CIDADE EDITORIAL CITY MAGAZINES - COMUNICAÇÃO, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO DAS GRANDES CIDADES NORTE-AMERICANAS.
ENSAIO TEÓRICO
DANILLO ARANTES FAU - UNB 2017/1
E D A D I
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A I R O IT
D A D I C
CIDADE EDITORIAL
CITY MAGAZINES - COMUNICAÇÃO, IDENTIDADE
E REPRESENTAÇÃO DAS GRANDES CIDADES NORTE-AMERICANAS.
DANILLO ARANTES
ORIENTAÇÃO: ANA ELISABETE DE ALMEIDA MEDEIROS
Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Orientação: Ana Elisabete de Almeida Medeiros
Ensaio Teórico, 2017/1
Banca Julgadora: Ana Elisabete de Almeida Medeiros João da Costa Pantoja Pedro Paulo Palazzo de Almeida
Autor: Danillo Arantes
APRESENTAÇÃO Cidade Editorial é um trabalho de pesquisa referente à disciplina de Ensaio de Teoria e História de Arquitetura e Urbanismo, oferecida pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB), necessária para a conclusão do curso de graduação. Sob a orientação da professora doutora Ana Elisabete de Almeida Medeiros, membro do corpo docente da FAU-UnB, o presente trabalho tem por intenção apresentar a pesquisa desenvolvida ao longo do primeiro semestre de 2017.
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RESUMO
Surgidas nos Estados Unidos e muito difundidas após os anos 1960, as city magazines tornaram-se meios de comunicação inovadores capazes não só de informar como também consolidar o imaginário das grandes cidades norte-americanas. Sendo chamadas, majoritariamente, pelo nome de suas cidades de origem (Los Angeles Magazine, Seattle Met, Atlanta Magazine, etc.), serviram de ferramenta para a atração de turistas e investimentos em uma época onde não só aumentavam os números populacionais como também a concorrência entre as grandes cidades. Este ensaio, portanto, tem como objetivo explicitar melhor o que são as city magazines, definir um pouco mais a sua história, além de conferir um melhor entendimento a respeito da construção de identidades e imaginários, a relação entre espaço urbano e comunicação e a construção de narrativas e interpretações acerca do mesmo. Assim também, por meio deste estudo, foi possível concluir que tais revistas não simplesmente relatam o que acontece nas cidades, caracterizando-as, mas representando o espaço urbano pelo olhar e imaginário que seus habitantes/leitores desejam enxergar.
palavras-chave: city magazines; cidade; comunicação; identidade; editorial; mídia; representação.
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SUMÁRIO Introdução
Parte I Urbanismo, Identidade e Narratividade em Revista 1.1 Identidades e Imaginários Urbanos: Cidades como Marcas. 1.2 Interseção: Cidade e Comunicação. 1.3 A Narrativa da Cidade Contemporânea: Construção e Reflexo de Memórias. 1.4 Processo de Editoração, Revistas e Novas Mídias. Parte II Aproximando-se do objeto de estudo: City Magazines 2.1 Histórico. 2.2 City Magazines e Publicidade. 2.3 Apresentando as Publicações Analisadas. Parte III Cidades Narradas 3.1 Metodologia e Catalogação. 3.2 New York Magazine. 3.3 Los Angeles Magazine. 3.4 Boston Magazine. 3.5 Atlanta Magazine. 3.6 Chicago Magazine. 3.7 Seattle Met. 3.8 5280 Magazine. 3.9 Publicações Analisadas: A visão das cidades por seus habitantes.
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Considerações Finais
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Referências
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INTRODUÇÃO Em meio à procura por uma singularidade local composta pelas múltiplas particularidades de seus usuários, cidades seguem em constante afirmação e reconstrução de seus imaginários locais. Baseiam-se em seus próprios habitantes e nos anseios comerciais do atual mundo globalizado para definir seus valores estéticos, sociais e comerciais, os quais formam sua representação e identidade locais. Comunicam-se de diversas formas a fim de atrair tanto investimentos, quanto indústrias e turistas, convencendo-os muitas vezes por meios imagéticos e midiáticos, sobre a existência de uma marca regional vivenciada e explorada por seus habitantes. Muitas são as formas de representação e consolidação do imaginário local, indo desde intervenções na própria paisagem da cidade até a reprodução intencional de imagens e conceitos, estes que são, portanto, desenvolvidos para representar o que interessa aos responsáveis pela criação de tal imaginário. Os meios de comunicação exercem um papel fundamental neste processo, já que é por meio deles que tais identidades e imagens se propagam e formulam, nas mentes de seus usuários, a percepção do que seria cada uma dessas cidades. Seja por meio de anúncios, filmes, séries, redes sociais, reportagens televisivas, publicidade, ou por qualquer outra forma de entretenimento e informação, a representação do espaço urbano e suas atividades, mesmo que subjetiva, está sempre presente. Dentre tais meios pode-se destacar a mídia editorial, no caso, as revistas. Mesmo configurando-se como apenas mais um meio de comunicação para muitos, as revistas destacam-se pelo trabalho mais detalhado no processo de transmissão de determinadas informações. Diferentemente de muitos dos outros meios de comunicação, como jornais por exemplo, elas se aprofundam nas temáticas reportadas e não só transmitem a notícia, mas também opinam, conferem mais detalhes e se apresentam como um conjunto de informações que interessam ao seu leitor específico – definido e pensado ao longo de toda a etapa de editoração. Como num processo de curadoria, definem a cada exemplar as temáticas e questões que irão permear todo o produto final, representando também a identidade do público para
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Colagem 1. Capas e City Magazines. Fonte: autor.
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o qual são concebidas. Destacam-se por não criarem conteúdos específicos para todo e qualquer público, mas sim grande volume de conteúdo para um determinado público, informando-o e mantendo-o fiel consumidor de tudo aquilo que produzem. Desde sempre se vê a representação de cidades e a produção de conteúdos sobre o espaço urbano em várias revistas de diversos segmentos, seja esta subjetiva ou não. Porém, nem sempre estas se focam diretamente em assuntos referentes a uma cidade específica, a não ser quando ligadas a questões turísticas ou temas mais preocupantes como escândalos políticos e de saúde pública. No entanto, justamente por se consolidarem no sucesso da segmentação de temáticas e de públicos, o meio editorial e as revistas possibilitam a criação de segmentos que discorram a respeito de assuntos de determinados interesses, incluindo, cidades. Indo além dos aspectos locais das revistas de turismo ou daquelas específicas do campo da arquitetura e urbanismo, as city magazines, ou revistas regionais, alcançaram sucesso principalmente nos Estados Unidos, justamente por tratarem das localidades para as quais são produzidas, focando na construção do imaginário local e atraindo um público com interesse pela vivência do espaço urbano ao qual pertence. Devido a tal sucesso na forma como comunicam e “editoram” suas cidades, ganham atenção por sua relação com a temática do espaço urbano, voltada não para um público especializado, mas para a população em geral. Por tratarem da cidade com um olhar um pouco mais local e por representarem a mesma como um espaço que seus leitores de fato compreendem e vivenciam diariamente, estas acabam por aproximar seus consumidores da utilização e entendimento do espaço urbano, razão pela qual foram escolhidas como objeto de estudo deste Ensaio Teórico. O entendimento da percepção da cidade pelo olhar de seus usuários e a escolha de determinados conteúdos por parte destas publicações podem, em conjunto, formular também uma nova apreensão do local, acrescentando aos estudos do urbanismo contemporâneo – além de, claro, servirem como bases de pesquisa teórica e histórica das cidades ao longo dos anos, refletindo as mudanças regionais sofridas à medida que cada novo exemplar chega às bancas. Surgidas principalmente ao longo dos anos 60, no processo de desenvolvimento das grandes cidades americanas após a Segunda Guerra Mundial, as city magazines nasceram como solução para a desejada atração de investidores e novos habitantes para as localidades que lhes davam nome. Nessa época, os Estados Unidos passavam por um grande aumento populacional onde, mais do que nunca, a população urbana crescia em relação aos
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anos anteriores, criando novas cidades com novos aspectos culturais e novos diferenciais, uma em relação a outra. Tais cidades viram, portanto, nas city magazines uma forma de comunicar a vida local, de forjar a identidade desejada para si, além de movimentar a economia, atraindo turistas, empresas e demais setores de interesse. Numa mistura entre reportagens sobre assuntos locais e jornalismo de serviços (listagens de restaurantes, eventos, lifestyle, etc.), passaram a estar presentes em praticamente todas as grandes cidades americanas, canadenses e em algumas mais de outros lugares do mundo. O sucesso consolidou-se ao longo dos anos à medida que mais e mais publicações do tipo surgiam no país com os nomes dos lugares de onde vinham. Hoje, muito conhecidas, mas ainda pouco estudadas e difundidas fora dos Estados Unidos, possuem basicamente, segundo O’Grady (O’GRADY, 2003), três características que as diferenciam de outras revistas semelhantes. A primeira delas é o fato de terem seu foco somente para as cidades que representam, apresentando matérias que possam interessar a muitos, mas que apenas retratam a realidade local. Revistas como a The New Yorker, por exemplo, possuem temáticas que abordam questões urbanas da cidade, mas não mais podem ser tratadas como city magazines, já que abordam assuntos de interesse muito mais abrangente do que sua terra de origem. Ainda segundo O’Grady, a segunda característica fundamental é justamente o fato de serem revistas que misturam reportagens a respeito de tópicos mais tradicionais como política e segurança, com jornalismo de serviços e questões a respeito do estilo de vida urbano proveniente daquela cidade. Não se trata de guias locais com plataformas interativas, mas sim publicações que misturam entretenimento e informação para manter seus leitores genuinamente informados a respeito do que acontece no lugar onde vivem. A busca por tal qualidade passa a ser a terceira grande característica destas publicações que, pelo fato de em sua maioria serem mensais ou bimensais, destacam-se como revistas de valor e cunho informativo como qualquer outra grande publicação nacional. Assim como tratado por Miriam Greenberg, em seu artigo Branding Cities: A Social History of the Urban Lifestyle Magazine, algumas publicações funcionaram como meio de propagação e reinvenção de determinadas cidades americanas, selecionando, por meio do processo de editoração, as imagens e conteúdos que refletiam a nova identidade local que se queria difundir. Atlanta, por exemplo, por meio da Atlanta Magazine, teve seu imaginário local recriado através da diagramação mais contemporânea da
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Figura 1. Atlanta Magazine, Fevereiro 2017 . Fonte: atlantamagazine.com
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revista, associada a imagens de grandes arranha-céus e viadutos. A intenção foi (re)definir-se como a cidade grande que desejava ser, uma terra em reconstrução – tudo isto para suprimir a imagem anterior de cidade tradicional do sul dos Estados Unidos, racista e ainda pouco urbanizada. Atualmente, devido às mudanças tecnológicas e às questões ligadas à rápida transmissão de informações junto à internet, tais publicações têm sofrido mudanças quanto ao seu consumo, assim como seu público, mesmo que suas tiragens impressas ainda superem qualquer outra forma de conteúdo online. A internet tem funcionado como um meio não só para divulgá-las, mas também como uma maneira de complementá-las. Tanto é assim que se fazem presentes nas diversas mídias sociais e se apresentam não apenas como revistas compradas nas bancas, mas também como marcas, com reportagens online e impressas, produção de vídeos e até a divulgação do trabalho desenvolvido através do Instagram, Twitter, Facebook e demais plataformas semelhantes. Com isso, acabam, ainda, por desenvolver uma maior proximidade com seus leitores, entendendo melhor aquilo que estes se interessam em saber. Quando melhor analisadas em seus websites oficiais, as city magazines vem tentando manter claros seus ideais e intenções de mercado, suas missões editoriais e aquilo que decidem transmitir para seus leitores fiéis, narrando não só o que acontece nas ruas, mas também aquilo que elas mesmas, enquanto publicações, interessam-se em mostrar. Em trecho apresentado pela Boston Magazine, em sua página de apresentação, a publicação afirma: “Nossas reportagens expositivas, narrativas, perfis e reportagens investigativas relatam aos nossos leitores como esta cidade (Boston) funciona, enquanto nosso inigualável e sofisticado jornalismo de serviço os ajudam a extrair o máximo que a cidade pode lhes oferecer”. Em meio a estas palavras a revista não só define aquilo que lhe interessa publicar, mas também resume o papel e a intenção de boa parte das city magazines. Tomando-se por base, portanto, este trecho apresentado pela publicação americana e atendo-se às questões fundamentadas pelo seu discurso de “entendimento do funcionamento” e de “extração do máximo que (o local) pode oferecer”, pretende-se analisar como estas revistas definem e constroem a identidade de suas cidades de modo a se tornarem elemento articulador entre o usuário e seu espaço urbano. Ou seja, a pergunta que se
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pretende responder com este Ensaio é: “Como as city magazines constroem a narrativa de representação da identidade de suas cidades?”. Seguindo esta indagação e com base na bibliografia adotada como alicerce para esta pesquisa, sete das principais publicações norte-americanas do segmento foram selecionadas para que fosse possível um melhor entendimento do tipo de informação que vêm oferecendo aos seus leitores, analisando melhor as narrativas por elas construídas acerca das suas identidades locais. Por tratar-se da análise de um conjunto de publicações e não apenas de uma delas, o estudo teve por intenção chegar a este entendimento por meio de uma catalogação das reportagens e matérias em geral escritas e uma análise dos dados produzidos (Sobre o que falam?; O que falam?; etc.) ao longo de seis meses. A fim de elencar uma grande quantidade de informação e se apropriar melhor da forma como tais revistas produzem material para seus leitores, optou-se por uma análise online do conteúdo apresentado por elas em seus websites oficiais nas seções referentes a notícias e ao uso do espaço urbano, indo além das demais seções dedicadas ao dito jornalismo de serviço e se atendo apenas nas notícias associadas aos acontecimentos e problemas locais. Por se tratar de grandes publicações, assim como citado anteriormente, boa parte do que segue para a tiragem impressa também é direcionado para a internet que, por ser mais acessível e com maior controle temporal oferecido pela própria interface dos websites, torna-se, portanto, mais fácil encontrar conteúdos referentes a meses anteriores. Mesmo que sua vendagem de volumes impressos ainda supere o consumo do que é produzido online, a análise mais detalhada deste conteúdo pode oferecer uma maior percepção daquilo que tais publicações vem se propondo a produzir constantemente, expressando a sazonalidade do que é produzido, à medida que novas atividades e acontecimentos vão ocorrendo nas cidades às quais se referem. Para a catalogação e estudo das notícias e conteúdos referentes às suas respectivas cidades ao longo de seis meses (mais especificamente entre outubro de 2016 e março de 2017), foram selecionadas as seguintes publicações: 01. 02.
