© 2009 Davi Carneiro Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, 2009. Orientadora Profª. Malu Fontes Diagramação Davi Carneiro Capa Carole Santos Revisão Davi Carneiro
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Aos meus pais e irmãos, pelo que há de bom em mim.
Carneiro, Davi. Vou Sair Para Ver o Céu: Crônicas de um Mochileiro / Davi Carneiro – Salvador: 2009. 1. Crônicas. 2. Viagens. 3. Livro-reportagem. 4. Jornalismo literário 5. Fotos
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Edição do Autor Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão do autor.
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Agradecimentos “Vou sair pra ver o céu Vou me perder entre as estrelas Ver de onde nasce o sol Como se guiam os cometas pelo espaço e os meus passos Nunca mais serão iguais”
Agradeço a Deus, pela sabedoria. Aos meus pais pelo dom da vida e pelo amor incondicional. Aos meus irmãos pela cumplicidade e respeito. À Profª. Malu Fontes, que indicou caminhos e aparou arestas.
Trecho de Busca Vida Paralamas do Sucesso
Aos meus amigos e colegas que sempre demonstraram solidariedade e me ajudaram, nos momentos mais difíceis, a não desistir de realizar meus sonhos, meus objetivos. À família World Spru por fazerem desse intercâmbio o melhor ano da minha vida.
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cidade de Braga, norte de Portugal. E aquele seria o primeiro dia do
Cartão de embarque
resto da minha vida. Minha viagem começou no dia 19 de setembro de 2007. O placar do Aeroporto Internacional de Salvador indicava o início de uma
A oportunidade de estudar em uma das melhores Universidades de
jornada sem volta. Os caracteres do voo, turvados pela emoção,
Portugal e de morar “sozinho” no exterior transcendeu a importância
ganhavam uma distorcida dimensão sobre o vai e vem caótico das
da rica experiência acadêmica e do profundo crescimento pessoal.
pessoas que chegavam e partiam. Com o olhar lagrimoso e um nó
Foi, também, a chance de viajar, conhecer novas culturas e abraçar o
cada vez mais cego na garganta, ia despedindo-me das pessoas que
mundo. Entre uma aula e outra, a cada oportunidade que surgia,
amo, da cidade e do país. A expressão saudosa de minha mãe e o
retirava meu mochilão do canto empoeirado no armário e colocava o
tamanho das malas denunciavam: ficaria um bom tempo sem vê-los.
“pé na estrada”. De “mochilada1” em “mochilada”, tive o privilégio
Tentava não sofrer de antecipadas saudades, mas não era tarefa fácil.
de percorrer boa parte da Europa e o Marrocos. Algumas dezenas de
A hora de entrar no Airbus A330 aproximava-se vagarosa e um
aventuras errantes com lápis e bloquinho no bolso, máquina
aperto calava cada vez mais forte no coração. Mas a vontade de
fotográfica em punho e sentidos despertos. Com a mochila nas
alargar horizontes falava mais alto naquele momento. Partia
costas e pouco dinheiro no bolso, explorei lugares nunca antes
decidido, sem olhar para trás, apesar das poucas certezas. A única
imaginados. No total foram 49 cidades, 14 países visitados, e muitas
que tinha era: “tudo mudaria radicalmente em minha vida nos
histórias para contar.
próximos meses”. Estaria longe de casa, dos pais, dos irmãos, da namorada e de toda a minha reconfortante rotina no Brasil. Havia
Em uma dessas muitas viagens, deitado a beira da fogueira, olhando
sido aceito como aluno de intercâmbio do curso de Comunicação na
para um céu enfarinhado de estrelas e sentindo na pele o vento
Universidade do Minho. Eu iria estudar jornalismo por dez meses na
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Viagem realizada pelos turistas independentes, também conhecidos como Mochileiros
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gelado do deserto do Saara, veio a necessidade de repartir
Vou Sair Para Ver o Céu é, antes de qualquer coisa, uma viagem por
experiências vividas. Senti a obrigação de transmitir uma parte
histórias e emoções. Fruto de madrugadas checando albergues e
daquilo que vivi, senti, e apreendi em minhas aventuras como
promoções de empresas áreas low cost2, de horas carregando um
Mochileiro. Contar sobre aquele final de semana flutuando pelos
mochilão nas costas, de momentos vividos no desconforto da estrada
canais de Veneza e sobre outro na isolada M´Hamid. Sobre o sabor
e da imersão em realidades distintas. Fruto de cheiros, formas,
do tajine de Marrakesh, do sarmale do Tulcea e do goulash
sabores, cores, alegrias, enrascadas e de um estado permanente de
húngaro. Sobre a sensação de ficar frente a frente com o Muro de
descobertas. O descobrimento de cidades, países e principalmente,
Berlim e de passar um dia de glamour em Barcelona ou sobre a
de pessoas. Enfim, fruto de dez intensos meses de intercâmbio,
emoção de subir no Castelo de Praga. Sobre a escolha de conhecer
viagens, novas experiências e do incomparável gosto da liberdade.
as praias Algarve, a arena de Verona ou as belezas da Romênia. Sobre uma enrascada em Budapeste, o cheiro dos Tannaries em Fez
Das dezenas de viagens, escolhi as 13 que mais me marcaram. Essa
e sobre o pôr do sol em Sfantu Gheorghe. Ou seja, vontade de
coletânea de crônicas especialmente selecionadas tentam capturar a
compreender e traduzir em palavras o espírito de lugares, as
essência cultural, turística, estética e, principalmente, humana dessas
singularidades do seu povo e das diferentes culturas, na estreita
diversas regiões e cidades espalhadas pelo globo. Então, apertem os
medida em que os dias de imersão nessas realidades me permitiram
cintos. Barcelona, Verona, Veneza, Marrakesh, M’hamid, deserto do
sentir. As crônicas de viagem, foram nascendo uma a uma, como
Saara, Fez, Algarve, Praga, Budapeste, Berlim, Delta Dunarii e
resposta a essas necessidades. O livro, então, surgiu de forma
Stanfu Gheorge serão as proximas paradas. Desejo a todos uma
natural, como a lei da causa e consequência.
ótima viagem pelos textos e fotos a seguir.
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Empresas aérea de baixo custo, como a Ryanair e a Easyjet
Índice Cartão de Embarque
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Fez: uma experiência que assalta aos sentidos
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Ao doce som da Rumba
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Dicas do Mochileiro – Fez
46
Dicas do Mochileiro – Barcelona
13
Carta à Dona Saudade
48
Verona, surpreendente
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A dois passos do paraíso
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Dicas do Mochileiro – Verona
17
Dicas do Mochileiro – Algarve
56
Suspiros em uníssono dos casais apaixonados
19
A cidade das cem torres
58
Veneza: a cidade improvável
22
Dicas do Mochileiro – Praga
62
Dicas do Mochileiro – Veneza
26
Como os pobres mundos se parecem
64
Ronaldinho, laranjas e a sintonia mundial
28
Dicas do Mochileiro – Budapeste
65
Dicas do Mochileiro – Marrakesh
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Prefiro ser essa metamorfose ambulante
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A cidade do fim do mundo e os dinossauros do deserto 33
Dicas do Mochileiro – Berlim
73
Sob um céu enfarinhado de estrelas
36
Deixa eu te contar mais de mim
75
Do alto da mais alta duna
39
Lua de Sfantu Gheorghe
79
6
Dicas do Mochileiro – Delta Dunarii e Sfantu Gheorghe
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EpĂlogo
85
De volta a Terra do Nunca.
86
Galeria de fotos
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Exatamente como aconteceria naquele momento. O sol já começava
Ao doce som da Rumba
a se pôr quando um grupo de músicos de rua, desses que se apresentam em troca de umas moedinhas, aproximou-se lentamente
Porto de Barcelona, Catalunha, 20 de outubro de 2007
de nós. Retiraram seus instrumentos e começaram a aquecer-se sem Sento-me, acompanhado do grupo de amigos, a beira da marina de
pressa. Quando realmente começo a prestar atenção, ele já tocavam
Barcelona. O relógio marcava às 19h30min e o chegar da noite trazia
o melhor do Mambo e da Rumba quase que exclusivamente para
o frio como incômodo acompanhante. Ainda nem era inverno e eu já
nosso grupo. Com três violões, uma sanfona, um cavaco, um reco-
começava a sentir na pele as consequências de estar mal
reco e um grandioso baixo acústico, tocaram Buena Vista Socal
acostumados com o abençoado sol da Bahia. Estávamos cansados.
Clube, Tito Puente, Gipsy Kings e outros que não saberia
Havíamos passado todo o dia zanzando para cima e para baixo pelas
reconhecer. Aplaudimos, dançamos, tiramos fotos e quando o sol
ruas de Barcelona e aquele lindo cenário a beira do Mar
finalmente começou a se despedir, simplesmente sentamos e
Mediterrâneo - com palmeiras e barquinhos a perder de vista -
apreciamos o momento.
merecia uma parada estratégica. Empacamos, recuperando o ar. Aquele era o nosso terceiro dia na cidade e a cada nova hora que se
Enquanto a Rumba rolava solta, mantinha o olhar perdido na bola
passava vinha à certeza: poderíamos explorá-la - não apenas por três
que caia vagarosamente. Divago em pensamentos. Aquele era o
dias, mas, até por três meses - que não seríamos capazes de descobrir
primeiro de todos os mochilões e tudo era grande novidade.
todos os seus encantos. Barcelona, zombateira, se encarregaria de
Aventureiro inexperiente que era, trazia mais roupa do que
nos encantar e surpreender, sempre.
precisava... porém agasalhos de menos. Resultado: não usei nem metade das camisas e compensação sentia um frio danado naquele momento. Viajei na empolgação, sem planejamento prévio e por isso
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seguia todos os passos do numeroso grupo. Para finalizar, cometi o
prática a cada esquina. As obras criadas pelas mãos geniais de
pecado mortal de esquecer uma almofada dando sopa no albergue.
Gaudí, com sua arquitetura orgânica, não encontram similaridade em
Resultado: passei os quatro dias com frio, totalmente dependente do
qualquer outro lugar do planeta. Somente, talvez, Praga rivalize com
roteiro alheio e - ainda por cima - sem meu travesseiro. Mas, valeu a
Barcelona como um destino turístico especialmente atraente para
pena. Sem esses erros, não existiria o “Davi mochileiro” capaz de
arquitetos.
planejar, sozinho, viagens de maior duração e por vários países. Divago, também, sobre minhas primeiras impressões sobre a cidade.
Verdade que se torna indiscutível assim que você se depara com a
Vamos a elas.
mais maravilhosa de todas as obras catalãs: o templo expiatório da Sagrada Família. Inacabada e polêmica, a catedral começou a ser
Barcelona é apaixonante. Aberta a todas as inovações. Rica em seus
construída em 1882 e permanece interminável desde que Gaudí
dois mil anos de história. Mediterrânea. Acolhedora. Moderna.
morreu atropelado por um bonde e a deixou pela metade. Os
Cosmopolitas. Plural. Mutante. Ensolarada (mesmo em pleno
incêndios na época da Guerra Civil queimaram grande parte dos
outono). Jovem e um dos melhores lugares do globo terrestre para se
desenhos e ninguém sabe qual era a idéia do arquiteto. Mesmo
divertir intensamente. Uma cidade tão legal que tem dois idiomas
assim, a obra impressiona tanto por sua grandiosidade monumental
oficiais e um povo que faz questão de ser diferente. Barcelona é feita
quanto por sua inusitadíssima arquitetura. Visitá-la é como visitar
para se viver e compartilhar.
um canteiro de obras - o mais espetacular, surreal, simbolico e desconcertante canteiro de obras do mundo.
O seu ponto alto, talvez seja a sua riquíssima arquitetura, que vai do gótico ao Art Nouveau tão aproximadamente quanto dois lados de
Despeço-me da catedral e seguimos em direção outra famosa obra
uma mesma rua. Especialmente o modernismo, que é celebrado na
do arquiteto catalão: a fabulosa Casa Batlló. Construída entre os
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anos 1904 e 1906, sua ornamentação ficou a cargo dos melhores
Da Pedreira, seguimos em direção ao Parc Güell, outra obra-prima
profissionais da época. O maior destaque é o seu desenho
de Gaudí. Do seu grande portão de entrada, avistamos a escadaria
vanguardista, com arrojada personalidade, formas e cores nada
com o símbolo do parque: o lagarto de mosaicos coloridos. Logo
convencionais. A edificação é quase uma alegoria: a colorida
acima, na Sala das 100 Colunas (se você contar, tem menos), que
fachada culmina num telhado de azulejos cerâmicos brilhosos em
era o espaço pensado para o mercado semanal do loteamento,
cores azuis e cinza, com adereços avermelhados, que representam o
músicos amadores aproveitam a excelente acústica para ganhar uns
dragão de São Jorge.
trocados. Acima da sala está o banco sinuoso, que faz o contorno de uma grande praça de areia, de onde se tem uma lindíssima vista da
A nossa próxima visita é número 92 da Avenida Passeig de Gràcia.
cidade. Lugar perfeito para cantarmos os parabéns do aniversariante
Chegamos a Casa Milá, também conhecida como La Pedrera.
do dia: Alex, companheiro de viagens e grande amigo. “Dizem que
Tudo, da fachada aos gradis dos balcões, das chaminés às grades do
temos a obrigação de tentar comemorar, a cada ano, nossos
portão de acesso, dos puxadores ao mobiliário, foi desenhado e
aniversários de forma mais espetacular que o anterior. Estarei
concebido especialmente pela mente genial de Gaudí. Este edifício
lascado no próximo. Será difícil superar isso.”.
espetacular simplesmente desafia todos os conceitos da arquitetura convencional. Sem quaisquer linhas retas, suas formas lembram
De volta ao centro da cidade, resolvemos visitar um dos centros
dunas de areia. O aspecto, porém, mais impressionante é o telhado,
nevrálgicos da cidade: as Ramblas. Aqui, em seus 1.500 metros de
com uma aparência quase lunar ou de sonho. O arquiteto catalão foi
extensão, acontece de tudo. Artistas fazem e vendem suas pinturas,
recompensado, postumamente, com a declaração – pela UNESCO –
músicos tocam para os turistas e performers interpretam estátuas
do edifício como Patrimônio da Humanidade.
humanas. Era a época da Ronaldomania e aproveito para tirar uma foto com um simpático sósia do craque dentuço. O vai e vem de
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pessoas é impressionante. Não apenas pela mítica do lugar, mas porque a rua é a conexão entre o mar e o centro, e tem ao seu redor
O mesmo clima se vê no bairro do Born, embora aqui já com os ares
alguns dos pontos mais importantes de Barcelona, como o Mercat
modernos que recentemente tomaram conta desse pedaço da cidade.
de la Boqueria, considerado por alguns gourmets como o melhor da
A rua-chave para se conhecer as adjacências é a Montcada. Nessa
Europa. Embaixo de uma cobertura de ferro com ares modernistas,
ruazinha apertada estão alguns dos mais importantes palacetes da
uma enorme variedade de produtos frescos compõe um mosaico
alta burguesia catalã do século 15. Alguns ainda são propriedades
colorido de cores e aromas. Mas nem pense em ir pondo a mão nos
particulares. E em três dos mais bonitos e bem conservados
produtos como se estivesse numa feira brasileira. Levar bronca de
palacetes, conectados por uma cuidadosa reforma, está o Museu
um catalão mal encarado não faz parte do programa.
Picasso. Parte da obra do pintor está espalhada pelos salões desses palácios, em um recorrido cronológico muito bem montado. Na
Entre a Rambla e a Via Laietana, no final da movimentada rua de
mesma ruazinha há outros museus e várias lojinhas de quadros, joias
pedestres que sai da Plaza Catalunya está a Catedral de Barcelona
e artigos de design.
e sua majestosa praça. A Catedral é uma confusão arquitetônica: a construção começou no século 13 e foi até o 15, mas a fachada só
A dica para quem quer curtir plenamente Barcelona é relaxar, andar
ficou pronta no século 19. A nave é altíssima e o claustro é um
à toa, prestar atenção nos simples detalhes, caminhar de olhos bem
pequeno oásis verde no meio de tanta pedra. Ao redor da igreja há
abertos e deixe-se levar. Perca-se no Bairro Gótico. Viaje nas
um sem-fim de praças e edifícios antigos. Alguns abrigam órgãos
formas sinuosas, abstratas e orgânicas de Gaudí. Passeie sem pressa
governamentais, como a prefeitura e a Generalitat, sede do governo
pelo Parc Guell e depois, lá de cima, admire a bela vista da cidade.
catalão
Esteja constantemente atento, olhando para cima, para baixo e para
(uma
em
frente
à
outra).
Outros
simplesmente
os lados, para não perder os detalhes modernistas da Passeig de
complementam paisagem.
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Gràcia. Faça uma visita guiada no Camp Nou, o estádio do Barcelona. Atravesse os 1.500 metros das Ramblas. Compre uma fruta na La Boqueira. Assista ao belo espetáculo da “Font Màgica”, perfeitamente emoldurada pelo Palácio Nacional. Caminhe por Barceloneta e permita-se molhar os pés nas águas do Mediterrâneo. Caia na balada sem remorso. Durma até tarde e acorde querendo repetir o programa. Escute o grupo de rumba, que tocar exclusivamente para você. Tudo bem, em Barcelona é assim mesmo. Só não seja um turista afobado. Ou você corre o risco de perder o melhor da cidade: seu astral desencanado, ousado e arrebatador.
De volta à marina, depois de incontáveis minutos divagando em pensamentos, volto à realidade em tempo de curtir os últimos acordes da Rumba. No final da apresentação, aproveito para cumprimentar os músicos (“saludos desde Brasil”), comprar o CD da banda e agradecer.
“Gracias, señores. Es por momentos como este que se vale la pena compartir este mundo”.
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bilhete T-10, que dá direito a dez viagens. Já o Bus Turistic leva os
Dicas do Mochileiro – Barcelona
turistas de uma atração turística a outra. Todas essas informações estão no site da companhia: www.tmb.net Barcelona é uma das cidades mais fascinantes do mundo. Se bem aproveitada, ela irá oferecer desde arte e cultura a baladas
-- > Barcelona, como toda a Catalunha, é uma cidade bilíngüe: o
inesquecíveis. Abaixo algumas dicas para que os mochileiros de
espanhol (ou castelhano, como preferem os catalães) e o catalão são
plantão não paguem aquele mico em terras catalãs.
línguas oficiais. O espanhol é entendido por todos os habitantes; porém a língua franca é o catalão, usado nas conversas entre amigos,
-- > Não se hospede nas Ramblas. Com raras exceções a maioria
na família e no trabalho. Não ouse dizer a um catalão que sua língua
dos hotéis e pensões são descuidados e caros. Prefira as ruazinhas ao
é um dialeto do castelhano! Os catalães são muito orgulhosos de sua
redor, mais tranqüilas e com melhores opções. Ficamos no Kabul
cultura e muitos não gostam que se dirijam a eles em castelhano. Por
Backpackers Hostel na Plaça Reial nº 17. Limpo, agradável, seguro
isso, ensaie algumas palavrinhas na língua local ou ao menos
e, principalmente, não foi caro. Recomendo. Maiores informações
pergunte antes se podem conversar em espanhol.
em www.kabul.es -- > Nunca ande com a carteira no bolso de trás, com objetos de -- > O melhor é conhecer Barcelona a pé. A cidade é muito mais bela
valor na mochila, com a bolsa aberta e/ou descuidada, etc. Enfim,
quando o turista se deixa perder pelas ruelas do Barri Gòtic ou pela
esqueça que você está no primeiro mundo e comporte-se como se
arquitetura modernista da Gràcia ou pela profusão de atividades das
estivesse no Brasil. Os batedores de carteira estão sempre à espera
Ramblas. Com disposição, você precisará pouco de metrô ou ônibus,
de uma distração ou uma aglomeração (e nas Ramblas isso tem de
que interligam toda a cidade. Mas, se bater a preguiça, compre o
sobra)
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-- > Como turistas desavisados, pagamos o mico de ir a uma balada -- > Nas Ramblas, os preços dos restaurantes são exageradamente
nos vários restaurantes e bares do Porto Olímpico. Chegando lá
salgados. Contudo, suas ruas adjacentes abrigam pequenas lojas de
encontramos go-go dancers com celulite, mojito de 10 euros e
bocadillos, que podem manter qualquer em pé o dia todo. O
muitas prostitutas. Fuja de lá!
bocadillo de tortilla é o mais recomendado, tanto por ser um dos mais baratos e gostosos quanto por encher bastante. Fuja, porém, dos
-- > O flamenco é uma coisa altamente espanhola, como todo mundo
bocadillos da Pans and Company (um maldito fast food que tem
sabe. Mas, a cultura catalã é bastante particular. Por isso, aqui não se
uma filial em cada esquina). O serviço é péssimo e a comida é ruim.
escuta flamenco de qualidade em cada esquina. E os shows dos folhetos distribuídos em albergues e hóteis correm sério risco de ser
-- > Um prato tipicamente catalão é o creme catalana, uma pasta
uma furada. Você só deve se preocupar com flamenco em Barcelona
que em si não é muito doce, mas que recebe uma camada de açúcar
se alguma companhia de dança conceituada estiver pela cidade, o
que, por causa da utilização de um maçarico de cozinha, fica
que acontece com certa freqüência. Anote esses nomes: Rafael
crocante. Vale a pena experimentar.
Amargo, Sara Baras, El Ballet Flamenco de Andalucía e Joaquín Cortés.
-- > Se preferir comprar nos supermercados, escolha os da marca Dia. Dê preferência aos produtos da marca do supermercado que são
Todas as informações foram apuradas no dia 20 de outubro de 2007
sempre os mais baratos. Há por todos os lados, inclusive um na Rua
e atualizadas via internet no dia 20 de outubro de 2009
Nou de la Rambla, 18 (margem direta no sentido Plaça CatalunyaPort Vell).
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Ao mesmo tempo em que lia – baixinho - aqueles geniais versos,
Verona, surpreendente
imaginava quantas donzelas não teriam sonhado em estar sob aquela varanda, pelo menos uma vez na vida, ouvindo as palavras Verona, norte da Italia, dia 3 de janeiro de 2008
apaixonadas do seu Romeu. Um sonho romântico que poderia facilmente ser realizado nesse exato momento. A lojinha - onde
“ Oh, falou! Fala de novo, anjo brilhante, porque és tão glorioso para esta noite, sobre a minha fronte, como o emissário alado das alturas poderia para os olhos brancos e revirados dos mortais atônitos, que, para vê-lo, se reviram, quando montado passa nas ociosas nuvens e veleja no seio do ar sereno.”
