Nossa
Revista do Memorial da América Latina - Edição Especial - Ano 2012 - R$15,00
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WWW.MEMORIAL.SP.GOV.BR
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EDITORIAL
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JOÃO BATISTA DE ANDRADE GERALDO ALCKMIN MARCELO ARAÚJO
DEPOIMENTO
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OSCAR NIEMEYER
ENCONTRO
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MARCO DO VALLE
LINGUAGEM
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MARIA ISABEL IMBRONITO
ESTÉTICA
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LAURO CAVALCANTI
PRIVILÉGIO
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FERNANDO FRANK CABRAL
foto: Rogério Reis/TYBA
PROPOSTA
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REVISTA NOSSA AMÉRICA
SECRETÁRIO DA CULTURA
MARCELO ARAÚJO
DIRETOR JOÃO BATISTA DE ANDRADE
FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA
EDITORA EXECUTIVA/ DIREÇÃO DE ARTE LEONOR AMARANTE
GERALDO ALCKMIN
CONSELHO CURADOR PRESIDENTE
ALMINO MONTEIRO ÁLVARES AFFONSO SECRETÁRIO DA CULTURA
MARCELO ARAÚJO
SECRETÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA (em exercício)
LUIZ CARLOS QUADRELLI REITOR DA USP
JOãO GRANDINO RODAS REITOR DA UNICAMP
FERNANDO FERREIRA COSTA
ASSISTENTE DE REDAÇÃO MÁRCIA FERRAZ
PRESIDENTE DA FAPESP
CELSO LAFER
REITOR DA FACULDADE ZUMBI DOS PALMARES
JOSÉ VICENTE
PRESIDENTE DO CIEE
RUY ALTENFELDER SILVA DIRETORIA EXECUTIVA DIRETOR PRESIDENTE
JOÃO BATISTA DE ANDRADE DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DA AMÉRICA LATINA
ADOLPHO JOSÉ MELFI
DIRETOR DE ATIVIDADES CULTURAIS
LUIZ FELIPE BACELAR DE MACEDO DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO
SERGIO JACOMINI CHEFE DE GABINETE
IRINEU FERRAZ
SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA
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CONSELHO EDITORIAL Aníbal Quijano, Carlos Guilherme Mota, Celso Lafer, Davi Arrigucci Jr., Eduardo Galeano, Luis Alberto Romero, Luiz Felipe de Alencastro, Luis Fernando Ayerbe, Luiz Gonzaga Belluzzo, Oscar Niemeyer, Renée Zicman, Ricardo Medrano, Roberto Retamar, Roberto Romano, Rubens Barbosa, Ulpiano Bezerra de Meneses. NOSSA AMÉRICA é uma publicação trimestral da Fundação Memorial da América Latina. Redação: Avenida Auro Soares de Moura Andrade, 664 CEP: 01156-001. São Paulo, Brasil. Tel.: (11) 3823-4669. Vendas: (11)3823-4618 Internet: www.memorial.sp.gov.br Email: publicacao@fmal.com.br. Os textos são de inteira responsabilidade dos autores, não refletindo o pensamento da revista. É expressamente proibida a reprodução, por qualquer meio, do conteúdo da revista.
PAULO MENDES DA ROCHA
REFERÊNCIA
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CRÔNICA
COLABORARAM NESTE NÚMERO Almino Affonso, Ana Candida Vespucci, Bernardo Gutiérrez, Castor Fernandez, Dalva Thomaz, Daniel Pereira, Edu Krieger, Caio Almeida, Eduardo Rascov, Everton Santana, Fábio Magalhães, Fernando Frank Cabral, Fernando Leça, Guilherme Wisnik, Gonçalo Júnior, Lauro Cavalcanti, Luis Avelima, Luis Eduardo Borda, Luiz Claudio Lacerda, Marco do Valle, Maria Cristina Cabral, Maria Isabel Imbronito, Mário Castelo, Mário Lima, Nelson Kon, Oscar Niemeyer, Percival Tirapeli, Paulo Mendes da Rocha, Rogério Reis, Rodrigo Queiroz, Rogério Randolph, Tânia Rabelo.
GUILHERME WISNIK
PONTO DE VISTA
ASSISTENTE DE DIAGRAMAÇÃO DAYANE DA SILVEIRA XISTO (ESTAGIÁRIA)
REITOR DA UNESP
JULIO CEZAR DURIGAN
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OBRAS
LEITURA FINAL LUIS AVELIMA
PERCIVAL TIRAPELI
PARADIGMA
DIAGRAMAÇÃO FELIPE DE PAULA LOPES (ESTAGIÁRIO) EVERTON SANTANA (COLABORADOR)
REVISÃO (ESTAGIÁRIO) ELIAS CASTRO
RODRIGO QUEIROZ
LEGADO
53 GOVERNADOR
MARIA CRISTINA CABRAL
DESAFIO
75 78
LUIS EDUARDO BORDA DA REDAÇÃO ALMINO AFFONSO
PARCERIA
82 ENTREVISTA
86
DARCY RIBEIRO EDUARDO RASCOV PETER GODFREY
DESIGN
90
FÁBIO MAGALHÃES
TRAÇO
94
OSCAR NIEMEYER
HOMENAGEM
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RODRIGO QUEIROZ
REPERCUSSÃO
108
DA REDAÇÃO
MARKETING
116
DA REDAÇÃO
TRAJETÓRIA
120 SAMBA
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DA REDAÇÃO OSCAR NIEMEYER, EDU KRIEGER CAIO ALMEIDA
foto: divulgação
Editorial
Para alguém de minha geração, falar do arquiteto Oscar Niemeyer é tocar fundo em nossa emoção. Vivi minha adolescência nos anos 1950, sai do interior mineiro em busca de uma formação educacional e profissional melhor. Saltei primeiro para Uberaba, depois Belo Horizonte, até chegar a São Paulo em 1960. Cheguei exatamente no ano em que Brasília foi inaugurada e os nomes de Niemeyer e Lúcio Costa estavam na boca, no pensamento e na imaginação de todos. Afinal eles não tinham construído só uma cidade. Mas, “a cidade”, a capital de um novo Brasil que se buscava e pretendia pelo sonho de Juscelino Kubitschek. No fundo, compartilhávamos o mesmo sonho. Sonhávamos juntos, todos. Aquele era um período de intensa movimentação da juventude brasileira nos grandes centros, ao lado de uma verdadeira revolução nas artes, na cultura brasileira num sentido mais amplo. Muitos valores nos moviam: o espírito crítico efervescente na União Nacional dos Estudantes (UNE), no Teatro Oficina, no Teatro de Arena, nas ideias transformistas de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, no Cinema Novo de Glauber Rocha, no movimento musical da Bossa Nova... Mas, precedendo toda essa verdadeira agitação cultural, um fato nos marcou profundamente, como o valor simbólico maior de todos os nossos sonhos: a construção de Brasília, emoldurada na sensualidade arredondada e na crença no futuro saídas das mãos de uma mente brilhante – Oscar Niemeyer. Ali estava estampada nossa crença num país que já não era mais do futuro, mas onde o futuro se construía com tamanho talento, urgência e promessas. Era ousadia demais construir a capital de uma nação tão grande, quase um continente, no meio do nada, com seus prédios e torres de desenhos que lembravam naves espaciais que víamos no cinema. Era a materialização da fantasia, da ficção científica. Para nós, que só pensávamos em formas de fazer do Brasil um lugar melhor, aquilo simbolizava a possibilidade ou a viabilidade de qualquer coisa. Tudo porque Niemeyer, em tão pouco tempo, soube cristalizar esse momento de transforma-
ções com sua fé nesse futuro que se tornava presente diante de todos nós. Com aquela Brasília de Niemeyer, o Brasil exibia sua força cultural e sua importância em todo o mundo. Veio daí a consolidação do ideal de que éramos o país do futuro, embora prevalecesse a ideia de que não passávamos ainda de um gigante adormecido. Apesar de todos os problemas, de tantas injustiças, miséria – e em grande parte calçados na urgência de uma saída –, o que as obras de Niemeyer nos diziam é que era preciso acreditar na chegada do futuro. Nesse sentido, falava muito mais do que os conceitos em si que estavam por trás das suas ideias de como deveria ser uma arquitetura contemporânea. Hoje, meio século depois, a força de seus projetos concretizados fisicamente ainda revela essa certeza e nos aponta novos caminhos a seguir. Essa é a essência do seu legado, que consagra a importância dele para a arquitetura mundial. Tudo isso justifica a presente edição especial de Nossa América como uma homenagem a esse grande brasileiro que marcou e marca a vida cultural de nosso país, onde deixou plantada a semente dos sonhos que sempre o moveram: a esperança num mundo melhor. Escolhidos a dedo pela importância de seus trabalhos acadêmicos ou de relevância profissional prática, doze nomes importantes da arquitetura nacional em atividade aceitaram o convite para realçar, nas páginas que seguem, por que Niemeyer é tão relevante para essa impressionante arte que é dar forma e conteúdo a monumentos, a paredes que cercam o mundo e o fazem refletir a imagem de um povo, de um país, de um tempo. Nessa Edição Especial, contamos ainda com as honrosas participações do Secretário de Cultura do Estado de São Paulo, Marcelo Araújo e o editorial do Excelentíssimo Sr Governador do Estado, Geraldo Alckmin, que dá o testemunho de seu apreço pessoal e de todo o Estado de São Paulo por esse grande brasileiro que é Oscar Niemeyer.
João Batista de Andrade é presidente da Fundação Memorial da América Latina.
são paulo inspira niemeyer Geraldo Alckmin
Oscar Niemeyer 105 anos: presença destacada no cenário da arquitetura internacional, desde 1936, quando, impressionando o arquiteto franco-suíço Le Corbusier, participou do projeto para a construção do Ministério de Educação e Saúde (atual Edifício Gustavo Capanema, sede da Funarte, no Rio de Janeiro). A partir de então, não parou mais de provocar, em várias partes do mundo, espanto e admiração (“surpresa arquitetônica”, no seu linguajar). Sua atuação deixou marcas indeléveis na paisagem e interferiu na sociabilidade de importantes metrópoles. Depois do Rio de Janeiro, São Paulo talvez seja o estado que mais teve o privilégio de contar com o seu gênio, à exceção de Brasília, naturalmente. São Paulo/Niemeyer – uma relação antiga, que começou ainda na década de 1940, no Vale do Paraíba, coincidentemente minha região de origem. Logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1947, o arquiteto foi chamado para projetar a sede do Centro Técnico da Aeronáutica, em São José dos Campos. Era o início de um complexo tecnológico que tornou a cidade um centro de referência mundial em pesquisas aeroespaciais. Nos anos de 1950, São Paulo era “a cidade que mais cresce no mundo, a cidade que não pode parar”, como se dizia na época. Era necessário modernizá-la ainda mais. Oscar Niemeyer abriu um escritório na Rua 24 de Maio e se pôs a trabalhar. Da sua prancheta saiu o Edifício Montreal, inaugurado em 1954, na confluência das Avenidas Ipiranga e Cásper Líbero, com sua fachada protegida do
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sol pelos famosos brises. Saíram o Edifício e a Galeria Califórnia, interligando as ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros, com pilares em “V”, nas duas fachadas, “detalhe” niemeyeriano por excelência, que se tornou moda. O Edifício Copan, integrando condomínio residencial, centro comercial e de lazer. E os edifícios Eiffel, na Praça da República, e Triângulo, próximo à Praça da Sé. E o que dizer do Parque Ibirapuera, com a Marquise, o Auditório, o prédio da Bienal, a Oca e outras obras? Depois de uma ausência de duas décadas, Niemeyer voltou a criar espaços singulares em São Paulo, nos anos 80. O que seria da cidade sem o seu Sambódromo, que valorizou o samba paulistano e deu protagonismo ao povo dos bairros distantes? E, principalmente, o que seria da capital sem o seu Memorial da América Latina, complexo arquitetônico que, de certo modo, reapresenta e resume as soluções concebidas pelo Mestre, em sua longa jornada criativa, e que deu o pontapé inicial ao processo de revitalização da Barra Funda? O Estado de São Paulo é e será eternamente grato a Oscar Niemeyer, o arquiteto das curvas e das formas livres, cuja criatividade percorreu quase todo o século XX, avançando pelo século XXI. Celebramos Oscar Niemeyer – exemplo de vida que diz respeito a todos e que engrandece a humanidade. Geraldo Alckmin é o governador do Estado de São Paulo.
UMA JUSTA HOMENAGEM
A extensa obra de Oscar Niemeyer se faz presente na paisagem urbana e no cotidiano de diversas cidades brasileiras, quase sempre na forma de edifícios públicos com os quais a população se relaciona no dia a dia. Os projetos do arquiteto carioca estão intrinsecamente ligados à vida cultural e social da capital paulista. Um dos conjuntos mais importantes de sua autoria foi criado em 1954 para comemorar os 400 anos da cidade. O Parque do Ibirapuera, desde seu nascimento um dos espaços públicos mais importantes de São Paulo, é marcado pela presença imponente de obras como a Oca, o Pavilhão Ciccillo Matarazzo (sede da Bienal de São Paulo), o Auditório Ibirapuera – construído apenas em 2004, mas já previsto no projeto original, assim como a sinuosa marquise, que interliga todos esses edifícios. No Centro, o residencial Copan surgiu como elemento tão significativo no ambiente urbano que, para muitos, tornou-se símbolo visual da capital paulista. E, finalmente, Niemeyer deu forma ao ideal do antropólogo Darcy Ribeiro em seu projeto para o Memorial da América Latina, que nesta revista presta uma justa homenagem a essa grande personalidade brasileira. Para a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo é uma honra poder participar desta publicação, que acrescenta novos olhares a uma produção hoje reconhecida como patrimônio cultural de todo o Brasil. Marcelo Araújo é o Secretário de Estado da Cultura do Estado de São Paulo.
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foto: andrés otero
Marcelo Araújo
DEPOIMENTO
“A VIDA É UM SOPRO” Oscar Niemeyer
C
om a desenvoltura e a serenidade de sempre, Niemeyer falou à revista Nossa América sobre os temas de seu interesse. Entre reflexões sobre o passado e projeções para o futuro, Niemeyer revelou uma certeza: o que importa é “criar um mundo mais feliz para todos”.
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foto: RogĂŠrio Reis/TYBA
FOTOS: LUIZ CLAUDIO LACERDA/ ROGÉRIO RANDOLPH
Caminho Niemeyer, Niterói.
“Já se passaram tantos anos, mas confesso que o Memorial da América Latina é uma obra que fiz com muito empenho. Guardo boas lembranças das pessoas com quem trabalhei. O Quércia me chamou e foi muito gentil, me atendeu em tudo que eu pedi para desenvolver o projeto. Eu sugeri a presença do Darcy Ribeiro, um velho amigo, que também mostrou muita dedicação. Depois apareceu Cecília Sharlach, outra amiga que ajudou muito, com
igual interesse. E, hoje, vocês que estão concluindo a obra e adicionando novas ideias. De modo que eu tenho que agradecer a todos. Já se passou tanto tempo, são tantos os projetos, que guardo uma vaga ideia de como estudei a biblioteca e os demais blocos. Lembro dos que colaboraram comigo, todos gentis, mas estou precisando rever o trabalho feito, não é? Projetei vãos grandes, generosos, mas a passarela tinha uma coluna, então, como eu queria manter
Apoio vital
sua participação foi muito útil; foi muito bom. Ele era tão inteligente, ele pensou em todos elementos que deveriam constituir o projeto.”
“O Quércia vinha me convocando para pedir o projeto e me lembro com prazer que ele sempre foi muito gentil, sempre dando apoio ao que a gente queria, de maneira que a obra correu sem problemas. Ele é uma pessoa que admiro, por isso foi um trabalho que realizei com prazer, ao lado de pessoas empenhadas em fazer o que é direito, com boa vontade, entusiasmo. E parece que a obra provoca isso que estou observando: interesse, como vocês também, querendo melhorar, acertar, implantar novas ideias, atrair mais gente. Eu agradeço muito a todos.”
Grande parceiro
“Como eu tinha muito contato com o Darcy, ele vinha sempre ao escritório, era feito um irmão para mim. Ele tinha ideias demais, era preciso contê-lo um pouco, mas
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Resposta às críticas
“O espaço faz parte da arquitetura, então, no caso do Memorial, eu queria o espaço maior, para as peças aparecerem melhor. Eu acho que era importante isso. Quanto às críticas, acho que o arquiteto deve fazer o que gosta e não o que os outros gostariam que ele fizesse. E à crítica não se responde, tanta bobagem junta, gente que não entende nada de arquitetura. Eu tenho por princípio não criticar colegas, respeito. Cada um tem a sua ideia, faz o que julga melhor. A única maneira de levar adiante um trabalho com interesse é com essa liberdade que o arquiteto precisa.
o espírito, resolvi tirar a coluna. Mas ela já estava finalizada, e sendo usada, por isso o pessoal da obra dizia: “Vai ser difícil, o Quércia não vai entender, causa uma impressão ruim para o público”. Mas eu falei com ele e ele foi generoso. Disse: “Faz o que você quiser, tira a coluna se for preciso”. Foi uma coisa que nunca aconteceu, que eu me lembre, em uma obra que eu tenha trabalhado. Então escoramos a passarela, tiramos a coluna e criamos um ele-
mento externo de sustentação. Realmente ficou melhor. E também no que se refere à mão: fiz um texto, expliquei a ele que América Latina sofria ameaças, sofre até hoje, agora mais do que nunca, de modo que deveria haver um elemento de protesto. Fiquei muito contente de poder fazer aquela mão, porque ela representa bem o sangue correndo no punho, a luta da América Latina para se manter soberana neste mundo de ameaças de sangue.”
Uma obra pública deve sempre mostrar o progresso da engenharia. Sempre explico bem esse ponto de vista. Explico como a arquitetura evoluiu, como os arquitetos da antiguidade não podiam fazer o que hoje nós fazemos. Lembro que para fazer uma cúpula, eles se limitavam a trinta, quarenta metros; hoje fiz a cúpula do Museu de Brasília com oitenta metros. Menciono até o arquiteto que fez o Palácio dos Doges querendo fazer um vão maior sem meios. Conto como a arquitetura evoluiu. Quando, por exemplo, começaram a subir os prédios para reduzir as distâncias, o que resolveu o problema foi o elevador. São aspectos que interferem na arquitetura, que disso se apropria para poder caminhar. Falo de como surgiram estes novos centros de arquitetura vertical, a maioria deles péssimos, sem a distância lateral, horizontal de que necessitam.
É engraçado que eu justamente lamento que a gente tenha que discutir arquitetura e ouvir tanta bobagem, é tão fácil de se explicar.”
O papel do concreto
“A gente faz uma arquitetura especulando no concreto, e o prédio pronto surpreende. Uma obra de arte tem que provocar surpresa e emoção, caso contrário não representa nada, é repetição. De modo que a gente faz uma arquitetura assim, baseando-se na técnica com muito apuro, mas especulando nas estruturas. No momento, eu estou fazendo um museu para a Espanha. É um museu grande, com sala de exposições, um auditório enorme. Então, a arquitetura que a gente faz se difundiu. Há gente de fora pedindo projetos, agora também estamos fazendo para a Alemanha.”
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Memorial Juscelino Kubitschek, Brasília.
FOTO: REVISTA ACRร POLE Nยบ256
Oscar Niemeyer e Lucio Costa
Auditório Ibirapuera, São Paulo.
“A América Latina precisa de mais cuidados. Nós estamos em um momento de ameaças e não sabemos até que ponto a coisa chega na América do Sul. De modo que hoje nós temos falado de América Latina com mais frequência, lembrando da Amazônia, do mundo de invasões que estamos vivendo. Eu acho que hoje, mesmo a palavra patriotismo a gente tem que usar com mais frequência, a gente tem que crescer e ser patriota, não adianta se especializar em arquitetura, em engenharia ou medicina; é preciso que o jovem participe, estude filosofia, história, enfim, cresça sabendo que ele vai atuar em um mundo tão perverso que o espera. Temos feito durante muito tempo pressão quanto a isso: adicionar ao ensino superior a noção de pátria, o mundo está muito ruim.”
de literatura, mas também de política. Eles têm a consciência de que precisam defender o país, têm que estar ligados ao povo. Eu acho importante hoje, porque o ser humano é muito frágil, sempre receptivo, e este mundo em que nós vivemos não é nosso, nós apenas fazemos parte dele. Então eu acho que o caminho deve ser o mais simples, o que a gente faz não é tão importante assim, eu sempre digo que a vida é mais importante que a arquitetura. O importante é que no mundo sejam todos iguais, que as pessoas se deem as mãos, que haja equilíbrio e solidariedade. Que você veja o outro. Não querendo descobrir defeitos, mas achando que todos têm um lado bom. Lenin dizia que “dez por cento de qualidades já é suficiente”. De modo que a educação deve levar o ser humano a compreender que nada é tão importante, o importante é criar um mundo mais feliz para todos. O importante é a vida, é viver.”
Educação para a vida
Colega premiado
Atenção à América Latina
“Se você falar com um rapaz de Cuba, ele é politizado; mesmo na Europa os jovens têm aulas
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“Eu digo que Paulo Mendes da Rocha merece, aliás, existem muitos arquitetos bons no
quitetura é o conteúdo humano, ela precisava se dirigir a todos generosamente. Mas não: eu trabalho para quem? Trabalho para os governos, para a classe dominante. Pouca gente tem a oportunidade de fazer obras para o povo. Então, um dia a arquitetura será mais simples, será distribuída igualmente a todos. Mas os grandes construtores, de caráter coletivo, por contraste serão maiores, os teatros serão maiores, o povo todo irá participar de uma maneira mais intensa. Agora, a habitação, esta sim será mais simples, mas todos vivendo decentemente; o caminho da arquitetura é esse. Outra questão, é que tudo muda também em função da técnica que aparece, que permite espaços maiores, soluções diferentes, as cidades crescendo de forma controlada. Não é o caso de cidades como Brasília, que é uma cidade símbolo, a capital do país. Mas as cidades modernas vão crescer separadas das demais, e crescer aos poucos, outras vão surgir envolvidas por grandes espaços livres. É ideia, e as ideias são difíceis de se realizar. Você faz uma cidade, ela cresce, vai se degradando, a circulação é ruim...”
FOTO: DIVULGAÇÃO
Brasília e Rio
Brasil, cada um com sua proposta. O que vale é a modéstia, saber que nada é assim tão importante, a vida é um sopro, é um minuto. Não há razão, por exemplo, para achar que quem está lutando, protestando por um mundo melhor é mais importante do que eu com meu trabalho, porque o meu trabalho eu faço com muito empenho, na prancheta o dia inteiro.”
Soberania regional
“No momento eu vejo que é preciso gente com a coragem do Chávez, que quer virar a mesa, fazer da América Latina soberana, sem problemas. O Lula, por exemplo, ele podia estar mais para a esquerda, poderia ser mais radical, mas pelo menos ele não atrapalha, ele concorda que a América Latina precisa de cuidados, que o pobre é pobre, que existe miséria; ele é um operário, de modo que está do lado do povo, isso eu acho importante.”
Arquitetura para todos
“São tantos prédios bem feitos, tantas cidades que crescem bem. Acho que falta à ar-
“Brasília apresenta aspectos bastante positivos, as habitações estão próximas das escolas, próximas do comércio local, de modo que a vida lá é mais organizada. Sabe: eu gosto é do Rio, desta esculhambação, assalto, tudo isso. Mas se você perguntar para qualquer habitante de Brasília, eles não querem sair, eles querem ficar lá, eles gostam.”