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New York Magazine (seção News and Politics, nymag.com); Los Angeles Magazine (seção Citythink, lamag.com);
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Boston Magazine (seção News, bostonmagazine.com); Atlanta Magazine (seção News and Culture, atlantamag.com); Chicago Magazine (seção Politics and City Life, chicagomag.com); Seattle Met (seção News and City Life, seattlemet.com); 5280 Magazine (seção News + Features, 5280.com).
Devido ao volume de reportagens produzidas semanalmente por estas revistas, propiciado pelo meio online, decidiu-se pela análise do segmento ao longo de seis meses a fim de limitar a pesquisa a um escopo possível para a produção deste Ensaio Teórico, escrito apenas ao longo de um semestre. Com a análise destas sete publicações e com a grande quantidade de conteúdos produzidos por elas, foi possível não só entender aquilo que interessa a elas publicar, mas também gerar uma percepção um tanto mais complexa dos aspectos culturais de cada uma das cidades que representam – sendo propositalmente selecionas para análise seguindo diferentes localidades e regiões dos Estados Unidos. A escolha se deu por meio da listagem de publicações membros da City and Regional Magazines Association, tomando-se por base algumas das maiores e mais reconhecidas publicações do segmento e também seus aspectos regionais. Foram escolhidas assim: duas publicações da região nordeste (New York e Boston), uma da região noroeste (Seattle), uma da região oeste (Los Angeles), uma do dito mid-west (Chicago), uma do sudoeste (5280) e outra do sudeste (Atlanta) americanos. Em relação à questão publicitária, vários são os pontos a serem citados quanto a sua relação com as publicações e também com a construção da narrativa em torno do espaço urbano. Com anúncios em geral pautados em questões ligadas também ao uso da cidade (restaurantes, lojas, bens de consumo, etc.), estes podem dizer muito a respeito do tipo de leitor que vem a comprar estes exemplares, afinal, a revista é feita e produzida para ele. Esta questão já seria uma análise complexa por si só, indo além das capacidades deste Ensaio Teórico, mas uma contextualização básica também se fez necessária para um melhor entendimento do segmento como um todo, já que este nem mesmo existiria se tais investimentos não fossem aplicados a ele. O trabalho, portanto, estrutura-se em quatro partes principais, abordando desde conceitos teóricos, que alicerçam a pesquisa, até uma análise mais específica e contextualizada de cada uma das sete publicações selecio-
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nadas. A primeira parte, “Urbanismo, Identidade e Narratividade em Revista”, assim como explicitado no título, inicia abordando os variados assuntos que embasam este Ensaio, desde um entendimento da relação entre cidade real e representada através da comunicação, até um aprofundamento maior do meio editorial em si – quem o faz e como funciona. A segunda, “Aproximando-se do objeto de estudo: City Magazines”, já apresenta as publicações analisadas de modo mais detalhado, o que são as city magazines, sua origem e atuação no meio editorial norte-americano e explica não só seus próprios interesses, mas também as intenções dos vários anunciantes que auxiliam na produção destas publicações. A terceira e quarta partes seguem então para a análise propriamente dita das city magazines, objetos de estudo. Na terceira, “Cidades Narradas”, explicita-se melhor como se deu a análise das revistas e reportagens selecionadas, juntamente ao estudo, de fato, de cada uma das publicações – essencial para a formulação de uma conclusão final, a quarta parte deste Ensaio Teórico: “Considerações Finais”. A última parte, formulada por meio do embasamento teórico e análise já realizados, tem por intenção não só relatar como se dá tal comunicação em torno do espaço urbano mas também entender o papel de tais revistas neste contexto, como o realizam e seu potencial na construção desta relação entre cidade real e cidade representada, além da aproximação e relação entre leitor e cidadão. Pelo fato de serem escritas e principalmente consumidas por pessoas e profissionais de áreas leigas em relação ao urbanismo podem servir como ferramentas-chave para o desenvolvimento de pesquisas na área do planejamento urbano e no marketing e branding de cidades. Vão além das revistas de turismo porque não buscam apenas a atração do público de fora para estas cidades representando-as por pontos turísticos, mas sim a comunicação da cidade para sua própria população. Elas vêm ganhado cada vez mais atenção por tratarem não só do que acontece no mundo, refletido nas ruas de suas cidades, mas também por falarem aquilo que acontece do outro lado da rua. Muitas vezes focam apenas no consumo local e nos desejos de classes mais abastadas, no entanto, auxiliam claramente o desenvolvimento local. Acabam demonstrando o intuito de aproximar cidade e cidadão, explicitando ainda mais o porquê de muitas destas cidades se desenvolverem diferentemente do planejamento inicial de seus urbanistas – mais uma razão para serem estudadas!
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Figura 2. Los Angeles Magazine, Junho 2017 . Fonte: lamag.com
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PARTE I Urbanismo, Identidade e Narratividade em Revista
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IDENTIDADES E IMAGINÁRIOS URBANOS:
CIDADES COMO MARCAS “Assim como vários teóricos especialistas em urbanismo e cultura vêm tratando a respeito, o espaço da cidade não é apenas produzido material e geograficamente, mas também no imaginário social e através de modos diferenciados de representação cultural. Seguindo o mesmo caminho e com uma relação dialética com a cidade “real” construída, existe o que se pode chamar de “imaginário urbano”: uma coletânea coerente e pautada historicamente, de representações retiradas das ruas e da arquitetura da cidade, da arte produzida por seus habitantes, e de imagens e discursos produzidos com base naquilo que se vê, se escuta, se é apreendido de filmes, programas de televisão, revistas e outras formas de comunicação em massa. (ZUKIN, DONALD, HARVEY, apud GREENBERG: 228). (...) Pelos últimos 150 anos, “imaginadores urbanos” trabalhando com agências de publicidade locais, editoras, emissoras, e outras formas de propagação midiática emergentes, têm criado extensiva “infraestrutura crítica” de guias urbanos, estudos e cobertura de imprensa para assim proporcionar espaços consumidores ainda mais complexos (ZUKIN, apud GREENBERG: 229). Particularmente, durante os últimos 30 anos, devido a mudanças econômicas em escala global, nacional e local, cidades vêm sido forçadas a realizarem um marketing internacional em torno de si mesmas em busca de novas receitas de sucesso. Assim, percebe-se como novas mídias, juntamente à ascensão de elites urbanas, vêm não só ajudando a simplesmente vender novos imaginários urbanos, mas também auxiliando na construção e imposição dos mesmos.” (GREENBERG, 2000, p.228 e 229).
Atualmente e desde sempre, marcas, imaginários e até personalidades são construídas em torno de objetos e seres, a fim de convir aquilo que pretendem representar. Num jogo entre atração e busca pelos interesses, muitas vezes por vias de consumo, tais identidades constroem-se subjetiva ou intencionalmente para sustentar aquilo que se propõem a fazer, ser ou até atuar no mercado – algo que também pode ser chamado de Branding. O termo que se tornou ainda mais relevante durante os anos 1960 e 1970, devido às mudanças econômicas atreladas ao aumento da competitividade entre empresas, segue geralmente associado à criação de marcas em torno de produtos, instituições e serviços, a fim de gerar noções de qualidade e confiabilidade em torno dos mesmos. Buscam, de modo eficaz, não só convencer o público daquilo que são, mas também, cognitivamente, promover associações rápidas visuais e intelectuais nas mentes daqueles que
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compõem seu público-alvo. Mesmo que muito ligado à ideia de consumo, este também segue associado à criação de personalidades com a definição de padrões e características próprias, a fim de também gerar atenção do público em geral, caso ao qual se aplica o branding de cidades. Também muito ligadas às mudanças populacionais e de consumo globais, principalmente após os anos 1960 e 1970, cidades começaram a desenvolver novas imagens e marcas de divulgação imagética e midiática de si mesmas, utilizando-se de novas estratégias de branding e marketing para assim recriar suas identidades locais. Através do desenvolvimento destas marcas em torno do espaço urbano, os responsáveis pelo mesmo não só pretendem conectar a imagem da cidade ao que acontece nela, mas também gerar conexões emocionais de seus usuários e visitantes à forma como pretendem ser apreendidas, gerando ainda mais valores ao simples nome que carregam. Nova York, Paris, Londres, e outras tantas mais – o que significa ser cada uma delas! Muitas vezes tal imagem é inteiramente construída, a cidade não necessariamente é aquilo que se cria enquanto marca mas aquilo que seus “imaginadores” desenvolvem e manipulam, algo que, ao longo dos anos, acabam por tornar-se realidade à medida que tudo vai se consolidando tanto na dimensão intelectual como na materialização e transformação dos espaços físicos. Hábitos e localidade modificam-se seguindo os padrões e significados do que representa viver em determinado lugar e consequentemente, modificam-se os modos de vida e consumo da cidade renovada. “A busca dos administradores urbanos por uma “marca de cidade” sensível é um indicativo daquilo que Pine e Gilmore (1999) (apud GRODACH: 183) definem como “economia da experiência”. Eles afirmam que os principais agentes econômicos evoluíram de uma primária produção de produtos e serviços para a construção de experiências.” (GRODACH, 2009, p.183).
Tais preocupações passaram também a surgir, principalmente entre os anos 1970 e 1980, em “cidades pós-industriais” que precisavam atrair investimentos e interesses, gerando uma imagem de cidade em reconstrução e não decadente, antiga ou ultrapassada, mas capaz de responder às mudanças tecnológicas e econômicas globais sofridas na época. Alguns teóricos também se preocupam com os limites estabelecidos pela definição destas marcas que podem não só abrir portas e novos o-
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Figura 3. Manhattan. Fonte: newyork.com
lhares, mas podem também repelir ou limitar um desenvolvimento positivo à cidade, desassociado daquilo que se é estabelecido enquanto marca local. É preciso que seus administradores e os coordenadores deste imaginário estejam em constante adaptação e entendam o quanto toda esta implementação imagética afeta as escalas físicas e sociais também do espaço urbano. Muitas destas experiências desejadas vêm atreladas à concepção de novos espaços físicos, landmarks e pontos turísticos, algo que pode ser prejudicial aos próprios habitantes que muitas vezes pouco se beneficiam dos bens construídos. A população é peça-chave na consolidação desta marca de cidade, não podendo ser de modo algum esquecida ao longo do processo de criação, afinal não só tem de aceitá-la como também tem de, empaticamente, se identificar com aquilo que se está sendo dito como “sua cidade”. O espaço públi-
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co será, consequentemente, modificado e retratado midiaticamente, e para isso é necessário que esta população não só o absorva como também passe a propaga-lo, gostando de fato daquilo que representa ser um habitante local. Atualmente, com o avanço da internet e dos meios de comunicação, a propagação de imagens e informações a respeito das cidades tem sido ainda mais eficaz, principalmente quando realizada por seus usuários, facilitando e gerando ainda mais possibilidades de se estabelecerem tais marcas. O importante é manter-se coesa, diferenciada e claramente incorporada à vida e aos desejos locais.
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INTERSEÇÃO: CIDADE E COMUNICAÇÃO “Nossas sociedades da informação estão gestando uma cultura marcada pela propagação generalizada de dimensões virtuais, como as redes temáticas e o hipertexto. A expansão contínua destes domínios em instâncias cada vez mais diferenciadas da vida social, como as atividades econômicas, o lazer, a comunicação, a gestão dos corpos, a medicina e o esporte, promoveu e permanece estimulando de modo cada vez mais radical, o redimensionamento da noção de experiência. (...) Renovam-se os desafios para o pensamento e para o criador em vista desta redistribuição das funções convencionais atribuídas aos sentidos. As decorrências perceptivas e cognitivas implicadas nesta passagem (do analógico para o digital) podem ser apenas intuídas, mas permanecem como desafios para o pensamento investigativo e para a ação operativa.” (FATORELLI, 2006, p. 06 e 07)
Conteúdo, volume, massa. Dilemas, questões, temas e histórias diversas. Conteúdo sobre questões e dilemas, volume de histórias a serem contadas, produção e consumo de cultura em massa. A questão maior: para onde seguir sem informação daqui em diante? Se antes a fala era o meio mais rápido para a transmissão de uma determinada informação entre interlocutores e estes possuíam a informação a ser processada e depois repassada, hoje não se é apenas interlocutor e não mais o possuidor da informação por completo – os papéis vão além! Espectadores, consumidores, internautas, público em geral – muitos são os títulos presentes nas definições dos diversos papéis na comunicação, e se antes era possível negá-la de alguma forma e manter-se na ignorância a respeito de determinados fatos, hoje isso se torna quase impossível. Em algum momento do dia, direta ou indiretamente, consome-se informação. Não só pela internet, mas muito graças a ela, usuários dos diversos meios de comunicação veem-se conectados, as distâncias físicas diminuem à medida que a intimidade virtual se torna cada vez maior, todos se conhecem enquanto na realidade ninguém tem certeza disso. Filtros, edições, construções, e até manipulações de conteúdo preenchem os dias de todos aqueles “que não vivem embaixo de uma pedra” e é inevitável ser parte desta grande teia de conexões, seja consumindo, produzindo ou apenas compartilhando conhecimento. Assim como tratado por Antonio Fatorelli em trecho apresentado acima, parte de seu texto Entre o Analógico e o Digital, as percepções e
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experiências vividas por todos neste novo contexto de “era digital” vêm se modificando e sendo gradativamente adaptadas aos novos padrões e possibilidades gerados por ela. Surgem novos desafios e benefícios à medida que os padrões de vida em sociedade seguem se modificando e sendo adaptados nas diversas dimensões criadas pelos meios digitais. Enquanto informações diversas são criadas e repassadas a respeito de vários acontecimentos ou opiniões, conceitos como particularidade e identidade passam a se apresentar com novos valores. Uma pessoa não é mais apenas aquilo que acredita ser e sabe que é, é um personagem, uma personalidade representada daquilo que quer ser em meio a milhões de outras personalidades, todas em busca da melhor forma de se diferenciar das demais ou de empaticamente relacionar-se com algumas delas. Definições de gostos, interesses e características formam aquilo que define o indivíduo cuja individualidade se constrói em meio à diferença em relação aos demais. É claro que estes indivíduos diversos são muito mais complexos do que simples definições rasas daquilo que estes mesmos apresentam, mas para um mundo de informações superficiais e de rápida transmissão, isso talvez já seja suficiente para defini-los e torná-los únicos, e claro, interessantes ou desinteressantes aos demais. Enquanto um indivíduo elucida seu próprio conjunto de definições, outros tantos indivíduos que de algum modo se apresentam ao longo do caminho repassam as definições por eles escolhidas e todos acabam por formar imaginários e identidades interpretadas dos demais. Há de se questionar a veracidade dos fatos neste contexto porque não só as informações repassadas são escolhidas, mas também a leitura delas se dá de forma distinta de pessoa para pessoa. Existem em jogo, portanto, a identidade real, a identidade transmitida e logo, uma identidade interpretada. Fatos podem até ser fatos expressos e repassados nas diversas formas de comunicação, mas certamente possuem interpretações e impactos distintos entre aquele que decide repassá-los e aqueles muitos que virão a consumi-los e absorvê-los. “A todo instante somos demandados como performers e atores. Que personagem viver? Somos demandados a observar e cuidar de nossa performance social, privada, a viver identidades prontas, mas também experimentar que ‘eu sou um outro’, oscilações e demandas paradoxais que denunciam o lugar vazio do sujeito, a preencher. Quem sou eu, não está dado, estou me performando.” (BENTES, 2005).
