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& Verger,
Carybé, A amizade entre Pierre Verger, Carybé, Dorival Caymmi e Jorge Amado é contada na trilogia “Entre Amigos” idealizada pelo designer Enéas Guerra e pelo jornalista José Jesus Barreto
Fotos: Divulgação
Por Davi Carneiro
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Os desenhos de Carybé se encaixam com incrível perfeição nas fotos P&B de Pierre Verger. A cultura afro-baiana foi a grande inspiração dos artistas
Caymmi, Amado entre
& amigos P
ierre Verger, Carybé, Dorival Caymmi e Jorge Amado foram quatro dos maiores artistas que registraram - cada um em seu quinhão - a Bahia e seus encantos. Pierre Verger, nascido na França, é um ícone mundial da antropologia e da fotografia. Carybé, argentino, era pintor, desenhista, jornalista, escritor, escultor, muralista e trabalhava com todas as técnicas com genialidade. Dorival Caymmi, baiano, foi um dos pais da MPB, sendo considerado o maior dos músicos baianos. Já Jorge Amado é considerado um dos mais importantes escritores da língua portuguesa de todos os tempos. No entanto, poucos sabem que eles foram muito além dos limites das artes brasileiras e criaram uma amizade de 50 anos – parceria que resultou em preciosa contribuição para a preservação e divulgação da memória cultural afro-baiana. A trajetória dessa célebre parceria e dessa história de amizade é contada na trilogia Entre Amigos, da editora baiana Solisluna. A trilogia foi idealizada e organizada pelo designer Enéas Guerra, que também foi colaborador de Pierre Verger e pelo jornalista José de Jesus Barreto. A Let’s Go Bahia conversou com os dois idealizadores do projeto. Confira: LET’S GO BAHIA - Como surgiu o projeto inicial de escrever a trilogia Gente da Bahia, Mar da Bahia e Candomblé? JESUS BARRETO - O convite veio através de Enéas Guerra e Valéria Pergentino, da editora Solisluna. Eles tiveram a ideia do projeto, que, inicialmente, previa um livro apenas sobre a amizade de Carybé e Verger, quase irmãos de tão íntimos. Ambos eram também irmãos de candomblé e fascinados pela negritude e pela cultura popular da Bahia dos anos 40 a 60. Mas, quando mergulhamos no LET’S GO BAHIA 79
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Verger e Carybé vieram à Bahia após a leitura dos livros de Jorge Amado. Ao chegar aqui, se encantaram com a gente, os encantos e os mistérios soteropolitanos
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ateliê de Carybé e na casa de Verger para fazer as pesquisas, descobrimos um mundo infindável de coisas interessantes e curiosas, de uma produção tão abundante e fantástica que seria impossível fazer apenas um só livro. ENÉAS GUERRA - Então, avaliamos juntos e decidimos ampliar o projeto Entre Amigos para três volumes: O primeiro, Carybé & Verger – Gente da Bahia, abordando a amizade e o trabalho de ambos, tendo a Bahia e sua gente como referência. No segundo livro, Carybé, Verger & Caymmi – Mar da Bahia, introduzimos a figura de Dorival Caymmi, que também era um grande amigo de ambos. Já o terceiro, que ainda não tem data de lançamento, será o livro o Carybé, Verger & Jorge – Candomblé da Bahia. Na verdade, a trilogia Entre Amigos é uma grande celebração da amizade entre esses grandes artistas. LGB - Uma das melhores sacadas do Gente da Bahia foi unir as fotos de Verger com os desenhos de Carybé. É impressionante a comunhão no trabalho dos dois. Eles combinavam as temáticas? EG - A comunhão de ideias e a visão do mundo dos dois, explicitada na beleza das fotos de Verger perfeitamente ilustradas com as cores de Carybé, era tão grande que o trabalho de um e de outro parecia combinado, dentro de uma mesma perspectiva. Mas o mais fantástico é que não era! Essa constatação nos levou à ideia de fundir fotos e desenhos, aqui e ali, com o cuidado de preservar a identidade do trabalho de cada um. LGB - Como nasceu a amizade entre Verger e Carybé? EG - A amizade dos dois nasceu numa pensão barata no bairro de Copacabana, Rio de Janeiro, em 1946. Conhecer a Bahia era um sonho antigo, desde que lera pela primeira vez Jubiabá, de Jorge Amado. Ao desembarcar em Salvador, no entanto, ele foi informado de que o jornal havia fechado. Impressionado com o povo, a culinária, os cheiros e as cores, Carybé prometera a si mesmo voltar. JB - Já Verger viera a convite de Assis Chateaubriand, que planejava contratá-lo para trabalhar na revista O Cruzeiro. Antes de viajar, no entanto, foi nas mesas do refeitório da pensão barata
“Eles eram fascinados
pela cultura daBahia”
que Verger e Carybé se conheceram. A Bahia tornou-se assim o tema comum das animadas conversas entre os novos amigos. Foi o primeiro contato entre os artistas, que se reencontraria anos depois, quando Carybé, disposto a reviver experiências baianas, retornou a Salvador em 1949. Naquela época, Verger já criara raízes, transformando a Bahia na “casa, moradia, lugar do sonho e do repouso’’, nas palavras de Jorge Amado. De fato, o francês abaianado já retratara todos os pontos de Salvador, fixando a paisagem humana e o cotidiano da cidade em sua Rolleiflex. LGB- Como surgiu a ideia de incluir Caymmi no segundo livro e por que a temática: mar da Bahia? Caymmi seria a trilha sonora perfeita em sintonia com os trabalhos de Verger e Carybé?