Convicções firmes
“Agora o arquiteto tem que ter convicção, medir às vezes uma coisa que ele sabe que é radical demais, que é difícil fazer. Por exemplo: fui a Havre, na França. O prefeito me mostrou o terreno, queria uma praça, eu olhei a área e disse: “Eu queria afundar a praça quatro metros”. Ele me olhou espantado, nunca ninguém havia pedido para afundar uma praça, e uma praça onde havia um teatro. Mas ele rebaixou, e eu tinha razão, pois ela está à beira-mar e eu queria protegê-la dos ventos e do frio. Então a praça foi tombada, e hoje está muito bonita, é conhecida, e elogiada. De modo que nós temos que ter coragem de pedir, e exigir, não é? Caso contrário, não poderemos fazer.” Depoimento prestado a Fernando Leça, na época de sua gestão como presidente do Memorial da América Latina, e a Mário Lima, gerente de Comunicação do Memorial
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ENCONTRO
EM TEMPOS DE
PROFUNDAS MUDANÇAS NIEMEYER, LÚCIO COSTA E CORBUSIER
Marco do Valle
O
encontro de Oscar Niemeyer com a obra e a pessoa de Le Corbusier, em 1936, deu-se em meio a um complexo processo de modernização da arquitetura brasileira, já em curso desde a primeira visita de Le Corbusier ao Brasil. Coincidentemente, nesse mesmo ano de 1929 Oscar Niemeyer matriculava-se na Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro. Segue-se um período de profundas mudanças: com a 18
Casa sem dono, Lucio Costa. COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995.p.89
Casa Schuwartz, Warchavchik e Lucio Costa COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995. p. 77
Revolução de 1930, tomava o poder Getúlio Vargas, criando o Ministério da Educação e Saúde, cujo chefe de gabinete, Rodrigo Mello Franco de Andrade, nomeara em 8 de dezembro de 1930 o arquiteto Lúcio Costa como diretor, com plenos poderes para reformular a Escola Nacional de Belas Artes. A experiência renovadora implantada por Lúcio Costa duraria até setembro de 1931, quando ele foi exonerado do cargo, sob protesto dos estudantes, que iniciaram uma greve.[01] Segawa, p. 79. Ainda em 1931, Lúcio Costa irá associar-se ao arquiteto Gregori Warchavchik, com quem manterá escritório até 1933. Nesse período sabemos que Oscar Niemeyer, a partir do terceiro ano da escola, irá trabalhar no escritório Warchavchik-Lúcio Costa como desenhista. A sociedade de Warchavchik e Lúcio Costa foi prejudicada pela crise econômica de 1929, como
também pela revolução constitucionalista de São Paulo em 1932. Lúcio Costa então terá um escritório com o arquiteto Carlos Leão, no período de 1933 a 1936. Curiosamente, Oscar Niemeyer mantém eclipsado em suas memórias o período de trabalho no escritório de Warchavchik-Lúcio Costa, referindo-se diretamente ao período em que trabalha no escritório de Lúcio Costa-Carlos Leão. Relata Niemeyer: “E apesar das minhas dificuldades financeiras preferi trabalhar, gratuitamente, no escritório do Lúcio Costa e Carlos Leão, onde esperava encontrar respostas para minhas dúvidas de estudante de arquitetura”. [02] Niemeyer, p. 42. Oscar Niemeyer recebeu seu diploma de engenheiro arquiteto na Escola Nacional de Belas Artes em 1934. A partir de 1935, seu primeiro ano de formado, iniciou sua vida profissional,
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ainda nesse mesmo escritório. No mesmo ano, o anteprojeto dos vencedores do concurso da nova sede do Ministério da Educação e Saúde, Archimedes Memória e Francisque Cuchet, que propunham um projeto de ornamentação marajoara, tinha sido preterido por Gustavo Capanema, que, por arbítrio pessoal, decidiu desprezar o resultado do concurso, chamando Lúcio Costa em setembro de 1935 para projetar a nova sede
do ministério. “Lúcio Costa não tomou o encargo apenas para si. Convocou os arquitetos que haviam apresentado anteprojetos modernos no concurso para formarem uma equipe sob sua chefia: Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão e Jorge Moreira. Ernani Vasconcellos reivindicou um lugar por ser assistente de Moreira e Oscar Niemeyer fez o mesmo, pelo lado de Lúcio Costa. Assim organizado o grupo passou a
Casa de Álvaro Osório de ALmeida, Lucio Costa. COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995. p. 103
Clube Esportivo, Oscar Niemeyer. Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal (s/d)
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desenvolver o novo projeto.”[03] Segawa, p. 89. Temos hoje a impressão de que o Ministério da Educação e Saúde foi mais importante do que a Cidade Universitária para o projeto do ministro Gustavo Capanema. No entanto, o principal projeto do Ministério da Cultura e de seu ministro era o projeto da Cidade Universitária, que quase se confundia com o planejamento de seu ministério, segundo Shwartzman. Capanema institui, em 1935, uma comissão e um “escritório do plano da universidade”, ao mesmo tempo em que mantinha a de ideia contratar o arquiteto italiano Marcello Piacentini, autor da Cidade Universitária de Roma, orgulho do regime fascista. Piacentini acaba aceitando vir por um curto período, apesar das insistências de Capanema de que necessitaria de mais tempo. “Chega ao Rio de Janeiro em 13 de agosto de 1935, com a passagem paga pelo governo italiano e um pequeno honorário do governo brasileiro. Retorna no dia 24 do mesmo mês, deixando a promessa de voltar no fim do ano com um auxiliar, quando então pretendia executar os planos completos e as maquetes do grande projeto.”[04]Shuwartzman, p. 97. A essa altura, contudo, uma pequena tempestade já se armava. Uma carta do
Plano urbanístico do Rio, Le Corbursier. PEREIRA, Margareth Campos da Silva; PEREIRA, Romão Veriano da Silva; SILVA, Vasco Pereira da; SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo. Tessela/Projeto, 1987. p.94
Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro ao ministro estranhava o convite ao arquiteto italiano, lembrando o decreto de 1933, que vedava aos estrangeiros o exercício de profissões liberais no país. “Lúcio Costa, consultado a respeito de Piacentini por Capanema, emitiu um parecer contrário à atribuição do projeto ao arquiteto italiano, submetendo à apreciação do ministro o nome de Le Corbusier como contrapartida. Gustavo Capanema acolheu a sugestão e tomou as providências para trazê-lo ao Brasil. O convite a Le Corbusier para uma série de conferências no Rio de Janeiro foi um álibi para que o arquiteto franco-suíço viesse para uma consultoria sobre o projeto da sede do MES e da Cidade Universitária do Brasil (CUB), sem afrontar diretamente a legislação que vedava o exercício profissional de estrangeiros no país.”[05] Segawa, p. 90. O encontro físico da equipe brasileira de arquitetos com Le Corbusier, em sua segunda viagem ao Brasil, é relatado por Carlos Leão, em uma entrevista de junho de 1981: “A 13 de julho de
1936, todos os arquitetos do projeto do Ministério se acotovelavam no hangar do Zeppelin, situado a quarenta e cinco quilômetros do centro do Rio de Janeiro. A péssima aterrissagem do engenho preocupou os arquitetos, mas Le Corbusier foi o primeiro a descer e imediatamente pôs os arquitetos a trabalhar.”[06] Harris, p. 80. Lúcio Costa, neste primeiro encontro com Le Corbusier, tem a missão de informá-lo corretamente sobre seu papel e sobre quem realmente o havia convidado. Niemeyer relata em suas memórias o seu primeiro encontro descrevendo Le Corbusier: “Mas o primeiro contato que tivemos foi em 1936 no Rio, quando, pressionado pelo Lúcio, Gustavo Capanema, ex-ministro da Educação, resolveu convocá-lo para uma série de palestras. Tarefa que, revoltado contra a incompreensão que o cercava profissionalmente, aflito para demonstrar seu talento, Le Corbusier converteu logo em dois novos trabalhos, a sede do Ministério da Educação e Saúde e a Universidade de Mangueira. Naquela época ainda caminhávamos na periferia da sua arquitetura. Tínhamos lido sua obra excepcional como sa-
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Projeto da Argélia, projeto urbanístico de Le Corbusier. BOESIGER, Willy. Le Corbusier 1910-1965. Barcelona, Gustavo Gili, 1971. p.328
grado catecismo, mas ainda não estávamos, como se verificou, integrados nos seus segredos e minúcias”. [07] Niemeyer, p. 90. É significativo lembrar que este primeiro encontro de Niemeyer com Le Corbusier não foi um encontro direto, mas intermediado por Lúcio Costa. Niemeyer já havia publicado seu primeiro projeto, “Clube Esportivo”, realizado no último ano da Escola Nacional de Belas Artes em 1934, o qual está ligado às experiências modernas de Lúcio Costa, especialmente o projeto da Casa de Osório de Almeida. Quando foi perguntado a Lúcio Costa se Le Corbusier achava Niemeyer um jovem promissor, respondeu afirmando a condição de Oscar Niemeyer como um tímido desenhista talentoso e aprendiz interessado. Havia uma diferença substancial entre a trajetória percorrida por Lúcio e Oscar no período que separa a primeira da segunda visita de Le Corbusier. Lúcio vivia um momento em que, apoiado por sua equipe, tinha amadurecido seus conhecimentos e estudado a arquitetura internacional no período anterior. À frente de uma equipe de arquitetos modernos, já havia concluído o projeto do Mesp - Ministério da Educação e Saúde Pública. Esse desenvolvimento pessoal não foi fácil para o arquiteto, mas revelou-se fundamental para os caminhos da arquitetura brasileira, pois o caminho da modernização de nossa arquitetura e a escolha pelo “modernismo” de Le Corbusier e dos Ciams - Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna- foram cristalizados a partir deste segundo encontro. Abandonou o “Neocolonial” em 30 por descontentamento e chegou ao segundo encontro, conforme Katinsky: “Eis por que consideramos o
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encontro do arquiteto Lúcio Costa com a obra e a pessoa de Le Corbusier como a identificação de problemas comuns e posturas éticas comuns, encontro de artistas maduros e não de discípulo canhestro e mestre inquestionável, antes descoberta de uma “co-naturalidade”, como dizem os pensadores medievais. E sua defesa intransigente do grande mestre franco-suíço, além de ser uma questão de elementar justiça, não deve obscurecer o fato de que sua aceitação das teorizações de Le Corbusier nunca foi cega.” [08] Katinsky, p. 22-23. Das qualidades e do amadurecimento de Lúcio Costa parece ter dependido o sucesso do processo e a forma como os arquitetos brasileiros se encontraram com Le Corbusier e com ele se relacionam a partir de então, dando uma direção ao futuro da arquitetura brasileira. Niemeyer partirá definitivamente para a compreensão da arquitetura corbusiena. Quem era Le Corbusier em sua segunda viagem ao Brasil? - “Os primeiros cinco anos da década de 30 foram de intensa atividade. Com a Ville Savoye já em obras, Le Corbusier partiu para a planificação do Pavilhão Suíço, dos prédios de apartamentos Immeubles em Paris e de duas residências de fim-de-semana. A esse tempo, começava a integrar materiais texturizados à sua arquitetura, contrastando superfícies polidas e brilhantes.” [09] Harris, p. 38. Outra maneira de ver essa produção é considerá-la pequena e não patrocinada pelo Poder Público, comparando-a com o conhecimento teórico do arquiteto. “A Le Corbusier, suíço de nascimento e formado por pequena faculdade em sua região natal, nada mais restava senão pequenas encomendas de amigos intelectuais – residências de veraneio ou ateliers, no campo ou arredores de
Paris. Até 1936, ano de sua vinda para ser consultor do plano da sede do Mesp, Le Corbusier havia construído, além de oito projetos na Suíça – dos quais cinco em sua pequena cidade natal –, doze residências em Paris e subúrbio parisiense, uma residência e o conjunto de Péssac no interior francês.”[10] Cavalcanti, p.71. O que importava é que até 1936 Le Corbusier já havia produzido todo um sistema arquitetônico e urbanístico. “Depois de 1933, o urbanismo ganhou precedência em Le Corbusier, embora planos e mais planos fossem rejeitados. Os projetos da Argélia ocuparam Le Corbusier de 1931 a 1942, e seus outros planos de renovação urbana tiveram o ponto de partida na reunião do CIAM, em 1933, que produziu a “Carta de Atenas”.[11] Harris, p. 39. Os desdobramentos entre os projetos realizados no período anterior à chegada de Le Corbusier, em sua presença e posteriormente à sua partida formam um conjunto de projetos em que fica explícito tanto o aprendizado do repertório corbusieano como as novas questões suscitadas para uma arquitetura moderna brasileira. Foram muitos os projetos desenvolvidos: 1. O projeto para o MESP, desenvolvido antes da chegada de
MESP.LISSOVSKY, Maurício e MORAES DE SÁ, Paulo Sérgio. Colunas da Educação: a construção do Ministério da Educação e Saúde (1935-1945). Rio de Janeiro: MinC/IPHAN/FGV/CPDOC, 1996. p.155
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Le Corbusier pela equipe brasileira, posteriormente denominado de “Múmia”. 2. O projeto de Le Corbusier do MESP, para a Praia de Santa Luzia. 3. O projeto de Corbusier para o espaço previsto no Castelo. 4. O projeto da equipe brasileira posterior à partida do mestre Corbusier, o qual foi construído. 5. O projeto de Le Corbusier para a Cidade Universitária do Brasil. Por fim, 6. O projeto de Lúcio Costa para a Cidade Universitária do Brasil. Ao analisar detalhadamente, em nosso interesse, cada um dos projetos realizados com a presença de Le Corbusier no Brasil em 1936, as reformulações destes pelas equipes brasileiras, podemos perceber um conjunto de repertórios e procedimentos que estarão presentes nos desdobramentos de cada um desses arquitetos. Salientamos especialmente os repertórios de Lúcio Costa e de Niemeyer, este extremamente marcado pelos procedimentos formais da arquitetura corbusieana: 1. O conceito de “leveza de nossa arquitetura”, comparada à de Le Corbusier, determinado pela duplicação do pé-direito e por diferentes diâmetros dos pilotis, resultado de parceria entre Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. 2. A incorporação à arquitetura de Niemeyer das pesquisas técnicas sobre o concreto armado, desenvolvido inicialmente junto ao engenheiro Emílio Baumgart, um dos pioneiros brasileiros da vanguarda internacional dessa técnica. 3. A utilização do “pano de vidro” e do brise-soleil. 4. O “volume trapezoidal” do auditório e sua interpenetração com o corpo do salão de exposições do Mesp serão um procedimento recorrente na obra de Niemeyer. 5. Os azulejos portugueses serão sempre utilizados em sua obra, como também as referências às “palmeiras”, imperiais ou não. 6. As formas cubistas referentes à maquinaria e “transatlânticos” de Le Corbusier estão presentes de maneira ambígua no Mesp, pois os volumes do último piso podem ser
lidos como transatlânticos “Capanemaru”, mas os do térreo são referências diretas às formas biomórficas de Hans Arp (1888-1966). 7. A praça da CUB, projetada por Lúcio Costa e desenhada por Niemeyer, formando grandes perspectivas influencia os grandes eixos visuais sobre Niemeyer e os eixos fenomênicos de Lúcio Costa. 8. A praça da CUB de Lúcio Costa, com o edifício da reitoria, consideramos uma referência indiscutível ao Congresso Nacional de 1958, incluindo a “cúpula do planetário”. 9. O auditório da Aula Magna da CUB de Lúcio Costa será uma referência direta ao Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943). 10. A “espiral de ângulos retos” do Museu do Conhecimento (1936) da CUB, de Le Corbusier, não foram incorporados ao repertório de Niemeyer a não ser com “espiral em curvas” na pequena Capela do Palácio do Alvorada (1957). Nestes pontos elencados notamos as diferenças dessa filiação, que se encontram na reinvenção e criação de novas concepções conceituais e formais. No caso de Niemeyer, estão acrescidas de um procedimento de redesenho e invenção formando um repertório próprio. Quando se perguntou a Lúcio Costa se a estadia de Le Corbusier no Brasil teria trazido algum benefício para ele mesmo, respondeu: “Bem, com aquela sensibilidade terrível dele, em qualquer país que fosse, sempre absorvia alguma coisa. A riqueza dele era exatamente essa – era sensível ao regionalismo e era cosmopolita ao mesmo tempo. De modo que era uma pessoa muito rica”.[12] Costa, p. 146.
Bibliografia
08. KATINSKY, Julio R. In GOROVITZ, Matheus. 1993. Os Riscos do Projeto: Contribuição à Análise do Juízo Estético na Arquitetura. São Paulo/Brasília, Studio Nobel/ Editora Universidade de Brasília, p. 22-23. 09. HARRIS, Elizabeth Davis. 1987. Le Corbusier: Riscos Brasileiros. Trad. Gilson César Cardoso de Sousa e Antonio de Pádua Danesi. São Paulo, Nobel, p. 38. 10. CAVALCANTI, Lauro. Preocupações do Belo. Editora Taurus: Rio de Janeiro, 1995, p. 71. 11. HARRIS, Elizabeth Davis. 1987. Le Corbusier: Riscos Brasileiros. Trad. Gilson César Cardoso de Sousa e Antonio de Pádua Danesi. São Paulo, Nobel, p. 39. 12. COSTA, Lúcio. 1987. “Presença de Le Corbusier”, in Lúcio Costa: Registro de Uma Vivência. Ibidem, p. 146.
01. SEGAWA, Hugo. Arquitetura no Brasil 1900-1990. Editora da Universidade de São Paulo: São Paulo, 1997, p. 79. 02. NIEMEYER, Oscar. As Curvas do Tempo Memórias/Oscar Niemeyer. Editora Revan: Rio de Janeiro, 1998, p. 42. 03. SEGAWA, Hugo. Idem, ibidem, p. 89. 04. SHUWARTZMAN, Simon; BOMNEY, Maria Bousquet; e COSTA, Maria Ribeiro. Idem, ibidem, p. 97. 05. SEGAWA, Hugo. Idem, ibidem, p. 90. 06. HARRIS, Elizabeth Davis. 1987. Le Corbusier: Riscos Brasileiros. Trad. Gilson César Cardoso de Sousa e Antonio de Pádua Danesi. São Paulo, Nobel, p. 80. 07. NIEMEYER, Oscar. As Curvas do Tempo Memórias/Oscar Niemeyer. Editora Revan; Rio de Janeiro, 1998, p. 90.
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Marco Valle é artista plástico, arquiteto pela FAU/ USP, mestre em artes pela ECA/USP, doutor em arquitetura pela FAU/USP com a tese Desenvolvimento da forma e procedimentos de projeto na arquitetura de Oscar Niemeyer (1935-1998) e professor e pesquisador em artes e arquitetura no Instituto de Artes da Unicamp.
LINGUAGEM
SURPRESA, NOVIDADE, INVENÇÃO MONUMENTALIDADE & PROGRAMA
Maria Isabel Imbronito
A
arquitetura de Oscar Niemeyer é frequentemente associada às palavras surpresa, novidade, invenção. O arquiteto comumente confirma a preocupação em desvincular de sua arquitetura características que nos remetem aos edifícios que conhecemos, de romper com a linguagem sedimentada em nossa memória, e propor algo novo. 25
Congresso nacional, 1957 - Croqui. Fonte: CORONA, 2001:751
Essa característica da obra de Oscar Niemeyer é evidente. Sua consagração advém do pleno acerto do traço, da força calculada da forma, carregada de uma sabedoria que se traduz em algo que chamaríamos de belo. Entretanto, o fato de serem suas obras de tal modo impactantes e belas tende a ofuscar ensinamentos simples e preciosos sobre arquitetura. Muito além da surpresa que possam causar por sua concisão e abstração, Oscar Niemeyer projeta edifícios. Desse ponto de vista, a materialidade da construção está contemplada, bem como a relação entre forma, programa e estrutura. No conjunto arquitetônico da Pampulha, projetado na primeira metade da década de 40, os edifícios em volta da lagoa surgem como uma profusão de formas e combinações de materiais que inundam os sentidos. Essa exuberância permite, ainda neste momento, revelar a materialidade da construção tal como a conhecemos. Ou seja, os materiais utilizados como revestimentos estabelecem uma ligação entre as formas recém apresentadas ao nosso imaginário e o ambiente construído que nos era familiar. De modo não menos importante, participam
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dessa percepção elementos do ambiente natural: céu, água, ar, vegetação, e também as obras de arte aplicadas à arquitetura, que guardam certa relação com a figuração. A revisão crítica pela qual passa Oscar Niemeyer a partir da segunda metade dos anos 50 termina por destituir de suas obras os tratamentos superficiais abundantes e a profusão de formas combinadas, na tentativa de evidenciar a ideia fundamental de cada projeto. Conforme escreve em seu texto intitulado Depoimento, de 1958: “(...) passaram a me interressar as soluções compactas, simples, geométricas; os problemas de hierarquia e de caráter arquitetônico; as conveniências de unidade e harmonia entre os edifícios e, ainda, que estes não mais se exprimam por seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, devidamente integrada na concepção plástica original.” Se, por um lado, perde-se a exaltação dos sentidos, proporcionada por granitos, cerâmicas, madeiras, e a alegria que estes espaços proporcionam, Oscar Niemeyer passa a buscar em seus projetos a forma concisa, que atenda a dimensão monumental e simbólica que
FOTO:NELSON KON
advém do enfrentamento da questão do “caráter” arquitetônico a que o arquiteto se refere. Nos projetos que seguem essas diretrizes, sob a força do traço original, apresenta-se uma estratégia de hierarquia das formas e de acerto dos programas, com disposições que exaltam alguma parte do programa em detrimento de outras, preservando em programas complexos a boa solução das plantas e implantações. Isto pode ocorrer dentro de um mesmo projeto, na complementaridade do embasamento com a forma principal em destaque, mas também na articulação de diferentes volumes que compõem um conjunto arquitetônico maior. É justamente essa hierarquia clara que permite preservar a forma pura e garante a limpeza das plantas, ao mesmo tempo em que o aspecto funcional dos edifícios é atendido de modo muito eficiente. Um exemplo adequado para ilustrar esse procedimento é o edifício para o CongressosNacional de Brasília, de 1958. O edifício está disposto sob uma plataforma, cujo piso é uma praça de onde emergem duas calotas. Contido na base do volume/plataforma, o edifício é implantado em cota rebaixada com
relação às vias laterais e, assim, discretamente eliminado das visuais, graças ao trabalho de terrapleno que estabelece a laje da praça e suas cúpulas em nível com a Esplanada dos Ministérios. A leitura da planta do nível sob a praça revela a articulação entre as Câmaras dos Deputados e Senadores. A planta tem uma gênese muito simples: um hall central, uma Câmara de cada lado, e uma galeria generosa de circulação ao fundo, que conecta tudo. As calotas que emergem da laje, acima, não são assimiladas como algo que possa abrigar um programa, mas como elementos totalmente abstratos e repletos de significados, o que exprime bem a preocupação de Niemeyer com as questões de “caráter arquitetônico” a que o arquiteto se referiu em seu Depoimento. Essas soluções de projeto, nas quais o embasamento permite o funcionamento de edifícios que afloram puros, são aplicadas por Oscar Niemeyer em inúmeras circunstâncias, de objetos arquitetônicos mais simples até programas mais complexos. No Centro Cultural que ocupa uma quadra em Le Havre (1972), o embasamento toma a forma da praça desenhada em dois níveis. A parte renrebaixa-
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FOTOS: REVISTA MÓDULO - 1975
Sede do Partido Comunista Francês.
da da quadra permite acesso no nível inferior aos dois troncos de edifícios, que emergem em meio às formas sinuosas da praça, e que abrigam o teatro e o auditório em um volume, e a sala polivalente em outro. Questões de acessos secundários, de carga, são resolvidos de modo direto e independente pela simples duplicação do nível de piso da praça. O arquiteto atinge um projeto de pronunciada expressão, que é obtida com pleno domínio da forma associada à simplicidade das organizações em corte e planta, que comovem por sua obviedade e clareza. Nos projetos de Niemeyer caracterizados por um único volume puro e de perfil contínuo, muitas vezes consequência da extrusão radial do corte, o forte elemento arquitetônico obtido não é imediatamente assimilado como abrigo de um programa possível. Esses projetos frequentemente recorrem a um embasamento generoso para conter os
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usos incompatíveis com o desenho do objeto uniforme que se pronuncia, e que exercem também o papel de desenhar os percursos de chegada e contemplação e construir o afastamento necessário para a apreensão do objeto arquitetônico na paisagem. Poderíamos mencionar como exemplares notáveis o Museu de Niterói e a própria Catedral de Brasília. Programas mais extensos permitem melhor análise do enfrentamento dos problemas de hierarquia das formas, que passa a ocupar Oscar Niemeyer conforme sua citação em Depoimento. Além da separação e distinção embasamento/objeto aflorado, na qual o embasamento tem papel menor na composição, surge o problema de hierarquia entre elementos distintos. Alguns projetos que trazem essa situação são a Sede do Partido Comunista Francês (1965) e a Bolsa do Trabalho de Bobigny (1972). Em ambos, nota-se a existência de uma grande área compartimentada para
uso de escritórios, além da presença de um plenário/auditório, tratado como espaço de exceção. O volume construído que acomoda a área compartimentada do programa assume expressão neutra e funciona como pano de fundo ao elemento escultórico, cujo interior abriga o espaço extraordinário, com grande efeito de contraste. O embasamento continua a exercer o papel fundamental de articulação entre os volumes, construindo a relação entre o edifício e o entorno ou paisagem e definindo os acessos e os itinerários, que podem assumir ar solene ou conduzir a fruição do usuário. Por meio do redesenho de uma porção do terreno, Oscar Niemeyer promove passeios arquiteturais, construindo tanto a aproximação ao edifício quanto o afastamento necessário à apreensão da própria arquitetura.
Bibliografia: CORONA, Eduardo. Oscar Niemeyer: uma lição de arquitetura. Apontamentos de uma aula que perdura há 60 anos. São Paulo: FUPAM, 2001. NIEMEYER, Oscar. Meu sósia e eu. Rio de Janeiro: Revan, 1999 (2ª ed.). Revista AU. Arquitetura e Urbanismo, n.15, dez 1987 / jan 1988. Revista Módulo n.43, jun/jul/ago 1976.
Nota:
NIEMEYER, Oscar. Depoimento. Rio de Janeiro: Módulo, pp.3-6, 1958.
Maria Isabel Imbronito, arquiteta, mestre e doutoranda pela FAU-USP.
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Bolsa do Trabalho, Bobigny.
ESTÉTICA
PLENO USO DA
FORMA LIVRE ALGUNS PROJETOS DAS DUAS ÚLTIMAS DÉCADAS
Lauro Cavalcanti
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FOTO: NELSON KON
O
scar Niemeyer pertence à segunda geração moderna do século XX. Nascido em 1907, no Rio de Janeiro, foi o primeiro arquiteto a antever o esgotamento do princípio racionalista de que a forma deveria estar subordinada à função. Nos projetos que realiza para o Conjunto da Pampulha, em 1942 e 1943, introduz curvas e formas escultóricas. A forma livre se transforma no principal elemento de uma obra que amalgama arquitetura, arte, tecnologia e paisagismo, explorando o uso ilimitado das potencialidades plásticas e estruturais do concreto armado.
Interior da Oca, Ibirapuera, S達o Paulo
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baixa renda, tomada como um dos objetos principais dos modernistas no sentido de fornecer uma justificativa ética ao movimento que abolira ornamentos não apenas por motivos estéticos mas para permitir resolver, em grande escala, o problema da morada popular. De acordo com Le Corbusier, todos os programas de construções do século vinte estavam nas mãos dos engenheiros, exceto aquele relativo à casa popular. Propunha que os arquitetos a elegessem como o objeto principal e justificativa ética de sua atuação profissional. Comunista, Niemeyer sempre se recusou a adotar o tema da habitação popular como carro-chefe e justificativa do movimento moderno. A casa deveria ser uma só
FOTO: LUIZ CLAUDIO LACERDA/ROGÉRIO RANDOLPH/360º
O arquiteto brasileiro apontou rumos alternativos à burocracia estética que rondava o modernismo por meio de uma linguagem pessoal que confrontou o racionalismo do interior do próprio movimento moderno, e demonstrando novas possibilidades de o modernismo lidar com formas provenientes da estreita relação entre arquitetura e estrutura. De 1984 a 2007, a importância, a qualidade e a distribuição geográfica de suas obras notabilizariam qualquer jovem arquiteto que as realizasse. No caso de Niemeyer reforçam a sua brilhante trajetória reafirmando princípios e apostando na ousadia, liberdade e saber tecnológico. Foram 187 projetos concebidos e 65 realizados, entre os quais os Centros Integrados de Educação Popular (Cieps, Estado do Rio, 1984), o Panteão Tancredo Neves (Brasília, 1984), o Espaço Lucio Costa (Brasília, 1992), o Conjunto do Memorial da América Latina (São Paulo, 19881989), o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (1993-1996), o Museu de Curitiba (Paraná, 1963-2003) o Centro Administrativo do Governo de Minas (2003) e o Caminho Niemeyer em Niterói (1999-2004). Em 1984 o Brasil fervilhava com a campanha pelas Diretas Já que tomara a rua das principais capitais e terminou em mega-comício na Candelária, Rio de Janeiro, reunindo no palanque impressionante arco de oposicionistas e no asfalto mais de um milhão de pessoas. No ano anterior, novos governadores haviam assumido por meio do voto popular e Niemeyer retornara definitivamente ao país, após longo período de exílio na França, idas e vindas ao Brasil e atividades intensas em vários países da Europa e África do Norte. Em 1983 realiza a primeira grande exposição de seu trabalho no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e inaugura a Passarela do Samba. Entusiasmado com a nova situação do país e, particularmente, com a ação de seu amigo Darcy Ribeiro, vice-governador da gestão de Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro, Niemeyer produz o projeto-símbolo daquele governo: os centros integrados de educação –Cieps-, popularmente conhecidos como “Brizolões”. As escolas de educação integral almejavam apoiar integralmente o aluno. De manhã aulas, à tarde estudo, atividades físicas, culturais e atendimento médico. Era igualmente esperado que o novo espaço introduzisse novos hábitos e aumentasse a auto-estima do estudante. O projeto do Ciep foi a primeira experiência do arquiteto em padronização de arquitetura. A questão da reprodutibilidade está intimamente ligada a programas populares e à habitação de
para ricos e pobres, não devendo a morada popular constituir em um programa específico. Pensava, ainda que a justiça devia ser obtida por meio de lutas sociais e jamais na “simplificação” das formas para obter obras baratas. Argumentava que, desse modo, não se conseguiria resolver o problema estrutural da sociedade capitalista, ao mesmo tempo que se criaria um novo impedimento e limitação para o exercício da inventividade criativa. Niemeyer fazia, contudo, a ressalva que somente em regime socialista se justificaria a adoção de métodos padronizadores. Coerente, acreditando na proposta social de Darcy Ribeiro, concebeu um projeto cujos módulos eram produzidos em
usinas que adquiriram a alcunha de “Fábricas de Escolas”. Naquelas escolas procurou conceber a arquitetura indissociável da estrutura que as caracterizasse, de modo a destacá-las dos prédios vizinhos. Com a palavra Niemeyer: “Construídos também junto a favelas, os Cieps vieram corrigir o equívoco que sempre existiu entre nós: manter nas construções próximas a essas áreas uma arquitetura mais modesta, como que acompanhando a pobreza que as caracteriza. Lembro os mais reacionários a dizerem que eram caros demais, sem perceber que as crianças nas favelas entravam neles orgulhosas, como se isso constituísse o começo de uma vida melhor.”
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Caminho Niemeyer, Niterói.
