Nossa América hoy 2

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américa

y o h

Revista do Memorial da América Latina 02 - 2013 / R$ 5,90

8ºFestival Fazer filme no Brasil é três vezes

caro

mais que em qualquer país da América Latina

de

Cinema

Latino-Americano do Memorial

Tendler & Meirelles

Mulheres atrás das câmeras Cinema brasileiro:

gaúchos & pernambucanos

Confira nesta edição : dicas do que se tem da Argentina na cidade 3


VISITE

O NOVO

MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664 São Paulo, SP, ao lado da estação Barra Funda do metrô

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Índice Editorial

João Batista de Andrade

Cineclubismo Felipe Macedo

8º Festlatino 2013 Marcelo Lyra

Cinema Latino

Cássio Starling Carlos

Mulheres no cinema Marcelo Lyra

Entrevista

Maria do Rosário Caetano

Ensino de cinema Dora Mourão

Custos de produção Tânia Rabello

Censura

Ana Maria Ciccacio

Festival de Chicago Flávia Guerra

Pernambuco Luiz Joaquim

Cinema gaúcho Carlos Gerbase

Festival de Toulouse Luana Schabib

Argentina

Tânia Rabello

Imagem da edição por Juan Rulfo

05 06 12 18 22 26 36 39 43 46 48 53 58 62 66 5


GERALDO ALCKMIN SECRETÁRIO DA CULTURA

MARCELO ARAÚJO

FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA CONSELHO CURADOR

américa

nossa

GOVERNADOR

DIRETOR

PRESIDENTE

JOÃO BATISTA DE ANDRADE

SECRETÁRIO DA CULTURA

EDITORA EXECUTIVA/DIREÇÃO DE ARTE

SECRETÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA (em exercício)

ASSISTENTE DE REDAÇÃO

ALMINO MONTEIRO ÁLVARES AFFONSO MARCELO ARAÚJO

LUIZ CARLOS QUADRELLI REITOR DA USP

JOãO GRANDINO RODAS REITOR DA UNICAMP

FERNANDO FERREIRA COSTA REITOR DA UNESP

JULIO CEZAR DURIGAN PRESIDENTE DA FAPESP

CELSO LAFER

REITOR DA FACULDADE ZUMBI DOS PALMARES

JOSÉ VICENTE

PRESIDENTE DO CIEE

RUY ALTENFELDER SILVA DIRETORIA EXECUTIVA DIRETOR PRESIDENTE

hoy

LEONOR AMARANTE MÁRCIA FERRAZ DIAGRAMAÇÃO

FELIPE BRAVO DAYANE DA SILVEIRA XISTO (ESTAGIÁRIA) RENATO CANEVER (ESTAGIÁRIO) REVISÃO

ELIAS CASTRO (ESTAGIÁRIO) KARLA OLIVEIRA (ESTAGIÁRIA) COLABORARAM NESTE NÚMERO Ana Maria Cicaccio, Carlos Gerbase, Cássio Starling, Daniel Pereira, Dora Mourão, Felipe Macedo, Flávia Guerra, Luana Schabib, Luiz Joaquim, Marcelo Lyra, Maria do Rosário Caetano, Tânia Rabello.

JOÃO BATISTA DE ANDRADE DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DA AMÉRICA LATINA

ADOLPHO JOSÉ MELFI

DIRETOR DE ATIVIDADES CULTURAIS

LUIZ FELIPE BACELAR DE MACEDO DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO

SERGIO JACOMINI

NOSSA AMÉRICA HOY é uma publicação bimestral da Fundação Memorial da América Latina. Redação: Avenida Auro Soares de Moura Andrade, 664 CEP: 01156-001. São Paulo, Brasil. Tel.: (11) 3823-4669. Vendas: (11)3823-4618 Internet: www.memorial.sp.gov.br Email: publicacao@fmal.com.br

CHEFE DE GABINETE

IRINEU FERRAZ

Os textos são de inteira responsabilidade dos autores, não refletindo o pensamento da revista. É expressamente proibida a reprodução, por qualquer meio, do conteúdo da revista.

DIRETOR PRESIDENTE

MARCOS ANTONIO MONTEIRO DIRETOR VICE PRESIDENTE

MARIA FELISA MORENO GALLEGO DIRETOR INDUSTRIAL

IVAIL JOSÉ DE ANDRADE DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO

HENRIQUE SHIGUEMI NAKAGAKI DIRETOR DE GESTÃO DE NEGÓCIOS

JOSÉ ALEXANDRE PEREIRA DE ARAÚJO

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Capa : Take do filme Del Olvido Al No Me Acuerdo, 1999, do mexicano Juan Carlos Rulfo.


Editorial

Vamos falar de cinema?

A segunda edição de Nossa América Hoy foi pensada para coincidir com o Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo (Festlatino), que o Memorial vai realizar de 12 a 18 de julho. Por isso, ela reúne um elenco de colaboradores que atualizam o panorama da singularidade estética da cinematografia latino-americana. O Festlatino chega ao seu oitavo ano consecutivo, desde que foi criado na minha gestão como Secretário da Cultura do Estado de São Paulo em 2006, à época em que Fernando Leça era o presidente do Memorial da América Latina. A cada ano, além de trazer o que há de melhor na região, o Festival também promove debates e oficinas com realizadores, produtores, atores e artistas de vários países. Tudo isso, mesclado com visão de quem é do ramo, está no texto do jornalista e crítico de cinema, Marcelo Lyra. O cinema é uma arte que cria sua própria mitologia, povoada de personagens que mexem com o imaginário do homem comum. A cinematografia latino-americana poderá melhorar muito sua posição no ranking internacional quando criar o seu próprio mercado e fazer com que suas produções possam ser mais vistas por aqui. Como cineasta, me entusiasma apresentar o roteiro desta edição de Nossa América Hoy e também anunciar a retomada, aqui mesmo no Memorial, do cineclubismo. O movimento completa cem anos e é analisado por Felipe Macedo, que explica por que anda faltando público nas salas convencionais de cinema.

Dois diretores seminais, Sílvio Tendler e Fernando Meirelles, entram em cena e revelam facetas e bastidores de seus trabalhos e aspectos do sistema. Eles foram entrevistados por Maria do Rosário Caetano, uma das mais atentas críticas do cinema nacional. Acompanhando o alto custo de vida no Brasil, a jornalista Tânia Rabello revela que fazer cinema por aqui custa três vezes mais caro do que em outros países latino-americanos. A jornalista Ana Maria Ciccacio escreve sobre a censura e o cinema da AL, enquanto Flávia Guerra faz o balanço do Chicago Latino Festival, o mais antigo do gênero na região. Hoje, a hegemonia do eixo Rio-SP foi pressionada por outros polos que vivem momentos antagônicos. Segundo o diretor Carlos Gerbase, enquanto os gaúchos amargam um momento ruim, com baixa produção e pouco incentivo governamental, os pernambucanos vivem dias de excitação, com produção acelerada, prêmios e reconhecimento, como revela o jornalista recifense Luiz Joaquim. Boa leitura !

João Batista de Andrade é cineasta e presidente da Fundação Memorial da América Latina.

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100

anos de

Cineclubismo Ausência do público no cinema por

Nos estudos acadêmicos sobre o cinema existem as mais diversas abordagens: da linguagem, da narração, do processo cognitivo, psicanalítico, entre outros. O público, porém, não aparece. A recepção, como já aponta o conceito, é ato passivo, determinado sobretudo pela obra que exerce sua influência sobre o espectador. E o espectador, por sua vez, é uma abstração generalizante que, desconhecendo os diferentes contextos culturais, sociais, históricos, se impõe como paradigma. Significativamente, essa abstração tende a ser calcada num espectador ocidental, branco, masculino, de classe média e mesmo cristão. O público, ao contrário, é contexto concreto, não individuação abstrata. No plano sociocultural das políticas públicas, por exemplo, o público também só é considerado como objeto, nunca sujeito. Faz-se políticas para ele, nunca com ele. Ele não tem

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Felipe Macedo

voz na política: conselhos, câmaras e outras formas de participação da sociedade civil na elaboração de programas para o cinema e/ou o audiovisual em geral têm representantes de produtores, distribuidores, artistas – e mesmo de numerosos subgrupos de interesse, como diretores, documentaristas, técnicos – mas não do público. Consagra-se e consolidase a visão do público como massa indistinta de espectadores praticamente incapazes, consumidores inconscientes, receptáculos inermes de catequeses, autoritarismos e propagandas. Objeto, nunca sujeito. Mesmo a semântica que impregna os usos da relação entre cinema e público é significativa: plateia, assistência, auditório; espectador, ouvinte, consumidor. Parece que só a palavra público tem uma conotação mais ativa, comporta responsabilidade e capacidade coletivas.


Jejum de Amor, E.U.A., 1940

As salas de cinema eram locais de manifestações ruidosas, com o público cantando, vaiando, participando enfim de várias formas. Cinefilia Cinefilia é uma espécie de ramo do cinema que vem sendo estudada de uns tempos para cá. A julgar pelo número de publicações – ainda um fenômeno mais dos países desenvolvidos – a cinefilia está meio na moda. O termo é uma construção híbrida que pretende descrever o amor, o gosto pelo cinema. Mas que amor é esse? Nos anos 10 do século passado, um terço da população estadunidense ia ao cinema toda semana; na década seguinte, a metade de todos os americanos. Não seria isso uma forma clara de amor ao cinema, de cinefilia? Segundo depoimentos, nos anos 50, certas chanchadas ou alguns títulos do Mazzaropi eram vistos por mais de 15% da população brasileira. Isso era cinefilia? A ideia de cinefilia que passou para a posteridade, no entanto,

foi mais a de uma apreciação “culta” do cinema. Culta no sentido de que era característica de especialistas, supostos conhecedores de cinema que se diferenciavam da massa de frequentadores. Essa diferenciação se localizava frequentemente na capacidade de produzir textos mais elaborados – origem da crítica, que veio a se estabelecer até como profissão – e no fato de alguns desses espectadores se notabilizarem, justamente por seus escritos ou por fazerem seus próprios filmes. Mais uma vez se fazia do público massa; e dos sinais evidentes da sua participação, selecionava-se uma elite: os cinéfilos connaisseurs. Assim, a cinefilia seria um fenômeno típico dos anos 20, com as vanguardas cinematográficas francesas principalmente. Ou dos anos

50 e 60, com as revistas parisienses Cahiers de Cinéma e Positif, e a produção que surgiu daqueles grupos, a Nouvelle Vague. Cineclube seria uma espécie de templo desse culto, a cinefilia. Logo, o mesmo raciocínio situava o surgimento dos cineclubes naquela primeira época dos anos loucos e identificava o pequeno grupo de cineclubes parisienses que deu origem às revistas de cinema já citadas como “a idade do ouro” do cineclubismo. No entanto, nos anos 20, muitos dos primeiros “cinéfilos” cultuavam os filmes mais populares da época, como as aventuras seriadas de Fantômas, Judex ou da Vamp Musidora. Assim como nos anos 50 seguia-se todos os chamados peplums italianos, de heróis como Maciste e Hércules. Os cineclubes que deram ori-

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A Jitney Elop

ement, E.U.A

Louco por cinema e pela política , Paulo Emílio Salles Gomes foi um dos mais brilhantes críticos, pensadores e historiadores brasileiros de nosso tempo.

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gem aos Cahiers e Positif eram uma meia dúzia em Paris, em meio a alguns milhares de cineclubes que se espalhavam pela França na época, sobretudo nos meios mais populares. Também nos anos 20, ao lado das sessões chiques promovidas por Louis Delluc ou Ricciotto Canudo, vários clubes de bairro ou a rede de “Amigos de Spartacus” exibiam e debatiam cinema em termos bem mais populares e desde bem antes. Em outras palavras, cineclube não é uma reunião de especialistas, mas uma organização quase espontânea do público, que reage e busca ter voz num cinema em que frequentemente não se reconhece. Desde o início das projeções – e mesmo antes do cinema, com as lanternas mágicas – principalmente nos ambientes mais populares, com menos acesso a meios mais tradicionais de educação e cultura, já se usava as imagens para ilustrar palestras educativas, de proselitismo político ou religioso. Essas atividades se desenvolviam principalmente em associações e clubes populares e têm origem em ações de ajuda mútua, de organização política e estímulo cultural que vêm

.,1915

desde meados do século XIX. Ali estavam as primeiras sementes do cineclubismo, que comemora este ano seu centenário formal. Com a massificação do cinema a partir das salas fixas, de 1905 em diante, seu público inicial era fundamentalmente proletário e imigrante, e as salas – os famosos nickelodeons, onde o ingresso custava 5 centavos – simples, pobres e localizadas em bairros populares. Mas os filmes apresentavam o ponto de vista dos empreendedores capitalistas: assumiam uma temática próxima do gosto dessas modernas massas da cultura, o tratamento, no entanto, era seu oposto: a ridicularização do imigrante, o combate e censura às conquistas sociais, até mesmo (um pouco depois) a repressão ao público com uma força de polícia própria – origem dos lanterninhas uniformizados que marcarão épocas posteriores do cinema. As salas de cinema eram locais de manifestações ruidosas, com o público cantando, vaiando,


Cineclube n ão é uma re união de esp uma organiz ecialistas, m ação quase as espontânea do público. A breve carrei ra de Mary L ouise Brooks Hollywood so ( 1906 - 1985 ) ma 24 filmes em entre 1925 e cada pela fort 1938 e foi m e personalidad ar e da atriz que a Hollywood não se curvo , o que incom u odou aos do numa época nos de estúd em que a mai io s, oria dos atore ter trabalho, s e atrizes, p era submissa ara , mal paga, e nem aparecia frequentemen nos créditos. te Isso explica o ficado de lad porquê dela te o por tantos r anos.

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participando enfim de várias formas – e várias delas organizadas, como as siffleries (apitaços) parisienses. Desde essa época começam a surgir alternativas para um cinema que não mostrava e não representava os interesses daqueles públicos. Organizações operárias, entre outras (a Igreja também criou várias instituições que tratavam com o cinema, desde o início do século), alugavam salas e promoviam suas próprias sessões; começaram a produzir filmes. Há vários relatos nesse sentido, documentados pelo menos desde 1908. Em 1911, em Los Angeles, o jornal L.A.Citizen fala de uma sala gerida por socialistas e feministas; um entrevistado explica que “nossa sala é o resultado da rebelião do público contra o que oferecem a ele” (Steven Ross, Working Class Hollywood, 1998). Mas o provável primeiro caso realmente bem documentado da organização de um cineclube – com estatutos, sessões com debates e produção de filmes – é o do Cinéma du Peuple (Cinema do Povo), organização criada por militantes e simpatizantes anarquistas em Paris, em 1913. O programa do cineclube foi publicado no jornal Libertaire, de 13 de setembro; os estatutos foram registrados em 28 de outubro. O mote do cineclube era “Divertir, instruir e emancipar”. O Cinema do Povo teve vida curta, interrompida no ano seguinte pelo início da I Guerra Mundial. Mas deixou uma produção própria, quase inteiramente preservada, com títulos como As Misérias da Agulha, sobre o trabalho de costureiras; O velho Doqueiro e A Comuna, sobre a insurreição de 1871, entre outros. Um detalhe interessante é que a iniciativa dos anarquistas franceses foi bastante difundida, e chegou ao Brasil através de artigos de Neno Vasco, anarquista português muito ativo no Brasil que, em um de seus períodos de exílio em Portugal mandava para o jornal A Lanterna notícias do movimento internacional. De fato, na sequência dessas matérias, no seu número 242, de 8 de maio de 1914, o periódico traz o seguinte anúncio: “para tratar de fundar uma sociedade cujo objetivo será a propaganda social através do cinematógrafo, uma reunião será feita na próxima segunda-feira, 11 do corrente, às 19h30, no salão da Lega della Demo-

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crazia, na Rua Bonifácio, 39, 12º. Andar. Pede-se a todos os interessados que compareçam.” Não há contudo, confirmação da realização dessa reunião. Também a igreja católica mantinha atividades voltadas para a formação de um público orientado pelos melhores princípios cristãos, embora isso fosse marcado por uma orientação pré-definida e não deva se confundir com o cineclubismo em que esse público se auto-organiza. O padre Pedro Sinzig, em uma revista Vozes de Petrópolis, de 1912, cita várias salas de cinema – paroquiais? comerciais? – católicas, como a do Centro Popular Católico, de Petrópolis, o Cinema Modelo de Belo Horizonte e o Cinema Católico de Recife. América Latina

Carmen Miranda, que brilhou nos palcos nacionais e internacionais.

