acelerada vida urbana tem exigido muito das pessoas nos dias atuais. Cada vez mais as pessoas estão sem tempo para executar tarefas cotidianas. Ao falar de consumo de conteúdo, estar sem tempo para se atualizar é uma verdade quase absoluta. A cada dia que passa existe mais conteúdo para consumir e menos tempo para isso. O podcast vem para ajudar a aproveitar o tempo disponível e aumentar a produtividade diária. Isso acontece pela facilidade que é apenas dar um play e ouvir o conteúdo, seja no carro, no ônibus, na academia, durante o almoço e assim por diante.
68 o jornalismo vive Podendo ser ouvidos a qualquer hora, os podcasts criam uma espécie de radio virtual direcionada para assuntos bem específicos, ou seja, de acordo com as características de cada ouvinte. Além do mais, esses arquivos podem ser escutados perfeitamente em um player portátil ou outras plataformas de áudio. Assim como a TV, o rádio e o jornal, o podcast é uma mídia de transmissão de informações, porém a origem da mídia podcast é muito recente e ainda está em seu processo de crescimento, principalmente no Brasil, onde atinge poucas pessoas. Existem três principais meios de ouvir um podcast: acessando o site onde o arquivo está disponível; fazer download do podcast para o computador ou smartphone, podendo assim ouvir o seu conteúdo mesmo offline; ou através da instalação de um agregador de podcasts, um software que organiza e comunica quando houver atualizações nos podcasts que a pessoa acompanha. As pessoas interessadas acompanham direto do smartphone ou no computador o lançamento de cada novo episódio de forma totalmente automática, podendo, assim, ouvir direto do aplicativo do celular (o agregador de podcasts) ou baixar para ouvir offline. Uma das vantagens do podcast é o fato de ter baixa transferência de largura de banda e não consumir tanto como os vídeos, o que resulta em economia no uso dos dados da operadora de telefonia móvel. Os temas são os mais abrangentes possíveis, cinema, TV, literatura, artes, ciências, mercado de trabalho, política, games, religião, musica, humor, esportes, etc. As empresas hoje em dia, visando ficar mais perto de seus consumidores e funcionários, usam os podcasts para alavancar seus negócios, criar nova identidade no mercado, e inserir-se nas novas plataformas de mídia de forma a conquistar seu espaço. A criação de um podcast é bem simples, e pode ser feita por qualquer pessoa ou empresa.
podcast 69 Passos principais para criar seu podcast:
1. Planejar Elaborar um bom planejamento é uma etapa fundamental, é no planejamento que se definem os objetivos a serem alcançados para encantar e fidelizar os ouvintes, sendo essa, uma tarefa que exige bastante atenção e cuidado. Público: identificar o público é importante para saber qual vocabulário deverá ser utilizado. As falas devem ser de acordo com a linguagem de quem irá ouvir o podcast, seja simples ou complexa, informal ou formal; Concorrência: como objetivo principal, deve-se atentar em ser diferente da concorrência. Ouvir o modelo da concorrência é bom para aprender, mas também é bom ouvir outros modelos que fazem sucesso. Porém, o jeito ideal é aquele que agrada ao público escolhido como público alvo. Tentar não é o problema, o problema é não tentar. Tema: definir um tema e o formato é importante, por exemplo: batepapo, mesa redonda, debate, informativo, educativo, storytelling, entrevista, dissertativo, dentre outros. Mas, além disso, é fundamental falar sobre algo que se domine e que seja agradável; Conteúdo: depois de ter o tema definido, é importante planejar o conteúdo e então criar um cheklist para todo episódio, ele vai ajudar muito para não se esquecer de nada durante a gravação e assim cobrir todo o tema; Convidados: entrevistar convidados é interessante e pode causar bom impacto, pois eles podem acabar compartilhando o conteúdo do podcast nas redes sociais e, assim, aumentar ainda mais a audiência; Ilustração: como podcast não é visível, a criação de cenários com a voz é imprescindível para que o público entenda a mensagem a ser passada;
70 o jornalismo vive Personalidade: o podcast tem um alto poder de fidelização, pois ouvir a voz de alguém é diferente de ler um texto, então criar a própria personalidade é fundamental. O tom da voz, as brincadeiras, as frases e os jargões ficam muito caracterizados e servem para diferenciar os emissores da mensagem; Frequência: manter uma frequência ajuda a engajar e a manter a audiência conectada ao conteúdo publicado. Se possível, a escolha de dias fixos da semana ajuda a criar uma periodicidade e o público já sabe em qual dia vai ser lançado um novo capítulo, episódio ou conversa. CTA: essa é a etapa de definir o momento certo para convidar o ouvinte a fazer alguma ação. Deve ser simples, para direcionar apenas para um destino, por exemplo “acesse o nosso site, lá você encontrará mais detalhes e informações e, ainda, cadastrando-se em nossa lista vip você ganhará um bônus surpresa”; Página: é importante ter uma página para receber os ouvintes do canal. Pode ser um site ou até mesmo uma Landing Page. Ter a própria marca, identidade e logo é de extrema importância para diferenciar e definir qual é a intenção e objetivo do canal, entre os outros existentes; Roteiro: depois de todo o planejamento definido, chegou a hora de criar o roteiro. Ele é útil para que o assunto não se perca. Porém, ficar preso apenas ao roteiro pode não ser interessante, os temas têm que fluir; Treino: Para falar bem, deve-se começar a falar. Gravadores tornam-se uma ótima opção para treinar a voz e os assuntos antes das gravações.
2. Gravar No momento de iniciar a gravação, os participantes precisam estar em um ambiente confortável e silencioso. A criação de uma sala
podcast 71 com uma boa acústica é muito importante, pois além de fornecer uma excelente qualidade para o áudio, também irá poupar esforço de edição para minimizar ruídos externos e internos. Os microfones devem ser de qualidade a fim de minimizar sopros, respirações e ruídos durante a gravação. Existem diversos softwares no mercado para gravar um podcast, mas, como ele não exige muita complexidade para gravação e edição, o famoso e gratuíto Audacity é o mais utilizado.
3. Editar Editar um arquivo de áudio sem nunca ter feito isso antes, pode ser um pouco difícil, mas torna-se fundamental. Todo arquivo de áudio deve ser guardado com backup, caso aconteça algum problema na hora da edição, o arquivo original estará em perfeitas condições. Uma opção para utilizar algum som de fundo, é usar o efeito Auto Duck. Ele aumenta e diminui automaticamente o volume da música, de acordo com o áudio da voz dos participantes. Com a edição concluída, o áudio deve ser exportado em mp3, com a qualidade de 96KBps, pois esta é uma qualidade excelente para conteúdo podcast.
4. Publicar Para publicar um podcast são necessários basicamente de dois requisitos: um lugar para hospedar e um Feed RSS para ser lido pelos aplicativos agregadores de podcasts.
4.1 Como publicar um podcast no Soundcloud O Soundcloud é uma plataforma completa que, além de ter esses requisitos, também conta com ferramentas de estatísticas de audiência, permite comentários, seguir e ser seguido como padrão de outras redes sociais. Para quem está começando a produção de podcasts, essa é uma
72 o jornalismo vive excelente opção para armazenamento gratuito de até 3 horas de áudio. Após esse tempo, só é possível adicionar novos arquivos se remover um conteúdo antigo ou adquirir algum plano. O próprio site tem um passo a passo completo, explicando detalhadamente como fazer todas as configurações.
4.2 Como publicar um podcast no Spotify O Spotify vem crescendo muito em popularidade nos últimos anos, principalmente entre quem ouve música. Com isso, ele está chamando a atenção também como biblioteca de podcasts – estima-se que 5% do consumo do formato sejam feito nele. Para publicar um podcast no Spotify é um pouco diferente, ao invés de usar o feed RSS, o envio é feito diretamente da hospedagem de mídia. Feito o envio, o arquivo será publico em 2 a 5 dias, desde que siga as regras do site – basicamente não infringir nenhuma lei de copyright. O Spotify não faz avisos sobre o tempo no qual o podcast publicado vai estar no ar.
5. Vender Depois de públicos, os podcasts tem que ser uma oportunidade de visibilidade dentro do mercado. Para isso, é necessária a criação de um site ou, melhor ainda, de uma Landing Page, onde devem estar conteúdos exclusivos aos ouvintes e seguidores. Assim que tiver os primeiros Leads, planejar uma estratégia de relacionamento com o público é fundamental para continuar o trabalho. O intuito é sempre oferecer conteúdo interessante ao que estão realmente interessados.
tv luzes, câmera e ação!
“A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.” -Barão de Itararé
TV 75 Assim como a fotografia e o cinema, a televisão é resultado de vários inventos que, unidos entre si, resultaram no televisor. O surgimento do rádio, do telefone e da eletricidade, despertou a vontade de cientistas e curiosos de fazer uma máquina capaz de transmitir imagens através de ondas sonoras. Assim como várias invenções brilhantes, a televisão contou com o trabalho de vários pesquisadores ao longo de anos até estar pronta para transmitir seus sinais aos telespectadores. As primeiras transmissões experimentais foram feitas em meados da década de 1920. Experimentos realizados em 1926 na Inglaterra, Japão e nos EUA em 1927 marcam o início das transmissões de imagens e sons. O engenheiro escocês John Logie Baird (1888-1946) foi um dos primeiros a se perguntar como seria possível transmitir imagens através das ondas do rádio. Após intenso trabalho, Baird realizou uma demonstração do aparelho, em 1926, para cientistas da Academia Britânica, em Londres. Seu modelo de televisão mecânica foi adotado pela BBC e tornou-se um dos primeiros a ser utilizado. Igualmente, conseguiu realizar uma transmissão a cores. Em 1937, porém, a BBC resolve trocar o sistema e passa a usar a tecnologia desenvolvida pela empresa Marconi-EMI. Essa decisão deixaria Baird muito abalado, o que explica seu esquecimento na história da televisão. O americano Philo Taylor Farnsworth aproveitou as pesquisas e a criação do tubo de raios catódicos para obter a transmissão de imagens por via eletrônica. Philo Farnsworth apresenta seu aparelho televisor e segura nas mãos o tubo de raios catódicos. Sua invenção seria testada com êxito em 1927 e Farnsworth mostraria seu funcionamento ao longo da década de 30 em feiras científicas. Após desentendimentos com grandes empresas do setor como a RCA e a Philco, fundaria sua própria companhia de televisores e rádios de 1938 a 1951.
76 o jornalismo vive Seguindo os passos da televisão mecânica, o engenheiro sueco Ernst Alexanderson, no entanto, se afastaria do modelo, ao julgá-lo pouco prático. Assim, continua sua pesquisa e consegue provar a transmissão de imagens sem a necessidade de cabos. Alexanderson fez a primeira demonstração pública de sua televisão no Proctors Theater, em Nova York, no dia 13 de janeiro de 1928. Esta TV tinha uma resolução de 24 linhas. Só para comparar, atualmente uma TV UHD tem 2160 linhas de resolução. Como a televisão foi desenvolvida por várias pessoas, em diferentes lugares do mundo, não há um consenso acerca da primeira transmissão oficial, mas o que se sabe é que a empresa AT&T foi uma das pioneiras ao realizar uma transmissão na cidade de New York, mas na época (1927), somente algumas pessoas tiveram acesso à transmissão. Já na década de 1920, as primeiras celebridades começaram a surgir e a fazer muito sucesso. O Gato Félix é considerado o primeiro personagem a ter sua imagem veiculada na TV em 1928. Durante alguns anos, a televisão foi considerada a companheira de poucos, visto que somente famílias ricas podiam comprar o caríssimo objeto. Um exemplo é o Reino Unido, onde apenas 3.000 pessoas possuíam televisões na década de 30. Em 1934, a empresa alemã Telefuken começa a fabricar os primeiros aparelhos com tubo de raios catódicos. Dois anos depois, as Olimpíadas de Berlim seriam transmitidas pela televisão. A década de 1930 serviu para a lapidação da televisão. A Segunda Guerra Mundial paralisou a pesquisa e a produção de televisores. Somente ao fim do conflito, ocorre o barateamento do aparelho e o surgimento de mais canais transmissores. Os aparelhos de TV já começavam a ser produzidos em larga escala, mas eram poucas as pessoas que tinham acesso a ele, tendo em vista que o rádio ainda era o
TV 77 meio de comunicação predominante e os preços ainda eram proibitivos. Nos anos 30, as telas do televisor dificilmente ultrapassavam as cinco polegadas, desta forma era difícil assistir a alguma coisa. Grandes emissoras também já haviam surgido na década de 30. Canais como a BBC, CBS e CGT abriam as portas para a transmissão de programas e eventos esportivos. Assim, praticamente, todas as classes sociais passaram a ter acesso à televisão e hoje em dia, a maioria das casas possui, no mínimo, um televisor. A Europa e EUA estavam na dianteira da tecnologia e, já no ano de 1936, a coroação do rei Jorge VI é considerada a primeira transmissão ao vivo da história da televisão e assistida por mais de cinquenta mil pessoas em Londres, na Inglaterra. Historicamente, o boom da televisão foi nos anos de 1950. Os eletrodomésticos invadiram os lares dos estadunidenses e ídolos como Elvis Presley davam fôlego ao American Way of Life. Antes disso, em 1940, foi realizada a primeira transmissão em cores que se tem notícia e as transmissões esportivas e os primeiros telejornais começaram a ganhar destaque. Ainda na década de 50, milhares de pessoas já tinham acesso à TV nos EUA, Europa e Ásia. A história da televisão no Brasil começa na década de 50, quando o jornalista e empresário Assis Chateaubriand, inaugura a primeiro canal brasileiro, a TV Tupi (canal 3), em São Paulo. A rede Tupi foi a primeira emissora de televisão do Brasil e reinou absoluta ao longo de muitos anos. Para fazer sua ideia decolar, Chateaubriand trouxe dos EUA 200 aparelhos de TV e os espalhou pela cidade, onde quem passava pela rua era “hipnotizado” pelas imagens e sons do mais novo invento a desembarcar em terras brasileiras. Chateaubriand havia estado nos Estados Unidos e resolveu usar seu capital e conhecimento adquiridos no rádio e nos jornais para se