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destinado a exposições, apresentava uma estrutura mais convencional. Enorme praça cívica foi dotada da primeira escultura ao ar livre do arquiteto: mão aberta com sete metros de altura e chaga aberta representando a América Latina. Infelizmente, a esperada revitalização da região ainda não ocorreu. Esse fato, somado ao uso tímido de seus espaços, fez com que o projeto não tenha sido, ainda, aproveitado em toda sua potencialidade. Em 1996 é inaugurado o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, situado em promontório elevado com magnífica vista da Baía de Guanabara, das montanhas e da cidade do Rio de Janeiro. Um apoio central libera a construção do solo, que dele brota como um elemento natural, permitindo uma continuidade visual entre arquitetura e paisagem. Rampa escultural conduz à entrada no segundo pavimento, fazendo com que o visitante realize um percurso em espiral no qual se alternam , em todos os ângulos, o museu e a estupenda vista. Obra de afirmação do homem e integração com a natureza, um espelho d´água em sua base ecoa as águas da Baía de Guanabara, enquanto o seu perfil exibe o mesmo ângulo do distante Pão de Açúcar . O Museu se transformou em verdadeiro fenômeno de visitação e suas formas foram adotadas como símbolo da cidade de Niterói. Poucas vezes uma cidade madura se identificou tanto com um arquiteto: encontra-se em vias de
FOTO: ACERVO RODRIGO QUEIROZ
Museu de Arte Contemporânea, Niterói.
O Memorial da América Latina se originou do desejo do então governador Orestes Quércia de situar em São Paulo o mais importante centro cultural do continente latino-americano. Darcy Ribeiro foi encarregado de elaborar o programa que consistia eme seis prédios espalhados em duas praças unidas por uma passarela: uma Biblioteca, Restaurante, Salão de Atos, Auditório, Pavilhão da Criatividade e Centro de Estudos. Os dois terrenos situavam-se no bairro de Barra Funda, com área total de 90.000 metros quadrados, não distante da atual estação do metrô. Pretendia-se com o projeto fazer uma ilha arquitetônica que, com suas formas alvas e arrojadas, ajudasse a reabilitar a região cinza e triste, com tráfego pesado e desestruturado tecido urbano. O arquiteto, por outro lado, viu ali a primeira oportunidade de aplicar em seu país os avanços tecnológicos utilizados na década anterior no projeto da Universidade de Constantine, em Alger. Em colaboração com o engenheiro José Carlos Sussekind, dotou os edifícios de estruturas ousadas, com destaque para a biblioteca na qual os dois apoios estão fora do prédio, unidos por uma viga de 90 metros e o interior totalmente livre. A unidade do conjunto foi garantida pelo uso de grandes superfícies curvas, pintadas de branco. O Auditório com três abóbodas constituía, de certo modo, uma releitura das curvas utilizadas na Igreja da Pampulha. Apenas o Pavilhão da Criatividade,
30 metros de largura. Ancora-se em base de concreto que abriga os elevadores e escadas internas. Rampas suaves de acesso, ao ar livre, completam a composição, dentro do vocabulário inconfundível do criador de Brasília. Niemeyer concebeu uma rampa que propiciava um passeio arquitetônico e conduzia ao prédio em estrutura metálica branca, suspenso um metro do solo para obter mais leveza. A cobertura, a um só tempo simples e engenhosa, cobria e definia os espaços, com uma liberdade plástica que assinala a marca do arquiteto. O espaço interno apresentava, abaixo do nível do chão, uma caixa de concreto e vidro destinada a exposições. O minimalismo e a leveza da estrutura obedeciam aos princípios de Niemeyer de que todo projeto deve poder ser resumido em pequeno “croquis” e que, uma vez terminado o esqueleto de apoio, a sua arquitetura deva estar pronta. Foi enorme a repercussão do projeto e o arquiteto brasileiro foi saudado pela imprensa londrina como o “Picasso da Arquitetura”. Um auditório para 850 pessoas completou em 2005 o conjunto original do Ibirapuera, originalmente concebido nos anos 1950. O palco foi disposto na extremidade da construção, de modo a também servir para espetáculos ao ar livre e decuplicar o número de espectadores. A sua elegante forma piramidal provoca um interessante contraste
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Museu Oscar Niemeyer, Curitiba
FOTO: MÁRIO CASTELLO
conclusão o Caminho Niemeyer. Consiste em uma grande praça junto ao mar, um teatro, um centro de convenções, um memorial, a sede da Fundação Oscar Niemeyer, uma catedral e um templo evangélico. O conjunto se espalha pela margem da Baía de Guanabara, entre o centro de Niterói e o Museu de Arte Contemporânea. Apesar de entrecortado por prédios já existentes de grande escala, o conjunto se impõe na trama urbana pela unidade, alvura, leveza e radicalidade de suas estruturas. A catedral é a preferida de Niemeyer: “A minha ideia era criar uma grande cúpula de concreto, solta no ar, com diâmetro de 40 metros. Embaixo seria a nave. E fiquei a imaginar como deveria mantê-la na posição desejada. A solução que encontrei é tão simples e arrojada –três apoios apenas- que com ela, desculpem-me a imodéstia, transformei uma cúpula na mais bela e original cateral que desenhei.” Merece destaque, ainda, em Niterói, a recém-inaugurada Estação de Barcas no bairro de Charitas. Elegante ponte coberta conduz os passageiros à estação circular sob a proteção de delgada marquise curva. Em 2002 foi inaugurado, em Curitiba, o Museu Oscar Niemeyer. Era um prédio de sua autoria, construído há 40 anos, com vãos de 30 e 60 metros, fachadas cegas e iluminação zenital. Niemeyer adicionou um grande salão, de forma elíptica, solto no ar, com 70 metros de comprimento e
FOTO: MÁRIO CASTELLO
Museu Oscar Niemeyer, Curitiba
com a cúpula da Oca e a curva da grande marquise do parque. Lástima o serviço de patrimônio paulista haver se oposto à edificação de um caminho coberto que integraria os prédios da Oca e do Auditório ao sinuoso caminho coberto. Se realizada, essa extensão da marquise preservaria a unidade do conjunto e a concepção original do projeto de 1951. O eixo monumental de Brasilia estava incompleto. A capital não possuía um museu nacional. Em 1999 Niemeyer projetou seu complemento: o Setor Cultural. Do lado sul, o museu e a biblioteca ligados por galeria subterrânea ao centro musical, cinemas e planetário, situados na face norte. Foram inaugurados em dezembro de 2006 o Museu e a sede brasiliense da Biblioteca Nacional. O vão de 80 metros da cúpula do museu, a circulação por meio de rampas externas e o sinuoso mezanino sustentado por cabos que pendem da abóboda, reafirmam a possibilidade de ousadia estrutural e capacidade de inovação tecnológica e formal no Brasil. Oscar Niemeyer trabalhou, no início de sua carreira, durante dois anos no Instituto do Patrimônio. No que toca à sua arquitetura, contudo, a tradição é um ponto de partida, jamais um objetivo ou ponto de chegada. O compromisso do arquiteto sempre foi o da construção de uma identidade cosmopolita brasileira. Prefere usar a história como filiação à sua linha evolutiva, em invés de absorvê-la como compromisso limitador. Niemeyer busca fazer hoje o passado de amanhã. Fiel a seus princípios materialistas-dialéticos, a sua preo-
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cupação fundamental é com a técnica enquanto elemento da ciência para conduzir ao progresso. Busca, todavia, associá-la a uma visão poética e não mecanicista do homem. Nesse sentido, a arquitetura é a criação de um momento único que deve surpreender e emocionar. Como possibilidade poética a arquitetura inaugura o momento e reinstala a humanidade na percepção de cada um . A obra de Oscar Niemeyer é uma celebração do saber tecnológico humano que propicia gestos de transcendência do cotidiano. Não lhe bastariam soluções corretas e racionais pois elas não sensibilizariam o usuário. A emoção visual é, ao lado do testemunho criativo do tempo presente, a maior função de sua arquitetura que instaura, hoje, a tradição de amanhã. Lauro Cavalcanti é arquiteto e doutor em Antropologia Social. Autor de vários livros e artigos sobre o Modernismo na Arte, na Arquitetura e na Sociedade. Professor da Escola Superior em Desenho Industrial da UERJ e diretor do Paço Imperial/ IPHAN.
Bibliografia
CORBUSIER, Le – La Maison des Hommes. Paris. Éditions Gonthier, 1942 CAVALCANTI, Lauro- Quando o Brasil era Moderno: Guia de Arquitetura 1928-1960Rio de Jjaneiro, Editora Aeroplano, 2001. Niemeyer, Oscar - Oscar Niemeyer: Minha Arquitetura 1937-2004.
PRIVILÉGIO
A BELEZA NA SÍNTESE AUDITÓRIO SIMÓN BOLÍVAR SOLUÇÕES COMPLEXAS E MARCANTES
Fernando Frank Cabral
A
cidade de São Paulo tem o privilégio de ser, talvez, depois de Brasília, a cidade com maior número de obras do arquiteto Oscar Niemeyer. O Edifício Copan e o Parque do Ibirapuera com a marquise e os edifícios como a Bienal e a Oca tornaram-se símbolos da cidade. Outras obras são menos conhecidas, ou menos reconhecidas, como a Galeria Califórnia e os edifícios Triângulo, Montreal e Eiffel. 37
Dessa série de obras importantes da arquitetura brasileira, o conjunto de seis edifícios iniciais do Memorial da América Latina, inaugurados em 1989, configura um dos conjuntos arquitetônicos mais marcantes não só da cidade como da obra de Oscar Niemeyer. E o Auditório Simon Bolívar é talvez um dos de seus projetos mais completos e bonitos. O Memorial da América Latina está implantado na Barra Funda, em terreno com lençol freático raso, o que dificultou, pelo custo elevado, o rebaixamento da avenida que o corta no sentido longitudinal. Assim, o conjunto ficou dividido em duas partes: de um lado, com acesso direto à estação de metrô, estão a Biblioteca, o antigo Restaurante (atual Galeria Marta Traba) e o Salão de Atos, que formam a Praça Cívica, com piso inteiramente pavimentado, sem árvores e sem jardins, destinada às manifestações populares. Do outro lado da avenida, ligados por meio de uma passarela elevada estão os edifícios da Administração, o Pavilhão da Criatividade e o Auditório. Posteriormente foi acrescentado o edifício do Parlamento Latino Americano, também projeto de Oscar Niemeyer. A volumetria dos principais edifícios do Memorial da América Latina é resolvida basicamente por meio de grandes superfícies de concreto e vidro com contrapontos verticais bem marcados. É uma arquitetura sem filigranas, econômica de desenho, com uma cor para o vidro, uma cor para as estruturas de concreto e uma cor para a praça pavimentada, que não tem desenho no piso para não somar nenhuma linha ao conjunto construído. Os edifícios, quando vistos à média distância não apresentam nenhum detalhe. Como todo artista, Oscar Niemeyer, no decorrer de sua carreira, desenvolveu várias linguagens. Algumas delas foram por ele retomadas em diversas ocasiões, reelaboradas em função de novas necessidades, técnicas e contextos urbanos. Alguns edifícios do Memorial da América Latina são exemplos destas retomadas, recorrentes na sua obra. No Salão de Atos, na Biblioteca e no Auditório Simon Bolívar, Oscar Niemeyer volta ao partido espacial da Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha de 1940, já anteriormente retomado, em 1968, no edifício do auditório da Universidade de Constantini na Argélia: abóbadas de concreto que, a partir do solo, criam os espaços que o programa requer. O Salão de Atos tem uma só abóbada: com um programa simples, um espaço para atos
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políticos e culturais, que também abriga o painel Tiradentes de Cândido Portinari. É o foco da Praça Cívica. Sua entrada é marcada pelas altas colunas interligadas pela grande viga e o parlatório colocado no espelho dágua. A Biblioteca é formada por duas abóbadas apoiadas em uma viga central. É também um edifício com programa relativamente simples, resolvido com a mesma leveza e graça da Igreja da Pampulha. O Auditório Simon Bolívar é o maior e o mais complexo edifício do conjunto. Primeiro, pelos grandes espaços necessários para abrigar as diversas atividades previstas no programa. Depois, pela complexidade dos acessos e das circulações internas decorrentes dessa diversidade. O edifício tem duas plateias, com 1600 poltronas, para apresentação de música, de dança e para realização de congressos e convenções. Seus espaços principais – foyer, platéias e palco – são criados por meio de três abóbadas sucessivas de concreto, duas delas apoiadas numa grande viga, também de concreto. Sem possibilidade de rebaixar o palco, solução adotada por Oscar Niemeyer no Teatro Nacional de Brasília, por exemplo, a solução espacial e ao mesmo tempo estrutural das abóbadas sucessivas permitiu a criação de um amplo espaço interno sem aumentar a altura do edifício, o que comprometeria a escala do conjunto na esplanada. Resolvidos os grandes espaços para foyer, platéias e palco no corpo principal do edifício, duas áreas de apoio específicas para artistas e para congressistas foram desenhadas como anexos: dois volumes, paralelepípedos neutros, semi-enterrados, soltos, visualmente isolados, um em cada lado do Auditório. Embora a volumetria das abóbadas sucessivas nos remeta à Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha, desenhada quase 50 anos antes, os dois edifícios são diferentes: o programa e os espaços do Auditório são maiores e suas circulações mais complexas. A solução das abóbadas precisou, portanto, ser redesenhada para que respondesse adequadamente às novas necessidades. Na Igreja da Pampulha o espaço principal - nave e altar - é criado pela junção de duas abóbadas interligadas longitudinalmente. No Auditório há uma inversão do sentido da planta: os espaços principais – foyer, plateias e palco - são criados pela junção das abóbadas colocadas lado a lado, duas delas apoiadas numa grande viga de concreto, que ultrapassando os limites do espaço interno, têm seus apoios no exterior do edifício.
FOTO: ARQUIVO MEMORIAL
Fachada do Auditório Simón Bolívar.
Os acessos do público, tanto na Igreja como no Auditório são resolvidos de maneira singela, no mesmo nível da esplanada, indicados pelas marquises, sem nenhum elemento arquitetônico espetacular. Não têm a longa passarela que atravessa o lago como na Editora Mondadori em Milão ou no Palácio dos Arcos em Brasília. Não tem a rampa sinuosa ascendente como a do Museu de Arte Contemporânea de Niterói. No Auditório, o passeio arquitetônico acontece no interior do edifício: a chegada surpreendente, a partir do pequeno “túnel”, ao foyer duplicado pelos espelhos, a subida pela rampa ou pelas escadas de acesso às plateias.
No foyer, os espelhos e os vidros dos caixilhos ampliam, de maneira quase mágica, os espaços externos e internos do edifício. Os vidros escuros refletem, externamente, a paisagem durante o dia. À noite, internamente, refletem o foyer iluminado. Além disso, no foyer, o efeito do reflexo do espelho que ocupa toda a parede que o separa da plateia é surpreendente. Com a “eliminação” da parede e o reflexo do ambiente, o resultado é o rebatimento do espaço de 1400 m2, duplicado com todos os seus elementos arquitetônicos. Quando o foyer está repleto, cheio de gente caminhando pelas escadas e rampa, o resultado é ainda mais impressionante.
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Foyer: visão impactante das escadas de acesso ao auditório.
Os complexos problemas de circulação do Auditório - duas plateias, foyer e anexos de artistas e de congressistas - foram resolvidos de maneira simples e sintética. A partir do foyer o público se divide: quem vai para plateia maior sobe a rampa central chegando ao seu nível mais alto, descendo em seguida em direção ao palco pelos corredores entre poltronas. Quem vai para a plateia menor, posterior, do outro lado do palco, sobe pelas escadas helicoidais laterais alcançando as duas galerias que circundam o edifício, uma de cada lado, também no seu nível mais alto. Essas galerias se desenvolvem paralelas aos caixilhos,
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entre os vidros e as paredes internas do auditório. Desenhados como volumes independentes, uma passarela e um bloco de escadas de concreto conectam-se à abóbada posterior, resolvendo a saída de emergência sem quebrar a unidade formal do edifício. Tanto artistas como congressistas têm acessos externos aos respectivos anexos, que se comunicam internamente com o palco, que está levemente elevado em relação à esplanada, através de um túnel levemente rebaixado, que os interliga. No túnel também estão localizados o fosso da orquestra e outros espaços destinados a serviços técnicos.
FOTOS: ARQUIVO MEMORIAL
Arquitetura definida pelas estruturas.
Oscar Niemeyer costuma dizer que a partir de Brasília sua arquitetura passou a ser definida pela estrutura. Antes mesmo de Brasília encontramos edifícios projetados por ele em que a arquitetura está definida pela estrutura: a Igreja de São Francisco na Pampulha é, sem dúvida, um deles. No projeto do Auditório Simon Bolívar essa característica se repete: o espaço do edifício está claramente definido pela estrutura formada pelas três abóbadas de concreto. Os ambientes são completados pelas paredes laterais das plateias e pelos caixilhos das galerias e do foyer.
Os espaços criados pelas abóbadas apoiadas no solo são por natureza muito fluidos na medida em que integram, numa única superfície, as paredes e o teto. Nas abóbadas sucessivas do Auditório essa fluidez é ainda maior porque as cascas se multiplicam criando espaços inesperados, como se estivessem apoiadas umas nas outras, em equilíbrio aparentemente instável. Nas plateias duplas essa fluidez é ressaltada pelas abóbadas pintadas internamente de preto e pelas paredes laterais revestidas com carpete azul escuro. O resultado é um amplo espaço, mais intuído que visto.
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Arquitetura definida pelas estruturas.
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FOTOS: ARQUIVO MEMORIAL
Galerias laterais ligam as duas plateias que somam quase dois mil lugares.
Como já observamos, ao retomar partidos e linguagens elaborados e desenvolvidos anteriormente, Oscar Niemeyer não os repete. As soluções são renovadas, reinventadas, demonstrando seu excepcional controle dos programas complexos, dos espaços, dos percursos e das perspectivas. Sempre experimentando e criando o novo com sua capacidade de invenção aparentemente inesgotável. No Auditório Simon Bolívar, Oscar Niemeyer consegue, mais uma vez, a síntese carac-
terística e recorrente na sua obra: resolver os problemas técnicos e funcionais de programa, espaço e estrutura por meio de uma solução formal que cria a beleza e, com ela, a emoção indispensável na arquitetura. Fernando Frank Cabral é arquiteto, mestre pela FAU-USP e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas. Fez parte da equipe de projeto de Oscar Niemeyer na Argélia.
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PROPOSTA
JOGOS DE
MASSAS E DE VAZIOS Maria Cristina Cabral
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poética de Oscar Niemeyer inscreve-se na modernidade pela emergência de um novo, cujo valor é atribuído à invenção da forma fluida, autoral e irreprodutível. Sua poética é estranha aos parâmetros do movimento moderno europeu dos anos de 1920, que buscava aplicar a produção serial na arquitetura, em benefício da sociedade. Paradigmas produzidos por esse movimento foram debatidos e aplicados na arquitetura dos museus e dos espaços expositivos ao longo do século XX.
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FOTO: DIVULGAÇÃO
A obra de Oscar Niemeyer tornou-se uma referência importante na arquitetura moderna, e questiono se seus espaços expositivos também exerceram grande influência, e se produziram alguma proposição paradigmática. Qual a origem e quais as transformações dessa possível proposição, ao longo dos quase oitenta anos de prática profissional do arquiteto? Como sua obra tão autoral se inscreve na tradição moderna do expor? Na modernidade, a transformação dos espaços arquitetônicos está relacionada a nova concepções de espaço e tempo, e se tornou possível graças à aplicação de tecnologias industriais. A ideia moderna de espaço expositivo amplo, flexível e transparente, remonta aos pavilhões de exposições do século XIX, sendo o exemplo mais marcante o Palácio de Cristal de Londres (1851). Mudanças na natureza da arte, no início do século XX, afetaram as relações entre sujeito e objeto. Os artistas foram os primeiros a explorarem as relações entre seus trabalhos e suas inserções no espaço físico, e a recusarem a ideia
de museu como caixa de tesouros. Ao optarem pela livre fruição, as vanguardas históricas procuraram definir o papel da arte e sua função social através de uma produção ativa e vigorosa na crítica e na construção de uma nova sociedade. Embora os artistas modernos tivessem conceitos bastante distintos, eles tinham em comum um novo entendimento espaço-temporal. Na percepção do espaço como fenômeno, muitos artistas buscaram então a síntese espacial. Entre a primeira geração de arquitetos modernos, três mestres propuseram novas soluções para espaços expositivos que se tornaram paradigmáticas, Le Corbusier, Mies van der Rohe e Frank Lloyd Wright. Le Corbusier concebeu muitos projetos para museus, galerias e pavilhões de exposições. Seu projeto exemplar foi o Museu do Crescimento Ilimitado (MCI), rascunhado em 1930 e retomado em diversas ocasiões, não tendo sido jamais executado integralmente. A espacialidade é proposta em estruturas modulares organizadas sucessivamente em planta, em forma de
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Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.
,espiral, e elevadas por pilotis a três metros do solo, agrupadas em torno de uma área central de grande altura. A iluminação interna combina luz natural zenital com artificial. O percurso interno é definido pelo visitante, e a circulação é livre dentro de um edifício em espiral progressiva composta de planos ortogonais. No ideário corbusiano, são pensados as viabilidades econômica e construtiva, as questões museológica e museográfica, e o valor cultural do conteúdo exposto. A proposta corbusiana engloba uma nova tipologia arquitetônica do expor, e um novo entendimento do conceito de museu, diferenciando-se das propostas dos outros dois arquitetos. Nas propostas de Mies van der Rohe, destacam-se o Pavilhão de Barcelona (1929), o projeto do Museu para cidade pequena (1942) e a Neue National Galerie de Berlim (1962). A concepção espacial do arquiteto exerceu forte influência sobre a arquitetura mundial, após os anos de 1950. A planta livre e a cobertura plana horizontal sustentada por pilares esbeltos caracterizam sua obra. O espaço universal que integra interior e exterior em um ato contínuo tornou-se referência para a arquitetura moderna, e para o caso específico dos museus. No Brasil, o MAM no Rio de Janeiro, de Affonso Reidy, e o MASP em São Paulo, de Lina Bo Bardi, são exemplos da aplicação dessa concepção. A terceira proposta moderna paradigmática foi idealizada por Frank Lloyd Wright no Museu Guggenheim (1943) em Nova York. Nesse projeto, o arquiteto trata o espaço vazio central envolvendo-o por um cinturão e iluminando-o zenitalmente por uma cúpula central. O volume externo do edifício é um tronco de cone invertido que rompe com a escala do entorno. O princípio de circulação é inusitado: o visitante atinge o topo do espaço por elevador e desce por uma rampa helicoidal contínua, que abriga as funções de circulação e de exposição. O espaço arquitetônico interno impõe-se perante os objetos inseridos, expondo-se também. A duas proposições espaciais presentes nos espaços expositivos de Niemeyer, a planta livre miesiana e o espaço plástico wrightiano, foram amplamente criticadas pelos curadores e críticos, por não apresentarem condições satisfatórias para exposição de obras de arte. Essa crítica também é atribuída aos espaços expositivos de Oscar Niemeyer. A extensão da obra de Oscar Niemeyer dificulta a enumeração dos projetos destinados exclusivamente a espaços expositivos. Entre
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estes, inscrevem-se os museus da Terra (1974), do Mar (1974), do Cosmos (1974), do Homem (1978) e do Índio (1982); os pavilhões do Brasil (1939), na Feira de Nova York, em parceria com Lucio Costa, do parque Ibirapuera (1951-54) e o recente Summer Pavilion (2003), a convite da Serpentine Gallery, em Londres. Além desses exemplos, outros tiveram suas funções originais modificadas, como o Pavilhão da Bienal de São Paulo e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, ambos no Parque Ibirapuera; ou o antigo Cassino (1942), atual Museu de Arte da Pampulha. Dois projetos paradigmáticos da concepção niemeyeriana para espaços expositivos são os museus de Arte Moderna de Caracas (1954-55) e o de Arte Contemporânea, MAC, de Niterói (1993). O primeiro, ainda que não tenha sido construído, tornou-se uma referência, pela ousadia tecnológica e pelo significado simbólico dessa edificação monumental. Trata-se de um tronco de pirâmide reta de base quadrada invertido, implantado em uma encosta rochosa dominando a cidade, em local de destaque. Niemeyer inaugura com esse projeto a escolha formal que reproduziu no MAC, uma forma original, marcante e autoral, cuja implantação em destaque reforça suas qualidades e cria a ideia de lugar, interferindo e completando a paisagem. Em Caracas, a cobertura translúcida enfatiza a ideia de contraste entre o exterior negado e a espacialidade interna banhada de luz natural, reforçada pela instabilidade sugerida na forma invertida do edifício. Internamente, a forma livre do mezanino possibilita uma sucessão de ângulos de visão que dinamizam o espaço pelos olhares sucessivos. Na poética niemeyeriana, o museu de Caracas marca um distanciamento da combinação de elementos arquitetônicos própria de suas obras anteriores, em prol da forma única, essencialmente plástica. Concebido no início dos anos 1990, o MAC faz parte de um período no qual o museu assume um papel de catalisador nos projetos de regeneração urbana. O novo papel do museu foi atribuído inicialmente por James Stirling, na Staatsgalerie de Sttugart (1979), e seguido por outros como no bem-sucedido projeto de Frank O. Gehry para o Guggenheim de Bilbao (1991). Se, por um lado, a arquitetura do MAC serve aos propósitos turísticos, há que se avaliar seu impacto sobre a vida da cidade, como o aumento do fluxo de automóveis e de turistas, ou como a população se relaciona com a instituição. Por outro lado, o MAC distancia-se dos museus
FOTO: DIVULGAÇÃO
contemporâneos, na medida em que o projeto ignora as exigências técnicas, cada vez mais complexas da arquitetura de museus. Como aspecto positivo, valoriza-se a plástica do edifício. Destacam-se no MAC, os ângulos de visão sucessivos e diferentes que se iniciam na rampa externa de acesso, contrapondo o volume com a paisagem. Internamente, a dinâmica mantém-se na curvatura do núcleo central de grande altura, nas frestas das paredes da circulação lateral, e nos diversos artifícios criados como, por exemplo, o banco de concreto que afasta o observador do fechamento de vidro. Em todo o percurso, o olhar do visitante é conduzido pelas paredes encurvadas, através dos vazios, sendo aproximado e afastado da paisagem distante. Niemeyer produz uma dinâmica espacial interna, centrada na visão, mas também na experiência do corpo, da escala, protagonizada pela arquitetura. As obras de arte são expostas segundo uma disposição submetida à força dos espaços internos sempre dominantes, o que os torna alvo de crítica desfavorável de curadores e de artistas. A ideia de um volume sustentado por um apoio central com as laterais em balanço foi utilizada por Niemeyer em outros projetos como nos museus da Terra, e do Mar, em Brasília; e mais recentemente no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba (2002). No entanto, não é possível afirmar que esse partido se constitua em um paradigma do programa na obra do arquiteto. Como nos mestres da primeira geração do movimento moderno internacional e como em muitos artistas modernos, a poética de Niemeyer circunscreve um número determinado de formas que fazem parte de um repertório finito. Entretanto, em Niemeyer, as possibilidades de emprego tornam-se infinitas, na medida que elas são definidas nas circunstâncias da ação, tanto no gesto projetual, como na fruição subjetiva do espectador, fenômenos que não se repetem nem no tempo e nem no espaço. Os espaços expositivos de Niemeyer seguem também a mesma premissa, espaços internos fluidos, tais como no movimento moderno, embora não transparentes. Neles, o jogo de massas e de vazios cria um novo lugar que se relaciona com o exterior, sempre segundo as condições do sítio, e nunca a priori, portanto longe de se configurar como um modelo a ser seguido. Na dinâmica das formas da poética niemeyeriana, a visão é com certeza o sentido privilegiado, e através dela, o observador constrói o novo entendimento do espaço e das obras nele inseridas.
Oca, Parque do Ibirapuera, São Paulo.
Maria Cristina Cabral é arquiteta, doutora em História, pesquisadora de História e Teoria da Arquitetura e professora da PUC-RIO.