As pesquisas sobre público e cineclubismo são bastante raras em toda a historiografia do cinema; na América Latina esse problema se agrava profundamente. Isto contribui para manter velhos mitos e, no nosso caso particular, para consagrar os anos posteriores aos cineclubes “clássicos” franceses – e também espanhóis – como origem do cineclubismo em nosso continente. Certamente não é assim: os movimentos operários, principalmente, criaram em toda a América instituições próprias que promoviam


atividades culturais; o que acontece é que não há pesquisas e grande parte dos documentos se perdeu ou não está organizada e/ou acessível. Não sabemos ainda até que ponto o dispositivo cinematográfico era utilizado nas associações, clubes, ateneus, círculos de debate, escolas, que os meios populares criaram em grande número na virada e início do século 20. Por isso, nos países de maior tradição cinematográfica – do ponto de vista industrial -, que são a Argentina, o Brasil e o México, identificam-se os primeiros cineclubes no final dos anos 20, isto é, aqueles que surgiram por influência do cineclubismo europeu daquela década, a essa altura já consagrado. Na América Hispânica, foi a influência do Cineclube da Casa Universitária de Madri (que teve Buñuel entre seus fundadores) e da chamada “geração de 27”, por meio da Gaceta Literaria, que deram origem ao Cineclube de Buenos Aires, em 1928, e o Cineclube Mexicano, em 1930. No Brasil foi o Chaplin Club, do Rio de Janeiro, também fundado em 1928, que é considerado até hoje o primeiro cineclube. Na grande maioria dos outros países latino-americanos, as primeiras referências – e não será mera coincidência – surgem nos anos 50, justamente quando novamente se prestigiava um cineclubismo e uma cinefilia “de norma culta”, identificados com os críticos e cineastas da Nouvelle Vague. A partir dessa época os cineclubes se tornam bem visíveis em todo o continente. Mesmo nos três países com mais estrutura é também nessa época que os cineclubes proliferam e quando se pode notar as influências que exercem sobre os cinemas nacionais e suas instituições. De fato, antes dos anos 70 – quando surgem as primeiras escolas de cinema – todos os cineastas se formavam nos cineclubes. E as faculdades foram criadas com a geração de cineclubistas dos anos 50 – porque a geração seguinte, formada por aquela, já é a dos “cinemas novos” que, a partir dos cineclubes, renovou o cinema latino-americano e, em boa medida, de outras partes do mundo. No longo período em que pululavam ditaduras em nosso continente, uma importante resistência se organizou a partir dos cineclubes. A crítica cine-

matográfica profissional tem a mesma origem cineclubista. Os festivais de cinema surgem por iniciativa dos cineclubes e as cinematecas nacionais se organizam a partir de cineclubes. Mas, em resumo, nos países de maior e mais antiga cinematografia, os cineclubes foram responsáveis pela criação de uma cultura cinematográfica nacional, isto é, praticamente tudo – obras e instituições – que não vinha de Hollywood. Nos outros, os cineclubes praticamente se confundem com o que se possa identificar como cinema nacional: é neles ou a partir deles que se produziram os poucos filmes realizados antes da revolução digital; é nos cineclubes que se pratica e desenvolve o estudo, a crítica, a produção e a exibição de filmes diversos do discurso monolíngue estadunidense. Paulo Emílio Salles Gomes, considerado uma espécie de patrono do cineclubismo brasileiro, pode ser dado como um exemplo pessoal em que se encontram essas potencialidades que resultam das práticas cineclubistas. Aliás, em uma entrevista já no fim da vida, ele definia-se, enfim, como cineclubista, ou seja, era esse adjetivo que melhor englobava uma trajetória que envolvia política, ensino, crítica e teoria, que começou com o Clube de Cinema de São Paulo (do qual participou desde 1940), passando pela “conversão” absoluta ao cinema por meio de Plínio Sussekind (fundador do Chaplin Club), em Paris, e termina na Cinemateca (em 1957, o Clube de Cinema se torna Fundação Cinemateca Brasileira) e nos cursos de cinema das universidades de Brasília e de São Paulo. Louis Delluc, responsável, de certa forma, pela disseminação do termo cineclube, também pensava nesse tipo de relação com o cinema: foi o criador da palavra “cineasta” que, para ele, definia aquele que via, pensava e fazia cinema em todos os níveis. Em outras palavras, é o público organizado para se apropriar individual e coletivamente do poder e do sentido do cinema. Na sociedade atual, o público é um conceito que praticamente se confunde com a totalidade da população, pois o principal meio de comunicação e socialização em todo o planeta são as mídias, controladas pela chamada indústria cultural ou de entretenimento.

E, entre essas, a base fundamental é o audiovisual (cinema, tevê, internet, celulares etc.), cuja linguagem matriz é a do cinema. Os cineclubes são a forma organizacional e mesmo institucional (existem nas legislações da maioria dos países do mundo) desse público, desse proletariado contemporâneo que não só não tem acesso aos meios de produção, mas igualmente não tem acesso aos meios de produção do seu próprio imaginário. Que não dispõe apenas de sua força de trabalho para vender, mas cuja subjetividade, hoje, é apropriada e comercializada ao simples aceder à internet e às ironicamente chamadas de redes sociais, de fato sob controle privado.

Dolores Del Río, diva do cine mexicano, com dezenas de filmes em Hollywood.

Felipe Macedo é cineclubista e diretor de atividades culturais do Memorial da América Latina.

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A América Latina apresenta uma diversidade cinematográfica que desafia classificações e tentar determinar um padrão de estilo latino-americano sempre foi um desafio e tanto. Uma oportunidade rara de tentar fazer essa comparação, ou simplesmente apreciar o melhor da Sétima Arte no continente, é o 8° Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, que acontece de 11 a 18 de julho. Trata-se do maior evento do gênero no Brasil, que exibe curtas, médias e longas-metragens latinos. Nele o espectador terá uma programação com filmes que se destacaram em festivais europeus como Cannes e Berlim, e também a possibilidade de descobrir filmes garimpados nas principais mostras do continente, como o argentino Bafici; o Festival de Cartagena, na Co-

lômbia; e o de Guadalajara, no México. Distribuído em algumas das principais salas de cinema de São Paulo, como o Cinesesc, a Cinemateca, o Memorial da América Latina e o Cinusp, o evento contará também com produções brasileiras, como o elogiado A Falta que Ele Faz, de Maria Clara Escobar, premiado em janeiro na conceituada Mostra de Tiradentes, e o documentário sobre Mazaroppi, dirigido pelo crítico Celso Sabadin. Entre os destaques de língua hispânica está o documentário Miradas Múltiplas, que aborda a obra do mais importante diretor de fotografia do cinema mexicano, Gabriel Figueroa, com depoimentos dos principais fotógrafos do mundo analisando cenas de seus filmes. Este ano a organização do

Festival

festival decidiu homenagear não cineastas, mas dois nomes ligados ao pensamento, difusão e preservação do cinema: o crítico José Carlos Avellar e o já lendário ex-diretor da Cinemateca Uruguaia, Manuel Martinez Carril. Avellar é um dos mais respeitados críticos de cinema do Brasil, e dedica boa parte do seu tempo ao estudo do cinema latino-americano. Não por acaso, é autor do livro A Ponte Clandestina, uma referência quando se fala em pesquisa do cinema deste continente. Apesar de morar no Rio de Janeiro, Avellar frequenta o Festival Latino-Americano há alguns anos e o considera importante por permitir uma reflexão sobre o conjunto da produção atual do continente. “São países com cultura bastante variada, cujos filmes apresentam uma

de

Cinema por

Marcelo Lyra

Latino-Americano de São Paulo

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Realizado pelo Memorial da América Latina, o festival é único do gênero no país

Filme : La Rabia Direção : Albertina Carri Argentina, 2008

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Del Olvido Al No Me Acuerdo

Direção: Juan Carlos Rulfo / México, 1999

expressão própria de cada realidade, com construções estilísticas e dramáticas muito características”, explica. Segundo ele, o Festival Latino de São Paulo, com seus debates e palestras, permite aprofundar questões como o distanciamento que esses países mantêm entre si. “Do mesmo jeito que, por exemplo, filmes peruanos praticamente não chegam ao Brasil, filmes uruguaios não chegam à Colômbia, filmes chilenos não chegam ao México e por aí vai”. Para Avellar, além do fator determinante do mercado exibidor dos países estarem voltados para os filmes americanos, é preciso considerar também que as diferenças estilísticas de cada país tornam mais difícil essa aproximação. “São países que

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apresentam influências e características distintas. Isso remonta de muito tempo, basta notar que nos anos 60 Brasil e Argentina usavam cenários naturais e câmera na mão, influência da Nouvelle Vague francesa, enquanto o México preferia filmar em cenários e usar uma câmera clássica”. Nem é preciso lembrar o enorme sucesso que os dramalhões mexicanos faziam em toda a América Latina nesse período. Já Martinez Carril esteve à frente da Cinemateca Uruguaia por cerca de duas décadas, o que não é pouca coisa quando se pensa que se trata da maior cinemateca da América Latina. Ela existe há 60 anos, tem mais de 15 mil filmes em seu acervo, conta com oito mil sócios que pagam

mensalidade (o que lhe permite não depender tanto do governo) e possui seis salas que estão sempre exibindo mostras e retrospectivas. Para se ter uma ideia, a Cinemateca Brasileira, que também é das maiores, possui apenas duas salas e cerca de dez mil filmes no acervo. Para além da questão do acervo, a Cinemateca Uruguaia está ligada ao processo de resistência à ditadura militar que governou com mão de ferro o país de 1973 a 1984. Suas sessões eram um dos raros momentos em que a sociedade civil uruguaia tinha chances de protestar contra o regime e ela tornou-se assim uma importante trincheira na luta por liberdade. Por conta disso a Cinemateca tem um papel importante na vida cultural uruguaia.


Un tigre de papel

Direção: Luis Ospina / Colômbia, 2008

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La Rabia

Direção: Albertina Carri / Argentina, 2008

Juntos, Martinez Carril e José Carlos Avellar organizaram uma mostra, intitulada Carte Blanche, com 12 filmes que consideram mais representativos da produção do continente. Cada um indicou seis películas que segundo eles contribuíram de forma significativa para a construção e o desenvolvimento da cinematografia latino-americana, além de representarem a diversidade da produção cultural. Dentre os destaques estão Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha; Así Es La Vida (2000) do mexicano

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Arturo Ripstein; La Rabia (2008), da argentina Albertina Carri; e Cobrador (2006) do mexicano Paul Leduc. A programação do festival inclui ainda a Competição de Escolas de Cinema Ciba-Cilect, que exibe curtas-metragens das principais faculdades de cinema da Argentina, Brasil, Cuba, Equador, México e Uruguai. As universidades brasileiras que integram o Ciba-Cilect são a ECA-USP e a Faap. Destaque também para a mostra 40 anos de ABD (Associação Brasileira de Documentaristas), cujo programa irá

homenagear a Jornada de Cinema da Bahia, um dos mais tradicionais festivais de cinema brasileiro. Haverá ainda a Mostra do Itamaraty de Cinema Sul-americano, voltada para coproduções entre no mínimo dois países. Cada país participante seleciona dois filmes para representá-lo na competição; e também uma mostra de Telefilmes coproduzidos pela TV Cultura.

Marcelo Lyra é jornalista e crítico de cinema.


Manuel Martinez Carril Dois momentos do diretor uruguaio

8º Festlatino homenageia o premiado mestre uruguaio Diretor honorífico, autêntico cérebro e motor da Cinemateca Uruguaia, crítico de cinema e autor de vários livros e publicações, como Três Rostros del Cine Norteamericano, Medio Siglo de Cinematecas en America Latina e Preservar el Cine. Tem integrado o júri de diversos festivais internacionais, entre eles o de San Sebastian,

Valladolid, Habana e Viña del Mar. É correspondente do Nuestro Cine, de Madri, e Celuloide, de Lisboa. Seu último trabalho La Vida Útil – Um conto de Cinema, sucesso no circuito cinéfilo e no Festival de Cartagena 2011 foi o filme que mais acumulou troféus - ganhou os reconhecimentos de melhor filme da Fi-

presci, menção especial dos Cineclubes (Associação La Iguana) e menção especial da crítica colombiana. Em La Vida Útil, Martinez se autointerpreta, como diretor de cineclube cercado pelas dificuldades do meio. O cineasta acumula várias premiações, inclusive o Troféu Kikito de Cristal do Festival de Cinema de Gramado.

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Continente busca sua geografia cinematográfica por

Cássio Starling Carlos

Claudia Llosa - Peru

A Teta Assustada - 2009

Tal como o consumo e a circulação de bens materiais, a produção audiovisual contemporânea e sua recepção se tornaram irrefreavelmente globais. Ao contrário de temáticas e estéticas antes identificadas com determinados limites (nacionais, idiomáticos e culturais), o regime das imagens agora se organiza em termos de realização e projeção transnacionais. Enquanto isso, as coproduções cumprem papel de condição fundamental à subsistência do cinema mi-

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noritário (leia-se “não industrial”), do mesmo modo que os festivais são espaços privilegiados de circulação e exposição. Por isso, tentar reconstituir os traços de uma identidade latino-americana dispersa na produção cinematográfica em curso nos países da região equivaleria a resumir a multiplicidade de aspectos do cinema da Ásia à etiqueta, inócua e exótica, “cinema oriental”. Neste contexto de fluxos que

se nutrem e se confundem, o cinema latino-americano, que pelo menos até os anos 1970 manteve-se mais identificado com escolhas estéticas e temáticas relacionadas à noção de terceiro mundo, também vem sofrendo sensíveis mutações estilísticas e narrativas. Apesar de tais indícios de renovação passarem, em geral, despercebidos ao grande público que segue quase apenas a agenda do cinema comercial, o sismógrafo dos grandes festivais vem registrando a constância


Água Fria de Mar - 2010

Paz Fabrega - Costa Rica

tanto dos movimentos de maior escala como dos pequenos e mais individuais distúrbios. A partir da década de 1990, com a emergência do chamado Novo Cinema Argentino, passamos a tomar conhecimento de uma produção múltipla e bastante politizada, apesar de pouco ou nada identificada com os marcos ideológicos que orientaram o trabalho de seus predecessores. Se o cinema se tornou, no caso da Argentina nos anos Menem, um foco de inquietação, de manifestação de divergência com o presente, foi em grande parte porque se redescobriu na tela um lugar onde projetar e reunir experiências coletivas. Mesmo, e sobretudo, quando se tratava de mostrar o espelho estilhaçado e uma imagem destruída. Ali, a ficção descobriu ter perdido o sentido. Para se reconstituir,

mirava a realidade como matéria-prima, como um sustento para voltar a crer. A partir da recorrência de condições materiais e soluções estéticas não foi difícil reconhecer naquela série de primeiros filmes a inspiração no cinema moderno nascido na matriz neorrealista. Por outro lado, a súbita visibilidade alcançada pelos filmes argentinos naquele período amplificou a receptividade e garantiu que uma leva de jovens realizadores de outras origens americanas surgisse no cenário. Ao mesmo tempo, a aprovação de mecanismos legais de fomento à produção audiovisual permitiu o surgimento de pequenos focos de expressão cinematográfica, além dos três (Argentina, Brasil e México) que há décadas possuem uma produção quantitativamente expressiva. Concomitantemente, a dis-

seminação do suporte digital e o barateamento dos custos antes proibitivos na era da película têm viabilizado uma abundante produção independente e estimulado a expansão de novas estéticas, sobretudo no campo do documentário, até então um mero nicho. A influência isolada ou combinada dessas condições vem transformando a paisagem audiovisual latino-americana, tanto como no mundo todo, em termos quantitativos e qualitativos. O número de longas-metragens nacionais lançados no circuito comercial dos principais países produtores (Argentina, Brasil, México, Chile, Colômbia, Venezuela, Uruguai e Peru), por exemplo, saltou de cerca de 110 em 2000 para em torno de 280 títulos em 2010. O impacto na qualidade, dificilmente quantificável, evidencia-se, no entanto, na presença constante

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Lake Tahoe - 2008

Fernando Eimbcke - México

em festivais que definem o gosto e a atenção da cinefilia mundial (Berlim, Cannes, Veneza e, em outro recorte, Roterdã e Locarno). O primeiro, por exemplo, concedeu o Urso de Ouro ao brasileiro Tropa de Elite (2008) e ao peruano A Teta Assustada (2009) e o não menos importante prêmio Alfred Bauer (distinção para obras que “abrem novas perspectivas à arte cinematográfica”) para os argentinos O Pântano (2000) e O Guardião (2006), o mexicano Lake Tahoe (2008) e o uruguaio Gigante (2009). Dos quatro longas dirigidos pelo mexicano Carlos Reygadas, todos foram exibidos em Cannes e três receberam prêmios. O paraguaio Hamaca Paraguaia surpreendeu a maioria ao conquistar um prêmio da crítica em Cannes em 2006. No ano anterior, o mexicano Sangre fora o escolhido também pela crítica da seleção Un Certain Regard. A produção costa riquenha Água Fria do Mar ficou com o prêmio principal da competição de Roterdã

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em 2010. No mesmo festival, o brasileiro O Som ao Redor foi o escolhido pela crítica em 2012. Depois de um prêmio paralelo em Cannes, o chileno No ainda foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013, categoria que o argentino O Segredo dos Seus Olhos vencera dois anos antes. Buscar traços comuns, tendências formais ou temáticas neste grupo de filmes ou mesmo em outros com menor repercussão midiática nos expõe aos riscos do reducionismo. Se na maioria deles é possível identificar como linha de força a observação de nossas tão comuns fraturas sociais, o que chamaríamos de discurso político evidencia-se mais na singularidade das opções formais que nas demonstrações engajadas assumidas por nossos cineastas de outrora. Mesmo que muitos compartilhem a crença no documental como recurso que potencializa a ficção (ou faça confundir as fronteiras), os resultados díspares inviabilizam reuni-los

como demonstrações de um mesmo programa, como tanto se fez com a geração dos anos 1960. A presença recorrente de ambições estilísticas típicas do cinema de autor, por outro lado, tem muito o sentido de estratégia de diferenciação, o que permite a obras e realizadores impor valor num mercado hipersaturado de ofertas. Neste cenário, difícil não concordar com a ironia do crítico e cineasta argentino Sergio Wolf quando escreveu que “a noção de ‘cinema latino-americano’ é algo pensado pelos Estados Unidos, e especialmente pela Europa, na medida em que nenhum festival sério do planeta imaginaria uma seção denominada ‘cinema europeu’, na qual convivam filmes franceses com búlgaros, ou alemães com islandeses, só por terem sido feitos num espaço delimitado geograficamente”.