Renata se divertia - está localizada na Casa da Julieta (via Cappello, 23, Verona, 045 803 43 03), um dos principais pontos turísticos da surpreendente Verona.
Tudo está ali exatamente como na história. A sacada mais famosa do Esperava por minha namorada que se divertia, como uma criança,
mundo, suposta testemunha do amor Shakespeariano, ergue-se entre
escolhendo lembranças no “souvenir shop”, quando as frases
os telhados vermelhos das casas da vizinhança. Abaixo, casais
daquele cartão – meio escondido no canto da prateleira - chamaram
tentam achar um lugarzinho na parede de tijolos para rabiscar o seu
minha atenção. Retirei-o com cuidado da estante. Os versos,
“eu te amo” em meio às centenas de declarações vindas dos quatro
estampados
uma
cantos do planeta. Do outro lado do jardim, dezenas de turistas
representação da estória de William Shakespeare. O jovem Romeu
fazem fila no jardim para tirar uma foto segurando o seio já lustrado
Montecchio - após, malandramente, pular o alto muro do jardim dos
e desgastado da estátua de bronze da Julieta. Dá sorte no amor,
Capuletos – declarava juras de amor eterno a bela Julieta. A jovem
dizem. Preferi não pagar o mico.
em
grandes
letras
douradas,
antecediam
derrete-se, debruçada na sacada de casa, suspirando apaixonada. Começa ai a mais famosa – e trágica - história de amor.
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A verdade é que a Casa da Julieta nada mais é do que uma jogada de
de ver aqueles flocos graúdos caindo das nuvens como naquelas
marketing genial. De olho no grande potencial turístico da história,
redondas caixinhas de música dos filmes. Simplesmente mágico.
que só aconteceu na ficção, os veronenses construíram uma sacada em um sobrado e o denominaram “Casa da Julieta”. Hoje em dia a
No caminho da estação até o nosso hotel, fomos papeando com o
casa recebe mais de 2,5 milhões turistas por ano. Existe, também,
motorista. “Vocês deram muita sorte. Começou a nevar ontem à
uma extensa fila de pessoas dispostas a pagar entre 600 euros e
noite. Isso não acontecia em Verona há anos. A cidade fica ainda
1.000 euros para se casar aqui. Para mim foi uma atração que valeu
mais romântica assim”. Disse seu Joseph, taxista a mais de 30 anos.
muito mais pelo poder que Romeu e Julieta despertam no imaginário
Tive que concordar: a experiência de vagar por aquelas ruas, em
popular do que pelo seu real e quase inexistente atrativo estético,
uma noite de inverno, pode fazer até os mais céticos acreditarem que
histórico ou arquitetônico.
a trágica história de amor entre Romeu e Julieta tenha realmente acontecido.
Para além da hipérbole Shakespeariana, encontramos muitos outros motivos para considerar Verona um dos lugares mais especiais de
Outra agradável surpresa aconteceu quando o táxi do simpático
toda “mochilada” pela Itália. Admito que não esperava muito (minha
Joseph chegou ao seu destino. Eu e Renata resolvemos, depois de
grande expectativa chamava-se Veneza) mas, bastou colocar os pés
dias dormindo separados em albergues, nos dar o luxo de escolher
na cidade para que ela se encarregasse de me surpreender de muitas
um hotel. O Hotel Maxim foi de longe a escolha mais feliz de toda a
formas. O momento da chegada, por si só, já valeu a visita. Já havia
viagem. Confortável, bem localizado e surpreendentemente luxuoso.
visto neve antes, nos 250 quilômetros que separavam Florença e
E o mais importante, não foi caro.
Verona. Especialmente na parada em Modena. Mas, foi aqui a primeira vez que vi a neve cair do céu. Nada pode descrever emoção
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No outro dia, partimos para o centro histórico, considerado
medievais e pelo Pallazo degli Scaligeri, a residência oficial da
Patrimônio Mundial pela Unesco. Resolvemos que o ponto de
família Della Scalla. Ocupando o lado norte da praça está o Loggia
partida ideal seria a Praça Brà e seus imensos portões. As atrações
del Consiglio, a antiga Câmara Municipal e uma linda construção
em Verona, por sinal, são muito fáceis de serem visitadas.
renascentista do século 15. Mais ao norte, na Piazza di
Agrupadas e próximas, podem ser vistas todas num só dia de
Sant’Anastasia, está a igreja Sant’Anastasia, o exemplo mais
caminhada. Todos os caminhos convergem para a imensa Arena
imponente de construção gótica da cidade. Voltando pela Via
(www.arena.it; Piazza Brà; adulto/estudante/criança 4/3/1 euros), um
Mazzini seguimos até a Via Cappello. No interior de um largo, meio
anfiteatro romano com capacidade para 30.000 espectadores
escondida, está a casa número 23. A Casa da Julieta.
construído no primeiro século d.c., durante os últimos anos do imperador Augusto. Atualmente, seus arcos de pedra e tijolos em
O cartão do início do texto, com suas letras douradas e versos de
formato oval de 139 m. por 110 m. (segunda maior arena da Itália)
William Shakespeare, custava caro – principalmente para um
abrigam espetáculos de música lírica, ópera e concertos.
mochileiro com parcos e contados euros. Mas, o comprei assim mesmo.
No lado direito da praça, está o neoclássico Palazzo Barbieri, construído no século XIX e sede do governo municipal desde 12 de outubro de 1869. Já o lado esquerdo é dominado por uma fileira de restaurantes e cafés cheia de turistas. Da Piazza Bra, fomos ao longo da Via Mazzini até a Praça Dell Erbe, conhecida por seu mercado diário a céu aberto de roupas, frutas, legumes e verduras. Através do Arco della Costa, a Piazza dei Signori é cercada por muros
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aproximadamente a 12 km do Centro da Cidade. Há serviço regular
Dicas do Mochileiro – Verona
de ônibus do aeroporto a cada 20 minutos até a Estação Porta Nuova. Verona é uma cidade surpreendentemente elegante, charmosa, bonita
-- > A estação rodoviária principal da cidade fica em frente à estação
e romântica. Não deve ser menosprezada em qualquer mochilão pela
de trem. Os ônibus 11, 12, 13 e 14 da companhia AMT (www.amt.it)
Itália. Ainda mais por ter uma localização privilegiada entre Milão e
fazem a conexão da Piazza Brà com a estação de trem. Tickets (a
Veneza. Vamos às dicas.
venda em lojas de tabaco ou bancas de revistas) custam €1.
-- > Para economizar dinheiro na hora de aproveitar as alterações
-- > Pegue o ônibus 41 para visitar o Santuário S. Maria di
mais importantes de Verona, a dica é obter o Cartão de Verona. O
Lourdes, localizado na ponta da colina mais alta de Verona. A
cartão, que custa 10 euros para um dia ou 15 para três, permitirá o
panorâmica é deslumbrante.
acesso aos mais importantes atrações da cidade, incluindo o anfiteatro, o teatro romano, a casa da Julieta, além de acesso gratuito
-- > O Hotel Maxim (Via Belviglieri, 42, www.maximverona.it) foi
aos serviços AMT de ônibus da cidade.
a nossa grande descoberta em Verona. Na época, dia 3/1/2008 o Maxim Hotel custou 40 euros pelo quarto duplo. Outra boa dica é o
-- > A Estação da Cidade chama-se Verona Porta Nuova. Há trens
albergue da juventude da rede H.I Ostello Villa Franccescatti
diários que fazem o roteiro entre Milão e Veneza e entre Brennero e
(Salita Fontana del Ferro, 15 tel: 045 590360) no centro da cidade.
Roma. Da Estação, pode-se pegar um táxi - que custará em média oito euros até a Piazza Bra - ou os ônibus urbanos linhas 11, 12, 13,
Todas as informações foram apuradas no dia 03 de janeiro de 2008
14, 72 e 73 que também vão da estação ao centro turístico. O Aeroporto
Internacional
Verona-Villafranca
fica
e atualizadas via internet no dia 28 de outubro de 2009
situado 18
chegarmos ao nosso albergue era via Vaporetto3. Achei o preço de
Suspiros em uníssono dos casais apaixonados
seis euros por viagem bem caro, mas como a outra única opção era ir nadando, não tivemos muita escolha. Na saída da estação, um anfitrião nada convidativo nos esperava: um céu carregadíssimo Arredores da Stazione di Santa Lucia, 04 de janeiro de 2008
anunciava que vinha muita chuva por ai. Será que São Pedro iria bagunçar o babá logo na cidade que eu mais queria conhecer?
O trem regional número 5497 havia partido da Stazioni Porta Nuova, em Verona, há exatas duas horas e quinze minutos.
Começo a lembrar como havia me preparado para aquele momento.
Viajavam em nossa companhia várias famílias e muitos jovens.
Tinha lido com voraz curiosidade tudo que achei sobre Veneza.
Enquanto Renata tirava um merecido cochilo apoiada em meus
Sobre sua história, monumentos, canais, ruelas, gôndolas e máscaras.
ombros, me divertia observando os italianos. Era incrível como
Tinha quase que decorado todos os parágrafos desse capítulo no guia
todos em minha volta faziam questão de falar altíssimo, gesticular e
de viagens do Zé. Mas, nem todos os “Lonely Planet”
pronunciar incontáveis “Mamas Mias”.
poderiam me preparar para aquilo. Nada poderia antecipar o
4
do mundo
sentimento arrebatador ao entrar na primeira curva em “S” do Apesar do cansaço, não conseguia dormir. Não parava de pensar
Grande Canal. Ali estava, abrindo-se com a delicadeza de um botão
que em poucos minutos iríamos chegar à cidade mais enigmática e
de
esperada de todo o mochilão pela Itália. Uma parada brusca foi o
rosas,
a
Veneza
dos
meus
sonhos:
enigmática,
flutuante, excêntrica e improvável. Daquelas ruas feitas de água,
sinal de que chegamos à estação ferroviária Santa Lucia, principal
erguiam-se inúmeras casinhas, palácios de mármore e imponentes
porta de entrada da cidade. Sem muito tempo a perder, ajudo Renata 3
ajeitar a mochila nas costas e partimos em direção a um guichê de
O Vaporetto é uma embarcação típica de Veneza. É usada como meio de transporte público nos canais da cidade.
informação. Uma simpática atendente explica que a única forma de
4
19
Guia de viagem americano, considerado um dos mais completos do mundo.
pontes. Era possível ouvir o luar sobre a cidade e os séculos de
consegui acreditar na burrada que havia feito: tinha deixado o
história que fluíam dos seus canais. Ouvia-se o suave vai e vem das
bendito em Verona! Antes de pegar o trem 5497, paramos em uma
gôndolas, o bater das águas nos prédios e os suspiros em uníssono
lan house para checar e-mails. O dono pediu um documento e eu -
dos casais apaixonados. Já havia me esquecido completamente do
com minha cabeça de vento - dei aquele que estava mais fácil de
mau tempo quando me dei conta do sorriso bobo que acompanhava
apanhar: o passaporte. Só havia dado conta que me esqueci de pegar
minha incredulidade. A sensação de experimentar Veneza pela
de volta a 340 quilômetros de distância. Pelas barbas do profeta. E
primeira vez a gente nunca esquece.
agora? O que fazer?
O vaporetto nos deixa na estação “Zitelle”, vizinha ao nosso
Para a minha sorte, estava acompanhado do meu anjinho da guarda.
albergue. O Ostello di Venezia é um charmoso prédio antigo
Por algum milagre divino, Renata conseguiu lembrar o primeiro
adaptado para receber os 254 mochileiros de todos os cantos que
nome da lan house. Ela ainda teve a brilhante idéia de procurar o
enchem seus cômodos durante todo ano. O Ostello era o ponto de
telefone na internet. “Quem sabe não temos sorte e encontramos
encontro com nossos parceiros de mochilada, Zé e o Alex. Eles
algum telefone?” E não foi - que por outro milagre (dessa vez
chegaram à cidade no dia anterior e entre um pedaço de pizza e outro
chamado Google) - conseguimos mesmo achar o tal número?!
nos mostraram as fotos e deram dicas de onde comer sem decretar
Corremos para o primeiro orelhão. Depois de várias tentativas
total falência.
frustrantes, outro golpe de sorte - fizemos contato. “Ainda tentei alcançá-los quando percebi que haviam esquecido o passaporte, mas,
Ainda estava embriagado da beleza veneziana quando um susto me
em questão de segundos, vocês haviam sumido pelas ruas de
trouxe bruscamente a realidade. Simplesmente não conseguia
Verona. Não se preocupem que ele está guardado e bem seguro
encontrar meu passaporte em lugar nenhum. Procurei em todos os
comigo” disse o dono da lan em um inglês macarrônico e de forte
cantos feito um doido e quando a ficha finalmente caiu, não
sotaque italiano. Ufa ! Que alivio ... 20
Já estava planejando a volta até Verona quando outros dois salvadores entraram e ação: “David, nem se preocupe. Esqueceu que é para lá que vamos amanhã cedo? Anota ai o endereço que pegamos o passaporte para você.” Tinha esquecido que os meninos iriam fazer o caminho inverso do nosso. Que sorte a minha! Não precisaria perder o meu valioso dia em Veneza. Eu estava em uma cidade divina, tinha presenciado um milagre e estava em companhia de anjos. Nem senti a falta das auréolas e das trombetas para me sentir no paraíso.
21
chata que anunciasse chuva. O vento congelante também havia dado
Veneza: a cidade improvável
uma justa trégua. Após o café da manhã, partimos em direção ao ponto turístico mais famoso de Veneza: a Piazza San Marcus. “Se tivesse de procurar uma palavra que substituísse "música" poderia pensar em "Veneza".
Já do outro lado das águas, os leões alados - símbolo da cidade -
(Friedrich Nietzsche)
sinalizaram que chegamos ao nosso destino. Ao adentrar a Praça São Marcus fica fácil perceber por que Napoleão a considerou o “salão
Ostello de Venezia, dia 5 de janeiro de 2008
mais belo da Europa”. Seu grandioso pátio, rodeado pelo Palazzo Ducale, pela imponente Torre do Relógio e pelo Campanile, é espetacular. Mesmo lotada por uma multidão de pombos e de
Eram as sete e meia da manhã quando o celular despertou estridente.
turistas. Fiquei impressionado. Como era possível aquela quantidade
O sol levantava-se aos poucos, tímido, distribuindo seus raios pela
de gente tão cedo da manhã? De um lado, o grupo de alemães tirava
Praça São Marco e fazendo ainda mais intenso o brilho dos
fotos cobertos pelas aves. Do outro, dezenas de japoneses filmavam,
mosaicos dourados na fachada da Basílica. A vista da janela do
com suas câmeras super potentes, cada detalhe do lugar. Crianças
Ostello, lindíssima, era um merecido presente para aqueles corajosos
corriam atrás do vendedor de balões, policiais tentavam por alguma
hospedes que, assim como nós, tiveram a coragem de levantar cedo.
ordem na bagunça enquanto mais e mais grupos chegavam sem
A vontade de dormir - mesmo que por mais alguns minutos - foi
parar. Quanto aos pombos, a situação é ainda mais crítica. Estima-se
vencida pela ansiedade. O romantismo encantadoramente clichê de
que existam nada mais nada menos que 120 mil ninhos próximos aos
Veneza e suas cenas surreais já estavam de pé. E nos convidava a
palácios e igrejas de Veneza, o equivalente a duas vezes a população
conhecê-la. O tempo havia melhorado sensivelmente em relação ao
da região.
dia anterior. O céu estava limpo e não havia sinal de alguma nuvem 22
a cidade pela última vez e suspiravam de tristeza. Hoje, décadas depois, os suspiros continuam. Só que dessa vez de incredulidade.
Acima de todos e indiferente ao vai e vem caótico dos turistas está a majestosa Basílica São Marcos. Sua fachada, exemplo da arquitetura bizantina, atrai todos os olhares. Construída no século IX
A Torre da Campanile, no centro da praça, é a construção mais alta
em estilo gótico para receber as relíquias de São Marcos, sofreu um
de toda Veneza. Originalmente construída para servir de orientação
incêndio em 976 que danificou sua estrutura. A fachada atual é de
às embarcações que se aproximavam, ela é o melhor ponto de
1071. Suas cinco abódoas formam um jogo geométrico perfeito com
observação da cidade. A vista lá de cima é de tirar o fôlego. Antes
os cinco portais da fachada principal. Seu interior é espetacular, rico
de me despedir de São Marcos, dou uma boa olhada na Torre
em mármores oriental, belas colunas, jóias luxuosas e mosaicos
dell'Orologio (Torre do Relógio). Construído por Codussi entre
dourados.
1496 e 1499 para homenagear a Nossa Senhora, ele é formado por um corpo central e três andares. Seu engenhoso aparelho,
Ao lado da Basílica está o Palazzo Ducale, antiga residência oficial
apresentado em azul-escuro e em desenhos incrustados em dourado,
dos Duques e sede do governo republicano. O exterior do edifício -
indica as estações do ano, as horas e as fases da lua. Na parte
feito todo em mármore e com arcadas góticas - é impressionante. Na
superior, uma imensa escultura - representando dois gigantescos
parte interna, que antigamente era um misto de senado, suprema
mouros com um martelo na mão - bate, mecanicamente, o sino na
corte, câmara de tortura e prisão, funciona um museu com obras de
hora certa. Acerto o meu telemovel5, que até o final do intercâmbio
Bosch, Bellini, Carpaccio, Veronese, Tiziano e Tintoretto. Ligando o
ficou sintonizado com aquele imenso relógio azul e dourado.
palácio à antiga prisão, está a famosa Ponte dos Suspiros. Contam que os prisioneiros condenados a morte, ao atravessar a ponte, viam 5
23
Como os portugueses chamam o celular.
Seguindo o fluxo dos turistas, chegamos a Rua Campo della Caritá.
mais de 400 pontes. Então, se no meio de um passeio, der conta de
Lá está a Galleria dell'Accademia (www.gallerieaccademia.org.
que está completamente perdido: não se desespere. Basta olhar para
Ter. a dom., 8h15/19h15; seg., 8h15/14h.), uma das galerias de arte
o lado. Muito provavelmente você não será o único desorientado
mais famosas de Veneza. Sua coleção conta a história da arte
com um inútil mapinha na mão. Faça como eu: ao perceber que
veneziana dos séculos XIV ao XVIII com destaque para os
estava totalmente desorientado, resolvi relaxar e deixar-me perder.
trabalhos de Paolo Veronese, Bellini, Mantegna, Carpaccio e
Foi ai que tive alguns dos meus maiores momentos de prazer na
Tintoretto. Atravessamos até a margem na oriental da cidade pela
cidade. Ao se envolver nas teias de sua inevitável atmosfera de
lindíssima Ponte de Rialto, a mais antiga e mais famosa sobre o
sonhos é fácil compreender que, apesar da beleza dos seus
Grande Canal. Lá encontramos o Mercado de Rialto, que abastece
monumentos, a atração principal de Veneza é à cidade em si.
a cidade desde 1907. Aproveito para paquerar cada detalhe do lugar: da arquitetura dos palacetes ao redor a maneira harmoniosa
Seja caminhando sem rumo em seu labirinto de ruelas apertadas ou
como os mercadores dispõem seus produtos, que vão de mariscos
ao entrar nas belíssimas lojas de máscaras. Seja ao sentar a beira de
fresquíssimos a cogumelos, queijos e frutas, com destaque para os
um canal para molhar os pés no mar Adriático ou observando o
vinhos provenientes das diferentes regiões do país. Não resisto a
cruzar das gôndolas e dos casais apaixonados. Seja observando os
uma maçã incrivelmente vermelha e sigo o caminho a largas
hábitos dos locais ou ao tomar um saboroso sorvete de “nutella”.
mordidas.
Seja admirando suas casas antigas ou suspirando em alguma de suas belas pontes, que parecem objetos de decoração. A essência
Continuamos andando, calmamente, pelas ruas cidade. Aqui, se
veneziana mostrou-se extremamente delicada e romântica em seus
perder é uma consequência natural. Suas centenas de becos e ruelas
pequenos detalhes. Impossível não sentir tempo passar mais devagar
curvas formam um grandioso labirinto. E não poderia ser diferente.
diante de tanta beleza. Um singelo poema de autoria desconhecida
Veneza foi construída sobre 117 ilhotas, tem 150 diferentes canais e
24
resume bem aquela atmosfera onírica: "Todas as histórias de amor acontecem em Veneza / mesmo as que não acontecem por aqui".
Já estava se aproximando da hora de nos despedir da cidade. Olhando para o Grande Canal, relembro de tudo que vi e procuro uma palavra definir Veneza. Logo desisto: aquela era uma verdadeira perda de tempo. Este lugar desafia definições. Muitos, de Twain a Nietzsche, tentaram a difícil façanha de descrevê-la. Certas coisas, porém, só podem ser entendidas plenamente quando vividas, sentidas, compartilhadas e repartidas. E esta é definitivamente uma cidade para ser vista e vivida. Mesmo assim, eu ainda tinha alguma dificuldade em acreditar que ela era realmente de verdade. Fiquei ali, sobre uma daquelas pontes, olhando o vai e vem de turistas, tomando um gelatto italiano com Renata e suspirando de antecipadas saudades.
25
barato. Outra dica é procurar pequenos mercados locais, onde é
Dicas do Mochileiro - Veneza
possível comprar frutas, pães e outras guloseimas para lanches rápidos.