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DESAFIO
SÍNTESE ENTRE
VANGUARDA E TRADIÇÃO IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS NA PAMPULHA
Rodrigo Queiroz
O
episódio que envolve o projeto e a construção da sede do Ministério da Educação e Saúde (MES-1935/1945), além de indicar a emancipação da linguagem da arquitetura moderna brasileira, rumo à síntese entre as influências das vanguardas e o compromisso com uma tradição local, pode ser compreendido como o experimento embrionário que revelará Oscar Niemeyer. No projeto do MES, Niemeyer, ao transpor para o terreno definitivo o partido de um estudo de
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Le Corbusier para um terreno à beira-mar, executa uma interpretação nacional dos postulados corbusianos, encontrando o nexo entre forma, superfície, desenho e paisagem a partir da adoção de uma arquitetura vazada, aérea, contínua e aberta que antevê, em diversos momentos, as soluções aplicadas em projetos como o Pavilhão do Brasil em Nova Iorque (1938/1939) e o próprio conjunto da Pampulha (1940). E será nesse instante que, segundo Lucio Costa, “aflora” o gênio de Niemeyer. Reconhecendo patente sensibilidade de Niemeyer, Lucio Costa abre mão de realizar sozinho o projeto para o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque de 1939, cujo concurso de projeto foi vencido pelo próprio Lucio Costa, e prefere convidar Oscar Niemeyer – segundo colocado no concurso – para realizar um novo projeto em parceria. Com essa estratégia, Lucio Costa encontra a maneira ideal de projetar o gênio criativo de Niemeyer e a arquitetura moderna brasileira em dimensão internacional.
A postura de Costa surte efeito. Em 1943, é aberta no Museu de Arte Moderna de Nova York a exposição Brazil Builds – Architecture New and Old – 1652 – 1942. Grande parte do interesse em se organizar a exposição vinha do efeito positivo gerado pelo projeto do Pavilhão do Brasil do panorama da Feira de Nova Iorque, além da declarada intenção política, onde os americanos se esforçavam para estabelecer vínculos de afeição com os “países aliados”. Em 1938, Oscar Niemeyer e Lucio Costa se estabelecem em Nova Iorque, por ocasião do desenvolvimento do projeto para o Pavilhão. Durante o período de elaboração do projeto, Niemeyer é convocado pelo próprio Lucio a voltar para o Brasil. Costa indica Niemeyer para realizar aquele que seria o primeiro exemplar da arquitetura moderna no estado de Minas Gerais: o Grande Hotel de Ouro Preto. Definitivamente, o projeto não era apenas de uma construção moderna. Tratava-se de uma delicada intervenção em um contexto e uma am-
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No alto à esquerda, Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha(1940) - vista posterior. À direita, Ministério da Educação e Saúde (1936). Abaixo à esquerda, Cassino da Pampulha (1940). À direita, Casa de Baile - Pampulha (1940). Fonte: acervo Rodrigo Queiroz. Abaixo, hotel resort da Pampulha - não construído (1940).Fonte: acervo Papadaki, 1950:104.
Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha - 1940 - adro Fonte: acervo Rodrigo Queiroz
bientação coloniais. Niemeyer, em Ouro Preto, funde a modernidade do prisma suspenso sobre pilotis e plataforma, ao telhado de uma água e aos elementos vazados em treliça de madeira presentes nos peitoris dos terraços dos apartamentos. Passados dois anos, em 1940, Benedito Valadares, governador mineiro que já havia encomendado o Grande Hotel de Ouro Preto, convida Niemeyer para realizar o projeto de um Cassino na cidade de Belo Horizonte. Nesse instante, nascia a obra seminal da arquitetura moderna brasileira: o conjunto arquitetônico da Pampulha, cujo projeto teve prosseguimento na gestão do prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek de Oliveira. Após o Cassino, vieram os estudos da Casa de Baile, do Iate Clube, do Golfe Clube, do Hotel Resort, da Igreja de São Francisco de Assis e da residência de fim de semana de Juscelino Kubitschek. O Cassino, primeiro projeto do conjunto - apesar do caráter expressivo do salão de baile e da profusão radiante de diversos materiais e da espacialidade do interior do salão de jogos – ainda mantém um vínculo literal com o legado de Le Corbusier, principalmente com as casas brancas puristas da década de 1920. No Cassino, ao mesmo tempo em que Niemeyer preserva a membrana purista suspensa, exterioriza a forma livre que se apresenta ainda conectada à forma pura. Na Casa de Baile, a separação entre os volumes iniciada no Cassino atinge maior índice de fluidez, com a planta circular do salão do restaurante e da pista de dança que se espraia em marquise sinuosa até encontrar um pequenino volume oblongo que abriga o vestiário. No Iate Clube, telhado “borboleta” e versão agigantada e transparente da casa Errazuris de Le Corbusier (1930), Niemeyer alastra a abertura ao limite físico da fachada. Não
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há rasgo, a janela atinge as bordas do piso, da cobertura inclinada e das empenas laterais. O espaço purista e pictórico de Le Corbusier é colocado em cheque na transparência do Iate, esbelta moldura da Lagoa da Pampulha. No projeto do Golfe Clube, Niemeyer aproveita o partido formal da casa projetada para Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral em 1938, dilata ligeiramente a escala e distende horizontalmente o objeto composto pela justaposição de abóbada e telhado invertido. O Hotel Resort, bloco em curva, reminiscência diminuta da fita ondulante proposta por Le Corbusier para o Rio em 1929, suspende-se sobre laje sinuosa que abriga as áreas de estar coletivo.
IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
É no projeto da Igreja de São Francisco de Assis, entretanto, que Niemeyer concebe um objeto que transcende a regra das lajes estruturadas por retículas de pilares e inaugura sua primeira experiência efetiva com a forma livre. Não há a diferenciação entre cobertura e fechamento. Tudo é uma coisa só: a linha que emerge do chão em diagonal, encurva-se em abóbadas sucessivas. Na vista posterior da Igreja, observamos apenas a sequência de quatro abóbadas, sendo que somente as extremas tocam, em plano inclinado, o solo. A abóbada que abriga o altar sobressai-se às cascas da sacristia e da sala do padre. Assim como nos demais edifícios do conjunto, nota-se a presença da cerâmica pintada, mas agora desprovida do significado vinculado à tradição luso-brasileira contida no motivo pintado nos fechamentos em cerâmica presentes nos demais edifícios do conjunto. A cerâmica que reveste o fechamento posterior da Igreja ocupa toda a fachada que
À esquerda, Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha - “São Francisco se despejando das restes” - mural em têmpera sobre parede de Cândido Portinari - 7,5m x 10,60m. 1948. À direita, vista parcial da Igreja de São Francisco -1940. Fonte: acervo Rodrigo Queiroz.
recebe um imenso painel de Candido Portinari que retrata cenas da vida de São Francisco de Assis. Niemeyer mantém o plano vertical que recebe o mural sutilmente recuado da projeção das abóbadas. Essa solução é suficiente para evidenciar o sentido gráfico e bidimensional do plano inclinado que vira cobertura em cascas sucessivas. Com esse sutil deslocamento, o arquiteto exterioriza apenas a espessura das abóbadas e desmembra a ideia de volume. A borda das abóbadas revestida em pedra apicoada imprime o contraste necessário com a extensa parede vitrificada em plano recuado. Com a exímia precisão na disposição do plano vertical e do perfil envoltório em arco, Niemeyer faz com que a construção assuma a qualidade gráfica do desenho e o que apreendemos é um mero contorno que se destaca do fechamento, como um traço que sai do chão, suspende-se em sequência aérea e retorna - em plano concordante aos arcos das abóbadas extremas - ao chão. A maior abóbada do conjunto, que abriga a nave, o nártex, o coro e o batistério, possui seu fechamento em vidro transparente e recebe uma superfície de brises verticais que parte do alinhamento com o piso do coro e preenche toda a porção encurvada da abóbada. O acesso principal é protegido por marquise inclinada sustentada por pilar em “V” encurvado, interpretação lírica do mesmo conjunto de marquise inclinada e pilar em “V” presente na entrada o projeto de Le Corbusier para o Exército da Salvação (1929). A extremidade mais alta da marquise inclinada intercepta o campanário em forma de tronco de pirâmide invertido de pronunciada proporção vertical que sensivelmente aumenta de secção conforme se eleva. A treliça de madeira do campanário possui tessitura irregular que se afrouxa na medida
em que ascende verticalmente. Com esse artifício quase gráfico, Niemeyer enfatiza o sentido de expansão vertical do campanário. A abóbada que abriga a nave diminui de secção conforme se aproxima do retábulo. Sua extremidade menor abriga-se sob o pequeno trecho da abóbada do altar que se projeta sobre a abóbada da nave. Do encontro das extremidades internas de ambas as abóbadas (nave e altar) que sobrepõemse mas não se tocam, resta uma fresta, é o rasgo necessário para banhar de luz o retábulo de São Franscisco de Assis. Ambas as abóbadas afunilamse na medida em que se aproximam uma da outra. Com essa solução, Niemeyer concebe uma versão em abóbada da cobertura em telhado invertido. Aos moldes da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, projetada por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em 1766, no exemplar de Oscar Niemeyer, a nave é coberta por um forro de madeira em ripa de sentido longitudinal. O revestimento de madeira não avança na abóbada do altar, restringe-se à nave. O púlpito lateral ao altar, revestido de cerâmica, recebe a pintura em motivo sacro de Portinari e assume destaque na perspectiva do altar que abriga apenas as volumetrias do púlpito e do ambão caracterizado por uma simples bancada sustentada por dois apoios. Assim como no exemplar da Pampulha, os púlpitos em pedra-sabão esculpidos por Aleijadinho também se destacam nas composições barrocas. São como uma saliência em pedra que salta da parede caiada. Os púlpitos de Aleijadinho são o registro de sua exímia habilidade sobre a técnica da talha em pedra-sabão. As inscrições litúrgicas em alto relevo sobre a superfície irregular e arqueada do púlpito demonstram o domínio da técnica da talha. Ao fundo do altar-mor, Portinari execu-
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ta mural em têmpera que ocupa toda a parede, intitulada “São Francisco se despojando das vestes”. Trata-se de uma versão moderna de um retábulo que perde a efusiva materialidade barroca e se restringe a simples pintura. Os pequenos altares laterais, presentes nas igrejas barrocas, inexistem no exemplar de Niemeyer. A própria concepção elementar da abóbada que toca o chão em plano diagonal - que caracteriza a nave - impossibilitaria o arranjo dos altares laterais. A solução encontrada foi a introdução de dois degraus laterais, um de cada lado, que percorrem toda a extensão da nave. Sobre esses degraus, fixados no plano inclinado da abóbada encontram-se dezesseis gravuras de Portinari, oito de cada lado, que ilustram a Via Sacra, mesmo tema pintado por Manuel Gonçalves Neves em suas pinturas parietais presentes na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis em Ouro Preto. Os atributos barrocos, em Niemeyer e Portinari, perdem sua presença material. Não há uma reminiscência sequer das “folhas de acanto” ou das “colunas salomônicas”. O diálogo com a arquitetura religiosa do Brasil-Colônia reside em uma interpretação de seus atributos simbólicos e não de seus elementos ornamentais. A Igreja da Pampulha, por sua esbeltez gráfico-pictórica, esvazia a alegoria barroca, reduzindo-a a uma peça em casca que abriga desenhos em suas superfícies exteriores e interiores. A luz natural que invade a nave é difusa, não atinge com intensidade o forro em madeira. Tanto o brise como a laje do coro impedem, propositalmente, que a luz natural invada deliberadamente a nave e, mesmo a luz que chega à nave, é delicadamente absorvida pela opacidade da madeira natural que reveste a face inferior da casca. Por pleno contraste e oposição à retidão da oração do ambiente na nave, o altar é iluminado por uma luz que vem de cima, da fresta entre as abóbadas. A luz indireta que banha o altar é refletida na alvura da face inferior da abóbada. Quem está na nave, olhando em direção ao altar, contempla uma suave coroa de luz que nasce no exato instante em que a nave termina e começa o altar. Trata-se de um arco-cruzeiro imaterial, é apenas luz, a luz misteriosa e arrebatadora presente nas igrejas barrocas: sabe-se que ela existe, mas não se sabe de onde ela vem. De todos os edifícios do Conjunto da Pampulha, considerando suas individualidades, o único que atinge o sentido de monumento é a Igreja de São Francisco de Assis. A ideia de monumento, definitivamente, não se refere à escala, mas ao conjunto de significados e aos valores
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simbólicos e estéticos que conferem ao edifício a condição de obra de arte. A experiência precursora de Niemeyer traduz, com estilemas modernos, os atributos litúrgicos de uma construção religiosa típica do período colonial. Ao sintetizar, em forma e superfície, as alegorias e a ambiência do lugar da oração, Niemeyer confere o sentido moderno a um programa ainda pouco explorado pela arquitetura do período. O exemplo da Igreja da Pampulha não se reduz a mera aplicação moderna dos motivos eclesiásticos. Niemeyer, ao interpretar o imaginário barroco, confere à arquitetura moderna o sentido lúdico e simbólico do lugar de fé e oração, que não provém da forma moderna, mas da forma sensível que se constitui moderna em sua essencialidade, em sua capacidade de sintetizar, em um único traço contínuo, a tensão do excesso e do êxtase das volutas e contra-volutas do Barroco Mineiro. Compreendemos que a mensagem contida das curvas da Igreja da Pampulha é oposta a aquelas presentes nas experiências de Aleijadinho. Ambos os arquitetos detêm o domínio da curva a serviço de uma lógica individual. Enquanto Aleijadinho concebe a curva como instância particular que multiplica-se em profusão radiante, Niemeyer age de maneira diametralmente inversa, distendendo em gesto parabólico a racionalidade moderna. As autoridades clericais mineiras não veriam com bons olhos a arte moderna como suporte para a fé. Dado o futuro incerto da Igreja de São Francisco de Assis, devido à resistência em consagrá-la, em dezembro de 1947 foi aprovada a proposta de tombamento preventivo do templo, baseada em quatro justificativas: 1. “Estado de ruína precoce (...) devido a certos defeitos de construção e ao abandono a que foi relegado esse edifício pelas autoridades municipais e eclesiásticas”; 2. “abandono irresponsável ou utilização, em outras igrejas, de modo inconveniente, porque em desacordo com seu estilo peculiar, de numerosas peças do edifício (altar, órgão, bancos e via-sacra)”; 3. “louvor unânime suscitado pelo conjunto do exterior”; 4. “valor excepcional do monumento” Durante anos acirram-se os conflitos entre: as autoridades clericais, contrárias à consagração; as diversas gestões que passaram por Belo Horizonte, de posicionamento variável; e a opinião pública, favorável ao projeto. Somente em 11 de abril de 1959, a Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha é consagrada.
Foto divulgação
E será durante o período que envolve as discussões sobre a consagração da Igreja da Pampulha, que um outro exemplar moderno da arquitetura religiosa será concebido: o projeto de Le Corbusier para a Capela de Notre-Dame du Haut, em Ronchamp, no sudeste da França, em 1950. O projeto de Le Corbusier para a Capela em Ronchamp sintetiza a inclinação ao arcaico, ao vernáculo primitivo, de um arquiteto descrente da perspectiva de uma arquitetura que, para afirmar-se como moderna, deveria assumir as condições estéticas e técnicas da sociedade industrial. Le Corbusier em Ronchamp, também especula a possibilidade de estabelecer um diálogo entre os espaços sacros e a conduta moderna. A substituição dos elementos e da ambiência religiosa tradicional por uma intenção plástica dinâmica que intenta traduzir a atmosfera litúrgica em um gesto contínuo e curvo, aproxima as experiências de Le Corbusier e Oscar Niemeyer. Entendemos que a proximidade entre a Igreja da Pampulha e a Capela de Ronchamp reside muito mais na intenção plástica do que na suposta semelhança literal entre os elementos formais comuns aos projetos.
Ambos os arquitetos possuem um problema comum: desenvolver o projeto de um templo que represente a afirmação da fé de uma comunidade condicionada aos valores religiosos enraizados no lugar e sedimentados com o passar dos séculos: o lugar de meditação dos peregrinos na Borgonha de Le Corbusier e a casa da religiosidade mineira de Niemeyer. Os pontos em comum presentes na Igreja de São Francisco e na Capela de Ronchamp não residem apenas no problema encontrado, mas, principalmente, na maneira como os arquitetos irão enfrentar a forma do abrigo que envolve a fé: espaço moderno que promoverá momentos de oração e contemplação. A adoção da forma livre é característica comum entre as soluções de Le Corbusier e Oscar Niemeyer, que enfrentam o problema do templo a partir da flexibilização da linguagem moderna que, nesse caso, se presta como invólucro de um programa simbólico, ritualístico, oposto a perspectiva pragmática do funcionalismo utilitário que formaliza-se a partir de especulações puristas. Dentro das experiências de Le Corbusier em que figuram esquemas organizacionais
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Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha1940. Fonte: acervo Rodrigo Queiroz
hierarquizadores da intensidade da linguagem, a Capela de Ronchamp surge como um exemplar que comprova a predileção do arquiteto por soluções expressivas para abrigar programas de dimensão coletiva que evoquem o alimento ao espírito, tais como museus, assembleias e templos. Essa inclinação de Le Corbusier não aproxima apenas a Capela de Ronchamp à Igreja da Pampulha, mas também indica as direções parecidas que tomam as obras de ambos os arquitetos. A Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha funde em um traço contínuo, a superfície material barroca ao desenho dos arcos encaixados presentes nos projetos do atelier de Le Corbusier de 1929 e - por que não? - no hangar de Freyssinet em Orly. A igreja da Pampulha, obra-prima de Oscar Niemeyer, sintetiza no traço e na matéria o maior desafio enfrentado pela arquitetura moderna brasileira: legitimar seu valor e seu sentido através de um diálogo bilateral com a cultura nacional e com a vanguarda, fundindo em um único arranjo construtivo-pictórico essencial, os conceitos de modernidade e lugar. Rodrigo Queiroz é arquiteto, professor da FAU-USP, com pesquisas de mestrado e doutorado sobre a obra de Oscar Niemeyer. Notas:
COSTA, 1995:136 “(...) foi durante esse curto, mas assíduo convívio de quatro semanas que o gênio incubado de Oscar Niemeyer aflorou.” Exposição organizada por Philip Goodwin, com fotografias de G. E. Kidder Smith. A exposição Brazil Builds percorre diversos museus americanos até o ano de 1947. O catálogo da exposição transformase na primeira publicação panorâmica sobre a arquitetura moderna brasileira. Apesar de todo o alarde gerado pela exposição e pelo catálogo, vale lembrar que a Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha - projeto que definitivamente promove a arquitetura moderna brasileira no cenário internacional – não integrava nem a exposição e nem o catálogo. Após a conclusão das obras da Pampulha, Philip Goodwin realiza um outro catálogo, bem menor, apenas com os edifícios da Pampulha. Cf.: CAVALCANTI, 2006: 165-171 Cf.: CAVALCANTI, 2001: 254-257 De todos os projetos para o conjunto da Pampulha, apenas o Hotel Resort não foi construído. O edifício do Golfe Clube abriga hoje a sede administrativa do Zoológico Municipal de Belo Horizonte. BOESIGER, 1994:48 TIRAPELI, 2006:78-81 Na planta da Igreja de São Francisco de Assis, observamos dois púlpitos, um de cada lado do altar, porém, apenas o púlpito do lado esquerdo foi executado. Em carta do Diretor da DET ao Diretor Geral sobre tombamento da igreja da Pampulha (07 out. 1947) apud FABRIS, 2001:187-188.
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LEGADO
PATRIMÔNIO RIQUEZA MORAL, CULTURAL E INTELECTUAL
Percival Tirapeli
N
iemeyer merece homenagens. É nosso patrimônio no sentido mais lato. As imagens arquitetônicas criadas por gênio incansável e inventivo dificilmente podem ser transformadas em palavras. Sentir o mestre como um patrimônio – no sentido figurado da riqueza moral, cultural e intelectual – me alivia da árdua tarefa quase infindável de elencar seus projetos e sua obra que ganhou o mundo. Mesmo escrevendo sob o ponto de vista de que sua obra é patrimônio da cultura brasileira, é difícil a síntese, que requereria uma profundidade certamente impossível neste pequeno artigo. 55
Falar do arquiteto sem elencar sua arquitetura é tentar encontrar um elo entre todas as suas obras. Por vezes a escolha do local da obra não é vontade do arquiteto. Quando isto ocorre com o mestre carioca a escolha é sem dúvida iluminada por um pensamento/traço, daquele que reconstrói uma obra em sintonia com a paisagem. Assim é Brasília (1957), patrimônio da humanidade, ereta sobre o traçado simbólico do amigo e companheiro Lúcio Costa. A funcionalidade do Plano Piloto expressa nas linhas horizontais do urbanista permitiram construir uma paisagem cultural dispondo volumes arquitetônicos, verticais simbólicas, arcos inimagináveis na praça dos Três Poderes e o enraizamento de diversos edifícios nos desníveis propositadamente construídos. Niemeyer parece não sentir o peso da materialidade. Se em Brasília criou a volumetria do nada ao redor, com a água fez o mesmo na Argélia (1968) erguendo uma mesquita como espuma das ondas, criando uma surpresa para nós, que asso-
Acima, Eixo Monumental de Brasília - vista da torre de televisão. Ao lado, Mesquita na Argélia - 1968 - maquete Fonte: acervo Percival Tirapeli.
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ciamos a África às areias desérticas. Em Niterói, no Museu de Arte Contemporânea (1991), homenageou a luz que inunda a Baía da Guanabara. Entre o céu e a terra dispôs uma forma perfeita na paisagem lítica e aquosa. No projeto do Museu de Arte Moderna de Caracas (1954), desafiou sua musa, sem compasso criou um bloco piramidal invertido - desafiador da invenção do sagrado Imotep. Em Curitiba, o povo apelidou o Museu Oscar Niemeyer (2002) de Olho . Acerto de ambas as partes: a extensão do olhar do criador sobre a arte e aquele do povo que quer compreender a criação. Esse poder de interferir nos patrimônios naturais como as águas das praias fluminenses, nos perfis das montanhas de Caracas, na tranquilidade da perspectiva infinita, animada apenas por nuvens em Brasília, é missão de um Prometeu. Esse brilho em poder construir novos fatos para a humanidade é sem dúvida o da criação de novos patrimônios culturais.
Em todas as ações há acertos ou erros, como no caso do mestre modernista Le Corbusier ao esboçar uma solução urbanística para a cidade de São Paulo em 29. Os edifícios sustentariam duas imensas autopistas, nivelando a rugosidade do terreno, privilegiando os carros e condenando seus habitantes a moradias sob as vias expressas. Niemeyer, ao contrário, tão sabiamente utiliza a paisagem construída, dura e verticalizada da capital – e no seu quarto centenário (1951), cria um monumento ondulante no centro da cidade. O edifício Copan, uma cidade dentro da outra como pretendia o mestre franco-suíço, quebra a sisudez arquitetônica e cria no entorno uma ambiência para a criação de edifícios elípticos (edifício Itália) e cilíndricos (Hotel Hilton). Os livros cumprem o dever de expor a obra do mestre de forma cronológica. O que aqui busco é o perene em sua obra e tantas vezes por ele mesmo enfatizado, a liberdade e inventivi-
dade das curvas. Seus edifícios têm estruturas baseadas na simplicidade absoluta que evocam a solução perfeita sem o mínimo de ornamento. Arriscaria dizer que o arquiteto percebe ser a obra ornamento na paisagem. Não sobrecarrega a estrutura que flui como primo pensiero. A geometria na ponta dos dedos segue o raciocínio claro da mente criativa que sabe interferir na paisagem criada pela natureza ou pelo homem. A capela da Pampulha (1942) em Belo Horizonte foi o primeiro alerta criativo do arquiteto com quem o mundo logo se acostumaria a conviver. Curvas, ondas, concreto, água, brilhos e transparências fazem da capela franciscana um atentado à inteligência eclesiástica conservadora. A Igreja recusou sua consagração. Foi antes de tudo motivada pela incompreensão do novo, ante o painel de Portinari representando São Francisco. Quase meio século depois criou o Memorial da América Latina (1986) na capital paulista. Não
Acima, Palácio do Planalto - 1957. Ao lado, MAC Niterói Rio de Janeiro, 1996. Fonte: acervo Percival Tirapeli.
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Le Havre – França – 1972 Fonte: acervo Percival Tirapeli
seria heresia transportar a mesma sequência de abóbadas horizontais. Transposição essa mais facilmente percebida no Auditório – composto por uma sequência de abóbadas, e não no Salão de Atos, composto apenas por uma abóbada. Aquela pequena torre na capital mineira que lembra as sineiras das capelas rurais se agiganta nos imensos obeliscos (evocam as chaminés das indústrias paulistas ) que suportam a viga sobre a qual repousa a casca de concreto. Voltando para Belo Horizonte, a capela tem vistas privilegiadas. Repousa horizontalmente à margem da lagoa, refletida nas águas. Em sua parte posterior, voltada para a rua, brilham azulejos – patrimônio cultural colonial. Em São Paulo, o Salão de Atos tem sua visibilidade dirigida à parte anterior e a curva truncada continua no espelho d’água, transformando-a em voluta. Ciente ou não, o artista confirma o nome geográfico do lugar: Barra Funda. Ali as águas do Tietê se espraiavam ante a depressão formada pelo ribeirão que nascia lá pelos lados do estádio do Pacaembu. O arquiteto retoma as águas, recoloca-as em seu lugar original e restitui um patrimônio natural – agora alegórico - perdido no atropelo do progresso. Mesmo assim, nós paulistanos reclamamos da falta das árvores que nunca existiram naquele local.
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Por fim, no interior do Salão de Atos, aquele que poderia ter sido a alma gêmea de Niemeyer, o pintor Cândido Portinari, com o painel Tiradentes que foi comprado pelo governo paulista de uma escola – o “Colégio para meninos”, também de autoria de Niemeyer (1946), na cidade mineira de Cataguazes. Exatos 40 anos depois, por destino ou não, repete-se a genial parceria. O painel de Portinari dialoga com projetos de Niemeyer de fases distintas: a escolha de pastilhas e elementos vazados no interior mineiro – produto da experimentação de uma linguagem que flerta com a tradição construtiva nacional - e o traço contundente e cru do Memorial. Completa-se assim um ciclo: Pampulha, Cataguazes, São Paulo. A evocação das águas está na solução horizontal desafiante da verticalidade circundante do edifício das Nações Unidas em Nova Iorque (1947) e seu reflexo agitado pelos barcos nas águas da baía do rio Hudson. Diferente é no Olho, Museu Oscar Niemeyer em Curitiba, no qual nos convida a entrar no edifício por rampas e corredores subterrâneos. O reflexo no espelho d’água tem a mesma amplitude que o volume lançado no espaço com o recurso do terreno em
desnível. A fluidez das águas – naturais ou artificiais – está presente na maioria de seus projetos. A relação dos arquitetos com a terra, por vezes é apenas de posse. Base natural para a criação e sustentação do volume. Por vezes, o atravancamento da paisagem, ou seja, destruição do patrimônio natural. No Parque do Ibirapuera em São Paulo está a Oca (1951). Obra de menor tamanho se comparada à monumentalidade do parque, mas de reconhecimento público tanto quanto o monumental edifício Copan. Em um parque com nome indígena, a Oca passa desapercebida como uma homenagem à fundação de São Paulo, da mesma maneira que o Copan. Soluções tão diferentes para mesma ocasião. A Oca dos índigenas e as curvas do edifício suavizam a rigidez da modernidade nascida na capital em 22. Patrimônio moral para um povo receptivo? A evocação da terra é apenas uma licença poética, pois em arquitetura seria a utilização dos níveis e desníveis. Mas a Oca, mesmo não completa, é uma penetração na Gaia. Há dois momentos distintos nas obras que utilizam o rebaixamento da terra: no plano e no desnível. O primeiro, mais comum, como na Oca, na Catedral de Brasília e no aproveitamento dos terrenos - como a parte do subsolo dos museus de Curitiba e Niterói. Na França, em Paris, o auditório diante do edifício do Partido Comunista (1965); no porto de Le Havre (1972) o desnível é simbólico, para mencionar aqueles que conheço. A Oca se completou com a construção do Museu da República ao lado da biblioteca em Brasília. O museu evoca a Oca, mas a completa, pois penetra a terra ao mesmo tempo em que circunda a calota com leve rampa externa. Realiza a ascensão do usuário que usufrui ao mesmo tempo do interior e do exterior, das sensações da concavidade e da convexidade, das sensações de proteção e liberdade que a arquitetura niemeyeriana nos oferta. Na cidade portuária francesa Le Havre, elevada a patrimônio da humanidade, o rebaixamento do terreno é sem dúvida simbólico. A cidade arrasada pelos horrores da segunda guerra criou um centro cultural ao longo de ampla avenida, conjugando de um lado os novos edifícios da modernidade que evocam a reconstrução da França e o porto tendo ao centro um monumento às glórias francesas. Respeitosamente Niemeyer criou uma trincheira e de lá erigiu o que popularmente se denomina de vulcões. Imensas formas cônicas são interligadas por uma praça rebaixada e rampas ascendentes e descendentes, ao nível das vias. Uma homenagem à resistência do povo aos horrores da guerra. Estava criado um patrimônio cultural, den-
tro de uma paisagem desolada e reconstituída com a pujança que hoje se vê a seu redor. O monumento, feito nos moldes ecléticos, em nada foi ferido, visto que essa é uma herança da arte francesa que se difundiu pelo mundo no final do século XIX e início do XX. Ao longo das autopistas que levam à cidade, a arquitetura de Niemeyer é tema para a sinalização, lembrando sua proximidade. Há momentos de percepção da obra de Niemeyer que determinam um consenso geral de sua genialidade e, reconhecidamente, foram aclamados como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco; outros o foram como imateriais expressões que são da cultura brasileira. Essa sensação nos perpassa ao ver tanto a paisagem construída de Brasília como plano inaugural, como o não previsto, caso do Memorial JK - inserido no Eixo Monumental como mais uma obra de arte. Contra as regras da arte tumular, o volume arquitetônico pousa sobre o leve declive do terreno. Levantada a possibilidade de ser aclamada como patrimônio da humanidade, a cidade moderna com todos os seus palácios teve a adesão da intelectualidade mundial. Sem dúvida o pensamento de uma cidade ideal, onde o povo seria convidado a entrar nos palácios pelas rampas, é utopia que não se realizou. Porém, o pensamento de uma política transparente e justa está imbuído na gênese da nova capital.