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Figura 4. Seattle. Fonte: sustainableseattle.com
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Portanto, se toda essa informação gira em torno daquilo que pessoas definem como suas características reais, e logo suas particularidades, tais particularidades formam o todo, e o todo este indivíduo. Assim como pessoas começam então a construir e propagar a imagem que desejam expressar de si mesmas a troco de novas experiências (profissionais ou pessoais), nada impede que isso também aconteça com instituições, empresas e, claro, cidades. Quando aliado a questões capitalistas e de efeitos da globalização, o conceito de identidade passa não só a funcionar como elemento articulador de interesses, mas também definidor de atrativos – cruciais para a sobrevivência de vários setores. Tudo se consome e tudo se sustenta no consumo, e a atração por determinado produto, atividade ou até experiência se dá pela diferenciação deste(a) em relação aos demais. Aquilo que se constitui como diferente passa a ser o elemento definidor de uma identidade atrativa, única e que vale a pena investir (tempo, interesse ou até dinheiro). Identidades, assim como citado anteriormente, surgem do conjunto de valores, fatos e demais questões que venham a ser criadas, experimentadas e principalmente propagadas a respeito de determinado objeto, indivíduo ou até espaço. Identidade está atrelada ao conceito de imaginário, criado nas mentes dos diversos outros indivíduos que venham a interpretá-la. Assim também acontece com espaços públicos, e logo, cidades. “(…) Onde somos ‘imagem entre imagem’ se construindo, experimentando o mundo de muitos lugares, tornados interfaces, mediadores ou ainda figuras do controle.” (BENTES, 2005).
Em meio a um planeta cada vez mais conectado, cidades seguem em busca de atrativos não apenas turísticos, mas também de investimento. Multinacionais acabam muitas vezes por se sentirem atraídas por cidades que não só apresentem boas condições de implementação, custos e etc., mas também valores distintos enquanto uso do espaço, suas variadas atividades e perfis diferenciados em relação às demais no mundo. Uma marca de roupas que se destaca por seus produtos inovadores e contemporâneos pode até se sentir atraída por uma cidade pequena e de cultura tradicional para estabelecer sua sede oficial, devido à mão-de-obra barata e aos baixos custos de implementação, mas certamente estaria mais interessada em uma outra cidade que oferecesse uma imagem de contemporaneidade semelhante aos valores estabelecidos pela própria marca, caso oferecesse também boas condições para ali se estabelecer. Seattle, nos Estados Unidos, por exemplo,
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vem conhecendo muito sucesso neste processo de desenvolvimento cultural ligado ao investimento de empresas que apresentam valores inovadores, mais contemporâneos – empresas locais com preocupações ligadas à sustentabilidade, por exemplo. Equipes de marketing e branding locais passam então a formular esta identidade a ser vivenciada e também comunicada, estabelecendo ainda mais esta relação entre o espaço urbano e os meios de comunicação. Imaginários passam a ser recriados à medida que novas imagens e valores são propagados, construindo nas mentes dos recebedores destas informações uma ideia geral tanto das atividades realizadas em cada cidade, como do estilo de vida possibilitado por cada uma delas, além de, claro, as características principais do local, sejam elas visuais e formais ou de vivência. Na relação entre meios de comunicação e espaço urbano pode-se compreender o papel que tais meios exercem na consolidação de conceitos, na construção de uma narrativa imagética e textual da identidade de determinada cidade, que não prescinde de um conhecimento in loco prévio. A imagem de Nova York propagada pela mídia segue claramente distinta daquela de Paris ou da do Rio de Janeiro, sendo possível interpretá-las sem mesmo nunca ter de fato estado lá. Na mistura entre imagens, informações e ideias construindo uma narrativa representada pela mídia como um todo, esta vai estabelecendo identidades locais que, muitas vezes, podem nem ser tão complexas ou de fato tão desejadas, mas que, definitivamente, tornam locais publicamente distintos uns dos outros, mesmo que com condições financeiras ou até climáticas parecidas. Tal relação entre cidades e representações das mesmas é algo que sempre existiu, e neste contexto de exacerbação das informações e de superexposição no qual se vive hoje isto se dá de forma ainda mais clara. Filmes se pautam inteiramente (e mesmo que subjetivamente) no contexto urbano em que se inserem, álbuns de música são compostos por canções que tratam de acontecimentos nas ruas das grandes cidades, reportagens surgem a cada segundo retratando fatos ocorridos por todo lugar – é inevitável acreditar que se conhece um local, mesmo nunca tendo ido a ele ou tendo a certeza de que nunca se iria, em um futuro.
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Figura 5. Cena inicial do filme La La Land (2017), Engarrafamento em Los Angeles. Fonte: cnn.com
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A NARRATIVA DA CIDADE CONTEMPORÂNEA:
CONSTRUÇÃO E REFLEXO DE MEMÓRIAS “Cidades não são simplesmente espaços materiais ou espaços de vivência – são também espaços de imaginação e espaços de representação. A forma como cidades são pensadas têm seus efeitos. Urbanistas e planejadores urbanos têm ideias a respeito da forma como cidades devem vistas, de como devem funcionar, e como devem ser vivenciadas, tais ideias são transmitidas na forma de projetos e espaços construídos. Cidades são representadas na literatura, em obras de arte, em filmes e textos, e estes também têm efeitos. O imaginário compartilhado a respeito de cidades é ele mesmo parte construído por representações midiáticas juntamente à experiências práticas. Ideias sobre cidades não são simplesmente formadas num nível consciente, também são um produto de desejos inconscientes e imaginários. (...) Memória confere forma à cidade ao mesmo tempo que é construída por ela. (...) Os prédios e espaços da cidade são transformados, e se formam eles mesmos, em memória, enquanto esta mesma memória se transforma em espaço.” (BRIDGE e WATSON, 2003, p.7, 9 e 13).
Memória, texto e representação – elementos constituintes da formação de imaginários e narrativas em torno do assunto tratado que, enquanto é escrito, carrega consigo percepções, apropriações de contextos e opiniões que insinuam, novamente, novas memórias. A narrativa cheia de memórias é, em si, memória. Não só o texto, mas toda e qualquer forma de representação surge da percepção de seu autor a respeito de determinado contexto, surge do conjunto de valores que confere à determinada situação e possibilita não só a leitura do seu entendimento por parte daqueles que o leem como também novas apreensões por parte destes muitos leitores. Por mais detalhada que seja a descrição a respeito de determinado assunto ou mais bem contada seja a história, leituras distintas surgirão destas muitas percepções, percepções estas que muitas vezes nem mesmo o próprio autor chegou a experimentar. No caso de cidades, enquanto espaço físico, suas leituras se dão de forma distinta de pessoa para pessoa. Turistas e moradores compreendem o espaço urbano de formas completamente diferenciadas, assim como uma população mais velha, que viu a cidade se modificando ao longo dos anos,
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possui uma forma de entender a cidade de modo completamente diferente de um a dolescente que agora tem mais liberdade para vivenciá-la – em constante transformação, assim como ele. É claro que ideias gerais são propagadas a respeito de cada uma delas, e muitos passam a ser os pontos em comum no imaginário coletivo construído por todos aqueles que usufruem do espaço urbano, mas é inegável que muitas são as variáveis que influenciam nestes múltiplos entendimentos do que é a cidade para cada pessoa. Quando se trata então de leituras das muitas interpretações e representações de cidade, isto se dá de forma ainda mais subjetiva. Não se trata apenas de uma leitura da cidade e sim uma leitura de outra leitura, uma apreensão da representação daquele determinado espaço conferida por outro autor. Por meio desta mistura de conteúdos e narrativas construídas, todos aqueles que têm acesso aos mesmos não só os interpretam como assimilam e constroem imaginários e identidades distintas para o lugar representado. A narrativa da cidade, nunca fixa e comum entre muitos autores, não só gera novas percepções de pessoa para pessoa como também possibilita a assimilação de novas memórias por cada um deles, criando ideais e valores distintos para esta cidade como consequência das experiências e conteúdos às quais o próprio leitor tem acesso. Quando se trata da questão da narrativa em torno de cidades, o tema tange discussões que vão além daquelas realizadas no âmbito da arquitetura e do urbanismo, seguem para a sociologia, filosofia, psicologia, história, geografia e toda e qualquer forma de estudo que associe o espaço vivenciado às apreensões pessoais humanas e históricas do mesmo. Incitam-se discussões de muitos anos associadas às diversas representações de cidade já realizadas séculos atrás. “Não há apenas uma narrativa em torno de uma cidade, mas muitas narrativas construindo cidades de diferentes formas chamando a atenção para alguns de seus aspectos e deixando outros de lado. (BRIDGE e WATSON, 2003, p.14).
A construção de narrativas em torno de cidades se deu sempre de forma distinta ao longo dos anos, sejam elas como elementos estruturadores dos valores e aspectos culturais vivenciados pela população, sejam elas as protagonistas de suas histórias ou as diversas formas de especulação em torno de temáticas diversas: ecologia, visões futuras, releituras do passado, construção do presente. Sejam elas os elementos narrados em si ou persona-
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Figura 6. Capa Seattle Met, Fevereiro 2017. Fonte: seattlemet.com
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gens coadjuvantes que sustentam e criam contextos para que outras tantas histórias venham a acontecer – boas histórias possuem localidades nas quais acontecem e assim como seus personagens têm de ser bem construídos da mesma forma também devem ser formulados os meios em que são retratados os acontecimentos vividos por eles. Quanto à cidade enquanto protagonista desta narrativa, contemporaneamente, tem-se visto nas diversas formas de representação o surgimento e a criação de imaginários de cidades como espaços cosmopolitas e multiculturais assim como espaços que estimulam o psicológico, a memória e novas imagens daquilo que significa viver em sociedade. Vê-se, mais do que nunca, não só uma construção narrativa imagética em torno de paradigmas econômicos e materiais, mas também de cunho imaginativo e hiper-realista. Noções de diferença, fragmentação, complexidade, virtualidade, hiper-realidade e simulacro estão todos agora associados nestas histórias contemporâneas. (BRIDGE e WATSON, p.15). Grandes cidades sempre foram lugares capazes de suscitar questões utópicas, servindo como “terras livres”, compartilhadas, que estimulam evolução, mudança e atualização e por isso muitas vezes veem-se recriadas como lugares receptivos à liberdade individual. “Para pró-urbanistas e amantes da cidade, cidades são imaginadas como os espaços da oportunidade, da interação de estranhos, de espaços emocionantes, de diferenças, cosmopolitas e interconectadas; e como espaços de cultura, engajamento, encantamento, fluidez, e agitação. Estes ‘imaginários pró-urbanos’ em si têm se transformado em políticas para encorajarem e abraçarem a vida em cidade.” (BRIDGE e WATSON, 2003, p.15).
Assim como surgem pensamentos “pró-urbanos” surgem também pensamentos “anti-urbanos”. Cidades contemporâneas como terra de perigos, de memórias ruins, de desigualdade social, de decadência, de retrocesso (principalmente no caso de cidades pequenas), de acúmulo e interpretação de memórias indesejadas. Surgem também questões diversas a serem relatadas e com opiniões distintas de narrativa para narrativa acerca de assuntos contemporâneos: racismo, preconceito, liberdade de expressão, questões feministas, política – tudo tange a escala populacional e consequentemente, os relatos diários do que consiste viver em sociedade em uma grande metrópole ou pequeno vilarejo.
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Neste contexto de construção e relato de memórias, a questão maior sobre a narrativa é entendê-la não como forma de representação pura do espaço urbano mas sim como um conjunto de diversos entendimentos dos elementos que o caracterizam, em um reflexo da necessidade da população de não deixar-se alienar e questionar assim o espaço vivenciado. A imaginação e a construção de boas memórias pode, neste caso, servir como escapismo (numa narrativa “do que seria a cidade”) assim como também pode manifestar-se como questionamento, como crítica e ato de protesto em cima do que não está certo.
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PROCESSO DE EDITORAÇÃO, REVISTAS E NOVAS MÍDIAS “Não é à toa que leitores gostam de andar abraçados às suas revistas – ou andar com elas à mostra – para que todos vejam que eles pertencem a este ou àquele grupo. Por isso, não se pode nunca esquecer: quem define o que é uma revista, antes de tudo, é o seu leitor. (...) Entre revistas, a segmentação por assunto e tipo de público faz parte da própria essência do veículo. É na revista segmentada, geralmente mensal, que de fato se conhece cada leitor, sabe-se exatamente com quem se está falando.” (SCALZO, 2011, p.12, 14 e 15.)
Como Marília Scalzo define em seu livro Jornalismo de Revista: “uma revista é um veículo de comunicação, um produto, um negócio, uma marca, um objeto, um conjunto de serviços, uma mistura de jornalismo e entretenimento”; “uma história de amor com o leitor”, (CAÑO, apud SCALZO: 12). Geralmente percebidas como um meio de comunicação vendido em bancas de jornais e pouco mais visuais ou até conceituais do que os exemplares de jornal, revistas tendem a carregar consigo não só um valor de informação, mas também de visão específica e até glamourizada dos fatos retratados em suas páginas. Tal definição não é errada, mas ao passo que as resume a um meio de comunicação a mais, apenas mais interessante visualmente, perdem-se alguns de seus principais valores e funções. As diversas publicações presentes nas bancas que as comercializam apresentam, cada uma, sua própria estética, suas próprias missões editoriais e seus próprios interesses (mesmo que subjetivos) estampados nas suas diversas páginas que são constituídas por diferenças que podem ser claramente percebidas, até em revistas de mesmo segmento e público-alvo. Tudo aquilo que as define, ou como as mesmas escolhem se definir, acaba se tornando o meio pelo qual atraem seus leitores, com quem mantêm uma relação de cumplicidade, aqueles que as compram e as carregam por todos os lados como demonstração de sua condição de “parte do grupo”, segundo citado por Scalzo, no trecho acima apresentado.