Veneza é uma cidade lindíssima, leve, lírica, poética e romântica, mas também assustadoramente cara (sim, até mais do que Roma e
-- > Outra boa dica é fazer todo o percurso pela cidade a pé. Além de
Milão). Tudo aqui custa o olho da cara, principalmente para nós,
economizar os muitos euros do vaporetto, essa é uma experiência
mochileiros. Um hotel de classe turística custa pelo menos 90 euros
extremamente prazerosa.
e um restaurante simples cobra cerca de 30 euros por pessoa pela refeição, fora as taxas. Abaixo estão algumas dicas para evitar que a
-- > Para aqueles que planejam ficar apenas um dia em Veneza, a
Veneza dos seus sonhos se transforme em um total pesadelo para os
minha sugestão é ir bem cedo e voltar à noite, evitando dormir na
seus bolsos.
cidade. Pode-se pegar o primeiro trem bem cedo pela manhã e partir no último horário à noite. Cidades como Pádua, Verona, Bolonha e
-- > Se possível, viaje na baixa temporada. Além de mais barato,
Milão ficam pertinho (quarenta minutos, uma hora e meia, duas
você apreciará a cidade com mais calma e sem ser atropelado por
horas e três horas de viagem de trem, respectivamente).
uma multidão de turistas. Evite os meses do outono (devido às inundações frequentes nessa época do ano) e o pico do verão (pelo
-- > Cuidado com trombadinhas. Como em toda cidade turística é
intenso calor e pelo cheiro ruim comum nesse período).
sempre bom ter atenção redobrada com seus pertences. Não ande com a carteira no bolso de trás, com objetos de valor na mochila,
-- > Na hora de comer, a dica é evitar áreas turísticas como a Rialto
com a bolsa aberta ou descuidada.
e a Praça São Marcos. Procure os lugares onde dos nativos comem. Nas sestieres de Dorsodoro, Castello e San Polo come-se bem e
26
-- > Um aviso aos apaixonados de plantão: andar de gôndola em
programas imperdíveis. A forma mais barata de chegar às ilhas é de
Veneza é caríssimo. Um passeio de 35 minutos custa cerca de 80
vaporettos. Eles saem do ponto San Zacarria, em frente a San Marco.
euros. Mas, se esse for realmente o seu sonho romântico, não desanime e negocie bastante. Normalmente você vai conseguir
-- > Em fevereiro acontece o famoso carnaval de Veneza
diminuir em torno de 10-20 euros do preço inicial. Tente barganhar
(www.carnevale-venezia.com), o maior evento do ano na cidade. É
no tempo, é mais fácil. As gôndolas estão disponíveis junto aos
quando venezianos e muitos estrangeiros vestem figurinos
principais canais ou podem ser agendadas pelo telefone (041 528 50
espetaculares e as famosas máscaras para uma semana de festa até a
75) ou nas várias stazis (estações) como em Rialto (041 522 49 04) e
véspera das quartas-feiras de cinzas.
na estação de trem (041 71 85 43). -- > Dentro da Stazione di Santa Lucia há um balcão de informação -- > Se depois de ver o essencial, você quiser um pouco de paz, é
turísticas no lado oposto à APT escritório. O deposito para bagagens
hora de caminhar pelos bairros mais afastados do Grande Canal,
(primeiras 5hr - 3,80 euros, depois 0,20 euros por hora ) fica do lado
como Castello, Dorsoduro, Santa Croce ou San Polo. Sentir a
oposto plataforma 14. A estação Mestre tem serviços semelhantes,
Veneza dos venezianos, longe das multidões de turistas, é uma
incluindo balcão de informação e deposito de bagagem (primeiras
experiência fascinante.
5hr 3,80 €, próxima 7hr € 0.60c, depois € 0,20 por hora; h7am-11).
-- > Não deixe de ir às ilhas de Murano, Burano e Torcello. Ver, ao
Todas as informações foram apuradas no dia 5 de janeiro de 2008 e
vivo, a fabricação dos famosos vidros de Murano, passear pelas
atualizadas no dia 28 de outubro de 2009
casinhas coloridas em Burano e visitar a catedral de Torcello são
27
um custava apenas três dhrans, ou seja, trinta cents de euro. Para
Ronaldinho, laranjas e a sintonia mundial
completar, ainda tínhamos direito a um generoso chorinho. Tentador demais para resistir. Fomos conferir, sedentos. E para a surpresa geral, o suco era realmente uma delícia. Docíssimo e bem gelado.
Praça Djemaa el Fna, Marrakesh, dia 08 de fevereiro de 2008
Sem a menos comparação com aquela porcaria industrializada que era obrigado a engolir a meses em Portugal. Deu até aquela saudade
Jamais me passaria pela cabeça tão inusitada situação em plena
da variedade de sucos lá de casa, muitas vezes feitos com fruta
Djemaa el Fna, coração pulsante de Marrakesh. Foi ali, na mais
“tirada do pé” do quintal do sitio. Manga, umbú, cajá, acerola,
famosa praça de todo o Marrocos - em meio a uma horda de
graviola, cajú e é claro ... laranjas. Viramos fregueses assíduos da
acrobatas, turistas, macacos e encantadores de serpente - que percebi
barraquinha nº 34.
o quanto o mundo está cada vez menor. Além de menor, cada vez mais redondo. Redondo como uma bola de futebol.
Por sinal, “jus d'orange” (suco de laranja) foi uma das poucas palavra em francês que consegui aprender com perfeição nesses onze
Foi naquela praça gigantesca, de um caos frenético e hipnotizante,
dias no Marrocos. Em pouco tempo, virou minha palavra preferida.
que conhecemos Simon, nosso simpático vendedor de suco de
“Bonjour monsieur. Un jus d`orange, s`il vous plait.”, repetia com
laranja. Sua barraquinha de nº 34 somava-se a dezenas de outras de teto branco.
imensa satisfação.
Nelas podia-se encontrar de tudo, desde tâmaras
cristalizadas a sopa de miolos de carneiro. Simon nos atraiu com a
Entre um copo de suco e outro, Vitão - o único que falava bem
promessa do suco mais doce da cidade. Suas laranjas, redondas
francês - exercia sua função de intérprete oficial. Era quem tomava a
como o globo terrestre, impressionavam pelo tamanho e pela cor: um
iniciativa, negociava os preços e puxava a conversa. De sorriso fácil,
alaranjado forte e intenso. O preço do copo era uma bagatela. Cada
28
nosso vendedor mostra uma visível empolgação quando Vitor lhe
internacional pelo futebol é explícita, transborda a todos os sentidos.
contou que éramos brasileiros. Disse ser apaixonado por futebol.
Tive o privilégio, por exemplo, de acompanhar os gritos de guerra da
“Sou um grande fã do futebol brasileiro, principalmente de Ronaldo
incansável torcida do Milan, de ver uma pelada na fronteira com o
Gaúcho. Ele é fantástico.”
deserto do Saara e de conversar com um búlgaro que sabia de cor e salteado a escalação da seleção campeã em 94. “Sou fã da dupla Bebeto e Romário”.
Vitão, com seu senso de humor impagável, disse que eu também era jogador profissional no Brasil. Jogava em um time que atualmente estava mal das pernas, mas que tinha um passado glorioso: o Esporte
Já vestido com uma camisa do Barcelona, antes guardada em um
Clube Bahia. Simon ficou tão feliz com a notícia que achei covardia
canto da barraca, Simon disse que gostaria de nos mostrar algo. Puxa
desmentir. Fez questão de me dar um caloroso comprimento e de
do bolso um moderno celular e faz uma busca na sessão de vídeos.
tirar fotos comigo. “Essa vai fazer muito sucesso com os meus
Na tela, conferimos o confronto entre o time do Barcelona e o
amigos, vou guardar de recordação”, disse bastante empolgado. De
Villareal. O vídeo é do dia 25 de novembro de 2006 e pode-se ver o
quebra ainda ganhei um caprichado copo de suco de laranja grátis.
estádio do Camp Nou 6 lotado. Já decorriam 43 minutos do segundo tempo e o placar marcava 3x0 para o Barcelona. Mesmo assim, o
Foi incrível como encontrei apaixonados por futebol em todos os
time azul grená não estava contente. Continua a pressionar o
países do mochilão. Em muitos fui tratado com imediata simpatia
adversário. De repente, em uma jogada pela direita, a bola sobra para
pelo único fato de ser brasileiro. Não importava se estávamos no
o espanhol Xavi que mete um balão para dentro da área. Rápido
Marrocos, na Holanda, Itália, Romênia ou na República Checa.
como um raio, Ronaldinho antecipa a zaga adversária, mata a bola
Sempre ouvia a mesma frase, acompanhada de um caloroso sorriso:
no peito e - em uma jogada genial - vira em uma bicicleta. Um
“Ahhh Brazil. I love soccer, Rolnaldo, Ronaldinho, Kaká.” A paixão 6
29
Estádio do F.C. Barcelona
golaço! Nosso simpático vendedor vibra como uma criança. “Só um esporte como o futebol é capaz de unir e sintonizar povos tão distantes e diferentes como os brasileiros e os marroquinos. Independente de credo, cor ou nacionalidade, somos ligados por uma paixão”, completa.
Sem palavras diante da inusitada situação - tão inesperada quando a ligação entre Ronaldo Gaúcho, a sintonia entre diferentes povos e laranjas marroquinas - só me resta concordar com tão sábia conclusão e pedir mais um suco de laranja.
-
“Un jus d`orange, s`il vous plait.
30
-- > À noite a Praça Djemaa El-Fna torna-se ainda mais frenética,
Dicas do Mochileiro - Marrakesh
mágica e encantadora. Barracas vendem comida típica, mulheres fazem tatuagens de hena e não é incomum encontrar um dentista, ou Marrakesh é uma cidade que fascina em todos seus detalhes. Pelas
melhor, um vendedor de dentaduras prontas no tabuleiro.
cores, sabores, odores, sons, contrastes, exotismos, arquitetura,
A vista dos terraços dos cafés ao redor da praça é imperdível.
jardins, cultura e principalmente por sua gente. Não é exagero dizer que ela guarda, dentro de suas muradas, tudo o que os viajantes
-- > Qualquer exibição tem seu preço – ou “bakshish”, a
querem conhecer no Marrocos. Em seu coração está a fantástica
universalmente conhecida gorjeta. Tenha sempre dinheiro trocado
Praça Djemaa El-Fna, palco de performances, saltimbancos,
nos bolsos. Fique atento porque é comum apontar sua câmera para
acrobatas, encantadores
de serpentes, faquires, engolidores de
algo e se surpreender com um marroquino que se coloca na frente
espada, curandeiros, músicos, dançarinos, contadores de histórias e
para dizer que você tirou uma foto dele. Mas não se preocupe. Na
mais tudo que você imaginar. Abaixo algumas dicas para explorar
maioria das vezes, poucas moedinhas são suficientes para satisfazê-
melhor este caos hipinotisador e esta explosão sensorial chamada
los. Calcule o equivalente a um dólar e pronto, você vai tirar muitas
Marrakesh:
fotos.
-- > O Tourist Board, posto de informações turísticas, fica na Rua
-- > Nunca recuse uma oferta de chá de menta. É considerado uma
Place Abdelmoumen Bem Ali, (tel. 43 10 88/ 44 88 89). Já o
falta de educação gravíssima.
Tourist Info fica na 176, Blvd Mohamed V, (tel. 43 20 97 / 43 47 97).
31
-- > O Marrocos é um país seguro, mas, nunca é demais ficar atento
integradas ao ritual. Esteja certo de que ofensa será se você aceitar o
à carteira e aos pertences. Principalmente em lugares com muita
primeiro preço.
concentração de turistas. -- > Sobre o primeiro preço que lhe for dado, recuse efusivamente e -- > A cozinha marroquina é uma delicia, cheia de novos sabores e
vá recusando todas as ofertas do vendedor até que ele pergunte
temperos. Experimentar couscous, tagjines (carne e vegetais) e
quanto você quer pagar. Essa é a deixa. Ofereça a metade do preço
tanjias (carneiro) sentado em uma das barraquinhas da Djemaa El-
mais baixo que o vendedor já deu, e se o vendedor recusar, agradeça
Fna é um programa inesquecível.
e dê as costas. Pode estar certo de que ele irá propor uma nova negociação e você vai fechar o negócio. Dá certo em 90% dos casos.
-- > As ruas próximas da Djemaa El-Fna são as melhores opções para compradores. Tapeçarias, couro, itens de prata e ouro, e
-- > O Marrakech-Menara Airport (Tel. 212 4 444-7865) fica há 4
obviamente souvenirs farão parte do arsenal dos vendedores.
km do centro da cidade. O ônibus de linha número 11 custa US$ 0,30 e te levará para o centro em 20 min.. Um taxi custará em torno
-- > Na hora de comprar algo, lembre-se: “Não há preço fixo no
de US$ 5-6.
Marrocos”. São comuns vendedores que cobram até o triplo por uma
Av. Hassan II na ville nouvelle. Trens partem a cada hora para
mercadoria. Mas não se assuste. Isso faz parte do ritual. Cabe ao
Casablanca e Rabat. Já a estação rodoviária (tel. 444 43 39 33)
cliente pechinchar ao máximo. Não tenha receio de fazer uma oferta
fica na Bab Doukkala, Place el Mouarabitène. Compre os tickets
escandalosamente baixa que, com freqüência provocará reações
com pelo menos um dia de antecedência.
aparentemente indignadas, verbais
Todas as informações foram apuradas no dia 08 de fevereiro de
e
gestuais, perfeitamente
A estação de trem (tel. 44 77 68 / 44 77 03) fica na
2008 e atualizadas no dia 04 de outubro de 2009
32
Somente com seus primeiros raios pude ter uma noção de onde
A cidade do fim do mundo e os dinossauros
estava. Pela janela, a cidade de M´hamid - antes escondida na
do deserto
escuridão da noite - mostrava-se pequenina, simples e rubra. À primeira vista, nossa pequena vila, quase na fronteira com a Argélia, não era muito diferente das muitas outras pela qual passamos na
M´hamid, última cidade antes do deserto, dia 11 de fevereiro de
estrada. Dúzias de casinhas de cor amarronzada, algumas bem
2008
simples, feitas de barro. O chão era rubro, coberto de areia e pedregulhos. Na nossa rua, alguns homens andavam em trajes
O céu mal havia deixado de pertencer às estrelas e a lua ainda
tuaregues, crianças brincavam e algumas mulheres apressadas
brilhava fina, quando despertei naquela manhã do dia 11 de
passavam totalmente cobertas pela burca. Tudo muito modesto e
fevereiro. Apesar das poucas horas de sono e do cansaço da longa
humilde. Uma simplicidade que contrasta com o seu passado
viagem, me sentia particularmente revitalizado. O saco de dormir
glorioso quando as caravanas tuaregues cruzavam o deserto
“Berg”, estendido na sala de Lahcen, havia se mostrado uma ótima
negociando sal, especiarias e ouro.
cama. Confortável e revigorante como qualquer “Ortobom” da vida. De qualquer forma era impossível dormir demais. Faltavam poucas
Analisando com mais atenção, fica claro que não estamos em uma
horas para partimos em direção ao deserto e tenho de admitir:
cidade comum. Longe disso. M´hamid é o adeus definitivo a
ansiedade e excitação é uma péssima combinação para o meu sono.
civilização. Olhando para suas fronteiras, a impressão é de estar em
Timidamente, o sol foi se levantando para sua labuta diária.
uma cidade do fim do mundo. Já não se pode ver mais nada, além do vazio. Nada de ruas, casas, pessoas, mesquitas, souks7, postes ou 7
33
Loja árabe, onde é possível encontrar de tudo.
estradas. Somente dunas de areia, pedregulhos e securas. M`hamid é
Devidamente trajados, só faltava uma única coisa para me sentir
um dos dois únicos lugares em todo o Marrocos onde o Saara nasce.
totalmente em um dos contos de Ali Babá: os camelos. Pergunto a
É difícil saber onde começa um e onde termina outro. Deserto e
Lahcen quando iremos vê-los. Para minha completa surpresa, a
cidade na delicada comunhão de dois amantes apaixonados.
resposta é: nunca!
“Claro, meus amigos, no Saara não existem
camelos ... mas, sim, dromedários. Os dromedários tem apenas uma Para quem ainda achava que aquele era um lugar comum, uma
corcova, são mais altos e rápidos que seus primos de duas bossas. Na
curiosa placa dissipava qualquer dúvida. Aqui - na cidade do fim do
verdade são eles que se vê naqueles filmes passados no Saara.
mundo – a distância entre um lugar e outro não é medido em
Camelos são encontrados apenas na Ásia”, explica nosso guia.
quilômetros. Mas, sim, em dias em cima de uma corcova: “distância até Tombouctou, na vizinha República do Mali - 52 dias de
De volta ao centro da cidade, a caravana já estava completa e a nossa
dromedário”.
espera. Além de Lahcen, teríamos como companhia uma equipe de cinco berberes e, para minha felicidade, dromedários! Muitos deles.
Depois de um café da manhã reforçado, Lahcen nos levou a um
Seis no total. Dois selados para “cavalgadas” e quatro prontos para
8
souk. Lá compramos o resolvemos chamar de “kit-berber ”. Era,
levar a tenda e os mantimentos.
basicamente, composta pelo djelabá, uma longa túnica azul-anil que é enrolada em forma de turbante até deixar apenas os olhos à mostra.
Aqueles eram de longe os bichos mais desengonçados que já
Uma perfeita proteção contra o calor, o frio e as fortes rajadas de
conheci. Chegava ser engraçado. Sua assimetria é proporcional a
vento e areia do deserto.
famosa capacidade de adaptação ao deserto. A cabeça é curta, o focinho alongado, olhos grandes e pestanas longas que protegem do vento e da areia. Seu pescoço é longuíssimo e pançudo, lembrando o
8
Berber: etnia original do Norte da África e do deserto do Saara.
34
da girafa. Sua pelagem é curta, esparsa e dura permitindo a
rédeas. Mas os Berbers usam um truque milenar para superar essa
refrigeração e uma maior proteção do sol. As patas têm uma base
limitação. Em vez de rédeas, a “direção” é uma corda atada a um
larga que o impede de se enterrar na areia. Sua bossa, composta de
anel passado através do nariz do bicho.
gordura acumulada em períodos de alimentação abundante, lhe
Lahcen nos conta porque os dromedários são tão valiosos. “Além de
permite sobreviver em condições de escassez. Admito que fiquei
comerem de tudo (até arbustos com espinhos) e de viverem uns 15
surpreso com o seu tamanho. Não esperava que fosse tão alto: devia
dias sem beber, tem um valioso segredo que poucos sabem. A
ter uns três metros de altura, medindo do alto de sua corcova.
gordura da sua corcova tem poderes medicinais. É um remédio tão forte que se tomado demais pode matar. Mas, se tomado na dose
Diante de um ser tão diferente, Vitão chegou à única conclusão
certa pode curar tudo. Até veneno de cobra. É tão fortificante que
possível. “Esse bicho é surreal. Tem cara de cachorro, patas de bois,
tem um poderoso efeito afrodisíaco. Basta uma pequena dose e você
pescoço de girafa e ainda rosna e mostra os dentes como um porco
pode encarar sem problemas um harém inteiro. Melhor que qualquer
selvagem. Nunca vi um animal tão agreste, ele só pode ser
Viagra.”
dinossauro perdido no tempo.” E assim - vestidos com nossos djelabá azuis anil e acompanhados Montar nesses “dinossauros” é uma experiência que mereceria um
dos “dinossauros” do deserto - partimos em direção a aquele mar de
capítulo exclusivo nesse livro. Tudo começa com ele deitado no
nove milhões de quilômetros quadrados de areia e cascalho.
chão, com uma das patas amarrada ao joelho, técnica que o impede de levantar. Depois de se ajustar não arreio, o bichano se levanta de maneira não muito gentil e é preciso segurar firme para não cair de boca no chão. Como são ruminantes, é impossível usar freio ou
35
Tão surreal quanto um quadro do Dali e tão real quanto um sonho
Sob um céu enfarinhado de estrelas
bom. Com certeza, o firmamento mais estrelado que já vi na vida. Dou até uma de astrônomo: Deserto do Saara, Marrocos, 11 de Fevereiro de 2008 - Olha lá gente, aquela ali é a constelação da ursa maior ... A noite no deserto caiu serena e tranquila. Estamos no Saara a uns
- Onde?
vinte quilômetros de M'Hamid, última cidade antes do deserto, quase
- Ali, olha só ... A primeira estrela forma o olho, a segunda o ouvido,
na fronteira com a Argélia. São aproximadamente 18h30min e a
a terceira a pata ...
escuridão tomou conta de tudo, impiedosamente. Lahcen, nosso
- Nossa! É mesmo ... e aquela ali, parece um camelo ...
guia, armou a tenda perto de uma duna, onde brotava uma grande árvore.
Ficamos lá ao ar livre, na escuridão total, admirando aquela
Faz frio. A areia gelada e o vento fazem a sensação térmica
infinidade de pontos e luzes. Para completar o clima, os guias
despencar ... Mas ninguém parece ligar para isso. Tínhamos acabado
tocavam, com instrumentos improvisados, algumas canções Berbers
de jantar uma mega salada marroquina, cheia de cominho e temperos
em volta da fogueira. Apesar da letra ser incompreensível, a
exóticos. Como Mohamed, nosso cozinheiro, conseguia fazer uma
melodia, o ritmo logo nos envolve. Batemos palmas, tentamos entrar
salada tão fresca e saborosa em pleno deserto é para mim uma coisa
no batuque, acompanhar alguma coisa. Pergunto a Lahcen sobre o
tão enigmática como os mistérios das Mil e uma noites.
que as músicas falam e ele responde: muitas coisas ... sobre a vida, o deserto, camelos e amores ...
Me encontro deitado num grande tapete persa, posicionado estrategicamente a beira da fogueira. Os olhos estão fixos no céu. E que céu ... O mar de estrelas que se abria é algo difícil de descrever. 36
A ficha demora a cair. Pareço não acreditar no que estamos vivendo.
Lembro-me, também, de um poema que adoro de Vinicius de
Dou uma olhada 360 graus e não consigo enxergar nada. A
Morais. “Olha aqui Mr. Buster” é dedicado a um americano podre de
escuridão é tamanha. É impossível ver alguma coisa num raio de 50
rico em cuja casa o poeta esteve antes de voltar ao Brasil. Segundo
metros. Em quilômetros, a única luz a desafiar aquele oceano de
Vinicius, Mr. Buster não podia compreender como, tendo ainda o
trevas é a da fogueira. Tudo em volta é escuridão, silêncio, ausência,
direito de permanecer mais um ano na Califórnia, preferia, com
deserto.
grande prejuízo financeiro, voltar para a "Latin America". Vou colocar só um trechinho ... ele começa assim:
Sob o olhar atento da Ursa Maior, divago em pensamentos. Sobre o que vivi nesses seis meses em Portugal, sobre família, amigos,
“Olhe aqui, Mr. Buster: está muito certo que o Sr. tenha um
saudades, amores ... e sobre o que vivemos nesse primeiro dia no
apartamento em Park Avenue e uma casa em Beverly Hills. Está
deserto. Lembro da saída de M'hamid, dos primeiros passos na areia,
muito certo que o Sr. tenha no quintal de sua casa em Hollywood um
da “cavalgada” no dromedário, do pôr do sol em meio as dunas e das
poço de petróleo trabalhando de dia para lhe dar dinheiro e de noite
palavras do Lahcen:
para lhe dar insônia. Está tudo muito certo, Mr. Buster que o Sr. ainda acabará governador do seu estado. E sem dúvida presidente de
- Boys, the experience in the desert is simple ... is live the simple
muitas companhias de petróleo, aço e consciências enlatadas. Mas
things. You have to breath, hear the sound of the wind, put your foot
me diga uma coisa, Mr. Buster. Me diga sinceramente uma coisa,
in the sand, fell the desert, fell yourself ... so take your time !9
Mr. Buster:
9
Meninos, a experiência no deserto é simples ... é viver as coisas simples. Você tem que respirar, ouvir o som do vento, colocar o pé na areia, sentir o deserto, sentir a si mesmo ... então tenha o seu tempo.