78 o jornalismo vive aventurar pelo mundo da imagem. Como não havia transmissão via satélite, a programação da TV Tupi estava restrita à cidade de São Paulo. No entanto, no ano seguinte, seria inaugurado o canal no Rio de Janeiro. O “Repórter Esso”, que já era o programa de maior sucesso do rádio, virou também um sucesso da TV, em 1952. O programa era comandado por Gontijo Teodoro e tinha como chamada a célebre frase “Aqui fala o seu Repórter Esso – testemunha ocular da história”, que durou por 18 anos. A explosão da televisão no Brasil pode ser observada seis anos após sua chegada. No ano de 1956 o país já possuía o expressivo número de 1,5 milhão de aparelhos. A princípio as transmissões tinham caráter de improviso e foram marcadas pela aprendizagem. As transmissões ocorriam apenas em determinadas horas do dia. Em 1955 é inaugurada a TV Rio, aliando-se à TV Record, inaugurada em 1953, às Emissoras Unidas. Em agosto de 1957 iniciamse as transmissões entre cidades no Brasil, com um link montado entre a TV Rio e a TV Record, ligando as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, com a transmissão do Grande Prêmio Brasil de Turfe, direto do Hipódromo da Gávea no Rio de Janeiro. Em 1959 surge a TV Continental canal 9 no Rio de Janeiro, trazendo a novidade do vídeotape para o Brasil; ela seria cassada em 1972. Em 1960 é inaugurada a primeira TV Excelsior em São Paulo, a segunda viria em 1963 no Rio de Janeiro. As duas saíram do ar por decisão do governo militar em 1970. Em 1960 foram inauguradas as duas primeiras emissoras de televisão do Recife: TV Jornal do Commercio e TV Rádio Clube de Pernambuco. Em 26 de abril de 1965, entrou no ar a TV Globo canal 4 do Rio de Janeiro, embrião da Rede Globo de Televisão. Em março
TV 79 de 1966 a TV Globo comprou a TV Paulista, transformando-a em TV Globo São Paulo, primeiro passo para a criação da Rede Globo. Em 13 de maio de 1967, começou a funcionar a TV Bandeirantes canal 13 de São Paulo, primeira emissora da Rede Bandeirantes. Em 1968 foi inaugurada a primeira emissora de TV educativa do Brasil: TV Universitária, da Universidade Federal de Pernambuco. Em 28 de fevereiro de 1969, inauguraram-se no Brasil as primeiras torres de rastreamento de satélites pela Embratel, então uma empresa estatal, localizadas no município de Tanguá no Estado do Rio de Janeiro, ligando em linha direta o Brasil entre si e com o restante do mundo. Mesmo com os rumores de transmissões coloridas desde os anos de 1940, somente em 1950 e 60 é que a TV em cores se popularizou no EUA e Europa. No Brasil, no ano de 1963, foi feita uma transmissão experimental em cores, mas somente nos anos 70 elas chegaram oficialmente à casa de alguns brasileiros. Transmissões ao vivo já eram comuns, mas coloridas somente em 1972, com a transmissão de uma festa típica da cidade de Porto Alegre pela TV Difusora. No final dos anos 70 a televisão em cores já começa a se popularizar no Brasil. Já nesta década, o mundo pode ver o Brasil ser Tri-campeão da Copa do Mundo, o fim da Guerra do Vietnã, o fim dos Beatles, os desenhos Speed Racer e Pica-pau e se sentir como nunca interligado com o mundo por meio do mais poderoso veículo de comunicação até o momento. Depois de ficar colorida e com melhor resolução, a partir dos anos 70 e 80 a televisão apenas passou por uma fase de aprimoramento, tendo em vista que novas emissoras surgiram e mais satélites para a transmissão foram lançados. Porém, até hoje, utilizamos praticamente o mesmo modelo de transmissão criado nos anos de 1920: o analógico. Em 16 de julho de 1980, foi fechada pelo governo federal a
80 o jornalismo vive Rede Tupi, emissoras pioneiras da TV no Brasil, no ar desde a década de 1950. No dia 19 de agosto de 1981, Silvio Santos unificou suas emissoras, fundando o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Em 5 de junho de 1983, foi fundada no Rio de Janeiro, a Rede Manchete composta de canais no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e com representação em Brasília. Em março de 1985, o Brasil começou a operar com o seu primeiro satélite, o Brasil-Sat. Em 1987 voltou a funcionar a TV Rio, que mais tarde seria vendida à Igreja Universal. Em 9 de novembro de 1989, a TV Record de São Paulo foi vendida para o Bispo Edir Macedo, iniciando então a Rede Record de Televisão. A primeira TV por assinatura no Brasil surgiu em 1990 nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, no sistema “MMDS”. A empresa pioneira foi comprada no ano seguinte pela Editora Abril, que a transformou em TVA. Em 16 de maio de 1999 a Rede Manchete foi vendida a um grupo de empresários paulistas que fundaram a Rede TV!. A TV por Assinatura surgiu nos Estados Unidos em 1970 para diminuir os problemas com a recepção de sinais nas grandes cidades. Já naquela época em grandes cidades americanas como Nova York, Chicago, Los Angeles e San Francisco; as emissoras de televisão estavam perdendo a qualidade do sinal para as grandes construções que dominavam essas metrópoles. Como solução para isso, os americanos foram buscar uma resposta lá no início da década de 50, na alvorada da televisão. Quando as redes americanas começaram a expandir-se, ligando uma cidade a outra com o sinal em UHF, ao chegarem às montanhas rochosas encontraram uma dificuldade. O sinal não poderia ser transmitido para a cidade seguinte devido à distância e as condições do tempo na maior parte do ano nessa região. Então, instalou-se um
TV 81 sistema que permitia essa transmissão através do cabo, ao invés da atmosfera para a propagação do sinal. Com essa mesma filosofia, as TVs a cabo chegaram às cidades americanas na década de 1970, na forma de TV por assinatura, quem quisesse melhorar o sinal recebido em seu televisor teria que pagar por isso. Logo surgiu a oportunidade de serem criados novos canais como atrativo para que mais pessoas pudessem se tornar associadas, canais exclusivos, que só seriam captados por quem tivesse o sistema instalado. Essa novidade só chegou ao Brasil em 1990, através do Canal+, primeira televisão por assinatura do país, instalada por uma empresa francesa, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, usando o sistema MMDS, transmissão aérea, através de micro ondas, também adotado em várias capitais europeias que não tinham uma grande rede de galerias telefônicas, como existem na maioria das grandes cidades americanas. O sistema Canal+ funcionava a princípio com cinco canais, um noticioso, a CNN em inglês, um esportivo, a ESPN em inglês, um canal de atualidades, SUPERSTATION em inglês, um canal de filmes com legendas e um canal musical, a TVM. No final do ano de 1990, o Grupo Abril comprou o Canal+ da empresa francesa, que desistiu do negócio quando sentiu que os telespectadores dessas duas cidades não demonstraram interesse pelo sistema. O Grupo Abril logo alugou a franquia da MTV, a mais popular tv musical americana, com o objetivo de instala-la no Brasil. Sendo assim, o Grupo Abril funda em 1991 a TVA, com transmissão do sinal via MMDS no Rio e em São Paulo com apenas cinco canais. Além da CNN, Superstation e ESPN, a TVA trocou a TVM pela MTV Brasil e o canal de filmes passou a chamar-se TVA Filmes, em 1994 a TVA fecha contrato com a HBO, passando a transmitir, na época com exclusividade, seu sinal no lugar da TVA Filmes. Em 1993 a
82 o jornalismo vive TVA lança o canal Cartoon Network com desenhos animados 24 horas por dia, pertencente aos estúdios Hanna-Barbera. Em 1992, a NET surge no Brasil, com transmissão via cabo, no estilo empregado nas cidades americanas, com a primeira ligação nos bairros de Ipanema e Leblon, na cidade do Rio de Janeiro. Ainda em 1992, a NET chegaria a São Paulo, nos bairros de Interlagos e Jardim Paulista. Novos aparelhos foram surgindo ano a ano e os modelos com som estéreo já estavam disponíveis desde o fim dos anos 80. Depois disso, o investimento em telas com cada vez maior resolução virou a “bola da vez” e as TVs de tela plana, plasma e LCD chegaram ao mercado já no fim dos anos 90. O fato é que grandes artistas, eventos, acontecimentos e a própria história da humanidade foi transmitida e assistida pela televisão. Do preto e branco ao Full HD, a televisão não parou de se reinventar e lançar tendências. A televisão digital já era estudada e aprimorada desde os anos de 1970, no Japão. O formato HDTV, que foi adotado na transmissão da TV aberta no Brasil a partir de 2006 é o modelo japonês. Contudo, a TV por assinatura já havia adotado o formato digital desde o ano de 1998, mas a interatividade prometida ainda não havia chegado. A TV Digital, implantada há pouco tempo, difere em vários aspectos da analógica, utilizada desde 1920. A principal diferença está na qualidade da imagem, som e interatividade. Por ser transmitida via satélite, as ondas que seu televisor recebe dificilmente sofrem interferências, desta forma os famosos chuviscos e “fantasmas” viraram coisa do passado. Além de melhorar a transmissão, a TV Digital permite que a imagem transmitida tenha muito mais definição, já que é possível ter mais de 1080 linhas de resolução. O som também acompanha a melhoria das imagens, pois há mais canais de áudio que acompanham a transmissão das imagens.
TV 83 Com a massificação da Internet, a transmissão on line do sinal — tanto aberto quanto por assinatura — passou a disputar a audiência com os serviços de distribuição de conteúdo digital, conhecidos como streaming (Netflix, YouTube, entre outros). Boa parte da televisão aberta durante esta década estava ocupada por programas de televendas e igrejas. A partir de 2016, os sinais de televisão analógica começaram a ser desligados em várias cidades do Brasil. O SBT, a RecordTV e a RedeTV!, haviam formado em 2014, uma joint-venture denominada Simba Content, para negociar a cobrança por parte dos canais por assinatura, da transmissão de seus sinais, já que a regulamentação da ANATEL de 2011, determinando a gratuidade da transmissão, seria apenas para “os sinais analógicos de abrangência nacional”. Em março de 2017, as três emissoras anunciaram que não transmitiriam mais o conteúdo por meio das operadoras, estando o sinal apenas disponível por antena. No entanto, as três emissoras, alegando prejuízos comerciais e de audiência, entraram em acordo com as operadoras e voltaram a transmitir as respectivas programações nas operadoras no mesmo ano. A televisão tornou-se um eficiente meio de transmissão de informações, com telejornais, mas também de programas de entretenimento, tais quais os programas de auditório, infantis, novelas, dentre outros. Além de transmitir notícias e distrair o público, a TV apresenta um grande número de publicidade, pois esta é a principal fonte de financiamento da televisão o que leva o espectador ao consumo desenfreado. Já os programas alienantes, bombardeiam o telespectador com informações de menor importância. Isso tudo porque a finalidade maior é obter o lucro e altos índices de audiência. Note que ela atua como um formador de opinião, ditando comportamentos, interesses políticos, econômicos, etc.
on demand na hora e local que desejar
“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente...” -Mario Quintana
on demand 87 Como o próprio nome sugere, significa algo feito sob demanda para atender o usuário na hora e com o conteúdo que ele escolher, baseado na necessidade e/ou na encomenda de alguém. Os serviços on demand, geralmente requerem uma assinatura mensal ou anual, ou pelo menos um cadastro feito pelo titular ou portador do serviço. Na maioria das vezes, o cliente deve primeiramente registrar-se no site ou aplicativo e escolher seu tipo de conta (grátis ou premium) para começar a usufruir do serviço. Uma vantagem das plataformas online de serviços on demand é a facilidade de acessar ao conteúdo/serviço que você deseja, sem precisar sair de casa. Existem vários tipos de serviços on demand, como de hospedagem, transporte, alimentação, vídeo, música e outros. Assistir a filmes que acabaram de sair do cinema ou não sempre foi possível com os canais pagos. Mas a diferença do serviço on demand é justamente a possibilidade de escolher o que quer ver ou receber, na hora desejada. Um bom exemplo disso é que antes um assinante de TV paga só conseguia assistir aos filmes que estavam na programação dos canais. Hoje, as próprias operadoras de TV já possuem plataformas de vídeo on demand, para que o assinante escolha o filme que deseja assistir, quando e onde quiser. A maioria das operadoras disponibiliza o serviço on demand a partir do formato streaming. Ou seja, o conteúdo é baixado ao mesmo tempo em que o usuário o assiste. No entanto, é importante entendermos que streaming é um tipo de tecnologia e on-demand é outra. É chamado de on-demand todo o conteúdo que pode ser acessado no momento em que uma pessoa desejar. Na TV convencional, por exemplo, não é possível assistir a um programa fora do horário em que ele é exibido pela emissora. No entanto, se o canal de televisão disponibiliza aquilo que foi ao ar em sua programação, no seu site ou
88 o jornalismo vive canal no Youtube, os telespectadores poderão assistir aos programas, no lugar e horário em que quiserem, sem a necessidade de estar com a televisão ligada no momento da transmissão ao vivo. De modo geral, podemos dizer que todos os serviços on-demand são transmitidos via streaming, mas nem todos os conteúdos streaming estão disponibilizados de maneira on-demand. Conceitualmente, o On Demand refere-se a algo que foi solicitado, demandado por alguém. Ele é o resultado da soma de novas tecnologias com o atendimento à expectativa do cliente. Hoje, o consumidor quer assistir ou ter acesso a alguma coisa no momento que for melhor para ele. O sistema antigo de transmissão de conteúdo, por exemplo, onde ele é imposto à pessoa, deixa de existir e abre alas para o conteúdo buscado, procurado e desejado por ela. O mesmo acontece para produtos e serviços. Operações On-Demand funcionam com base nas necessidades, ou encomendas, dos clientes. Isso quer dizer que essa estratégia busca atender aos clientes da forma mais conveniente possível, de acordo com as solicitações realizadas. Não é só na TV: serviços sob demanda estão em todo lugar. Normalmente, trata-se de serviços ou produtos oferecidos por empresas com foco voltado para a tecnologia, a fim de atender às demandas dos consumidores de imediato. Se pararmos para pensar que on demand significa encontrar algo feito sob encomenda para você, dá para notar que essa opção já está presente em nossas vidas em vários outros universos. Ao ouvir música, por exemplo, muita gente prefere baixar um app como Spotify ou Deezer. Eles disponibilizam um catálogo variado, permitindo que o usuário ouça quando quiser. Quando a fome bate, outra solução sob demanda também pode ajudar: os aplicativos como iFood ou PedidosJá, que listam os restaurantes que atendem na região e facilitam o processo da compra e entrega da refeição. E na hora
on demand 89 de viajar, temos o Booking ou o Airbnb para ajudar nas escolhas e no planejamento das férias perfeitas. Nesse sentido, podemos dizer que essas operações estão ganhando cada vez mais espaço entre os clientes, visto que proporciona o poder de escolha e a possibilidade de se consumir apenas o que se deseja e de escolher o momento mais conveniente para usufruir dos produtos e serviços — e, em alguns casos, pagar apenas por isso. Características que os consumidores esperam e estão ligadas ao serviço on demand:
• Flexibilidade Graças ao imediatismo gerado pela internet, os clientes querem, cada vez mais, interagir com as empresas, produtos e serviços, em qualquer lugar, a qualquer momento — o que é possível com o uso de dispositivos conectados à rede. Nesse sentido, muitas empresas já procuram investir em uma estratégia omnichannel, integrando os diversos canais de atendimento, com o objetivo de fornecer uma experiência unificada para os clientes — ainda que a compra seja iniciada no site e finalizada na loja física, por exemplo.