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É sua tarefa, enquanto revista, não apenas apresentar a informação da forma mais coesa e real possível, mas sim aprofundar-se em relação à mesma e de alguma maneira oferecer mais do que os jornais dizem. Diferentemente dos jornais, é papel das revistas apresentarem uma visão mais apurada dos fatos, complexa em si e muitas vezes até mais detalhada, imprimindo seu jeito e formato próprios de modo a manter seu leitor bem informado e capaz de formular opiniões próprias que, muitas vezes, na verdade apenas ecoam aquelas implícitas dos editores. E é neste ponto que ficam claros a tarefa e os interesses de uma revista: editar e publicar aquilo que de fato cabe a ela informar ao seu leitor, imprimir certa vertente a respeito do assunto e aprofundar-se nos fatos, de modo a compreendê-los como um todo. Devido a este objetivo geral de informar além do simples reportar dos fatos, muitas vezes uma mesma reportagem em duas revistas distintas pode apresentar conteúdos semelhantes, porém percepções diferentes da mesma realidade – seja ela pelo simples modo como escreve o artigo em específico ou como opina, mesmo que subjetivamente. “Estudando a história das revistas, o que se nota em primeiro lugar não é a vocação noticiosa do meio, mas, sim, a afirmação de dois caminhos bem evidentes: o da educação e do entretenimento. (...) Revista une e funde entretenimento, educação, serviço e interpretação dos acontecimentos. Possui menos informação no sentido clássico (as “notícias quentes”) e mais informação pessoal (aquela que vai ajudar o leitor em seu cotidiano, em sua vida prática). (SCALZO, 2011, p.13 e 14).
Ainda segundo Marília Scalzo, e com base em suas pesquisas, a primeira publicação que se assemelha ao formato básico de revista surge em 1663 com o nome de Erbauliche Monaths-Unterredungnen (ou Edificantes Discussões Mensais) – uma publicação alemã. Esta possuía formato e estilo semelhantes a um livro que só passou a ser considerada como revista porque apresentava em seu conteúdo diversos artigos tratando a respeito do mesmo assunto – teologia, no caso, já voltada para um único público em específico, além de já sugerir certa periodicidade logo no nome. Seu caráter inovador, claro, trouxe consigo admiradores e, logo, o início de publicações semelhantes ao redor do mundo. Na França, surge em 1665 o Journal des Savants e, em 1668 o Giornali dei Litterati na Itália, e o Mercurius Librarius, ou Faithful Account of all Books
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and Pamphlets, na Inglaterra, em 1680. Todas estas revistas, mesmo que ainda não denominadas assim ou muito semelhantes a formatos convencionais de livros, já deixavam clara a missão e o desejo de tornarem-se um novo tipo de periódico que se destinava a públicos específicos e que, consequentemente, aprofundava-se nos conteúdos publicados, indo além das notícias dos jornais, mas, obviamente, mais superficiais do que os livros de fato. Já em 1672, surge na França Le Mercure Galant, que se tornou popular e também logo foi copiada por outras novas publicações, por apresentar notícias curtas, anedotas e até poesias – receita perfeita para o sucesso de algo do gênero. No entanto, é em 1731, em Londres, que surge a primeira publicação mais semelhante ao formato de revista que se conhece hoje, The Gentleman’s Magazine. Com o nome e certa inspiração nos conhecidos magazines – lojas de departamento europeias – trazia variados assuntos ao longo de suas páginas, apresentados com escrita leve e agradável, correspondendo aos interesses do público ao qual se destinava. Por isso, hoje e desde então, revistas são chamadas de magazine em inglês e francês. Com base nela e no seu sucesso, lançam então a Ladies Magazine, em 1749, seguindo o mesmo formato, porém destinada ao público feminino. Em 1741, surgem nos Estados Unidos, a American Magazine e a General Magazine, impulsionando o meio editorial local e estimulando a criação de outras centenas de novas revistas espalhadas pelo país até o final do século XVIII. Foram ganhando atenção e atingindo seu sucesso no cenário norte-americano à medida que o analfabetismo diminuía e que o país, muito mais novo que os europeus anteriormente citados, se desenvolvia – aumenta o interesse pela abordagem de novos assuntos e a necessidade de divulga-los. Títulos inéditos surgem, alguns como versões americanas das publicações europeias já consolidadas, desenvolvendo ali um dos maiores mercados editoriais do mundo. Já no século XIX, o formato de revista ganha ainda mais sucesso e chega cada vez mais a novos lugares, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. Com o aumento da escolarização e diminuição das taxas de analfabetismo, a população desejava se informar, queria aprender e compreender o que acontecia ao redor do mundo e, claro, no lugar onde moravam, além de obviamente irem em busca não só de informações a respeito de acontecimentos, mas também de produtos, cultura, dados relacionados a estilo de vida e entretenimento em geral. Muito deste sucesso, ainda no século XIX, se deu pelo desinteresse da população por livros, considerados
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como instrumentos elitistas de informação ainda pouco acessíveis a todo e qualquer público, público este atendido por estas novas publicações que passava a instruir a população de modo mais acessível e sem necessariamente aprofundar-se demais. A ideia de unir informação e elementos gráficos com imagens interessantes, transformaram em sucesso as revistas, já que não só traziam várias informações em conjunto num só exemplar, como também se tornavam ainda mais interessantes àqueles que iriam consumi-las, com belas imagens ilustrando as páginas melhor diagramadas e complementando a informação repassada. Tudo isto consistia numa forma de fazer circular variadas informações compiladas a respeito dos novos tempos e dos novos possíveis caminhos para populações em desenvolvimento e com acesso ao saber. “A revista ocupou, assim, um espaço entre livro (objeto sacralizado) e o jornal (que só trazia o noticiário ligeiro).” (SCALZO, 2011, p.20)
Com os avanços técnicos e tecnológicos da indústria gráfica, não só houve uma melhora na qualidade impressa daquilo que era produzido, como também uma atração de anunciantes interessados pelo meio, justamente pelo aumento da tiragem impressa das publicações que, agora, eram produzidas e distribuídas rapidamente – viam nelas uma ferramenta de propagarem seus produtos e serviços e atraírem novos clientes, leitores fieis destas revistas. Então, com o aumento dos anúncios financiando a produção dos conteúdos e exemplares, foi possível baixar o preço destes que seguiam para as bancas, já que os custos de produção passavam a ser mais baixos. Como consequência, mais e mais pessoas passaram a ter acesso aos exemplares que, portanto, eram mais consumidos. Consolida-se, assim, o que é o meio editorial de hoje, com investimentos de anunciantes e patrocinadores, redução dos custos de tiragem e produção e venda dos exemplares como parte da indústria de comunicação em massa. Assim como citado anteriormente, e também segundo Scalzo, as revistas seguem complementando a informação que chega a todos através dos demais meios de comunicação e acabam assumindo um papel crucial na educação, relacionada intimamente à cultura e à ciência. Mudanças, claro, aconteceram ao longo dos anos, indo desde os exemplares arcaicos de informação até as publicações exclusivamente on-
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line, como as que se têm desde o fim do século XX. As revistas nasceram monotemáticas e, posteriormente, vieram a se tornar multitemáticas, tendo estes mesmos dois modelos copiados no mundo todo. Surgem então novas segmentos, revistas voltadas exclusivamente para públicos femininos ou masculinos, abordando temas ligados à literatura e à ciência, à técnica e à academia (pouco populares) e, claro, revistas semanais de notícias que, segundo Scalzo, são uma das principais influências no sucesso e consolidação do formato editorial. Seguiram-se criando novos segmentos e assuntos a serem abordados, atingindo públicos e estabelecendo conceitos distintos muito ligados a questões culturais e às demandas do público leitor. No entanto, é inegável o impacto dos meios eletrônicos na já consolidada vida destas revistas. Primeiramente, acreditava-se que a internet estabeleceria o fim de todos os meios impressos, mas depois se percebeu que meios impressos e online seguiriam complementares entre si, estimulando o consumo e interesse levado de um meio para o outro. É tudo ainda muito complexo, afinal a internet vem criando novos contextos de consumo e ação de modo acelerado, mas a tiragem impressa das diversas revistas ainda é crescente; a questão é que pouco se sabe a respeito do futuro, do possível fim do papel ou da consolidação da necessidade dele. Enquanto isso, as mais importantes revistas do mundo vêm se desenvolvendo para suprir os anseios e desejos de seus leitores, que agora transitam pelas muitas plataformas de comunicação e informação, seguem as manchetes lançadas no Twitter e Facebook, checam um “behide the scenes” das sessões de foto, através do Instagram, e até visitam as redações e os escritórios oficiais das mesmas, por meio de vídeos publicados no YouTube. A ideia das revistas é divulgar-se enquanto uma marca coesa que transita pelos muitos meios e, ainda sim, expressa sua missão através dos muitos formatos, seja por um vídeo complexo ou um simples snap de 10 segundos. Neste contexto, surge também a questão da facilidade da produção de conteúdos e do direito que todos no mundo passam a ter de publicar aquilo que bem quiserem, de expressar opiniões e gerar novas discussões a respeito dos mais diversos assuntos. Com este novo contexto, cabe então a estas publicações elevarem a qualidade daquilo que produzem, justamente para se diferenciarem do conteúdo que circula em geral e mostrar a credibilidade daquilo que produzem. Não se trata de qualquer informação, mas uma informação devidamente escrita e publicada, editorada e, de fato, real – afinal é muito fácil pautar-se em falsas informações em meio a tantas circulando com tamanha velocidade por todo o mundo. Mas como se dá este
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processo de editoração e publicação em uma revista? Muitos são os profissionais envolvidos no processo de desenvolvimento dos exemplares que chegam às bancas e das notícias e demais materiais produzidos pelas publicações que se apresentam nas páginas da internet. Pressupõe-se que as revistas surjam do trabalho conjunto entre jornalistas que produzem o conteúdo, juntamente àqueles que administram os diversos aspectos da empresa, mas muitos são os papéis exercidos e profissionais que ainda se envolvem com o meio editorial, até que o conteúdo produzido seja de fato publicado. “EXPEDIENTE – QUEM É QUEM NA REVISTA Costuma começar com os nomes do editor (ou Publisher) e da diretoria da empresa, seguidos dos nomes do diretor de redação e dos principais editores; depois vêm os dos editores assistentes e colaboradores; pessoal da área comercial e da distribuição. Geralmente – até por uma questão política – os nomes da equipe e dos principais colaboradores são listados em ordem descendente de autoridade. Para a equipe, a inclusão de seus nomes no expediente assim como a sua ordem de colocação têm um valor significativo. A posição no expediente funciona como reconhecimento do trabalho e, para alguns, pode ser mais importante do que um aumento de salário.” (ALI, 2009, p.204).
Assim como explicitado em trecho referente à lista de colaboradores presente no início de qualquer revista, apresentado no livro A Arte de Editar Revistas, de Fátima Ali, percebe-se a grande quantidade de diretores, jornalistas, designers, coordenadores, artistas, fotógrafos e demais componentes da equipe editorial envolvida em cada exemplar. Cabe a eles controlar tanto as reportagens como também os interesses da publicação em manter sua missão editorial bem consolidada, ainda capaz de atrair e satisfazer seus leitores como também conferir a veracidade de fatos e o material produzido muitas vezes por colaboradores que não vivenciam diariamente a redação. É papel destas revistas, portanto, formular e sustentar suas respectivas missões editoriais – elementos articuladores de sua identidade e intenção enquanto publicação; essenciais para o entendimento do seu diferencial em relação às demais revistas de mesmo segmento. “A missão é chamada, entre outras coisas, de objetivo ou filosofia editorial. Há quem não chame de nada. Com qualquer nome ou nome nenhum, uma coisa é certa: se você não sabe dizer o que é a sua revista numa frase concisa ou
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num parágrafo curto, você não sabe o que é a sua revista. A missão é o fio condutor, o que mantém o editorial nos trilhos, um guia ao longo da existência da publicação. É como uma bússola que os navegadores consultam em busca de direção. Sem ela, o barco pode parar em terras estranhas ou bater nas pedras. Se os navegadores da redação não se guiarem pela missão, a revista pode se desviar do foco e se perder. Tudo pode mudar: o diretor de redação, a equipe, a tecnologia, o projeto gráfico, mas a missão tem de permanecer constante.” (ALI, 2009, p.47).
Sejam elas antigas, recém-criadas, femininas, masculinas, de notícias, ou qualquer outro segmento e formato adotados, é interessante entender como se sustentaram e chegaram até os dias de hoje a fim de compreender justamente o seu papel no meio social, tanto histórico como contemporâneo. Muitas destas publicações podem começar despretensiosas, interessadas em apenas transmitir conteúdos e repassar opiniões, mas se todo texto escrito carrega consigo uma história e marca uma determinada época, este claramente tem importância. Talvez não tenha agora, talvez possa ser irrelevante, pode até não apresentar informações de fato necessárias, mas certamente indicarão em alguns anos aquilo que representava viver na época em que foram criados ou ainda mais, o que representava ser um leitor ou colaborador na criação desta publicação.
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PARTE II
Aproximando-se do Objeto de Estudo: City Magazines 43
HISTÓRICO “Urban lifestyle magazines são um ótimo exemplo de mídia desenvolvedora de marcas em torno de cidades. (...) assim chamadas, são revistas comerciais que misturam a identidade e os hábitos de consumo de seus leitores com o estilo de vida de uma determinada região metropolitana, sendo desenvolvidas à partir de mudanças institucionais no meio editorial depois da Segunda Guerra Mundial”. (GREENBERG, 2000, p.231).