37
O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha? O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo? ”
O poetinha, como sempre, é perfeito... mas, dessa vez me permito a ousadia de acrescentar:
O Sr. sabe lá o que é admirar um céu enfarinhado de estrelas ? O Sr. sabe lá o que é ver um pôr do sol em cima de uma duna de areia? O Sr. sabe lá o que é escutar música berber na beira de uma fogueira? O Sr. sabe lá o que é caminhar escutando somente sua respiração? O Sr. sabe lá qual o gosto da salada do Mohamed?
Como diria Lahnce, com seu jeito sereno, impassível. – Macan musque
10
. Tenha o seu tempo, respire. Ouça o som do
vento e sinta o deserto. Entre em contato com você mesmo. Viva as coisas simples da vida.” 10
Sem problemas, em árabe
38
Atravessar o Saara é uma experiência diferente de tudo. É mais ou
Do alto da mais alta duna
menos como comprar uma passagem direta para outra dimensão. Caminhei a manhã toda com a nítida sensação de estar em Marte. Tudo em volta era incrivelmente rubro e sem vida. Quilômetros e
Deserto do Saara, Marrocos. 12 de Fevereiro de 2008.
quilômetros de securas, dunas, pedregulhos, poeiras e redemoinhos de resto de mundo. Para aquela sensação de estar em outro planeta se
A tarde começa a cair devagar sobre as dunas. Tão lentamente que
transformar em certeza, só faltava mesmo o robozinho da Nasa, o
tenho a certeza de que o sol luta e reluta, num grande esforço
Opportunity 11, sair vagaroso detrás de uma daquelas montanhas de
cósmico, para continuar ali, por mais alguns minutos admirando a
areia.
beleza do Saara. São aproximadamente cinco e meia da tarde. A caravana havia parado em um local de grandes dunas. O vento
Além de surreal, andar o dia todo sob o sol e sobre areia fina não é
gélido começa a bater em meu rosto. Coloco meu agasalho “polar
uma das coisas mais fáceis de fazer, mesmo com todas as
berg” e procuro um lugar para sentar entre meus fiéis companheiros
mordomias que tínhamos na caravana do Lahcen. E olha que eram
de viagens e resenhas: Zé, Xumi, Vitão e Rafael. Estiro as pernas,
muitas. Éramos tratados como verdadeiros Sheiks, com direito a
cansado. Havíamos andado por toda a manhã e numa parte da tarde.
parada para comer tâmaras e tomar chá à sombra de alguma palmeira
Em média, uns dez quilômetros desertos adentro. Aventurar-se nesse
ou dar uma “cavalgada” em um dos dromedários que nos
oceano de nove milhões de quilômetros quadrados de areia e
acompanhavam. Como todo sheik, tínhamos também a nossa
cascalho, área maior que a do Brasil, onde no verão a temperatura
comitiva. Além do Lahcen, nos acompanhavam cinco berbers, todos
atinge facilmente 50 graus durante o dia e cai abaixo de zero à noite,
de fala pausada, olhar sincero, modos simples e túnicas tingidas de
é uma tarefa tão cansativa quanto surpreendente.
11
O robô da Nasa Opportunity (Oportunidade) explora e envia imagens de Marte desde Janeiro de 2004.
39
anil. O Mohamed era encarregado de cozinhar (não posso nem
Encontro-me, agora, sentado perto de Lahcen, ao lado das grandes
lembrar das saladas do Mohamed que ainda fico com água na boca).
dunas. A visão que tenho é exatamente aquela clássica dos desertos
Ramon estendia o tapete e nos servia chá. Ali montava as tendas e
dos filmes. Como se o cartão postal tivesse ganhado vida e estivesse
cuidava dos dromedários e assim por diante.
ali, na minha frente, zombando da minha incredulidade. As dunas eram como ondas quebrando infinitamente naquele arenoso oceano
Além de não ser moleza, nossa aventura contava outros “detalhes”.
sem fim. Resolvo aventurar-me um pouco. Escolho, com um olhar,
Havia dois dias que não tomávamos banho ou íamos ao “W.C”.
a duna mais alta. Decido ir até o topo. Subir não é exatamente uma
Óbvio, no deserto não há latrinas. O jeito era escolher uma duna
tarefa fácil, ainda mais para os desacostumados como eu. Demorei a
mais afastada, sair de mansinho, assim como quem não quer nada e
conseguir, mas ao chegar ao topo recebo uma merecida recompensa.
mandar bala. Até tínhamos criado uma tática toda especial. Segundo
A vista lá de cima era simplesmente incrível! Minhas pernas ainda
Xumi, mestre graduado em metodologia para bobagem, a manha é
doíam, mas quem ligaria para isso diante de uma panorâmica como
escolher uma duna média, nem muito baixa e nem muito alta. Ai, é
aquela? Lá de cima era possível ver toda a redondeza, a nossa tenda,
só subir até a metade e fazer o dito cujo sem frescuras. Basta um
o oceano de areia e os dromedários que agora estão se alimentando a
chutezinho de leve que a duna e o vento fazem o resto do trabalho.
quilômetros de distância. Ao longe se vê, também, outros
Ele descerá rolando, feliz, num bolinho de areia pronto para ser
acampamentos. Eram maiores, com grandes e numerosas tendas.
coberto pelo vento. Deve-se, porém, ter muito cuidado para não
Talvez, dos mesmos suecos endinheirados que andavam de jipe atrás
subir muito na duna. Vai que uma caravana de jipes cheia de suecos
de brasileiros desprecavidos.
endinheirados passa nessa mesma hora? Ouvi dizer que os zooms Fico ali, parado, observando a quietude. Sem multidões, vozes,
das câmeras suecas alcançam distâncias inimagináveis...
correria ou o caos de Salvador. Vazio. Somente eu, meus
40
pressentidas.
pensamentos e o barulho do vento. Perco-me por alguns minutos, admirando aquelas arrojadas linhas traçadas pela arquitetura da natureza. Pergunto: há quantos séculos aquelas dunas estiveram lá,
Voltamos rápido ao acampamento, pois a escuridão já tomava conta
daquela mesma forma, movendo-se unicamente ao sabor do vento?
do universo. As únicas luzes eram as da fogueira, das estrelas e da
Coisas que somente o céu e terra poderiam dizer. Tenho comigo
lua, que já começava a brilhar fina e majestosa. Tal qual o
apenas uma certeza: queria ficar ali como o sol. Lutando para poder
famoso símbolo do Islã. Como na noite anterior, o céu está lindo,
admirar eternamente a beleza do Saara.
enfarinhado de estrelas. Pontos e brilhos até o perder da vista. Me encontro
deitado
no
tapete
persa
e
mais
uma
vez
a
música Berber embala nossa noite.
Minha sombra reflete simpática numa duna vizinha, agora com as marcas temporárias de meus passos bárbaros. Em poucos minutos, Zé
Ficamos ali admirando o som por um tempo. Depois, tentamos
e Vitão chegavam para fazer companhia. O vento foi, aos poucos,
retribuir a gentileza. Rafa puxa uns MPBs, Vitão tentou um samba e
levando pra longe as marcas na areia, deixando-nos com o
o Zé cantou até uns sertanejos. Mas como a nossa afinação era
espetáculo do sol. Diante dos nossos olhos, o astro rei parece
zero, o jeito foi mudarmos de tática. Jogamos a responsabilidade
finalmente ter desistido da sua batalha particular contra a infinitude
para o único do grupo com algum dom para a música. “Hô Xumi,
do tempo. Só lhe resta, agora, morrer ardente por detrás da uma
pega ai a viola e toca uma música pra gente!” Ele faz um cú doce,
grande dunaa. Como explicar a beleza de um pôr do sol como
mas acabou por não resistir. Começa a dedilhar uma música do
aquele? Impossível... Como já escrevi antes: certas coisas devem ser
grande rei, Bob Marley, misturado com versos de sua própria
somente
autoria. De repente tudo era - como ele mesmo definiria -
minhas
pegadas
sentidas,
deixam
de
vividas,
ser solitárias. Xumi,
consentidas,
Rafa,
experimentadas
e
um groove no deserto.
41
Vão-se cifras, melodias, Bob Marley, acordes e reggae music:
aquilo era possível é outro grande mistério das arábias. Tão grande
− I dont wanna wait in vain for your love ... Girassóis eu vou ofertar
quanto o frescor da salada do Mohamed ou o rosto feminino sob a
a mais bela flor ...
burca ou a beleza daquele céu enfarinhado de estrelas.
A lua, as estrelas, música e boa companhia. Realmente não precisava
Fico ali deitado no tapete, refletindo sobre esse segundo dia no
de mais nada pra ganhar a noite. Mas o melhor ainda estava por vir.
deserto, até a hora de voltar à tenda armada por Ali. Já era tarde e
Fazia frio e me aproximei um pouco mais da fogueira. Só assim
iríamos acordar muito cedo no outro dia. A caminhada de volta era
pude ver, do outro lado das chamas, uma cena incomum. Lá se
longa e demorariamos metade do dia para voltarmos a M´hamid.
encontra Nabil, um dos berbers que nos acompanha. Como num
Deitado na escuridão da barraca, demonstro minha gratidão com um
ritual sagrado ele ergue a cubuca. Coloca trigo, amassa a massa,
sussurro bem baixinho:
mistura com água, acrescenta o sal. Prepara o famoso pão do - Bismillah. Allah hu Akbar. 12
deserto. Uma receita antiguíssima, onde os Bebers assam o pão usando unicamente a areia quente e as cinzas da fogueira.
Sinto-me como tivesse entrado numa máquina do tempo. Presenciava, incrédulo, um ritual que acontecia daquela mesma forma através dos séculos. Tradição passada de pai para filho, de geração em geração. Depois, veio a melhor parte. A degustação. O sabor é forte, intenso. Diferente de tudo que já havia comido. E 12
Frase que abre todos os capítulos do Alcorão. É usada pelos Islâmicos para agradecer a Alá. Significa “Obrigado. Em nome de Deus, o grande, o misericordioso”.
acredite se quiser: o pão não tinha nenhum grão de areia. Como
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saísse da frente. Sem perceber, havia transformado o “trânsito” da
Fez: uma experiência que assalta aos sentidos
Medina em um verdadeiro caos. Empatava a passagem de uns seis burrinhos que vinham em fila, carregados até o talo de peles, sacos de tomates, estrume, lixo, tábuas, aves abatidas, condimentos, ervas raras, artesanato e bugigangas que até Deus duvida. Encostei-me à
Medina de Fez El Bali, 15 de fevereiro de 2008
parede e assisti a burregada passar com aqueles balaios que ocupavam a largura total da viela estreita demais para qualquer tipo de tráfego... a não ser o de mulas.
- Balak! Balak! Balak!
Estávamos na cidade imperial de Fez, nordeste do Marrocos e 196
Andava vagarosamente, distraído, com o olhar perdido entre
quilômetros distantes da capital Rabat. Caminhávamos, mais
inúmeras souks de tapetes, peças de couro e especiarias, quando me
precisamente, por uma das mais de 9.000 ruelas da maior cidade
dei conta de um senhor que esgoelava-se atrás de mim.
Islâmica medieval viva do mundo e patrimônio da humanidade da UNESCO desde 1981: a Medina de Fez El Bali (a "velha Fez"). Um
- Balak, Balak, Balak!
verdadeiro labirinto de sons, cheiros, cores e cenas exóticas.
Ao dar meia volta, uma cena inusitada. “Balak”, palavra proferida a
Fundada no ano de 789, Fez é a mais antiga das cidades imperiais
plenos pulmões pelo nosso “simpático” velhinho, era o aviso de que
marroquinas. Foi a capital por mais de 400 anos e, apesar de ter
lá
de
perdido a importância política, manteve-se como centro cultural e
mercadoria. Mais que um aviso. Era uma ordem nada sutil para que
espiritual do Marrocos. Atualmente é a terceira cidade santa do
o desprevenido transeunte - no caso, eu - “acordasse para a vida” e
islamismo, seguindo os passos de Meca e de Medina. No coração de
vinha
um
burrego
carregando
imensos
balaios
43
Fés el-Bali fica a imensa Mesquita de Kairaouine. Construída em
O cheiro de ervas, cominhos, tajines e especiarias domina o ar. As
857, é uma das mais antigas e importantes mesquitas do mundo
barracas de frutas secas, óleos e de ervas medicinais apresentam-se
árabe ocidental.
em uma explosão de cores. Fotos do rei Mohammed VI - estampadas de modo onipresente em todos os estabelecimentos comerciais -
Entrar na Medina por sua entrada principal, o Bab Boujeloud - um
parecem nos vigiar. Cabeças de camelos e cabras ficam expostas nos
imenso portão azul e branco construído em 1913 - é como pegar
açougues. Fez é definitivamente uma experiência que assalta todos
carona na máquina do tempo. Cada passo é como se perder na
os sentidos.
escala temporal. Íamos, pouco a pouco, sendo transportados a um mundo medieval que – como ficou claro no episódio com os
Seguimos até a Rue Talaa Kebira, onde se encontra a Medersa Bou
burregos - pouco mudou com o passar dos séculos. A cidade é um
Inania. Esta escola de teologia, construída no ano de 1350 pelo
“labirinto encantado abrigado do tempo”, como bem descreveu o
sultão Bou Inan, é a mais antiga do mundo árabe-islâmico. Mais em
escritor Paul Bowles em seu livro “O céu que nos protege”.
frente estão o Fondouk el-Nejjarine ou Museu das Artes e Artesanato em madeira (Rua Place el-Nejjarine; tel.: 055 740 580) e
Em suas ruas vende-se de tudo: roupas, carne de cabra, produtos de
o Museu Dar Batha (Place du Batha; tel.: 055 634 116).
couro, ervas medicinais, narquiles, tapetes, jóias, temperos, almofadas, especiarias, frutas, flores, rádios, livros, sandálias,
Subimos uma escadinha bem estreita até o terraço do “Terrasse de
amuletos, sanduíches de pâncreas recheados de grão-de-bico e
Tannerie”, uma grande loja de produtos em couro. Lá de cima era
cabeças de camelos. O vai e vem de pessoas (e mulas) é intenso. O
possível apreciar uma panorâmica impressionante. Subitamente, um
barulho da confusão de vozes é incessante. Do alto de uma mesquita,
cheiro fortíssimo - misto de esterco de galinha curtido, ácido
a potente voz do muezim convoca os fiéis para rezar. "Allah u
sulfúrico, amônia e couro de animais recém sacrificados - invade o
Akbar!”.
ambiente, queimando nossas narinas. É o anuncio de que chegamos
44
aos famosos Tanneries, os curtumes de tingimento de couro,
jaquetas, chapéus, cintos, mochilas e etc. Depois nos convida para
símbolos da cidade. Lá de cima temos a visão completa do processo,
conhecer a loja de ervas medicinais e o atelier de tapetes. Em meio a
que permanece praticamente a mesmo há 700 anos.
chifres de antílope, pele de lagarto, mandalas e inúmeras prateleiras de frascos coloridos, um vendedor explica em um inglês impecável.
Sobre lombos de burros, pilhas de peles de carneiro recém abatido,
“Temos a solução para tudo. Dor de cabeça, acne, problema de pele,
ainda com suas cabeças e cornos, são penduradas nas paredes.
reumatismo, asma, emagrecimento, calvície, insônia, impotência.
Dezenas de homens trabalham em frente a grandes tanques no
Mas não temos nada aqui para o Câncer, Aids e Alzaimer.”, disse
processo lavar, amaciar, desengordurar, tirar os pelos e tingir o
com a cara mais séria do mundo. Na outra sala, um imenso tear é
couro. Cada tanque, com quase dois metros de diâmetro, é cheio até
conduzido de maneira ágil pelo rapaz que trança linha por linha um
a metade com tinturas com pigmentos de diversas cores. O amarelo é
lindo tapete verde esmeralda. “Vendo meus tapetes no E-Bay”, disse
extraído do açafrão, o vermelho da papoula, o azul do índigo, o
outro vendedor, que já havia morado no Texas, com um sotaque
verde da menta, o preto do antimônio e o branco de esterco de
engraçado de cowboy de filme.
pombo. Por detrás daquela visão impressionantemente exótica, dezenas de casinhas (cada uma com uma antena parabólica)
A lua já brilhava minguante sobre os imensos muros de pedra
saltavam desordenadamente pelo lado de fora dos muros da Medina,
quando pegamos o caminho de volta até o nosso hostel, por aquele
compondo a Fez el-Jdid (parte nova da cidade) e a Ville Nouvelle
labirinto de ruas estreitas. Andava distraído admirando o caótico vai
(um moderno centro de negócios).
e vem, quando recebo um toque sutil nas costas. Ao me virar, outro simpático velhinho – acompanhado da sua mulinha – suplica:
O dono do terraço nos convida para sentar e tomar um chá de menta, - Por favor, posso passar?
enquanto seus homens nos oferecem toda variedade de produtos de couro. Bolsas, carteiras, almofadas sandálias, porta moedas, casacos,
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Restaurant dês Jeunes (Rue Serrajine), o Fez Lounge (Zkak
Dicas do Mochileiro - Fez
Rouah, nº 95) e o B´sara Talls.
-- > A Medina de Fez é um verdadeiro labirinto. Aventurar-se por
-- > Muitos dos hotéis baratos estão aglomerados pertos do portão
suas mais de 9.000 ruelas e becos é uma experiência única. Caso
principal da Medina, o Bab Bou Jeloud. O Hotel Cascades (rue
queira fazer uma visita guiada, tome muito cuidado para não
Serrajine, tel 035 638442) é um dos favoritos dos mochileiros pela
contratar guias falsos. Os guias credenciados podem ser encontrados
localização central e pelo terraço com uma bela vista. Os quartos são
através do escritório de turismo de Fez, na Place de La Résistance.
bem simples, mas limpos. Um quarto duplo custou 150 drhs / noite.
-- > Você pode encontrar todo tipo de mercadoria nos souks da
-- > Em Fez el-Jedid, a parte mais nova da cidade, as grandes
cidade. A Rue el-Attarine é uma das parte mais vibrante da medina,
atrações são o Palácio Real (fechado aos turistas), com suas
vendendo frutas, vegetais, especiarias e ervas. Se for comprar algo,
imponentes portas e o mellah, o antigo quarteirão judeu, com suas
lembre-se: "There is no fixed price in Morocco". Pechinche sem
sinagogas e cemitério. Só vale a pena visitar, se estiver com tempo
piedade e trate o ato de negociar como um jogo amigável. A
sobrando.
barganha é uma parte intrínseca da cultura marroquina. -- > A estação de trem de Fez fica na Ville Nouvelle, na rue Imarate
-- > Os mercados perto do Bab Bou Jeloud (perto do Hotel
Arabia (tel: 055 930 333).
Cascades) estão cheios de restaurantes bons e baratos. Uma boa pedida é o Café Medina (Derb Mernissi, Bab Bou jeloud). Os pratos
-- > Todos os anos, no início do mês de Junho, acontece o Festival
principais custam de 60 a 110 drhs. Outras boas dicas são os
de Música Sagrada Mundial. O mais proeminente festival anual do
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país traz fãs e artistas da “world music” de todo o mundo. Durante o festival é muito difícil arranjar alojamento, por isso reserve com antecedência.
-- > Um bom lugar para terminar o dia é no bar do terraço do Hotel Palais Jamai (Bab Guissa), uma antiga mansão do século XIX, localizado em uma colina acima da Medina e cercado por um magnífico jardim andaluz de laranjeiras, limoeiros, palmeiras e ervas medicinais. De lá, é possível apreciar o cair da noite sobre os telhados medievais, ouvindo o coro dos muezins convocando para as orações.
Todas as informações foram apuradas no dia 15 de fevereiro de 2008 e atualizadas no dia 06 de outubro de 2009.
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amarga, outras nem tanto, mas sempre ali, presente. Na memória,
Carta à Dona Saudade
num sorriso, numa música, em uma carta, num olhar carinhoso, nas fotos no mural, na chuva que cai lá fora e em cada pequena solidão. I get along without you very well, of course I do Except when soft rains fall, and drip from leaves then I recall The thrill of being sheltered in your arms Of course I do, but I get along without you very well (I get along witout you – George Carmicheal)
Saudades da família, dos amigos, dos que estão longe, do pai, de um abraço gostoso, da mãe, do sitio, de suco de fruta, da Bahia, dos que foram pra longe, da simpatia, do Brasil, da água de coco, do Ben Ben, do acarajé, do sol, do mar. Saudade ...
Quarto 302, Word Spru, Braga, 08 de abril de 2008 S-A-U-D-A-D-E ... Sabia que você é quase exclusividade da língua Olá, senhora saudade. Sei que devo chamá-la de “senhora”, um
portuguesa? Palavra praticamente intraduzível para outras línguas?
tratamento formal, digno da sua respeitosa figura. Peço-lhe, porém,
Em todos os outros idiomas, se quisermos te definir teremos de usar
que me permita uma maior intimidade. Caso não se importe, gostaria
mais de uma expressão para chegar num sentido semelhante.
de te chamar carinhosamente de “dona”. A verdade é que, depois de
Exemplo: “i miss you”, em inglês; “je tu manque”, em francês; “ich
seis meses vivendo longe do Brasil, me sinto próximo como um
vermisse sie”, em alemão; “mi-e dor de tine”, em romeno e etc.
velho amigo seu. Conheço-te bem. Sei que quando acabar de ler esta
Todas semelhantes, mas nenhuma com tamanha força e significado
carta, vai chorar - toda saudosa - sentindo falta do que já passou.
quanto o seu, dona saudade.