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Parque Ibirapuera – São Paulo - 1951 Fonte: acervo Percival Tirapeli
Salão de Atos – Memorial da América Latina – São Paulo – 1986 Fonte: acervo Rodrigo Queiroz e Memorial Juscelino Kubitschek – Brasília – 1981 Fonte: acervo Percival Tirapeli
A isto se pode chamar de patrimônio imaterial, desejo nunca realizado do sofrido povo brasileiro sempre maltratado pelos ditadores em sua época e políticos eleitos - que roubam neste início do século XXI até a esperança do povo. A catedral, por sua vez, expressa a espiritualidade em sua leveza arquitetônica. Disposta em um grande platô, pode ser vista pelo povo por cima da via da antiga rodoviária, ao mesmo tempo em que não atrapalha a visualidade do poder laico. Se vista a partir do nível da terra é a união dos experimentos estéticos e simbólicos: evocação da terra (catacumbas), das águas (do batismo) e da luz (espiritualidade), unidos como um patrimônio imaterial religioso. Sem dúvida é
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a mais inventiva forma arquitetônica, concebida com originalidade depois de dois mil anos de tradição formal eclesiástica. Ali perto, após uma sequência de blocos arquitetônicos dos ministérios, apenas para refazer a admiração o arquiteto corporifica o ideal da política brasileira: o edifício do Itamaraty. Pelo nome, é transposto da antiga capital o patrimônio imaterial da política imperial e transformado na capital republicana como sede de nossas relações exteriores. É o Brasil voltado para o mundo, assim como o edifício é implantado em meio aos espelhos d’água. Inspirado nos edifícios neoclássicos que circundam o espelho d’água da construção carioca, o arquiteto inverte a posição do edifício
Catedral Metropolitana de Brasília – 1959 Fonte: acervo Percival Tirapeli e Palácio do Itamaraty – Brasília – 1962 Fonte: acervo Percival Tirapeli
brasiliense que - livre sobre as águas - pode ser admirado por todos os lados. Os arcos em toda a volta criam uma volumetria ímpar, longe da concepção das fachadas anterior, posterior e laterais para criar um bloco que abriga o que deveria ser nosso patrimônio cultural e imaterial – o relacionamento, o congraçamento da cultura brasileira com o mundo. Percival Tirapeli, professor doutor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista, Unesp, é diretor de projetos especiais do Icomos – Comitê Internacional de Monumentos e Sítios, órgão vinculado à Unesco. É autor de, entre outros, Patrimônios da Humanidade no Brasil/ World Heritage in Brazil (2001).
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PARADIGMA
COPAN UMA CIDADE DENTRO DE SÃO PAULO Inusitada onda na metrópole
Guilherme Wisnik
C
opan é, sem dúvida, um dos mais importantes símbolos de São Paulo. Tanto por sua localização, na confluência das Avenidas Consolação, Ipiranga e São Luís, quanto pela sua escala monumental e por sua belíssima forma, uma inusitada onda na metrópole tão desprovida de “graça”. O Copan é o paradigma do edifício moderno e sua inserção na cidade: vertical, permitindo grande densidade de ocupação, franco e aberto no plano da rua, animado pela vida efervescente 62
dedora da cidade, fala muito sobre sua própria realidade, ganhando interesses outros que não só os de uma beldade arquitetônica. O seu projeto é de 1951, mas o edifício foi inaugurado apenas em 1966. Concebido num momento em que São Paulo passava por um surto de verticalização, o Copan viria a ocupar o terreno onde estava a Vila Normanda. Formada por um conjunto de sobrados preparados para enfrentar a neve, a Vila era a representação grotesca de um momento que ficava para trás, a época nostálgica em que São Paulo era a “Londres das neblinas finas”. Mais afim ao espírito da nova metrópole cosmopolita, o Copan foi idealizado como um empreendimento misto, com hotel, habitação, escritórios e comércio, a cargo da Companhia Panamericana de Hotéis e Turismo, que lhe empresta as iniciais. A Companhia, que pertencia ao Banco Nacional Imobiliário, passou por uma intervenção do governo em 1954, paralisando as obras. Na década seguinte, quando foi inaugurado, o Copan já não tinha mais o setor de hotéis, mas manteve-se dividido em 6 blocos, contando com 20 elevadores, 82 lojas, e 1.160 unidades habitacionais, que variam de quitinetes até apartamentos com 3 quartos. Essa grande diversidade de usos faz do Copan um lugar extremamente interessante, aglutinador de diferenças em muitos níveis (social, cultural, profissional),
Edifício Copan, São Paulo.
FOTO: CASTOR FERNANDES
da circulação a pé no centro urbano. É hoje uma miragem numa cidade superpovoada de shopping centers, condomínios e edifícios cercados. Mas esse símbolo, quase uma onda de autoestima na cidade (“é a nossa praia”), passou por um período de maus tratos, rotulado por muitos de cortiço. Além disso, seu cinema se transformou em uma Igreja Evangélica. Outro aspecto que fere o tímido orgulho paulistano, acentuando o estigma de sua “deselegância discreta”, é o fato de o Copan ser uma obra renegada por Oscar Niemeyer, devido à atribulada história de sua construção, que resultou em amputações inaceitáveis no projeto. Aliás, o conjunto do Parque Ibirapuera é outra obra paulistana que ficou muito tempo inconclusa, fato que o arquiteto carioca não cansa de lamentar. É que São Paulo é mesmo, em grande medida, o avesso do “projeto”, uma cidade inacabada em sua raiz, cuja transformação contínua impede a plena realização da obra de arte, com o grau de acabamento que ela requer. “Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína”. O verso de Caetano Veloso fala de um Brasil bem paulista, acostumado com o aspecto mutante e muitas vezes chocante das coisas. Nesse sentido, o Copan “ruinoso” de hoje, descaracterizado desde a origem pela desorganização especulativa da classe empreen-
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tornando-o, de fato, um poderoso emblema da cidade. Um emblema com capacidade de alterar seu conteúdo ao longo do tempo. A ausência, em São Paulo, de contornos definidos e relevos naturais salientes, impossibilitando a apreensão da cidade em sua dimensão sensível, faz com que ela se reconheça em ícones edificados, como o Copan. Este, torna-se seu símbolo, mas não apenas porque é um contraponto de leveza à cidade embrutecida. Ele também tem a brutalidade que São Paulo identifica como sua, tanto na gigantesca proporção (possui 32 andares com 10.572 m² cada), como na aparência severa do concreto armado. Quando esteve no Brasil em 1929, Le Corbusier idealizou megaintervenções urbanas no Rio de Janeiro e em São Paulo, em que o partido adotado era o mesmo: construir circuitos contínuos de edifícios quilométricos suspensos sobre pilotis, que comportassem uma autopista para automóveis na sua cobertura. Seriam “edifícioscidade” (prenúncio das megaestruturas dos anos 1960), ou “terrenos artificiais”, como diz Lucio Costa. Diante da paisagem menos exuberante da capital paulista, adotou uma forma de implantação mais rígida do que no Rio: a cruz (dois grandes edifícios se cruzando). Porém, a beleza poética de sua ideia é sutil, e está na percepção topográfica da cidade, feita de colinas. Os edifícios alinhariam a cidade por cima, criando duas grandes plataformas horizontais a partir de suas cotas mais altas, os espigões. Hoje, a vista 360º que se tem desde a cobertura do Copan, implantado em um vale, dá uma dimensão palpável do que poderia ser essa cidade visionária. O Copan pode, portanto, ser visto como um fragmento real desse grande edifício corbusiano que só existe no plano da fantasia, com o acréscimo, é claro, das curvas. Por essa filiação, o Copan é radicalmente diferente do Edifício Itália e do Hilton Hotel, seus vizinhos. Enquanto estes são apenas torres, o Copan é uma cidade vertical. Implantado em forma de “S”, tem extensão contínua preenchida com galerias de comércio no térreo e um jardim suspenso, numa cota intermediária. São lições herdadas da matriz corbusiana, concretizadas na Unidade de Habitação de Marselha, de 1947, aqui reinterpretadas magnificamente. O edifício não é belo nem feio em si, pois não é autorreferente. Ele não resulta das normas restritivas da legislação, não se acomoda a elas. É um equipamento urbano, pois interage com a cidade. Sinal disso é a topografia movimentada do seu térreo. O piso da calçada interna nas galerias comerciais não é “fabricado”, nivelado, como de
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um shopping center ou de qualquer espaço que se adentra tendo-se já “saído” simbolicamente da cidade. Os desníveis desse piso acompanham a topografia do terreno, que se acomoda entre as alturas dos lotes vizinhos e das ruas. A forma prismática e torcida do edifício, por sua vez, altera a percepção da cidade, como se uma peça gigante de Richard Serra tivesse sido implantada no centro de São Paulo, desequilibrando o ritmo monótono de seus prédios. No caso, a vertigem não é só da altura, pois ocorre tanto no olhar de cima pra baixo quanto de baixo para cima. Analogamente, a relação ativa que estabelece com a cidade não se dá apenas de fora para dentro – o volume no espaço –, mas também em sentido inverso. Uma simples quitinete do Copan, tem 18 m² de janela para a cidade. As aberturas são plenas, de piso a teto, emoldurando São Paulo como um fragmento enorme em diversas alturas. Seus grandes quebra-sóis servem também como uma curiosa varanda em abismo, um sofá-mirante da cidade. O projeto, assim, dissolve a visão burguesa da “casinha arrumada”, propondo uma moradia que está em relação imediata e obrigatória com a metrópole. Há quem veja nessa superexposição forçada uma forma de opressão. É claro que os labirintos da vida privada são infinitos, e também no Copan o lar burguês pode ser recomposto, tornando-se um apartamento qualquer de Moema, Santana ou Morumbi. Decodificar essas transformações é também uma maneira rica de aproximar-se do edifício. O fato é que o Copan é múltiplo, pois concentra a diversidade, e por isso resiste. Se São Paulo seguiu o modelo urbano norte-americano de periferização e degradação progressiva do seu centro, este, tornou-se desvalorizado, sujo, abandonado. Mas, nesse movimento, não deixou de ser um microcosmo do Brasil, com suas pulsações vivas. O Copan é também um símbolo dessa diversidade possível, enriquecedora, pois a generosidade de sua concepção convida a uma experiência coletiva verdadeiramente urbana, resistente à postura blasé de uma elite ilustrada que pretende “reconquistar” o glamour do centro de sua cidade. O Copan ensina a enfrentar os contrastes, e gozar os incômodos e a liberdade da vida moderna. Guilherme Wisnik é arquiteto, autor de Lucio Costa (Cosac Naify, 2001), e colunista da Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em Big no. 39 – Utopia. Big Magazine: New York, 2001. Cf. Presença de Le Corbusier, em Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995, pp. 144-154.
PONTO DE VISTA
BRASÍLIA IDEIA DE UM NOVO BRASIL
Paulo Mendes da Rocha
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Brasília lançou a ideia de um novo Brasil. Foi a realização de um projeto em andamento, porque não vejo o país antes ou depois, o que vejo é a continuação de um processo, o sonho de ocupação do território, que era um sonho americano. A América foi fundada com essa visão, a de construção, a da possibilidade de habitar o planeta; aqui não havia nada. Portanto, como nós sabemos, é um projeto antigo esse de transferir a capital para o interior do Continente, que se realizou por manifestação da vontade. Acho que foi uma etapa consolidada. Veja que uma coisa tão extraordinária não constituiu uma grande polêmica nacional, ao contrário, hoje, por exemplo, quem perguntar para qualquer cidadão brasileiro sobre Brasília, ele vai dizer que foi ele que construiu, que é uma realização do povo brasileiro. A República estabeleceu-se assim, com a visão nítida de que na América a questão é a ocupação territorial. Vale ressaltar que o
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interessante no caso é que essa ocupação já pressupõe parcerias. Por exemplo: no que diz respeito à navegação fluvial e à ligação Atlântico-Pacífico, uma questão americana que tem de ser realizada por meio da solidariedade entre Chile, Peru, Bolívia, Brasil, Argentina. São projetos já continentais o que está sendo hoje discutido em política internacional, horizontes futuros, a posição da América, tudo fica muito ligado a esse espaço territorial latino-americano e, sob esse aspecto, é muito importante o que foi feito em relação à construção de Brasília. Os detalhes precisam ser discutidos após a conclusão e a ocupação da cidade. Dependem de uma harmonização das cidades satélites, mas, como atitude fundamental, o estabelecimento daquela mudança imediata e a construção da cidade significaram uma experiência muito interessante. Por outro lado, também acho que a ideia de um concurso com júri internacional
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Congresso Nacional, o equilíbrio das formas.
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mobilizou uma ampla discussão pública, o que também foi positivo. Niemeyer e Lúcio Costa foram exemplares, inclusive do ponto de vista das relações do Brasil, ou seja, da expressão do Brasil como cultura no mundo. Na opinião de amigos de grande prestígio internacional, Brasília representou um exemplo de aplicação do princípio da arquitetura contemporânea, no que se refere à questão habitacional. A graça e o prazer, a justa proporção do que seria já a moradia vertical, agregando lazer, trabalho, tudo isso é muito interessante. Também a ideia dos eixos: um eixo monumental e um eixo habitacional, os vazios associando, por exemplo, no caso da universidade, lazer e conhecimento de uma forma muito positiva. Eu me lembro, nos primeiros anos da Universidade de Brasília, de experiências de convivência com gente do Brasil inteiro, de vários pontos do país, estudando na Capital Federal. O que foi uma continuação do que já se havia visto nos pri-
mórdios da República, homens como Drummond de Andrade, Pedro Nava, provenientes de fora para estudar medicina, estudar direito, ou como a família de meu pai que era baiana, veio ao Rio de Janeiro, onde ele estudou engenharia. Agora, com Brasília comemorando seus mais de 50 anos, devemos lembrar que 20 foram de ditadura militar, o que nós não esperávamos; é um fator de amargura. Na prática, não é para se esquecer e, no plano político, podemos dizer que Brasília está sendo, agora, mais uma vez refeita, a duras penas nesses primeiros governos democratas. Esperamos que tudo isso continue. Eu vejo assim Brasília, como uma tarefa para nós. De todo modo, Brasília é uma obra que contém o máximo valor quanto ao aspecto artístico, principalmente daquelas realizações de grande envergadura, que envolvem a mobilização do esforço público, a parceria entre o público e o privado. Brasília é exemplar, é uma
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Catedral de Brasília pelo traço de Oscar Niemeyer.
atitude de governo, assim como representa o aproveitamento máximo das técnicas da engenharia e da sabedoria específicas, todos solidários para implantar o projeto; isso é muito importante na construção de uma nação. Ninguém, em particular, pode se responsabilizar por Brasília, porque Brasília é um projeto nacional, mas é estimulante saber que tivemos, em sua construção, artistas à sua altura. O grande mérito de Brasília é a fundação de uma cidade inteira e a consequente ocupação de um território. Isso, claro, se nós tivéssemos
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explorado essa realização como deveríamos. Aliás, já estamos muito atrasados, basta citar a questão da navegação fluvial, num país com uma rede dessas que temos. Frank Gary disse certa vez em uma entrevista para o Mais (Folha de São Paulo), que não acredita em urbanismo, para ele urbanismo estaria nas mãos das incorporadoras. No entanto, para mim a ideia de urbanismo e planejamento é uma ideia que envolve uma visão nacional. É claro que envolve o caráter arquitetônico, mas ninguém, isoladamente, vai dar a
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Palácio da Alvorada no gesto de Niemeyer.
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Acima, Niemeyer em seu escritório no Rio de Janeiro, e abaixo, Paulo Mendes da Rocha, em São Paulo.
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solução. Um projeto desses exige uma nação, uma consistente forma de planejamento nacional abrangendo todas as variáveis envolvidas. Não se pode imaginar que a América Latina seja feita, enquanto planejamento, pelas mãos exclusivas da iniciativa privada. A empresa privada vai estar contemplada dentro dos objetivos de uma República, mas nenhuma das duas partes deve ser submetida à outra, é uma questão de consenso. E não existe nada que possa ser feito na dimensão de um continente, de uma América, sem planejamento e consistência, que tem de começar pela atitude do Estado. São projetos que só podem ser implementados com larga visão, como as barragens, que foram construídas por empresas privadas, mas com planejamento de caráter abrangente, estatal. Basta lembrar que todas as barragens possuem eclusas, portanto, o Tietê, para citar um caso, é navegável até o Paraná; ou seja, a ligação do Amazonas com o Prata é possível. É importante para o escoamento da produção da agroindústria, um sistema que associado às ferrovias, constituiria uma rede mais ampla. A navegação fluvial é particularmente muito estimulante, pois substitui os caminhões: barcaças transportam o equivalente a 200 caminhões e não há nada que se compare. Por isso é fácil imaginar por que outros países já fizeram os famosos sistemas como o Volga, o Don, o Ruhr e o Mississipi. Então, ainda há muito a fazer para transformar a América Latina, justamente naquilo que sempre se sonhou. Uma esperança para as angústias do mundo. Sabe-se que o mundo necessita de uma discussão permanente sobre a construção da paz para inverter essa produção toda destinada à guerra. A paz implica em novas fontes de trabalho. Tudo isso, na minha opinião, do ponto de vista simbólico, mas com muita força, está ligado a essa operação, pensar na interland com a mudança da capital. Embora ainda seja um gesto simbólico, é necessário diante dos tempos que esperamos para todos. Hoje eu penso em cidades novas, fundadas dentro desse horizonte de ligações entre o Atlântico e o Pacífico, com a navegação fluvial, que podem criar um horizonte interessante para as cidades já saturadas e quase impossíveis de serem sustentadas, como São Paulo, particularmente, e o próprio Rio de Janeiro. Paulo Mendes da Rocha, nome consagrado da arquitetura, recebeu os prêmios Mies Van Der Rohe de 2001 e Pritzker de 2006.
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REFERÊNCIA
VÍNCULO DA FORMA
AS ORIGENS DAS LINHAS SINGULARES
Luis Eduardo Borda
A
Arte Moderna sempre constituiu, é minha hipótese, uma referência importante para as formas de Oscar Niemeyer. Isso já havia sido observado, aliás, pelo artista plástico Max Bill, quando de sua visita ao Brasil em 1953. Referindo-se à linha ondulada e aos planos com contorno sinuoso (“formas livres”) que vira em sua arquitetura, Bill apontara: “Na arte de hoje (esta forma livre) foi introduzida primeiramente por Kandinsky nos seus quadros, em 1910 aproximadamente. Na sua forma contemporânea, ela é a expressão típica de Hans Arp, que após dezenas de anos ainda a pratica nas suas esculturas e relevos (...) harmoniosos. 70
A aplicação dessas formas na decoração, no têxtil, na publicidade, nos stands de exposições (...), é um fato que se encontra a todo instante na Europa”. (Bill, 1953, p. 14). A observação de Bill não era contudo elogiosa. Tratava-se, antes, de uma crítica dura ao uso de tais formas na arquitetura, uso considerado pelo artista construtivista algo “decorativo”, gratuito e que nada tinha a ver com uma “arquitetura séria”. (Idem). Não obstante o caráter duro da crítica, a observação de Bill era certeira: as formas de Niemeyer podiam ser compreendidas a partir de seu vínculo com determinada vertente da arte abstrata, sendo os planos sinuosos de Kandinsky, Matisse ou Hans Arp referências importantes para o entendimento do desenho do arquiteto. A meu ver, a observação de Bill foi importante também porque a partir disso ampliaram-se as possibilidades de entendimento da obra de Niemeyer. Ou seja, a arquitetura de Le Corbusier ou de Mies van der Rohe deixou de constituir a única possibilidade de compreensão de sua obra. É interessante observar, por outro lado, que, se até 1953 (ano da crítica de Bill) a aproximação de Niemeyer caracterizou-se pelo vínculo com determinadas expressões da arte moderna, depois disso sua arquitetura passou a tomar um direcionamento preciso: a partir desse período determinada vertente da escultura moderna começou a comparecer na concepção de suas formas, escultura aliás vinculada àquela mesma vertente da pintura que serviu de base para a arquitetura que realizara até então. Em meu trabalho de Doutorado, intitulado O Nexo da Forma. Oscar Niemeyer: da Arte Moderna ao Debate Contemporâneo, discuti os vínculos da obra de Niemeyer com a arte moderna, precisando tais pontos de contato, inclusive, a partir do contraste com determinadas questões da arte contemporânea. Neste breve artigo a intenção é apontar algumas das conclusões dessa pesquisa, desenvolvida entre 1999 e 2003 na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Como apontara Max Bill, a arquitetura que Niemeyer vinha realizando até os anos 50 se caracterizava pelo vínculo com determinada vertente da arte moderna, não com o Construtivismo, corrente da arte defendida por Bill. A posição do artista suíço inseria-se na polêmica travada desde os anos 30 entre concretistas e abstracionistas. (Seuphor, 1957. Cocchiarelli, 1987). A discussão, começada por Theo van Doesburg e
retomada por Bill, colocava em evidência diferenças básicas entre uma concepção estética e outra: de um lado (Concretismo) o veto radical às referências figurativas (natureza). Para essa corrente o único ponto de partida deveria ser a imaginação ou as formas criadas pelo espírito humano. Associava-se a isso a busca de integração entre arte e indústria, a valorização da técnica, bem como a utilização da superfície (plano) e não do volume enquanto elemento definidor da plástica. (Doesburg, 1925). Para os abstracionistas, ao invés, não haveria restrição alguma em tomar a natureza como ponto de partida da criação. A abstração, nesse caso, consistiria em verter tais formas por meio de um procedimento intelectual em que a forma, longe da mimese, afirmar-se-ia como produto da imaginação. Ora, era isso exatamente o que vinha caracterizando a arquitetura de Oscar Niemeyer: um desejo deliberado de tomar a natureza (seja a silhueta das montanhas ou o corpo da mulher) enquanto ponto de partida da criação. Veja-se por exemplo a igrejinha da Pampulha (Belo Horizonte, 1943), as curvas da cobertura a evocar o perfil das montanhas de Minas; o desenho do piso: uma forma sinuosa referida à lagoa da Pampulha, algo semelhante aos planos sinuosos
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Unidade Tripartida, de Max Bill.
de Hans Arp ou aos recortes de Matisse; e, ainda, o próprio painel azul e branco de Portinari, com toda a representação figurativa referente à vida de São Francisco de Assis. Outro exemplo é a residência do arquiteto à Estrada das Canoas (Rio de Janeiro, 1953). Nesse projeto, embora a referência seja o raciocínio espacial construtivista, a referência à natureza ou o modo como se configuram os planos estão longe da abstração radical que se vê, por exemplo, no desenho de Mies van der Rohe para o Pavilhão de Barcelona. A subversão à lógica construtivista está, primeiramente, no desenho sinuoso da laje de cobertura ou no contorno ondulante da piscina, ambos a evocar as formas naturais. Mas está também no desejo deliberado de assegurar a leitura integrada da forma e do espaço. Os planos que determinam as varandas são vazados e sua altura jamais alcança a laje de cobertura. Isso possibilita que se persiga com o olhar a linha sinuosa que define a cobertura, ao mesmo tempo em que se tem uma visão integrada do espaço. Tampouco o fragmento de rocha, presente na composição, bloqueia o olhar. Comparece como um elemento que emerge do solo, mas não o suficiente para obstruir a visão e impedir uma leitura unitária do todo. Assim, embora o plano seja a diretriz espacial, o que demonstra o entendimento de Niemeyer a respeito da lógica construtivista, o resultado espacial e formal é singular. Niemeyer utiliza o plano e concebe o espaço não exatamente do mesmo modo como o fizera Mies van der Rohe (certamente o desenho do Pavilhão é uma referência para o desenho de tal residência) ou como o fizera Vladimir Tatlin em seu Corner Relief (1915), por exemplo. Enquanto nestes o espaço surgia como surpresa, Niemeyer procurava quase sempre garantir uma apreensão unitária do objeto e do espaço. Mais que isso: afastava-se do rigor geométrico dos construtivistas, bem como do veto radical à natureza ao tomar as próprias formas naturais enquanto base da criação. Ora, era isso o que provocava a reação de Max Bill. A afinidade de Niemeyer não era com a radicalidade construtivista, mas sim com o Pós-cubismo[1] e com aquela vertente abstrata (Arp, Matisse etc). A partir do início dos anos 50 a arquitetura de Niemeyer começa a tomar um direcionamento preciso. Ao invés da permeabilidade interior/exterior que caracterizou seus projetos até então, Niemeyer passa a centrar-se em formas compactas: volumes brancos, densos,
Bird in Space, de Brancusi.