Cássio Starling Carlos é crítico, curador e professor de História do Audiovisual.


MEMORIAL da AmĂŠrica Latina

24 ANOS Divulgando a cultura latino-americana 23


Mulheres atrás das câmeras por

Marcelo Lyra

Desde a década de 1910 as diretoras de cinema lutam por um espaço na cinematografia latino-americana

A argentina Paula Hernández, autora do premiado Herencia.

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Lucrecia Martel, autora de vários filmes premiados, é uma das mais renomadas cineastas de sua geração.

A cineasta americana Kathryn Bigelow surpreendeu o mundo há três anos ao se tornar a primeira mulher a levar o Oscar de melhor direção por Guerra ao Terror. Como ela, mulheres diretoras quase sempre tiveram espaço em Hollywood, sendo Sofia Coppola a mais destacada junto à crítica. Vale citar ainda as popularíssimas de público, Amy Heckerling, de Olha Quem está Falando e As Patricinhas de Beverly Hills; e também Catherine Hardwicke, que dirigiu, entre outros, Vanilla Sky, a série popular Crepúsculo, e Aos Treze. Abaixo do Rio Grande, distante deste mundo de glamour e dos holofotes midiáticos, existe uma bela história de luta, pioneirismo e superação de mulheres latino-americanas que se tornaram cineastas, impondose graças ao talento e determinação.

Os primeiros filmes femininos que se tem notícia datam da segunda década do século XIX e ainda provocam controvérsia pela dificuldade de se obter documentação. Na Argentina há duas pioneiras de destaque: Maria Saleny, que dirigiu dois filmes, Niña del Bosque (1917) e Clarita (1919); e Maria de Celestini, autora de Mi Derecho (1920). No México, a atriz María Herminia Pérez de León, mais conhecida como Mimi Derba, iniciou sua carreira como corista no vaudeville, e depois de se tornar famosa, fundou em 1917 com o cinegrafista Enrique Rosas a Sociedad Cinematográfica Mexicana, a primeira produtora de cinema do México, que depois mudaria seu nome para Azteca Films. Em menos de um ano, produziram cinco filmes, quatro deles estrelados pela própria atriz, que também par-

ticipava dos roteiros, produção e edição. Curiosamente, ela viria a ser a primeira diretora mexicana justamente no único filme da produtora em que ela não atuou como atriz: A Tigresa (1917). Infelizmente, apenas algumas fotos restaram das produções da Azteca Films. Merece destaque ainda a venezuelana Margot Benacerraf, nascida em 1926, que estudou cinema em Paris e tornou-se mundialmente conhecida graças ao elogiado documentário Araya, sobre uma antiga mina de sal explorada por séculos depois da descoberta pelos espanhóis. O filme ganhou o Prêmio Internacional de Crítica do Festival de Cannes em 1966, dividido com nada menos que Hiroshima mon Amour, de Alain Resnais. Hoje, um elenco considerável de diretoras trilha o caminho aberto

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por estas pioneiras. A mais importante delas é sem dúvida Lucrecia Martel, diretora do genial O Pântano, indicado ao Leão de Ouro em Berlim. Ela cursou Comunicação e começou no cinema dirigindo documentários e curtas como o premiado Rei Morto. Posteriormente fez também A Menina Santa (2004), indicado à Palma de Ouro em Cannes e que ganhou menção honrosa da crítica na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Em 2008, A Mulher Sem Cabeça também foi indicada à Palma de Ouro em Cannes e venceu o prêmio da crítica no Festival do Rio de Janeiro. Ainda entre as argentinas, Paula Hernández se expôs com

os longas Chuva (2008) e Herencia (2001). Entre as equatorianas, contudo, destaca-se Tania Hermida, que foi premiada no festival de Havana em 2006 com o filme Qué tan lejos. Paz Fábrega nasceu em 1979 em San José, Costa Rica, onde estudou fotografia e jornalismo. A seguir, mudou-se para Londres, onde estudou cinema. Seu filme Temporal, rodado no interior da Costa Rica em 2006, concorreu em diversos festivais internacionais. Seu filme seguinte, Água Fria do Mar (2008), considerado o marco da retomada cinematográfica da Costa Rica, foi finalista em Sundance (2008) e abriu o quinto Festival de Cinema La-

tino-Americano de São Paulo em 2010. A cineasta peruana Claudia Llosa inicialmente era mais conhecida por ser sobrinha do escritor Mario Vargas Llosa. Mas bastaram dois filmes para que ela conquistasse o respeito da crítica internacional. Em 2009 foi vencedora do Urso de Ouro no Festival de Berlim com o filme A Teta Assustada. Em seguida, dirigiu a elogiada coprodução hispano-peruana Madeinusa, rodada nos Andes peruanos e que teve o roteiro premiado no Festival de Havana, além de receber prêmios em Sundance, Rotterdam e Mar del Plata. O documentário O Corpo Equivocado, escrito e dirigido pela cubana

A produção equatoriana conta com a criatividade de Tania Hermida, diretora de Qué tan lejos, de 2006.

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Marilyn Solaya, foi eleito pela crítica cubana como uma das melhores obras do país em 2009 e recebeu também o Prêmio Especial do Júri no Festival Internacional de Cinema de Bilbao. O filme faz uma viagem para dentro da vida de Mavis, um transexual cubano que, vinte anos depois de sua cirurgia para mudança de sexo questiona sua feminilidade. Por último, não se pode deixar de citar as brasileiras, como a pioneira produtora Carmem Santos, atriz de destaque desde Urubu (1919), e produtora de clássicos como Sangue Mineiro (1929), do ciclo de Cataguases, e Favela dos Meus Amores (1936). Carmem tornou-se diretora uma única vez, com

o filme Inconfidência Mineira (1939). Nos anos 70 e 80 ganharam destaque as diretoras Ana Carolina (Mar de Rosas, 1979), Tizuka Yamazaki (Gaijin, 1979) e Suzana Amaral (A Hora da Estrela, 1986). Mas foi depois da chamada Retomada, ciclo de cinema brasileiro que se inicia com a criação da Lei do Audiovisual em 1993, que as mulheres começaram a ganhar enorme destaque. A começar por uma das mais talentosas, Tata Amaral, do já clássico Céu de Estrelas (1997); Lais Bodanski (Bicho de Sete Cabeças, 2000); passando por Lúcia Murat (Doces Poderes, 2000); Carla Camurati (Carlota Joaquina,

1995); Eliane Caffé, Sandra Werneck, Betse de Paula e um sem-número de jovens diretoras como Juliana Rojas. Para se ter uma ideia, antes da Retomada (ou seja até 1993), as mulheres diretoras não chegavam a dez. Hoje já passam de cem e o número cresce em progressão aritmética. Isso se deve à maior democratização do acesso ao cinema, tanto pelo barateamento do equipamento (principalmente com o advento das câmeras digitais) até os frequentes editais da secretaria do Audiovisual, que escolhem os filmes pela qualidade do roteiro, independentemente de quem seja o autor.

Ana Carolina, nome forte entre as diretoras brasileiras, começou a destacar-se em 1979 com o filme Mar de Rosas. 27


Entrevista

&

Silvio Tendler por Maria

do Rosรกrio Caetano

Dois nomes seminais do cinema brasileiro 28


Fernando Meirelles

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Glauber o Filme, Labirinto do Brasil - 2003

Em novembro de 2011, o cineasta Silvio Tendler acordou tetraplégico. “Eu tinha 61 anos, dezenas de projetos em várias fases de criação e uma vontade imensa de viver, mas me senti como um saco de batatas”, relembra. Sem conseguir mover o pescoço, as mãos e as pernas, Tendler desesperou-se. Clamou para si mesmo: “que sejam preservados minha fala, minha cabeça, meus pensamentos e o poder de criação, pois tenho muito ainda por fazer”. Tetraplégico, tomou o rumo do Hospital Sarah Kubitscheck, em Brasília. Imaginava que seus males eram consequência do diabetes que o atormenta há anos. Mas o Dr. Campos da Paz, médico renomado, avisou tratar-se de compressão da medula. Que tudo faria para ajudá-lo a recuperar os movimentos com o recurso da fisioterapia, mas sem cirurgia, pois esta seria “muito arriscada”. O inquieto cineasta resolveu procurar o Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Recebeu a recomendação de operar-se, no Rio, com o Dr. Paulo Niemeyer. O médico carioca alertou-o dos imensos riscos da cirurgia. Tendler assinou, com a digital do polegar, a necessária autorização do procedimento médico. E passou para a filha, Ana Rosa Tendler, todas as responsabili-

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dades legais sobre seus acervo e obra. “Tive um enfarto no meio da operação”, relembra, acomodado em sua cadeira de rodas, mas já movimentando as mãos com vivacidade. Tudo deu certo e Tendler agradece, para o todo e sempre, ao Dr. Niemeyer, que “não cobrou nada pela arriscada cirurgia”. “Agora, em casa, já consigo me locomover com um andador”. Nos espaços públicos, se locomove em cadeira de rodas. A filha cuida de toda a parte administrativa da produtora Caliban, criada em 1981, e ele segue trabalhando, incansável. Nesta entrevista à Nossa América Hoy, o carioca Sílvio Tendler, um “baiano de alma”, que filmou as trajetórias dos baianos Glauber Rocha, Milton Santos, Castro Alves e Marighella, fala de Jango, seu documentário mais conhecido; dos muitos projetos que está desenvolvendo e de sua paixão pela América Latina. Um território que faz parte de sua vida desde 1970, quando, aos 19 anos, foi “viver no Chile de Salvador Allende”. N.A.H.- Com a proximidade dos 50 anos do Golpe Militar de 1964, você vem mostrando Jango em vários festivais, cineclubes e associações profissionais. Você pretende relançar o filme em 2014?

S.T.- Se houver espaço no mercado, claro. Jango fez quase um milhão de espectadores em 1984. Só perde, entre meus sucessos de bilheteria, para O Mundo Mágico dos Trapalhões (1.891.425). Mas faço questão de deixar claro que Jango nunca saiu de cartaz. O filme é, constantemente, exibido em cineclubes, universidades, escolas de segundo grau, periferias urbanas e sindicatos. Aliás, meus filmes têm uma sobrevivência enorme nos circuitos alternativos. Estão disponíveis em DVD (no caso de Jango, com legendas até em esperanto!). Lamento muito que a Ancine não leve em conta este público, vital para o cinema brasileiro. Só se leva em conta o borderô das salas comerciais, um circuito formatado para o blockbuster norte-americano, presente em apenas 9% de nossos municípios. Claro que, ano que vem, com os 50 anos do golpe militar, nossos filmes serão requisitados (Tendler usa o plural por referir-se também aos filmes Dossiê Jango, de Paulo Fontenelle, que discute se Jango foi assassinado ou não, e ao de Camilo Tavares, O Dia Que Durou 21 Anos). Quando realizei Jango, no começo dos anos 1980, não entrei na questão do possível assassinato dele, porque havia pouco material de trabalho. Parentes dele me contaram que Jango pensava em ir morar em Londres, pois


não havia mais espaço para ele na Argentina e no Uruguai, visto que as ditaduras tomavam conta do Cone Sul. Nestes quase 30 anos, muito material surgiu. Jango, meu segundo longametragem, me trouxe muitas alegrias. Havia um fervor cívico nas sessões do filme, a maioria lotadas. Me lembro que Villas-Boas Correa definiu meu filme como “parcial, mas imperdível”. Sérgio Augusto, por sua vez, escreveu: “imparcial, só com a câmara desligada”. A fortuna crítica do filme me estimula até hoje. N.A.H.- Você tem conseguido levar seus projetos adiante, apesar dos problemas de saúde que enfrentou nos últimos anos? S.T.- Sim, não paro de trabalhar um só dia. Se não estou filmando, estou com a cabeça fervilhando, elaborando novas ideias. Acredito na vida e no cinema, com todas as minhas forças. O cinema, para mim, é militância diária. Fiz, com apenas R$50 mil, o documentário O

Veneno Está na Mesa. Coloquei o filme no youtube e ele já teve 130 mil acessos. Realizei, para a TV Brasil, a série Caçadores de Alma, sobre fotógrafos. Conheci, em Pernambuco, o Mestre Júlio, um pintor-fotógrafo sensacional. E registrei a obra dele e de outros caçadores de imagens, em 13 episódios de 26 minutos cada. Com minha filha de produtora-executiva, estou realizando Sujeito Oculto na Rota do Grande Sertão: Veredas, sobre a viagem de Guimarães Rosa pelas Minas Gerais; J.Carlos, sobre o grande ilustrador, em parceria com Norma Bengell, agora “cadeirante”, como eu; Advogados Contra a Ditadura, sobre os juristas que enfrentaram o arbítrio na defesa de presos políticos; Militares Contra Ditadura, no qual registro os militares que desafiaram o autoritarismo do regime militar; A Alma Imoral, sobre o rabino Nilton Bonder, e Poema Sujo – Ferreira Gullar, série de cinco programas com o grande poeta maranhense, para a TV Brasil. E, para minha alegria, o cineasta Noilton Nunes está fazendo um documentário sobre minha trajetória no cinema e vida.

N.A.H.- Você integra o Comitê de Cineastas da América Latina, que tem no Festival de Havana seu epicentro. Em que momento se deu seu contato com o cinema hispano-americano? No Chile, quando você integrou a equipe do francês Cris Marker, na produção de La Spirale? S.T.- Conheci o cinema latino-americano de perto, em 1970, quando fui morar no Chile, logo no início do governo Allende. Cheguei a Santiago no dia dez de novembro de 1970, e logo que cheguei à pensão, onde iria morar, vi pela televisão o restabelecimento de relações diplomáticas entre Chile e Cuba, rompidas desde o início dos anos 1960. No mesmo dia, inaugurava-se, em Santiago, exposição organizada pela Universidade de Havana. Foi neste momento que conheci Miguel Littin, que era a grande estrela do cinema chileno. Ele havia feito O Chacal de Nahueltoro, um filme de grande repercussão. Conheci, naqueles anos, o cineasta Julio Garcia Espinosa e um

JANGO

Jango - (1984)

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dos criadores do Icaic (Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficas), Alfredo Guevara. Nunca mais o cinema latino se desgarraria de minha pele. Em seguida, conheci o grupo de realizadores do grupo “Cine Experimental”, da Universidade do Chile, sobretudo a figura de Pedro Chaskel. Conheci e trabalhei com Hugo Araya, el salvaje, assassinado em 1973. Em 1971, participei dos “Talleres da Chilefilms”, organizados por Littin, e fiquei amigo de Sergio Trabucco, convivi com Patricio Guzmán, Andres Racz, Jorge Muller y otros. N.A.H.- Que cineastas e obras latino-americanas o marcaram? E como a América Latina e seus criadores, como Eduardo Galeano e Santiago Alvarez, entraram em sua obra? S.T.- Fui morar em Paris, em 1972, e o cinema latino-americano já cir-

culava em minhas veias. Acho que foi isso que me aproximou de Cris Marker. Em 1973, ele me mandou para Leipzig, na antiga RDA (República Democrática Alemã), onde conheci os cubanos Santiago Alvarez, Jorge Fraga e um cineasta do exército cubano, Abelardo Cambra, que só falava de Kalshnikovs (risos). O mais brilhante, sem dúvida, era Santiaguito. Tudo que vinha de Cuba me fascinava. Em Leipzig, conheci os colombianos Carlos Alvarez, Martha Rodrigues e Jorge Silve. Reencontrei os brasileiros Cosme Alves Netto e o Sérgio Muniz. Estavam lá também o (José Artur) Poerner e o Júlio Medaglia. Compartilhei um quarto com Patricio Guzmán. Era um universo fascinante para um garoto de 23 anos que amava os Beatles e a revolução. O Comitê de Cineastas da América Latina e a Fundación del Nuevo Cine só entraram na minha vida nos anos 1980, por inter-

Utopia e Barbárie - 2005

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médio do Cosme. Já tinha voltado ao Brasil, já havia feito Os Anos JK. Meus gurus e referências? O texto Por un Cine Imperfecto, de Julio Garcia Espinosa, e os filmes de Santiago Alvarez, Cris Marker e de todos que conheci desde que desembarquei no Chile. E, claro, o grande Tomaz Gutierres Alea. N.A.H.- Você mostrou, ao receber homenagem do Cine PE 2013, vídeo autobiográfico, no qual se apresenta como “cineasta dos vencidos, dos perdedores”. Neste mesmo vídeo, você aparece em fotos com personalidades do cinema e da política, com as quais esteve ao longo dos anos. Incluindo o General Diap, do Vietnã. Mas você não é visto ao lado de Cris Marker, que tanto marcou sua trajetória e foi fonte de inspiração do mais ousado dos seus filmes, Utopia e Barbárie. Por que? S.T.- Conheci Cris Marker em 1972, em Paris. Antes, trabalhara na equipe dele, que realizou La Spirale, no Chile. Na verdade, éramos um coletivo, cheio de jovens loucos para documentar o Chile de Allende. Estive com ele várias vezes, na França, onde estudei, e poderia ter feito uma foto ao lado dele. Só que teria que ser na cara de pau, pois ele sempre foi muito arredio. São raras as fotos dele. Na juventude ele era lindo, um príncipe. Depois, ficou careca. Quem sabe não quis ser fotografado na fase madura por esta pequena vaidade? Só Wim Wenders conseguiu fotografá-lo. Deve ter sido muito convincente. Eu dediquei Utopia e Bárbarie, meu último longa documental, a Cris Marker. Espero que este filme, tão pouco visto no circuitão comercial, seja visto como merece nos circuitos paralelos.