Mas, apesar do chororô, preciso escrever o que sinto por você. Você é realmente uma dona muito difícil de descrever. É complicado Espero que não se ofenda, mas sou obrigado a admitir: tenho
passar para o papel algo ao mesmo tempo tão concreto e intangível;
convivido com você, chorosa dona, mais do que gostaria. Às vezes
tão real e imaginário; tão presente e abstrato. Muitas vezes faltam
48
palavras para contar o que passa pelo coração. Não sei como você,
seria pequenino, como uma bola de gude. Definitivo, como tudo que
sendo uma palavra tão simples, delicada e até fácil de pronunciar,
é simples.
pode conter em si tamanhas dores, sentimentos, ausências e amores. Só você consegue dar sentido a esse instante em que o momento
A verdade é que ficamos impotentes diante sua presença, triste dona.
tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue. Só
Não somos não que a temos. É você quem nos tem. Dentre todas as
você consegue traduzir a nossa alma dizendo pra onde ela quer
dores, você com certeza é uma das que mais dói. É a dor de não
voltar. Só você, misteriosa dona.
saber, de não estar, de não poder voltar. Não saber o que fazer com os dias que não passam. De não estar com que se quer. De não poder voltar no tempo e viver pra sempre aquele momento.
Olha saudade, tenho-lhe uma pergunta: quem foi o seu inventor? Talvez tenha nascido quando Deus, num passeio pela via láctea, sentiu a falta do brilho da estrela de Belém, perdida na outra
O engraçado dessa história, cara dona, é que lá no fundo não me
infinidade do universo. Ou talvez, tenha nascido quando a lágrima
sinto triste com você. Às vezes fico melancólico, saudoso, pensativo.
do primeiro homem - torturado pela ausência da amada - caiu no
Mas não triste... Sinto-me até feliz de te sentir aqui tão perto. Feliz?
chão. Certamente, quem te inventou conheceu a dor da distância.
Sim ... feliz! Mas como, se essa palavra parece não combinar com
Mas, ironicamente, quem inventou a distância esqueceu que você,
você? Na vida tudo é relativo, não é, irônica senhora? Felicidade e
dona saudade, existia. Se soubesse da certeza da sua dor, pensaria
tristeza andam juntas, ligadas por traços gêmeos. Muitas vezes a
duas vezes. O litoral brasileiro voltaria a ser coladinho com o da
diferença só depende de que lado decidimos ver as coisas. Afinal,
África, a Europa seria novamente junto da Ásia e a Pangéia nunca
quantos lados têm o mundo no parecer dos olhos do camaleão?
deixaria de existir. As barreiras se desfariam na poeira e não haveriam cercas embandeiradas separando quintais. Então, o mundo
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Você é a dor que mais dói isso é verdade. Mas, por outro lado,
Não é você que é triste, minha cara dona ... Tristes são aqueles que
dialética dona, também é a maior prova que tenho de que o passado
não têm motivos para te sentir.
valeu à pena. É a certeza de ter vivido o que algum dia, em algum Com carinho,
lugar, me marcou pra valer. Dependendo de como se olhe, você não quer dizer que estamos separados, mas sim que um dia estivemos
Davi Carneiro
juntos. Não fico triste por que algo de bom passou. Fico feliz por esse algo ter acontecido. Você é uma conseqüência inevitável.
E como é bom ... Como é bom ter saudades das brincadeiras da infância. Como é bom querer voltar para aquele lugar especial. Como é bom ter saudades de alguém quando a chuva bate na janela. Como é bom se lembrar da sensação de estar protegido nos braços de quem se ama.
Como é bom interrogar uma estrela e ter a certeza que ao longe, bem longe, outro alguém contempla este mesmo céu, essa mesma estrela e murmura baixinho: "Saudade!"
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viagem de três dias pelas praias do sul de Portugal. Aceitei de
A dois passos do paraíso
imediato (iria feliz até para o Iraque se bem acompanhado por uma morena linda daquela, é verdade), mas confesso que achei aquela
Lagos, Algarve, dia 22 de junho de 2008
excitação toda para lá de exagerada. “Praia em Portugal? O que poderia ser tão empolgante? O que poderia impressionar alguém
Tem muita gente que, ao visitar o país dos outros, acaba acometida
nascido no Brasil, que tem o privilégio de viver no Nordeste e, o
por um surto de insanidade patriótica. Cansei de conhecer pessoas
mais importante, a sorte de ser baiano?”
assim. Que só exageravam as qualidades do Brasil, queriam vestir – todo o santo dia - a camisa da seleção e faziam questão carregar a
Já havia tido experiências desastrosas com algumas praias do norte
bandeira para cima e para baixo. Não tenho nada contra, mas,
português. Ventos insurpotáveis, areia no olho, água geladíssima,
definitivamente não faço esse tipo. Prefiro a modéstia. Falar do meu
casaco, frio. Uma sucessão de verdadeiros pecados para quem está
país sem excessos. Existe, porém, um assunto que me faz mandar a
acostumado com o litoral da Bahia. É impossível que exista na terra
moderação para as cucuias. Esse assunto é “praia”.
de Camões algum lugar tão bonito quanto às praias cantadas por Caymmi, defendia xiitamente. Um radicalismo que, a partir daquele
Noite do dia 15 de julho, World Spru. O ambiente do quarto 302
fatídico convite, tinha data para acabar. Mais precisamente até o dia
havia sido cuidadosamente preparado a luz de velas. Ao fundo, bem
em que conheci de perto o lugar que redefiniria meus conceitos e me
baixinho, tocava a música “everything” de Michael Bublé. Na tela
mostrariam que estava redondamente enganado: o Algarve.
do laptop, um filme romântico (que terminaria como todos os outros) esperava pacientemente na tecla “pause”. Ainda jantávamos um
Encontrei nesta região do extremo sul português, algumas das mais
delicioso bacalhau com natas acompanhado de um bom vinho
lindas praias que já vi. Um tesouro com cerca de 200 quilômetros de
português quando Alina, bastante empolgada, fez o convite: uma
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areias brancas e finas, águas quentes (pelo menos para o padrão
sobre o mar. Enquanto Alina me puxa, escadaria acima, até o alto de
europeu), tranquilas e de coloração hora azul turquesa, hora azul
um imenso penhasco - onde é possível ter a melhor panorâmica da
celeste, sol o ano todo e imponentes grutas, falésias, enseadas e
cidade - tive de concordar com os árabes. Eles não poderiam ter
arribas. Uma beleza única, totalmente diferente da que temos no
escolhido nome melhor para descrever aquele lugar.
Brasil. Não é a toa que, todos os anos, milhares de portugueses, ingleses, alemães, franceses, espanhóis e holandeses corram para
Do alto daquela varanda rochosa, “Al-Buhar” dispõe-se majestoso
assegurar seu lugarzinho ao disputado sol algarvio.
como um verdadeiro anfiteatro sobre o mar. Os alicerces das numerosas casinhas brancas, voltadas para a enseada, pareciam
Eram às onze e meia da noite do dia 19 quando pegamos o
diluir-se na rocha em que são talhadas. Abaixo, enconchada nas
“autocarro” que saia de Braga em direção ao outro extremo de
falésias, estão as praias do Peneco e dos Pescadores, as mais
Portugal. Cortaríamos, praticamente, todo o país de norte a sul,
concorridas para o banho. Em suas águas, coloridas embarcações
numa longa viagem de dez horas. Chegamos de manhã à
realizam visitas às grutas marinhas da costa. Já nas suas areias,
cosmopolita Albufeira, centro turístico da região e ponto de partida
ouvem-se quase todas as línguas do mundo. Um grupo de alemães
para nosso roteiro. A cidade, que tem uma excelente estrutura
tomava sol, crianças holandesas construíam um castelo, as francesas
hoteleira e vive praticamente do turismo, é abençoada com 23 praias
faziam topless e uma turma de ingleses, muito excêntrica, jogava
de areia clara, bem fina e com imponentes falésias douradas.
vôlei de peruca, bigode, só com aquela sunga escrotíssima do filme “Borat”.
Construída, durante a ocupação árabe no século VII, no topo do Cerro da Vila, arriba com pretensões a península, Albufeira ocupa
Despedimo-nos dessa encantadora cidade. Era hora de seguir em
uma posição inexpugnável. Por isso o nome “Al-Buhar” ou castelo
direção ao Cabo de São Vicente, em Sagres, uma das mais
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lendárias regiões portuguesas. Foi nesse ponto sudeste do continente,
elas, encaixadas perfeitamente nos penhascos desenhados pelo
que teve início a grande aventura ultramar. Dom Henrique, o
vento, as diversas praias - de um impecável azul turquesa - oferecem
navegador, ergueu no alto das escarpas uma imponente fortaleza
a imensidão do oceano. O mar golpeando as falésias agrestes
onde funcionou a mítica Escola de Sagres. Foi aqui que inventaram
entoava uma sucessiva sinfonia em homenagem à natureza
a caravela, aperfeiçoaram a nau, aprimoraram as determinações
indomável do lugar. Sentia-se apenas os odores das flores silvestres
astronômicas e desenvolveram as técnicas de navegação para o alto
e da forte maresia. Ouvia-se as ondas batendo furiosas nas rochas, o
mar. Ali se formaram grandes navegadores, como Cristóvão
adejar das gaivotas, a canção do vento carregado de sal e os suspiros
Colombo, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, que romperam os
de Alina, perfeitamente sincronizados com os meus.
limites do Velho Mundo. Um feito tão grandioso que só teve paralelo cinco séculos depois, quando os astronautas foram à Lua.
Lá embaixo, protegida pela encostas e com um mar transparente,
Atualmente, Sagres se resume a um pequeno porto de pesca, distante
encontra-se a bela Praia do Beliche, muito procurada para a prática
da sua legendária importância do passado. Mas ainda é possível
do surf e bodyboard. Mais a frente, inserida na enseada da Ponta de
sentir a presença dos lendários navegadores ecoando na paisagem
Sagres e do Cabo de São Vicente, está a Praia do Tonel, ótima para
que se abria, magnífica, em nossa frente. Um panorama que veio,
o banho. Já a Praia do Barranco surge na desembocadura de um
para quem o subestimava, como um soco no estômago, mas daqueles
dos vales mais bonitos da região com encostas cobertas por um
dados com vontade, impiedosos, que arrancam de vez todo o nosso
matagal alto de zimbro. É o refúgio ideal para quem quer fugir da
fôlego.
agitação. Muitas outras, quase desertas, são a personificação da praia perfeita, que a maioria das pessoas, infelizmente, só encontrará em sonhos.
Suas imensas paredes rochosas e falésias escarpadas, algumas de até 60 metros de altura, erguiam-se altivas, imponentes, surreais. Entre
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À distância de um golpe de vista, se encontra o Cabo de São
estruturada e o mais importante ... com lindas praias. Lagos se
Vicente, um dos pontos mais ocidentais da Europa continental. O
mostrou uma verdadeira pérola do além mar.
lugar recebeu esse nome por ter acolhido os restos mortais do santo, durante as invasões mouras. Na fortaleza do Cabo de São Vicente,
A cidade é, também, rica em história. Chegou a ser a capital do
erigida no século XVI para proteger a costa dos frequentes ataques
Algarve, entre 1576 e 1756. As viagens dos descobrimentos
de piratas, encontra-se um farol de 1904 ainda em funcionamento
transformaram-na num efervescente centro naval, mas também em
(possui a raio de luz mais poderoso da Europa). Na outra ponta, no
palco de uma triste página da História. No centro, uma placa assinala
cabo de Sagres, está um dos monumentos portugueses de maior
o local do primeiro mercado de escravos da Europa, aberto em
aura mítica: a fortaleza de Sagres. Esse local de profundo valor
1441, quando o explorador Nuno Tristão trouxe para o Velho Mundo
histórico e simbólico foi erguido pelo infante D. Henrique no ano de
os primeiros cativos do Saara. O centro da cidade é dominado por
1450.
edifícios dos séculos 18 e 19 e por uma parte da fortaleza construída pelos árabes no século VIII e ampliada pelos portugueses no XVI.
Apesar da incrível experiência em Sagres, o Algarve parecia não estar contente. Queria me surpreender ainda mais. Como se estivesse
Suas praias merecem um capitulo a parte. Aqui estão algumas das
empenhado em jogar por terra, de uma vez por todas, aquele
melhores de toda Europa. Eu e Alina fizemos uma trilha passando de
preconceito praieiro do início do texto. Dizem que o último pedaço
praia em praia até chegarmos à ponta da Piedade. No total são oito
do bolo é sempre o mais gostoso. Talvez por isso, Lagos, a
principais em uma deslumbrante sucessão de enseadas, arribas,
derradeira cidade do nosso rolê, tenha sido a mais especial. Ela
grutas, praias rochosas e amplos areais. A Meia praia, a praia do
mereceu esse prêmio pelo conjunto da obra. Acolhedora, viva,
Camilo e a Dona Ana são as mais bonitas e procuradas pelos
dinâmica, cosmopolita, encantadora, romântica, aconchegante, bem
turistas. Na ponta da piedade, uma vista lindíssima: um monumento
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natural composto de curiosas formações rochosas esculpidas ao
mas uma categoria. Se o sol brilhar quase todo o ano, a comida não
longo dos séculos pelo mar e pelo vento. Uma sequência de falésias
tiver medo de tempero e o povo estiver empenhado em ser feliz, o
e rochas debruçadas sobre o mar, formando magníficos labirintos e
lugar se classifica no seu universo de “Bahias”. Bali e a Tailândia
túneis.
seriam as “Bahias” da Ásia, o Marrocos a “Bahia” do mundo Árabe, o Rio de Janeiro a “Bahia” mais perto de São Paulo, New Orleans a
Mais tarde, após um gostoso banho no Albergue da Juventude,
“Bahia “dos Estados Unidos e assim por diante. Depois de dez
saímos para tomar algo. Alina estava maravilhosa em um estonteante
longos meses morando em terras lusitanas e 509 anos depois de
vestido cor da pele. Não era a toa que cada pedacinho da cidade
Cabral “achar” o Brasil, finalmente havia descoberto – de maneira
parecia mais encantador e romântico naquela noite.
fulminante - onde está a “Bahia” portuguesa.
Na praça
central, grupos de apresentação folclórica, formados pelos moradores da região, prestavam antecipadas homenagens a São
Na longa viagem de volta de Lagos até Braga, recebo uma
João. Pessoas de todas as idades, vestidos com roupas típicas,
mensagem SMS de Xumi Uchôa. “Fala Davizinho. Como foi o rolê
dançavam, bebiam, cantavam, faziam comidas regionais e o mais
pelo Algarve?”
importante, mantinham vivas as tradições populares do Algarve. Respondi de forma categórica naquele curto espaço de 140
Fechamos a viagem com chave de ouro.
caracteres. Tenho de admitir. Aquela jornada fez meu bairrismo praiano ir “Você não vai acreditar, irmão. Mas estive a dois passos do paraíso”.
literalmente água abaixo. Li certa vez, em uma crônica do publicitário Ricardo Freire, que existem várias “Bahias” espalhadas pelo mundo. “Bahia”, para ele, não é apenas um lugar específico,
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-- > Itinerários, preços e horários dos ônibus podem ser verificados
Dicas do Mochileiro – Algarve
em sites como o www.rede-expressos.pt, www.transpor.pt e www.eva-bus.com. O preço da passagem de Braga até Albufeira -- > As diversas cidades do Algarve ficam a pequenas distâncias
(586 km) foi de 27 euros. Já o trecho Albufeira até Lagos (56 km)
umas das outras. Para economizar tempo (e dinheiro!) na hora de
custou cinco euros e de Lagos a Sagres (33 km) foi de um euro e
escolher um albergue e se locomover entre os locais que queríamos
setenta cents.
visitar, decidimos estabelecer uma cidade intermediária como cidade base da nossa aventura. A cidade de Lagos foi uma escolha perfeita,
-- > A culinária Algarvia é uma tentação para aqueles que assim
por sua posição estratégica e pela ótima estrutura turística e de
como eu são loucos por frutos do mar. A maioria dos restaurantes
transporte.
são caros para os padrões “mochileiro”, mas faça um esforço e tire pelo menos um dia para experimentar os pratos típicos locais. Seu
-- > Ficamos hospedados na excelente Pousada de Juventude de
paladar vai agradecer. Fica a sugestão: experimente o arroz de
Lagos (Rua Lançarote de Freitas, 50 8600-605, tel. 351 282 761 970
safio, as lulas com ferrado à Algarvia, a Salada Algarvia e o
www.pousadasjuventude.pt, lagos@movijovem.pt). Além de ser
açorda à Algarvia
muito bem localizada (as praias ficam à apenas cinco minutos a pé), a qualidade dos serviços é muito boa. Os quartos são limpos, espaço
-- > Para aqueles mochileiros que gostam de visitar monumentos
social agradável, dispõe de cozinha, lavanderia, internet. O café da
históricos, uma boa dica é o Castelo de Paderne em Albufeira. É
manhã também é incluso. Os preços variam da alta para baixa
um dos sete castelos simbolizados na faixa carmesim que rodeia o
temporada (17 – 11 euros no quarto múltiplo).
escudo branco da Bandeira Nacional. Construído no século XII pelos árabes, foi conquistado em 1280 por D. Paio Peres Correia. É um
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excelente exemplo da arquitetura militar muçulmana, com
ponto de informações turísticas, onde poderá receber informações,
construção em taipa.
pegar mapas e ver os horários dos ônibus.
-- > Se possível, tente apanhar o pôr do sol no Cabo de São Vicente.
-- > Lagos e Albufeira tem ótimos passeios de barco pela costa. A
É uma experiência inesquecível. Mas, não deixe de levar um casaco,
maioria custa 10 euros por 45 minutos de viagem. Em Lagos, os
pois, frequentemente venta muito,
melhores passeios saem da Ponta da Piedade. Já os melhores em Albufeira saem da praia do Peneco. São passeios que valem à pena.
-- > Albufeira tem dois terminais de ônibus. Um é localizado no centro da cidade (Avenida da Liberdade, tel 289 589 755) a cinco
Todas as informações foram apuradas no dia 22 de junho de 2008 e
minutos a pé do Largo Engenheiro Duarte Pacheco e outra
atualizadas no dia 08 de outubro de 2009.
localizada no Alto dos Caliços (tel: 289 580 611).
-- > A estação de trem de Lagos fica na rua estrada de São Roque, a quinze minutos andando do centro da cidade. Já a rodoviária fica localizada no Largo Rossio de S.João, próximo à Avenida dos Descobrimentos (tel: 282 762 944)
-- > Os ônibus vindos de Lagos param perto da Praça da República, a praça principal de Sagres. Atrás dessa praça, você encontrará um
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do verão europeu, era espetacular de qualquer maneira – com ou sem
A cidade das cem torres
a superlotação de turistas. Preferi seguir os conselhos de uma elegante família de cisnes que passeava tranqüila lá em baixo, nas
Dia 28 de junho de 2008. Praga, Capital da República Checa.
águas do Rio Moldava, indiferente ao tráfego caótico sobre suas cabeças: ignoro a multidão, respiro fundo e volto a caminhar sem
Ao som da música “Glory, Glory, Hallelujah”, embalada por um
pressa.
velho realejo, piso pela primeira vez na Ponte Carlos IV, um dos cartões postais mais famosos da cidade. A melodia arranca aplausos
Atravesso os 520 metros que ligam Malá Strana à Cidade Velha
dos pedestres enquanto o simpaticíssimo velhinho de chapéu de
mergulhado nas expressões das cerca de 30 estátuas barrocas que
palha, colete vermelho e gravata borboleta roda a manivela do seu
enfeitam a ponte, estupendas contra o céu do fim de tarde. Entre as
instrumento musical. Passos adiante um grupo de artistas termina a
esculturas mais notáveis, as de São Luthgard, a do Calvário e a de
pintura de um postal enquanto um trio de músicos auto-intitulado
São João Nepomuceno, de longe a mais concorrida pelos turistas.
“Prague Funfair Orchestra” encanta os turistas com canções
São João era o confessor particular da rainha Praga. Foi prisioneiro
folclóricas checas. Encosto no parapeito, ao lado de uma garotinha
por se recusar a contar ao rei Venceslau, que andava com a pulga
que se rende aos traços precisos de um caricaturista, e aproveito para
atrás da orelha, o segredo que havia escutado no Santo
sentir a brisa beira-rio.
confessionário. Acabou torturado, queimado, arrastado com uma carruagem e depois atirado no rio do alto da ponte. Diz a tradição
Paro por uns dez minutos na tentativa de admirar a panorâmica,
que na noite de sua morte cinco estrelas caíram do céu e ficaram
unicamente maculada pelos passos bárbaros das centenas de turistas
rodando acima do local onde foi afogado. Por isso, João
que passam apressados em um vai-e-vem frenético. Mas não me importava. A vista da ponte, perfeitamente emoldurada pelo céu azul
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Nepomuceno é considerado o Santo dos confessores, o guardião das
ter muita idade para sentir aquela mesma magia. Estamos em Praga,
pontes e ainda, de quebra, padroeiro da Boêmia.
a capital da República Checa e, sem exageros, uma das cidades mais lindas do mundo.