JB - O segundo volume veio como consequência da observação do foco dos artistas. O mar sempre foi uma referência para cada um deles desde a infância. Caymmi também era amigo de ambos e os três eram ligados ao candomblé. Eram fascinados pelo mar, pela labuta dos pescadores e por suas embarcações. Os saveiros que chegam e saem do cais e rasgam as águas da baía, as festas para Iemanjá e Nossa Senhora da Conceição da Praia servem de inspiração. Além disso, é impossível falar do mar da Bahia sem falar de Caymmi. EG - Caymmi funciona como trilha sonora perfeita para os trabalhos de Carybé e Verger. O mar da Bahia foi o grande inspirador, quiçá uma fonte de encantamento determinante para as artes, odes de amor à terra e ao
os autores
O jornalista José de Jesus Barreto e o designer gráfico Enéas Guerra, da editora Solisluna, são os idealizadores do selo que retrata a amizade entre Carybé, Verger, Dorival Caymmi e Jorge Amado
a gente e o mar da bahia
O mar da Bahia foi o grande inspirador, quiçá uma fonte de encantamento determinante para as artes, odes de amor à terra e ao povo baiano. O pescador cantado por Caymmi é o mesmo fotografado por Verger e desenhado por Carybé. As canções praieiras de Caymmi funcionam como trilha sonora perfeita para o trabalho de Carybé e Verger
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eNTRE amigos
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Carybé, Verger, Caymmi e Amado foram quatro dos maiores artistas que já retrataram a Bahia. Poucos sabem, porém, que eles criaram uma amizade de 50 anos – parceria que resultou em preciosa contribuição para a preservação e divulgação da memória cultural afro-baiana. Apesar das origens diversas, os olhares eram convergentes: a cultura, o mar e a gente da Bahia eram o foco principal
editora solisluna
Além da edição do selo “Entre Amigos”, a editora baiana Solisluna preparou 16 lançamentos para a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que abrangem principalmente a cultura afro-brasileira, história, arte visual, infanto-juvenis e poesia
povo baiano. O pescador cantado por Caymmi é o mesmo fotografado por Verger e desenhado por Carybé. LGB - Qual será a proposta do terceiro livro, Carybé, Verger & Jorge – Candomblé da Bahia? Como será explorada a questão da religião de matriz africana que foi um importante fio condutor na obra desses três grandes artistas? EG - A ideia é aproveitar o tema candomblé. Foi a religião que fez a cabeça de Verger e Carybé, além de introduzir a figura do escritor Jorge Amado. Jorge era obá (ministro) de Xangô no Ilê Axé Opô Afonjá e foi ele quem abriu as portas do candomblé para eles e outros artistas. A religião afrobaiana era parte da vida de cada um deles, com seus mistérios, sua magia, 82 LET'S GO BAHIA
seus rituais, sua liturgia, seus caminhos... JB - Verger foi talvez o maior estudioso do candomblé da nação KetoNagô. Ele fez o elo entre os terreiros baianos e as aldeias africanas da Nigéria e do Benim, onde estão as raízes Iorubás. Verger foi apresentado à Mãe Senhora do Axé Opô Afonjá por Jorge Amado. Carybé foi obá de Xangô, irmão de esteira e santo de Mãe Stella de Oxóssi. Aliás, Carybé morreu dentro do Axé Opô Afonjá às portas da casa de Xangô. Caymmi era também obá de Xangô - os quatro, portanto, com raízes e obrigações no mesmo terreiro. Eles vivenciaram muitas coisas juntos nos terreiros de candomblé da Bahia. Há muitas histórias e muitas curiosidades para revelar no terceiro volume. Os leitores irão se surpreender.