Como tratado nos capítulos anteriores, as city magazines atingiram sucesso nos Estados Unidos principalmente a partir dos anos 1960, quando ganharam maior atenção do público e também das diversas editoras que passaram a publicá-las por todo o país. Mas, a ideia de uma publicação que tratava a respeito de assuntos locais surgiu de fato bem antes. Com base em dados retirados do artigo “Characteristics of Online Editors at City and Regional Magazines”, de Joy Jenkins, a história do segmento se inicia ainda no século XIX com a publicação nova-iorquina Town Topics, fundada pelo Coronel William Mann a fim de atender a um público de classe alta da cidade abordando temáticas locais, incluindo notícias a respeito de Nova York e até mesmo sessões de fofoca. Seguindo o mesmo caminho e percebendo a demanda gerada pelo gênero ainda em desenvolvimento, em 1925, Harold Ross propõe uma nova revista que buscava refletir também a vida local da cidade de Nova York, a hoje tão conhecida The New Yorker – não mais considerada uma city magazine – comprovando o sucesso e interesse da população pelo segmento e influenciando os posteriores modelos modernos de city magazines que viriam a surgir a partir dos anos 1960. Considerada como a precursora do fenômeno das revistas regionais modernas norte-americanas surge, nos anos 1940, a San Diego Magazine, na cidade de San Diego, no sul da Califórnia. Desenvolvida por Edwin Self e um(a) parceiro(a) – não citado na bibliografia encontrada – tinha como objetivo principal possibilitar a consolidação e a oportunidade de novas for-
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mas de comunicação na cidade que fossem além do monopólio dos jornais locais, justificativa também adotada por outras revistas americanas do segmento surgidas nos anos que se seguiram. Também como citado anteriormente, as city magazines, fundadas com formatos e missões editoriais semelhantes à San Diego, surgiram principalmente após a Segunda Guerra Mundial, devido às mudanças sociais e econômicas advindas do drástico aumento populacional ocorrido naquele período. Após a guerra, a população cresceu rapidamente e, consequentemente, muitos passaram a migrar para novos espaços urbanos, cidades que se expandiam rapidamente e, também, para áreas metropolitanas que passavam a crescer. Seguindo este aumento populacional, tais cidades buscavam novos investimentos, mão-de-obra e atrativos em geral para sustentarem seu desenvolvimento e, ainda, as demandas locais, competindo entre si, já que cresciam por todo o país. Precisavam de soluções e meios capazes de prover as áreas de trabalho e investimento locais, além das opções de entretenimento e habitação. Devido ao seu diferencial em relação aos jornais, meramente informativos e com um caráter mais completo de transmissão de informações, e a uma maior proximidade com seu público leitor, o meio editorial destacou-se como uma ótima alternativa. Câmaras de comércio passaram, então, a instituir várias destas novas publicações que iam desde guias locais de vivência do espaço urbano até revistas que atendiam exclusivamente aos interesses dos novos grupos que migravam e se estabeleciam nos subúrbios dessas cidades. No entanto, ao longo dos anos e muito graças ao sucesso do segmento, várias destas revistas passaram a ser parte de editoras privadas que, consequentemente, investiam na qualidade destas publicações, tornando-as ainda mais semelhantes a revistas como a San Diego. Partiam para uma maior complexidade de conteúdos que abrangiam aspectos positivos e negativos locais a fim de manterem-se ainda mais fiéis a seu público leitor, cobrindo não só dados econômicos e sociais, mas também abordando criticamente os assuntos. Neste período, novas city magazines surgiram e se tornaram líderes do segmento, entre elas estavam: Los Angeles Magazine, The Washintonian, Atlanta Magazine e a New York Magazine. A New York Magazine surge, na verdade, de uma reformulação de parte do jornal New York Harold-Tribune que era publicado exclusivamente aos domingos com foco no jornalismo de serviços (cobrindo listas de lugares a serem visitados e restaurantes) além do jornalismo investigativo e repor-
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Figura 7. Capa New York Magazine, Junho 1970. Fonte: nymag.com
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tagens que tratavam de estilo de vida e eventos locais – acaba por tornar-se, assim, uma das publicações mais influentes nas escolhas editoriais do gênero, afetando diversas outras publicações até os dias atuais. Seguindo os passos destas revistas precursoras, novas passaram, então, a ser criadas por todo Estados Unidos, sendo catalogadas no livro Regional Interest Magazines of the United States, de Sam G. Riley e Gary W. Selnow. A Philadelphia Magazine, por exemplo, surge como uma pequena publicação trimestral publicada pelo Board of Trade, ainda em 1908, sendo posteriormente assumida pela Câmara de Comércio da Philadelphia e renomeada de Philadelphia Chamber of Commerce Journal. No início, a publicação tendia a apresentar conteúdos predominantemente otimistas a respeito dos negócios locais, mas a partir de 1967, após uma mudança entre editores, esta passou a relatar assuntos mais críticos a respeito do que acontecia na cidade, principalmente com temas ligados à corrupção de diversas formas, incluindo jornais locais. A revista ganhou atenção nacional pela decisão de publicar tais assuntos. Já a Cleveland Magazine surge nos anos 1970 com formato e interesses semelhantes aos da The New Yorker, tocando mais em assuntos ligados ao estilo de vida local, porém, passou a carregar consigo novos formatos de jornalismo investigativo que seguiam como mais uma alternativa em relação aos outros dois jornais da cidade quando um novo editor, Michael Roberts assumiu a revista. Com a mudança e aumento da atenção do público em geral para a publicação, muito devido à mistura por ela proporcionada entre reportagens leves e informativas com aquelas de temas mais polêmicos, acabou por garantir ainda uma maior reputação, não só por parte do público, mas também pelos anunciantes que vinham a sustentá-la.agens que tratavam de estilo de vida e eventos locais – acaba por tornar-se, assim, uma das publicações mais influentes nas escolhas editoriais do gênero, afetando diversas outras publicações até os dias atuais. A D Magazine surge nas bancas, em Dallas, em meio a agonia pela falta de bons meios de comunicação que, de fato, falassem a respeito da cidade. Nasce como criação de Wick Allison, um jovem editor de vinte e cinco anos que desejava desenvolver uma nova revista local que “fizesse o que nenhuma outra publicação local tivesse antes feito: publicar a verdade”. Foi, de fato, nos anos 1970, quando D e Cleveland foram produzidas que, na verdade, boa parte das demais city magazines também atingiram seu sucesso. Neste momento, pelo menos quinze grandes cidades norte-americanas pos-
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suíam cada uma, uma city magazine. Segundo citado por Joy Jenkins, Robert Nylen afirma, em seu artigo “The Glittering World of City Magazines”, que o mercado nesta época estava aberto e propício ao desenvolvimento de publicações que combinavam “a atração visual de revistas nacionais com o poder de fala e impacto de jornais locais”. Nos anos 1980, muito devido a este caráter de qualidade valorizada predominante em boa parte destas revistas, algumas delas começaram a ganhar prêmios em escala nacional e também viam seus nichos de mercado cada vez mais promissores e estabelecidos, à medida que a base de patrocinadores a anunciantes vinha se consolidando cada vez mais. Nos anos 1990, este cenário sofreu algumas mudanças, e a partir de 2000, com o avanço da internet, algumas transformações também se tornaram necessárias. Nem sempre todas estas revistas tiveram tanto sucesso e também nem sempre tudo seguiu de forma tão tranquila para a manutenção deste sucesso. Ainda nos anos 1990, também de acordo com Jenkins e com o artigo do Daily Deal (publicação nova-iorquina citada por ela), as city magazines passaram a sofrer com o aumento de tarifas postais que, consequentemente, geraram um acréscimo no valor das assinaturas e nos preços que deveriam ser cobrados dos anunciantes, que passaram a investir menos nas propagandas, justamente pelos montantes exigidos. Somada à questão dos gastos, algumas publicações passaram a sofrer com a nova concorrência em relação ao material produzido por outros jornais locais que passavam a publicar pequenos guias de localidades e novo jornalismo de serviços apresentado antes exclusivamente pelas revistas do segmento. Juntamente a esta concorrência, as city magazines passaram a sofrer críticas por apresentarem grande quantidade de matérias leves ligadas a consumo e lifestyle e pouco jornalismo investigativo e informativo das questões locais, mesmo que algumas delas tenham consolidado seu sucesso justamente por apresentarem informações um pouco mais aprofundadas a respeito dos acontecimentos ocorridos em suas cidades de origem. Mesmo que questionados os seus valores, enquanto publicações de caráter investigativo em muitos dos casos, algumas delas vêm adquirido atenção por tocarem em tópicos referentes a informações que mesmo, os grandes jornais e revistas não conseguem cobrir, principalmente por se focarem em aspectos referentes aos assuntos retratados nacionalmente, porém atendo-se melhor à influência dos mesmos nas cidades onde se situam. Du-
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Figura 8. Capa Philadelphia Magazine, Agosto 2012. Fonte: phillymag.com
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rante a crise de 2008, por exemplo, algumas destas publicações passaram a receber grande atenção de seus leitores que buscavam entender como a crise e os problemas provenientes dela afetariam seu dia-a-dia, indo além do que os jornais e publicações nacionais eram capazes de abordar. Com os avanços da internet, boa parte das city magazines vem se adequando à produção de conteúdos, promovendo-se não mais como revistas impressas apenas, mas como marcas como um todo, produzindo websites consistentes com diversas seções para cada área abordada, estando presentes nas diversas mídias sociais e construindo uma grande teia de conteúdos interligados que as tornam publicações coesas e de sucesso. A sazonalidade dos conteúdos reflete as temáticas e questões vividas pelas cidades e o meio online tende a proporcionar um maior reflexo dessas mudanças ocorridas ao longo do tempo além de se tornar mais acessível a um maior número de leitores que seguem em busca do conteúdo diretamente na página de cada website. Objetividade e acessibilidade a troco de um maior número de leitores/consumidores. As pesquisas ainda são limitadas, quando se trata do estudo e análise das city magazines, seguindo principalmente até os anos 1990 apenas, mas com certeza tais publicações apresentam futuro promissor e com diversas adaptações a serem sofridas ao longo dos anos. Podem não só oferecer a mensagem do que acontece nas cidades, mas também possibilitar um maior engajamento do leitor com o espaço urbano, tornando-o não só usuário da cidade, mas também entendedor e formador da vivencia local – por isso acabam sendo elementos muito interessantes no estudo de questões sociais, políticas e urbanas, sendo fonte clara de pesquisa do uso e interesse pelo espaço urbano por parte daqueles que escrevem, editoram e leem a respeito de suas cidades, em geral leigos sobre o assunto.
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Figura 9. Capa 5280 Magazine, Julho 2015. Fonte: 5280.com
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CITY MAGAZINES E PUBLICIDADE “Em uma editora de revistas que se preocupa com a credibilidade de seus títulos, muitas vezes a relação entre a redação e a área comercial (encarregada de vender anúncios) é conflituosa ou, no mínimo, delicada. Há momentos, na prática, em que esses dois setores da empresa parecem ter interesses completamente distintos e contraditórios. (...) A credibilidade de uma revista, afinal, é seu maior patrimônio. É ela quem gera bons negócios e traz dinheiro para a revista. Cultivá-la é, portanto, uma opção estratégica. Mas a credibilidade cobra seu preço. Além de custar dinheiro – é preciso ter cacife para, eventualmente, fazer pé firme e recusar certos anúncios –, custa eterna vigilância. É um bem imponderável, que leva tempo para ser construído, mas que pode desmoronar com assustadora rapidez.” (SCALZO, 2011, p.84)
“Credibilidade” – como definir? Em boa parte dos casos aos quais a palavra se aplica esta vem atrelada à ideia de confiabilidade, de insuspeição em relação à conduta daqueles que a provem, ou muitas vezes relacionada àquilo no qual se pode investir tempo, dinheiro ou até apenas atenção. No caso do meio editorial isso não é diferente. A lógica é relativamente simples. Revistas surgem com missões editoriais e vontades distintas entre si de reportarem e opinarem a respeito dos mais diversos assuntos, montam suas equipes e definem periodicamente os temas a serem abordados e aqueles que não cabem a elas tratar a respeito. Para que continuem existindo e se mantenham (desde o pagamento dos muitos colaboradores até a impressão e distribuição do material) é necessário que sejam compradas e vendidas pelo público, no entanto, se estas fossem mantidas somente pela compra e venda dos exemplares, estes teriam que custar muito mais caro do que de fato são e não seriam vendidos, devido justamente aos altos custos – é aí que entram os anunciantes! A lógica descrita é válida para as revistas comercias que chegam às bancas. Algumas publicações independentes (zines) não dependem desta relação com a publicidade, necessariamente, para continuarem sustendo sua baixa venda, tiragem e distribuição, mas no caso de revistas mais densas, de caráter nacional ou com alta distribuição, como as city magazines, esta relação torna-se inevitável. Para que investimentos por parte de anunciantes aconteçam nas páginas destas revistas, assim como também citado por
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Scalzo, é necessário não só que os anunciantes se interessem pelo material produzido e caráter das revistas em si, mas também que esta se mantenha fiel tanto ao seu público como também aos demais anunciantes já contratantes de páginas nos exemplares. A credibilidade surge à medida que mais leitores consomem o material produzido pelas publicações conjuntamente com a manutenção balanceada de novos anúncios que ofereçam produtos e serviços condizentes com o público-alvo e as intenções primordiais da publicação. Muitas vezes, em casos de publicações menores, com tiragens mais baixas ou até de distribuição gratuita, algumas se perdem em meio à grande quantidade de propagandas que lhes é necessária para a sobrevivência, sucumbindo as reportagens e conteúdos da revista em si em meio a perfumes, sofás, pacotes de viagem, etc. No caso das city magazines isso não é diferente. Por tratarem-se de revistas voltadas para um público adulto, em geral, com reportagens referentes a acontecimentos da cidade e também a serviços, usos e produtos oferecidos dentro de seus limites, estas não funcionariam e não conseguiriam manter a qualidade de suas reportagens se não fossem também sustentadas, em parte, por anúncios em geral referentes a estes serviços relatados. No caso delas, estes anúncios acabaram por tornarem-se um tanto quanto convenientes porque não só atraem anunciantes dos serviços relatados pela revista como também atraem anunciantes locais, interessados em deixar clara a sua atuação na cidade em si (algo que seria incoerente muitas vezes, ou até de influência desproporcional às suas capacidades, caso anunciassem em revistas de caráter nacional). De modo geral, boa parte das city magazines apresentam grande quantidade de anúncios ao longo de suas páginas para que seus exemplares continuem obtendo alta tiragem e vendagem em bancas, o que também é facilitado pelo fato de sua distribuição ser majoritariamente local e não a nível nacional (com exceção de algumas de reconhecimento nacional, como a New York Magazine, por exemplo). Com anúncios normalmente voltados para seu público leitor, em geral classe média de trinta a sessenta anos de idade, estes tratam de um conjunto de locais comerciais da cidade (restaurantes, lojas, bancos, museus e exibições, atividades culturais, etc.) juntamente a produtos que também se relacionam a este público-alvo (móveis, roupas, viagens, cosméticos, etc.)