Ao passar ao lado da aglomeração de turistas que se acotovela em frente ao Santo, escuto alguém dizer que basta tocar o pé da estátua
Despeço-me da ponte sob o olhar vigilante do Castelo de Praga
para garantir que um dia você ainda retorne a esse lugar. Por vias das
que, lá de cima, coroa o cenário com jeitão de conto de fadas.
dúvidas, desvio rapidamente meu caminho e espero pacientemente
Continuo meu caminho por ruelas charmosas, edifícios preservados,
no final da fila. Na minha vez, seguro firme no pé do Santo e faço
torres góticas, templos barrocos, jardins e cúpulas douradas. E a
uma prece silenciosa. Afinal, qualquer “ajudinha” que me faça voltar
impressão é de estar dentro de uma fábula, onde tudo reluz e tem
a essa cidade maravilhosa será muito bem vinda.
iluminação perfeita. Como é de praxe em contos infantis, Praga teve também um anjo da guarda e uma fada madrinha. “Contam que um
É possível sentir uma certa magia no ar. A torre gótica na beira da
dos generais mais influentes de Hitler havia passado sua lua de mel
ponte (de onde se tem a melhor panorâmica da ponte) e a sua
aqui. Ele e sua esposa acabaram apaixonados pela cidade. Por conta
inusitada arquitetura, a cúpula da Catedral de San Nicolas, o
dessa paixão fomos a única capital do leste europeu que quase não
amontoado de casinhas renascentistas e barrocas de várias cores, a
foi bombardeada durante a Segunda Guerra. Nossas atrações
expressão das muitas estátuas, a trilha sonora dos os artistas de rua, o
permaneceram intactas, sem um único arranhão”, explica nossa
Rio Moldava com suas famílias de cisnes. Cada detalhe parece ter
simpática guia checa num português esforçado e de sotaque
sido pincelado por um pintor surrealista. Um turista com cara de
engraçadíssimo.
alemão passa por mim apressado, carregando um lindo bebê no colo e tenho a nítida sensação de que ele estava sorrindo. Não é preciso
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A atitude do general é justificada a cada esquina. Só de atrações
amarelo. O choro da alemã ao meu lado contrastou com os gritos de
cinco estrelas, Praga tem mais do que o suficiente para esgotar o
alegria dos espanhóis. A fúria, depois de 48 anos, voltava a sagrar-se
tempo livre dos viajantes e mochileiros - apesar de todas serem
campeã européia de futebol.
inacreditavelmente perto umas das outras. O complexo Relógio Astronômico, onde, a cada hora cheia, bonecos articulados repetem
Após o jogo, caminhamos algumas ruas até alcançar o Quarteirão
o desfile que encanta os turistas, fica na enorme Praça da Cidade
Judaico e a sua história de sofrimento na época do Nazismo. Em
Velha, cheia de cafés e casas que são uma aula de arquitetura: vão
1939, imediatamente depois à ocupação alemã, mais de oitenta mil
do gótico ao rococó.
judeus checos foram deportados para os guetos de concentração de “Teresín” e de “Allí”. Destes campos voltaram, somente, uns 10 mil.
Foi aqui - por entre torres, prédios renascentistas e uma pequena
Nas paredes da Sinagoga Pinkas, dentro do Bairro, estão inscritas
multidão de alemães e espanhóis - que assistimos ao jogo da final da
um comovente memorial aos judeus checos mortos no Holocausto.
Eurocopa 2008. Uma grande festa, com direito a malabaristas,
Bem ao lado da Sinagoga, encontra-se o Antigo Cemitério Judeu.
animadores em cima de pernas de pau e de um excelente show de
Nele encontram-se milhares lápides se aglomeram umas sobre as
uma banda feminina de rock (antes que você pergunte: sim, as
outras. Este surpreendente pequeno local foi durante mais de 300
mulheres checas são lindas!) tocando o melhor do AC/DC.
anos o único local de sepultamento autorizado aos judeus. Devido à
Aproveito para tirar fotos com as torcidas. Barulhentas, só pararam
falta de espaço, pode-se ver hoje mais 12 mil lápides se aglomeram
de esgoelar gritos de guerra na hora de tocar os hinos de cada país.
umas sobre as outras, apinhadas em um pequeno espaço.
Era hora de todos esquecerem as diferenças futebolísticas e se
Mais a frente, o Rio Moldava surge no espaço de algumas pernadas.
aglomeraram em frente do imenso telão. Um golaço de Fernando
Suas pontes levam a Malá Strana (cidade pequena), bairro repleto
Torres e noventa minutos depois, uma explosão em vermelho e
de belos jardins e sede da Catedral de São Nicolau, um dos marcos
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do horizonte da cidade. Gastamos toda uma tarde desse lado da
país, com suas torres góticas e lindos vitrais que filtram a luz do sol.
ponte. A viela Dourada, com suas casinhas coloridas, é um clássico.
Ao longo das muralhas, antes da descida (com vistas panorâmicas)
De lá até o majestoso Castelo de Praga, seguimos o caminho
de volta para a cidade, fica a charmosa viela Dourada, com casinhas
tradicional pela Rua Nerudova, que muito antes de ser batizada em
coloridas hoje recheadas de suvenires. No século 16, elas abrigaram
homenagem a Jan Neruda, poeta e jornalista tcheco do século 19, foi
guardas e artilheiros. Mais tarde, artistas pobres mudaram-se para lá,
o último trecho do Caminho Real, a rota percorrida pelos reis da
até mesmo o escritor Franz Kafka, um dos mais célebres filhos da
Boêmia da cidade até o castelo durante a coroação - não é difícil
cidade, que morou no número 22. De volta a frente do palácio,
imaginá-los ali, cercados de gente e de glória. Os simpáticos cafés e
assistimos a troca da guarda real checa. Um desfile bem parecido
restaurantes que atualmente dominam a rua preservam as fachadas
com o londrino, só que sem o glamour, a roupa vermelha e os
com os emblemas originais. Eles identificavam as casas até surgirem
chapelões do primo famoso.
endereços com números. A dos três pequenos violinos (número 12), por exemplo, foi de uma família de fabricantes do instrumento, por
O fato de as atrações estarem todas tão próximas umas das outras
volta de 1700. Mais a frente, identifico-me de imediato com a
não significa que ela deva ser vista de um fôlego só. Pelo contrário:
casinha número 253. Um imponente carneiro avisa: tecelões de lã
o melhor da cidade está justamente na oportunidade de assistir mais
moraram ali.
de uma vez à virada da hora no Relógio Astronômico, se perder pelas ruazinhas de Malá Strana, percorrer cada esquina da Cidade
No Palácio Real, além de enormes salões e capelas, vê-se a janela
Nova ou de cruzar incansavelmente a Ponte Carlos, já que eles
de onde nobres protestantes arremessaram dois governadores e um
ficam no caminho para outros lugares de interesse. E em recuperar o
secretário católico em 1618. Nos domínios do castelo ergue-se
ar em paradas estratégicas: assistindo, perto da Ponte Mánesuv no
também, imponente, a Catedral de São Vito, o coração espiritual do
lado da Cidade Velha, ao sol se pôr atrás do castelo, curtindo os
61
concertos que acontecem em várias igrejas da cidade ou tomando
teria dito: eu posso prever o futuro. Aqui, nessas terras nascerá uma
uma Pilsner Urquell em caneca de meio litro servida em casas
grande cidade. Uma cidade tão linda e especial que a sua fama irá
centenárias.
alcançar as estrelas.”
Chegava a hora do adeus. Talvez pudesse começar a me despedir
Muitos séculos depois, tive que balançar a cabeça e torcer para que a
contando sobre a sensação que senti ao subir pela primeira vez no
princesa esteja certa.
castelo de Praga. Talvez pudesse falar sobre a paisagem da cidade do alto do castelo ou ainda sobre experiência de assistir uma das
“Amém, que assim seja. Que Deus, Allah, os Orixás e Todos os
famosas peças do Teatro Negro checo. Podia, também, contar sobre
Santos queiram que a fama de praga realmente chegue ao infinito.”
suas muitas igrejas e prédios de arquitetura “art nouveau”. Poderia falar do gosto de uma saborosa salchicha checa regada por uma pivo (cerveja em checo) tamanho “large”. Ou do prazer de passear em uma praça que parecia saída de um conto de fadas. Mas, prefiro despedir-me lembrando as palavras da nossa simpática guia ao explicar a história das muitas torres que cercam a cidade.
“Praga é conhecida como a cidade das 100 torres. Cada uma dela, com sua haste apontada ao infinito, nos fazem lembrar a visão profética que a princesa Libuše, a fundadora da cidade, teve no século VIII. Ao ver, pela primeira vez, as terras em volta do castelo,
62
mas toma tempo). Boas dicas são os Arpacay Hostel (Radlická 76,
Dicas do Mochileiro - Praga
Prague 5, www.arpacayhostel.com), o Sir Toby’s Hostel (Delnická 24, Prague 7, www.sirtobys.com) e o Hostel U melounu (Ke Uma das mais belas capitais da Europa, Praga permanece praticamente
intocada
em
sua
atmosfera
melancólica,
Karlovu 7/457, Prague 2, www.hostelumelounu.cz).
tão
característica da Europa do Leste. Tendo sobrevivido às duas
-- > Solto em Praga e cansado de carregar a mochila? Quer chegar ao
grandes guerras deste século, ainda hoje, 11 anos após a queda do
Castelo, mas não quer subir o morro? Esqueceu como se fala “Por
comunismo, celebra uma espécie de renascimento cultural que toma
favor, senhor, qual o bonde que devo tomar para ir ao teatro
conta da cidade durante o ano todo. Por toda parte, artistas de rua
nacional” em tcheco? Seus problemas acabaram! Conheça o Bonde
dividem a atenção com a beleza da cidade, representada pela
22, seu amigo de toda hora (entre 4h30 e meia-noite). O Bonde 22 é
arquitetura das catedrais góticas, palácios barrocos e edifícios art
quase tudo que você precisa saber sobre bondes em Praga, porque
nouveau. Abaixo algumas dicas para aproveitar melhor a cidade.
ele percorre virtualmente todos os pontos por onde você vai passar. A linha começa lá no subúrbio sudeste de Praga e vem cortando a cidade na diagonal, com direito a paradas em quase todo centro
-- > Os preços dos albergues, em se tratando de Europa, são bem
histórico. Uma excelente dica.
razoáveis: num quarto com mais sete, é algo como € 10 a € 12 por noite. Diminua o número de pessoas no quarto e os preços sobem até
-- > Além de todas as qualidades turísticas, Praga é muito bem
uns € 26 – € 30, por um quarto solo com banheiro privativo. Tome
servida de restaurantes, cidade onde se come e se bebe muito bem,
cuidado para não escolher um muito distante do centro (Praga 5, 6,
pra todos os gostos, estilos e orçamentos. Vale a pena provar os
7…). Isso significa que você vai precisar pegar condução para ir até
deliciosos svickova na smetane, que são fatias de filé assadas,
as atrações, ou caminhar bastante (que não é nada mal em Praga,
63
servidas com molho de creme sobre uma base de vegetais. Já para
Existem notas de 20Kc, 50Kc, 100Kc, 200Kc, 500Kc, 1000Kc,
quem quer economizar, a dica é o párek v rohlíku. É uma espécie de
2000Kc e 5000Kc e moedas de 1Kc, 2Kc, 5Kc, 10Kc, 20Kc e 50Kc
cachorro quente típico com tem salsichas vários modelos e tamanho.
e de 50 centavos (haleru). E o valor de troca é € 1 = 28,20Kc; US$1
Um dogão tcheco custa entre 40 e 50 coroas, que dá de 4 a 5 reais ao
= 22,20Kc; R$1 = 10,75Kc.
câmbio de hoje.
-- > A Embaixada Brasileira fica na Rua Praha Panská nº 05, tel:
Todas as informações foram apuradas no dia 28 de julho de 2008 e
224.324.965.
atualizadas no dia 15 de outubro de 2009.
-- > Os centros de informações turísticas chama-se PIS (Prague Information Service) e estão situados em
dois endereços
estratégicos: na Staromestské Radnice, no prédio antigo da prefeitura, junto à praça central e na Hlavni Nadrazi, a estação central de trem. Útil para mapas gratuitos (também disponíveis em hotéis), revistas com programação cultural entre anúncios de jóias, reserva de hotéis e albergues, tickets para concertos, informações gerais sobre Praga e a República Tcheca.
-- > A coroa tcheca, ou Koruna Ceská no original (czech koruna ou crown em inglês), é representada por Kc (eventualmente CZK).
64
é a única língua que, segundo as más-línguas, o diabo respeita”.
Como os pobres mundos se parecem
O poliglota Carlos V, Imperador do Sacro Império RomanoGermânico, costumava dizer algo parecido. Para ele a língua
Budapeste, Hungria, dia 05 de julho de 2008
espanhola era ideal para se falar com os reis, o italiano com a mulher amada, já o francês com o amigo, o holandês com os serviçais, o alemão com os soldados, o latim com Deus e o húngaro com o
Dizem que o húngaro é o idioma mais difícil do mundo. Talvez, seja
diabo. Eu só não sabia que, séculos depois, iria descobrir – com uma
pelo fato de ser uma língua aglutinante, onde não há preposições,
fiscal de metrô mal encarada gritando no meu ouvido - que Chico e
nem declinações, nem gênero gramatical, nem ordem definida das
Carlos V estavam certos.
palavras na frase. Dizem que o húngaro é a língua mais estranha de todas. Deve ser pelo fato de não pertencer ao ramo das línguas indo-
Metrô de Budapeste, dia 05 de julho de 2008. Débora e eu
européias e sim do ramo úgrico da família das línguas urálica. Ou
estávamos em um dos barulhentos vagões que partiam da estação
ainda, por possuir palavras inacreditáveis e surreais que mais
Kálvin tér, próxima a Váci utca, a rua peonal mais famosa da
parecem
imoral
cidade. Planejávamos visitar o interior do luxuoso Parlamento
Legeslegmegengedhetetlenebbekkel (sim, isso não é um erro de
Húngaro e para isso tínhamos que chegar até a parada Kossuth
digitação. Significa “com os mais inadmissíveis de todos”, só não
Lajos tér, as margens do Danúbio. Como não havia uma linha direta
me pergunte como é possível que algum mortal consiga pronunciar
entre as duas estações, decidimos em ir até um ponto intermediário e
isto).
de lá fazer uma baldeação até o destino final. Mostro no mapa o
uma
sopa
de
letras,
a
exemplo
da
lugar onde queremos chegar e o rapaz do caixa nos deu um bilhete
No livro Budapeste, Chico Buarque genialmente descreveu a
incompreensível.
impressão que essa língua causa a ouvidos estrangeiros: “o húngaro
65
Tudo corria normalmente até chegarmos à estação Deák tér.
falar uma única frase num inglês tosco: “pay ninety euro or call
Estávamos prontos para entrar no metrô quando, de repente, uma
police”. Isso mesmo, eu nem sabia o que tinha feito e a nossa raivosa
fiscal gorda nos aborda com a sutileza de um pitt bull, impedindo a
“pitt bull soviética” queria que pagássemos uma bagatela de 90
passagem e gritando o que só mesmo o diabão compreenderia.
euros cada !!!
Aquele ser, que mais parecia fóssil comunista, falava sem parar e o
Já estava ficando desesperado com a situação, quando apareceu um
máximo que eu conseguia entender era um “ôôô” gutural,
senhor com ar superior, também fardado de fiscal. “Ufa, finalmente
exatamente como o de um surdo-mudo. Aos meus ouvidos aquilo só
alguém que falasse inglês”. Ele explica que estávamos com o ticket
poderia ser mesmo uma língua “sem eira nem beira”, não constituída
errado e que por isso teríamos que pagar uma multa. Eu repito a
de palavras, frases, sentenças ou de alguma centelha de sentido.
mesma ladainha e dou uma dramatizada. Somos turistas, viemos do
Somente de uma confusão sonora inventada por algum deus irônico
Brasil, era a primeira vez que pegávamos aquele metrô, não nos
e farsante, incumbido de zombar de tudo e de todos. Naquele
avisaram que existia vários tipos de ticket e que o único dinheiro que
momento tive uma única certeza: a língua húngara não é parecida
tínhamos era para comer.
com nada, exceto talvez, com o marciano ou com o idioma falado em Plutão. Foi exatamente assim que me senti: conversando
Para minha surpresa, o fiscal dispensa à gordona e nos chama num
com alguém de outro planeta.
canto: “Meninos, vamos fazer assim. Essa taxa de 90 euros já é uma taxa reduzida para turistas. A multa normal é muito maior. Mas,
Tentei entender o que se passava, comunicando-me em inglês.
estou vendo que vocês são estudantes, e realmente não sabiam o que
Explico que somos turistas, que não falávamos húngaro. Mas, para
estavam fazendo. Podemos dar um jeitinho, sabe como é? Uma mão
piorar a situação, ela não entendia patavinas e continuava a berrar
lava a outra.”. Eu, que já estava achando aquilo muito estranho, tive
naquela língua doida. Eu não conseguia entender o que eu e minha
uma triste sensação de familiaridade ao ouvir essa frase. Já sabia
inocente irmã tínhamos feito, até o momento em que ela resolveu
66
exatamente como acabaria o enredo desse samba: “Vamos fazer o seguinte, vocês me dão 30 euros que eu finjo que nunca vi vocês. Podemos esquecer isso.” Impotente, tive de aceitar. Na saída ainda tenho de apertar a mão estendida por ele em despedia. Saí bufando de indignação por todo o caminho, que tivemos de percorrer a pé, da Deák ter. até o parlamento. O que mais me doía não era aquele achaque, ou o fato de estar 60 euros mais pobre, mas sim, o sentimento de intimidade com aquela situação. É triste perceber como os pobres mundos se parecem, mesmo com povos, culturas e idiomas tão diferentes. Brasil e Hungria se entendiam perfeitamente na degradante língua universal da corrupção. Como já diria Caetano: “O Haiti não é aqui. O Haiti é aqui.”
67
por três euros e visitar um museu por dois euros. O mochilão básico
Dicas do Mochileiro - Budapeste
deve custar entre 30 e 40 euros por dia, com tudo incluso. Já uma viagem mais folgada, com direito até mesmo às tradicionais termas, fica entre 45 e 60 euros por dia.
Budapeste é o resultado da união de três cidades, em 1873. Buda (que abriga o Palácio Real e as Termas Gellért), Peste (que
-- > O câmbio para a moeda húngara, o Forint (Ft), é uma coisa tão
concentra o Parlamento, a Ópera, a Basílica de São Estevão e a
surreal quanto a sua língua. Um euro vale 262 Ft, o dólar vale 203Ft
maioria dos tradicionais cafés) e Óbuda. Entre Buda e Peste, o
e o real 97 Ft. Tenha sempre uma calculadora na mão se não quiser
Danúbio e suas lindas pontes. A cidade tem um charme único,
ficar doido com tantos cálculos.
provocante, caótico, underground, imprevisível e bem diferente do de Praga e Viena. Impossível não se encantar com a arquitetura de
-- > Budapeste é uma cidade que merece ser apreciada como um
seus imponentes monumentos, com sua culinária, suas belas
bom vinho: com calma e sem pressa. Reserve no minino dois dias do
mulheres, sua agitada vida noturna, com a beleza do seu castelo e
seu mochilão para explorar a cidade. O ideal é passar de três a mais
pontes e com a maneira peculiar como edifícios ainda com marcas
dias, mas se você estiver com o roteiro apertado, não se desespere.
de balas da segunda guerra convivem com a modernidade dos
Dá para conhecer as principais atrações turística racionalizando bem
arranha-céus, butiques de luxo e lojas de grife. Algumas dicas úteis
seu tempo.
para aproveitar melhor a cidade:
-- > A Hungria tem uma vasta culinária. Nada é mais tradicional, ao
-- > A Hungria é um dos países europeus mais baratos para viajar -
menos aos olhos ocidentais, do que o goulash, um grosso caldo de
tendência a mudar devido à adesão à União Européia. Aproveite
carne com batatas e cebolas temperado com páprica. Similar é o
enquanto ainda é possível ficar num albergue por 12 euros, comer
68
pörkölt, feito de porco. Famosa também é a Palacsinta, massa de
-- > Cuidado no metrô. Os single tickets valem somente para uma
panqueca e a Hortobagui Palacsint, com galinha. O vinho é uma
linha. Se for usar mais de uma linha, compre o transfer ticket ou
bebida muito apreciada e cervejas húngaras como Dreher e
compre outro single ticket.
Kobanyai são bastante populares. Comida aqui não é cara; vale, portanto, investir na legítima gastronomia húngara. Boa opção é um
-- > Muito cuidado ao pegar taxis nas ruas. Prefira sempre os oficiais
lugar chamado Fatal na rua Váci 67, servindo comida húngara por
como taxi2000, fotaxi, 66, city taxi, tele5, est taxi.
1.000Ft a 3.000Ft numa porção suficiente para duas pessoas. Outra dica interessante é o bar/restaurante Verne, na mesma rua, quase ao
-- > Se estiver entre março e abril, antene-se para o Budapest Spring
lado, número 60, no subsolo, com sua decoração baseada na história
Festival, o maior festival do país, com danças, música e teatro, ao
de Júlio Verne 20.000 Léguas Submarinas, imitando um submarino e
longo de várias cidades, com o que há de melhor da variedade
servindo bons pratos a partir de 1.000Ft.
cultural húngara.
-- > Se você é fã de doces, não deixe de ir ao Café Gerbeaud (V,
-- > Experimente andar à noite na margem do rio, admirando a
Vörösmarty tér, 7, 429-9000, www.gerbeaud.hu.). O lugar, fundado
iluminação da Ponte das Correntes e dos edifícios em ambas as
em 1870, é o paraíso das tortas e quitutes húngaros. A Dobostorta
margens. Se estiver bem acompanhado, melhor ainda.
(o bolo que provei) foi criada em 1884 pelo grande confeiteiro e escritor gastronômico Jozsef Dobos, descendente de antiga família
Todas as informações foram apuradas no dia 05 de julho de 2008e
de confeiteiros da realeza.
atualizadas no dia 18 de outubro de 2009.
69
ligava Amsterdam a Berlim, a única pendência que não consegui
Prefiro ser essa metamorfose ambulante
reservar pela internet, estava lotado. Resultado: tivemos de desviar mais de 500 km até Frankfurt e perdemos preciosas (e muitas!) horas Berlim, Capital da Alemanha, dia 11 de julho de 2008
dentro de um ônibus lotado.
Torcia para que todo esse esforço valesse à pena e Berlim não me
Caminhávamos trôpegos pelas ruas de Berlim depois de uma longa e
desapontou (graças a Deus!), surpreendendo-nos do primeiro a
desastrada viagem. Havíamos acabado de chegar à capital alemã e
último minuto. Admito que de início não esperava muito da cidade.
cansaço era a palavra perfeita para definir o momento. Eram oito da
Afinal, ela não tem nem de longe o charme de Paris. Sua
noite e já havíamos perdido um dia inteiro de passeio. Alguns metros
gastronomia é constrangedora quando comparado a de Barcelona e
incômodos nos separavam do Circus Hostel e a mochila em minhas
qualquer italiano parece infinitamente mais hospitaleiros que os
costas pesava mais do que nunca.
germânicos.