Entrevista

A pegada internacional de

Meirelles

Cinema virou conto enquanto as séries se transformaram no novo romance por Maria do Rosário Caetano Fernando Meirelles está trabalhando muito. “Como remador de Ben-Hur”, diria Nelson Rodrigues. Em cinema e, principalmente, TV. A O2, produtora que mantém com sócios no Alto da Lapa paulistano, desenvolve dezenas de projetos para diversas e poderosas emissoras. Da Globo à Fox, passando pela HBO. “A nova lei brasileira da TV a cabo, que obriga a exibição, em horário nobre, de três horas semanais de programas brasileiros, é um divisor de

águas na história do nosso audiovisual”, constata, satisfeito. Aos 57 anos, o realizador, que soma sete longas-metragens em carreira cinematográfica iniciada tardiamente (com curtas-metragens, aos 40 anos, e com longas, aos 43), gosta de lembrar que atuou “mais na TV e como produtor de projetos cinematográficos alheios, que como diretor”. Mesmo assim, viu seu nome transformar-se em sinônimo de cineasta bemsucedido, com amplo reconhecimento

internacional, por causa do frisson causado por Cidade de Deus, que em 2002 abriu o Festival de Cannes, conquistou 3,2 milhões de espectadores no Brasil, foi vendido para diversos mercados internacionais, e, dois anos depois, disputou quatro importantes categorias do Oscar (direção, roteiro, fotografia e montagem) junto à Academia de Artes e Ciências de Hollywood. Meirelles estreou no longametragem com Menino Maluquinho 2 – A Aventura, codirigido por Fabrizia O Jardineiro Fiel - 2005

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Pinto. Prosseguiu com outra parceria (Domésticas, com Nando Olival). Aí veio o estouro de Cidade de Deus. E a sedução do mercado internacional. Foi ao Festival de Veneza com O Jardineiro Fiel, falado em inglês, idioma hegemônico em seus filmes seguintes: Ensaio Sobre a Cegueira e 360. E no próximo: Nemesis, uma cinebiografia de Aristóteles Onassis, produção internacional, de elenco idem. Nesta entrevista à revista Nossa América Hoy, Meirelles fala de seu entusiasmo com a TV, que o mobiliza desde o início dos anos 80, destaca a “qualidade das séries norte-americanas e inglesas”, garante que Nemesis é “um projeto afetivo e autoral, como todos que fiz”, justifica porque “ao menos matematicamente” é mais produtor que diretor e torce pelo aumento de coproduções entre o Brasil e a América Hispânica. N.A.H.- Você está envolvido com seu oitavo longa-metragem, Ne-

Ensaio Sobre a Cegueira - 2008

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mesis, sobre o Onassis. O que este filme significa para você? Mais um compromisso de uma carreira que se internacionalizou depois do sucesso planetário de Cidade de Deus ou um projeto afetivo-autoral? F.M.- Depois dos 50 anos abri mão de compromissos que não estejam 100% sintonizados com o que me interessa, nunca investi meu tempo em uma carreira e não faria isso agora. Sigo tocando os projetos que por razões diferentes me mobilizam, neste sentido Nemesis é um projeto afetivo e autoral especialmente porque depois de 12 anos estou finalmente fazendo um filme que, como Cidade de Deus, desenvolvi desde o começo. O roteiro de Nemesis é adaptado de um livro inglês, mas foi escrito em parceria com o Bráulio Mantovani, com quem trabalhei também em Cidade de Deus. O filme fala sobre o ódio. Nemesis é a deusa da justiça ou da vingança, aquela que vem nos entregar a colheita do que plantamos na vida. Por acaso, o

personagem central é grego e a história se passa nos quatro cantos do mundo, mas a trama é arquetípica e o entendimento dela é universal. N.A.H.- Você tornou-se famoso, mundialmente, com um filme falado em português, ambientado em favela e protagonizado, em sua maioria, por atores negros e desconhecidos. O festejado Cidade de Deus foi finalista em quatro importantes categorias do Oscar. Depois, sua carreira no cinema globalizou-se. Seu único filme brasileiro, após o triunfo de CdD, foi Som e Fúria, fruto da minissérie de mesmo nome, realizada para a Rede Globo. Não é chegada a hora de voltar a um projeto 100% brasileiro? F.M.- Mais do que um filme brasileiro gostaria é de rodar um filme em português, é muito melhor trabalhar na própria língua, não fiz isso antes por comodismo, talvez. Para fazer um filme brasileiro terei que lutar para conseguir


Cidade de Deus proporcionou visibilidade a uma série de atores desconhecidos.

financiamento, torcer para conseguir distribuição e rezar para não ser massacrado na bilheteria. Os projetos com os quais andei envolvido já chegam com financiamento resolvido, os filmes são vendidos para o mundo todo antes de serem rodados e me sinto igualmente livre para trabalhar. O único ponto que me faz querer voltar a rodar no Brasil é mesmo a língua. O conceito de nacionalidade perdeu um pouco o sentido. O mundo hoje não está mais dividido em nações, são as corporações que controlam o jogo. Viajo da América para a Ásia e encontro não só os mesmos gostos ou marcas, mas também as mesmas aspirações. As barreiras ou identidades culturais aos poucos estão se diluindo, e creio que as questões nacionais deixaram de ter relevância perto da grande questão global que é buscar uma forma de vida sustentável no planeta. N.A.H.- Cidade de Deus deu visibilidade a uma série de atores negros, que hoje brilham no cinema, teatro e novelas. A história do filme vai resultar em longa documental, uma espécie de “making off póstumo”. Que outros ganhos CdD, tão incompreendido na época por parte da crítica, lhe deu como realizador e cidadão? F.M.- Cidade de Deus, 10 Anos Depois, de Cavi Borges e Luciano Vidigal, que foi segundo assistente em Cidade de Deus, não é sobre Cidade de Deus, o filme, mas sobre o destino dos atores que participaram dele. Os diretores queriam me entrevistar, mas convenci-os de que o filme deveria ficar cen-

trado nos garotos. Ao falar sobre esta geração de meninos ele falará também sobre o que aconteceu com o Brasil nesta última década. Ao entrar em contato muito próximo com uma parte do Brasil que me era estranho, evidentemente minha compreensão sobre meu próprio país mudou e muito. Por outro lado CdD também me abriu as portas do mercado internacional, porta esta que jamais havia pensado em bater. Ao começar a trabalhar em outros países, viajando sem parar, acabei me aproximando de outros pontos de vista sobre a nossa civilização, o que me deu uma nova perspectiva sobre a minha própria vida e sobre o planeta onde estamos. N.A.H.- Entre os projetos de sua “volta brasileira” figuram Grande Sertão: Veredas e uma comédia de corte shakespeareano, que seria escrita por Jorge Furtado. Diz-se que você desistiu do caudaloso romance de Guimarães Rosa, quando o épico Xingu, que produziu para Cao Hamburger, vendeu menos de 500 mil ingressos. Só que na TV ele foi visto, como minissérie, por mais de 15 milhões de brasileiros. Cumpriu com brilho sua função social, não? F.M.- De fato o sucesso da exibição de Xingu na TV lavou a alma, foi a nossa redenção. Quanto a Guimarães Rosa coloquei o projeto na prateleira. Este seria um projeto muito caro e muito trabalhoso, que só se justificaria se muitas pessoas fossem ver, mas hoje não sinto que haja público suficientemente interessado em ver jagunços e

ouvir prosódia. Quando falo em bilheteria, não penso na renda em si, pois a O2 tem a sorte de ter outras fontes de renda e pode se dar ao luxo de não ter que fazer filmes para pagar as contas. Quando falo em bilheteria penso é no número de gente que possa ter contato com a obra. Já fiz projetos menores, nos quais a bilheteria não pesou na decisão de embarcar. Caso de Domésticas ou 360, ambos filmes relativamente baratos e feitos sabendo que seriam para um público menor. Fazer um filme, como Grande Sertão: Veredas, que exigiria tamanho esforço e custo tão alto, para correr o risco de morrer na praia, neste momento, não me anima. De qualquer maneira, depois de Nemesis quero filmar em português. Alguma coisa pequena. Talvez. N.A.H.- Hoje, sua produtora, a O2, vem sendo procurada como parceira prioritária por emissoras de TV por assinatura, que querem dramaturgia (séries, documentários, telefilmes) e até jornalismo, para cumprir a cota de produção brasileira. O que a O2 está produzindo de mais significativo? F.M.- A mudança da legislação para TV a cabo no Brasil , que agora obriga os canais a exibir 3 horas de programas nacionais por semana, em horário nobre, é um divisor de águas na história do audiovisual brasileiro. Com ela a demanda por produção nacional na TV saltou de 600 para quase 3000 horas por ano. A O2 Filmes, como a maioria das produtoras, se reorganizou para atender a esta demanda. Estamos

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produzindo sete projetos para TV no momento, entre eles destacaria os seguintes: Contos do Edgar (episódios de 30 minutos adaptados da obra de Edgar Alan Poe); Destino Rio (depois de Destino SP, esta série para a HBO, fala sobre imigrantes no Rio de Janeiro; Os Experientes (série para a Rede Globo na qual divido a direção com meu filho, o Quico). Fora estes, estamos fazendo uma série jornalística que fala sobre temas polêmicos a partir do ponto de vista dos vários envolvidos nas questões, e estamos começando a rodar duas séries de comédias de situação, estas sim, grandes desafios. Comédia não é nada fácil. N.A.H.- A O2 tem buscado no mercado mão de obra jovem para se renovar e desenvolver projetos que atraiam novos públicos, ou conta entre seus sócios - com artistas e técnicos em quantidade suficiente? F.M.- Creio que esta, mobilizar mão de obra jovem, seja a principal marca da O2 Filmes, desde o início. Em Cidade de Deus tínhamos estreantes em quase todas as posições chaves: roteiro, montagem, música, direção de arte e eu também era praticamente um iniciante em longas. Desde então, investir em gente nova passou a ser a tônica. Se pegarmos hoje a lista do primeiro time que faz cinema no Brasil, nas áreas de fotografia, som, montagem, roteiro, direção de arte e mesmo direção, veremos que grande parte deste time começou suas carreiras na O2 e este movimento continua. Anualmente produzimos curtas e projetos da garotada que circula pela produtora e tem ideias, isso mantém a brasa acesa. N.A.H.- Você tem dito que a TV, norte-americana em especial, tem produzido melhor dramaturgia que o cinema. Você acha que isto está acontecendo só nos EUA? Ou também na Europa e América Latina? F.M.- Não diria “melhor” pois é arriscado atribuir valores a filmes ou séries, mas sem dúvida, a produção recente de TV, não só norte-americana, mas inglesa, israelense, argentina e de muitos lugares, tem mostrado maior frescor e inventividade do que a grande maioria dos filmes recentes que tenho visto. As

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possibilidades de arranjos de tramas e estruturas de roteiros em 100 minutos depois de mais de um século de história do cinema parece que praticamente se esgotaram, é raro assistirmos a um filme que não nos remeta a algum outro que já tenhamos visto. Quando se tem 12 horas para contar uma história, como numa série, as possibilidades de desenvolvimento de personagens ou estrutura de roteiro são muito maiores. Numa série é possível ter vários núcleos de personagens com alto nível de complexidade cada um. As tramas também podem ser muito mais elaboradas, pois há tempo para desenvolvê-las, entrelaçá-las e aprofundá-las. Estas possibilidades ainda não foram exploradas à exaustão, por isso as séries têm nos surpreendido e é esse mundo inexplorado que as faz interessantes, tanto para quem assiste como para quem as realiza. Penso em três razões para que a TV tenha demorado 70 anos para dar este salto. Primeira: a segmentação de canais: a TV a cabo já não precisa mais falar com todo mundo, o que lhe permite bancar experiências mais ousadas. Segunda: com a globalização do mercado de TV, uma série hoje tem recursos para bancar produções muito mais caras, pois contará com a venda e exibição em dezenas de territórios. Terceira: as novas TVs com transmissão HD, maiores e com bom sistema de som, possibilitam aos realizadores explorar a imagem da mesma forma que se faz no cinema. Até há pouco tempo, ao fazer TV era preciso abusar dos closes, evitavam-se grandes planos gerais e era preciso manter um ritmo de montagem mais acelerado, pois a imagem não “segurava” muito. Hoje isso não é mais um problema. As câmeras, lentes e equipamentos de finalização usados para fazer TV agora são exatamente os mesmos com que se faz cinema e nossas TVs de LED conseguem mostrar isso. Andei dizendo que cinema virou o conto enquanto as séries estão se transformando no novo romance. Contos em geral são lidos em uma sentada enquanto um romance nos envolve por muitos dias, vão entrando na pele aos poucos. A TV está chegando aí. N.A.H.- Você coproduziu O Banheiro do Papa, de Fernandez & Charlone (Uruguai-Brasil). Que ba-

lanço faz do resultado desta parceria? Vale a pena coproduzir com países hispano-americanos? F.M.- A experiência do Banheiro do Papa foi muito positiva, não tanto pelo lado comercial, mas pela quantidade de prêmios e boa resposta que o filme teve por onde passou. Coproduções valem a pena para o Brasil. E valem mais ainda para países com mercados menores como Uruguai ou Argentina, pois é possível somar os benefícios fiscais de cada lado e no lançamento haverá dois mercados principais. Mas, mais do que a vontade dos produtores, que existe, o que determina a quantidade de filmes feitos em conjunto são os tratados de coprodução ou, como no caso recente entre Brasil e Argentina, os editais com este propósito. O Brasil é um lugar caro para se filmar. Então, para nós, vale a parceria para conseguirmos unir os custos de produção mais baixos conseguidos fora daqui com o maior mercado, que é o brasileiro. E, claro, cada vez que saímos de casa para filmar, a troca de informações e ideias é altamente enriquecedora. N.A.H.- Houve um momento em que você e Walter Salles integraram a chamada “Buena Onda”, um movimento cinematográfico que unia argentinos, mexicanos, chilenos e brasileiros. Por que ninguém fala mais na “Buena Onda”? Nossa sina é permanecermos de costas uns (os hispano-americanos) aos outros (os luso-americanos)? F.M.- Infelizmente a barreira da língua tende a deixar o Brasil mais distante do lado hispânico da América Latina. O cinema argentino e o chileno hoje estão mais presentes nas telas do Brasil, mas não há nada que indique que este será um movimento crescente. O mercado de cinema está cada vez mais concentrado nos filmes que chegam com grandes campanhas de marketing e ocupam grandes fatias dos parques exibidores. O espaço para cinema independente, ao que tudo indica, nos leva a continuar a lutar de dentro de uma trincheira e por um certo tempo. O mundo está ficando muito igual, o que é uma pena. Quanto aos chamados diretores da “Buena Onda”, estão todos aí, tocando seus trabalhos. Maria do Rosário Caetano é jornalista e especialista em cinema brasileiro.


O mundo hoje não está mais dividido em nações, são as corporações que controlam o jogo.