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É interessante contrastar também o caráter desenvolvido e modificado por estas revistas ao longo dos anos quando pautado em suas funções comerciais. Assim como tratado anteriormente, as city magazines surgiram como elementos difusores e propagadores, extremamente comerciais, das cidades como um todo. Surgiram chefiadas pelas câmaras de comércio locais não só como meios de vender atividades e prestações de serviço mas também como formas de “vender as cidades” como um todo. Vendiam-se as novas identidades, os novos valores locais, o novo lifestyle comercial atrelado ao difundido american way of life. Com o passar do tempo, foram assumindo um papel informativo e educativo da população juntamente aos jornais, menos comerciais, e assim sendo posteriormente criticadas pela falta de conteúdo e excesso de glamour ou falta de reportagens declaradamente críticas, sem informações importantes. Foram de meros articuladores comerciais a revistas informativas, que ainda precisam sobreviver às suas próprias demandas, mas que não podem perder-se em meio à venda local que elas mesmas se propõem. Não se trata mais de apenas vender a cidade e sim relatar e criticar tudo aquilo que seus leitores/usuários interessam-se em saber. É uma gangorra onde ambas as pontas (relações comercias e de serviços em uma, e as reportagens desenvolvidas na outra) têm de se manter praticamente niveladas o tempo todo. “Uma boa city magazine é orgânica por natureza: viva, capaz de entender e responder ao feedback que recebe e em constante mudança. Na década de 1970 a Vancouver Magazine refletiu o ativismo comunitário da época, um novo estilo de jornalismo investigativo semelhante ao da New York Magazine; já na década de 1980 a revista se transformou numa versão glamourizada, de altos custos e de lifestyle, refletindo a decadência da década e o grande processo de sofisticação da cidade que parecia acompanhar a Expo ’86; já nos anos 1990, a Vancouver Magazine refinou seu foco, para tornar-se uma city magazine mais cosmopolita, uma que refletisse uma mistura cultural mais diversa e a importância da ascensão de novas indústrias locais (high-tech, cinema). (...) A chave para o sucesso de um relançamento seria o retorno de anunciantes, especificamente anunciantes a nível nacional, e o ímpeto de seu retorno seria o aumento no número de leitores. Leitores buscam nas city magazines, incluindo a Vancouver, leituras inteligentes, divertidas e provocativas a respeito da vida na cidade (...). (O’GRADY, 2003, p. 53 e 54).
Assim como tratado por O’Grady no trecho acima, muito desta credibilidade se pauta no interesse dos leitores por uma revista que se atualiza e que se modifica mas que não deixa de ser crítica em relação ao que acon-
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tece nas cidades que carregam no nome. Se pensado superficialmente, talvez para os anunciantes uma publicação menor com alta distribuição e baixo custo, sem opiniões tão fortes e claras, possa ser interessante, convencendo seus leitores do bom serviço ou produto vendido por eles, mas ao mesmo tempo é interessante pensar na não-alienação destes leitores que somente compram a revista quando de fato estas lhes tem algo a oferecer que não apenas anúncios – esperam opinião e informação. Se quisessem apenas dicas de produtos ou serviços, seguiriam direto para catálogos, sites de listagens ou até as velhas listas telefônicas.
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Figura 10. Capa Chicago Magazine, Agosto 2014. Fonte: lukelucas.com
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APRESENTANDO AS PUBLICAÇÕES ANALISADAS Cidades diversas. Vivências diversas. Leituras diversas. Apesar das semelhanças entre temáticas abordadas e formatos editorais, cada city magazine representa não só aquilo que acontece em suas “cidades-mães” como também permanecem em constante reafirmação do que são seus cidadãos e seus respectivos cotidianos. Muitas vezes mais interessante até do que simplesmente relatar o que acontece nas cidades em termos de uso e suas urbanidades é a divulgação daquilo que representa ser um habitante de determinada localidade, o que a cidade o torna e o que este tem a acrescentar à mesma enquanto cidadão. Definitivamente, ser um “new yorker” é mais do que simplesmente ter nascido em Nova York, assim como viver em Los Angeles não significa única e exclusivamente ser parte do glamour de Hollywood. Se suas respectivas city magazines tivessem fracassado neste processo de personificação da cultura local, talvez nem existissem mais hoje em dia ou tivessem tanto sucesso há tantos anos. As publicações selecionadas para a análise neste Ensaio Teórico, assim como mencionado nos capítulos anteriores, foram escolhidas com base tanto em seus históricos como também relevâncias locais além de, principalmente, suas localidades – representando diversas regiões dos Estados Unidos e o que significa habitar uma grande cidade em cada uma delas. Devido à complexidade da análise das publicações, optou-se por um estudo focado apenas em assuntos e reportagens referentes ao uso da cidade e do espaço urbano: notícias referentes a política, transporte, habitação, vivência, etc., ocorridos e reportados localmente ao longo de seis meses (de outubro de 2016 a março de 2017). Para tal catalogação e análise, foram selecionadas as reportagens publicadas online nas seções referentes exclusivamente às noticias e ao uso da cidade, tirando assim melhor proveito da interface oferecida pelos websites, bem como um acesso mais facilitado ao conteúdo – já que esta análise foi feita fora dos Estados Unidos.
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SEATTLE MET BOSTON MAGAZINE CHICAGO MAGAZINE 5280 LOS ANGELES MAGAZINE ATLANTA MAGAZINE
Montagem 1. Cidades e City Magazines (Localização) . Fonte: autor.
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NEW YORK MAGAZINE
Com base em listagem oferecida pela City and Regional Magazine Association, e com base na bibliografia adotada, foram selecionadas para análise: New York Magazine e Boston Magazine, da região nordeste; Chicago Magazine, do mid-west; Los Angeles Magazine, da região oeste; Seattle Met da região noroeste; 5280 Magazine (referente a Denver, no Colorado), da região sudoeste; e Atlanta Magazine, da região sudeste. Variando em graus de abrangência e reconhecimento local juntamente com a importância de suas cidades dentro dos Estados Unidos, foi também interessante contrastar e compreender melhor a dimensão de cada uma destas revistas e os valores conferidos a cada uma delas pela população, justamente por retratarem assuntos e realidades completamente distintos, mesmo que com características e missões editoriais semelhantes. Para cada uma delas foi feita a análise, uma breve apresentação com a citação de suas missões editoriais relatas em seus websites, auxiliando o entendimento daquilo que representam e pretendem representar.
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PARTE III Cidades Narradas
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METODOLOGIA
E CATALOGAÇÃO Para melhor compreensão dos valores propagados e estabelecidos por cada publicação analisada, partiu-se primeiramente para o entendimento do que cada uma relata em suas missões editorais. Catalogadas e postas em conjunto com uma breve contextualização do que são e da forma como representam cada uma de suas cidades, estas possibilitaram uma maior compreensão crítica do material catalogado. Acessando diretamente suas páginas oficiais na internet, seguiu-se em busca destas missões editorais em páginas (geralmente oferecidas pelos sites) “about us”, referentes a definições de si mesmas dadas pelas próprias revistas, e depois para as seções referentes a notícias e uso do espaço urbano: 01. 02. 03. 04. 05. 06. 07.
New York Magazine (seção News and Politics, nymag.com) ; Los Angeles Magazine (seção Citythink, lamag.com); Boston Magazine (seção News, bostonmagazine.com); Atlanta Magazine (seção News and Culture, atlantamag.com); Chicago Magazine (seção Politics and City Life, chicagomag.com); Seattle Met (seção News and City Life, seattlemet.com); 5280 Magazine (seção News + Features, 5280.com). Para cada uma delas foi feito o mesmo processo.
Dentro das seções determinadas, partiu-se para a seleção das manchetes (e imagens referentes às mesmas) nas listagens de matérias e reportagens, gerando um entendimento breve a respeito dos assuntos abordados. Com uma média de 3 a 4 reportagens semanais ao longo dos seis meses, obteve-se entre 70 e 90 reportagens de cada uma das publicações (exceto a
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New York Magazine, que produz um número bem maior semanalmente). Foi possível, assim, analisar o tipo de conteúdo produzido e, consequentemente, obter uma melhor compreensão das publicações e dos interesses locais quando contrastados com a imagem geral propagada por suas cidades. Com base nesta catalogação e compilação de informações, foram analisados as temáticas e assuntos abordados, a fim de entender também o quanto vêm falado a respeito do espaço urbano em si e do seu uso, além de questões referentes à política ou dados administrativos. A partir de cada uma das revistas, e do conjunto de imagens e informações passadas a respeito de cada cidade, foram extraídas palavras-chave que resumem cada uma das publicações e a representação urbana que pode ser extraída de cada uma delas (exemplo: Boston Magazine, “cidade universitária”, ou New York Magazine, “cidade como atitude”) – análise feita com base nas reportagens oferecidas por cada city magazine e também por outros artigos que serviram de base bibliográfica para este Ensaio. Põe-se em questão se estas publicações falam sobre transporte, uso e ocupação da cidade, parques e áreas verdes, esportes e entretenimento locais, ou se simplesmente relatam, de forma subjetiva, o que significa habitar cada cidade.
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palavras-chave: “cidade como atitude”; cidade global; interesse internacional. “NEW YORK MAGAZINE A New York Magazine cobre, analisa, comenta, e define as notícias, a cultura, o entretenimento, o lifestyle, a moda e as personalidades que comandam a cidade de Nova York. Fundada em 1968, chega a cerca de 1,8 milhões de leitores a cada semana e é publicada pela New York Media, LLC. nymag.com nymag.com é o website premiado com cobertura original diária de política, personalidades, entretenimento, moda, e alimentação. Atualizado de hora em hora, é uma fonte dinâmica e engajada que oferece comentários sobre tendências, seções sobre notícias nacionais e locais, leituras sobre moda, sobre o cenário atual dos principais chefes de cozinha, guias de compra, jantar, vida noturna, eventos em Nova York, e muito mais.” (fonte: página ABOUT US, nymag.com).
Desde sua fundação, em 1968, a NYM é tida como uma city magazine definidora de padrões e boas decisões editoriais, influenciando os formatos, interesses e abordagens temáticas de todas as publicações do segmento. Não só realizando o intermédio entre reportagens críticas e “o melhor” jornalismo de serviços, a revista consolidou também seu público leitor através da forma como recriava a ideia de Nova York e o que significava ser um new yorker, desde o início. Não só se diferenciava dos jornais locais – papel fundamental do segmento de city magazine – como também reportava um imaginário nova-yorkino distinto daquele que normalmente se espera de uma publicação voltada para a cidade. O foco foi dado para a atitude da população local, sobre aquilo que significava ser uma habitante genuinamente da metrópole e não sobre ela mesma. Deixou-se de lado a visão da cidade enquanto skyline, cheia de arranha-céus e movimento, para se retratar uma Nova York diversa, composta por uma população forte, capaz de se readaptar a qualquer problema que venha a enfrentar. Uma cidade não como polo econômico e de agitação americana como convencionalmente se divulga, mas uma “cidade de atitude”, reflexo do comportamento cool e excentricamente forte do típico new yorker. Assim como seus criadores perceberam ao fundar a revista, seu pa-
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pel primordial era o de “servir às necessidades da população que sofria para viver e trabalhar em Nova York naquele tempo (devido a dificuldades geradas pelas mudanças econômicas e sociais sofridas nos anos 1960 e 1970), quando surgia o desenvolvimento caótico de uma nova civilização urbana” (GREENBERG, 240). Com seus exemplares chegando às bancas bem pensados e formulados de modo a manter o conteúdo crítico juntamente aos serviços oferecidos pela cidade, a publicação teve seu público leitor ainda mais consolidado nos anos que se seguiam porque não só demonstrava e associava a ideia do que era ser um típico new yorker, como também se pautava no princípio de ser a fonte de informações para aqueles que não conseguiam saber de tudo que acontecia na cidade, e nem mesmo responder às demandas que esta exercia sobre sua população. A pergunta a ser respondida era: “Você tem tudo o que precisa para sobreviver em Nova York?” – divulgada em um flier da década de 1970 (GREENBERG, 242). Toda esta estratégia acabou sendo fundamental para a consolidação e atração de leitores de classe média, aumentando o número da venda de exemplares. “No passado, tudo o que você precisava era a paciência de Jó, a estamina do Super-Homem, e o rendimento financeiro anual de Luís XIV. Hoje você precisa de mais...você precisa de ajuda. É isso que a New York Magazine tem para te oferecer...E quando nós finalmente te ensinarmos a sobreviver, nós te ensinaremos a viver.” (trecho referente ao panfleto de 1970, mencionado anteriormente. – GREENBERG, 2000, p.242).
Partindo para os dias atuais e para a análise realizada em cima do conteúdo produzido pela publicação, é muito claro o seu papel não só de city magazine mas também de grande publicação nacional norte-americana. Nova York já extrapolou as barreiras de uma cidade voltada para si mesma há muitos anos, consequentemente, boa parte dos fatos que ocorrem em suas ruas refletem situações referentes a cidades de todo o país, e a NYM não deixa de responder a esta demanda. Dentre as sete revistas aqui analisadas, em termos de conteúdo, a revista acaba por se tornar aquela que menos se encaixa nos padrões estudados e estabelecidos de uma publicação do segmento (apesar de ser a principal delas – algo que pode ser questionado) justamente por produzir conteúdos muito diversos e de escala nacional, não simplesmente locais, já que a revista também não é apenas consumida dentro dos limites de Nova York. Seus leitores claramente não são apenas típicos nova-yorkinos, são leitores interessados em saber o que acontece na “cidade que nunca dorme”,
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nos Estados Unidos como um todo e nas ruas dessa cidade dos sonhos (e também do caos). Diferentemente das demais publicações aqui analisadas, é possível encontrar exemplares desta revista sendo vendidos em livrarias de todo o mundo, sendo este fato também o maior exemplo do sucesso de branding e construção de imaginários em torno do local, uma cidade que não só sua própria população quer conhecer e se manter atualizada a respeito do que nela acontece, como também vários cidadãos de outros lugares do mundo. O imaginário e a identidade de Nova York se pautam na ideia dessa “selva de concreto onde sonhos se fazem” (trecho da música “Empire State of Mind”, de Jay-Z e Alicia Keys), de polo do caos porém onde o sucesso acontece, do movimento, das dificuldades mas também das grandes aquisições, o que certamente é refletido pela quantidade de conteúdos produzidos pela NYM: essa diversidade e também demanda por velocidade de informação – muito maior do que qualquer outra city magazine. Diferentemente de boa parte das demais publicações analisadas, o website é atualizado diariamente e boa parte das notícias se referem a questões políticas nacionais ou até internacionais, no uso da cidade mais voltado para questões ligadas à especulação imobiliária, além de algumas questões culturais (como início de exposições, novas peças na Broadway, etc.) e outros grandes acontecimentos. O que ainda a mantém enquanto city magazine é a produção de artigos em torno do “melhor da cidade” formulado pelo seu jornalismo de serviços – única razão pela qual ainda não é considerada uma publicação de variedades a nível nacional (como sua conterrânea The New Yorker). Sua população se interessa pelas informações e ainda se sente contemplada por aquilo que a revista sugere, sustentando o conceito de ser um típico nova-yorkino, algo que não significa mais simplesmente morar em Nova York, mas ser um cidadão antenado com todo o mundo. Nova York é um dos primeiros nomes que vêm à cabeça quando se pensa no conceito de “cidade global” e, claramente, a New York Magazine vem tentado refletir isso: construindo o imaginário da cidade ao redor do mundo e suprindo as demandas por informação nacional e internacional da população local “antenada”.