Para
piorar,
eles
ainda
falam
aquele
idioma
impenetrável, com palavras de 50 letras recheadas de consoantes e
Sobre os ombros, mais do que os quilos de roupa. Incomodava,
tremas. Se você também repete esses estereótipos como justificativa
mesmo, o peso da responsabilidade. Aquele era o primeiro mochilão
para fugir do país, chegou a hora de rever seus conceitos. Berlim,
de Débora, e eu, como todo irmão coruja, queria que tudo saísse
essa verdadeira metamorfose ambulante, foi feita para quebrar
perfeito. Havia planejado minuciosamente todos os detalhes.
paradigmas.
Albergues, passagens de avião, roteiro de atrações, ticket de ônibus, contato com aquele conhecido que iria nos hospedar, tudo bem
Bastou poucas horas caminhando por suas avenidas para esquecer
acertado. A lei de Murphy, porém, resolveu nos pregou uma das
completamente todos os problemas do início da viagem. É possível
suas e aconteceu a única coisa poderia sair errada. O transporte que
70
comprovar - em cada uma das suas esquinas – a sua incrível
futuristas agrupados em torno de um átrio central e cobertos por um
capacidade de reinventar-se frente seu recente passado. Mais
teto de vidro. Há 17 anos ali só havia a desolação do entorno do
moderna
mostra
Muro de Berlim - cuja história você pode conhecer numa exposição
surpreendentemente vibrante, dinâmica, pulsante, underground e
montada em frente à praça, usando fragmentos como suporte. O
parece viver intensamente cada minuto do seu tempo - o futuro.
trecho mais longo do que sobrou do Muro fica na Rua
e
jovem
do
que
nunca,
a
cidade
se
Friedrichshain e é chamado de East Side Gallery. Painéis ao longo As antigas formas sólidas estão recebendo, aos poucos, tons de
dos 1.3 km de grafites e artes incluem o famoso retrato do líder
modernidade. Estações ferroviárias futuristas, museus, praças
soviético Leonid Brejnev beijando Erich Honecker, chefe de
majestosas e prédios de arquitetura arrojada mudaram a cara da
governo da antiga Alemanha Oriental. Em outra parte, a palavra
cidade. Berlim é, também, um grande museu ao céu aberto, com
“Madness13” pichada em letras borradas parece resumir a tumultuada
monumentos de alto valor simbólico. Ao lado dessas atrações,
história do lugar.
oferece a vanguarda de seus músicos, DJs e artistas plásticos, cerca de 170 museus, 500 igrejas, mais de 5.000 bares (com cerca de 6.800
Continuamos pela Avenida Ebertstrasse. Numa de suas pontas está
marcas de cerveja alemãs), 135 teatros e três Óperas, além dos
o famoso Portão de Brandemburgo, construído para celebrar as
parques, galerias e uma vida noturna agitadíssima. Resumindo:
vitórias prussianas nas guerras. Sua praça abriga a Sala do Silêncio,
poucos lugares do mundo respiram tanta cultura como aqui.
administrada pela ONU para que os visitantes reflitam sobre a paz. Do fim do século 18, Portão é inspirado na entrada da Acrópole de
Nosso passeio por esta nova Berlim começou no outro dia bem cedo.
Atenas. No alto das colunas dóricas, cavalos que conduzem a deusa
Com as baterias carregadas, emergimos da estação Potsdamer Platz
Vitória.
A poucos minutos dali, pode-se avistar um campo de
e demos de cara com o Sony Center – um complexo de prédios 13
71
Loucura em inglês
lápides sem identificação, construídas num labirinto de vielas que
passaporte por cinco euros e estudantes vestidos com uniformes
parecem engolir seus visitantes: é o tocante Memorial das Vítimas
militares que posam ao lado de turistas. A cima a placa avisa aos
do Holocausto. Atrás de uma mureta, 2 700 pilares de concreto de
mais desatentos: “Você está saindo do setor americano”.
aproximadamente 2,4 metros de comprimento por 1,3 de largura - e altura variável de até 4 metros - se espalham por uma área
Logo em frente está o Museum Haus am Checkpoint Charlie, com
equivalente a quatro campos de futebol.
Mais a frente, está a
centenas de fotos, documentos, vídeos e muitos outros objetos
belíssima abóbada de vidro do Reichstag do renomado arquiteto
relacionados ao muro de Berlin. É especialmente tocante ver as
inglês Norman Foster. Do alto de sua cúpula transparente, uma vista
tentativas desesperadas e espetaculares de escapar do lado
impressionante da cidade e do plenário do Parlamento Alemão.
comunista, incluindo balões de ar quente, túneis mirabolantes, passagens dentro de malas. Outro ponto alto foi visitar o local onde
Seguimos pela Unter den Linden ("Sob as Tílias"), a avenida que
Hitler, sua companheira Eva Braun e seu braço-direito Joseph
lembra um bulevar francês. Quem a percorre vê-se frente a frente de
Goebbels se suicidaram. O bunker do líder nazista transformou-se
um sem-fim de marcas históricas. Monumentos simbólicos como o
hoje em canteiro de flores dentro de um conjunto de prédios
novo Museu Judaico, que impressiona visualmente e marca seu
residenciais próximos ao Portão de Brandemburgo. Não há placas
significado na memória, a altíssima Igreja Memorial do
alusivas aos velhos moradores para evitar que ele se torne local de
Imperador Guilherme, cuja cúpula foi bombardeada e deixada em
peregrinação. Ao sudeste está o Topographie des Terror, que já
ruína e o Checkpoint Charlie, posto de controle do setor americano
serviu de quartel-general da Gestapo e agora abriga um memorial
da cidade, após a Segunda Guerra. Os tanques de guerra russos e
temporário sobre a polícia secreta de Hitler.
americanos, que apontavam seus canhões uns para os outros, deram lugar a falsos “guardas de fronteira” que se oferecem para carimbar
72
Sob o olhar atento da Fernsehturm, a gigantesca torre de TV, que do alto dos 368 metros de altura faz-se visível em todos os cantos, tomamos o caminho de volta para o nosso albergue. Iríamos pegar o avião rumo a Londres ainda naquela noite. Chegava a hora de dar adeus a Berlim e o “gostinho de quero mais” calou intenso e amargo na garganta. Tudo por causa daquele maldito ônibus que nos fez perder um dia inteiro de passeio. Apesar do pouco tempo e da vontade de ficar mais, partia satisfeito. Despedia-me com a mesma certeza do poeta inglês Samuel Johnson ao elogiar sua amada Londres. “Qualquer um que está cansado de Berlim está cansado da vida”.
73
endereço do Circus fica na Rosa-Luxemburg-Strasse 39, Mitte
Dicas do Mochileiro - Berlim
(tel. 2839 1433).
--> Berlim é uma cidade cosmopolita, enorme para os padrões
-- > Existe um vasto sistema de bondes (na parte leste), ônibus,
europeus, mas injustiçada porque quase nunca é mencionada por sua
metrôs (U-Bahns) e trens suburbanos (S-Bahns). Portadores de
intensa vida cultural. Sugiro uma visita ao diversos museus da
eurailpass podem utilizar o S-Bahn de graça. A passagem curta te dá
cidade, em especial o Museu Egípcio de Berlim, que tem uma
direito de viagem a até seis pontos de ônibus ou três paradas de S-
ampla coleção e o busto de Nefretite, uma das rainhas mais
Bahn ou U-Bahn. Cartão de um dia oferece transporte ilimitado pelo
fascinantes e influentes do Egito Antigo. Faça um tour pelas galerias
período e o passe de turista oferece passe livre para uma semana.
de arte que nos últimos anos pipocaram pelos arredores de Potsdamer Platz. Quem gosta de música tem que conferir um
--> Tours guiados são um verdadeiro fenômeno em Berlim. Aqui
concerto da Orquestra Filarmônica de Berlim.
você pode encontrar tours sobre praticamente qualquer tema, mas a melhor introdução a cidade são os tours oferecidos pela New Berlim
-- > Ficamos hospedados no Circus Hostel (Weinbergsweg 1A, tel.
(www.newberlimtours.com) e o melhor de tudo: Tudo o que você
2839 1433, www.circus-berlin.de). Esse foi sem sombra de dúvida o
vai gastar é o valor de uma gorjeta, nada mais justo para o guia ao
melhor albergue de todas as viagens. Os proprietários são jovens
final do tour gratuito. Vá ao Starbucks Café na Unter den Linden,
viajantes e se esforçam para que o preço cobrado valha cada
que fica atrás do Portão de Brandemburgo. Eles partem
centavo. Se ficar em Berlim por muito tempo, os apartamentos no
diariamente de lá às 11:00, 13:00 e 16:00.
último andar têm preços razoáveis e belas paisagens. O outro
74
--> Outra opção é passear nos ônibus 100 e 200. Estas duas linhas de
--> Cuidado com o trânsito de bicicletas na cidade, que é intenso.
ônibus fazem a alegria dos turistas, pois, percorrem os principais
Vai ouvir um monte de nome feio caso ande na ciclovia, e se tiver
pontos turísticos da cidade, de leste a oeste. Você embarca no ônibus
um acidente, a culpa será sua. Onde houver linhas vermelhas no
100 na Alexanderplatz e segue até a Zoo Station. Na volta,
chão, demarcam o território deles.
embarca no ônibus 200 e segue até a Potsdamer Platz. Isto é, um verdadeiro city tour por Berlim que custa cerca de dois
--> A salsicha (wurst, em alemão) é o que de mais típico há para se
euros.
comer na Alemanha. Mas nem só embutido devora-se o porco. Dele os locais também apreciam joelhos e costelas. O kassler, por
--> Deixe para visitar os museus para as quintas-feiras, após às
exemplo, é a costela de porco defumada servida com chucrute e
14:00, quando todos os 16 museus são gratuitos. Entre eles estão:
batata cozida.
Museumsinsel, Museum of Decorative Arts em Tiergarten e o --> Soubemos, no albergue, de um serviço bem interessante.
Museum of Indian Art em Taku Street.
Funciona assim: um guia especializado em “baladas” passa em --> Não vá embora da cidade sem conhecer o Jardim Zoológico que
hotéis e albergues convocando o pessoal para conhecer a vida
é uma combinação de zoológico com um aquário gigante. Fica um
noturna da cidade. Por 10 euros, ele levará o grupo a quatro pubs.
ao lado do outro.
Cada um tem um estilo e entre um pub e outro o guia oferece um Shot pra cada pessoa, pra ir animando a galera.
--> Não caia na tentação de andar nos metrôs e trens sem ter o ticket. Todas as informações foram apuradas no dia 12 de julho de 2008 e
Aqui a inspeção é rigorosa, e a multa altíssima!
atualizadas no dia 20 de outubro de 2009.
75
águas do Danúbio, depois de uma longa viagem por quase toda a
Deixa eu te contar mais de mim
Europa, finalmente se encontra com as do Mar Negro. Assim como o Danúbio, também fazíamos uma viagem longa. Para chegarmos ao
Delta Dunarii, margem oeste da Romênia, dia 09 de julho de 2009
nosso destino tínhamos que percorrer 109 quilômetros em demoradas quatro horas rio adentro. Uma jornada que seria,
O sol levantava-se vagaroso enquanto o ferry boat seguia seu
certamente, muito entediante - não fossem às surpresas que ela pode
caminho pelas águas calmas e tranquilas do rio Danúbio. Os
nos reservar. Estava distraído, aproveitando um delicioso cafuné,
ponteiros do relógio se aproximavam das seis horas e trinta minutos
quando Alina chama minha atenção. “Olha, Davi. Olha lá. Adivinha
enquanto eu ainda bocejava, sonolento. Encontrava-me deitado,
quem apareceu para desejar uma boa viagem?” Levanto depressa.
cabeça abrigada no colo carinhoso de Alina, e com olhar atento,
Um grandioso pelicano branco, ave símbolo do Delta, fazia pose
fotografando todos os detalhes da vista ao redor. Os raios de luz
para fotos do outro lado do barco.
iluminavam suavemente os ramalhetes de lírios d água e emprestavam aos céus uma inusitada tonalidade vermelha, azul e
Sentia uma gostosa sensação de familiaridade com aquela paisagem.
laranja. Coloração que tornava a paisagem do Delta Dunarii, um
Tudo por aqui me lembrava muito o pantanal brasileiro. A
dos últimos tesouros naturais de toda Europa, ainda mais exuberante
semelhança entre os dois não é mera coincidência. O Delta, assim
e bela.
como o seu “primo” sul-americano, é uma das maiores planícies alagadas do mundo. Seu bioma, fauna e flora, considerados
Havíamos partido a uns vinte minutos da cidade de Tulcea, o portão
patrimônios da humanidade pela Unesco, são riquíssimos. Uma
de entrada do Delta, e agora navegávamos pelo seu braço mais
beleza que se estende por quase 50.000 hectares de águas, ilhas,
setentrional em direção à pequena e isolada vila de Sfantu
florestas virgens, canais, lagos, com 300 tipos diferentes de peixe
Gheorghe encravada na extremidade oeste do país. Lugar onde as
76
(como o lucio, crap, tiucă, carpa e o valioso esturjão, famoso peixe
os demais clichês romenos. Mas, a minha forte atração por Tulcea se
que põe o caviar). São mais de 150 espécies de aves (algumas únicas
explicava por um motivo particular e uma forte curiosidade pessoal:
na Europa) e dezenas de animais selvagens como o javali, a lontra e
essa era a cidade natal da Alina.
até o lobo. Referências que justificam o aumento crescente do número de ecoturistas, amantes da pesca e da observação de pássaros
Fazia um calor sufocante quando chegamos a está cidade industrial
que visitam este santuário selvagem a cada ano. Exatamente como
do leste romeno, após atravessar os 342 quilômetros que a separam
no pantanal. De repente, aquele imenso pelicano branco parecia
da capital Bucareste. Vim “viajando” em várias coisas durante a
acenar com o bico, como quem manda lembranças aos tuiuiús e
viagem. Como seria conhecer um lugar que até pouco tempo era
jacarés do Brasil.
apenas um pequeno e distante ponto do meu mapa-múndi? Como iria comunicar-me com os pais da Alina se eles não falavam inglês?
A cada minuto, a pacata Tulcea, coração do Delta, ia se
Será que iriam gostar de mim? Perguntas que o tempo iria responder
transformando em um pequeno ponto perdido no horizonte. Um
com naturalidade.
ponto tão pequeno quanto à bolinha que representa esta cidade no mapa-múndi, guardado com carinho no meu quarto do Brasil. É
Com o passar dos dias, fui envolvido pelos encantos da cidade real.
neste mapa que marco com um X todos os lugares que já visitei.
Encontrei em Tulcea um charme interiorano, pacato peculiar. Aqui,
Marquei, também, com um círculo todos aqueles que, um dia,
descobri uma bela cidade cercada por sete colinas e uma ribeira onde
gostaria de visitar. Tulcea era a cidade número um do grupo dos
os casais apaixonados passeiam de mãos dadas e esperam para
círculos. Pode parecer estranho, mas esta era de longe a cidade que
assistir um lindo pôr do sol. Encontrei um imponente monumento
eu mais tinha curiosidade em conhecer na Romênia. Sim, estava
em homenagem a independência, ótimos museus, bons hotéis e um
doido para visitar a Transilvânia, Bucareste, o castelo do Drácula e
moderno aquário, com muitas espécies do Delta Dunarii. Mas, o
77
mais importante de tudo: foi aqui o lugar em que vivi coisas que
outro. Uma noite, em frente à televisão, conversamos entre sorrisos e
nenhum dinheiro do mundo poderia pagar.
muitas mímicas sobre diversos assuntos - como política, economia e futebol. Ele falava empolgado, tagarelando por sinais enquanto eu
Foi em Tulcea que descobrir na prática o valor da famosa
me punha a sorrir e concordar com a cabeça. Nos entendíamos
receptividade romena. Os pais da Alina, o “Tio” Ion e “Tia”
perfeitamente na linguagem universal dos pequenos gestos, dos
Valentina me receberam da forma mais carinhosa em sua pequena,
sorrisos, da simpatia e do carinho.
mas acolhedora, casa. Refeições sempre fartas, conversas em tom alto, muita animação e energia. Assim como gostam os povos
Fui desvendando, pouco a pouco, algumas partes da essência
latinos. Foi com eles que provei os deliciosos peixes do Danúbio
daquela pessoa por quem havia me apaixonado tão profundamente.
(como o tiucă, o crap, o somn, e outros), a saborosa Musaca (uma
Visitar a cidade onde ela nasceu e cresceu. Ir até a “Spiru Haret”,
espécie de lasanha turca com massa de batata e muita carne) e o
escola onde ela estudou. Subir a colina do monumento da
tradicional Sarmale (bolinhos romenos de carne enrolado na folha da
independência, um dos seus lugares favoritos, e admirar a bela
uva).
panorâmica da cidade. Percorrer a ribeira onde havia visto inúmeras fotos do pôr do sol. Conhecer a Anciu, uma de suas melhores
Valentina, sábia professora de geografia, fazia questão de me
amigas. Ver de perto o carinho, a atenção e o amor que
mostrar mapas e de explicar sobre a topografia daquela região,
transbordavam dos seus pais. Cada um desses fatores foi essencial
mesmo sabendo que eu não entendia uma palavra sequer em romeno.
para entender o porquê Alina é uma pessoa tão querida, amada,
Já Ion fazia questão de encher meu copo com a Ńuică, bebida romena
carinhosa e especial.
típica muito forte feita com ameixa. Além disso, gostava de conversar por horas, mesmo sem entendermos uma frase um do
78
Em sua casa, minutos antes de pegarmos o barco que nos levaria através do Delta até o vilarejo de Sfantu Gheorghe, abro o YouTube e coloco a canção de uma das cantoras preferidas. A baiana Vânia Abreu, com sua voz suave e angelical, parece ter a música certa para cada momento: Deixa eu te contar mais de mim, quero te mostrar quem sou Sou como o lugar de onde vim, onde tudo começou Esse brilho em meu olhar é do mar, é do mar que trago refletido Guardo a tua luz a me guiar, meu caminho agora faz sentido Vim morar a tua cidade só pra te encontrar, me tornar metade ao ser inteira (Mais de Mim – composição Marcelo Quintanilha)
Se tivesse de voltar para o Brasil naquele instante, voltaria feliz.
79
de terra batida separam o centro da vila da praia e por isso quase
Lua de Sfantu Gheorghe
todos os banhistas corriam apressados para apanhar aquele Jeep 4x4, adaptado com uma grande carroceria de madeira. Preferimos contrariar a agonia. “Vamos ficar, nem se preocupe, podemos voltar Mar Negro, extremo Oeste da Romênia, dia 09 de julho de 2009
a pé.” disse Alina, abrindo um daqueles lindos sorrisos que só ela sabe dar. Concordei. Ir embora daquele lugar era a última coisa que
Encontrava-me boiando a alguns metros da praia, olhos fixos no
queria no momento. Daqui a pouco, o astro rei se despediria da
firmamento e pontas dos dedos ancoradas bem de leve na areia. A
pequena vila e o espetáculo prometia. Além de eu e Alina não ficou
poucos metros, Alina se divertia como uma criança feliz, nadando
mais ninguém na praia. Apenas os robustos sombreiros de palha e
pra lá e pra cá por aquelas águas calmas e serenas. Mais além, o que
gordas gaivotas que abrem as frutas silvestres caídas com seus bicos,
se abria era uma praia de sonhos. Intocada. Paradisíaca.
para depois se fartarem com a polpa doce. Ao longe, um casal
Extremamente rústica, selvagem e quase deserta. Quilômetros e mais
apaixonado caminha de mãos dadas até se perder no largo horizonte.
quilômetros de águas tranquilas e grandes extensões de areia branca e fina, cobertas por uma infinitude nunca antes imaginada de
Poderia ficar assim, horas e horas numa mesma posição, apenas
conchas e búzios. Estamos no pequeno vilarejo de Sfantu
contemplando a tranquilidade daquele lugar. Aquela era a segunda
Gheorghe, extremo Oeste do Delta Dunarii, lugar exato onde as
vez que encontrava um local assim. Da primeira vez, no Algarve, me
águas do Danúbio se encontram majestosamente com as do Mar
apaixonei pela beleza incomum das imensas falésias. Agora, a beira
Negro.
do Mar Negro, fui conquistado pela surpreendente conspiração de elementos que pareciam, desde o primeiro momento, se esforçar para
Eram às vinte horas. Horário em que partia o último “transporte público” de Sfantu Gheorghe. Um pouco mais de dois quilômetros 80
que nossa passagem por aquela vila fosse algo inesquecível.
milhas de distância da agitação frenética dos grandes centros
Enquanto observava o voo dos pássaros, meu pensamento ia longe.
romenos, a vida dos seus quase 900 habitantes parece continuar a mesma de muitos anos atrás. A vila segue no mesmo ritmo da natureza e até o tempo parece passar sem pressa por aqui.
Eram às dez e meia da manhã. Uma parada brusca foi o sinal de que o nosso ferry, após uma longa viagem pelo Danúbio, havia chegado ao seu destino. Descemos em um pequenino cais, bem simples e
Seguimos a Nico por algumas ruas de barro até chegar a pensione 14
rústico. Logo, somos recepcionados por nossa anfitriã. Nicoleta,
da sua tia. Havíamos pago uma bagatela de 80 rons (ou seja cerca de
uma das melhores amigas de Alina, já esperava com um largo
20 euros) pela estadia, que nos deu direito a uma suíte imensa e a
sorriso. Bem branquinha, baixinha, nariz levemente aquilino, cabelos
duas refeições. E por falar em refeições ... que fartura. Não comia
longos e lisos, simpaticíssima, voz calma e olhar ativo, penetrante.
assim tão bem desde a famosa salada do Mohamed. Várias opções
“Davi, é um prazer te conhecer. Você nem imagina o quanto esta
de peixes e sopas, sarmale de peixe, bolo de ginja, pudim de leite e
menina fala de você” repetiu, com um inglês impecável, a mesma
bebida a vontade. Extremamente educada e atenciosa, Nicos me
frase que dez entre dez amigas da Alina disseram ao me conhecer.
explica a diferença entre os tipos de peixes do Danúbio. “A stiuca é
“Espero que tenham feito uma boa viagem. Esperava ansiosa por
o mais saboroso, o salau é o mais saudável, já somn mais gordo, o
vocês.”
crap tem pouca espinha ...