360 - 2011 / Anthony Hopkins

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Ensino de cinema:

plataforma eficiente? por

O ensino de cinema estruturado de maneira mais formal, ou seja, em escolas com cursos de longa duração, desenvolveu-se na América Latina principalmente a partir dos anos 1960. Década de efervescência cultural e artística em todo o mundo, retomavam-se propostas de vanguarda e experimentação. A valorização do “cinema de autor”, em contraposição à indústria hollywoodiana ou ao “cinema de produtor”, teve como referência não somente questões de linguagem mas, principalmente, a criação de uma nova estética e a defesa de uma postura ideológica. Há uma forte influência europeia (principalmente italiana e francesa) na produção cinematográfica, que também se evidencia na criação de cursos de cinema. Muitos dos cursos se vinculam a Universidades que, ainda que

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Maria Dora Mourão

acadêmicas, desenvolvem programas de ensino que enfocam a formação do realizador cinematográfico com um perfil adequado aos novos ventos, ou seja, o do cinema de autor, fundamentado no modelo de produção independente (da indústria constituída) e com forte marca artística. O objetivo principal era o da formação de diretores, alvo este em total consonância com a ideologia dominante do cinema de autor, marcada fortemente pela vanguarda francesa, além de enfatizar a necessidade de realizar filmes que refletissem sobre a realidade política e social, vinda do neorrealismo italiano. Esse modelo permaneceu até aproximadamente 1990, quando o avanço tecnológico e a convergência de equipamentos voltados para o processo de produção audiovisual (cinema e televisão), possibilitaram


outras formas de expressão e, em consequência, determinaram inevitavelmente uma necessidade de revisar os métodos de pensar e fazer cinema. Nesse sentido, o ensino das artes e técnicas audiovisuais sofreu profundas alterações em sua natureza pela introdução de novas tecnologias de produção e de novos formatos e suportes. Todas as etapas, desde a produção até a difusão e a preservação do audiovisual, têm sido paulatinamente influenciadas pelo surgimento de novas ferramentas e modelos de produção e pós-produção digital. Dentro deste contexto, faz-se necessário considerar as possibilidades técnicas e artísticas que são ofe-

recidas por estas ferramentas digitais e analisar as mudanças e consequências que já estão ocorrendo dentro da dinâmica econômica, social e cultural que afeta a todos os grupos sociais. Sob essa perspectiva, é necessário restabelecer as coordenadas estéticas, éticas, pedagógicas e econômicas das distintas manifestações da arte audiovisual, num mundo de novos modelos de negócios, novos públicos e novas necessidades. É evidente que, tendo em vista as mudanças do paradigma tecnológico de produção e consumo de cinema e audiovisual, o campo do ensino e da formação profissional também merece ser seriamente considerado. Qual

o perfil do profissional de audiovisual da era digital e qual o papel das escolas na formação deste profissional? A escola tem obrigação de orientar o estudante no sentido de desvendar o que está além da aparência, de descobrir o que está encoberto pelo discurso ideológico, de perseguir o que se apresenta como real e fazer a releitura necessária. De abrir espaço para a experimentação. De propor ao aluno que se aproxime de sua realidade cultural e de encaminhá-lo no processo de tradução dessa realidade para o gênero e o meio que ele deseje empregar. Formar profissionais do audiovisual pressupõe, além do aprendizado do fazer, conhecer o conjunto de expe-

Imaginação salta o muro do campus e ganha as metrópoles do Brasil e do exterior

Um, Dois, Três, Vulcão - 2012 / Direção : Miguel Ramos ( ECA, CTR )

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riências universais a partir do acesso a todas as cinematografias e produtos audiovisuais, e não somente deter-se em indústrias hegemônicas ou na do próprio país. O conhecimento sobre o outro, o exercício de voltar o olhar para além de seu próprio mundo, é fundamental para ter uma visão mais crítica de si mesmo. Há na América Latina um crescimento significativo do número de escolas de cinema, de cinema e televisão ou de audiovisual. Essa expansão se espelha no interesse e na dependência crescente da sociedade em relação ao audiovisual em todos seus formatos. Podemos dizer que hoje, como resultado do desenvolvimento tecnológico dos meios e processos audiovisuais, o mundo se move em torno do audiovisual.

O fenômeno acontecido na Argentina, entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 1990, quando deu-se o início de um expressivo crescimento do número de escolas de cinema, a maioria impulsionada pela tecnologia vídeo, mas mantendo a denominação de escolas de cinema, demonstrou o interesse e a necessidade de formação na área. Esse movimento argentino teve como resultado um aumento da produção cinematográfica do país e o surgimento de jovens diretores, saídos das escolas, que, de maneira geral, desenvolveram um cinema de reflexão social, em que a questão política aparece como protagonista ou como pano de fundo. O Brasil está tomando o mesmo rumo e, de certa maneira, podemos

considerar que os profissionais que se formam nas escolas estão encorpando a produção audiovisual. É importante mencionar que todos os países da América Latina têm escolas e/ou cursos de cinema e audiovisual, cada um dentro de suas características socioculturais, de indústria cultural e de tradições históricas e políticas. Algumas dessas escolas são membros filiados ao Cilect – Centre International de Liaison des Écoles de Cinéma et Télévision, associação que congrega 160 escolas de 60 países e que tem como meta compartilhar experiências e conhecimentos, incentivar a colaboração entre as escolas, com o objetivo de manter o ensino em altos padrões de eficiência.

Um número expressivo de escolas de cinema, a maioria impulsionada pela tecnologia de vídeo, tem aparecido em várias cidades da América Latina. À direita, o reconhecido curso de cinema, rádio e tv da ECA/USP. Abaixo e à esquerda Escola Livre de Cinema e Vídeo de Santo André/SP e à direita Escola de Cinema Darcy Ribeiro / Instituto Brasileiro de Audiovisual no Rio de Janeiro.

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Foto : Marcos Santos

Maria Dora Mourão é professora titular do departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA-USP.


Fazer filme no Brasil é três vezes mais caro do que na Argentina e no Chile por

O famoso “Custo Brasil” chegou à indústria cinematográfica. Juntese a isso a lei da oferta e da procura funcionando em seu estado puro. Bastam esses fatores para provocar uma saraivada de reclamações de cineastas, produtores, sindicalistas e locadores de equipamentos sobre os atuais altos custos de fazer cinema no Brasil. Em uníssono, ao mesmo tempo em que comemoram o superaquecimento do setor, os profissionais do cinema reclamam da falta de mão de obra especializada, de equipamentos e de estúdios para dar conta de toda a demanda – o que, naturalmente, inflaciona os custos de produção. O preço médio de se fazer um filme no Brasil bate facilmente hoje nos R$ 5 milhões, segundo dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine), sendo que há cinco anos se podia rodar um filme por pelo menos metade dis-

so. Há casos, ainda, de filmes que alcançaram estratosféricos (para a realidade brasileira) R$ 26,4 milhões – orçamento de Amazônia, Planeta Verde, dirigido por Thierry Ragobert e ainda na fase de produção conjunta, pela brasileira Gullane e pela francesa Biloba. Excetuando-se megaproduções como Amazônia, porém, a carestia em relação a equipamentos, mão de obra e locações tem afetado as produções. Ainda mais se pensarmos que a captação de dinheiro do governo, por exemplo, não cresce na mesma proporção. Atualmente, o dinheiro oficial cobre no máximo R$ 7 milhões dos custos, teto estabelecido pela Lei do Audiovisual. O diretor-geral da Locall, uma das maiores locadoras de equipamentos cinematográficos do País, Paulo Eduardo Ribeiro, resume a situação: “Estão faltando quatro ‘E’ na indústria cinematográfica nacional: equipe, elen-

Tânia Rabello

co, equipamento e estúdio”, diz ele, explicando que não há gente porque simplesmente estão todos muito ocupados. “Aumentou muito o volume de trabalho. Hoje, se você quiser contratar um assistente de produção ou um roteirista experiente não consegue imediatamente. E, quando a oferta não acompanha a demanda, o preço sobe”, explica Ribeiro. O produtor Fernando Andrade, da Raiz Produções, concorda com Ribeiro: “As equipes vêm cobrando cada vez mais caro para fazer filmes. Isso é compreensível, porque o profissional autônomo sempre tem de receber um valor por mês que compense o período em que teoricamente ficará sem trabalho após a finalização do filme; só que isso tem se tornado um paradoxo, pois o mercado está a pleno vapor e ele não fica sem trabalho. Mas cobra como se fosse ficar”. Andrade

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também reclama da escassez de profissionais: “de uns três anos para cá, toda vez que eu monto uma equipe tenho encontrado certa dificuldade”, comenta, lembrando do ano passado, ano eleitoral, quando muitos profissionais e equipamentos ficaram à disposição das campanhas dos candidatos. “Para fazer minhas produções tive de buscar gente de todo o Brasil, e isso também eleva os custos”. Além das leis de incentivo ao cinema que já existiam e do próprio aquecimento da economia – que também estimula, por sua vez, o setor de filmes publicitários, que utiliza basicamente os mesmos profissionais e equipamentos cinematográficos –, o fogo ao mercado foi ateado mesmo com a Lei 12.485, mais conhecida como Lei da TV a Cabo, que entrou em vigor em setembro do ano passado. Esta lei obriga as operadoras de TV a cabo a veicularem no mínimo uma hora e dez minutos, em horário nobre, de conteúdo independente nacional. A partir daí, o setor de audiovisual bombou. “Sem dúvida este é o maior momento de produção cinematográfica da história”, confirma Ribeiro. Efetivamente, nunca se produziram tantos filmes no Brasil – são 100 por ano, conforme o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual (Sindcine), Pedro Lazzarini. “Na América Latina, só a Argentina se equipara ao Brasil, com 110 filmes por ano”. Com tantas produções em andamento, a mão de obra disponível não dá conta de atender a todo mundo ao mesmo tempo, embora profissionais experientes finalmente estejam colhendo os louros da opção pela carreira audiovisual. “O audiovisual finalmente passou a ser uma opção viável para as pessoas”, diz Andrea Barata Ribeiro, sócia, junto com os cineastas Fernando Meirelles e Paulo Morelli, da O2 Filmes, uma das maiores produto-

ras nacionais. “Como há pouca mão de obra, porém, obviamente que os cachês tendem a subir”, diz Andrea, acrescentando que atualmente está “impossível” cumprir a tabela do Sindcine, que define o piso para cada categoria profissional ligada ao audiovisual. “Há um piso, mas não há um teto, que está cada vez mais alto”, emenda. E isso pesa nas produções, já que, como Andrea explica, a mão de obra é o principal custo de um filme. No caso de um filme de alto orçamento, representa cerca de 30%, com todos os encargos trabalhistas que a indústria cinematográfica, como qualquer outra indústria no Brasil, é obrigada a cumprir e que entram na conta do Custo Brasil. Num filme de baixo a médio orçamento, outra produtora, Sara Silveira, da Dezenove Som e Imagens, diz que a mão de obra pesa ainda mais, podendo chegar a até 60% dos custos, já que os profissionais empregados tanto num filme de baixo orçamento quanto num de alto orçamento são quase todos os mesmos. “Temos de seguir a tabela do Sindcine, que subiu muito também. Está na hora de rever este custo. Gostaria muito que o setor repensasse os salários absurdos que temos tido de pagar”, reclama Sara, comparando a situação com a Argentina: “este país, que tem um sistema cinematográfico bem estabelecido e organizado, consegue fazer a mesma quantidade de filmes que nós, com excelente qualidade, e com orçamentos muito mais baixos, inclusive da mão de obra”, diz. O presidente do Sindcine, Pedro Lazzarini, defende a atual tabela, disponível no site do sindicato (www. sindcine.com.br). “Os valores do piso de cada categoria, como roteirista, produtor executivo, secretária de produção, contrarregra, assistente de produção, figurinista, maquiador, entre inúmeras outras ocupações, tem reajuste anual por volta de 6% ao ano; não é muito”, argumenta. “E digo mais: 80% do mer-

cado de filmes de curta, média e longametragem respeita esta tabela e paga o piso. Os cachês mais altos são pagos para profissionais renomados, os ‘Pitanguys’ do cinema”, completa. Os produtores não veem, porém, soluções de curto prazo. Andrea lembra que um bom profissional não se forma da noite para o dia. “Muitas categorias levam anos para ficar maduras. Mesmo com mais escolas, elas não formam uma grande quantidade de gente”. Já Andrade, da Raiz, menciona que escolas têm surgido para suprir essa carência, como a FocoBr, inaugurada em março. Como uma das sócias da escola, Edina Fuji, define no próprio site, “trata-se de suprir uma necessidade que não é atendida pelos cursos regulares de níveis superior e técnico. O uso constante de novas tecnologias, os inúmeros equipamentos e novos recursos exigem uma forte renovação da mão de obra no mercado audiovisual, e a FocoBr chega com o firme propósito de qualificar e reciclar cada vez mais este profissional”. Outra alta de custos que tem alarmado os produtores é a da locação de equipamentos, o que tem tudo a ver com o Custo Brasil. “Há uns quatro anos, se eu pagava uns R$ 8 mil por semana de equipamento de iluminação, atualmente devo estar pagando quase o dobro”, reclama Andrade. Quem explica o que ocorre é Ribeiro, da Locall. Tirando o fato de o Brasil estar caro – São Paulo, por exemplo, foi “eleita”, recentemente, a segunda cidade mais cara do mundo para se viver –, Ribeiro comenta que “os equipamentos de cinematografia são muito específicos; só servem para isso. Além disso, não há muitos fabricantes no mundo, o que obriga à importação de pelo menos 80% do que é necessário”, diz. “E, mesmo sem o Brasil fabricar praticamente nenhum item, temos de pagar entre 80% e 120% de imposto de importação. Não sabemos a quem o

Mão de obra disponível não dá conta. 42


governo tenta proteger fazendo isso”. Ribeiro lembra que a Colômbia paga 20% de imposto na importação de equipamentos cinematográficos; o Chile não paga nada e a Argentina paga de 15% a 20%. “Um refletor, que em uma locadora americana sai por US$ 1.000, aqui custa o dobro”, define Ribeiro, concluindo que, obviamente, esses fatores refletem no valor final da locação. Tal debate, porém, tem avançado na seara governamental. “Já há um trabalho em desenvolvimento no setor privado, com apoio da Agência Nacional do Cinema (Ancine), para desonerar equipamentos que não têm similar no Brasil”, informa Ribeiro, acreditando ser esta uma solução de curto prazo. “Baixando o imposto, em seis meses a um ano as locadoras importariam equipamentos suficientes”. Juntando o Custo Brasil – “Qualquer coisa no Brasil é mais cara do que na América Latina; transporte é mais caro, estacionamento é mais caro, hotel é mais caro”, diz Andrea, da O2 – com a demanda aquecida e a escassez de profissionais, o fato é que já não se fazem mais filmes com o mesmo orçamento de antigamente. “Há cinco anos, filme de baixo orçamento envolvia R$ 1 milhão”, diz Andrea Saraiva, da O2, que

trabalha predominantemente com filmes de alto orçamento, de no mínimo R$ 8 milhões. “Este custo subiu uns 30%”, comenta a sócia da O2. Andrade, da Raiz, diz que há quatro anos conseguia rodar um filme por R$ 1 milhão. “Hoje, por menos de R$ 2 milhões é impossível, e isso é para filme de baixo orçamento”. Ele calcula que nesse mesmo período um filme de médio orçamento subiu de R$ 2,5 milhões para R$ 4 milhões a R$ 7 milhões e um de alto orçamento no Brasil variou de R$ 7 milhões a R$ 9 milhões para no mínimo R$ 8 milhões a R$ 16 milhões. Sara Silveira, da Dezenove, que trabalha predominantemente com filmes de médio orçamento, acredita que se o mercado adequasse o preço da mão de obra para orçamentos de médio porte já seria um grande avanço. “Porque você batalhar verbas crescentes, de no mínimo R$ 4 milhões a R$ 6 milhões, tendo de utilizar a maior parte disso para cobrir custos com mão de obra é uma luta inglória”, finaliza. Outro fator que encarece bastante o cinema brasileiro é a valorização do real frente ao dólar, o que torna mais atraente a filmagem, por parte de produtoras estrangeiras, nos países vizinhos, como Argentina e Chile. As-

sim, por exemplo, se uma produtora estrangeira bater à porta da América Latina em busca de um bom roteiro e de um bom orçamento, verá que no frigir dos ovos os países vizinhos serão mais atraentes por causa do Custo Brasil e da questão do câmbio real/dólar – até porque historicamente Buenos Aires é escolhida por produtoras europeias, por exemplo, porque guarda muitas semelhanças com cidades do Velho , ao contrário das locações brasileiras. Para ter-se ideia, segundo o presidente do Sindcine, Pedro Lazzarini, o valor médio de uma produção na Argentina é de US$ 1 milhão, ante US$ 1,2 milhão no Chile e US$ 4 milhões no Brasil. “E eu não acho que o que pesa realmente nessa diferença seja a mão de obra”, complementa Lazzarini, acrescentando que, além do câmbio desfavorável e do Custo Brasil – “São Paulo tem a pizza mais cara do mundo”, destaca –, há uma característica do cinema brasileiro que faz com que ele seja mais caro: o Brasil gosta de fazer filmes cuja produção é mais complicada, como muitas cenas externas, locações distantes, muita gente no elenco, muitos figurantes – basta ver o orçamento recordista acima

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citado, que é rodado na Amazônia. Já os filmes argentinos e chilenos são mais simples, contam histórias mais simples. Na Argentina os temas são mais psicológicos e utilizam um ambiente, dois, no máximo. Fora o fato de os Argentinos preferirem filmar sua própria classe, a classe média. Os cineastas e produtores brasileiros desdobram-se em encontrar temáticas mais relacionadas a situações que não são a realidade da classe média urbana, o que também encarece a produção. “Na Argentina, o que contribui para que o cinema seja mais barato é que praticamente tudo é ro-

dado em Buenos Aires. A indústria do cinema está toda lá. Já no Brasil, os melhores atores de cinema estão no Rio; e há muitas filmagens feitas em São Paulo. Aí, trazer um ator do Rio para São Paulo, pagar hospedagem, transporte, alimentação, e outras coisas encarece mais ainda o filme. Fora o gosto pelas locações distantes”. Lazzarini defende, aliás, que se faça um estudo detalhado sobre esta questão: por que produzir filmes no Brasil é mais caro do que nos países vizinhos, sobretudo na Argentina? “Há muito tempo estou querendo pegar orçamentos de pelo menos dois

filmes argentinos, dois filmes brasileiros e dois filmes chilenos, todos do mesmo padrão, para comparar custos e ver onde está o gargalo do cinema brasileiro”, diz Lazzarini, sugerindo à Ancine que encampe esta proposta, para que as produtoras – “Que não gostam de liberar seus números”, destaca – colaborem com isso. “Aí veremos se a questão está na mão de obra, nos equipamentos, na pós-produção – que também é muito cara no Brasil –, nos impostos ou na distribuição e poderemos traçar estratégias para melhorar isso e tornar o cinema brasileiro mais viável economicamente”. Tânia Rabello é jornalista e também colabora com a revista Brasileiros.