• Protagonismo Se um produto ou serviço agrega valor para a experiência, o cliente quer aproveitar tudo que estiver disponível para ele, incluindo as informações. São eles quem tomam as decisões sobre o que querem e quando querem. Portanto, é necessário compreender o que os consumidores buscam e quais são suas principais necessidades. Assim, consegue-se criar iniciativas que não só podem satisfazê-las, mas também superá-las. • Informações que aprimoram experiências: Muitos clientes não se
90 o jornalismo vive importam de compartilhar informações, desde que elas sejam usadas com inteligência e sirvam para agregar valor à experiência com os produtos e serviços. Isso quer dizer que as empresas precisam desenvolver ainda mais a gestão do conhecimento.
• Praticidade Quanto mais simples, prática, intuitiva e agradável for a experiência, mais os clientes se sentem satisfeitos. Sendo assim, as empresas precisam buscar meios de evitar a complexidade. Operações On-Demand abrem um leque de oportunidade para vários tipos de negócios, visto que existem diversos segmentos que podem ser explorados. Para isso, contudo, é preciso estimular a cultura da inovação para que as melhores ideias (de produtos e serviços) sejam ofertadas aos clientes. Dentro do contexto da logística, é possível prever quais serão as tendências dessas operações para o futuro (não muito distante). As Operações On-Demand têm como ponto de origem principal a mudança do comportamento dos clientes e o aumento da exigência para obter produtos e serviços cada vez mais personalizados. Para que as empresas permaneçam competitivas no mercado, terão que encontrar meios de adaptar os processos — a fim de transformar a maneira como se relacionam com seu público, por isso a necessidade de investir em inovação. A informação é a palavra-chave para a aplicação do On Demand em qualquer negócio. Todo empreendedor deve saber que com o uso de ferramentas como o Google Analytics, é possível saber tudo sobre os hábitos de consumo dos clientes. Essas informações podem e devem ser usadas de forma estratégica para o desenvolvimento de um negócio on demand, além de produção de conteúdo personalidade, vivência de experiências pré-decisão de compra, comprometimento com os clientes pelas redes sociais e imediatismo na comunicação.
streaming ao vivo de todos para todos
“Quem sabe faz ao vivo.� -Fausto Silva
92 o jornalismo vive Os serviços de streaming são todos aqueles que utilizam de uma tecnologia que faz a transferência de dados pela internet, sem que o usuário precise fazer download de um conteúdo para ter acesso a ele. Assim, ao assistir a um filme ou série no Netflix ou ouvir uma música pelo Spotify, está consumindo um conteúdo em streaming. O termo streaming vem do inglês, derivado da palavra “stream”, que significa corrente de água. Sendo assim, o conteúdo transmitido por meio dessa tecnologia segue o mesmo fluxo de um rio, que leva a água de forma constante até os seus afluentes, sendo que no âmbito da tecnologia, indica um fluxo de dados ou conteúdos multimídia. O live streaming permite que o utilizador veja um programa que está sendo transmitido ao vivo. Um grande exemplo de streaming é o site Youtube, que utiliza essa tecnologia para transmitir vídeos em tempo real. O streaming se desenvolveu no Brasil nos últimos anos principalmente pela melhora em um dos seus principais pré-requisitos: a melhora na velocidade das conexões com a Internet. Com isso, os dados são armazenados temporariamente na máquina e vão sendo exibidos ao usuário em velocidade quase instantânea. O streaming possibilita que um usuário reproduza mídia, como vídeos, que são sempre protegidos por direitos autorais, de modo que não viole nenhum desses direitos, tornando-se bastante parecido com o rádio ou a televisão aberta. A tecnologia é também muito usada em jogos online, em sites que armazenam arquivos, ou em qualquer serviço onde o carregamento de arquivos é bastante rápido. Atualmente, emissoras de televisão, bem como rádios FM e AM, além de várias empresas que realizam eventos, utilizam esta tecnologia para interação digital com seus ouvintes e clientes. A tecnologia, entretanto, não é recente. O mecanismo já existia desde a década de 90, mas não se popularizava por conta da baixa
streaming 93 velocidade das conexões com a web, que não permitia o carregamento instantâneo. Tentar assistir a um vídeo ou ouvir uma música por streaming continuou sendo um verdadeiro exercício de paciência até os anos 2000, já que os dados ficavam mais tempo carregamento e sendo armazenados do que sendo exibidos. Os vídeos travavam muito e frequentemente eram exibidos com baixa qualidade. O Streaming media surgiu na Internet em 1985 e a primeira tecnologia a se popularizar na rede foi o Real Audio da Progressive Networks (atual Real Networks) e funcionava somente com som. Em suas características iniciais os sons transmitidos eram mono e não possuíam uma qualidade muito fiel ao arquivo original - dado a baixa taxa de frequência, processo de compactação e da pequena taxa de largura de banda - porém, mesmo com estes contratempos, a tecnologia foi prontamente aceita devido ao fato de dispensar os longos downloads que os internautas tinham que enfrentar naquela época. O próximo passo da evolução do Streaming era evidente: transmitir um fluxo de áudio ao vivo através de uma rede, e isso foi realizado no dia 4 de janeiro de 1996: o Live @nd In Concert, apresentando nomes artísticos como Joey Ramone (dos Ramones), Joan Jett (Blackhearts) e Deborah Harry (Blondie). Todo esse sucesso da tecnologia da época fez com que vários programas fossem criados, como o IBM Bamba, Streamworks, Destiny, VDO, entre outros. Foi com o IBM Bamba que ocorreu a possível primeira transmissão de um lançamento musical pela internet no Brasil, em dezembro de 1996 com a música “Pela Internet”, de Gilberto Gil. Com as pesquisas de transmissão de som bastante adiantadas e apresentando bons resultados, deu-se o início às pesquisas para que as imagens também pudessem ser transmitidas, com o desafio do volume de informações de um vídeo ser muito maior do que um fluxo simples
94 o jornalismo vive de áudio e, em 1997, a Progressive Networks apresenta o Real Vídeo. A primeira transmissão em que há notícia é de um evento esportivo: um jogo de futebol americano entre Cleveland Indians e Seattle Mariners, em 9 de abril do mesmo ano. E todo esse barulho chamou a atenção da Microsoft, que a princípio fez um acordo de ações com a Progressive Networks para o desenvolvimento do Real Player para o seu navegador Internet Explorer, porém isso foi somente para que a empresa desenvolvesse o seu próprio software player para Streaming - o Netshow - que depois foi substituído pelo conhecido Windows Media Player. E a história não parou por aí: MP3, Flash Vídeo, YouTube, Netflix... Essas e tantas outras terminologias e tecnologias apareceram durantes estes últimos anos e consagraram, em definitivo, o Streaming. Vantagens do streaming Uma das maiores vantagens do advento da tecnologia streaming é a possibilidade de distribuição de conteúdos protegidos por direitos autorais sem que se firam tais direitos. Como não há download dos arquivos, o serviço de streaming se assemelha às transmissões feitas através da televisão. Os serviços de streaming costumam ser baratos e, como têm a vantagem da liberdade de acesso a qualquer momento, têm crescido muito. Live Streaming Além dos conteúdos como filmes, séries de TV, documentários, músicas e outros, que englobam a transmissão e reprodução automática de arquivos armazenados em servidores, existem também os live streaming, que se baseiam na mesma tecnologia, porém, são voltados para eventos que estejam acontecendo no exato momento da transmissão. É possível até que o usuário interaja com o evento que assiste.
blogs e microblogs a queda do modelo unilateral de comunicação
“Os fenômenos humanos são biológicos em suas raízes, sociais em seus fins e mentais em seus meios.” -Jean Piaget
BLOGS E MICROBLOGS 97 Em 1994, o cientista do MIT Media Lab, Claudio Pinhanez, criou um site chamado “Open Diary” — e isso explica muita coisa sobre a nossa percepção atual desse canal — com o objetivo de contar um pouco sobre a sua vida. Com isso, o conteúdo do blog eram suas viagens, filmes e assuntos considerados relevantes por ele, tornando aquela página um local para expressar sua opinião e documentar a sua vida. No mesmo ano surgiu o Links.net, criado por um estudante americano chamado Justin Hall, que tinha basicamente o mesmo papel: falar sobre coisas do seu interesse, dos mais diversos temas. Desde dicas de HTML até músicas e conselhos sobre relacionamentos. A partir daí outras pessoas começaram a fazer a mesma coisa: criar blogs que realmente funcionavam como diários pessoais, com os mais diversos temas e pegadas. A Internet, como meio de comunicação no modelo todos-todos (Lévy, 1999), trouxe a possibilidade de que qualquer um possa produzir e publicar conteúdo na rede. Com a liberação do polo emissor (Lemos, 2005), a mídia tradicional passa a dividir espaço com o conteúdo produzido por usuários, em espaços de participação como blogs, redes sociais e wikis. Entretanto, a situação nem sempre foi assim. No começo da história da web, ainda na década de 1990, os sites eram construídos como páginas estáticas, de conteúdo raramente renovado, e editados por uma única pessoa, ou grupo de pessoas. Em meados de 1997, Jorn Barger, que foi autor de um dos primeiros FAQ – Frequently Asked Questions da história da internet, foi pioneiro em desenvolver um sistema onde uma pessoa poderia relatar tudo o que achasse realmente interessante na internet, e para nomear esse sistema foi utilizado o termo “weblog”. O primeiro weblog da história ainda mantém sua forma original, podendo ser vista no site de seu criador, cujo endereço é http://
98 o jornalismo vive robotwisdom.com, mesmo com o layout sendo considerado precário até mesmo para época, o weblog rapidamente se tornou uma sensação. Muitas pessoas pronunciavam o “weblog” da forma que elas achavam mais conveniente, até que Peter Merholz pronunciou a palavra como se estivesse dividindo ela em duas partes, “wee-blog”, que futuramente foi encurtada, até se tornar simplesmente “Blog”. A moda dos Blogs começou mesmo no ano de 1999, quando muitos usuários da internet começaram a construir blogs para tratar sobre diversos assuntos, alguns para fazer um “diário virtual”, outros para fazer humor, política, e assim por diante, mesmo com conhecimentos intermediários em linguagens de programação e design, os blogueiros se sentiam importantes com seus diários na internet. Nesta época, os posts, nome dado às informações adicionadas periodicamente ao blog, eram apenas links, ou seja, eram apenas pontes para um outro site, e quando um blog usava um link de outro blog, ele apontava o pioneiro como sendo o “dono do link”, com isso os blogs passaram a se autodivulgar, pois as pessoas queriam conhecer quem foi o blog que achou determinado link que estava linkado em outro blog e assim foi até que começou a surgir uma certa concorrência, os blogs mais interessantes começaram a ter muitos acessos, e acabou-se criando uma disputa, foi quando os blogueiros começaram a fazer links cada vez mais interessantes, eles não colocavam mais qualquer coisa em seus blogs, eles pesquisavam assuntos do interesse de um maior número de pessoas, e escreviam de maneira correta, eliminando palavras abreviadas usadas em chat como “vc” e escrevendo “você” por exemplo, fazendo de tudo para tentar induzir um leitor de sites a se tornar um leitor diário ou semanal do seu próprio blog. No final do ano de 1999, os Blogs se tornaram uma preciosa fonte de renda para empresas, que começaram a investir em sua
BLOGS E MICROBLOGS 99 automatização, ou seja, a partir de um template pronto e um backoffice uma pessoa leiga no assunto poderia muito bem desenvolver um blog, este backoffice seria como uma ferramenta de texto comum que ao digitar algo o sistema transformaria tudo em código HTML automaticamente. Uma das pioneiras a desenvolver um sistema para automatizar a publicação de blogs foi a empresa Blogger, uma empresa que soube como facilitar a publicação de artigos com uma interface muito simples que qualquer leigo poderia muito bem aprender e desvendar em 20 ou 30 minutos todas as suas ferramentas, sendo assim, muitas pessoas com idade acima de 12 anos já conseguiam facilmente criar o seu próprio blog, e como o custo de criação, edição e atualização era zero, o sistema de blogs se popularizou rapidamente. A partir do ano 2000, aos poucos, os sites passaram a ser construídos com conteúdo dinâmico e constantemente atualizados. Ao invés de serem lugares para se visitar, as páginas da web passaram a se tornar plataformas de interação, espaços abertos os quais permitem que qualquer um possa não só consumir como também produzir conteúdo. As modificações sofridas pela web foram tantas que se passou a utilizar o termo Web 2.0 (O’Reilly, 2005) para designar o que se poderia fazer com a Internet a partir de então. Os blogs fazem parte desse contexto de Web 2.0 e participação e colaboração, como um formato de páginas dinâmicas que podem ser fácil e constantemente renovadas. Com essa nova ferramenta de interação, ou seja, com o sistema de comentários, os blogueiros se tornaram mais escritores do que simplesmente blogueiros. Seus textos deixaram de ser apenas um texto jogado na internet para ser algo comentado por pessoas muitas vezes criticas e diretas que denunciavam até mesmo um simples erro de português, como se o seu blog tivesse a obrigação de passar uma informação seguindo os padrões de um livro, por exemplo, com direito
100 o jornalismo vive a revisões e tudo antes de publicar um post. No ano de 2004, surgiu uma novidade no mundo dos blogs, o feed, que nada mais é que uma ferramenta que lhe dá a oportunidade de “assinar” um blog, utilizando o endereço feed de qualquer blog é possível visualizá-lo utilizando um programa ou um leitor de feed qualquer, e tem mais, você pode repetir o processo com quantos blogs quiser, basta você ir adicionando os blogs para acompanhar as atualizações deles no mesmo lugar sem ter que visitar todos os endereços. Os blogs rapidamente se tornaram um dos sistemas mais utilizados da internet, em 1999 o número de blogs não passava de 50, já no ano de 2001 eram contabilizados milhares de blogs e em 2003 eles atingiram a assombrosa média de 3 milhões de blogs, neste mesmo ano os blogs se tornaram uma febre no Brasil, e graças a esse crescimento muitas empresas decidiram traduzir seus sistemas de blogs para a língua portuguesa, oferecendo todas as ferramentas de seus sistemas originais porém adaptados para uma versão em português e atualmente, de acordo com o estudo State of Blogosphere da Technorati, existem mais de 130 milhões de blogs. O número de posts também aumenta a um ritmo alucinante, cerca de 900 mil de posts por dia, o que se traduz em cerca de 1 post por segundo. Quanto ao idioma utilizado na escrita, o Inglês é a língua dominante com cerca de 39% da totalidade da blogosfera. O Japonês apresenta-se em segundo lugar com 31% e em terceiro vem o Chinês com cerca de 12%. O Português conta apenas com 2% de representatividade. Logo as pessoas começaram a usar os blogs com outros objetivos, bem mais profissionais: escrever sobre temas específicos, a rotina de sua área de atuação e notícias, por exemplo. E pela facilidade e acessibilidade desse canal, cada vez mais pessoas usam os blogs como sua fonte de consumo de informações em geral. Nesse contexto, em 2007, o jornal Estado de São Paulo chegou a fazer uma campanha contra o consumo
BLOGS E MICROBLOGS 101 de conteúdos em blogs. Na época o jornal afirmava que as pessoas não sabiam quem realmente estava por trás dos blogs, e por isso deveriam tomar cuidado e não consumir qualquer tipo de conteúdo online. Os blogs também começaram a ter uma outra associação: o mundo das mulheres blogueiras. Afinal, houve uma explosão de, em geral mulheres, que começaram a usar o canal como um portal de branding pessoal, onde discutiam sobre assuntos diversos como maquiagem, saúde, beleza e outros assuntos geralmente ligados a um lifestyle. O curioso nessa história é que as marcas perceberam o poder e a influências que essas blogueiras tinham com o seu público-alvo, e elas passaram a ser as novas queridinhas da publicidade. Não é incomum acompanhar uma blogueira que recebe muitos “mimos” ou que tenha se tornado a garota propaganda de uma empresa. Os blogs corporativos surgiram junto com os primeiros blogs. A pioneira foi a Microsoft que criou o Channel 9 em 2004, e logo outras grandes marcas perceberam o poder que essa ferramenta tinha. Por exemplo a P&G, que lançou em 2008 o “BeingGirl.com”, blog voltado para seu público alvo adolescente foi considerado 4x mais efetivo que as mídias tradicionais por uma pesquisa feita pela Foster. Hoje, segundo a Content Trends, maior pesquisa de Marketing de Conteúdo do país, 73% das empresas já adotam Marketing de Conteúdo. E, embora algumas empresas ainda não consigam entender a necessidade de ter um blog corporativo, é impossível negar os resultados que eles têm gerado para as marcas.