Do cais dava para se ter um panorama geral de Stanfu Gheorghe. A
Depois do delicioso almoço, nos despedimos da Nicos e fomos na
vila era realmente bem simples: chão de terra batida, carroças,
direção da praia. Estava curioso. Afinal, aquela seria meu primeiro
burreguinhos passando, casinhas de cores vividas, telhados
banho de mar. É verdade que estive na beira do Mar Mediterrâneo
vermelhos e pescadores arrastando suas redes em direção ao mar. A 14
81
Pensione: casas de família que alugam quartos para turistas
em Barcelona. Mas, arriscar para um mergulho seria a primeira vez.
parecia meditar, admirando as belezas de Sfantu Gheorghe. Como
E, realmente, foi uma experiência bem diferente do que estou
ele chegou até ali? O que fazia sozinho no meio do nada? Quais
acostumado. No mar não tem aquela correnteza que renova as águas
eram suas pretensões? Preferi segurar a curiosidade e não perguntar.
e dá força ao oceano. Por isso suas águas são mais quentes e não há
Seria falta de educação interromper aquele seu estado de
formação de ondas. A vastidão do Mar Negro lembra uma grande
contemplação total.
piscina natural. Outra diferença: ao mergulhar não se sente aquele gosto “do mar” na boca, e sim de uma estranha mistura de doce e
Enquanto Alina corria para dar um último mergulho, sentei ao lado
salgado. Calcula-se que o nível de salinidade das suas águas seja a
do meu novo amigo e única testemunha do segredo do nosso amor.
metade do normalmente registrado nos oceanos. A escuridão da água
Queria me despedir daquele lugar especial. Em poucos minutos, o
(sim, o mar não é chamado de negro à toa) e uma impressionante
sol começa o seu espetáculo. O céu ia mudando gradativamente de
quantidade de conchas na areia (nunca havia visto tantas juntas!)
cor enquanto a imensa bola laranja lentamente morria no horizonte,
completavam aquele ambiente pitoresco e cheio de novidades.
por detrás das dunas de areia. Quem no mundo poderá dizer que, naquele momento, o astro rei não fizera uma especial homenagem,
Ainda estava divagando em pensamentos, boiando naquela mesma
se pondo exclusivamente para mim, Alina e nosso inusitado
posição, quando a voz suave Alina me trouxe de volta a realidade.
companheiro?
“Bebix, daqui a pouco está na hora de irmos. Ainda quero caminhar um pouco na areia. Você me acompanha?” Andamos alguns metros
O sol havia dado lugar a uma imensa lua cheia quando resolvemos
pela praia completamente deserta, até nos deparar com uma cena
voltar à vila. As ruas de terra não têm nenhum tipo de iluminação
inusitada. No meio da paisagem, enraizado na areia, encontramos
elétrica e o breu era total. Apressamos o passo. Havíamos marcado
um gigantesco e solitário girassol. Sozinho, no centro da praia, ele
com a Nicos, seu namorado e mais alguns amigos para tomarmos
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algo e eles já deviam estar preocupados. Encontramos-nos no
Costansa - tive inveja daquela lua cheia, branca e inteira que podia ir
“Dolphim Camp”, um acampamento com chalés charmosos e uma
e voltar por todo sempre àquele surpreendente lugar.
moderna estrutura que contrasta com a simplicidade da vila. Clube com bar, discoteca e um surpreendente cinema ao ar livre. A lua brilhava soberana e deslumbrante sobre a seda azul atolada de estrelas. Explico a Alina com ar de sabichão:
- Dizem que São Jorge mora na lua
15
. Vê aquelas manchas? Elas
formam a figura do santo montado em seu cavalo lutando contra o dragão.
- Sério? Então estamos com sorte. Temos a benção dele para fechar com chave de ouro um dia perfeito. Poderemos partir amanhã com as energias renovadas.
Eu - que queria ficar mais alguns dias em Sfantu Gheorghe, mesmo sabendo que os amigos da Alina já nos esperavam na cidade de
15
A ligação de São Jorge com a lua é algo puramente brasileiro, com forte influência do sincretismo religioso. O santo católico é associado a Oxossi, orixá associado à lua.
83
partindo de Tulcea.
Dicas do Mochileiro – Delta Dunarii e Sfantu Gheorghe
--> Não deixe de visitar o Museu das Artes Folclóricas (Tel: 516 Com quase 50.000 hectares de águas, ilhas, florestas virgens, canais,
204; Str 9 Mai 4) em Tulcea. Esse pequeno museu tem muitas
lagos, muitos peixes – até os esturjões, relíquias terciárias que dão o
informações sobre as bruxas romenas (sim, elas são de verdade e
famoso caviar - centenas de espécies de aves, algumas únicas na
ainda existem nas pequenas aldeias) e um bom acervo de roupas
Europa, como o pelicano branco, o Delta do Danúbio representa um
tradicionais romenas, turcas, gregas e russas. Outra parada
dos últimos paraísos naturais da Europa e o maior parque do
obrigatória é o excelente Museu de História Natural & Aquarium
continente. A principal cidade da região é Tulcea, o portão de
(Tel: 515 866; Str Progresului 32) com um belo aquário e espécimes
entrada e parada obrigatória de todos que querem explorar o Delta.
da fauna e flora do Delta Dunarii.
Seguimos pelo canal sul do rio, o Sfantu Gheorghe, que serpenteia por mais de 100 quilômetros até desembocar no Mar, perto do povoado de mesmo nome. Vamos a algumas dicas sobre esses
--> Fiz a maioria das refeições na casa da família da Alina em
lugares especiais da margem oeste da Romênia.
Tulcea, mas tenho uma boa dica de onde comer por aqui: o Restaurant Rolion, na Str. Port-Faleza nr. 1. Além de não ser caro, tem um sarmale delicioso. De noite, o Rolion funciona, também,
--> Você pode obter informações turísticas em pontos como o
como um animado Club Tecnho.
Danube Delta Biosphere Reserve Authority (tel: 518 945; e-mail: arbdd@ddbra.ro), situado no prédio do Centro de educação ecológica e no Danubius Travel Agency (tel: 517 836) no Hotel
--> Em agosto, Tulcea hospedada o Festival Internacional de
Europolis. Eles iram fornecer variadas opções de viagens ao Delta
Folclore dos Países do Danúbio, onde acontecem apresentações de 84
músicas locais, jogos e atividades tradicionais. Tulcea é, também, a
--> Há muitos cazares and pensiunes (posadas) em Sfantu Gheorghe.
sede do Carnaval de inverno, em dezembro.
Você pode aceitar uma oferta ao chegar de barco ou perguntar a algum
nativo.
A
Pensiune
Mareea
(Tel:
0744-306
389;
www.mareea.go.ro) é uma boa sugestão. A diária com direito a três --> O acesso a comunidade de Saint Gheorghe somente é possível
caprichadas refeições por dia sai por cerca de 20 euros.
pela água. Pode-se apanhar um barco no porto de Tulcea (a viagem
Acampamentos ao ar livre são possíveis na praia, mas costuma
Tulcea – Saint George é de 4h), em Mahmudia (Mahmudia – Saint
ventar muito.
George, 2h 30 min.) ou em Murighiol (Murighiol – Saint George 2h).
Tanto os portos de Mahmudia e Murighiol podem ser
alcançados de carro e a distância de Tulcea é de 30 km e 38 km respectivamente.
--> Como a vila é dentro de uma região pantanosa é comum ter muito mosquito é pernilongo. Não se esqueça de levar o repelente. Sua perna agradecerá.
--> A cada agosto do ano, o vilarejo de Sfantu Gheorghe hospeda o que é, provavelmente, o festival internacional de cinema mais remoto e isolado do mundo. Cheque em www.delta-resort.ro for info. 85
levantado vôo em direção a Lisboa, aterrei no Aeroporto
Epílogo
Internacional de Salvador, vindo da cidade do Porto. Estava de volta “Nada, acima de tudo, se compara à vida nova que uma pessoa que reflete
ao lar e o mundo tinha ficado para trás. Ou será que mundo tinha
experimenta quando observa um novo país. Apesar de eu ainda ser sempre
vindo junto comigo?
eu ainda ser o mesmo, acredito que fui mudado até a medula dos meus ossos” (Goethe – Viagens à Itália)
Hoje, de volta ao Brasil, narro a minha própria história nessa série de relatos de viagens e dicas para viajantes independentes. Finalizo essa
A vida de viajante é estimulante, variada e sedutora. A cada passo
etapa de “Vou Sair Para Ver o Céu” com a feliz satisfação de que
uma nova experiência, um curioso costume, uma inesperada
pude trabalhar meus textos da maneira que mais gosto: talhando
amizade. A cada esquina um novo sorriso, um distinto sabor, um
palavras sem pressa, descrevendo cenários, relatando sensações,
som apaixonante. A cada nova descoberta, um forte enriquecimento
explorando a veia literária e pincelando histórias com o mesmo
pessoal, satisfação, felicidade. A cada dia, um novo e diferente dia.
carinho de um pai que embala o seu filho. Durante essa intensa troca
Parti, vivi e regressei. Mais paciente, mais humilde. Possuidor de um
multicultural, me apaixonei ainda mais pela minha profissão e pelo
autoconhecimento nunca antes alcançado, seguro de que, apesar das
ofício de narrar histórias reais. Tenho a certeza: o jornalismo é o
diferenças, a vida é igual por toda a parte e de que navegar é preciso
meu mundo. E o mundo é a minha casa.
para enxergar o outro com novos olhos. Apesar das saudades, regressará sem penitências. Para mim, o regresso não é apenas o
Voltei, enfim, com horizontes alargados, enriquecido com vivências
interstício entre duas viagens. Tanto quanto a ida, a volta também é a
únicas e com a mesma e reconfortante sensação descrita por Felipe
jornada.
Morato no livro “Alma de viajante”: “apesar de tudo, levo a certeza que pouco conheço do Mundo em que vivemos. Continuarei,
Foram dez meses de emoções fortes e muitas descobertas que
portanto, a viajar.”
cessaram (momentaneamente) quando, 431 dias depois de ter 86
imaginou explorar. Escolha descobrir cidades, países, continentes,
De volta a Terra do Nunca.
mas principalmente pessoas. Escolha fazer muitos amigos. De todos os tipos, tamanhos, raças, nacionalidades, credo. Escolha o novo. Dia 13 de Agosto de 2008, Salvador, Brasil
Sem preconceitos.
Mais uma vez, estou de volta ao meu universo paralelo. Como um
Escolha pegar um comboio no caminho de ferros ou um autocarro na
Peter Pan, que retorna a Terra do Nunca ou uma Alice no País das
estação de camionagem. Escolha infinitas festas em quartos com três
Maravilhas. A receita para voltar a esse lugar mágico é simples, sem
números na porta. Escolha começar o fim de semana dois dias antes.
segredos. Se quiser, posso te ensinar. Antes de dormir, feche os
Escolha aumentar seu nível de tolerância ao álcool. Escolha não
olhos e respire fundo. Procure, na sua cama, a posição mais
estar em casa para ouvir reclamações. Escolha ter a obrigação de
confortável. Concentre-se. Deixe a saudade te levar para longe.
fazer faxina para não ser reprovado na vistoria da diretora exigente.
Viaje. Supere campos, matas, montanhas. Atravesse oceanos. Tudo
Escolha sentir muitas saudades de sua família, de todos que você
na velocidade do pensamento. E quando se sentir pronto, escolha ...
ama e crescer com isso. Escolha aprender a cozinhar. Escolha ligar pedindo dinheiro para os pais ou então trabalhar em um bar
Escolha uma país distante, de preferência em outro continente.
universitário.
Escolha uma Universidade. Escolha morar seis ou dez meses longe de seus pais, da sua casa. Escolha uma residência onde morem
Escolha a lasanha O Dia ou o bacalhau com natas Pingo Doce.
muitos estudantes vindos de vários lugares do mundo. Se tiver a
Escolha fazer almoços coletivos nos fim de semana. Escolha fazer
opção, escolha uma que não tenha regras chatas ou câmeras de
amigos que viraram indispensáveis e, depois, vá tomar uma super
vigilância. Isso nunca ajuda. Escolha cuidadosamente um bar. Se ele
bock com eles. Escolha viver intensamente. Escolha passar horas e
não cobrar entrada ou der bebidas grátis, melhor ainda. Escolha
horas dizendo bobagem, dando risada e falando da vida dos outros.
viajar. Conhecer lugares que você nunca vai esquecer ou nunca
Escolha feriados prolongados com final flexível. Escolha ir para
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baladas que só começam às duas da manhã. Escolha voltar só
UNESP em São Paulo ou passar o réveillon em Comburiu. Escolha
quando o sol estiver nascendo. Escolha virar a noite fazendo um
visitar a nossa capital ou passar o inverno em Santa Catarina.
trabalho que deveria ter sido feito três meses atrás. Escolha tomar
Escolha comer um pão de queijo em Minas ou conhecer alguém de
vinhos que valem menos de dois euros. Escolha comer um
Pelotas, do Pará e até do Tocantins. Escolha viajar. Se jogar no
franguinho na Maximinense.
mundo. Escolha passar madrugadas checando promoções da RYANAIR e outras “lowcosts”. Escolha “hostels” baratos.
Escolha ter que lavar sacos de roupas sujas mesmo sabendo que, invariavelmente, elas irão encolher. Escolha fazer uma coleção de
Escolha viver com um mochilão nas costas. Escolha passar um fim
copos roubados. Escolha tirar muitas fotos, de tudo, de todos.
de semana em Paris e outro em Marrakesh. Escolha passar o
Escolha sentir falta da comida da mamãe. Escolha ir ver a Amy
réveillon em frente ao Coliseu. Escolha conhecer as praias Algarve,
drogada no Rock Rio Lisboa. Escolha amigos para jogar um
os canais de Veneza e os coffe shops de Amsterdam. Escolha assistir
pokerzinho, fumar um narguilé ou assistir um filme num domingo
a final da Euro na Áustria ou fazer uma trilha no Geres. Escolha
chuvoso. Escolha ser mais independente. Escolha conhecer
comer tapas em Madrid ou subir o castelo de Praga. Escolha ter um
portugueses, espanhóis, turcos, poloneses, moçambicanos, cabo
dia de glamour no Porto ou passar seu aniversário em Barcelona.
verdeados,
Escolha viver três dias no deserto do Saara ou tomar uma "pint" em
romenos,
búlgaros,
chineses,
alemães,
italianos,
Londres. E o mais importante, escolha amigos para viajar junto com
irlandeses, austríacos, egípcios, gregos e, é claro, brasileiros.
você. Escolha ter uma casa no carnaval de Salvador ou no São João da Paraíba e outra nas praias de Natal. Escolha entre ir pro Inter
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Escolha viver experiências que marcarão sua vida. Escolha ser um Erasmus. Escolha descobrir lugares que, infelizmente, a maioria das pessoas nem sequer pensarão em conhecer. . Escolha a melhor fase da sua vida. Escolha conhecer pessoas únicas Escolha fazer amigos que para sempre estarão no seu coração. Escolha com cuidado ... você estará de volta à terra do nunca.
Não escolheria nada de diferente do que realmente aconteceu. Essa é a minha forma de agradecer a todos da família World Spru. Obrigado a todos !!!
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Álbum de Viagens
“Performers” nas Las Ramblas
“Barcelona é apaixonante. Aberta a todas as inovações. Rica em seus dois mil anos de história. Mediterrânea. Acolhedora. Moderna. Cosmopolitas. Plural. Mutante. Jovem e um dos melhores lugares do globo terrestre para se divertir intensamente. Uma cidade tão legal que tem dois idiomas oficiais e um povo que faz questão de ser diferente. Barcelona é feita para se viver e compartilhar.”
Ronaldomania
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Músicos da Rumba
Em frente ao Mediterrâneo
Na famosa casa da Julieta
“Ao mesmo tempo em que lia – baixinho - aqueles genias versos, imaginava quantas donzelas não teriam sonhado, pelo menos uma vez na vida, em estar sob aquela varanda, ouvindo as palavras apaixonadas do seu Romeu. Um sonho romântico que poderia facilmente ser realizado nesse exato momento. A lojinha - onde Renata se diverte - está localizada na Casa da Julieta um dos principais pontos turisticos da surpreendente Verona. ” Mochileiro em frente à Arena de Verona
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“Olhando para o Grande Canal, relembro de tudo que vi e procuro uma palavra definir o Veneza. Logo desisto: aquela era uma verdadeira perda de tempo. Este é um lugar que desafia definições. Muitos, de Twain a Nietzsche, tentaram a difícil façanha de descrevê-la. Certas coisas só podem ser entendidas plenamente quando vividas, sentidas, compartilhadas e repartidas. E esta é definitivamente uma cidade para ser vista e vivida. Mesmo assim, ainda tinha alguma dificuldade em acreditar que ela é de verdade. Fiquei ali, sobre uma daquelas pontes, tomando um gelatto italiano, olhando o vai e vem de turistas e suspirando de antecipadas saudades.”
“Ali estava, abrindo-se com a delicadeza de um botão de rosas, a Veneza dos meus sonhos: enigmática, flutuante, excêntrica e improvável. Daquelas ruas feitas de água, erguiam-se inúmeras casinhas, palácios de mármore e imponentes pontes. Era possível ouvir o luar sobre a cidade e os séculos de história que fluíam dos seus canais. Ouvia-se o suave vai e vem das gôndolas, o bater das águas nos prédios e os suspiros em uníssono dos casais apaixonados. Já havia me esquecido completamente do mau tempo quando me dei conta do sorriso bobo que acompanhava minha incredulidade.”
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“Foi naquela praça gigantesca, de um caos frenético e hipnotizante, que conhecemos Simon, nosso simpático vendedor de suco de laranja. Sua barraquinha de nº 34 somava-se a dezenas de outras de teto branco. Simon nos atraiu com a promessa do suco mais doce da cidade. Suas laranjas, redondas como o globo terrestre, impressionavam pelo tamanho e pela cor: um alaranjado forte e intenso.”- Praça Djemaa el Fna, Marrakesh.
“M`hamid é o adeus definitivo a civilização. Olhando para suas fronteiras, a impressão é de estar em uma cidade do fim do mundo. Já não se pode ver mais nada, além do vazio. Nada de ruas, casas, pessoas, mesquitas, souks, postes ou estradas. Somente dunas de areia, pedregulhos e securas. M`hamid é um dos dois únicos lugares em todo o Marrocos onde o Saara nasce. É difícil saber onde começa um e onde termina outro. Deserto e cidade na delicada comunhão de dois amantes apaixonados”
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A salada do Mohamed: um segredo das mil e uma noites
“A tarde começa a cair devagar sobre as dunas. Tão lentamente que tenho a certeza de que o sol luta e reluta, num grande esforço cósmico, para continuar ali, por mais alguns minutos admirando a beleza do Saara. Perco-me por alguns minutos, admirando aquelas arrojadas linhas traçadas pela arquitetura da natureza. Tenho comigo apenas uma certeza: queria ficar ali como o sol. Lutando para poder admirar eternamente a beleza do Saara.”
Em cima do Dinossauro do deserto
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Marca temporária de passos bárbaros
Cuidado! Burro na pista
Fez é um labirinto perdido no tempo
“A lua já brilhava minguante sobre os imensos muros de pedra quando pegamos o caminho de volta até o nosso hostel, por aquele labirinto de ruas estreitas. Andava distraído admirando o caótico vai e vem, quando recebo um toque sutil nas costas. Ao me virar, um simpático velhinho – acompanhado da sua mulinha – suplica: Por favor, posso passar?”
Fez, Marrocos Os famosos Tannerie: enormes curtumes de tingimento de couro
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A dois passos do paraíso
“Encontrei nesta região do extremo sul português, algumas das mais lindas praias que já vi. Um tesouro com cerca de 200 quilômetros de areias brancas e finas, águas quentes (pelo menos, para o padrão europeu), tranqüilas e de coloração hora azul turquesa, hora azul celeste, sol o ano todo e imponentes grutas, falésias, enseadas e arribas. Muitas de suas areias, quase desertas, são a personificação da praia perfeita, que a maioria das pessoas, infelizmente, só encontrará em sonhos.”
O castelo sobre o mar
“O mar golpeando as falésias agrestes entoava uma sucessiva sinfonia em homenagem à natureza indomável do lugar. Sentia-se apenas os odores das flores silvestres e da forte maresia. Ouvia-se somente as ondas batendo furiosas nas rochas, o adejar das gaivotas, a canção do vento carregado de sal e os suspiros de Alina, perfeitamente sincronizados com os meus.”
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Palco da final da Euro Copa
“Os olhares das dezenas de santos, repousados sobre os artistas de rua, parecem aprovar a trilha sonora, assim como o sorriso de um senhor cego que pede esmolas. Mesmo sem ver o vai e vem de gente e o Rio Moldava, que corre gracioso sob a ponte, ele certamente sente aquela mesma magia. Estamos em Praga, a capital da República Checa e, sem exageros, uma das cidades mais lindas do mundo.”
Ao som de “Glory, Glory, Hallelujah” Relógio Astronômico e seus bonecos
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“Madness”
Memorial Vitimas do Holocausto
“Budapeste é uma cidade que merece ser apreciada como um bom vinho: com calma e sem pressa”.
“Despedia-me com a mesma certeza do poeta inglês Samuel Johnson ao elogiar sua amada Londres. “Qualquer um que está cansado de Berlim está cansado da vida”.
Apreciando a Paprikra húngara
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“O sol levantava-se vagaroso enquanto o ferry boat seguia seu caminho pelas águas calmas e tranquilas do rio Danúbio Encontrava-me deitado, cabeça abrigada no colo carinhoso de Alina, e com olhar atento, fotografando todos os detalhes da vista ao redor. Os raios de luz iluminavam suavemente os ramalhetes de lírios d água e emprestavam aos céus uma inusitada tonalidade vermelha, azul e laranja. Coloração que tornava a paisagem do Delta Dunarii, um dos últimos tesouros naturais de toda Europa, ainda mais exuberante e bela.
“Encontrava-me boiando a alguns metros da praia, olhos fixos no firmamento e pontas dos dedos ancoradas bem de leve na areia. A poucos metros, Alina se divertia como uma criança feliz, nadando pra lá e pra cá por aquelas águas calmas e serenas. Mais além, o que se abria era uma praia de sonhos. Estamos no pequeno vilarejo de Sfantu Gheorghe, extremo Oeste do Delta Dunarii, lugar exato onde as águas do Danúbio se encontram majestosamente com as do Mar Negro.”
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