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depurados, a marcar uma nítida ruptura entre interior e exterior. Ora, o caráter evidentemente escultórico de tais formas pode ser facilmente encontrado no Purismo (referência importante para Niemeyer) e em determinada vertente da escultura moderna, não por acaso escultura vinculada àqueles mesmos artistas que serviram de base formal para a arquitetura que realizara até então (Arp, Matisse, entre outros). O Purismo e a escultura abstrata me parecem fundamentais para o esclarecimento dessa nova fase da arquitetura de Niemeyer. Se as relações de Niemeyer com o Purismo (Le Corbusier) já foram suficientemente apontadas por alguns autores, vale aqui esclarecer as relações de Niemeyer com a escultura abstrata, especialmente com aquela linha que deriva das figuras capitais de Constantin Brancusi e Hans Arp. Produção de grande importância no panorama da escultura do início do século XX, a obra desses artistas caracterizou-se por volumes densos, brancos, despojados, que vieram a informar posteriormente a arquitetura de Oscar Niemeyer. A obra Maiastra (Brancusi, 1912) é um exemplo que pode esclarecer a proximidade de Niemeyer a essa vertente da escultura. Trata-se da representação de uma ave mística, integrante do folclore romeno. Evitando a mimese, Brancusi estiliza a forma. Reduz a figura a seus elementos essenciais, eliminando qualquer traço ou informação que possa dificultar a apreensão da imagem no que tem de mais elementar. Tal operação formal só é possível a partir do sentido de autonomia que a forma adquire na modernidade. De qualquer modo, não obstante esse caráter conceitualmente moderno, Brancusi mantém-se atrelado ainda a determinadas questões clássicas: o uso de um material tradicional como o mármore, a utilização de um procedimento acadêmico como o desbaste da pedra, a manutenção da luminosidade clássica; e, ainda, e sobretudo, a alusão à natureza. Desta referência, aliás, deriva a simetria da forma. O corpo, em seu caráter simétrico, sempre constitui (vale lembrar) o modelo de integridade e coerência da forma ao longo de toda a história da escultura. É em virtude da simetria, também, que a imagem da Maiastra é facilmente apreendida: o objeto escultórico oferece-se inteiro ao olhar, sem implicar a complexidade espacial que iremos encontrar em esculturas construtivistas como Corner Relief (Tatlin, 1915), por exemplo. Finalmente, outro aspecto importante da obra de Brancusi é o modo como comparece a base. Menos evidente em a Maiastra, isso aparece
de modo marcante em obras nas quais Brancusi destaca o objeto a partir de um suporte contrastante ou, como no caso de Leda (Brancusi, 1923), determina uma área ampla em volta da peça de modo a destacá-la no ambiente da exposição. Ora, Niemeyer partilha com Brancusi e com a vertente da escultura que procede desse artista várias questões conceituais: a referência ao corpo, o tratamento abstratizante da figura, a axialidade da forma, a luminosidade clássica e também, no caso mais específico de Brancusi, a relação entre o objeto e o espaço em que se insere. O desenho de Niemeyer para a sede da Cesp (São Paulo, 1979) é exemplo desse raciocínio formal. O conjunto é determinado por três formas concisas, despojadas, articuladas por meio de um plano sinuoso (restaurante e foyer do auditório). Note-se que são três formas concisas, despojadas, ao mesmo tempo simétricas, organizadas todavia por meio de uma composição não simétrica. É o caso também do conhecido exemplo do conjunto do Congresso Nacional (Brasília, 1957). As cúpulas, de forte sentido escultórico, são tão simétricas quanto as torres dos gabinetes ou mesmo quanto o corpo retangular que embasa o conjunto. Não obstante a simetria das formas, a articulação é dinâmica e assimétrica. Observe-se que se trata de formas independentes, embora ligadas umas às outras pelo embasamento: formas facilmente apreensíveis em virtude de seu caráter compacto e simetria. A característica de Niemeyer é sempre trabalhar com essas formas independentes, algo que se faz marcar de modo bastante forte em seus vários desenhos urbanísticos. (Cidade Vertical. Israel, 1964; Centro Administrativo do Recife. Pernambuco, 1978; Parque do Tietê. São Paulo, 1986, entre outros). A referência ao corpo ou à figura é, a meu ver, o que primeiramente explica a unidade de tais formas (quase sempre simétricas, aliás) e a relação espacial que determinam. Seus edifícios, tal qual as figuras femininas que representa em serigrafias dos anos 80 (Reencontro. 1987: Praia Com Quatro Mulheres. 1987; entre outros), são do mesmo modo elementos independentes, corpos que se situam em determinado ponto do espaço. É certo que o urbanismo modernista, ao eliminar a malha tradicional, rompe com a coesão entre os elementos construídos e determina formas independentes: elementos isolados em meio ao verde. Não mais configurando o desenho das ruas e das praças, o edifício torna-se uma figura no espaço urbano. De qualquer modo, isso não é
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suficiente para explicar a relação espacial estabelecida pelas formas de Oscar Niemeyer. É preciso considerar, primeiramente, que o caráter compacto e o sentido de integridade de seus volumes geram uma separação clara entre o objeto e o ambiente. Interior e exterior tornam-se aí duas categorias distintas, sem que nenhuma ambiguidade venha confundir o domínio de um e de outro. A essa primeira distinção entre objeto e espaço, definida pelo caráter cerrado da forma, acrescenta-se o desejo de prover um ambiente adequado para a fruição da obra. É aí que entram os espaços amplos, sempre pavimentados, os quais passam a assegurar a integridade das figuras e destacá-las visualmente. O solo adquire, nesse momento, uma função similar àquela desempenhada pelas bases de Brancusi: torna-se uma intermediação entre o espectador e a obra, assegurando a fruição estética. É claro que o espaço externo, transformado em extensa área pavimentada, deixa em segundo plano nesse instante o sentido funcional. Destacar a integridade do volume passa a ser sua destinação primordial. Finalmente, um outro aspecto que vale salientar nesse confronto entre as formas de Niemeyer e a vertente da escultura moderna representada por Brancusi é o uso do material ou mesmo o tratamento dado à matéria. Eis o que marca um ponto de diferenciação com Niemeyer. É certo que Brancusi, por exemplo, privilegiará materiais tradicionais da escultura como o mármore e o bronze, porém os utilizará como se fora pela primeira vez. Ou seja, assumirá o material enquanto tal, suas qualidades estruturais, textura, cor, reação à luz, obtendo dessas características específicas a própria expressividade da forma. No caso de Niemeyer, embora utilize de modo coerente as potencialidades estruturais do concreto (o principal material por ele utilizado, aliás), raras vezes assumirá as qualidades plásticas desse elemento construtivo: sua cor ou as marcas da forma, por exemplo. Não por acaso pintará frequentemente o concreto de branco. Mais do que isso: no caso de edifícios que possuam caráter mais nobre revestirá a superfície com placas de mármore sempre que a forma o permita. Confronte-se, por exemplo, as cúpulas do Congresso com os volumes do Panteão à Liberdade. O corte seco do Panteão possibilita o revestimento com placas de mármore. Isso já seria de difícil execução nas cúpulas do Congresso Nacional.
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A meu ver, tanto a recorrência aos volumes brancos quanto o revestimento em mármore (algo bastante frequente nas obras de Niemeyer) não se dão por acaso. Isso reafirma, a meu ver, a alusão à luminosidade clássica e o sentido escultórico da forma, marcado pelo recurso a um material nobre da escultura. A produção escultórica de Hans Arp é outra referência que nos permite compreender o vínculo de Niemeyer com a arte moderna. Fortemente influenciado por Brancusi, produziu do mesmo modo volumes densos, brancos, compactos. A diferença são as curvas sinuosas que definem o contorno de suas formas. É também um direcionamento mais preciso para a liberdade plástica. A natureza, embora seja um ponto de partida para as suas formas, comparece tão só como um élan vital, um sopro de vida ou uma força cósmica a imprimir vitalidade ao elemento inerte (a pedra). Assim são suas Concreções Humanas (1935), formas que transitam entre o orgânico e o mineral, elementos que significam a passagem de um estado a outro, “coagulação de que resultam a terra e os astros”. (Arp, Hans apud Jianou, 1973, 8). Se produziu peças graciosamente sinuosas, ao mesmo tempo densas e compactas, Arp também realizou esculturas de corte seco, geométrico. Por vezes isso se dava num mesmo objeto escultórico: Rebento sobre Forma (1960), por exemplo. Impossível abordar os volumes sinuosos de Niemeyer ou aqueles com corte mais geométrico sem nos lembrarmos das formas de Arp. Pense-se, por exemplo, no auditório da Bolsa do Trabalho (Paris, 1972) ou no Panteão à Liberdade e à Democracia (Brasília, 1985). No caso deste último, a alusão a uma figura alada é explícita. Porém, não se trata de mimese, e sim de uma abstração a evocar um elemento da natureza. Se a referência à determinada vertente da escultura europeia apresenta-se a meu ver de modo evidente, vale a pena apontar, ainda que brevemente, alguns vínculos de Niemeyer com o contexto brasileiro. É preciso considerar primeiro que, fortemente marcadas pela arte européia, as expressões artísticas brasileiras mantiveram-se ancoradas na produção do continente europeu (berço da arte moderna). De modo que foi a própria arte européia a base comum entre Niemeyer e os artistas brasileiros de sua geração. Isso acontece em relação a Sérgio Camargo, um artista cuja produção mantém flagrante vínculo com as formas de Oscar Niemeyer. A afinidade notória entre as formas de Niemeyer e os volumes elegantes e depurados de Camargo (especialmente aqueles realizados em mármore
branco ou negro-belga) não se dá por acaso, portanto. Ambos têm em Brancusi uma referência comum, sendo os pontos de contato: a recorrência ao volume, o caráter abstratizante da forma e também o sentido de despojamento da imagem. Conforme apontara anteriormente, na fase pré-Brasília não era contudo a escultura de Arp ou Brancusi a principal referência para Niemeyer. O ponto de partida eram os planos sinuosos de Kandinsky, Arp e Matisse. Era também o pós-cubismo europeu, que aqui comparecia fortemente na obra de Tarsila do Amaral, Portinari e Burle Marx, entre outros artistas dessa geração. O caráter pós-cubista da pintura de Tarsila aparece de modo claro, por exemplo, numa tela como A Negra (1923). Nesta obra, o volume escultórico da mulher articula-se a um fundo planar, o qual, diferente da figura representada, não está todavia em perspectiva. Isso acontece também em muitas telas de Portinari e Burle Marx.[2] Vale ressaltar que, diferente do construtivismo, o pós-cubismo reunia artistas que mantiveram a referência à natureza e à perspectiva, ao
mesmo tempo em que incorporaram inovações como a estilização das figuras e a organização do espaço pictórico através de planos. Os construtivistas, ao invés, mantiveram-se radicalmente avessos à representação naturalista, optaram pelas formas geométricas, sustentaram a noção do plano enquanto diretriz do espaço e ainda defenderam a aliança entre arte e indústria. Ora, no caso de Niemeyer a aproximação era evidentemente com o pós-cubismo, não com a radicalidade construtivista. A aproximação era com o ambiente brasileiro, pós-cubista, onde a alusão à natureza implicava inclusive razões regionalistas (o que constituía, aliás, uma heresia para os artistas construtivos). O próprio Niemeyer já havia declarado que foi seu afastamento em relação a certo radicalismo europeu o que permitiu a curva sinuosa, ou, nas palavras de Lúcio Costa, a “graça” de sua arquitetura. A meu ver, o pós-cubismo europeu (fortemente presente no ambiente brasileiro) bem como determinadas expressões européias (entre
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Nu Recostado, Henri Matisse
Bibliografia:
Dorso, de Arp.
elas Arp e Matisse) são, portanto, o que explica, na primeira fase de sua obra, a presença dos planos sinuosos e a liberdade em tomar a natureza como ponto de partida da criação arquitetônica. Se, depois dos anos 50, sua obra passa a aproximar-se da escultura abstrata (Arp, Brancusi), isso se dá na esteira daquela influência inicial. Pois, do mesmo modo, não se trata de optar pelos preceitos da vertente construtiva, e sim de conceber formas que, longe de serem reprodutíveis ou formuladas segundo a lógica construtivista, articulam-se a questões que também pertencem ao póscubismo (como a referência à natureza e a ideia do volume enquanto valor inseparável da forma).[3] Se esswa leitura for correta, a singularidade da obra de Oscar Niemeyer consiste em ter vertido para a arquitetura o raciocínio pós-cubista e os princípios escultóricos da arte abstrata, acrescentando a tudo isso questões espaciais construtivistas e diretrizes do urbanismo modernista. Talvez nisso consista, também, a originalidade e o frescor de sua obra, para além das qualidades espaciais que sempre caracterizaram suas propostas.
Luis Eduardo Borda, arquiteto, doutor em Artes pela ECA/USP, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia, MG.
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Bill, Max – O Arquiteto, a Arquitetura, a Sociedade. Conferência proferida na FAU/USP em 09.06.1953. Publicada na Revista Habitat, n. 14, jan/fev. 1954. Borda, Luis E. - O Nexo da Forma. Oscar Niemeyer: da Arte Moderna ao Debate Contemporâneo. Tese de Doutorado. ECA/USP, 2003. Brito, Ronaldo – Sérgio Camargo. Cosac & Naif Edições. São Paulo, 2000. Cocchiarale, Fernando; GEIGER, Anna Bella – Abstracionismo Geométrico e Informal. A Vanguarda Brasileira nos anos Cinquenta. FUNARTE. Rio de Janeiro. 1987. Doesburg, Theo van – Arte Concreta. In: AMARAL, Aracy - Projeto Construtivo Brasileiro na Arte: 1950 - 1962. Rio de Janeiro. Museu de Arte Moderna. São Paulo. Pinacoteca. 1977. ___Os Dezessete Pontos da Arquitetura Neoplástica. (1925). In: FUSCO, Renato – La Idea de Arquitectura – Historia de la Crítica desde Viollet-Le-Duc a Pérsico. Gustavo Gili. Barcelona. 1976, p. 122. Jianou, Ionel – Brancusi. Adam Books. London, 1963. ___ Jean Arp. Arted, Editions d’Art. Paris, 1973. Néret, Gilles – Henri Matisse. Cut-outs. Benedikt Taschen. Köln. 1994. Niemeyer, O. – A Forma na Arquitetura. Avenir Editora. Rio de Janeiro, 1978. Seuphor, Michel – Dictionnaire de la Pinture Abstraite. Fernand Hazan. Paris. 1957. Zílio, Carlos – A Querela do Brasil. MEC/FUNARTE. Rio de Janeiro. 1982 ---------------------------------[1] Comentarei adiante o vínculo de Niemeyer com o Pós-cubismo. [2] Veja-se por exemplo o painel azul e branco de Portinari, na igrejinha da Pampulha. A imagem de São Francisco de Assis e as demais figuras que compõem o painel partilham o espaço com os planos sinuosos e com as linhas curvas que definem a composição. Situação semelhante comparece nas telas de Burle Marx, como o painel que realizou para o Iate Clube da Pampulha. [3] Neste sentido, aliás, a trajetória de Hans Arp é em certa medida semelhante à de Niemeyer, ao mesmo tempo que anterior. Como Niemeyer, esse escultor transitou dos planos sinuosos (“formas livres”, como dizia Max Bill) para os sensuais volumes brancos, a evocar princípios de crescimento das formas naturais.
OBRAS
PROJETOS
FOTO: DIVULGAÇÃO
NA AMÉRICA LATINA
O
Museu de Arte Moderna de Caracas foi projetado em 1954, fase em que Niemeyer opera com menos materiais e formas mais definidas. Segundo ele, as obras de Brasília marcam, juntamente com o projeto para este museu venezuelano, uma nova etapa no seu trabalho profissional. Etapa que se caracteriza por uma procura constante de concisão e pureza, e de maior atenção para com os problemas fundamentais da arquitetura. 77
Museu de Arte Moderna de Caracas - projeto não executado
Porto da Música NA CIDADE DE Rosário, NA ARGENTINA Em Rosário, Argentina, o Porto da Música tem como projeto o trabalho do importantíssimo arquiteto Oscar Niemeyer. Trata-se de um projeto com um teatro para 2.700 lugares, um centro administrativo, um centro de exposições, um restaurante, centrais técnicas e uma arena descoberta para grandes shows.
A revista Habitat, da Argentina, edição de novembro de 2012, traz uma longa reportagem de capa sobre o projeto de Oscar Niemeyer para a Casa de Música, ressaltando a importância da iniciativa da prefeitura local e da secretaria de cultura argentina.
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FOTO: REVISTA HABITAT
A universidade da integração LATINO-AMERICANA Por sua localização estratégica, em região fronteiriça, Foz do Iguaçu, no Paraná, foi o local escolhido para abrigar a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). A ideia remonta aos anos 80, mas somente no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, uma comissão foi criada pelo governo para estruturá-la. Com recursos de Itaipu, projeto de Oscar Niemeyer, o com-
plexo de edifícios poderá abrigar até 10 mil alunos, em um terreno de 144 mil metros quadrados. Pelas estimativas, a universidade deve ficar pronta até 2014.
Embaixada Brasileira em HAVANA, CUBA A Embaixada Brasileira em Cuba conta com o projeto de um dos mais importantes arquitetos do mundo, Oscar Niemeyer. O projeto teve início em 2003. Com volumetria inusitada e escala avantajada, a futura embaixada brasileira em Havana surgirá imponente em meio a casas térreas.
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CRÔNICA
paixão PELA leveza
Almino Affonso
Voltando de viagem, antes de tomar posse como governador de São Paulo, Orestes Quércia teve um almoço comigo no Restaurante Massimo, regado por um generoso Barbaresco. Em visita ao México, conhecera o Museu da Independência, onde se enfileiram, em estátuas admiráveis, as grandes figuras que lideraram a Independência dos países da América Latina. Ali estavam, com a significação histórica de cada um, desde Simón Bolívar a San Martín, Bernardo O´Higgins, José Artigas e José Martí. Segundo revelou-me, a ausência de José Bonifácio de Andrade e Silva, o Patriarca da nossa Independência, no referido conjunto estatuário, irritou o recém-eleito governador, ferindo-lhe o justificado orgulho nacional. Nesse quadro, nascera-lhe a ideia de fazer erigir, em São Paulo, o Memorial da América Latina, onde se homenageassem todos os grandes vultos da Independência da Venezuela, da Argentina, do Chile, do Uruguai, de Cuba, bem como a José Bonifácio, que plasmou o ideário de nossa Indepedência e, ao lado de D. Pedro I, a consolidara.
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Já trazia amadurecida a intenção de convidar Oscar Niemeyer para assumir o projeto do Memorial da América Latina; o que mereceu de mim entusiasta aplauso. E assim foi feito, tão logo Orestes Quércia tomou posse no Palácio dos Bandeirantes. Por oportuno, tomei a liberdade de sugerirlhe que incluísse no curriculum escolar, do curso secundário, o ensino do espanhol, como já tivéramos nos anos 40. A razão de minha proposta era óbvia, tanto pelo significado cultural em si mesmo, quanto pelas negociações diplomáticas que se faziam com vistas à instituição do Mercosul, que ampliaria a necessidade do conhecimento do belo idioma de Cervantes. Acolhida minha sugestão, tive depois o prazer de vê-la convertida em decreto, numa solenidade no Palácio dos Bandeirantes, com a presença de cônsules da América Latina e, por feliz coincidência, do grande chileno Jacques Chonchol, consagrado Ministro da Reforma Agrária no Governo de Salvador Allende, que estava de passagem por São Paulo. A obrigatoriedade do estudo do espanhol em nossa formação ginasial, lamentavelmente, não prevaleceu. Um conjunto de obstáculos, até mes-
FOTOS: ARQUIVO MEMORIAL
Fotos arquivo fundação Memorial
Acima, a passarela apoiada em piloti; abaixo, já com a nova concepção projetada por Niemeyer.
mo a falta de professores em número adequado, tornou inviável minha proposta. Mas voltemos ao essencial, ao Memorial da América Latina. Niemeyer, ao aceitar o convite que o governador Quércia lhe fazia, ponderou que seria desejável ouvir o Professor Darcy Ribeiro, cuja visão humanista com certeza enriqueceria a concepção do projeto. De imediato, o governante paulista aceitou a sugestão e promoveu um novo encontro, já ago-
ra com a presença do irrequieto homem público e consagrado cientista social, cuja agilidade mental fascinava a quantos o ouvissem. Pois assim foi, no diálogo com o governador Quércia. Pedindo vênia, de pronto Darcy Ribeiro articulou, em linhas gerais, o que lhe parecia devesse ser o Memorial da América Latina, no qual se organizaria a mais completa biblioteca sobre a América Latina, ao mesmo
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tempo valorizada pelas obras, as mais diversas, dos escritores latino-americanos. O argumento de Darcy Ribeiro era inquestionável: como continuaremos a bater às portas das Universidades da América do Norte, toda vez que se quiser estudar a América Latina? Deveremos aceitar, passivamente, que nos Estados Unidos se reproduza o arquivo ultramarino de Lisboa, onde se acumulara, ao longo de 300 anos, a maior coleção de documentos sobre nosso período colonial? As palavras brotando em catadupas – o que lhe era habitual –, Darcy Ribeiro foi desenhando o Memorial da América Latina, onde se criaria, completando a grande síntese que a Biblioteca encarnaria, o Pavilhão de Arte Popular, rico de cores e formas, com artesanato mexicano, incaico, boliviano; e, como se não bastasse, distribuindo, a cada dois anos, o Prêmio de Literatura para a melhor obra de autor latino-americano. Na sofreguidão que a criatividade lhe impunha, as palavras atropelando-se, Darcy Ribeiro ainda encontrou vaga para propor um Teatro Latino-Americano, onde se encenassem peças de nossos dramaturgos, danças folclóricas, orquestras sinfônicas, um teatro aberto ao povo para que, pela cultura, a integração latino-americana deixasse de ser um mero enunciado. Desnecessário dizer que, com essa visão de conjunto, as estátuas dos grandes próceres latino-americanos perdiam significado: eles estariam vivos nos livros, nas artes, na beleza da obra arquitetônica que Niemeyer saberia criar. Como é óbvio, a exposição de Darcy Ribeiro fora assentada previamente com Niemeyer, e portanto contava com seu apoio integral. Tudo o mais foi consequência desse encontro luminoso de dois seres dotados pelos deuses, Niemeyer e Darcy Ribeiro. Contudo, é de justiça ressaltar que o Memorial da América Latina não teria brotado do chão – como expressão de cultura nacional – se não houvesse contado com o entusiasmo do governador Orestes Quércia, vencendo obstáculos de natureza financeira e resistências de setores de nossa intelectualidade. Com efeito, por um lapso rigorosamente involuntário, ao entregar o comando de concepção e edificação da mais notável obra de seu governo, no plano cultural, àquelas duas personalidades inquestionáveis, o governador Orestes Quércia não tivera o cuidado de constituir uma comissão consultiva, algo que permitisse à inteligência paulista ter um espaço onde opinar, onde pudesse sentir-se representada. Compreensivelmente, essa omissão criou antagonismos, feriu suscetibilidades. Não quero julgar o episódio. Constato o fato. Entretanto, na
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realidade, isso foi-se tornando incômodo. A obra já se impunha em suas linhas arrojadas, esculturas e telas de artistas de renome nacional a complementar-lhe a beleza; e a intelectualidade paulista, salvo exceções, simplesmente a ignorava. Foi nesse contexto que o governador Orestes Quércia fez uma viagem ao exterior, em caráter oficial, o que me levou a assumir o Governo do Estado, interinamente, ao longo de quase um mês. Valendo-me de relações pessoais, promovi uma conferência de Oscar Niemeyer sobre o significado de sua obra mais recente e convidei a assisti-la, sabe Deus com que empenho, a nata da intelectualidade de São Paulo, arquitetos e engenheiros, as maiores figuras das artes plásticas, expressões consagradas da literatura, críticos de diversas grandezas e jornalistas o quanto pude. Foi um sucesso, sem precedentes, no que diz respeito ao Memorial da América Latina. Na sala de leitura da biblioteca, improvisando um auditório, ao longo de um tempo sem limites, demos a palavra ao genial poeta das formas. Bastava o salão da biblioteca, com seus 90 metros de vão – “recorde em construção civil”, como o próprio Niemeyer assinalou –, para que se sentisse a grandeza do momento. Com a modéstia contrastante, Niemeyer fez uma retrospectiva de sua obra, quero dizer de suas características fundamentais. O auditório parecia fascinado. À medida que expunha, Niemeyer ia desenhando, em traços rápidos, em enormes folhas de papel penduradas na parede, as linhas características, as curvas, os contornos, conforme a evolução de sua trajetória, desde Pampulha ao Parque Ibirapuera, desde Brasília ao Memorial da América Latina, sem esquecer o que deixara para sempre na Argélia, na França, na Itália. Comovedor, no entanto, era vê-lo arrancar da parede o papel desenhado, enquanto se aprestava a outros traços ilustrativos de sua exposição, um após o outro. E à medida que o papel caía no chão, sobre ele se precipitavam admiradores ansiosos por guardá-los, num recordatório da beleza daqueles instantes. Tenho orgulho em poder dizer: daquele dia em diante, rendida diante da modéstia e da grandeza de Oscar Niemeyer, a intelectualidade paulista incorporou a seu patrimônio o Memorial da América Latina. Feita essa digressão, com absoluta fidelidade, quero referir-me a um detalhe que ressalta, de uma maneira emocionante, a paixão de Niemeyer pela leveza de sua arquitetura. Naquela manhã, eu fora buscá-lo no Hotel César Park, onde estava hospedado. Sem rodeios, Niemeyer entregou-me a carta que eu aqui reproduzo, para não empobrecerlhe o conteúdo com minha síntese:
Prezado amigo Almino: O que caracteriza e entusiasma os que visitam o Memorial é o arrojo de suas estruturas. Vãos de 90 e 60 metros, balanços espetaculares etc. Somente a passarela, que conta muito no conjunto, espanta os visitantes com colunas em demasia, uma delas, inclusive espetando o eixo do vão maior. No intuito de corrigir esse aspecto estruturalmente desagradável, propus ao governador Quércia eliminar esse apoio, transformando um detalhe negativo em mais um ponto de surpresa e interesse técnico do projeto. “Estou de acordo. Você como arquiteto do Memorial tem o direito de lutar pela sua arquitetura”, foi sua decisão. Por outro lado minha ideia não oferece problemas maiores: -já está detalhada; -garante ao conjunto a unidade indispensável; -será realizada fora dos outros prédios; -o custo nada representa, considerando-se que o volume da obra é recompensado com a solução que propus, reduzindo mais de 2.000mts² de vidros e caixilhos no auditório. Mas a obra precisa ser iniciada imediatamente e para isso, Almino, conto com a sua sensibilidade. Obrigado.
São Paulo – SP, 13 de janeiro de 1989.
Sensibilizou-me imenso o gesto de Niemeyer. O que pleiteava, já contava com a concordância do governador Orestes Quércia. A mim só me impunha fazer com que se cumprisse o apelo do Artista, e esse compromisso eu assumi com ele que honraria, no curto tempo em que estivesse como governador do Estado. Ao término da conferência, fui com ele até a passarela malsinada. Era evidente a feiura das colunas a espetá-la, para repetir os dizeres de sua carta. Reuni-me de imediato, em sua presença, com o presidente do Metrô (empresa encarregada pela supervisão da obra, em nome do Estado) e com o diretor da Construtora Mendes Júnior, em São Paulo, engenheiro Airton Brega, responsável pela edificação do Memorial. Pedi ao Niemeyer que apresentasse sua alternativa: em lugar das colunas “espetando” a passarela, uma coluna lateral, que se projetaria como um braço para o outro lado da passarela, dando-lhe assim a sustentação devida. Feita a exposição, dei ordens terminativas: “quero essa correção pronta antes que eu termine meu período no governo do Estado”. Cada vez que cruzo pelo Memorial da América Latina e vejo a passarela, como uma serpente flutuando, de uma leveza que custa acreditar, eu sinto uma ponta de vaidade por haver contribuído para que ela se fizesse assim, unindo os espaços daquele monumento. Todavia, sobretudo, me impressiona relembrar o quanto Niemeyer se entrega à sua concepção artística. A carta que ele me escreveu, aqui reproduzida, diz o essencial. No entanto, não traduz a emoção com que ele falava ao longo do trajeto do Hotel César Park ao Memorial da América Latina. Não atender-lhe o apelo, era ferir-lhe a sensibilidade com que via, na leveza de sua obra, um dos aspectos mais belos de sua criação artística. Ao dar seu depoimento sobre sua obra, referindo-se às colunas dos Palácios de Brasília (sobretudo do Palácio da Alvorada, a meu ver) ele escreveu: “e me esmerei nas estruturas procurando fazê-las diferentes e as colunas finas, finíssimas para que os palácios parecessem apenas tocando o chão”. Em seu belo poema, Lição de Arquitetura, Ferreira Gullar fez a síntese da obra de Niemeyer: “Oscar nos ensina que a beleza é leve.” No episódio da passarela, eu havia aprendido essa verdade. São Paulo – SP, 2 de janeiro de 2002. Almino Affonso é presidente do Conselho Curador da Fundação Memorial da América Latina e autor de Raízes do Golpe, entre outras obras.