A cronologia dos blogs •1994: em janeiro deste ano, Justin Hall criou o que se considera como o primeiro blog. Trata-se de Links.net. Não é necessário dizer que nessa época o conceito de blog ou weblog nem sequer existia. Não era um
102 o jornalismo vive blog como o conhecemos na atualidade, tal e qual seu nome nos sugere. •1995 (Jan): publica-se a primeira entrada no Carolyn’s Diary, que seria o mais parecido a uma publicação de hoje em dia no site diário criado por Carolyn Burke. •1997 (Dez): Jorn Barger utiliza pela primeira vez a palavra weblog, que se tornou tão conhecida a nível internacional. •1999: pelo momento, existiam apenas 23 blogs na internet. •1999 (Abr): Peter Merholz encurta o termo weblogs e deixa-o como “blog” que todos usamos atualmente. •1999 (Jul): aparece Pita, a primeira ferramenta on-line para a criação de weblog. •1999 (Ago): nasce o Blogger, da mão da Pyra Labs. •2001 começam a trabalhar em WordPress, ainda que não existiria uma versão oficial até 2 anos depois. •2002: aparece Technorati como primeiro grande motor de busca de blogs. •2002 (Fev): utiliza-se pela primeira vez o verbo “Dooced”que é a palavra utilizada quando despedem alguém por blogar. Tudo porque Heather Armstrong opinou sobre seu trabalho em seu blog pessoal. •2002 (Ago): blogads converte-se na primeira plataforma de publicidade para blogs. •2002 (Ago): nasce Gizmodo, criado por Nick Denton, que se converteria no primeiro grande império do mundo dos blogs. •2003 (Fev): Google compra o Blogger com mais de 1.000.000 de usuários registrados (só 1/5 parte ativos). •2003 (Mar): durante a guerra do Iraque, um blogueiro iraquiano (conhecido como “Salam Pax”) consegue pela primeira vez leitores a nível mundial. •2003 (Mai): a primeira versão oficial do WordPress pronta para baixar.
BLOGS E MICROBLOGS 103 •2003 (Jun): Google lança Adsense, e até este momento nunca tinham relacionado a temática dos anúncios com o conteúdo do blog. •2004 (Jan): Steve Garfield cria o primeiro videoblog. •2004 (Dez): Merriam-Webster proclama blog” como a palavra do ano. •2005 (Dez): anúncios feitos somente em blogs atingem a incrível cifra de 100 milhões de dólares. •2006: Já existem mais de 50 milhões de blogs na rede de acordo com o Technorati. Um ano mais tarde, a cifra já era de 116.000.000. •2007: Tumblr vê a luz e é a primeira plataforma de microblogging de certa importância da história na qual os usuários podiam compartilhar conteúdo entre si. •2010 (Dez): 4 anos mais tarde da última contagem nesta cronologia, o número de blogs alcança a cifra de160 milhões. •2011 (Jul): Google promete renomear Blogger como Google Blogs para integrá-lo no Google+. Nos últimos três anos, passaram a surgir ferramentas de blogs mais simplificadas, voltadas para postagens com limitações de tamanho, e muitas vezes associadas à ideia de mobilidade. Essas ferramentas passaram a ser designadas como microblogs, na medida em que seguem algumas características dos blogs, mas de forma simplificada. Em uma definição sucinta, uma ferramenta de microblogging seria uma mistura de blog com rede social e mensagens instantâneas (Orihuela, 2007). Já microblogging é a ação de postar pequenos textos em um blog pessoal, em especial a partir de comunicadores instantâneos ou de um celular (McFedries, 2007). Um microblog parte da ideia de um blog (atualizações em ordem cronológica inversa, possibilidade de comentários e trackbacks, blogroll), mas apresenta como singularidade o fato de que é adaptado para postagens de tamanho reduzido. A ideia é que haja uma maior facilidade de integração com outras
104 o jornalismo vive ferramentas digitais, como celular e outros dispositivos móveis. Dada à brevidade das atualizações, os microblogs têm sido considerados “a mais recente e popular manifestação da ‘cultura snack’ que privilegia a brevidade dos textos, a mobilidade dos usuários e as redes virtuais como entorno social emergente” (Orihuela, 2007, online). E nesse contexto de publicação rápida, muitas vezes os microblogs acabam sendo mais ágeis que os próprios blogs na cobertura de acontecimentos. Conforme a definição apresentada pelo Word Spy, o termo “microblogging” teria sido usado pela primeira vez para se referir a postagens curtas em 17 de julho de 2002, por Natalie Solent, em seu blog homônimo. O post trazia a seguinte mensagem: “Apenas microblogging hoje. É dia de esporte. Oh, posso marcar um encontro com todos vocês mais ou menos nesta época do ano em 2012? Até lá meus descendentes estarão, eu acredito, todos crescidos, cheios de atividades e equipados com níveis estratosféricos de autoestima. Eu me sentirei então livre para contar algumas histórias muito engraçadas sobre a corrida com o ovo e a colher lá de 2002”. A ideia geral é a de se fazer um post curto, não muito aprofundado, o que de certa forma vai ao encontro do que alguns anos depois iriam permitir, de uma forma mais automatizada, as ferramentas de microblogging como o Jaiku e o Twitter, que foram criadas, respectivamente, em fevereiro e março de 2006. Ainda de acordo com o Word Spy, o termo microblogging já teria sido usado um pouco antes, em abril de 2002, mas com outro sentido (escrever sobre assuntos pessoais, independente do tamanho do texto), no blog Allied. Desde 2006, foram criadas centenas de ferramentas de microblogs, a maior parte delas surgidas a partir da inclusão de novas funcionalidades ao que já oferecia o Twitter, uma das ferramentas pioneiras e atualmente a mais popular em escala global. Outros serviços surgiram a partir de
BLOGS E MICROBLOGS 105 derivações regionais, baseadas em localização geográfica. Para o surgimento das ferramentas de microblogs, percebe-se o mesmo caminho para o aparecimento dos blogs – primeiro, havia uma prática tradicionalmente estabelecida. Depois, passaram a ser criadas ferramentas capazes de automatizar esse processo. As mesmas peculiaridades da definição em função do formato e da ferramenta também aparecem por aqui. Microblogs enquanto formatos englobariam também atualizações curtas em ordem cronológica inversa, feitas a partir de outros dispositivos que não necessariamente ferramentas de microblogs – como nas mudanças de status em redes sociais, ou nas pequenas porções de conteúdo adicionadas às barras laterais (sidebar) em blogs. Já os microblogs, enquanto ferramenta ficariam restritos às atualizações efetuadas a partir de sites especificamente criados para microblogging, ainda que o conteúdo possa ser depois republicado em outros espaços (e inclusive nas próprias barras laterais dos blogs, por exemplo). O Twitter é uma ferramenta de microblogging que permite o envio de atualizações (também chamadas de “tweets”) de até 140 caracteres, por short message service (SMS), instant messenger (IM), pela web, por Internet móvel (Java et al., 2007), ou por aplicativos diversos construídos por usuários a partir da API do sistema (como é o caso do Twitterrific), em resposta à pergunta-título do site “O que você está fazendo?”. Fundado em março de 2006 pela Obvious, em São Francisco, EUA, o site foi lançado ao público em 13 de julho de 2006, mas só começou a se popularizar a partir de março de 2007 (Spyer, 2007; Mischaud, 2007). As atualizações ficam no perfil do usuário, e também são enviadas a outros usuários que acompanham as atualizações desse usuário. As atualizações podem ser conferidas pelo site, por RSS, por SMS ou por algum aplicativo derivado. Para o
106 o jornalismo vive envio e recebimento de mensagens pelo celular, há números de telefone oficiais nos seguintes países: Estados Unidos, Canadá, Índia, além de um número internacional para o Reino Unido. O Jaiku é um serviço de microblogging fundado em fevereiro de 2006 por Jyri Engeström e Petteri Koponen, em Helsinki, na Finlândia, e lançado em julho de 2006. Em 9 de outubro de 2007, a ferramenta foi adquirida pelo Google, e desde então passou a ter seu acesso restrito a usuários convidados. As atualizações podem ser feitas por IM, SMS, pela web ou pelo celular. Uma das principais diferenças em relação ao Twitter é a presença do Stream, uma espécie de feed no qual os usuários podem compartilhar suas atividades online de outros sites, como Flickr, Last.fm, blogs, e, inclusive, do próprio Twitter. O Jaiku possui ainda uma versão móvel, compatível com celulares Nokia S6028, que permite atualizar e ler atualizações do Jaiku, além de permitir compartilhar informações sobre disponibilidade e localização entre os contatos, a partir do celular. Além dos serviços de microblogs que apresentam diferenciais em relação ao Twitter, o Twitter também inspirou a criação de inúmeras derivações regionais, ferramentas de microblogs voltadas a públicos geograficamente circunscritos. Este é o caso de ferramentas como o frazr (um microblog com versões em alemão e francês), o Gozub30 (serviço brasileiro de microblogging), entre outros. Além disso, alguns sites de redes sociais, com o Facebook e o MySpace (bastante populares, respectivamente, na Europa e nos Estados Unidos), trazem o recurso de microblog incorporado na ferramenta de “status update”. Também é frequente a associação dos microblogs com as ferramentas de Lifestream, ou seja, ferramentas que trazem pequenas atualizações informando sobre as atividades de um indivíduo em diferentes sites da web (como no caso da ferramenta Stream do Jaiku). Apesar das
BLOGS E MICROBLOGS 107 diferenças entre as ferramentas, assim como nos blogs, alguns elementos comuns podem servir de parâmetros para identificar os blogs. Microblogs são, como foi visto, blogs com algum tipo de limitação (em especial em termos de quantidade de caracteres permitida por atualização), para tornar mais rápida a publicação, inclusive a partir de dispositivos móveis. E, em especial no caso do Twitter, Mischaud (2007) constatou que a maior parte das atualizações dos usuários, de fato, não responde à pergunta proposta pelo site (“O que você está fazendo?”), demonstrando a apropriação social da ferramenta para outros usos diversos da proposta inicial do site, em um caminho parecido com a relação entre blogs como diários virtuais, na época do surgimento das primeiras ferramentas, e posterior utilização do formato blog para outros fins, à medida que o uso da ferramenta foi se popularizando, o que permitiu novas apropriações, e ainda abre espaço para que novos usos surjam à medida que a base de usuários aumente.
VÍDEO BLOG seja um apresentador você mesmo
“Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.” -Oscar Wilde
VÍDEO BLOG 111 Vlog, ou Vídeo Blog, é, como o nome sugere um blog em formato de vídeo. O conteúdo deixou de ser apenas a palavra escrita, o texto, e migrou para os meios audiovisuais. A grande diferença entre um vlog e um blog está mesmo no formato da publicação. Ao invés de publicar textos e imagens, o vlogger ou vlogueiro, faz um vídeo sobre o assunto que deseja. Os vídeos produzidos são hospedados em sites como o youtube. com e o usuário fica livre para acessar o conteúdo online, em dias e horários de sua preferência. A flexibilidade é um dos maiores atrativos para o público, assim como os temas mais diversos que os vlogs podem oferecer. Os vlogs são produzidos e publicados com uma periodicidade constante (uma ou duas vezes por semana, em norma). Os autores, nesse caso os vloggers, passam a mensagem que desejam por meio da fala e gestos, o que não é impresso na escrita. Existem vlogs sobre uma imensa gama de temas, que vão desde aulas de pesca a críticas culturais, sempre opinativos. As opiniões transmitidas são a marca registrada de cada vlog e o que define o seu público-alvo. A produção também costuma ser bem simples, o que torna a possibilidade de criação mais acessível. Basta um tema, uma opinião, uma câmera e uma conta no Youtube, ou algum site similar para a hospedagem de vídeos. Porém, há diversas produtoras que tem o seu conteúdo disposto apenas na internet e possuem retorno financeiro com isso. Vídeos com muitos acessos acabam por atrair anunciantes e consequentemente pagamentos por anúncios. O que move o mundo dos vlogs – e o youtube no geral – é o interesse. Ao acompanhar um canal sobre um tema, é possível descobrir outros canais (e interesses) e a partir disso o segmento cresce. Muito mais do que ser um hobby para jovens e adolescentes se expressarem os vlogs estão se tornando um negócio bastante rentável, principalmente
112 o jornalismo vive em virtude do aumento de audiência da internet em nosso país. O YouTube conta atualmente com mais de um bilhão de visitantes no mundo todo e o Brasil é o segundo país na lista, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. No Brasil existem cerca de 70 milhões de espectadores de vídeo online, consumindo mais de 8 horas por semana somente em vídeos no YouTube, o que representa um excelente negócio para os canais mais populares. Os vídeos podem ser monetizados conforme o número de visualizações das publicidades e o dono de um canal ganha dinheiro se o usuário assistir à publicidade, situação que, em muitos caos, é evitada pela maior parte das pessoas. No entanto, um vloguer que tem no seu canal entre 500 mil e um milhão de inscritos, pode chegar a ganhar até 50 mil reais por mês, apenas com a inserção de anúncios em seus vídeos. Essa situação faz com que pessoas mais antenadas procurem criar seus canais e começar a trabalhar como vloguer. O sucesso brasileiro O canal brasileiro Porta dos Fundos é, atualmente, o mais comentado. Com 2.134.786 inscritos e 193.609.730 exibições. Criado em 2012 por Antonio Pedro Tabet, Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Ian SBF e João Vicente de Castro, o canal posta cerca de 2 vídeos por semana. Esses amigos encontraram na internet uma maneira de fazer humor de forma livre e independente, seguindo apenas os próprios princípios. Também em português há diversos outros vlogs e vlogueiros que ficaram muito conhecidos, dos quais se pode citar o PC Siqueira. A partir do reconhecimento que teve com seu vlog, o maspoxavida, PC foi contratado para ser VJ da MTV, emissora na qual possui um programa semanal chamado “PC na TV”. Tratando de temas aleatórios, sempre com bom humor, ele conquistou mais de 1 milhão de inscritos em seu
VÍDEO BLOG 113 canal. A maior parte desses canais vloguers utilizam o humor, embora tratando de temas diferentes. O YouTube considera que o sucesso dos canais vloguers é devido ao engajamento dos usuários brasileiros nas redes sociais. Além disso, o próprio telespectador já tem uma nova posição, procurando sempre novas opções, sem ficar completamente indiferente, com muito mais pro atividade. Em vez de se contentar em ficar sentado no sofá assistindo o que a emissora programou, ele, como telespectador, procura participar, procura opinar, saber mais sobre o assunto e, principalmente, dizer se gostou ou não do conteúdo.