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LOS ANGELES MAGAZINE palavras-chave: “cidade do indivíduo”; transporte; glamour. “LOS ANGELES MAGAZINE A Los Angeles tem retratado a vida da segunda maior cidade dos Estados Unidos desde quando fundada por Geoff Miller na primavera de 1961. Fonte definitiva de informações para Angelenos, a Los Angeles trata a respeito das pessoas, da comida, da cultura, das artes e do entretenimento, da moda, do lifestyle e das notícias que definem o sul da Califórnia, com uma mistura de escrita de qualidade, jornalismo de serviços, reportagens e design. Comandada pelo editor executivo Matthew Segal, a revista já recebeu três National Magazine Awards juntamente à outras numerosas horarias da indústria editorial. Com mais de 800000 leitores mensais e 140000 assinantes, a Los Angeles é a única publicação local com leitura e assinaturas 100% acompanhadas. lamag.com O website oficial da Los Angeles, LAmag.com, é o principal site para pessoas que querem se manter antenadas a respeito do que acontece em Los Angeles pela visão daqueles que conhecem a cidade ao máximo. Atualizado diariamente, o site oferece cobertura original sobre cultura, alimentação, moda, história local, notícias e as pessoas que constituem a cidade.” (seção ABOUT US, fonte: lamag.com).
Talvez pouco conhecida fora dos Estados Unidos, ou até de Los Angeles, a LAM, dentre as maiores revistas do segmento, possivelmente é de maior sucesso quanto às qualidades de uma city magazine quando se trata das matérias produzidas em torno do espaço urbano e do uso da cidade. Um forte e típico exemplo do que significa ser uma city magazine, esta publicação não só retrata os diversos assuntos acontecidos na cidade para seus leitores com se foca naquilo que de fato está atrelado ao seu uso, além de alternativas diárias para seus leitores quanto a novas formas de viver em Los Angeles. Para aqueles que estudam o espaço urbano ou até questões sociológicas da cidade, a Los Angeles Magazine pode ser de grande ajuda, não só exemplificando questões como levantando algumas outras. Fundada no início da década de 1960, esta teve dificuldades no começo tanto financeiras quanto por não ter um público consolidado. Muito decorrente da forma como a cidade foi construída (diferentemente de Nova York, por exemplo), boa parte do público-alvo, classe média, morava
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no subúrbio da cidade e não se identificava ou tinha interesse pela mesma. A solução surgiu ao longo dos anos quando, percebendo esta falta de interesse pelas localidades e “imagens da cidade”, a revista passou a retratar Los Angeles pelo olhar do indivíduo, do angeleno, não com este em meio às atitudes a serem tomadas para sobreviver localmente, mas tratando das pessoas que ali viviam. As capas passaram a retratar modelos, atores e atrizes, habitantes locais de sucesso, estimulando o interesse pela cidade assim como também uma visão de ascensão social por parte do público leitor. Atualmente, e com base na análise do conteúdo catalogado, a publicação tem muito sucesso na representação do uso e das preocupações que afligem quem vive na cidade, associada ao imaginário e à identidade glamourizada de Hollywood. Os conteúdos analisados na seção Citythink, referente a notícias locais, vão desde acontecimentos ligados à espaços históricos da região (cinemas, museus, estúdios) até problemas enfrentados pela cidade, mundialmente conhecidos, como trânsito e as dificuldades de locomoção de uma metrópole norte-americana que adotou majoritariamente e quase exclusivamente o modelo rodoviário. Em meio a esta mistura entre notícias sobre a cidade (englobando Hollywood, Vanice Beach, Beverly Hills, etc.), seu histórico e uso, boa parte do conteúdo se volta para a especulação imobiliária e novas alternativas de transporte. Novas linhas de ônibus, metrô, dicas de uso e horários para as vias, normalmente congestionadas; visões muitas vezes quase utópicas de soluções futuras, debates intelectuais através de textos fortemente cheios de opinião – tudo como conteúdo a respeito do que significa morar e ser de Los Angeles.
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Figura 11. Capa Los Angeles Magazine, Agosto 2016. Fonte: lukelucas.com
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BOSTON MAGAZINE palavras-chave: “cidade universitária”; crítica; seriedade. “SOBRE A BOSTON MAGAZINE Sofisticada, intelectual, e cheia de charme, Boston é um centro de alta educação, medicina, finanças e biotecnologia, com algumas das principais instituições culturais de caráter nacional, melhores restaurantes, locais mais antenados para compras, principais universidades e líderes intelectuais. Então, tem a outra Boston: a cidade com problemas ligados ao poder público, política, alta especulação imobiliária, e produção de música e arte diferenciadas. Por mais de 40 anos, os jornalistas experientes, editores, e designers têm capturado todos os lados da nossa cidade com escrita premiada e bem pensada, além de jornalismo e design inovadores. Nossas reportagens expositivas, narrativas, perfis e reportagens investigativas relatam aos nossos leitores como esta cidade funciona, enquanto nosso inigualável e sofisticado jornalismo de serviço os ajudam a extrair o máximo que a cidade pode lhes oferecer. Nós reportamos quais localidades e vizinhanças têm se mostrado mais desejadas, quais escolas e espaços de trabalho estão “no topo”, quais médicos são os mais bem conceituados, quais os restaurantes, lojas, e serviços são o Best of Boston®. Colocamos tudo isso junto, e não é difícil de entender o porquê de nossa porcentagem de vendas estar entre as maiores dentre todas as revistas de qualquer segmento ou tipo nos Estados Unidos. Ou então, o porquê fomos nomeados uma dentre as três melhores city magazines do país sete vezes pela City and Regional Magazine Association.” (página ABOUT BOSTON MAGAZINE, fonte: bostonmagazine.com).
Também com grande volume de conteúdos e reportagens semanais, a Boston Magazine retrata em suas páginas não só o que significa viver em Boston mas a consequências de decisões políticas e de mudanças sociais na vida de seus habitantes. Mesmo que relativamente pequena em relação a outras tantas cidades norte-americanas, Boston carrega consigo grandes empresas, times dos mais diversos esportes e, principalmente universidades. Talvez pela importância local ou até para justamente se sustentar este caráter de cidade “polo da educação”, o tom e as decisões editoriais tomadas pela publicação são muito mais sérios e classicamente escritos do que o de tantas outras city magazines (Atlanta, por exemplo).
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Boa parte dos assuntos diz respeito àquilo que acontece tanto politicamente quanto socialmente no espaço urbano da cidade, abordando esta também não simplesmente como uma “cidade para todos” e acessível para todos, mas como uma cidade que deve ser criticamente analisada. Na seção de notícias, boa parte da abordagem dos assuntos é dedicada a esportes, a política e aos acontecimentos nas grandes universidades, quase que como se fosse pautada justamente para o público das mesmas, com assuntos variados porém bem escritos, acurados e geradores de opinião. Uma Boston bem construída e capaz de sustentar a imagem séria e coesa que pretende divulgar.
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Figura 12. Capa Boston Magazine, Abril 2017. Fonte: bostonmagazine.com
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ATLANTA MAGAZINE palavras-chave: “cidade manipulada”; variedade; entretenimento. “SOBRE NÓS A Atlanta Magazine é a principal publicação de interesses gerais da cidade, chegando a um público de mais de 70000 assinantes pagos. Desde 1961, a Atlanta Magazine têm servido como autoridade em Atlanta, oferecendo aos seus leitores mensais uma mistura entre escrita não-fictícia, cobertura antenada sobre lifestyle local, jornalismo de serviço detalhado, artigos literários, colunas e perfis. Única publicação de interesses gerais da cidade, a Atlanta é reconhecida regional e nacionalmente pela sua excelência em design e jornalismo, com mais de 300 prêmios regionais e nacionais. A revista foi fundada em 1961 pelo Atlanta Chamber of Commerce, mas desde suas origens foi muito mais do que uma ferramenta de promoção da cidade que carrega no nome. O editor fundador da revista, Jim Townsend, descrito pela Time como “o pai das city magazines” estabeleceu os padrões de qualidade desde o início com design gráfico inovador e de qualidade, artigos criativos e investigativos de alguns novos talentos dos anos 1960. As páginas da revista carregavam o trabalho de Anne Rivers Siddons, Bill Diehl e outros escritores que, posteriormente, vieram a adquirir grande sucesso, sob a direção de arte de Bob Daniels, que depois deixou a revista para se tornar o diretor de arte da Esquire. Com o passar das décadas, o legado de excelência continuou, com a participação de escritores notórios como Tom Junold, Luke Dittrich, Justin Heckert e Paige Williams na equipe e a colaboração de novelistas como Pat Conroy e Terry Kay até notórios autores de não-ficção como Melissa Fay Greene e Steve Oney. O Atlanta Chamber of Commerce vendeu a revista nos anos 1970. Após uma série de mudanças de propriedade durante as quais o conteúdo e design continuaram evoluindo, a Emmis Publishing comprou a revista em 1993. Emmis também era dona da Texas Monthly, Indianapolis Monthly, Cincinnati Magazine, Orange Coast, e Los Angeles Magazine. Em 2017, a Emmis vendeu a Atlanta e suas “publicações-irmãs” em Cincinnati, Orange Coast e Los Angeles para a Hour Media, cujo portifólio de publicações inclui a Hour Detroit, a Sacramento Magazine, Palm Beach Illustrated, e a Naples Illustrated.” (página ABOUT US, fonte: atlantamagazine.com).
A Atlanta Magazine talvez seja o maior exemplo de criação de uma city magazine voltada para a reconstrução e manipulação de imagens locais, e consequentemente, do seu imaginário e identidade. Tendo crescido muito ao longo dos anos, tanto populacional como estruturalmente, a cidade sofria
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com a imagem segregalista, racista e ainda tradicional do sul dos Estados Unidos. Precisava de novas formas de atrair e modernizar o imaginário para uma cidade capaz de se modificar e atrair diferentes investidores e habitantes que a compreendessem como esta cidade nova, em constante mudança e expansão. Na época, a Atlanta Chamber of Commerce contratou uma empresa de publicidade de Nova York para desenvolver uma campanha multimilionária que modificaria esta imagem de Atlanta, chamada “Foward Atlanta”. A AM surgiu como parte desta estratégia de branding. Fundada em 1961, e também sendo uma das primeiras city magazines publicadas nos Estados Unidos, sua tarefa era propagar a imagem de Atlanta como uma cidade forte, cosmopolita e genericamente moderna (GREENBERG, 233). Usando-se de imagens de arranha-céus, elevados, viadutos, fotos sem pessoas porém com grande quantidade de edifícios, a publicação foi recriando esta imagem da cidade e possibilitando a atração de novos habitantes e investidores junto à campanha publicitária criada pela câmara de comércio. Uma cidade “renascida”! Atualmente, e com base no conteúdo analisado, a revista se pauta em questões mais ligadas a variedades, não se aprofunda tanto nem em questões políticas nem de uso do espaço urbano, mas naquilo que acontece nele, muito ligado ao entretenimento propiciado pela cidade do sul norte-americano. Museus e exposições, guias sobre os sets de filmagem (muito recorrentes agora na cidade que também passou a ser polo de produções audiovisuais), textos sobre filmes e celebridades além de comentários semanais a respeito de The Walking Dead, séria filmada em Atlanta, com uma revisão semanal a qual chamam de The Walking Dead Awards, com as melhores cenas e acontecimentos da semana na série de televisão. Esta escolha por não tratarem de assuntos tão sérios e por se configurar agora como uma revista de variedades, exclusivamente, reflete as decisões editoriais e o público que consome a publicação, que certamente encontram este tipo de “reportagens sérias” em outras formas de comunicação. O papel da publicação aqui é servir ao entretenimento de seus leitores dando algumas informações críticas e servindo de guia aos mesmos – podendo esta escolha ser questionada ou simplesmente aceita já que, de alguma forma, ainda se volta para a cidade e uso daquilo que tem a oferecer.
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Figura 12. Capa Atlanta Magazine, Janeiro 2013. Fonte: atlantamagazine.com
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CHICAGO MAGAZINE palavras-chave: “cidade sem clichês”; esporte; variedade. “COMO PROPOR IDEIAS À CHICAGOMAG.COM: Então, você deseja escrever para a Chicagomag.com. Nós adoraríamos ouvir suas ideias! Nossas principais áreas de cobertura online são política/vida na cidade, artes/cultura, e alimentação. Mas, estamos felizes em ouvir quaisquer outras ideias que sigam as diretrizes abaixo. O que estamos procurando: 1. Análises inteligentes e coesas que tragam contexto e variedade para nossas notícias locais. 2. Reportagens de serviços que ofereçam informações essenciais e atemporais ou direção para nossos leitores. 3. Histórias de pessoas únicas ou grupos em Chicago que destacam a experiência vivida no espaço urbano. 4. Textos bem escritos (os quais podem ou não incluir experiências em primeira pessoa) que adicionem novas visões a respeito de problemas correntes. 5. Relatos criativos de histórias que tragam vida aos exemplares, falando a respeito de uma questão que precisa manter-se relevante. O que nunca estamos procurando: 1. Histórias que não digam respeito a Chicago ou que não tenham relevância para chicagoas. 2. “Re-reportagem” de assuntos já publicados com apenas pequena trabalho em cima do conteúdo – “notícias quentes”, como alguns podem dizer, que não se aprofundam na análise. 3. Propostas de publicidade/PR (Relações Públicas) que não sirvam aos nossos leitores.” (página CONTACT US, fonte: chicagomag.com).