Breve comparativo entre os custos de fazer cinema no Brasil, Argentina e Chile

Tributação de equipamentos A maior parte dos equipamentos utilizados é importada e isto reflete em alto vetor do Custo Brasil, como seguem os índices das taxas de importação (cálculo sobre o valor FOB do produto, em sua origem): no Brasil entre 80% e 120%, na Colômbia 20%, na Argentina entre 15% e 20% e no Chile são isentos de tributação.

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Locação de equipamentos No Brasil, o preço de locação atualmente é o dobro de quatro anos atrás.

Logística Comparativamente aos outros países, qualquer coisa no Brasil é mais cara: transporte, estacionamento, hotel etc. São Paulo foi “eleita”, recentemente, a segunda cidade mais cara do mundo para se viver. Na Argentina, toda a locação se concentra em Buenos Aires; no Brasil, só considerando o eixo Rio – São Paulo, já incide um custo bem maior: muitas produções que se originam no Rio precisam ter gravações em São Paulo, e isto gera passagens, hospedagens, diárias e transporte das equipes e atores.

Conceito O enfoque da direção, sendo um roteiro mais intimista ou não, influencia os custos. Na Argentina, com sua tradição de filmes “para a classe média”, os longas-metragens custam em torno de US$ 1 milhão, ante o custo médio de US$ 4 milhões no Brasil e US$ 1,2 milhão no Chile.

Mão de obra Segundo alguns produtores brasileiros, a mão de obra representa, em uma superprodução, cerca de 30% dos custos, nos filmes de médio ou baixo orçamento cerca de 60%. Segundo o presidente do Sindcine, Pedro Lazzarini, a tabela atual do sindicato (www.sindcine.com.br) argumenta que o reajuste anual dos pisos da categoria é em torno de 6% ao ano, que reflete apenas uma reposição nominal das perdas salariais pelos índices governamentais. Segundo Lazzarini, 80% do mercado de filmes (todos os formatos) respeita esta tabela e paga o piso. Os cachês estratosféricos são apenas para os profissionais e atores renomados.


a r u s Cen

nem pensar!

Amordaçados por ditaduras militares como o Brasil, e quase na mesma época, a Argentina e o Chile também sofreram forte censura ao cinema por

Ontem arrancada e hoje indispensável ao cotidiano dos brasileiros, a liberdade de expressão já foi sinônimo de utopia em nosso país. Um ideal vetado a várias gerações por longo período, de 1964 até a promulgação da Constituição Federal, em 1988. A censura implantada no Brasil pela ditadura militar atingiu de jornais e revistas aos meios eletrônicos de comunicação e toda a produção artística – do cinema à literatura, da música à dramaturgia e às artes visuais. Passou de tudo pelo crivo arbitrário da censura, inclusive o temor da população de fazer – ou mesmo ouvir – a mais leve crítica ao sistema. Especialmente de 1968 a 1978, período de vigência do Ato Institucional nº 5, de longe o mais duro golpe na democracia e que deu plenos poderes ao regime militar, tudo o que era considerado “subversivo” pelos censores foi sumariamente proibido ou teve trechos suprimidos.

Alguns dos mais respeitados cineastas brasileiros tiveram seus filmes censurados nos anos de chumbo; Nelson Pereira dos Santos, entre eles. Conforme relato do próprio cineasta, seu filme El Justicero, inspirado em novela de João Bethancourt, foi lançado em 1966 com muitos cortes nos diálogos e, depois do AI-5, apreendido pela censura por ordem do Exército. Foram destruídos o negativo original e todas as cópias existentes, à exceção de uma em 16mm, depositada no Festival de Cinema de Pesaro, Itália, pelo crítico e também cineasta David Neves, o que possibilitou sua posterior recuperação. Fome de Amor, em 1968, foi proibido e depois liberado, graças à habilidade política do produtor e ator Paulo Porto, com a condição de não traduzir os textos de Che Guevara declamados em espanhol pela personagem principal enlouquecida. Como Era

Ana Maria Ciccacio

Gostoso o Meu Francês, de 1970, esteve proibido no Brasil até 1972, quando foi liberado com mais de 10 minutos de cortes, embora tenha sido exibido nos festivais de Cannes e Berlim e lançado comercialmente nos EUA e em países da Europa. Memórias do Cárcere (1984), metáfora de Graciliano Ramos sobre a sociedade brasileira, teve melhor sorte. Foi filmado sob permanente e controladora vigilância oficial, mas sem grandes intervenções. Até a proibição de incluir o hino nacional foi depois superada, graças ao sucesso do filme no Festival de Cannes.
 Com enredo entre ficção e realidade em torno das passeatas contra a ditadura militar em 1968, às vésperas do AI-5, Manhã Cinzenta, realizado entre 1968 e 1969 por Olney São Paulo, esteve desaparecido por 25 anos, voltando à luz somente em 2004. Esse filme, além de proibido, foi recolhido Pra Frente Brasil -1982 Direção : Roberto Farias

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Macunaíma - 1969, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade

pela polícia política junto com seu diretor. Olney, arrancado de seu trabalho e do seio da família, ficou preso sem processo e foi submetido a tortura. Terra em Transe, de Glauber Rocha, já havia sido proibido em todo o território nacional em abril de 1967, com ordem de recolhimento das nove cópias existentes. Prata Palomares (1971), de André Faria, ficou retido por nove anos na censura, enquanto São Bernardo (1971), de Leon Hirszman, premiado em Cannes, apenas sete meses, atraso suficiente, no entanto, para adiar a estreia e levar seus produtores a abrirem falência. O filme Iracema, uma Transa Amazônica (1974), codirigido por Jorge Bodanzky e Orlando Senna e coproduzido com a TV alemã teve negado o certificado de produto nacional, sendo liberado pela censura e exibido comercialmente no Brasil sete anos mais tarde, em 1981, após vitoriosa carreira em festivais internacionais. Lançando mão de alegorias e metáforas, os cineastas brasileiros driblavam a proibição total de seus filmes, mas não escapavam à tesoura aqui e ali. Por conta disso, apesar da repressão política, surgiram no país algumas obras-primas da cinematografia nacional, como Macunaíma (1969), primorosa transposição do antropofagismo modernista para o cinema, e Os Inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de

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O Homem que Virou Suco - 1981, dirigido por João Batista de Andrade

Andrade; Brasil, Ano 2000, que estreou em 1970, de Walter Lima Junior; O Bandido da Luz Vermelha (1969), de Rogério Sganzerla; Matou a Família e Foi ao Cinema (1970), de Julio Bressane; Xica da Silva (1975), Chuvas de verão (1978) e Bye, Bye, Brasil (1978), de Carlos Diegues; O Casamento (1975) e Tudo Bem (1978), de Arnaldo Jabor; Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto; Aleluia, Gretchen (1976), de Sylvio Back; Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977) e Pixote, a Lei do Mais Fraco (1980), de Hector Babenco; Se Segura, Malandro (1978), de Hugo Carvana, O Homem que Virou Suco, de João Batista de Andrade e muitos outros de qualidade semelhante, além de ricos em sutilezas. A Constituição Federal de 1988 contempla a liberdade de expressão e de informação nos Arts. 5° e 220º, tendo como suas principais garantias a livre manifestação do pensamento com veto ao anonimato, a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença e o veto a toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Também garantem esse direito vários documentos internacionais, entre eles a Declaração dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948; o Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, apro-

vado em Roma no ano de 1950, e, mais recentemente, a Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica. Lutar pelo respeito a essas Cartas é garantir nosso maior direito sociopolítico – a Cidadania. Atualmente, no Projeto Memória da Censura no Cinema Brasileiro (1964-1988), elaborado por Leonor Souza Pinto, consiste do site www. memoriacinebr.com.br, com mais de 14 mil documentos entre processos de censura, material de imprensa e relatórios do DEOPS sobre 444 filmes brasileiros. Trata-se de uma preciosa fonte de informação para se conhecer a história da censura no país nesse período, reconhecer os danos que causou e aprender o caminho para impedir que se repita. Em solenidade no ano de 1985, realizada no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, com a presença de artistas e intelectuais, o então ministro da Justiça, Fernando Lyra, anunciou o fim da censura no Brasil. Estavam revogadas as leis de controle sobre diversões e espetáculos públicos e até mesmo o nome da profissão dos censores mudaria para o de classificadores. Lyra também comunicou a liberação de alguns filmes que haviam sido proibidos pela ditadura militar para a televisão, e agora sem cortes, como Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade; Eles Não Usam Black-Tie,


de Leo Hirszman; Pra Frente Brasil, de Roberto Farias; Os Condenados e Avaeté - A Semente da Vingança, de Zelito Viana; O Homem que Virou Suco e Doramundo, de João Batista de Andrade. Em 1988, a Constituição Federal consolidou o fim da censura no país. Amordaçados por ditaduras militares como o Brasil, e quase na mesma época, a Argentina e o Chile também sofreram forte censura ao cinema. Na Argentina, a partir de 1974 seriam comuns as proibições a filmes e dificilmente as fitas autorizadas eram exibidas sem cortes. Os ânimos contra o cinema se acirraram com a ascensão ao poder do ministro do Bem-Estar Social, José López de Rega, depois da morte de Perón e de Isabelita se tornar presidente. López de Rega franqueou a repressão política, com perseguições, prisões, censura, sequestros e torturas, ações que dois anos mais tarde foram levadas a extremos pela ditadura militar. No órgão encarregado da censura ao cinema no país, colocou Miguel Paulino Tato. A eficiência desse interventor foi tamanha que ele se tornou o único funcionário a permanecer no car-

go após o golpe militar em março de 1976. Com isso houve uma onda de proibições e cortes em filmes jamais vista na história local. Dos 700 filmes proibidos na Argentina entre 1974 e 1984, quando acabou a censura, 360 foram proscritos por serem considerados subversivos, 120 por conteúdo sexual e 240 por incluir cenas de violência e terror. Entre 1975 e 1983, o escritor, historiador e roteirista Osvaldo Bayer, por exemplo, foi obrigado a exilar-se quando o filme La Patagonia Rebelde (1974), assim como seu livro homônimo e também Severino Di Giovanni, sobre as atrocidades perpetradas contra indígenas na região, foram proibidos. Na Alemanha onde viveu nos anos de exílio, Bayer participou de diversos organismos de Direitos Humanos e denunciou, em pelo menos uma centena de protestos pela Europa, os sórdidos métodos empregados pela ditadura na Argentina. Desapareceram na ditadura Pablo Szir Argentina, autor do filme Argentina, Mayo de 1969 : Los Caminos de la Liberación; Raymundo Gleyzer, diretor de Los Traidores, que teve todas as cópias de seu filme destruídas e Enrique Suarez.

O Grupo Cine de Base e o Cine de Resistência tiveram todos seus materiais destruídos pelos agentes da ditadura. No Chile, embora todo filme para entrar no circuito comercial de exibição tivesse que passar por censura prévia, desde 1925, esta se tornou particularmente dura sob a ditadura do general Augusto Pinochet. Estima-se que entre 1925 e 2001 (ano do tardio fim da censura prévia no país) tenham sido censuradas mais de mil fitas, sendo uma espécie de marco a proibição do filme de Raúl Ruiz, Palomita Blanca (1973), liberado 20 anos depois. Nesse filme, o pano de fundo é o assassinato, em 1970, do chefe das Forças Armadas do governo Eduardo Freire, general René Schneider, considerado um defensor da ordem e das tradições democráticas do exército chileno, portanto, um obstáculo a um golpe de Estado para impedir Salvador Allende de se tornar presidente.

Ana Maria Ciccacio é jornalista na área de cultura e também colabora com as revistas Inovação e Brasileiros.

Palomita Blanca - 1973, do chileno Raul Ruiz, liberado 20 anos depois, trata do assassinato do chefe das forças armadas do governo Eduardo Freire.

Tempo de Violência - 1969, do argentino Henrique Juarez: documentário sobre o confronto que ficou conhecido como Cordobazo , ocorrido na cidade de Córdoba entre a polícia e manifestantes políticos durante o governo de Juan Carlos Onganía.

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29º

Festival de

Chicago Uma janela para a América Latina O mais antigo festival de cinema latino dos Estados Unidos. Quinze dias dedicados à exibição e à discussão de cerca de 140 filmes de mais de 20 países da América Latina, Espanha e Portugal, incluindo, claro, o Brasil, que levou ao AMC Loews Theatre, o centro nervoso do evento, uma seleção de seis longas e cinco curtas-metragens. Assim foi o 29º Festival de Cinema Latino-Americano de Chicago, o Chicago Latino Festival, que neste ano foi realizado de 12 a 25 de abril em uma das cidades mais culturalmente agitadas dos EUA. Mas o que realmente sinaliza o fato de que desde os anos 80 leva à terra de Hollywood não só a produção latina mas também a forma latina de se contar histórias? Para Pepe Vargas, Greater Chicago Area Founder & Executive Director at International Latino Cultural Center of Chicago, o que conta é saber que o CLFF faz a diferença, e que em sua mais de centena de filmes ( dos quais, 40% são filmes de estreia e 25% são documentários) carrega a semente para levar à América um olhar ampliado do mundo. “É lindo saber que as pessoas esperam pelo festival todos os anos. E que cada vez mais entendem a nós, os latinos, melhor e melhor”, declarou o diretor. Se os EUA e seu hábito de se

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contentar comercialmente em assistir ao “cinema feito em casa”, e em língua inglesa, obviamente, têm em geral pouco acesso aos filmes estrangeiros (e aqui leia-se por “estrangeiros” a produção do mundo todo, já que raramente um filme indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro entra em grande circuito comercial americano), eventos como o CLFF têm de fato importância crucial para revelar a olhos atentos de sua plateia o que há de mais novo, interessante e arrojado na cinematografia do mundo. O mais importante evento do gênero americano, o Festival de Chicago é, além de plataforma importante para a afirmação da latinidade nos EUA, país em que cada vez mais a comunidade latina (hispânica e brasileira) tem representatividade, uma forma deliciosa de assistir a filmes que vão desde os melodramas espanhóis até comédias cubanas, passando por comédia de ficção científica brasileiras. Exato. Neste ano, O Homem do Futuro, de Claudio Torres, estrelado por Wagner Moura, teve sessão de gala e encerrou o CLFF 2013. “O mais bacana é descobrir que países como o Brasil, que em geral a gente imagina que só façam filmes sobre a violência, os problemas sociais etc., têm produzido histórias como esta, tão diferente e divertida”, comentou

por

Flávia Guerra

uma estudante americana na ocasião. É exatamente esta visão ampliada que faz com que o CLFF ganhe importância estratégica para o circuito de festivais de cinema latino não só nos EUA, mas no mundo. Em tempos em que o Brasil ganha projeção internacional, assina acordos de coprodução com seus vizinhos latinos, como Argentina e Uruguai, viaja para grandes festivais de cinema – vide o caso de Cannes, que em 2012 recebeu as coproduções Infância Clandestina (Brasil e Argentina, que também integrou o 29º CLFF) e La Playa D.C. (Brasil e Colômbia)–, poder assistir de camarote à construção de uma verdadeira cinematografia latino-americana é privilégio e tanto. Mais que assistir, a plateia do CLFF tem a chance rara de conversar com os realizadores logo após a exibição dos filmes. Para diretores, a experiência também é única. Ao longo de sua história, desta lista seleta já participaram nomes como Madame Satã, o filme de Karin Ainouz; Latitude Zero, o primeiro filme de Toni Venturi; Capitães de Areia, de Cecília Amado; Amores Possíveis, de Sandra Werneck, entre tantos outros. Neste ano, a lista incluiu longas latinos como o raro Haití, Tierra de Esperanza, coprodução Haiti e Espanha, dirigida por Asier Reino; o peruano Ca-


Direção de Julio Hernández Cordón

DUST / POLVO, Guatemala sadentro, de Joanna Lombardi; o genial curta Lila, do argentino Sebastian Dietsch e até mesmo o já clássico cubano Morango e Chocolate, de Tomás Guitiérrez Alea e Juan Carlos Tabío. Na lista dos brasileiros, o festival levou para as telas de Chicago longas que são bom exemplo da atual diversificação da nova safra nacional, como E aí, Comeu?, de Felipe Joffily; Teus Olhos Meus, de Caio Sóh; Super Nada, de Rubens Rewald; Uma Longa Viagem, de Lúcia Murat, além dos curtas como Noite Perdida, de Filippo Capuzzi Lapietra, e Uma Vida Inteira, de Ricardo Santini e Bel Ribeiro.