JORNALISMO DE DADOS informação nunca é de mais
“A nova fonte de poder não é o dinheiro nas mãos de poucos, mas informação nas mãos de muitos.” -John Naisbitt
jornalismo de dados 117 Com a sociedade em que a quantidade de informação não-estruturada e cada vez mais abundante, o jornalismo precisa se apropriar de novas técnicas e ferramentas, assim como abordagens diferentes para compilar e interpretar os fatos para situar o público diante da complexidade do mundo. Neste ponto entra o Jornalismo Guiado por Dados (JGD), que utiliza técnicas das ciências sociais e data-science para atribuir sentido e valor noticioso uma era de abundância informativa. Existe uma controvérsia em relação a nomenclatura dos termos data journalism (jornalismo de dados) ou data-driven journalism (jornalismo guiado por dados), porém pela perspectiva de Marcelo Träsel (2014), os termos são sinônimos e para ambas:
“O que é um jornal? Como já dito, ele não é papel. Jornal é sua marca, sua credibilidade, sua personalidade, sua história com os seus leitores e com a sociedade. É uma definição simples e rdadeira e forte o suficiente para fazer com que os jornais se vissem e fossem vistos como um veículo que, ao contrário do que muitos pensam, não está fadado a desaparecer com o surgimento da internet. Os que pensam de outra forma têm em mente o jornal de papel, cujo tempo dirá se permanecerá, será extinto ou sofrerá transformações.” (SAMPAIO, 2018, pg. 71)
Ainda segundo Träsel, o JGD baseia-se na aplicação de diversas técnicas e métodos a fim de obter um produto jornalístico que é baseado em um grande volume de informações quantitativas. Isso se deu com o aumento das políticas de transparência governamental e uma política
118 o jornalismo vive global de dados abertos emergente fomentada pela pressão da sociedade civil, se faz necessária a adoção de uma metodologia que permita captar e processar um grande volume de dados quantitativos que devam ser estruturados e contextualizados. Vasconcellos (2014) diz que “no fim dos anos 90, a campanha pela abertura de dados governamentais em vários países incentivou o jornalismo a desenvolver novas técnicas para capturar, analisar e publicar essas informações através de notícias baseadas em dados públicos sobre áreas de governo e políticas públicas.”(Vasconcellos, 2014, p.7) Esta era da abundância de informações já fora mencionada por Philip Meyer, em contraponto com o passado onde as informações eram escassas da seguinte forma:
“Quando a informação era escassa, a maioria de nossos esforços eram devotados a caçar e coletar. Agora que a informação é abundante, processar é mais importante. Nós processamos em dois níveis: (1) análise para trazer sentido e estrutura ao fluxo infinito de dados e (2) apresentação para colocar o que é importante dentro da cabeça do consumidor. Como a ciência, o jornalismo de dados divulga seus métodos e apresenta suas descobertas de maneira que possa ser verificada por replicação.” (MEYER apud BOUNEGRU, CHAMBERS e GRAY, 2012, apud SCHUINSKI, 2015 p.25)
O explanatory journalism termo equivalente ao jornalismo interpretativo no Brasil já é uma prática de longa data, existindo até
jornalismo de dados 119 uma categoria específica para a categoria no Prêmio Pulitzer desde 1985. Anterior a isso, por volta do século 17, mercadores italianos já produziam informativos repletos de dados compilados e organizados a fim de gerar informação, como Howard cita:
“Há cinco séculos, mercadores italianos comissionaram e circularam informativos escritos a mão que reportavam notícias sobre condições econômicas, desde o custo de commodities até a interrupção do comércio por revoluções, guerras, doenças ou clima severo. As versões impressas que se sucederam no século XVII, quando o custo do papel caiu e as prensas proliferaram, incluíam essas mesmas listas básicas de dados, assim como os livros de notícias impressos do século seguinte” (HOWARD, 2014, p. 9, apud SCHUINSKI, 2015 p.47)
Os dados sempre estiveram presentes na rotina jornalística, sua analise apesar de analógica, era feita com os recursos disponíveis e apresentada da mesma forma. Segundo Scott Klein(2015), o primeiro gráfico de linha impresso foi localizado em uma edição do Bombay Times de 1842 e demonstrava a variação do preço de commodities e as mudanças cambiais em um período de oito anos. Ele também aponta que o uso de gráficos começam a ser utilizados entre o final do século XIX e início do século XX nos EUA, devido ao crescimento da classe média e número de leitores. Porém, outros autores como Teixeira (2010), ressaltam que apesar o uso de gráficos tenha aumentado neste período, foram as
120 o jornalismo vive novas tecnologias informáticas e técnicas de produção e impressão que fizeram a imprensa aderir ao uso dos gráficos. “Por mais que o rosto do jornalismo tenha mudado, de fato, seu propósito permaneceu notavelmente constante, desde que a primeira noção de uma ‘imprensa’ evoluiu mais de três centenas de anos atrás. E por mais que a velocidade, as técnicas e o caráter da entrega de notícias tenham mudado, e provavelmente devem continuar a mudar ainda mais rapidamente, existe uma clara teoria e filosofia do jornalismo que flui da função das notícias e que permaneceu constante e resistente. O princípio primário do jornalismo é fornecer aos cidadãos as informações de que precisam para serem livres e autônomos” (KOVACH e ROSENTHIEL, 2007, p. 12, apud SCHUINSKI, 2015 p.21)
Ainda segundo Teixeira(2010) fazendo referência à pesquisadora George-Palilonis (2006) elege o marco na exibição de dados em 1982, com a fundação do jornal USA Today, que foi pioneiro no uso de impressão a cores e em adotar um projeto editorial focado na linguagem visual. Garcia e Stark (1991) realizaram a pesquisa “Eyes on The News” para o The Poynter Institute, onde se analisou o movimento dos olhos de um grupo de leitores sobre as páginas do jornal. O estudo mostrou que em 80% do público o olhar focava primeiro nos gráficos, demonstrando assim o poder da linguagem visual para capturar atenção e destacar certos conteúdos(GARCIA e STARK apud KANNO, 2013).
jornalismo de dados 121 Com este dado, esta capacidade passou a ser cada vez mais explorada por empresas de comunicação. Outra reconfiguração se deu com a evolução tecnológica, Kanno(2013) ressalta que com a chegada do computador pessoal e a sua popularização a produção foi agilizada, assim como surgiram novas experiências de visualização de dados. A internet modificou a maneira que se consome informação, os gráficos, assim como o conteúdo não era algo estático e de uma via, surgiram gráficos interativos e personalizáveis. A própria internet já foi concebida fora do conceito unilateral de conteúdo, como eram as mídias anteriores, nela o conceito de emissor e transmissor se mesclam. A sociedade entra em uma era de superinformação, conteúdo farto e de fácil acesso, porém ainda precisa de fontes confiáveis, capazes de discernir e compilar os fatos de forma precisa, com sentido e lógica. Neste contexto histórico que o JGD toma forma como uma das possíveis respostas as mudanças na maneira que a sociedade consome conteúdo. Nate Silver, editor-chefe do site FiveThirtyEight, especializado em estatísticas, questiona se or métodos convencionais do jornalismo são capazes de contextualizar e explicar os fatos com a precisão necessária. Ele traça dois eixos de abordagem para a produção de conteúdo jornalístico: uma matéria pode ser quantitativa ou qualitativa e empírica ou anedótica. E divide o processo de apuração em quatro etapas: coleção, organização, explicação e generalização. Segundo o autor, o jornalismo tradicional, que identifica como narrativo, anedótico e qualitativo, desempenha um bom papel na coleção e organização dos dados, transformando material bruto em material noticioso. Porém ao penetrar nas fases de explicação e generalização é que uma abordagem quantitativa, presente no JGD, pode ser mais eficaz. Isso de forma alguma deve significar um desapreço as técnicas convencionais de reportagem, mas trabalha-las de forma combinada, a fim de preencher
122 o jornalismo vive lacunas e responder a demanda de informações crescente. Em 2014, foi lançado o Upshot do jornal New York Times, que se define como um espaço de “análises de notícias, visualizações de dados, comentários e contexto histórico”. Outras iniciativas no mesmo segmento surgiram no mesmo ano como o Vox, que fora encabeçado por uma ex-repórter do Washington Post e que prega o slogan “explicando as notícias”, assim como o QuickTake, da Bloomberg ou o De Correspondent holandês. Estas propostas se baseiam fundamentalmente no JGD e adotam parâmetros do webjornalismo como interatividade e personalização. Ao invés de selecionarem previamente aquilo que supõe ser mais interessante ao público, eles permitem que o leitor explore livremente o conteúdo, de forma adaptável. Desta forma, o pesquisador e jornalista Paul Bradshaw(2018) defende que, no ambiente digital, o público pode absorver algumas das funções que anteriormente eram restritas ao repórter ou editor. Em sua definição de interatividade, o conceito central é o controle. O receptor agora não quer apenas receber o conteúdo, mas também ter um pouco de controle sobre aquilo que consome e é neste ponto que a interatividade se aplica e se dá o processo onde o jornalista cede parte de seu “poder”. De acordo com Fábio Vasconcellos(2014), ainda é escassa a produção científica sobre o JGD no Brasil. Assim como a prática, as iniciativas de pesquisa ainda não formam uma base sólida de conhecimento sobre o tema. O autor lista algumas pesquisas do campo no Brasil, como: • Barbosa (2007): discute sobre o paradigma daquilo que chama de Jornalismo Digital em Base de Dados, enfatizando os sistemas de distribuição e gerenciamento de conteúdo em portais de notícias;
jornalismo de dados 123 • Lima Jr. (2011): relaciona a evolução tecnológica e o aumento da quantidade de informação disponível nas redes à necessidade de desenvolver um novo conjunto de habilidades para a prática jornalística, o que define como jornalismo computacional; • Träsel (2013): categoriza as funções exercidas por jornalistas em uma editoria dedicada ao JGD e traça paralelos entre as crenças profissionais de quem atua na área e a subcultura hacker em dois textos publicados no mesmo ano. A equipe do jornal O Estado de São Paulo, denominada Estadão Dados, é precursora do JGD no país.
algorítmos E RELEVÂNCIA a arte de ser notado
“Não viva para que a sua presença seja notada, mas para que a sua falta seja sentida.” -Bob Marley
algorítmos e relevância 127 O ano era 1690. O tempo, também de mudanças políticas e sociais, quando, na Alemanha, Tobias Peucer apresentou sua tese de doutoramento que tratava sobre relações e relatos de novidades, ou, podemos dizer, sobre jornais e notícias. Dessa tese pode-se extrair a afirmação de que “não há nada que satisfaça tanto a alma humana como a história, seja qual for a maneira como tenha sido escrita”. Algoritmos estão presentes em diversos momentos da vida moderna. Ao se fazer uma pesquisa no Google, procurar uma rota pelo Waze, pedir um Uber ou até mesmo quando se clica nas sugestões de músicas oferecidas pelo Spotify. São essenciais em todas essas ferramentas para entregar um serviço ou conteúdos por meios de plataformas sociais. Como uma receita, algoritmos são uma sequência de instruções para executar uma tarefa. Não exatamente um programa de computador, mas diretrizes para realizar algo que pode ir do mais simples ao mais complexo. Dessa forma que o Facebook, por exemplo, define quais conteúdos vão aparecer no feed do usuário, entre uma enorme quantidade de publicações disponíveis na plataforma. Essa “receita” utiliza diversos critérios para definir quais posts seriam mais importantes do que outros para terem melhor destaque. O objetivo de usarem-se algoritmos em plataformas sociais é melhorar a experiência do usuário, cujo valor é o tempo que gasta dentro destas plataformas. Desde 2003, o Facebook alterou o algoritmo do seu principal produto, o News Feed, 23 vezes. A mais recente alteração passou a priorizar a postagem de amigos e familiares. “Dessa forma, as pessoas podem ver o que mais gostam primeiro e não perdem postagens importantes dos amigos. Se não existe ranqueamento, as pessoas não interagem e deixam a plataforma, insatisfeitas”, declarou Adam Mosseri, vice-presidente do News Feed, em postagem oficial que divulgava a mudança.
