CILDO MEIRELES A INDÚSTRIA E A POESIA
Moacir dos Anjos
A partir da análise do trabalho Elemento Desaparecendo/Elemento Desaparecido (2002), apresentado por Cildo Meireles na Documenta 11 (Kassel, Alemanha), o texto busca fazer um duplo percurso. Por um lado, evidencia o quanto esse trabalho incorpora questões caras ao artista e por ele desenvolvidas anteriormente em mídias diversas, tais como a noção de circuito como espaço privilegiado de ação artística e o poder de transformação (limitado, mas potencialmente extenso) que ações individuais possuem frente aos mecanismos de regulação social. Por outro lado, mostra como o citado trabalho flexibiliza as fronteiras entre os campos da arte e da política e se insere, portanto, no esforço de construção de uma abordagem sinestésica e transdisciplinar do mundo contemporâneo.
Cildo Meireles, circuito, arte e política.
É improvável encontrar, na trajetória de Cildo Meireles, um suporte, um tema ou uma filiação artística que resuma ou traduza o conjunto diverso de seus trabalhos. Iniciada ainda na década de 1960, sua obra desdobra e adensa, entretanto, alguns poucos postulados cognitivos (por exemplo, a sinestesia como relação privilegiada para o conhecimento de algo) e um elenco coeso de crenças éticas (por exemplo, a valoração da ação individual frente à homogeneização das esferas da economia, da 1
política e da cultura). Diante de quaisquer de seus trabalhos, portanto, é sempre possível traçar, apesar de suas aparentes diferenças, relações de contigüidade com vários outros em termos do que partilham em método e intenção, dessa forma esclarecendo-os mutuamente. É nesse sentido que, partindo do trabalho apresentado pelo artista na Documenta 11 (Kassel, Alemanha, 2002) – Elemento Desaparecendo/Elemento Desaparecido –, se julga ser procedente esboçar, de forma sintética, as características que o avizinham de outros momentos de sua produção. Tal procedimento não somente explicita sentidos que esse trabalho, tomado isoladamente, apenas sugere (apesar de contê-los plenamente em potência), como também torna clara a atualização que, por meio dele, Cildo Meireles faz da relação entre arte e política.
Elemento Desaparecendo/Elemento Desaparecido consistiu da instalação temporária, coordenada pelo artista, de uma pequena fábrica de picolés em Kassel (incluindo a criação de uma logomarca para a empresa, a aquisição de equipamentos e insumos, e o estabelecimento de relações contratuais com fornecedores e funcionários) e da venda de sua produção em diversos carrinhos que circularam, durante todo o tempo de funcionamento da mostra, nos espaços públicos da cidade.
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Embora os picolés fossem vendidos em embalagens de cores distintas (cinza, azul ou verde), possuíssem formatos variados e fossem sustentados por palitos plásticos também diversos em cores e formas, todos eles eram feitos tão-somente de água, sem sabor adicional algum. À medida que
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