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PARCERIA
O ARQUITETO POR
DARCY RIBEIRO
O
scar Niemeyer é o fato cultural mais importante que sucedeu ao Brasil. Que seria de nosso passado sem o Aleijadinho? Estaríamos deserdados, empobrecidos, na mesma proporção em que ele, tendo existido, dignificou o nosso povo. Demonstrou como e quanto nossa gente mestiça é dotada da mais alta criatividade artística e cultural. Oscar é a mesma coisa, hoje. Um longo hoje, feito das décadas que ele vem iluminando com seu talento, através de obras de esplêndida beleza, distribuídas mundo afora.
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Oscar é o maior artista vivo de nosso tempo. É o primeiro brasileiro que alcança essa categoria ímpar. Enquanto viveu Picasso, pensava-se que fosse ele. Agora, não há mais dúvida possível. É mesmo Oscar o artista que se imprimirá, indelével, nesse fim de século para durar na memória dos homens do próximo milênio e até depois. Assim é, porque de ninguém se pode dizer, em tempo algum, que tenha feito tantas obras de beleza assinalável como as melhores do seu tempo. Bastaria ver Brasília. Uma cidade-capital inteira, saída toda de seus riscos, ornada dos
graças a Oscar, provando a altivez dos homens que fizeram a Revolução Argelina. O Espaço Oscar Niemeyer, do Havre, onde uma praça, milenarmente varrida do sal e do frio das ventanias do Mar do Norte, se abriga sob uma cobertura e se alça em estupendas edificações. Quando a vi, caí de espanto e de medo de ver caírem de seus muros curvos os jovens que dançavam, subindo e descendo. O Memorial da América Latina, que fará de São Paulo, um dia, a capital da Nação Latino-Americana, é, acho eu, a mais arrojada e bela das obras arquitetônicas de nosso tempo.
FOTO: ARQUIVO MEMORIAL
Amigos e interlocutores, Darcy Ribeiro e Niemeyer trabalharam juntos em vários projetos, um deles é o Memorial da América Latina. Darcy, como antropólogo intelectual atuante, desenvolveu o conceito que norteia a instituição, e Niemeyer concebeu os sete edifícios que compõem o complexo de 80 mil metros quadrados.
únicos palácios da arquitetura moderna, esplêndidos palácios: o Alvorada, o Planalto, o Supremo Tribunal, o Congresso, o Itamarati e a Catedral mais majestosa e bela que jamais se viu. Brasília, que é tudo isso, é, tão-só, uma das obras do Oscar. Antes, ele desenhou a Pampulha, onde forçou a arquitetura mundial a dar a volta por cima, a mudar de rumo. Até então, prevalecia a tacanhez do funcionalismo exacerbado. Ali se reconheceu, explicitamente, pela primeira vez, que a beleza é a única função importante, porque é a única capaz de dar permanência a uma obra arquitetônica. Depois de Brasília, Oscar fez outras maravilhas: a Universidade de Constantine, por exemplo, que permanecerá até o fundo dos tempos,
E há mais, muitíssimo mais. Inclusive a obra arquitetônica mais multiplicada, que são os CIEPs. São 500 escolões em concreto pré-moldado que, fabricados industrialmente, permitiram reduzir um terço do custo de construção. Cada um deles receberá 1.000 crianças e jovens, diariamente, para lhes dar uma oportunidade efetiva de ingressar na civilização letrada. Eles são o que de mais importante fez o Brasil em matéria de educação. Testemunhei, com gosto, o gozo com que Oscar projetou o protótipo e a paciência com que adaptou, um a um, aos terrenos em que foram edificados. Alegre de estar dando obras tão belas à criançada das áreas mais pobres do Rio.
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FOTO: DIVULGAÇÃO
O mínimo que podemos e devemos fazer, frente a Oscar, é adiantar a ele expressões de admiração que as futuras gerações lhe tributarão, generosamente. Apesar de inverossímil, a verdade é que às vezes nos deparamos com expressões de inveja da mediocridade, que reage raivosa à obra de Oscar. Isso ocorre, inclusive, na Universidade de Brasília que nós criamos. Seu Departamento de Arquitetura, composto com gente laçada na macega goiana, para suceder a equipe de Oscar, que se negou a ficar numa universidade avassalada pela ditadura, fez praça dessa mediocridade. A opinião que ali prevalece, oposta à obra de Lúcio e de Oscar, é fato teratológico, tanto mais espantoso porque a arquitetura e urbanismo de Brasília são as únicas coisas que a UnB tem para mostrar ao mundo. E que seguramente mostrará, nas décadas futuras, em que quantidades de jovens e velhos arquitetos quererão conhecer, ver, com seus olhos, esse acontecimento extraordinário, no campo das artes, que é Brasília. Embora indiferente a essas reações, mesmo porque muito mais numerosas e autorizadas são as expressões de inteira admiração de alguns dos homens mais lúcidos do mundo à sua obra, Oscar se preocupa supremamente em compreender e explicar teoricamente suas criações. Cada um dos seus projetos é apresentado com um memorial, sempre muito bem escrito e sempre lúcido na argumentação.
Oscar Niemeyer, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro.
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A extraordinária criatividade de Oscar podia, até devia, dispensá-lo desse esforço, dizendo: os idiotas que se danem! Oscar jamais assumiu esta atitude soberba, de um artista mundialmente reconhecido, diante da crítica e do público. Justifica, defende e explica cada criação. Não é tarefa fácil porque, fazendo sempre coisas novas, diferentes de tudo o que se fez antes, mesmo porque seu forte é a inventiva, ele se dá a um esforço enorme para nos ajudar a compreender o que faz de tão inesperado. Até impensável, até que ele o tenha feito. Vi Oscar criar muitas de suas obras, Brasília, principalmente. Depois, a Universidade de Brasília e a Universidade de Constantine. Ultimamente, o Memorial da América Latina. Guardarei sempre comigo a memória da perplexidade com que vi, tantas vezes, Oscar criar alguns de seus projetos mais ousados e renovadores em dois ou três dias. Bem sei que são dois ou três dias acima de trinta, cinquenta anos de dedicação e de reflexão. Mas nunca vi, em tempo algum, nada de tão ousado como a liberdade plástica que Oscar se dá como arquiteto e a coragem com que ele cria as coisas mais inesperadas, como se fizesse obra trivial, ínclita. Por este caminho é que, ao longo de décadas, ele foi construindo um padrão oscárico, que hoje é um dos pendores da arquitetura mundial. Não é impossível que, amanhã, se fale de arquitetura oscárica como um substantivo comum. Que ninguém se engane pensando que Oscar é um arquiteto brasileiro, inspirado nas curvas de nossas belas mulheres e de nossas majestosas montanhas. Qual! Nada disso. Oscar é a realização até o limite da capacidade humana de criar beleza. Que seria de nós, que seria do mundo, sem Oscar Niemeyer? Que seria de nós, se se houvesse multiplicado só essa horrível arquitetura mercantil, que constrói a imensa maioria dos prédios que se erguem no mundo inteiro? Ou essa arquitetura pretensiosa dos caixotes de vidro, ou angular, ríspida e pontuda dos perfis de aço de que é feita? Felizmente, Oscar surgiu no mundo como o arquiteto do concreto. Um arquiteto à altura da plasticidade incomparável que esse novo material oferecia à arquitetura, para que ela se fizesse mais livre e mais bela. Há outros Oscares, além do arquiteto, pouco conhecidos: o escultor, o criador de móveis, o desenhista primoroso, o escritor, aliás, grande escritor. Sua obra mais realizada nesse campo é uma autobiografia inédita. Nela, Oscar se desdobra, revivendo em palavras os recordos mais sentidos de sua vida inteira: a
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infância, a formação, as obras, os amores. Depois de publicada, muita gente vai poder sentir a grandeza desse ser humano, que é Oscar Niemeyer, o amigo dedicado, o amante amoroso, o conversador brincalhão, o homem seríssimo que carrega nos ombros o peso das tristezas deste mundo, com o mais agudo sentido de responsabilidade social. Nesse mesmo volume, o leitor tem uma boa mostra da alta qualidade dos textos de Oscar. Alguns são registros testemunhais de momentos vividos. Outros são vivos relatos de acontecimentos recordáveis. Alguns são apreciações agudas, com reflexões críticas sobre a arte, o destino, os amigos, a vida, a morte. Para começar, leia Testemunho, em que Oscar dá um balanço de sua obra arquitetônica inumerável. Leia, depois, Nuvens, para sentir a pureza do estilo literário de Oscar. A seguir, Depoimento, em que Oscar reconstitui suas vivências políticas como comunista confesso, desde
os tempos de JK, até os anos terríveis de arbítrio e mediocridade da ditadura militar. Na obra Depoimento, vê-se como Oscar sempre permanece igual a si mesmo, sempre fiel às suas lealdades básicas, de artista e de homem. Essencialmente, ao seu sentido de responsabilidade pelos destinos do povo brasileiro. Esse livro é todo um painel das vivências de Oscar. Lave os olhos em suas obras de arquitetura aqui retratadas. Os seus desenhos, belíssimos. Os seus móveis, as suas esculturas, inclusive a Tortura nunca mais, que ainda não foi edificada, mas o será um dia, para constituir uma das mais belas criações arquitetônicas de todos os tempos. Sem dúvida, a mais expressiva. Depois, diga-se a si mesmo se eu não tenho razão de dizer que Oscar é a coisa mais bela e importante que nos sucedeu.
Texto extraído do livro Meu sósia e eu, de Oscar Niemeyer.
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Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer em um momento de trabalho.
ENTREVISTA
TER MAIS DE 100 ANOS É UMA
M...
Oscar Niemeyer
Eduardo Rascov e Peter Godfrey
V
ou ao escritório de Niemeyer com Peter Godfrey, jornalista inglês comunista. Enquanto esperamos pelo arquiteto ele se debruça, sedento, sobre o mais recente lançamento do mestre, uma compilação das suas principais obras e projetos nos últimos dez anos. Repentinamente, se faz silêncio no escritório. Oscar chegou. Ele me olha bem nos olhos e diz em voz baixa: “E você quem é?” Entre os dedos, uma cigarrilha. Chegamos bem pertinho e iniciamos a conversa. 88
FOTO: FOLHA PRESS/BERNARDO GUTIÉRREZ
Eduardo Rascov – Trabalho no Memorial da América Latina e este é meu amigo Peter Godfrey, jornalista do Morning Star, antigo tablóide comunista inglês. Ele veio de Londres e percorreu o Brasil, mas não podia ir embora sem antes fazer umas perguntas para o senhor. Peter Godfrey - Sei que você agora está muito ocupado com projetos novos, não? Oscar Niemeyer - Estamos trabalhando, procurando sempre a surpresa. Porque aquela ideia do Bauhaus de arquitetura – “a máquina de habitar” – era a maior bobagem, a ar-quitetura pode ser útil e ser bonita. Criar espanto. Nossa arquitetura objetiva atender o programa apresentado, mas a gente quer coisa que cria um pouco, que surpreenda quem vê. É aproximar a arquitetura duma obra de arte, quando a emoção e o espanto representam a característica principal. E.R. - E o senhor ainda se surpreende com o resultado de sua criação? O.N. - Eu não sou mágico, não. A arquitetura é sempre uma surpresa. O passado acabou. A arquitetura hoje é para você utilizar o concreto
em toda a sua possibilidade. Não há mais razão para fazer uma arquitetura simples, retilínea, porque no concreto ficou mais fácil…. Antigamente, por exemplo, na Renascença, eles iam fazer uma cúpula e não passavam de 30, 40 metros. Hoje a gente pode fazer com 200 metros. P.G. - A política se expressa também no desenho? O.N. - Aqui no escritório, a gente tem que dar o exemplo. Há cinco anos vem um cientista aqui conversar com a gente toda terça-feira. Primeiro ele falava sobre filosofia, história, agora é mais sobre o cosmos. Então a gente sai de uma aula sobre o cosmos se sentindo menor, mais modesto. As coisas não são tão importantes assim, o homem é um fodido mesmo P.G. - Pensando ainda o elemento político da arquitetura, você não quer uma arquitetura simplificada, não? O.N. - A arquitetura é uma coisa. A política é outra. É fazer o mundo melhor. O dia em que a gente puder influir na arquitetura vai ser diferente. As casas serão mais modestas, mas os gran-
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Niemeyer em 2007, no seu estúdio em Copacabana.
Niemeyer em 1988, durante uma visita ao canteiro de obras do Memorial da América Latina.
des empreendimentos humanos, os teatros, os estádios, os cinemas serão maiores ainda, porque todos poderão acessar. Hoje em dia, o arquiteto trabalha para o governo, para os ricos, o pobre está fodido, o pobre vê aquilo tudo de longe… Os ricos do Brasil, a elite ignorante, se encerra em cada apartamento de luxo! Os mais pobres estão nas favelas, são olhados por essa elite como gente ignorante, quase inimiga. Isso tende a acabar. P.G. - Pelo seu sobrenome, eu queria perguntar se tem alguma ascendência judia? O.N. - Não, meu nome é Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares. Ribeiro e Soares são portugueses, Almeida é árabe. Eu devia me chamar Oscar Ribeiro de Almeida, porque convivi a vida inteira com meu avô. Mas o nome estrangeiro contou mais. Eu tenho agora vontade de assinar Oscar Niemeyer e Ribeiro de Almeida, pela minha ligação com o meu avô. E.R. - O que o senhor achou da eleição do presidente Barack Obama? O.N. - Eu gostei, é uma boa figura. Mas nós não podemos querer demais dele, eu tenho a impressão que ele está tentando fazer o que pode, mas não pode de repente mudar tudo. Mas só criando uma situação favorável a Cuba já mostra que é uma pessoa mais evoluída, porque o Bush é um merda, ameaçou o mundo inteiro. E.R. - O senhor ainda acredita que o comunismo tem um papel no mundo de hoje?
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O.N. - Queremos tão pouco. Queremos que o homem seja igual, de acordo com a capacidade de cada um. Queremos que o homem olhe o outro com fraternidade e não procurando defeito, todos nós estamos juntos no mesmo barco. Veja a história, aqueles grandes imperadores sempre travando guerras, quando chega em Karl Marx parece que a vida se ilumina. P.G. - No Brasil tem muita televisão, muita novela, não? O.N. - Ah, uma merda, novela em geral mostra o mundo pior do que ele é, um grupo de pessoas se agredindo, cenas mais deprimentes… algumas são melhores que outras, mas… P.G. - É um mundo consumista… O.N. - Na verdade, é tudo briga por negócio de dinheiro… P.G. - Você sempre escolheu muito bem seus colaboradores… O.N. - É, eu gostava. Di Cavalcanti, por exemplo, eu gostava de trabalhar com ele, porque de todos era o mais inteligente, o mais informado, ele sabia das coisas, era culto. Sujeito muito forte. P.G. - Para manter o espírito jovem tem que ter uma atitude como a da criança de maravilhar-se, de espantar-se… O.N. - Acho que a vida é difícil, a gente fica mais velho e vai se despedindo dos outros. A vida não tem muito sentido, não. Mas ela é mais digna se predomina essa vontade de ser útil, de
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ajudar o outro. O resto, isso de se dar importância é uma merda, ninguém é importante. P.G. - E a beleza, também é importante para você? O.N. – Darcy Ribeiro dizia que a beleza e a mulher são fundamentais. É como eu disse a você: A vida? É mulher do lado e seja o que Deus quiser. Que ainda a coisa boa que a gente faz é trepar. E.R. - Oscar, como é viver mais de 100 anos? O.N. - É uma merda. É uma merda porque você se despede de muita gente. Por exemplo, eu agora quero ir a Paris. P.G. - Naquela época dos militares você sentiu muito medo? O.N. - Não. Fui chamado na polícia diversas vezes, mas não sofri nada. E.R. - O senhor tem até uma foto do Luís Carlos Prestes em seu escritório. O senhor era muito amigo dele? O.N. - O Prestes vinha para o Brasil e precisava arranjar uma casa para ficar. Eu comprei um apartamento e dei para ele. Fiquei muito satisfeito com isso. Quando ele saiu da prisão (em meados da década de 1940) foi para o meu escritório na Rua Conde Lage, no Rio. Disse pra ele, você está fazendo um trabalho mais importante do que eu, fica com esse escritório que eu vou procurar outro lugar. Ele transformou meu escritório em “comitê metropolitano”. Era uma figura fantástica.
P.G. - Você ainda é militante comunista? O.N. - O partido está fraquinho… E.R. - O PCB tornou-se PPS… O.N. - É, mas eu não tomei conhecimento disso. O meu é o mesmo partido, do tempo antigo. O partido está menos conduzido neste momento. Não tem influência, o pessoal não tem acesso. Mas vai melhorar. Vai melhorar. Sua filosofia é tão natural. P.G. - Você escreve também… O.N. - É, eu escrevo. E.R. - Como é sua rotina de trabalho? O.N. - Hoje, por exemplo, atendo quem vem falar comigo pela manhã. E trabalho depois do almoço até onde der. P.G. - Você fuma muito? O.N. - Não. Sempre fumei muito pouco, mas agora fumo mais quando estou trabalhando, entre uma dúvida e outra… P.G. - Muito obrigado por tudo, os projetos dos últimos dez anos são emocionantes. O.N. - Quando passarem pelo Rio de Janeiro outra vez e quiserem subir para conversar, é só apertar a campainha. (Trecho da entrevista publicada pela revista Brasileiros.)
Eduardo Rascov é editor do site do Memorial da América Latina. Peter Godfrey é jornalista inglês.
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DESIGN
NIEMEYER DESIGNER Fรกbio Magalhรฃes
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Chaise Longue dĂŠcada de 1970.
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Poltrona baixa Módulo (1980).
Normalmente os arquitetos estão vinculados ao designer. A própria palavra designer, em inglês, define tanto o projeto do objeto quanto o projeto arquitetônico. Em português, porém, não temos uma palavra que defina ambas as coisas. O que temos em português é projeto e desenho, que são coisas muito distintas. O desenho aqui é entendido como projeto, como vontade de ser. Ou seja, é uma ideia à qual você dá forma. No caso da relação entre designer e arquitetura, temos o projeto do espaço e o projeto do objeto. Um é arquitetura e o outro é o designer, mas é uma fronteira muito tênue entre ambos, como concepção, como ideia. Por isso a maioria dos grandes designers são arquitetos e têm formação de arquiteto. O próprio Oscar Niemeyer, embora muito conhecido como arquiteto, teve uma produção expressiva como designer. É bom lembrar, aliás, que o design de Niemeyer é feito em parceria com sua filha Ana Maria Niemeyer, recentemente falecida. A concepção do projeto é de Niemeyer. E o desenvolvimento do objeto concebido por ele tem a participação de Ana Maria. O design de Niemeyer está muito vinculado à sua arquitetura. Ele é muito expressi-
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vo como arquiteto, mas seguramente também como designer. As formas e os objetos que ele produziu, sobretudo na área de mobiliário, também têm a referência marcante das curvas, como na arquitetura. Você sente as curvas nos desenhos dos seus objetos. Ele tem uma cadeira, por exemplo, chamada chaise longue, que tem formas curvilíneas, que lembram muito as curvas da sua arquitetura. É uma cadeira clássica do Niemeyer e talvez seu design mais famoso. Várias das cadeiras que ele concebeu seguem o design das curvas. Destaco ainda, em relação a seus objetos, que Niemeyer sabe escapar do supérfluo, ir ao essencial. Embora ele se preocupe com a beleza, privilegia também a simplicidade das formas a serviço da funcionalidade e do conforto, no caso das cadeiras. Ele se volta para a beleza, coerente com sua arquitetura, mas faz um objeto substantivo, sem supérfluos, sem coisas agregadas. Nas cadeiras, ele usa madeiras brasileiras, além de metal, couro e palha. Certamente as cadeiras que ele desenhou sempre serão destaque na produção mundial. Fábio Magalhães é historiador, crítico e curador do Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba.
FOTOS:REVISTA MÓDULO
Poltrona baixa Módulo (1980).
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TRAÇO
O GESTO SENSUAL DO
POETA DAS CURVAS Oscar Niemeyer
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Sempre defendi a importância que tem para qualquer arquiteto ou artista plástico uma boa experiência do desenho figurativo. Mesmo se na sua profissão não tiverem interesse ou necessidade de desenhar uma figura humana, aquela prática lhes dará a habilidade manual do desenho à mão livre. Quando redigi, em Alger, uma reforma do ensino da arquitetura, três coisas propunha. Uma, que o estudante aprendesse a escrever corretamente, de forma a defender com clareza seus projetos. Outra, que saísse da escola consciente deste mundo injusto que o espera, pronto a assumir uma posição solidária e coerente. E outra, principal, que soubesse desenhar. Não o desenho técnico feito com régua e esquadro, mas o desenho a mão livre que, como disse, vai lhe permitir com facilidade conceber os croquis e projetos que seu trabalho de arquiteto reclama, desde o traço inicial. Sem essa base fundamental tanto o arquiteto como o artista plástico seguem, sem querer, o caminho mais simples e menos criativo, e certamente por isso, como se vê com frequência, muitos são obrigados a defender a própria deficiência utilizando velhos argumentos de purismo que não lhes tiram o sentido inevitável. Inserido no desenho, um campo novo e paralelo de atividades lhes é oferecido, e o arquiteto principalmente se sentirá mais integrado nas artes plásticas, que afinal fazem parte da sua arquitetura.
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DESENHOS E FOTOS:REVISTA MÓDULO
HOMENAGEM
Memorial da amĂŠrica latina Rodrigo Queiroz
FOTO: DIVULGAÇÃO
FOTO: NELSON KON
Em frente, prédio do Salão de Atos, e ao lado, a Biblioteca Victor Civita
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fOTO: ARQUIVO MEMORIAL
A arquitetura de Oscar Niemeyer contém um ideário de intenções e desejos compreendidos em um processo reflexivo que já perdura há sete décadas. Em 2006, o projeto que marcou a presença de Niemeyer no cenário da arquitetura moderna ocidental, comemora setenta anos: trata-se da sede do Ministério da Educação e Saúde Pública do Rio de Janeiro. Desde então, a quantidade de obras idealizadas pelo arquiteto já superou a barreira dos três dígitos. Mas certamente, o mérito de Niemeyer não reside na quantidade de projetos, mas na capacidade de criar beleza a partir de um método de trabalho absolutamente racional, metódico e obstinado.
Em seus depoimentos, Niemeyer sempre ressalta a importância do contraste entre a forma simples e a forma inventiva e como a racionalidade de uma valoriza a expressão formal da outra. Contudo, em projetos com um maior teor de complexidade espacial, que exigem o arranjo de diversos objetos para a devida distribuição do programa, o arquiteto se vê obrigado a abrir mão da solução do contraste entre dois volumes e especula a solução que permite a utilização de um vasto repertório de formas sobre um único plano horizontal, como podemos notar no Centro Administrativo em Recife (1982), e no Centro de Convenções na Barra da Tijuca (1997). Quando associamos o processo conceptivo dos numerosos projetos de Niemeyer
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Parte externa do Auditório Simón Bolívar
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fOTO: ARQUIVO MEMORIAL
Parte interna do Audit贸rio Sim贸n Bol铆var
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a uma simples equação combinatória entre um repertório restrito de formas associado a um sistema compositivo elementar, não estamos subtraindo o caráter genial e singular de suas obras. Ao contrário, mostramos a capacidade que ele tem de expandir seu universo ao infinito de possibilidades, justamente porque limita a abrangência de seu problema a um mero sistema de formas e de composições espaciais. Tal habilidade, que consiste em transformar a regra em invenção plena, também pode ser diagnosticada em artistas como Pablo Picasso. Apesar dos diversos projetos caracterizados pelo partido que adota a utilização de vários volumes em um mesmo sítio, pouquíssimos foram executados: o Conjunto Arquitetônico da Pampulha (1943); o Conjunto Arquitetônico do Parque Ibirapuera (1951); o Centro Cívico de Brasília (Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes — 1958); o Centro de Exposições em Trípoli (1962); a Universidade de Constantine na Argélia (1962); o Memorial da América Latina em São Paulo (1986) e o Caminho Niemeyer em Niterói (2000—em construção). Podemos dividir em duas categorias os projetos citados acima: aqueles em que a racionalidade da grande maioria dos objetos estabelece uma relação de contraste com um ou mais objetos de expressão formal mais pronunciada; e aqueles em que cada edifício do conjunto possui uma autonomia plástica própria e a unidade arquitetônica é dada pela diversidade estética dos edifícios. Na primeira categoria, poderíamos citar o Conjunto Arquitetônico do Parque Ibirapuera, a Universidade de Constantine e a Exposição em Trípoli. Os projetos que ilustram a segunda categoria têm quase sessenta anos de diferença: são o Conjunto Arquitetônico da Pampulha e o Caminho Niemeyer. O único projeto de Oscar Niemeyer caracterizado pela utilização de diversos objetos e que não se enquadra em nenhuma das duas categorias descritas é o Memorial da América Latina em São Paulo. A relação hierárquica entre os volumes do Memorial não é tão evidente como no caso da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes, onde se nota a dualidade existente entre objetos de concepção formal mais simples e racional, como nos edifícios do Ministério, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal, e aqueles dotados de uma expressão formal mais pronunciada como os plenários do Congresso Nacional. Do mesmo modo, não podemos associar o projeto do Memorial ao Conjunto da
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Pampulha e ao Caminho Niemeyer, pois alguns objetos arquitetônicos do Memorial possuem uma mesma matriz formal, dada pela abóbada apoiada sobre pórtico. Em projetos como a Universidade de Constantine e o Conjunto do Parque Ibirapuera, Niemeyer elege a barra suspensa de proporção horizontal para criar o contraponto com os volumes de forma livre (auditório em Constantine e a Oca no Ibirapuera). Nesses casos, os edifícios de forma serena e simplificada, são encontrados em maior número, se comparados aos de forma livre. A análise desses projetos, sob a luz da ideia de unidade arquitetônica dada pela relação de contraste entre o todo (forma racional) e o específico (forma expressiva) nos permite intuir que no projeto para o Memorial da América Latina o “todo racional”, expresso pelas barras longilíneas suspensas nos projetos anteriores, dá lugar às abóbadas apoiadas sobre vigas. A ideia da abóbada apoiada sobre a viga, que caracteriza o conjunto do Memorial, advém do desejo de que o ponto de encontro das abóbadas não toque o solo. Tal solução pode ser diagnosticada pela primeira vez na obra de Niemeyer, no Auditório da Universidade de Constantine na Argélia. No Memorial, a unidade é dada pela relação de objetos que utilizam os mesmos recursos plástico-estruturais, porém assumem linguagens distintas. O Salão de Atos, pela sua locação na praça e pelo seu caráter de destaque no conjunto, mesmo possuindo a mesma matriz formal do Grande Auditório e da Biblioteca. O edifício é constituído de apenas uma abóbada apoiada sobre a viga. Porém, diferentemente da maioria das abóbadas projetadas pelo arquiteto, a do Salão de Atos apoia-se perpendicularmente ao solo, enquanto as demais descarregam suas forças em planos inclinados com relação ao piso. A tônica cromática do Memorial da América Latina baseia-se no concreto pintado de branco, nas caixilharias de vidro preto e no piso de concreto sem pintura. O gigantesco plano vertical preto que reveste o Salão de Atos faceia a borda da abóboda, conferindo um aspecto muito mais volumétrico do que planar ao objeto. Diferentemente do Auditório, onde o caixilho encontra-se abrigado sob as três abóbadas. Nesse caso, não só a espessura, mas parte da superfície inferior das abóbadas encontra-se aparente, o recuo da caixilharia desmaterializa o volume e valoriza a leitura da sucessão de abóbadas.