128 o jornalismo vive Há muita informação sendo produzida: marcas publicam suas promoções e mensagens institucionais, veículos publicam notícias e os amigos e familiares compartilham conteúdos diversos. Os algoritmos estão cada vez mais presentes em nossas vidas: desde o jogo de xadrez computadorizado às ferramentas de autocorreção nas mensagens de texto. Jamie Dwyer, formado em Ciência da Computação pelo Instituto de Tecnologia da Universidade de Ontário, afirma que os algoritmos podem ser códigos de computador extremamente complexos ou fórmulas matemáticas relativamente simples. Às vezes, podem até funcionar como uma espécie de receita, ou um conjunto de passos repetidos, projetados para desempenhar uma função específica. No caso do Los Angeles Times, o algoritmo funciona para deduzir e compor matérias jornalísticas coerentes a partir de um fluxo de dados. O jornalista Ken Schwencke diz que o uso de algoritmos em tarefas jornalísticas de rotina libera os repórteres profissionais para fazerem telefonemas, para as próprias entrevistas ou para destrincharem relatórios sofisticados e informações complexas, ao invés de armazenarem a informação básica, como datas, nomes e locais. Schwencke, editor digital, escreveu um algoritmo – que em seguida escreveu a matéria para ele. Ao invés de compor pessoalmente os textos, ele desenvolveu, passo a passo, um conjunto de instruções que pode tomar um fluxo de dados – este algoritmo específico trabalha com estatísticas de terremotos, uma vez que ele mora na Califórnia –, armazená-los numa estrutura pré-determinada e depois formatá-los para publicação. Pode-se dizer que se trata de um “repórter-robô”, em que um programa armazena dados e formata a informação. Alfred Hermida, professor na Universidade da Columbia Britânica e ex-jornalista, dá um curso de mídias sociais no qual passa um bom tempo examinando como os algoritmos afetam a compreensão
algorítmos e relevância 129 da informação. Ele diz que os algoritmos, como os seres humanos, precisam decidir o que vale a pena incluir e opinam sobre o valor da notícia. “Se o jornalista construiu, fundamentalmente, o algoritmo com aqueles valores, então é seu trabalho”, disse Hermida. “Todas as decisões editoriais foram tomadas pelo repórter, mas foram tomadas pelo repórter num algoritmo.” Hermida diz que muitos dos algoritmos que encontramos no dia-a-dia existem numa espécie de caixa preta, na qual vemos os resultados, mas não compreendemos o processo. “Compreender como funcionam os algoritmos é muito importante para sabermos como compreender a informação”, afirma o professor. A área de comunicação de massa foi uma das mais afetadas pela expansão da tecnologia. As inovações geradas pelas novas empresas de mídia alteraram a forma como as pessoas se informam, se comunicam, trocam informações. Vive-se num ecossistema noticioso que é profundamente diferente daquele conhecido em tempos antigos. O fator mais importante para explicar essa diferença é a migração do analógico para o digital. As mudanças tecnológicas, inclusive, puseram em xeque o modelo de negócio dos meios de comunicação tradicionais, pois não se produz, distribui e consome notícias como no século 20. Nesse cenário emergem tecnologias como o algoritmo, cada vez mais dominante na internet para as mais variadas aplicações, desde motores de busca, redes sociais digitais, comércio eletrônico ou produção de conteúdo. A área de mídia está entre as principais aplicações do algoritmo, pois os meios de comunicação de massa automatizaram-se de forma acentuada com a evolução da tecnologia. Quando toda a informação é digital – incluindo a produção e distribuição de notícias – os computadores tornam-se os atores centrais do processo, uma vez que eles operam sobre o código digital e, portanto, são capazes de efetuar várias operações algorítmicas sobre
130 o jornalismo vive esse conteúdo, incluindo naturalmente decisões editoriais em nome de instruções humanas. A outra mudança importante é que isto ocorre no quadro da sociedade em rede, em que cada utilizador individual tem a capacidade de produzir e distribuir informação. A consequência é que o papel tradicional dos produtores de informação profissionais cede lugar aos utilizadores das redes sociais. Não se deve esquecer que as plataformas como o Facebook, o Twitter ou o Instagram não existem para produzir conteúdos, mas sim para proporcionar aos utilizadores as ferramentas para produzirem e distribuírem os seus próprios conteúdos. Essas plataformas são de certa forma, o veículo que materializa essa transferência de poder entre os produtores de informação no paradigma anterior e os utilizadores de informação no novo paradigma. Além disso, estas plataformas de informação (que na realidade são, cada uma delas, um conjunto de ferramentas de informação) dependem dos utilizadores para funcionarem. O que significa que, de certo modo os indivíduos têm mais controle sobre estas plataformas e sobre as suas escolhas editoriais do que tinham sobre as mídias tradicionais e sobre o seu processo editorial. Numa realidade em que as pessoas consomem cada vez mais notícias por meio de feeds, o Facebook se tornou o jornal mais popular do mundo. Se há pouco tempo a televisão, o rádio e as revistas, com linhas editoriais definidas, ofereciam conteúdo, hoje são as plataformas sociais que, por meio de seus algoritmos, determinam o que consumimos ou chega até nós. Daniela Bertocchi, pesquisadora da USP cujo doutorado dissertou sobre modelos narrativos para jornalismo digital, questiona a proposta de consumo de conteúdo oferecida por algoritmos. “Essa é a experiência que o Facebook quer que você tenha para sustentar o modelo de negócio dele. Isso não quer dizer que é a o que o mundo precisa ou o necessário para resolver nossos problemas.” A missão de todo veículo
algorítmos e relevância 131 é levar conteúdo ao público. Não necessariamente apenas informações que esse público busca, mas aquelas que dizem respeito ao que acontece na sociedade e ajudam a construir uma visão ampla do mundo em que vivemos. Para o mercado de comunicação, já é natural que as plataformas usem tecnologias de segmentação para entregar conteúdo relevante, capaz de engajar a audiência, ampliar a permanência das pessoas na plataforma e, consequentemente, atrair mais anunciantes. Por outro lado, há preocupação com a falta de transparência em muitos pontos — como métricas, fraudes e, claro, algoritmos. Isso transfere grande poder às mídias sociais que desequilibra a dinâmica da indústria midiática. Para Beth Saad, professora titular da ECA-USP e pesquisadora das áreas de comunicação e jornalismo digital, a construção, alteração e até mesmo a “ideologização” do algoritmo tem por base uma concepção de seu proprietário, seja ele empresa ou indivíduo. “A partir disso, a alteração de algoritmos e eventuais tendenciamentos ideológicos, editoriais, políticos é algo esperado, pois seu proprietário mexe na construção algorítmica de forma a este produzir e/ou alavancar os resultados e benefícios nele contidos”
“É fundamental que a sociedade saiba que os algoritmos não são neutros e que eles trazem uma série de determinações impostas pelos seus programadores. (...) Algoritmos serão cada vez mais os verdadeiros legisladores de nosso cotidiano. Uma sociedade democrática exige algoritmos abertos”, diz Sérgio Amadeu, que é também um dos maiores entusiastas do debate sobre software livre no Brasil.
FACT-CHECKING E PÓS-VERDADE a modernidade e suas mentiras
“Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.” -Friedrich Nietzsche
fact-checking e pós-verdade 135 O fact-checking é uma checagem de fatos, isto é, um confrontamento de histórias com dados, pesquisas e registros. A informação é essencial ao exercício da cidadania: para reivindicar seus direitos e políticas públicas que considera importante, a população precisa ter acesso ao número de pessoas que é atendida nos postos de saúde, ao dinheiro gasto com obras públicas, aos projetos de lei que os vereadores estão propondo. Vivemos hoje numa sociedade que tem excesso de informação, mas nem sempre tem acesso às informações importantes, nem às verdadeiras. A atividade de fact-checking não era um nicho do jornalismo porque sempre foi uma premissa do trabalho dos jornalistas. Qualquer afirmação de um político profissional, de um CEO de uma empresa ou até mesmo de um cidadão comum deveria ser checada como verdadeira ou não. Toda e qualquer notícia, reportagem ou matéria jornalística deveria ter seus fatos completamente verificados, as fontes deveriam ser confiáveis e assim por diante. Embora esse trabalho exista desde o início do jornalismo, a partir da primeira década do século XXI emergiram meios que se dedicam exclusivamente à verificação de fatos, sobretudo na Internet. A primeira experiência de fact-checking referenciada nos Estados Unidos é atribuída a Brooks Jackson, ainda durante as eleições presidenciais de 1992. Âncora na rede de televisão CNN, ele mantinha um quadro no qual desmascarava declarações falsas e enganosas dos candidatos à presidência do país na época, Bill Clinton e George Bush. Ele fundou, então, a primeira agência de checagem de propaganda eleitoral: a “Ad Police”. Seu trabalho teve tanto sucesso que em 2003,
136 o jornalismo vive Jackson ingressou no Centro de Políticas Públicas da Universidade da Pensilvânia e fundou o projeto FactCheck.org para monitorar a precisão do que é dito pelos principais políticos dos Estados Unidos em propagandas de televisão, debates, discursos, entrevistas e comunicados de imprensa. Em 2007, surgiram outras duas iniciativas: o site PolitiFact e a seção Washington Post’s Fact Checker, ligada ao jornal The Washington Post. Em 2009, o PolitiFact ganhou o prêmio Pulitzer, principal premiação jornalística dos Estados Unidos, pela cobertura das eleições presidenciais estadunidenses de 2008. O nicho jornalístico de fact-checking foi criado por uma série de motivos; Antes da existência das redes sociais, o público recebia notícias por meio dos jornais, que tinham jornalistas profissionais checando – mesmo que seletivamente – as informações. Com as redes sociais, um político profissional, uma jogadora de vôlei e um sociólogo estão a um clique de distância do público – um tweet, um post no Facebook, uma foto no Instagram. Mas nem sempre as informações passadas adiante são verificadas rigorosamente. Da década de 2000 para cá, o dinamismo da internet fez com que etapas essenciais do método jornalístico fossem negligenciadas. Seja por conta do advento de coberturas em tempo real, seja por causa da diminuição da mão de obra disponível nas redações tradicionais, a checagem de fatos ante hoc (ou seja, feita antes da publicação) tornouse etapa secundária da apuração e reservada apenas a grandes esforços de reportagem. A popularização das redes sociais e de equipamentos móveis também possibilitou que qualquer pessoa — sobretudo políticos — criassem seus próprios canais de comunicação sem qualquer preocupação particular com a precisão da informação por eles distribuída. Com a popularização de notícias falsas na internet, o hábito de
fact-checking e pós-verdade 137 verificar as notícias passou a ser hábito também para os leitores. Pesquisa realizada em 2017 mostrou que 76% das pessoas em países como Brasil, França, EUA e Reino Unido checavam a veracidade da notícia que haviam lido ao conferir outras fontes. A confiança nas notícias é, em geral, maior para meios de comunicação mais tradicionais, como revistas impressas, canais de notícia 24h e radiojornalismo. O que faz do fact-checking uma prática relevante é a preocupação com a transparência. Os métodos autênticos de checagem variam pouco de plataforma a plataforma e, se o veículo leva a prática a sério, normalmente se dispõe a explicar como chegou à conclusão sobre a veracidade das informações ali publicadas. Destacar as fontes originais de informação com links e referências é um começo, mas a tarefa é maior: contexto, diversidade de personalidades que são alvo de checagem e uma política clara de erros também asseguram qualidade à checagem de fatos. Iniciativas inspiradas nas experiências pioneiras crescem a cada ano e hoje já contam até mesmo com uma rede internacional de colaboração, a International Fact-Checking Network — IFCN, ligada ao Poynter Institute, com sede na Flórida. A entidade dispõe de um código de princípios, realiza uma conferência global anual e até instituiu o Dia Internacional do Fact-checking: 2 de abril, um dia depois do Dia da Mentira. Segundo um levantamento publicado em fevereiro de 2017 pelo Dukes Reporters’ Lab, já chega a 114 o número de iniciativas de fact-checking ao redor do globo, a maioria nos Estados Unidos — 43, mas há representatividade nos cinco continentes. Em 2014, quando foi feito o primeiro levantamento, foram identificadas 44 iniciativas de checagem no mundo todo. Os jornalistas dessa rede se reuniram e criaram um “manual de ética de para fact-checking”. O código de princípios da Poynter
138 o jornalismo vive pode ser seguido por outros jornalistas e profissionais que lidam com informações do meio político, econômico e de interesse público.
São alguns dos pontos pricipais:
• Comprometimento com a não-partidarização e justiça. Usar o mesmo padrão para toda checagem, independente da pessoa, do partido político e de sua ideologia. Todos os checados devem passar por um processo único e justo. Nem podem tomar partido ou opinar nos assuntos que checam. • Comprometimento com a transparência de fontes. A fim de possibilitar que o próprio leitor cheque as informações dadas pelo veículo. • Comprometimento com a transparência de financiamento da agência e da organização. Além de divulgar como funciona a captação de recursos da agência, caso venha a receber dinheiro de outra empresa, o financiador jamais poderá influenciar na maneira de trabalho de checagem de fatos. • Comprometimento com a transparência da metodologia. Explicação clara de como é o método de checagem de fatos, desde a escrita até a publicação. • Comprometimento com correções abertas e honestas. Publicação das políticas de correção da agência e publicar correções, visando a alertar leitores sobre possíveis erros e garantindo que tenha em mente a informação mais correta. Na América Latina, o levantamento aponta 14 iniciativas, sendo três no Brasil: Agência Lupa; Aos Fatos; e Truco, da Agência Pública, todos fundados a partir de 2014. O crescimento do fact-checking como gênero jornalístico é, ao mesmo tempo, uma resposta necessária à
fact-checking e pós-verdade 139 explosão das “fake news” e um resgate de princípios fundamentais do bom jornalismo. No Brasil, a primeira experiência brasileira com a checagem de fatos foi em 2010, durante as campanhas eleitorais, num projeto do jornal Folha de S. Paulo chamado Mentirômetro e Processômetro, que verificava o grau de veracidade de declarações dos políticos. O site Aos Fatos é a primeira plataforma no Brasil que se dedica exclusivamente à checagem de fatos e foi criado em julho de 2015, atuando fortemente até hoje em questões de interesse público. A Agência Lupa – cujo portal está hospedado no site da revista Piauí – foi a primeira agência de checagem de fatos brasileira, isto é, uma equipe de jornalistas que produz conteúdo e pode revendê-lo a parceiros e outros veículos de informação. Surgiu em novembro de 2015 e faz a checagem de notícias sobre política, economia, educação, saúde, cultura, entre várias outras. Porém, já em 2014, a jornalista e fundadora da Agência Lupa, Cristina Tardáguila, mantinha um blog chamado Preto no Branco, no jornal O Globo. O blog era dedicado à checagem das falas dos candidatos à presidência naquele ano e dos candidatos a governador de seis estados. Constataram algum erro, seja total ou parcial, em 48% das afirmações dos candidatos. Notícia falsa sempre existiu e hoje inclusive é uma fonte de dinheiro para sites que de dedicam exclusivamente a publicar notícias com manchetes falsas, exageradas ou incorretas, atraindo o clique dos leitores. Mas as pessoas replicam matérias com manchetes sensacionalistas e, às vezes, claramente falsas, porque elas acreditam naquilo ou desejam muito que aquele fato seja verdadeiro – mais vale a crença pessoal do que o fato. Esse é o fenômeno da pós-verdade, eleita a palavra do ano em 2016 pelo dicionário Oxford. Mais objetivamente,
a definição do Oxford é: um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. A pós-verdade consiste na relativização da verdade, na banalização da objetividade dos dados e na supremacia do discurso emotivo. A confusão sobre a realidade, a gestão de manobras conspiratórias para incitar o receio ou a hostilidade de grupos sociais, a vitimização ou as mitomanias políticas são instrumentos de persuasão das massas que remontam à antiguidade, mas que no século XX causaram os piores desastres. De acordo com o dicionário Oxford, o termo foi amplamente utilizado ao analisar duas situações: o Brexit – saída do Reino Unido da União Europeia – e a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Percebeu-se, na época desses dois eventos, que notícias falsas eram tão compartilhadas quanto às verdadeiras. Notícias como a de que o Papa Francisco apoiava a candidatura de Donald Trump fizeram muito sucesso, mesmo depois de fontes oficiais desmentirem a questão. Durante o Brexit, foi divulgada uma inverdade também amplamente aceita, de que a permanência da União Europeia custava 470 milhões de dólares por semana ao Reino Unido. A verdade não tem êxito e as descrições que não se ajustam a ela – ou mesmo que nem se aproximam – sim, vencem, e além disso, terminam impunes. Como afirma o escritor Adolfo Muñoz (El País, de 02 de fevereiro de 2017) “a mentira política ganha porque tem as qualidades necessárias para triunfar, convertendo-se no que Richard Dawkins chamou de “meme”“. O meme é uma unidade de conhecimento viral, na visão deste autor, que se dispersa à margem de seus atributos de veracidade. Vivemos no universo dos memes e necessitamos de critérios para distinguir o verdadeiro do falso, o seguro do provável, o
certo sobre o duvidoso. A pós-verdade não é apenas uma prática que se desenvolve no campo da política. É feita também, de forma perigosa e arbitrária, no âmbito da publicidade e no campo empresarial. A nova comunicação e o novo jornalismo devem concentrar-se, de agora em diante, não tanto em contar – isto já o fazem os cidadãos, por conta própria, por meio do enorme cardápio de tecnologias digitais à sua disposição – mas em verificar, em realizar o fact-checking de maneira sistemática, por meio de muitas plataformas que já existem. A única maneira de conceber o jornalismo e a comunicação corporativa consiste em fazer uso da verificação dos dados, das teses dos discursos e da pro atividade informativa para detectar as falsidades e destruí-las, destituindo as inverdades de qualquer reputação. Este é o fact-checking.