Flávia Guerra é jornalista e escreve sobre cinema para o jornal O Estado de São Paulo.

Direção de Fernando Meirelles

MAN FROM THE FUTURE / O HOMEM DO FUTURO , Brasil

LISTA COMPLETA DOS BRASILEIROS EM COMPETIÇÃO NO 29º CLFF Did You Score (E Aí, Comeu?), de Felipe Joffily Man From The Future (O Homem Do Futuro), de Cláudio Torres Soul Bound / Teus Olhos Meus, de Caio Sóh Super Nothing (Super Nada), de Rubens Rewald Uma Longa Viagem (A Long Journey), de Lúcia Murat, A Wasted Night / Noite Perdida, de Filippo Capuzzi Lapietra A Whole Life / Uma Vida Inteira, de Ricardo Santini, Bel Ribeiro Of Other Carnivals / De Outros Carnavais, de Paulo Miranda White Rectangles / Retângulos Brancos, de Giu Jorge, Pedro Curi The Cherry Tomatoes / Tomate Cereja, de Peu Lima

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O cinema que vem de

Pernambuco por

Foto : divulgação

É razoável pontuar que qualquer pessoa minimamente atualizada nos últimos seis meses pela mídia brasileira ouviu falar, em alguma instância, no filme O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça Filho. Lançado comercialmente em oito salas de cinema no Brasil, no último dia 4 de janeiro, este primeiro longametragem de ficção do diretor recifense permaneceu heroicamente em cartaz pelos cinco meses seguintes, tendo arrebatado, até então, mais de 93 mil espectadores – marca que é impressionante para uma produção fora

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Luiz Joaquim

do mainstream no setor. Antes mesmo disso, em dezembro de 2012, o filme recebera a 9ª colocação num ranking feito pelo jornal The New York Times para os 20 melhores filmes do mundo naquele ano. Tendo passado (e sido premiado) por mais de 40 festivais nacionais e internacionais, a obra de Mendonça Filho – que num olhar agudo e universal põe em pauta o comportamento dos moradores numa rua suburbana da zona sul recifense – surge como uma espécie de coroamento para um cinema que há cerca de 20


Produções do Estado têm gerado bons exemplos de sucesso aqui e no exterior por uma combinação entre investimento público, talento e dedicação

O Som ao Redor, 2012, de Kleber Mendonça Filho

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anos vem construindo uma personalidade própria e vitoriosa. Essa reação positiva tanto pelo viés da crítica especializada quanto pelo do público leigo é a combinação que faltava para o cinema pernambucano ser encarado para além de uma produção inventiva, mas também como um cinema que se comunica com o espectador médio, sem se refutar em utilizar as ricas possibilidades que a inteligência narrativa e estética cinematográfica podem oferecer para contar uma história. Em 1996, na então 29º edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, O Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, levou o troféu Candango de melhor filme, além de outros quatro. A produção foi um divisor de águas não apenas

por projetar nacionalmente o cinema da região como não se via desde os filmes mudos do chamado Ciclo do Recife nos anos 1920, mas também por servir como um agregador de todos os realizadores da cidade em um mesmo projeto. “O Baile foi um filme de todos nós”, lembra Lírio Ferreira. “Funcionou como uma escola, uma vez que não havia curso de cinema nas universidades locais. O Baile foi formado por Aramis Trindade, que além de atuar era produtor; Hilton Lacerda coescrevendo o roteiro; Adelina Pontual e Marcelo Gomes como assistentes de direção; Cláudio Assis na direção de produção; e Vânia Debs na montagem”, recorda o cineasta que já traz no currículo sucessos como os documentários Cartola (codirigido

com Hilton Lacerda em 2006) e O Homem que Engarrafava Nuvens (2009), além da ficção Árido Movie (2004). Dali em diante, era fácil observar o amadurecimento e estabelecimento daquela geração – Cláudio Assis com seus Amarelo Manga (2002), Baixio das Bestas (2007) e Febre do Rato (2012); Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus, 2005; Viajo Porque Preciso, Volto porque te Amo, 2009, com Karin Aïnouz), e Paulo Caldas (O Rap do Pequeno Príncipe Contra As Almas Sebosas, 2000, com Marcelo Luna; Deserto Feliz, 2007; e O País do Desejo, 2011). Pelo trabalho colaborativo (marca do cinema pernambucano) que se viu em Cinemas, Aspirinas e Urubus também surgiram novos nomes que assimilaram influências de

Foto : divulgação

Febre do Rato, 2011, dirigido por Cláudio Assis

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pouco mais de 30 anos carregam consigo reconhecimento em festivais internacionais, com oito longas-metragens e diversos curtas na bagagem. O lançamento mais recente nas salas de cinema é o documentário Doméstica, no qual Mascaro instrumentaliza adolescentes da classe média brasileira com câmeras, propondo que eles investiguem o cotidiano no ambiente familiar. O resultado é hipnótico do ponto de vista do que é revelado em termos de relações trabalhistas e, principalmente, afeto. Sem filiar-se oficialmente a nenhum grupo (mas dialogando com todos eles) seguem Renata Pinheiro, Camilo Cavalcanti e Daniel Aragão. Este último premiado em 2012 no 45º Festival de Brasília como melhor

diretor pelo seu primeiro longa-metragem Boa Sorte, Meu Amor. Esta edição do evento, a propósito, teve também em competição Doméstica; Era Uma Vez Eu, Verônica, de Gomes, e Eles Voltam, de Lordello; com estes dois últimos dividindo o título de melhor filme do festival. É pouco provável, entretanto, que algum destes talentos atingisse a luz dos projetores se não houvesse uma política pública no Estado. As recentes produções locais, quase que em sua totalidade, recebem verba do Governo do Estado via Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Seja antes, durante ou na finalização da produção. Não é à toa que a categoria sempre aguarda com ansiedade a divulgação do Fundo Pernambucano de Incentivo

Baile Perfumado,1997, dirigido por Paulo Caldas e Lírio Ferreira

Foto : divulgação

seus antecessores. Influências, entretanto, que não sufocaram as originais pretensões estéticas destes novatos. Eram pretensões aplicadas a uma reflexão social e humana, feitas de forma livre e audaciosa, tendo como referência o próprio cinema e a vivência pessoal na cultura urbana do Recife (principalmente) e rural do Estado atentando aqui para o cuidado de se evitar o caricatural. Nessa linha de criação, os principais nomes dessa nova geração surgiram por dois coletivos: a Símio Filmes, formada por Daniel Bandeira, Juliano Dorneles, Marcelo Pedroso e Gabriel Mascaro (este último hoje com a Desvia Filmes); e a Trincheira Filmes, com Leonardo Lacca, Tião e Marcelo Lordello. Todos eles atualmente com

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à Cultura (Funcultura) com investimentos no valor de R$ 11,5 milhões. A coordenadora de audiovisual da Fundarpe, Carla Francine, lembra que tanta atenção só foi dada por uma iniciativa que partiu da própria categoria da região. “É uma reinvindicação que o governo entendeu e sempre está atento a ela. É por esse diálogo constante que o edital é aprimorado a cada ano, sempre com a intenção de oferecer-se melhor”, contextualiza. Mas Kleber Mendonça Filho ressalta que não adianta apenas recursos públicos para se fazer bom cinema. Uma força é que retroalimenta a outra. “A nossa produção mistura aspectos pessoais em comunhão com a própria região, resultando em pinturas universais. Daí saia, talvez, um dos cinemas mais vigorosos feito hoje no País. O que se reflete não apenas nos prêmios, mas na própria energia inegável destes filmes”, conclui. Luiz Joaquim é jornalista, cineasta e crítico de cinema.

Em breve :

os próximos filmes do cinema pernambucano

Animal Político, de Tião Permanência, de Leonardo Lacca Seu Cavalcanti, de Leonardo Lacca Brasil S/A, de Marcelo Pedroso Valeu Boi, de Gabriel Mascaro Todas as Cores da Noite, de Pedro Severien Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles A História da Eternidade, de Camilo Cavalcante Sangue Azul, de Lírio Ferreira Big Jato, de Claudio Assis Tatuagem, de Hilton Lacerda Amor, Plástico e Barulho, de Renata Pinheiro

Foto : divulgação

Eles Voltam , 2011, dirigido por Marcelo Lordello

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Foto : divulgação

Antes que o Mundo Acabe - 2009 / Direção: Ana Luiza Azevedo

OS GAÚCHOS TAMBÉM PODEM FAZER CINEMA BRASILEIRO? por

Carlos Gerbase

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Houve um tempo em que o cinema gaúcho era considerado o terceiro polo mais importante da produção nacional e - que luxo! - preocupava-se com sua identidade. Em 1990, o crítico Jean-Claude Bernardet afirmou, num seminário em Porto Alegre, que não conseguia enxergar traços identitários fortes entre os filmes produzidos no Rio Grande do Sul. Mesmo decepcionados, todos concordamos com ele. Não era possível dizer: “o cinema gaúcho tem a cara das chanchadas do Teixeirinha” (que nem eram mais projetadas), ou “o cinema gaúcho tem o estilo dos super-8 da década de 80” (que ainda eram projetados, mas tinham cópias únicas, em irreversível processo de deterioração), ou “o cinema gaúcho são nossos curtas em 35mm que vão para o Festival de Gramado” (que, quase sempre, só eram projetados em festivais).

Se já era difícil detectar uma identidade, ou ao menos um projeto de identidade, vinte e três anos atrás, imagine hoje. O volume de filmes gaúchos cresceu muito desde os anos 1990, em parte devido às facilidades das tecnologias digitais, em parte pela criação de quatro cursos universitários de cinema em meados dos anos 2000. Houve até um surto de longas-metragens com bons orçamentos, razoáveis carreiras comerciais no circuito nacional e algum sucesso de crítica. Os ventos pareciam soprar a favor. Da quantidade veio a diversidade. Jovens estudantes de cinema sofrem influências globais, assistem de tudo pela internet e filiam-se com grande rapidez a gêneros e subgêneros que correm o mundo, entrando e saindo de moda. Tudo isso é saudável. Mas o cinema gaúcho estava ficando realmente mais forte?

Se o Jean-Claude voltasse para uma nova discussão sobre a identidade do cinema gaúcho, teria que ficar uma semana inteira vendo os filmes antes de se pronunciar. Com certeza não valeria a pena. Assim como não existe um “cinema carioca”, ou um “cinema paulista”, não existe - e na verdade nunca existiu! - um “cinema gaúcho”. Nós filmamos bem ao Sul, perto das fronteiras com Uruguai e Argentina, mas somos realizadores brasileiros, sujeitos aos mesmos problemas de nossos colegas mais tropicais. Quando o cinema brasileiro vai mal, inevitavelmente estamos mal também. Contudo, se há um cinema brasileiro que “vai bem”, ele com certeza está concentrado no eixo Rio-São Paulo. A questão da identidade, que parecia importante, hoje não emociona mais ninguém. Temos preocupações mais concretas: por que

O Rio Grande do Sul, que em outros tempos sonhou em ser independente e autossuficiente, está cada vez mais dependente e empobrecido.

Foto : Danny Bittencourt

Diretor gaúcho Carlos Gerbase

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não somos mais o terceiro polo? Por que nossos filmes não têm mais repercussão nacional? Por que perdemos nossa força? O próprio Festival de Gramado, antes a principal base de lançamento para filmes de todo o país, hoje não consegue atrair nem as principais produções gaúchas, que preferem - se selecionadas, é claro - começar suas carreiras em mostras no Rio ou em São Paulo. Filmes gaúchos mais alternativos podem tentar a sorte em novos festivais em Porto Alegre, como o Cine

atuando no Estado, não era mais uma empresa gaúcha, e sim parte do Grupo CPFL Energia, de atuação nacional. As decisões de marketing passaram para São Paulo. Coisa parecida aconteceu com a Copesul, empresa gaúcha localizada no Polo Petroquímico e tradicional incentivadora da cultura regional por meio das leis Rouanet e do Audiovisual. Em 2007, a Braskem (um dos maiores conglomerados petroquímicos do Brasil) passou a controlar a Copesul. Embora continue apoiando a cultura gaúcha, o marketing cultural

Menos que Nada - 2012, direção de Carlos Gerbase Esquema Novo e o Fantaspoa (dedicado ao gênero fantástico). Será que o Festival de Gramado foi envolvido nesse processo de enfraquecimento do cinema gaúcho? As explicações, com certeza, são múltiplas, mas sempre é bom dar uma olhada num componente importante da cadeia audiovisual, chamado dinheiro. No começo dos anos 2000, graças ao prêmio RGE de Cinema, que distribuía prêmios muito significativos (mais de um milhão de reais) para três projetos de longas-metragens feitos no Rio Grande do Sul, os cineastas gaúchos sentiam-se até invejados por seus colegas de outros Estados. Mas o prêmio teve apenas três edições (nove filmes, ao todo) e acabou em 2005. A justificativa para a extinção foi simples: a RGE, apesar de continuar

gas gaúchos foram lançados. Todos, sem exceção, são de baixo orçamento (menos de um milhão de reais). Alguns têm orçamento de curta-metragem. Não é possível sustentar um mercado com uma produção desse tipo. De certo modo, voltamos ao tempo em que os temas e cenários gaúchos eram abordados por “estrangeiros”. Trechos de O Tempo e o Vento, nossa obra literária mais famosa, foram filmados por Walter Durst e Cassiano Gabus Mendes (O Sobrado, de 1956) e Anselmo Duarte (Um Certo

O Homem que Copiava - 2003, direção de Jorge Furtado

elegeu como prioridades eventos (Fronteiras do Pensamento e Porto Alegre em Cena), em vez de filmes. Resumo da ópera: sobraram poucas grandes empresas realmente gaúchas para apoiar o nosso cinema. O Rio Grande do Sul, que em outros tempos sonhou em ser independente e autossuficiente, está cada vez mais dependente e empobrecido. A captação de recursos para produções audiovisuais é um mercado extremamente competitivo, e essa escassez de mecenas trouxe problemas para todas as empresas produtoras, independente de tamanho ou experiência. Alguns projetos ainda conseguem captar, é claro, mas os orçamentos, antes na casa dos milhões, agora estão, quase todos, na casa das dezenas, no máximo das centenas, de reais. Em 2012, doze lon-

Capitão Rodrigo, de 1971). A Globo fez uma audaciosa minissérie em 1985, com direção do gaúcho (exilado no Rio) Paulo José. Agora, em 2013, O Tempo e o Vento foi outra vez para as telas por mãos “estrangeiras”. Será que os cineastas gaúchos não têm tempo para Érico Veríssimo, ou os ventos é que sopram em sentido contrário? A realidade é que um épico de 10 milhões de reais sobre a formação do Rio Grande do Sul foi produzido por Rita Buzzar e dirigido por Jayme Monjardim. Todos os profissionais citados neste parágrafo (com exceção de Paulo José) são paulistas. Os gaúchos estavam lá, no elenco de apoio ou com empresas coprodutoras, mas sempre em papel coadjuvante. Os filmes têm sotaque gaúcho (ou um arremedo dele), mas o dinheiro é paulista (e sem sotaque caipira, é claro).