A Chicago Magazine, como uma típica city magazine, deixa claro que surgiu e existe para informar, educar e entreter os habitantes, sem extrapolar os limites locais. Chicago é uma das maiores e mais importantes cidades norte-americanas quando se trata em dimensão espacial, transporte e até arquitetura – terra dos arranha-céus e da Escola de Chicago – no entanto, curiosamente, isto não é visto nas páginas da revista e nas seções do website. As reportagens diversas da publicação falam claramente a respeito da cidade enquanto espaço público, no entanto, com foco para decisões
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políticas (da cidade terra do Partido Democrata), uso e questionamentos a respeito do transporte público e uma ou outra notícia sobre questões históricas locais ou de cidadãos ilustres. Chicago que também é mundialmente conhecida como polo econômico e financeiro mundial e uma das principais cidades dos Estados Unidos, não tem esta identidade retratada pelas notícias locais da Chicago Magazine, tal caráter é muito mais refletido no seu jornalismo de serviços e nas seções referentes a guias locais. O que surpreende é a quantidade de notícias e o foco que se dá ao esporte, principalmente baseball, quando se trata dos Cubs – time local. São muitas as reportagens voltadas para os acontecimentos ligados às atividades surgidas em torno do esporte, o que deixa ainda mais claro a vontade da revista em suprir as demandas e interesses da população de Chicago em si, indo contra a noção geral de uma city magazine feita para questionar ou até retratar a cidade. Aqui, a cidade que carrega no nome é o cenário da vida de seus leitores e não a protagonista dos acontecimentos relatados. Uma publicação feita para entreter não com simples relatos cotidianos, mas com assuntos realmente escolhidos em relação ao que seus leitores querem saber, com notícias que refletem a cultura vivenciada localmente e não apenas feita para demonstrar a identidade já conhecida de Chicago. A informação sobre o polo econômico, o rio pintado de verde em St. Patrick’s Day, e os arranha-céus é possível de se encontrar em outros meios de comunicação – o que aparenta interessar é uma Chicago sem clichês e voltada para quem realmente já a conhece, chicagoans.
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Figura 13. Capa Chicago Magazine, Abril 2017. Fonte: chicagomagazine.com
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SEATTLE MET palavras-chave: “cidade do desenvolvimento”; questões modernas; crítica.
“SOBRE NÓS A Seattle Met ilumina uma cidade próspera tanto para novos habitantes como residentes de longa data, relatando o presente e o passado rico de nossa cidade com ambos, seriedade e irreverência, e traçando nossa conexão com a nação e com o mundo. Nós cobrimos assuntos ligados à política, artes, alimentação, moda, viagem, e atividades ligadas à natureza. A Seattle Met é leitura essencial para o entendimento e vivência da cidade.” (página ABOUT US, fonte: seattlemet.com)
Tida como uma das cidades de maior potencial dos Estados Unidos, no que se refere ao desenvolvimento econômico, Seattle tem se revelado como a capital de novos investimentos e ao mesmo tempo inovações em termos de vivencia local. Pouco conservadora e responsável pela tomada de decisões ainda controversas em outras cidades mais tradicionais do país, a cidade vem se modificando constantemente com novas construções e multinacionais antenadas em relação a este processo de modernização local. Terra da famosa Starbucks, por exemplo, tem-se aberto a questões mais liberais como a legalização da maconha e a modernização da estrutura familiar convencional. A Seattle Met reflete este caráter de modernização em geral. Tendo boa parte dos assuntos voltados também para questões políticas e de uso e renovação do espaço urbano, a publicação, menor que algumas das outras estudas aqui, retrata em suas notícias uma cidade pautada nestas mudanças e voltada para um cidadão que quer de fato conhecê-la e vivencia-la. Algumas reportagens focam-se nos espaços públicos pouco conhecidos da cidade, enquanto algumas outras relatam “como ler rótulos de embalagens de maconha legalizada”. Outras reportagens mostram mudanças sofridas em espaços públicos da cidade que se encontra em constante modificação, além de apresentar certo sarcasmo ao reportar fatos políticos ou “picuinhas” acontecidas na cidade – uma fofoca repaginada de reportagem séria, ainda muito interessante aos seus leitores.
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5280 MAGAZINE palavras-chave: “cidade do sul”; Colorado; meio ambiente. “SOBRE A 5280 MAGAZINE Se você é novo em Denver, pode levar um segundo ou dois para descobrir que a 5280 tem seu nome retirado da altitude da cidade. Cinco mil duzentos e oitenta pés (uma milha) acima do mar. Um nome inesperado para uma revista fora do comum. Nós começamos a 5280 em 1993 com um simples mais imprescindível passo, perguntando a 75000 habitantes locais o que queriam ler a respeito em uma revista sobre a Mile High City (Cidade de Uma Milha). Denver, como nos falaram, é um lugar de contrastes. É o jazz animado do El Chapultepec, dry martinis no Cruse Room e high tea no Brown Palace. É a beleza construída pelo homem do prédio do City and County no Natal e o esplendor natural das montanhas rochosas. É a agitação das noites de sexta-feira no Grizzly Rose e as tardes preguiçosas de sábado na Tattered Cover Bookstore. O povo de Denver não é menos eclético. Em resposta ao nosso questionário, eles, entusiasticamente, compartilharam seus interesses em tudo, desde artes até o meio ambiente, e de fitness até artigos históricos sobre Denver e o Oeste. Nós pegamos suas respostas e as transformamos em uma combinação de jornalismo de alta qualidade e design gráfico cativante. O resultado foi uma nova revista que captura a voz única de Denver como nunca antes. Nosso trabalho árduo valeu a pena. Os textos da 5280, como “Os melhores médicos de Denver”, “As melhores barganhas de Denver”, e nosso guia anual de restaurantes rapidamente se tornaram o foco de discussão em festas e eventos por toda a cidade, sem mencionar nossos conteúdos midiáticos a respeito de outras áreas. Atualmente, a 5280 tem mais leitores do que qualquer outra revista no Colorado. Na verdade, em Denver, 5280 é mais vendida do que boa parte das publicações nacionais, com um público leitor que supera revistas famosas como Time, People, Oprah e Martha Stewart Living.” (página ABOUT 5280 MAGAZINE, fonte: 5280.com).
Menor e mais nova que algumas das outras publicações analisadas, a 5280 não trata apenas de Denver, mas do estado do Colorado como um todo. Com reportagens mais voltadas para variedades e problemas locais
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diversos, indo desde algumas reportagens sobre esportes até questões policiais, a revista também se enquadra no grupo de publicações voltada para o entretenimento da população local. Exemplo típico de city magazine influenciada pelas grandes e mais velhas publicações do segmento, esta trata de Denver como o cenário das muitas atividades ocorridas localmente mas também como protagonista de suas próprias matérias. O que tem a oferecer de diferente é uma cobertura mais completa de assuntos referentes à áreas não urbanas e questões ambientais e/ou climáticas do estado do Colorado, conhecido por suas paisagens exuberantes, principalmente durante o inverno – período que compreende boa parte das reportagens catalogadas e analisadas por este Ensaio Teórico. Mesmo que mais genérica e ainda mais nova, a 5280 tem chances de crescer e se desenvolver junto à sua cidade de origem, e com ela, tem chances de desenvolver e estabelecer um imaginário/identidade ainda pouco difundidos, atrelados não só àquilo em que já é enquanto cidade, mas àquilo que pode se transformar no futuro.
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PUBLICAÇÕES ANALISADAS: A VISÃO DAS CIDADES POR SEUS HABITANTES
Mesmo que relativamente semelhantes entre si e partes de um mesmo grupo de revistas conceitual e formalmente definidas (city magazines), as sete publicações analisadas por este Ensaio refletem não só a construção e representação distinta de cada uma das cidades, como apresentam também direcionamentos, ideias e interesses diferenciados quando se tratam do conteúdo editorial apresentado por cada uma. As decisões editorias que dizem respeito à forma como falam da cidade vão além do simples reportar da vivência diária proporcionada por cada uma delas, são reflexo da forma como seus leitores (para quem são produzidas) se utilizam e se interessam pelo espaço urbano, estabelecendo e mantendo clichês ou indo contra todos eles. No fim, as cidades representadas pelas publicações são lugares imaginariamente construídos e estabelecidos culturalmente na mente de seus habitantes, à medida que estes passaram a vivencia-la ao longo dos anos – mais um ponto interessante para serem estudas, e mais um ponto em que se reforça a relação entre usuário e estudos do urbanismo. As cidades representadas não são o conjunto daquilo que as torna visual, urbanística ou arquitetonicamente distintas, mas sim cidades que tornam seus habitantes diferentes e particulares entre uma e outra. Não se trata de como suas ruas são desenhadas ou ocupadas, mas sim de como o espaço das mesmas oferece aspectos culturais distintos de cidade para cidade. Se “o homem é fruto do meio”, as revistas não querem simplesmente relatar o que acontece neste meio, ou até caracterizá-lo, mas sim representar o mesmo de modo que tais frutos (usuários) estejam satisfeitos com aquilo que interpretam nas páginas da revista. A ideia é que seus leitores não só compreendam como também se sintam parte do contexto retratado – único e diferenciado.
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CONSIDERAÇÕES 90
FINAIS
Construção de imaginários; desenvolvimento de narrativas a respeito dos mesmos; difusão e divulgação de informações por meio da comunicação – os três pilares de análise e entendimento das city magazines. Ferramentas claras na criação e desenvolvimento de identidades de suas cidades, mesmo que muito semelhantes entre si, estas publicações surgem não só como guias comerciais mas também como meios críticos de comunicação pautados nas atividades e características de suas regiões de origem. O simples fato de carregarem nas capas o nome de suas cidades já cria um vínculo em relação às mesmas que reforça sua razão de existir: comunicar o espaço urbano ao qual fazem parte e aquilo que nele acontece. Partindo do princípio que são revistas voltadas para um público-alvo – leitor e cidadão – as city magazines fazem o retrato de uma cidade que lhes interessa ler a respeito. Se parte da construção de imaginários e memórias vêm das informações comunicadas, definitivamente tais publicações formulam imagens e representações diversas de suas cidades nas mentes de todos aqueles que as leem ou apenas folheiam – constroem narrativas mentais e um conjunto de valores acerca do espaço urbano relatado, conhecendo-o de fato ou não. Atendo-se aos capítulos referentes à primeira parte deste Ensaio Teórico é possível entender melhor esta relação entre comunicação, branding e construção de narrativas em torno das cidades por meio das city magazines, deixando mais claro também porque tais revistas podem ser de tamanho sucesso neste processo de construção imagética e de identidade. Esta relação se dá da seguinte forma: 1) Profissionais trabalham junto a prefeituras e órgãos administrativos para consolidar identidades atrativas e características locais capazes de contemplar tanto seus próprios habitantes como também atrair turistas e investimentos. Para tanto, criam-se marcas em torno das cidades e estas dependem fundamentalmente de sua divulgação e comunicação para existirem. 2) Meios de comunicação divulgam e espalham tais imaginários e identidades, direta ou indiretamente, através de narrativas diferenciadas e variadas de autor para autor, com múltiplas formas de representação e/ou propagação. Assim como cada autor (independente da forma de conteúdo) interpreta a cidade de uma maneira, o espectador também fará o mes-
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mo com base na narrativa construída em cima da cidade, e dela terá uma apreensão distinta. 3) No final, toda esta construção de identidades se dará das diversas apreensões diferentes e comuns de cada pessoa que interpreta a cidade, numa construção pró-urbana e/ou anti-urbana em relação ao espaço lido e/ou vivenciado. Quanto mais próximas forem estas visões e a capacidade dos meios de comunicação em repassá-las, mais fortes e coesas serão estas identidades construídas e assim, consequentemente, serão renovadas pelos próprios habitantes que se sentirão contemplados em relação às mesmas. Seus espectadores/habitantes não só entenderão a cidade de outra forma, fazendo parte da construção de seu imaginário, como também se interessarão em fazer parte dele a cada dia. Exemplo: Nova York, não necessariamente se é um new yorker de nascença, é preciso “tornar-se” e “adequar-se” aos padrões estabelecidos por este título/conceito. O mais interessante é perceber que em geral refletem não só esta identidade mas também os problemas e as características da vida cotidiana. Entende-se não só o que significa viver ali como também locomover-se, divertir-se, organizar-se, investir em imóveis, compreender as desigualdades sociais e econômicas, ter ou não liberdade para agir como bem quiser, ter ou não opinião, ser ou não ser conservador. Cada uma delas serve não só como um veículo capaz de informar o cidadão a respeito de sua cidade, mas também serve como uma ferramenta eloquente de informação acerca dos problemas e urbanidades locais – fundamentais para o entendimento do impacto de decisões aplicadas ao urbanismo e/ou atividades necessárias ao espaço urbano. Partindo então para a questão que este Ensaio pretendia responder desde o início, “Como as city magazines constroem a narrativa de representação da identidade de suas cidades?”, tal resposta acabou por formular-se de forma completamente distinta da que se era esperada inicialmente. De início, acreditava-se que seria possível extrair padrões ou formatos em todas estas revistas que definissem, muitas vezes até literalmente, as escolhas de cada uma destas publicaçõese e as diferenças entre suas respectivas formas de representação da cidade, mas não, claramente esta diferenciação se deu de forma muito mais subjetiva do que o esperado. Como constroem esta narrativa de representação? Seguindo exclusi-
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vamente a cidade imaginária e construída no psicológico de seus habitantes e naquilo que significa viver em cada uma delas – esta acabou sendo a resposta! Os formatos são muito semelhantes, a forma como escrevem também e até a representação física dos espaços públicos, no fim, o que faz toda diferença são justamente as decisões editoriais e “o tom” que apresentam em cada texto. Assim como representadas pelas palavras-chave e definições extraídas de cada uma das city magazines analisadas, estas procuram representar não a cidade enquanto espaço físico e nem a cidade enquanto marca, literalmente, mas sim a cidade que seus leitores/habitantes construiram e assimilaram ao longo dos anos e aquilo que de fato lhes diferencia dos demais usuários de outros diferentes espaços urbanos. Uma cidade a nível mental e intelectual que acontece em espaços físicos diferentes – uma dimensão ainda mais interessante para ser estudada por urbanistas que vai além da pura espacialidade física. Por tratar-se de um trabalho de pesquisa rápido, foi necessário limitar esta pesquisa a um escopo possível de se trabalhar ao longo do semestre mas, certamente, esta ainda abre muitas portas para novas análises mais densas e que cubram ainda mais publicações (já que são mais de 400 nos EUA), percebendo ainda mais esta relação entre cidade vivenciada e cidade comunicada. Expressando identidades, guiando habitantes ou até elucidando os problemas, as city magazines podem entreter, informar, alienar ou até manipular, mas o que se tem a tirar de melhor das mesmas é justamente o vínculo claro em relação ao espaço urbano e o fato de gerar discussões em cima do mesmo. Dizem para o que vêm e para o que servem: conectar o leitor (leigo ou não) à cidade onde vive – cabe a este questionar a veracidade dos fatos e a capacidade crítica propagadas pelas mesmas, porque afinal, se não estiverem satisfatórias e não mantiverem leitores interessados, terão de se adaptar, a fim de sobreviverem em meio a tanta informação nesta era de exacerbação, superexposição e fácil divulgação de opiniões. Informação se tem em todo lugar, cabe agora saber de onde extraí-la!
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