CHECAGEM DE FATOS, segundo a agência LUPA • Observação diária de noticiários – revistas, jornais, rádio e televisão – sobre o que estão dizendo os políticos, as celebridades e pessoas relevantes socialmente. Suas frases serão “a matéria-prima” da checagem; • Ao selecionar a frase, a equipe da Lupa coloca três critérios: destaque nacional, assuntos de interesse público e que tenham ganhado destaque na mídia; • Levantamento de “tudo” o que já foi publicado sobre a questão – nas mídias, jornais e internet; • Consulta a bases de dados oficiais e sai à busca de informações que são – ou deveriam ser – públicas; • Caso não haja uma resposta concreta à pergunta ou certeza sobre a
142 o jornalismo vive veracidade da informação, o repórter contata as assessorias de imprensa ou recorre à Lei de Acesso à Informação; • Recorrer à especialistas na área, para que contextualizem o fato e evitem a má interpretação de dados e números; • Por último, contata a pessoa que está sendo checada, dando-lhe a oportunidade de se pronunciar na matéria. Assim, a Agência Lupa classifica a informação, o dado ou um número como: • Falso – completamente mentiroso; • Contraditório – a mesma fonte já forneceu uma informação contraditória a essa; • Verdadeira – completamente correta; • Ainda é cedo para dizer – pode vir a ser verdade, mas ainda não é; • Exagerado – a informação foi “inflada” pela pessoa, apesar de estar “no camiho certo”; • Insustentável – não existem dados públicos que a comprovem; • Verdadeiro, mas – apesar de verdadeira, a informação precisa de complemento e contexto; • De olho – significa que a agência ficará monitorando o assunto ou a pessoa.
jornalismo móvel o relato direto do local do fato
“Um amor, uma carreira, uma revolução: outras tantas coisas que se começam sem saber como acabarão.” -Jean-Paul Sartre
jornalismo móvel 145 O jornalismo sempre esteve altamente relacionado com as evoluções e inovações tecnológicas, adaptando-se a novos suportes e ferramentas. O jornal, por exemplo, só se tornou viável após a invenção da prensa de Gutemberg, que reduziu custos e tempo de produção viabilizando uma indústria de produção de informação diária e massiva. As novas tecnologias sempre foram transformando a forma que se consome, produz e distribui as notícias. O grande último salto que vivemos foi por volta dos anos 60, com a chegada dos gravadores de rolo e câmeras fotográficas que registraram a guerra de perto e trouxeram a característica de proximidade ao leitor, com informações captadas direto de onde o fato ocorreu. Porém nunca havíamos nos deparado com uma mudança de paradigma tão grande e repentina como a ascensão das redes de comunicação móvel e os dispositivos portáteis, que fizeram o publico exigir não só a proximidade dos fatos, mas também agora se fazia necessário que as notícias fossem dadas o quanto antes. Esse imediatismo surge na mudança de tecnologias e principalmente gerações, onde os que já nasceram com este “mind set” tecnológico e instantâneo exigem uma velocidade maior de informações. Com esse cenário, se inicia a era do Jornalismo Móvel, descrito por Fernando Firmino da Silva(2015) como sendo “a utilização de tecnologias móveis digitais e de conexões de redes sem fio na prática jornalística contemporânea visando o desenvolvimento das etapas de apuração, produção e distribuição de conteúdos do campo. Nesta instância, o conceito dialoga com os processos de convergência jornalística em curso nas organizações e com a expansão da mobilidade e sua natureza física e informacional proporcionada aos repórteres. Grosso modo, jornalismo móvel digital incorpora o “móvel” de mobilidade e o “digital” da digitalização do aparato técnico utilizado para conferir uma
146 o jornalismo vive nova dinâmica nas rotinas produtivas do jornalismo.”(SILVA, 2015, p.42) No final de 2007 veio o grande divisor de águas, que foi o experimento de jornalismo móvel da agência de notícias Reuters chamado de Mojo, de Mobile Jourlalism. Este que kit era composto por um smartphone Nokia N95, um teclado portátil, um tripé e um microfone foi proposto como sendo o necessário para se captar, produzir e transmitir informações ou até notícias prontas diretamente do local de onde o fato ocorre. Tem sido usado desde então, com óbvios upgrades tecnológicos, para cobrir eventos como o New York Fashion Week, o festival de TV de Edimburgo e o festival Gadgetoff de forma rápida e direto do local do acontecimento. Para os sujeitos, ser entrevistado com um celular é menos intimidante do que a TV, e mais como o rádio, disse Cowan. Esta experiência do jornal americano incentivou outras iniciativas ao redor do mundo, sendo o pioneiro no Brasil o Jornal Extra, do Rio de Janeiro, em 2009.
hipermídia a quebra da linearidade
“A tecnologia move o mundo.” -Steve Jobs
hipermídia 149 A Hipermídia é um termo criado pelo sociólogo, filósofo e pioneiro de sistemas de informação estadunidense Ted Nelson em 1960. Utilizada como uma extensão do termo hiperlink, a hipermídia promoveu a fusão dos vários tipos de mídia - como o áudio, vídeo, texto e gráficos – para criar um meio de comunicação único, de leitura não linear, com características próprias, e gramática peculiar. Apesar de o termo ter sido criado nos anos 1960, a ideia de hipermídia já vinha sendo proposta desde meados de 1945, com o artigo “As We May Think” de Vannevar Bush. Em seu trabalho, Bush propôs a criação de uma máquina chamada Memex, capaz de armazenar várias informações em sua memória. Com essa máquina, segundo Bush, os conhecimentos poderiam ser somados e guardados em um único lugar, além de poderem ser acessados rapidamente quando fosse necessário. Na época a ideia soou como futurista e utópica. A partir da ideia de Vannevar Bush, Ted Nelson começou a trabalhar no que posteriormente viria a ser o Projeto Xanadu. A ideia principal do projeto de Nelson era que o leitor poderia seguir uma não linearidade de leitura do documento eletrônico. Tal ideia anunciava o que viria a ser chamado de Hipertexto – sistema de informações cujos documentos possuem referências internas para outros documentos. Enquanto Ted Nelson procurava amadurecer o conceito de hipertexto, na década de 1960 o inventor estadunidense Douglas Engelbart desenvolveu e apresentou o primeiro sistema computacional colaborativo, chamado de NLS (o oNLine System). O NLS foi o primeiro sistema a empregar o uso prático do hipertexto: links, o mouse (inventado pelo próprio Engelbart em associação a Bill English), GUI e informações organizadas por relevância fizeram parte do sistema. Suas demonstrações ficaram conhecidas como The mother of all Demos, ou A mãe de todas as demonstrações.
150 o jornalismo vive Apesar do seu sucesso, o NLS começou a entrar em desuso em meados de 1969. O principal motivo eram as dificuldades de aprendizado e desenvolvimento do sistema – eram utilizados métodos de programação pesada que muitas vezes os usuários sentiam-se forçados a aprenderem códigos que não serviam para nada realmente útil. Com a chegada da ARPANET, que também empregava o hipertexto, muitos pesquisadores que trabalharam no NLS abandonaram o projeto e seguiram para a Xerox-PARC. Em 1981, a Xerox desenvolveu a estação de trabalho Star, primeira comercial a utilizar tecnologias que hoje fazem parte dos computadores pessoais. Janelas com interface gráfica, ícones, pastas, mouse, servidor de arquivos e impressoras e e-mail faziam parte do sistema. O conceito de Hipermídia começava a amadurecer com a utilização de widgets e tornava-se cada vez mais uma extensão do hipertexto. Em 1979, Steve Jobs realizou uma visita aos laboratórios de desenvolvimento da Xerox e soube do desenvolvimento de uma tecnologia de interface gráfica. Pela visita Jobs ofereceu ações da Apple e retomou o desenvolvimento do Lisa e do Macintosh. Em 1984 Steve Jobs e a Apple apresentaram o Macintosh 128k, a primeira máquina construída totalmente em torno de interface gráfica – mais do que nunca a hipermídia estava presente na informática. Suas bases estavam solidificadas e prontas para serem desenvolvidas. A 1987, a Apple desenvolveu o primeiro aplicativo bem sucedido baseado em hipermídia. Tratava-se do Hypercard, aplicação que combinava banco de dados com interface gráfica, flexibilidade e interação do usuário com o programa por meio de modificações. Oficialmente lançado com o System Software 6, o Hypercard incorporava também o Hypertalk, uma linguagem poderosa e de fácil
hipermídia 151 aprendizagem que permitia a manipulação de dados e de interfaces. Com a possibilidade de interação entre usuário e sistema, o Hypercard foi um sucesso. A hipermídia alcançara um nível de amadurecimento que resultaria na criação da WWW (World Wide Web). Idealizada por Tim Berners-Lee ainda em 1980, inicialmente a WWW tinha como objetivo facilitar o compartilhamento de documentos entre seus colegas. Contudo, Tim logo descreveu um sistema de informações mais elaborado e propôs formalmente a WWW no final de 1990. No NeXTcube que utilizava como servidor web, Tim desenvolveu o primeiro navegador, o WorldWideWeb em 1990. No final daquele ano já tinha todas as ferramentas necessárias para o funcionamento do sistema: o servidor, o navegador e as primeiras páginas web, que buscavam descrever e explicar o projeto. Diferente do Hypercard, a WWW não era um software proprietário, o que tornou possível a criação de extensões e diversos sistemas sem que houvesse a preocupação com direitos autorais. Em 1993 a WWW passou a ser livre para todos e houve uma grande virada a seu favor, principalmente com a introdução do navegador gráfico Mosaic desenvolvido por universitários. O conceito de Hipermídia expandiu-se após a criação da WWW e Berners-Lee realizou o sonho que Ted Nelson teve com o Projeto Xanadu – interligar documentos textuais e visuais em sistemas informacionais. Utilizada hoje em diversos canais de comunicação, a hipermídia auxilia cada vez mais a construção de sociedades capazes de pensar em conjunto e de maneira compartilhada. As informações lineares e sequenciadas cedem cada vez mais espaço aos sistemas hipermídia: um conjunto enorme de arquivos interconectados em uma rede onde o usuário pode navegar pelos dados como achar conveniente, sem precisar seguir um caminho pré-estabelecido. Surgida com Vannevar Bush, à ideia de hipermídia passou de
152 o jornalismo vive futurística e improvável para algo que está mais presente do que nunca na nossa sociedade. Apesar de extremamente madura, não para de crescer. O conceito de Web 2.0 que permite a interação total do usuário com os diversos tipos de informação está representado cada vez mais pelas redes sociais de relacionamento, nas quais os usuários trocam mensagens, links, vídeos e músicas simultaneamente todos os dias. A evolução da internet aumentou as possibilidades de aplicação da hipermídia e, hoje, não é necessário um programa específico para rodar conteúdos deste tipo — tudo pode ser feito por meio do navegador, de um jeito bem prático para o usuário. Isto levou à popularização da hipermídia, que tem se multiplicado nos últimos anos em diversos veículos. A hipermídia passou também a ocupar outros espaços que antes eram exclusivos da mídia tradicional, como as televisões, os livros e as revistas. Isto só foi possível porque o avanço da tecnologia trouxe ao mercado as TVs inteligentes e seus aplicativos, a interatividade da TV digital, os leitores de livros eletrônicos (e-readers como o Amazon Kindle) e os tablets e smartphones. A hipermídia possibilita conteúdos mais ricos e dinâmicos, mais interativos e que prendem a atenção nesta época em que há um turbilhão de informações por todos os lados. A possibilidade de explorar o conteúdo sem um roteiro pré-estabelecido torna a experiência mais pessoal e, ao agregar diversos tipos de mídia em um mesmo ambiente, o conteúdo se torna mais imersivo. Além do entretenimento e da informação, esta forma de mídia tem também um grande potencial na área da educação: um conteúdo escolar mais divertido e interessante aumenta o interesse dos alunos e melhora o processo de aprendizagem. O crescimento da hipermídia faz parecer que a mídia tradicional está perdendo a atenção dos usuários, mas, felizmente, criou-se um movimento interessante no mercado: os veículos tradicionais estão
hipermídia 153 se tornando cada vez mais hipermídia, e tudo está se unindo em uma coisa só. Os jornais passam a investir em hipermídia na internet para se manter relevantes, e os grandes canais de televisão investem cada vez mais em seus portais, como uma extensão do canal de TV. Os veículos que não se adaptarem a esta nova realidade, estes sim, perderão a atenção do público em um mundo em que a competição por esta atenção é cada vez mais acirrada. Por isso, é importantíssimo que as marcas estejam atentas a este movimento uma vez que, após décadas de estudos e de desenvolvimento, a hipermídia está chegando ao seu patamar mais maduro.
hipertexto muito mais que apenas texto
“As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo.” -Ludwig Wittgentein
hipertexto 157 O Hipertexto é um conceito associado às tecnologias da informação e que faz referência à escrita eletrônica. O hipertexto é, em sua definição, uma forma de escrita e leitura não linear, com blocos de informação ligados a palavras, partes de um texto ou, por exemplo, imagens. Desde sua origem, o hipertexto vem mudando a noção tradicional de autoria, uma vez que ele contempla diversos textos. Trata-se, portanto, de uma espécie de obra coletiva, ou seja, apresenta textos dentro de outros, formando assim, uma grande rede de informações interativas. Nesse sentido, sua maior diferença é justamente a forma de escrita e leitura. De acordo com alguns autores, como Burke e Chartier, as primeiras manifestações hipertextuais ocorreram nos séculos XVI e XVII por meio de manuscritos e marginalia. Acredita-se que a primeira descrição formal da ideia surgiu no ano de 1945, com a publicação de Vannevar Bush na The Atlantic Monthly, intitulada “As We May Think”. No ensaio, o qual descrevia o dispositivo “Memex”, Bush criticava os sistemas de armazenamento de informações daquela época, que funcionavam através de ordenações lineares. Para o engenheiro e inventor, o pensamento humano funciona através de associações e era assim que ele propunha o funcionamento do Memex, dispositivo que não chegou a ser construído, mas atualmente é considerado um dos precursores da conhecida web. Segundo Theodor Nelson, autor da palavra, o hipertexto constitui-se em “uma escrita não seqüencial, num texto que se bifurca, que permite que o leitor escolha e que se leia melhor numa tela interativa. De acordo com a noção popular, trata-se de uma série de blocos de texto conectados entre si por nexos, que formam diferentes itinerários para o usuário”. O hipertexto se assemelha à forma como o cérebro humano processa o conhecimento: fazendo relações, acessando informações diversas, construindo ligações entre fatos, imagens, sons,
158 o jornalismo vive enfim, produzindo uma teia de conhecimentos. O conceito de “linkar” (“ligar”) textos foi criado por Ted Nelson, influenciado pelo pensador francês Roland Barthes e o seu conceito de “lexia”, a ligação de textos com outros textos. Para melhor definir de que se compõe este texto eletrônico, encontramos em Lévy (1995) algumas características básicas ou “princípios abstratos”, que são:
Princípio de metamorfose A rede hipertextual encontra-se em constante construção e renegociação. Sua extensão, composição e desenho estão sempre em mutação, conforme o trabalho dos atores envolvidos, sejam eles humanos, palavras, sons, imagens, etc.