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Para completar o quadro meio lúgubre, nos últimos editais nacionais de produção cinematográfica, a presença gaúcha é muito tímida. O número de projetos inscritos aumentou, mas o de selecionados minguou. Pernambuco e Minas Gerais nos ultrapassaram há tempos. O Distrito Federal e a Bahia estão em pé de igualdade. No último edital da Petrobrás, nenhum filme gaúcho foi aprovado. Em compensação, mais uma produção “estrangeira” vem rodar aqui. Será bem recebida, é claro. Mas ser apenas sede de locação está ficando chato. Onde está o velho orgulho gaúcho? Deve estar vagando pelos escritórios de marketing das avenidas Paulista e Vieira Souto, à cata de alguma migalha que caia da mesa rumo ao Sul. Agora que temos cursos de cinema, desaprendemos a escrever roteiros e projetos? Agora que as câmeras e as ilhas de edição digitais são muito mais baratas, não sabemos mais filmar e montar? Talvez, finalmente tenhamos encontrado a nossa identidade: servir de cenário para infinitas versões de O Tempo e o Vento. A Ancine, o MinC e a Petrobrás falam em descentralização, mas, pelo menos por enquanto, aqui nas bordas do Brasil ela não chegou. Estamos num momento delicado. Será que os gaúchos também podem fazer cinema brasileiro? Será que vamos retomar o protagonismo estético que já tivemos? Sou um otimista. Nunca tivemos tantos técnicos e artistas capacitados para fazer bom cinema, e as entidades gaúchas de profissionais do audiovisual estão se articulando para enfrentar o cerco. Bons filmes virão. E serão filmes brasileiros.

Carlos Gerbase é cineasta, jornalista e professor universitário.

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Un Certo Capitão Rodrigo, 1971, direção de Anselmo Duarte

Antes que o Mundo Acabe, 2009, direção de Ana Luiza Azevedo


Eventos gratuitos todos os dias no

Memorial da América Latina

Filmes Shows Eventos Biblioteca Concertos Infocentro Exposições Congressos Espetáculos Publicações Praça de Lazer Visitas Monitoradas

www.memorial.org.br 59


Foto : Vincent West/AP

Festival de Cinema Latino-americano

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Os atores Jose Sacristan, Valeria Alonso e o diretor Javier Rebollo vencem na categoria de melhor filme com o longa El Muerto y Ser Feliz, na França.

por

Em meados do março mais gelado dos últimos cinquenta anos, o Festival de Cinema Latino-Americano de Toulouse completou 25 edições. São 25 anos em que seus olhos nos contemplam, agrupando a América Latina como unidade geográfica e buscando compreender nossas realidades distintas.

Nas ruas e nas premiações, noite adentro na cinemateca, o que predomina é o jeans. Casacos de bons cortes, sapatos de couro gasto, botas de pular brejo estilizadas. Cachecóis, cabelo na cara, língua afiada e sede por conhecer. Nos dez dias de programação, Toulouse – que fica ao sul da França – se mobiliza. Cerca de 300

Luana Schabib

pessoas trabalharam voluntariamente, a maioria estudantes das duas escolas de cinema da cidade. Memória, quem somos? Para onde vamos? Produção, como assistir? A quem recorrer? Compartilhar somente em festivais, ou a licença poética faz valer downloads a quem só quer consumir e não ganhar em

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La Playa DC, 2012, Colômbia, direção de Juan Andrés Arango Garcia

cima? Questões que sempre passam quando falamos de cinema para além de Hollywood e as salas de cinema que obedecem à pauta global. Quando falamos da produção latina que, na maioria das vezes, não é exibida entre os países irmãos. São discussões ativas e com soluções pendentes que vão além de políticas públicas e de distribuição. Vamos aos filmes. A programação começou assim: O belíssimo argentino Infância Clandestina, de Benjamín Ávila,

cuja sinopse se assemelha ao brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), de Cao Hamburguer, pois é por meio do olhar de uma criança que a história da resistência e luta contra a ditadura militar é contada, porém o argentino faz isso de forma mais densa, a ditadura não é pano de fundo, é a história. Ávila faz uma homenagem declarada a todos aqueles que deram a vida pela democracia, inclusive sua mãe, “desaparecida” em 1979. O diretor rasga nosso peito mostrando as

circunstâncias da política latino-americana dos anos 1970, sem disfarces. O segundo filme exibido na abertura foi La Playa D.C, do colombiano Juan Andrés Arango Garcia. Este conta a história de um jovem negro que fugiu da Costa do Pacífico por causa da guerra, e foi para uma Bogotá racista e hostil. Ele faz tudo para encontrar seu irmão mais novo, que se envolveu com drogas e está desaparecido. Tomás, o protagonista, resiste. Tratando de temas latentes, o filme, assim como o de Ávila, conta com coprodução brasileira. Dos 14 longas na principal competição – ficção – dois eram brasileiros, dois argentinos, cinco chilenos, um mexicano, um cubano, um uruguaio e um costa-riquenho. O grande vencedor do prêmio Coup de Cœur foi o representante guatemalteco Polvo (Pó), de Julio Hernandez Cordón. O diretor mostra no filme os efeitos de décadas de barbárie da guerra civil do país, por meio do filho de um casal desaparecido. Dos brasileiros exibidos na competição, o drama premiado foi Era Uma Vez Eu, Verônica, do diretor Melaza, 2012, Cuba, direção de Carlos Lechuga

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Era Uma Vez Eu, Verônica, 2012, Brasil, direção de Marcelo Gomes

Marcelo Gomes, sobre os conflitos de uma médica entre suas ambições e a realidade social que a cerca. A personagem tem como contraponto o pai que, segundo o diretor, representa o Brasil comunista, sindicalista, que pensava no outro. E o que acaba de estrear nas salas brasileiras foi O Que Se Move, de Caetano Gotardo. O filme trata de histórias saídas dos cadernos de cotidiano dos jornais, que ganham uma leitura poética e melancólica, tratando da dor de três mães que perdem seus filhos. Nos documentários, a escolha foi para o intimista La Eterna Noche de las Doce Lunas, da colombiana Priscila Padilla. Este com coprodução boliviana. Segundo o festival, o número de documentários enviados aumentou significativamente em relação ao ano passado, comprovando a força do cinema latino. Foram 20 curtas-metragens selecionados entre 350. O vencedor foi O Duplo, curta de Juliana Rojas, que recebeu o voto de preferido dos estudantes. Já Feijoada Completa, de Angelo Defanti, foi o escolhido para o troféu Signis, da Associação Católica Mundial para a Multimídia. A rebelde França discute política e processos midiáticos, exibindo

Tropicália, 2012, Brasil, direção de Marcelo Machado

filmes como Entreatos (2004), de João Moreira Salles; o ABC da Greve (1979), de León Hirszman – que contam partes distintas da história do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; e o argentino NO (2012), de Pablo Larraín. Debate constante numa Europa que hoje sofre com o sexto trimestre consecutivo de recessão.

No encerramento, ecoaram os silêncios do cubano Melaza, de Carlos Lechuga e a cantoria engajada da Tropicália, documentário dirigido por Marcelo Machado.

Luana Schabib é repórter da revista eletrônica Cultura e Mercado.

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América Latina por

Tânia Rabello

em

São Paulo

A cada edição focamos um país da região :

ARGENTINA

Comer Empanadas Já não se sabe se as empanadas do Empanadas Bar, fundado em 1980 por um argentino e um chileno, são as melhores de São Paulo. Até porque, depois que a dupla latino-americana trouxe para a capital paulista a iguaria típica não só da Argentina, como de vários países latino-americanos, inúmeros estabelecimentos se aventuraram a fazer aquela espécie de pastel assado recheado com queijo, palmito, carne e vários outros ingredientes. Alguns até bastante abrasileirados, como carne-seca com abóbora. Mas o Empanadas está ali há 33 anos na Vila Madalena, Rua Wisard, resistindo ao abre-e-fecha de incontáveis bares do bairro. A área do restaurante cresceu, porém mantém um charmoso aspecto de boteco, mas com deliciosas empanadas e cerveja no ponto. Rua Wisard, 489, Vila Madalena, São Paulo (SP), tel. (11) 3032-2116 / site www.empanadasbar.com.br.

Bife de chorizo e parillada Melhor é começar explicando o que é o bife de chorizo. É o mais tradicional corte de carne bovina argentina, tirado do centro do contrafilé, grosso, bastante macio e suculento e ideal para a grelha. Mais saboroso até, para alguns, do que a famosa “picanha argentina”. Há também a parillada: uma sequência de miúdos bovinos e de carne bovina servidos em chapa quente de ferro. Em São Paulo, o bife de chorizo pode ser saboreado na rede Rubaiyat, em três endereços: na Alameda Santos, 86, tel. (11) 3170-5100; na Av. Brigadeiro Faria Lima, 2.954, tel. (11) 3165-8888, ou na Rua Haddock Lobo, 1.738, tel. (11) 3087-1399. Há também o Varanda Grill, com dois endereços: na Rua General Mena Barreto, 793, Itaim Bibi, tel. (11) 3887-8870, e também o do Shopping Center JK Iguatemi, Av. Presidente Juscelino Kubitschek, 2.041, loja 321B, Piso 2, tel. (11) 3152-6777. Quanto à parillada, no tradicional restaurante argentino Parilla Porteña – que também serve o chorizo –, ela é servida com fartura. O Parilla Porteña tem dois endereços: na Rua Comendador Miguel Calfat, 348, Itaim Bibi, tel. (11) 3849-0348, e na Rua Bahia, 364, Higienópolis, tel. (11) 4306-0348.

Alfajores O doce típico argentino, feito como se faz no seu país de origem, artesanalmente, pode ser saboreado nas várias lojas do Havanna Café (www. havanna.com.br), principalmente em shopping centers paulistanos. Apesar de o nome do Havanna Café remeter à capital cubana, foi na Argentina que ele surgiu, em 1939, e foi se espalhando pelo mundo – hoje já há 150 lojas –, tornando conhecida a deliciosa iguaria, que tradicionalmente é feita com uma massa circular recheada de doce de leite e cobertura de chocolate.

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Um tango argentino vai bem melhor que um blues No restaurante La Cabaña, na Avenida Moema, 218, tel. (11) 5052-7612, todas as quintas-feiras tem show de tango ao vivo. Além disso, há casais especializados em dançar tango – o ritmo imortalizado pelo argentino Carlos Gardel – e que podem ser contratados para shows em festas e eventos, como André e Andressa (site www.tangoa2.com) e Paulo Aguiar e Daniela Moura (www.showdetango.net). Quem se animar com o melancólico, porém quente, tango argentino e quiser arriscar uns passos, pode fazer aulas com eles e também na academia especializada em tango Tango B’Aires, na Rua Amâncio de Carvalho, 23, Vila Mariana. No site www.tangobaires.com.br é possível obter mais informações.

Ler Como falar em literatura argentina sem citar no mínimo quatro fenomenais escritores daquele país e ainda correndo o risco de cometer uma injustiça com vários outros? Os grandes expoentes são Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares, Julio Cortázar e Ernesto Sábato. Nas livrarias Cultura (www.livrariacultura.com.br) há vários títulos desses autores, como Sobre Heróis e Tumbas, de Ernesto Sábato, que foi considerado o melhor romance argentino do século 20, além de O Aleph e Ficções, de Borges, e O Jogo da Amarelinha, de Cortázar, e A Invenção de Morel, de Bioy Casares. Estes e outros títulos estão disponíveis também na Livraria da Vila (www.livrariadavila.com.br) e na Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br).

Ver O Segredo dos Seus Olhos (2009) O cinema argentino, com seus roteiros primorosos, tem se destacado de alguns anos para cá. O que ganhou mais holofotes recentemente foi El secreto de Tus Ojos (O Segredo dos Seus Olhos), dirigido por Juan Jose Campanella e estrelado pelo badalado ator argentino Ricardo Darin. A obra, de 2009, levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010. O filme conta a história de Benjamin Esposito (Darin) que, aposentado de um tribunal penal na Argentina, aproveita o tempo livre para realizar o sonho de escrever um livro, um romance baseado em sua própria vida e na apuração de um violento assassinato na década de 1970. Ao confrontar-se com a própria vida, vai percebendo os equívocos que cometeu e o amor pela antiga chefe. Por fim, as memórias terminam por transformar novamente sua vida.

Nove Rainhas (2001) Outro exemplo da genialidade dos roteiros argentinos. Nueve Reinas (Nove Rainhas) é dirigido por Fabián Bielinsky. É também estrelado por Ricardo Darin, que, neste filme, é um picareta que está prestes a dar o golpe da sua vida, juntamente com Juan (Gaston Pauls). Ambos se unem nas ruas de Buenos Aires para participar de uma negociação milionária com selos falsificados conhecidos como “Nove Rainhas”. O filme se passa entre a madrugada de um dia e a noite do mesmo dia. A negociação dos selos deve ser feita rapidamente, já que o milionário espanhol interessado nos selos deixará a cidade na manhã seguinte. Um roteiro eletrizante com final surpreendente.

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Visitar Dos cafés de Buenos Aires e de Mar del Plata, a leste, indo para oeste e chegando a Mendoza e seus famosos vinhos, já na beira dos Andes argentinos – que abrigam as famosas estações de esqui de Bariloche e Las Leñas –, e descendo até a Patagônia argentina, no extremo sul, onde os Parques Nacionais Los Glaciares e da Terra do Fogo encantam os visitantes, a Argentina, com 2,8 milhões de quilômetros quadrados, é atração para qualquer tipo de turista, do que busca cultura até o que só quer saber de aventuras radicais. Fiquemos, porém, principalmente com Buenos Aires.

Cafés Portenhos Buenos Aires é repleta deles. Todos charmosíssimos e tão intrínsecos à personalidade argentina que para se sentir um autêntico portenho o visitante deve gastar parte da manhã em um deles, lendo o jornal do dia, tomando um café e comendo deliciosos quitutes. O mais famoso – e turístico – é o Gran Café Tortoni, fundado há 155 anos na Rua de Mayo, 825, e frequentado no passado por famosos escritores, jornalistas, artistas e intelectuais, como Jorge Luis Borges e Carlos Gardel. Além do café delicioso, o edifício com arquitetura clássica, é uma atração à parte.

Quem gosta de antiguidades estará no lugar certo na Feira de San Telmo, fundada em 1970 e que hoje atrai, todos os domingos, mais de 10 mil visitantes, boa parte deles estrangeira. O endereço é Praça Dorrego, Rua Defensa e Humberto I, San Telmo, e o horário de funcionamento da feira é das 10h às 17h. Ali ofertase uma infinidade de bricabraques, desde xícaras de porcelana chinesa, discos rotação 78, joias, pratarias, roupas, móveis, e até gramofones de mais de cem anos em excelente estado. Em San Telmo vende-se e trocase de tudo e é bom ressaltar que o excelente bom gosto dos portenhos se revela neste evento. Além disso, a praça é rodeada de várias lojas e aconchegantes cafés, além de músicos de rua, tornando San Telmo um passeio muito agradável.

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Foto : Juan Pablo Colantonio

Feira de San Telmo


La Recoleta Já falamos onde provar o bife de chorizo no Brasil. Agora vamos falar da autêntica culinária portenha e onde ela pode ser melhor saboreada. O bairro La Recoleta, bastante sofisticado, com inúmeras lojas e restaurantes caros, também é um passeio obrigatório para quem visita Buenos Aires. No bairro também há o Cemitério da Recoleta, onde estão enterrados a ex-primeira dama da Argentina Eva Perón e o escritor Bioy Casares. Ideal é começar o passeio pelo cemitério pela manhã, já que eles fecham às 18h. Assim dá tempo tranquilo de visitar vários túmulos de famosos, curtir o parque onde fica o cemitério e admirar sua bela arquitetura.

Porto Madero Antigo porto recuperado, hoje reúne o melhor da gastronomia portenha, com restaurantes para todo tipo de bolso. Vale a pena passear pelo cais e apreciar o movimento dos barcos no caudaloso Rio de La Plata, que banha a cidade de Buenos Aires. Argentina foi a pioneira na recuperação arquitetônica desta natureza e que serviu de exemplo para outros portos da América Latina como o de Belém, Rio de Janeiro e o porto de Santos.

El Caminito Situado do bairro La Boca, El Caminito, um dos principais pontos turísticos de Buenos Aires, é uma área histórica porque era ali que se recebiam os imigrantes europeus, sobretudo da Itália e da Espanha, nos séculos 19 e 20. Ali surgiram os primeiros cortiços para abrigar esses imigrantes. A rua, que recebeu o nome de Caminito do pintor Benito Quinquela, em homenagem ao tango composto por Juan de Dios Filiberto, chama a atenção pelos seus prédios bastante coloridos e charmosos. Além disso, artistas de rua e cafés compõem o ambiente.

Informações Consulares Consulte nosso acervo sobre a América Latina : bla@memorial.sp.gov.br

Consulado Geral da Argentina, em São Paulo, SP Endereço: Av. Paulista, 2.313, sobreloja CEP 01311-300 tels. (11) 3897-9522 / e-mail cpabl@mrecic.gov.ar Expediente: das 9h às 13h.

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Imagem da edição

Take do filme Del Olvido Al No Me Acuerdo, 1999, do mexicano Juan Carlos Rulfo.

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Memorial da América Latina O espaço público da cultura

www.memorial.org.br 69


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