Princípio de heterogeneidade Os nós de uma rede hipertextual são heterogêneos; podem ser compostos de imagens, sons, palavras, etc. E o processo sociotécnico colocará em jogo pessoas, grupos, artefatos, com todos os tipos de associações que pudermos imaginar entre eles.
Princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas O hipertexto é fractal, ou seja, qualquer nó ou conexão, quando acessado, pode revelar-se como sendo composto por toda uma rede de nós e conexões, e assim, indefinidamente.
Princípio de exterioridade A rede não possui unidade orgânica, nem motor interno. Seu crescimento e diminuição, composição e recomposição dependem de um exterior indeterminado, como adição de novos elementos, conexões com outras redes, etc.
hipertexto 159
Princípio de topologia no hipertexto, tudo funciona por proximidade e vizinhança. O curso dos acontecimentos é uma questão de topologia, de caminhos. A rede não está no espaço, ela é o espaço.
Princípio de mobilidade dos centros “a rede possui não um, mas diversos centros, que são perpetuamente móveis, saltando de um nó a outro, trazendo ao redor de si uma ramificação infinita de pequenas raízes, rizomas, perfazendo mapas e desenhando adiante outras paisagens” (Lévy, 1995, p. 26).
O primeiro princípio, metamorfose, envolve a mutação da rede hipertextual a partir da atividade do leitor. A heterogeneidade reúne informação de diferentes procedências e formatos, o que se refere à hipermídia.. A multiplicidade diz respeito à estrutura do hipertexto, cujos nós de informação podem ramificar-se indefinidamente em outros nós de informação. A exterioridade marca a importância de fatores externos na conformação do hipertexto, como adição de textos ou comentários, por exemplo. A topologia refere-se ao lugar que a rede ocupa no espaço, sendo que ela mesma é um espaço. E, finalmente, a mobilidade dos centros, na qual não há um centro, apenas, mas vários, que estão em constante mutação, conforme, mais uma vez, a atividade do leitor. Estas características também são apontadas por outros autores, ainda que a partir de enfoques diferentes. No entanto, o hipertexto não está somente na internet. Um livro de formato tradicional também pode ter sua estrutura interna em forma de hipertexto. Um livro de contos, por exemplo, pode ser lido sem seguir a ordem em que os contos foram organizados. As enciclopédias e os
160 o jornalismo vive dicionários também apresentam estrutura hipertextual, já que indicam outros verbetes que complementam a consulta do leitor. E ainda há livros em que o autor coloca nas margens informações complementares ao texto principal, buscando o formato hipertextual. No hipertexto, o leitor passa a ter uma participação mais ativa, pois ele pode seguir caminhos variados dentro do texto, selecionando pontos que o levam a outros textos ou outras mídias para complementar o sentido de sua leitura. O leitor torna-se, assim, um coautor do texto, pois constrói tramas paralelas de acordo com seu interesse. O avanço da internet proporciona um acesso a informações praticamente ilimitadas. Além disso, hoje em dia existe uma diversidade de recursos disponíveis para atingir o leitor de diferentes formas. Um desses recursos, muito utilizado atualmente e que se tornou fundamental para o conteúdo online, é o hipertexto. Um exemplo de site que usa muito o hipertexto é a Wikipédia. O já tradicional site de artigos enciclopédicos conta com hipertextos que direcionam para artigos localizados dentro do próprio site. Alguns especialistas em jornalismo digital dizem que hipertextos são textos dentro de outros textos que oferecem informações complementares, de forma a tornar a obra coletiva, em um tipo de “autoria compartilhada”. Esses conteúdos podem ser não apenas textos, mas também vídeos, fotos, áudios ou ainda QR codes — aqueles códigos que são lidos por celular e encaminham para uma página. Podemos observar nos principais sites de notícias do país um uso típico do hipertexto. Por exemplo, quando uma entrevista gravada em vídeo é citada em um texto, pode haver um link para essa entrevista, permitindo que o leitor a assista durante ou após a leitura. Todos esses recursos podem ser usados para aprimorar a experiência do leitor ao ler determinado conteúdo, deixando seu público bem informado e satisfeito
hipertexto 161 com as informações fornecidas. Além disso, essa possibilidade de vincular diversos conteúdos a um texto dá mais relevância à sua postagem nos principais sites de pesquisas. Os mecanismos de busca, tais como o Google, analisam os links de seu texto e, de acordo com sua relevância, os utilizam para posicionar seu site nas pesquisas, podendo aumentar seus índices de acesso. Outra vantagem do uso do hipertexto é poder manter o leitor por mais tempo em seu site. Uma estratégia para isso é criar links no texto que direcionem a um conteúdo já existente no próprio site. Assim, evita-se que o público se disperse em outros sites e ainda o fideliza. Com o hipertexto possibilitado pelo jornalismo digital, ao contrário dos jornais impressos, o leitor não fica restrito a poucas matérias contidas em uma determinada edição. Além disso, a leitura deixa de ter início, meio e fim: o leitor pode se aprofundar cada vez mais em informações que despertem seu interesse, realizando uma leitura não linear por meio dos links no corpo do texto. Outra estratégia interessante são os links para compras. Nesse caso, o público pode ser encaminhado para lojas online que comercializam produtos citados no texto. Esse recurso tem sido muito utilizado por blogs. Segundo pesquisa da Moherdaui, de 1999, o que mais chama a atenção em notícias online é em primeiro lugar o título, em segundo as fotos, seguido pela chamada da matéria. Só depois os visitantes de sites jornalísticos prestam atenção no conteúdo da reportagem e no lead. Então, o jornalista precisa escrever um texto simples, com título chamativo para prender a atenção dos leitores e, também colocar fotos. Nos sites jornalísticos na Internet como, por exemplo, o Globo Online, o Estadão, a Folha, o Jornal do Brasil e outros, a utilização de hipertexto é bem comum. Cada notícia tem vários links complementares. Funciona com o esquema de hiperlink. Segundo Heim (1993), o
162 o jornalismo vive hipertexto não e só uma ferramenta como os processadores de texto, mas sim um modo de interagir com outros textos, o que possibilita o internauta interligar informações intuitivamente e associativamente. Assim, o leitor deixa de ser passivo, como em outros veículos de comunicação e assume um papel ativo, por meio dos links que o hipertexto oferece. Os hiperlinks também podem ser utilizados para dividir matérias muito extensas em várias outras menores, já que o tempo de leitura na internet não é muito grande. O ideal é que as reportagens sejam fragmentas em textos condensados, ou seja, divididos em vários documentos, sempre interligados por links. No primeiro constariam as informações principais (o lead: que, quem, quando, onde, como e por que) e os demais teriam assuntos mais detalhados e informações complementares, muitas vezes com áudio, vídeo, animações, mapas, estatísticas e outros recursos. Assim, a relação entre os leitores e os jornais virtuais também torna-se bem mais interativa. Com todos esses novos recursos é possível perceber que a internet está se preocupando cada vez mais com o que o leitor - sempre mais exigente - quer realmente ler, ouvir e assistir de acordo com o seu tempo disponível e também com a sua vontade. É a personalização da informação na rede. Primo e Recuero (2003) ainda nos propõem uma interessante reflexão sobre essa organização da escrita através do hipertexto. Para os autores, haveria diferenças entre Hipertexto Potencial, Hipertexto Cooperativo e Hipertexto Colagem. No primeiro caso, “os caminhos e movimentos possíveis do internauta se encontram previstos” (2003, p.55), de forma que é o internauta que se modifica, mas o conteúdo hipertextual se mantém original em sua redação. No caso do Hipertexto Colagem, mesmo sendo um processo de escrita coletiva, “demanda
hipertexto 163 mais um trabalho de administração e reunião das partes criadas em separado do que um processo de debate e invenção cooperada” (2003, p.55). Esse é o tipo de movimento hipertextual presente nos weblogs, construídos através das ferramentas de comentários. Já o Hipertexto Cooperativo, vinculado ao sistema wiki, pressupõe que “todos os envolvidos compartilham a invenção do texto comum, à medida que exercem e recebem impacto do grupo, do relacionamento que constroem e do próprio produto criativo em andamento” (2003, p.55). Nesses casos, a intervenção de outros colaboradores sobre o texto principal se dá a partir das mesmas referências de acesso de um possível autor original, de forma que o resultado é, enfim, um texto com múltiplos autores – todos aqueles que em algum momento interferiram diretamente no conteúdo. Assim, ao definir-se a linguagem hipertextual a partir dessa dupla perspectiva, código e texto, e relacioná-la a perspectiva de evolução do hipertexto digital, podemos considerar que a escrita coletiva, materializada na Rede através de ferramentas e processos complexos de negociação de sentido, é fonte não apenas para a organização de novas formas de enunciação, mas também de novas articulações com as informações. Todas essas movimentações de linguagem em torno de um novo suporte irão alterar, enfim, as formas de comunicabilidade entre os sujeitos, os interagentes.
crosmedia e transmídia veículos onipresentes
“A arte só oferece alternativas a quem não está prisioneiro dos meios de comunicação de massas.” -Umberto Eco
crossmedia e transmídia 167 Crossmedia (também conhecida como cross media ou cross-media) é a distribuição de serviços, produtos e experiências por meio das diversas mídias e plataformas de comunicação existentes no mundo digital e offline. Crossmedia vem do inglês e significa “cruzar” – ou “atravessar” – a mídia, ou seja, levar o conteúdo além de um meio apenas. O conteúdo (a mensagem) é distribuído através de diferentes mídias (o meio) para atingir o público (o receptor), mas tudo isso acontece sem que a mensagem tenha qualquer alteração de um meio para o outro. A crossmedia é um conceito que apareceu no Brasil por volta de 2011. O sentido básico deste termo é que uma pessoa possa acessar o mesmo conteúdo por diferentes meios. Então, quando falamos que uma campanha é crossmedia, estamos querendo dizer que ela usa diversos canais de comunicação, como a televisão, o rádio, o mobile, ações promocionais e internet, dentre outros, para contar uma história ou passar uma mensagem. A tendência é que no futuro as mídias sejam cada vez mais integradas, aumentando assim a chance de cercar o público-alvo. Além disso, uma campanha em crossmedia também costuma ser complementar, já que ela vai aparecer em diversos veículos e tem uma força um pouco mais intensa. Deste modo, a marca ou empresa consegue envolver mais pessoas na mensagem, assim conseguindo mais conversões em venda utilizando esse tipo de estratégia. No entanto, não é porque uma ação está presente em diversos meios de comunicação que ela é um tipo de crossmedia. Para se enquadrar nesse tipo de campanha, além de integrar diversos veículos, a ação ainda precisa contar uma mesma história, ou seja, é uma mesma propaganda a todos os canais. Essa estratégia trabalha de forma complementar, onde cada meio completa o outro de modo a construir uma mensagem única, não apenas comunicar uma mesma coisa ao público. Sendo assim, no crossmedia
168 o jornalismo vive não basta apenas transmitir um anuncio em vários canais, mas sim algo que estimule o acesso a outro meio de comunicação, para que assim o público possa conhecer a campanha por completo, interagindo com ela. Uma das aplicações mais revolucionárias deste novo formato de narrativa é na produção de material jornalístico. A notícia deixa de ser algo estático e distante para tornar-se dinâmica e personalizada, porque será possível conhecê-la, sentí-la e analisá-la através de quase todos os enfoques possíveis. Transmedia, que também vem do inglês, significa “além da” mídia, ou seja, o conteúdo sobressai à mídia. Na prática, significa que as diferentes mídias (os meios) irão transmitir diferentes conteúdos (as mensagens) para o público (o receptor), mas de forma que os diferentes meios se complementem. Se o receptor utilizar apenas um dos meios, vai ter apenas a mensagem parcial. O método é um pouco mais complexo e ficou famoso em meados dos anos 2000 pelo livro “A Cultura da Convergência”, do professor Henry Jenkins. A estratégia consiste em criar conteúdos diferentes para cada mídia sobre o mesmo tema. Assim, cada mídia complementa a informação da outra, criando uma narrativa em diferentes mídias. O objetivo é ampliar o alcance do público-alvo, atraindo-o com mensagens diferentes. Os conceitos também são aplicados em mídias off-line e impressos (livros, jornais, banners, etc). Uma revista pode indicar um canal no YouTube, enviando assim o público-alvo para um meio de comunicação diferente. Os programas de TV possuem perfis nas redes sociais e usam transmídia através de hashtags no Twitter e Instagram, pedindo a participação do público. As formas de planejar conteúdo com essas estratégias são inúmeras. É quase impossível falar de transmídia ou crossmedia sem
crossmedia e transmídia 169 citar cultura de convergência. Termo criado para definir as mudanças tecnológicas, mercadológicas, sociais e culturais notadas nos meios de comunicação atualmente. Este conceito também analisa o comportamento do público, que transita entre diversos canais, resultando na transmissão do conteúdo por diferentes mercados midiáticos. Henry Jenkins aborda este assunto dividindo a convergência em três conceitos: convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva. A convergência dos meios de comunicação trata da utilização do mesmo canal por tecnologias (vídeos, imagens, áudios e etc.), que anteriormente eram utilizadas separadamente em meios diferentes. Os smartphones, por exemplo, reúnem voz, vídeo, games e televisão em um único aparelho. A cultura participativa, por sua vez, fala do fato que o consumidor não é mais um mero receptor passivo, ele interage com a mídia apresentada e também produz conteúdos. O Youtube exemplifica esta participação do usuário, já que qualquer um com uma câmera pode realizar a gravação de um vídeo ou mudar um conteúdo produzido por um grande veículo e então adicionar no canal. Por fim, inteligência coletiva aborda a ideia de que nenhum indivíduo sabe tudo, porém ao se unir a outras pessoas podem somar recursos e habilidades aumentando a capacidade intelectual, por exemplo, fóruns de discussão. A tendência é que no futuro as mídias sejam cada vez mais integradas, aumentando assim a chance de cercar o público-alvo.