FOTO: NELSON KON
fOTO: ARQUIVO MEMORIAL
Vista interna e foto aérea da Biblioteca Victor Civita
No edifício da Biblioteca, Niemeyer rompe o ritmo horizontal da abóbada, marcando a entrada do edifício com uma abóbada de menor raio, utilizando, ao invés de concreto, o próprio vidro preto. O contraponto às abóbadas do Memorial é estabelecido por meio da utilização de dois volumes cilíndricos: o restaurante e o Parlamento Latino-Americano.
O restaurante, hoje Galeria Marta Traba, encontra-se na aresta oposta àquela formada pelo Salão de Atos e a Biblioteca. Sua posição estratégica permite o enquadramento dos dois edifícios em uma mesma perspectiva. Para propiciar tal visualidade, o arquiteto utiliza um cilindro raso, elevado a meio nível do solo, com sua cobertura sustentada por
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FOTO: NELSON KON
Vista aérea do Memorial
um único apoio central. Com esse artifício, Niemeyer elimina toda e qualquer interferência física e visual na região periférica do salão cilíndrico, estabelecendo uma primorosa relação com o meio externo. Em virtude de o Memorial estar implantado em uma área secionada por via expressa, o arquiteto divide o projeto em duas grandes praças: uma que abriga o Salão de Atos, a Biblioteca, a Galeria e um pequeno centro de informações, e uma outra onde estão implantados o Grande Auditório, o Pavilhão da Criatividade, o Parlamento Latino-Americano e a Administração. Uma passarela erguida na área central e sustentada por um “pilar tirante” conecta as duas praças. Projetado após a inauguração do conjunto, o edifício do Parlamento Latino-Americano assume um lugar de destaque na perspectiva de quem acessa a praça pela passarela, porém suas
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grandes dimensões ocultam o Grande Auditório composto pelo arranjo de três abóbadas. O Pavilhão da Criatividade, em forma de barra encurvada, age como anteparo da linha férrea e assume o papel de abrigo sombreado para o público que, sobre o generoso beiral, percorre o espaço entre o Auditório e o Parlamento. A fruição do espaço do Memorial, sob esse ângulo, torna-se ainda mais interessante, pois a sucessão de pórticos, ao mesmo tempo em que confere um ritmo à perspectiva, enquadra os demais edifícios nas mais diversas possibilidades visuais. Nesse edifício Niemeyer exercita a construção da linha sinuosa por meio do arranjo entre segmentos de arco e segmentos de reta, e a associação desses dois elementos enfatiza a horizontalidade e a leveza do objeto. O edifício da administração encontra-se fora do trajeto dado pelo percurso da passarela
fOTOs: ARQUIVO MEMORIAL
e está resguardado no espaço, em virtude de não possuir o mesmo caráter público pertinente aos demais edifícios. A concepção extremamente racional do prédio contrasta com a sinuosidade dos demais. O grande paralelepípedo suspenso aparenta estar pendurado na viga da cobertura, porém o hall de acesso no térreo oculta outros quatro pilares. Talvez o edifício da administração expresse com maior clareza a dualidade entre os planos opacos brancos e os planos pretos envidraçados. O caixilho que reveste dois planos verticais paralelos faceia as bordas externas das lajes de piso e de cobertura; elimina-se assim a ideia de contorno, de moldura: há apenas o plano preto dos caixilhos e o pórtico branco. No Memorial da América Latina, Niemeyer leva às últimas consequências a expressão da linguagem da forma associada ao partido
estrutural e concebe a espacialidade moderna, condicionando o lote urbano a uma proposta miesiana de espaço. A monumentalidade não está no objeto, está no espaço. O recuo generoso é fundamental para a plena compreensão do objeto a distância. O espaço físico, para Niemeyer, está associado ao espaço gráfico. A relação do traço com a folha é a mesma do objeto com o espaço. Nos desenhos de Niemeyer, na maioria das vezes, vemos objeto (em elevação) ocupando um pequeno trecho de folha. Parece que já no desenho o arquiteto prevê a existência do vazio necessário. Rodrigo Queiroz é arquiteto, professor de Projeto de Edificações da FAU-USP, mestre e doutorando sobre a obra de Oscar Niemeyer.
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Acima, Pavilhão da Criatividade e Galeria Marta Traba.
repercussão
homem do mundo
O
scar Niemeyer deixa um legado que transcende a arquitetura. Tudo o que ele realizou tem as singularidades e características de um gênio. Seu vigor mental e físico lhe permitiram trabalhar até onde raros, raríssimos seres humanos conseguem ou querem. Admirado nos cinco continentes, Niemeyer é reconhecido por uma legião de personalidades e amigos de todas as áreas. Só com os depoimentos desses, poderíamos fazer várias revistas. Com isso, selecionamos mais de uma dezena deles, alguns que chegaram a trabalhar na sua equipe.
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nfere ima e co de n a se r e qu e me y ico Buar anos Nie Aos 104 iro do amigo Ch ivo Rio, RJ. V te o show in dedicado a ele no , a d Holan “Dizem que Yuri Gagarin, o pioneiro cosmonauta russo, visitou Brasília e comparou a experiência com aterrissar em um planeta diferente. Muitas pessoas quando veem a cidade de Niemeyer pela primeira vez devem sentir o mesmo. É audaciosa, escultural, colorida e livre – e não se compara a nada que se tenha feito antes. Poucos arquitetos na história recente têm sido capazes de convocar tal vocabulário vibrante e estruturá-lo em tal linguagem tectônica brilhantemente comunicativa e sedutora.” Sir Norman Foster, arquiteto “A personalidade e a produção profissional de Oscar Niemeyer vêm sendo superadas, ainda durante sua vida, pelo mito e pela entidade em que se transformou. De forma quase inédita na história das culturas livres no Brasil, seu pensamento, sua produção e sua ação encontram-se virtualmente imunizados em relação à crítica e à opinião, sejam
“Oscar é um dos grandes gênios do nosso tempo. Sua incrível capacidade de criação não se apoia em teorias nem na estética vigente, mas na intuição, na lógica da natureza, no instinto das mentes privilegiadas dos gênios. Por isso, sua obra é capaz de emocionar qualquer ser humano, independentemente de sua formação intelectual ou categoria social. As colunas do Palácio da Alvorada, por exemplo, causaram tão forte impressão em André Malraux que ele comparou sua contribuição à arquitetura a das colunas gregas. Mas elas foram igualmente absorvidas e estilizadas pelo povo em geral – seu desenho pode ser observado em toda parte e continua a ser utilizado como símbolo da nova capital.” João Filgueiras Lima, Lelé, arquiteto
João Filgueiras Lima, o Lelé, fo i um dos parceiros de Osc ar Niemeyer na construção de Brasília .
fOTOs: Divulgação
“A Casa do Oscar era o sonho da família. Havia o terreno para os lados da Iguatemi, havia o ante-projeto, presente do próprio. Havia a promessa de que um belo dia iríamos morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência, porque meu pai, embora fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca juntava dinheiro para construir a casa do Oscar. Pois bem, internaram-me num ginásio em Cataguazes, projeto do Oscar. Vivi seis meses naquele casarão do Oscar, achei pouco. Decidi-me a ser Oscar eu mesmo. Depois larguei a arquitetura e virei aprendiz de Tom Jobim. Quando a minha música sai boa penso que parece música de Tom Jobim. Música do Tom na minha cabeça é casa do Oscar.” Chico Buarque, compositor
públicas ou profissionais. Com o tempo será mais fácil avaliar objetivamente o que sua atuação aportou ao desenvolvimento de nossa arquitetura e seu papel como principal expressão de nossa fragilizadíssima comunidade profissional.” Jorge Königsberger, arquiteto “O discurso de Niemeyer é incoerente com seus contratos profissionais originários de inaceitável reserva oficial de mercado – desde Juscelino Kubitschek, em 1960 – e com a sua arquitetura, que desconhece a função social inerente.” Joaquim Guedes, arquiteto “O trabalho de Niemeyer inspirou três gerações de arquitetos russos. A Ordem da Amizade não é uma medalha fácil de se ganhar. Trata-se do maior prêmio que nosso país pode dar a um estrangeiro.” Alexei Labestik, consul da Rússia no RJ
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“É sabido que Oscar Niemeyer odeia o capitalismo e odeia o ângulo reto. Contra o ângulo reto, que ofende o espaço, ele tem feito uma arquitetura leve como as nuvens, livre, sensual, que é muito parecida com a paisagem das montanhas do Rio de Janeiro. São montanhas que parecem corpos de mulheres deitadas, desenhadas por Deus no dia em que Deus achou que era Niemeyer.” Eduardo Galeano, escritor uruguaio
an o rdo Gale a u d E io r ur ug u a iemeyer. O escrito o estreita com N ã em conex
“Um dia, comecei a ver o mundo a cada instante de um modo diferente. O que fazer? Tornar-me um sonhador ativo? Um arquiteto brasileiro? Como para muitos, Oscar Niemeyer me abriu os olhos. Ele mostrou como a arquitetura poderia, apurando-se, aliar no mais alto nível o racional e o sensível, o rigor e a forma.” Christian de Portzamparc, arquiteto “Por anos, sentindo sempre uma grande emoção, procurei compreender o mistério de Oscar Niemeyer. Paisagem, erotismo, ética; empenho político e social; afeto e fidelidade aos amigos de sempre; a música brasileira, Rio de Janeiro visto de seu escritório. Creio que a alquimia que Niemeyer criou ficará com tudo isso, junto ao desejo de ser sempre parte de um processo e de empenho civil. Nunca desejei me parecer com nenhum arquiteto, a não ser com Oscar Niemeyer.” Massimiliano Fuksas, arquiteto
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“Minha amizade com Niemeyer data para mais de 40 anos. Quando fomos, no dia 18 de abril, libertados e o Partido Comunista pela primeira vez conquistou a legalidade, foi no escritório de Oscar Niemeyer, na rua Conde Lage, que instalamos a sede do partido. Ele é um grande patriota que sonha com o Brasil bem diferente do que vivemos. Ele é um amigo, desses dedicados, que não se esquecem dos seus amigos e que tudo fazem para ajudá-los.” Luis Carlos Prestes
Luis Carlos Pre político-ideo stes, amigo, com afinid ades lógicas por to da a vida
“Oscar Niemeyer é uma espécie de poeta de arquitetura. Livre, leve, sinuosa, genuína e elegante, sua arquitetura tem sensualidade e brasilidade únicas. Saint Exupéry dizia: ‘É útil, porque é bonito.’ Assim é a arquitetura do Oscar Niemeyer (como todos nós, arquitetos, o chamamos pelo seu prenome e não pelo seu nome profissional). Paul Valéry dizia: ‘Muitos prédios são silenciosos, mas alguns cantam’ e os do Oscar Niemeyer têm música própria e linda. Eu o definiria e a seu trabalho como imortais (como todos os grandes e atemporais).” Índio da Costa, arquiteto e designer “Oscar, quando me formei em 1949 pela Faculdade Nacional de Arquitetura, você representava o símbolo e expressão da arquitetura brasileira. Hoje, quando completa cem anos, continua sendo. Parabéns.” Acácio Gil Borsoi, arquiteto
ialidade ece a gen s h n o c e r ke ma Ruy Ohta o mestre das for ir le si a r do b
“Oscar Niemeyer é um poeta do espaço, um arquiteto-escultor que pensa e organiza o espaço habitado num diálogo fecundo com a natureza. A curva, a ondulação, o côncavo e o convexo, tudo isso faz parte de seus desenhos. É como se a sinuosidade da natureza fosse repensada e reinventada pelos traços do arquiteto, cujo pensamento ou concepção da arte nunca separa o ser humano do ambiente em que vive. A ousadia da forma parece desafiar a engenharia e o cálculo estrutural, mas é essa ousadia que dá a seus projetos um sentido plástico singular na arquitetura do século 20.” Milton Hatoum, escritor “Todo mundo vê a Estátua da Liberdade e diz: “Nova Iorque”, mas ela não é bonita por isso. A Torre Eiffel é bonita, mas você diz Paris, são formas emblemáticas. O Cristo Redentor é o Rio, mas não é uma obra-prima de escultura, mas o Oscar consegue fazer uma
“A obra de Niemeyer é a arquitetura como forma inteligente e peculiar de conhecimento do gênero humano. Linguística, antropologia, engenharia , mecânica, desejo. Com uma forma peculiar de abordagem, Oscar Niemeyer convoca e solicita todos os tipos de conhecimento.” Paulo Mendes da Rocha
Paulo Mend es modernismo da Rocha , amigo, repre sentante do de São Paulo . fOTOs: Divulgação
“Oscar Niemeyer, em 1943, ao projetar o conjunto da Pampulha, assombrava o mundo e iniciava a bonita trajetória de uma arquitetura inovadora e peculiar. Hoje, aos 100 anos de idade, continua produzindo. Procura atender a convites que vêm de todas as partes do mundo. Sempre novos desafios que o gênio de Niemeyer desenha com incrível rapidez. Simplicidade de solução que se funde à beleza surpreendente.” Ruy Ohtake, arquiteto
obra-prima que tem, que adquire, que adere à ela essa força emblemática que tem certas formas. De modo que você identifica a cidade, o país, a alma, o momento, a história com a forma dele. E eu digo o seguinte: quando a novela da Globo, é um capítulo que passa no Rio, é o Cristo, quando é pra mostrar que agora o capítulo é em São Paulo, o helicóptero sobrevoa o Copan. É o Oscar que tem essa capacidade filha da puta de criar uma forma, e aquela forma se transforma em emblema do lugar.” Ítalo Campofiorito, arquiteto
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“Se é certo - como acredito - que nós, homens, inventamos a vida, o mundo imaginário em que habitamos, Oscar Niemeyer é um dos que mais contribuíram para isso, inventando uma arquitetura que parece nascida do sonho e, com isso, nos ajuda a viver.” Ferreira Gullar
ss , fã confe a Gullar . ir e r r e F , ca pr e o de sem tual cario O intelec m poema ao amig u dedicou
o,
“A obra do arquiteto Oscar Niemeyer acompanha quase integralmente o século da modernização brasileira. E essa não é apenas uma correspondência cronológica, mas, principalmente, um nexo fundamental. Nos anos 1940 e 1950 ele construiu os mais fortes emblemas da modernização nacional, que culminou com a feição definitiva do projeto da capital federal. São inseparáveis, passo a passo, seus grandes projetos públicos e as vicissitudes dessa modernização periférica. Assim, desde sua participação no projeto para o Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro (1936), mas, principalmente, com a construção dos edifícios da Pampulha (1942), ele formulou uma original possibilidade de modernidade arquitetônica para o Brasil, feito raro em países de história colonial como o
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“Acho que Niemeyer pertence a uma geração extramamente importante no Brasil. Que até certo ponto reconstruiu tanto em sua própria mente, quanto em benefício público a ideia do que o Brasil poderia ser, o novo Brasil. Esta geração que é extraodinariamente interessante, teve grandes influências na literatura, na não ficção e na criação de uma imagem na história do Brasil. Que também começa a ter influência na música e na arquitetura. Todas essas coisas se interligavam. Tom Jobim, por exemplo, começou como arquiteto e desistiu para se tornar músico. De certa forma, a imagem que as pessoas fazem do que seu novo país poderia ser, o Brasil do futuro, é a imagem criada pela geração da década de 30.” Eric Hobsbawn, historiador inglês.
Eric Hobsba wn, historia dor faz parte de um círculo d inglês, e in admiradores de Niemeyer telectuais .
nosso. Mas o que surpreende na longa obra desse arquiteto é a renovação que procedeu a partir do projeto para o Memorial da América Latina em São Paulo. Esse projeto marca uma nova e prolífera fase que dura até os dias de hoje. Novamente, esse arquiteto atinou com a realidade social e política do País — e do mundo — e reelaborou seu vocabulário formal no sentido de aliviá-lo do nexo “nacional desenvolvimentista”, que dava unidade aos seus conjuntos. Agora, suas formas não figuravam mais essa unidade — perdida —, mas a nova flexibilidade da sensibilidade em relação à nova ordem do mundo urbano e produtivo que os anos 1980 anunciavam, novamente desde um ponto de vista brasileiro.” Luiz Recaman, Arquiteto e professor da FAU-USP
“Arquitetura moderna era sinônimo de racionalismo, funcionalismo. O mote “forma segue a função” foi o axioma do modernismo ortodoxo ao qual Oscar Niemeyer jamais foi afeito. Todavia, nos anos de vigência da crítica pós-moderna, na década dos anos 1980, Niemeyer foi varrido como um “impenitente velho moderno”. Se houve algo pertinente na crítica pós-moderna ao moderno foi a denúncia do funcionalismo ortodoxo. Um edifício que é concebido fielmente a um programa, a uma função, e se cristaliza nesse arcabouço
“Ao final de sua trajetória, Niemeyer renunciou à experimentação sobre a complexidade das formas que constituíam as tipologias utilizadas ao longo de sua vida. Preferiu reduzir o vocabulário à sua mínima expressão e reiterar elementos formais e espaciais que foram significativos ao início de sua carreira: citemos, entre outros exemplos, o Centro Niemeyer em Avilés, Espanha, recentemente inaugurado.” Roberto Segre
O arquiteto arg sobre a obra entino Roberto Segre, profere pale de Oscar Nie stras meyer.
studio u m d os e é a w a g Hugo Se arquiteto. do consagra
sos da ob
ra d o
funcional, está condenado à obsolescência, porquanto no mundo contemporâneo a velocidade das mudanças (das necessidades, das finalidades, dos propósitos, dos significados) tornam a arquitetura uma obra mutante, quase aberta. O apego de Niemeyer à forma pareceu ser o calcanhar de Aquiles de sua arquitetura, razão maior da desconfiança quanto a suas obras. Mas a sua longevidade lhe assegurou a reparação da afronta. As funções desvanecem, os humores cambiam, mas a forma permanece. A beleza e a forma têm uma função, afirma o mestre. O tempo legitimou muitas atitudes do arquiteto brasileiro. Os pós-modernos – mesmo sem o querer – deram mais sentido à prédica e aos desenhos do moderno Niemeyer.” Hugo Segawa, arquiteto e professor da FAU-USP
“Oscar Niemeyer tem o raro talento da longevidade criativa e intelectual, o que representa muito mais do que o feito já notável de completar 100 anos e em atividade. Niemeyer construiu um percurso baseado na especulação da visibilidade das estruturas e das formas, em sua relação com a espacialidade, e sobre ele abriu uma porta que ao que parece jamais será fechada. Sua importância para a história da arquitetura moderna já está talvez sublimada pela influência que seu trabalho exerceu na própria arquitetura contemporânea, com paralelo identificável, talvez somente em Le Corbusier e Mies Van Der Röhe. Certa vez, Chico Buarque de Holanda ao falar de sua obra musical, disse que esta já era uma obra pronta e só o que poderia fazer era reelaborá-la. Com sua frenética atividade ainda nos perguntamos: será que Oscar já completou a sua?” Francisco Spadoni, arquiteto
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“Papadaki me enviou o livro sobre as obras mais recentes; é realmente notável. E sinto-me feliz em poder dizer-lhe o quanto admiro seu gênio, seu espírito inventivo e sua compreensão da arquitetura. Você sabe realmente interpretar com toda liberdade as várias descobertas da arquitetura moderna.” Le Corbusier
C or a s d e Le r b o s a ente r. Inicialm Oscar Niemeye m a r a ir insp
busier
“Tenho pela obra magistral de Oscar Niemeyer a maior admiração. Ao mesmo tempo, dedico ao homem a mais afetuosa das amizades. Estes dois sentimentos inseparáveis, que datam de muitos anos, não cessaram de se completar e eu estou agora com cerca de 83 anos.” Jean Prouvé “Um compositor físico-espacial como Niemeyer nunca é seguido por outro; todo gênio termina nele mesmo. E aí está sua importância para o futuro : deixar o exemplo, a marca do gênio. É como Rodin, que não deixou escola. Como o Da Vinci, que não deixou escola. Como Miguelângelo. Nenhum deixou escola, e o Oscar
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“Ao saber que Oscar Nimeyer fora distinguido com o Prêmio Lenin Internacional da Paz, alta distinção conferido por um júri onde figuram nomes da importância de IIya Eremburg, Aragon, Neruda, Anna Seghers, pensei como seria belo se a festa da entrega do diploma e da medalha, que caracterizam a láurea, fosse realizada no quadro de Brasília. Entre os palácios, os edifícios e as casas construídas por Oscar, na cidade por ele projetada, na beleza por ele criada. Porque a significação mas profunda de Brasília é paz, paz para o homem viver, trabalhar, construir, lutar pelo futuro.” Jorge Amado
Jorge Amad o ti culturais com nha afinidades ideologi cas e a obra de N iemeyer.
não é diferente. Ele usa o dialeto da introspecção, algo que é só dele. Como Drummond. O dialeto da introspecção e o dialeto das pessoas sensíveis.” Sérgio Bernardes “Niemeyer é acima de tudo um homem. Um homem simples. Um homem autêntico que vibra como uma corda sensível com o drama do sofrimento alheio, das injustiças, da miséria.” Tristão de Athayde “A embaixada do Brasil em Havana ... A realização do seu projeto para a embaixada do Brasil em Cuba significa levar ao país latino-americano e amigo um signo extraordinário da nossa cultura contemporânea.
“(...) Para meu país será um motivo de orgulho e ao mesmo um inestimável estímulo para a política do governo popular que preside receber a contribuição de sua capacidade criadora e de sua reconhecida aptidão como arquiteto. Estamos construindo o futuro do Chile. Esperamos sua cooperação para esta obra.” Salvador Allende
“Niemeyer, tendo assimilado os princípios fundamentais e a técnica de planejamento formulados por Le Corbusier, foi capaz de enriquecer, da maneira mais imprevisível, esta experiência adquirida. Imprimindo ás formas básicas um novo e surpreendente significado, ele criou variantes e novas soluções, com o uso de elementos plásticos locais, cuja graça e requinte eram até então desconhecidos na arquitetura moderna.” Lucio Costa
la eposto pe llende, d o círculo A r o d a it lv um restr hileno Sa sidente c et, fazia parte de e r p x e O h de Pinoc er. ditadura de Oscar Niemey s o ig d e am
Um gesto permanente de arte e beleza. Uma atitude de generosidade e confiança no futuro da Nação que se propõe manter conosco um diálogo sincero e consequente, no campo da cultura e das artes.” Glaucco Campello “(...) Folheei, encantado, as sua páginas, certificando-me ainda uma vez, da importância extraordinária da contribuição que você soube dar para a elevação do nível cultural do nosso país no mundo. Dá gosto reconhecer isto, como brasileiro e como seu amigo.” Carlos Drummond de Andrade “(...) Quanto sua criatividade, você mesmo a definiu ao declarar que seu principal objetivo
Lucio Costa foi um de se us de pranchet a na execuçã mestres e companheiro o de Brasília outros proje e tos importan tes, no Brasi de tantos l e no Exteri or.
era a invenção. O mundo ainda espera de você muitas formas – e você as dará – desejoso que atinjam o maior número possível de pessoas.” André Malraux “(...) Você é arquiteto do homem – esse ser em que você deposita esperança e em que eu o acompanho : daí a geração de coisas que você tem criado á altura do homem de amanhã, em que você espera e eu o acompanho : deslumbramentos de esperanças. (...) Não há por que não dizê-lo : você é um gênio, dos poucos que o Brasil gerou ao longo dos seus cinco séculos.” Antônio Houaiss
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marketing
&
MERCADO NIEMEYER
Niemeyer é um fenômeno. Todo mundo quer ter um projeto dele. O mercado de consumo não ficou à margem dos desejos confessos e mergulhou de cabeça no universo de curvas delirantes do arquiteto mais festejado dos últimos cem anos. Saindo das pranchetas do comunista mais ortodoxo do Brasil diretamente para as vitrines de luxo, a coleção Converse x Oscar Nie-
Edição especial de tênis da Converse desenhado por Oscar Niemeyer
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meyer, de edição limitada, conta com cinco modelos e jura ter interpretado a visão arquitetônica do mestre. Tudo inspirado em sua célebre frase: “Não é o ângulo reto que me atrai”. Nada mau para um artista que desenhou esta coleção para jovens quando estava para completar 105 anos. Isso é para poucos e raros. Ou melhor, ainda não se viu coisa igual!
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Barra de chocolate, com forma análoga à sua chaise-longue.
Quando Niemeyer completou 103 anos o mercado de chocolate foi surpreendido com um novo design de chocolate, assinado por ele. Com um desenho simples, limpo, análogo seu traço como designer, as barras comestíveis de uma marca carioca, com lojas em Ipanema e no Leblon, eram elegantemente embaladas para uma edição limitada.. Como tudo o que leva assinatura Niemeyer, as três barras de chocolates
foram comercializadas numa caixa de madeira, com design especial, com sete pastilhas de diferentes concentrações de cacau e um livro explicativo, além de uma pinça de pontas folhadas a ouro, apropriada para se degustar o alimento. Refinamento e bom gosto envolvem este produto produzido com cacau selecionado manualmente, cem por cento brasileiro, vindo de uma fazenda em Ilhéus.
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Pastilhas de cacau são elegantemente acondicionadas em caixa de madeira e colocadas em uma bolsa especial.
leveza e a espacialidade.a
O corpo da mulher sempre foi decantado nas curvas de Niemeyer., seja na arquitetura, no desenho, no design ou na escultura. Assim, nada mais natural que um dia seu design viesse a adornar pescoços, pulsos, dedos e orelhas de muitas delas. Joias de ouro e diamantes, inspiradas nos seus desenhos, obras e projetos famosos foram transformadas em joias, ou melhor, em objetos de desejos. As peças, produzidas pela H.Stern trazem em seu conceito a simplicidade, a leveza formal de seus objetos, se resumem a poucas e essenciais linhas: soltas, livres e contínuas.
H.Stern convidou Niemeyer para imprimir seu traço em suas joias
Com a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014, vários produtos já estão na mira do mercado, mas poucos entre os objetos de luxo. A Hublot, relojoaria oficial do evento, por ocasião dos 104 anos de Oscar Niemeyer, comemorados no ano passado, lançou o Aero Bang Niemeyer, um relógio para colecionador, ao preço de R$ 25.000,00. Com apenas 104 exemplares e numerados, a raridade homenageia o consagrado arquiteto e sua obra máxima, Brasília.
Assim como outros estilistas, a marca francesa Guy Laroche se inspirou nas formas arquitetônicas de Niemeyer para promover sua coleção. O estilista Marcel Marongiu buscou criar uma coleção inspirada em Brasília, Los Angeles e no músico David Bowie. Para ele, a obra de Niemeyer é genial e fora do comum.
Mais uma vez Oscar Niemeyer foi fonte de inspiração: dessa vez para Pedro Lourenço, estilista cuja coleção foi bastante influenciada pela obra do grande arquiteto. A coleção foi destaque durante os desfiles da Paris Fashion Week de 2010, contando com a direção artística de Giovanni Bianco. Segundo Pedro — na época com apenas 19 anos de idade — ele almejou trazer para suas roupas o que o Brasil tem de melhor.
trajet贸ria
O tempo como medida o homem que se alimenta dO trabalho
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1907
Nasce em 15 de dezembro, no Rio de Janeiro, filho de Oscar Niemeyer Soares e Delfina Ribeiro de Almeida. “Meu nome deveria ser Oscar Ribeiro Soares ou Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares, mas prevaleceu o nome.
1928
Termina o curso secundário. Casa-se com Annita Baldo. “Uma moça bonita, modesta, filha de imigrantes italianos provenientes de Pádua, perto de Veneza”.
1929
Entra na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. “Gostava de desenhar e o desenho levou-me à arquitetura. Lembro-me que ficava com o dedo no ar desenhando. Minha mãe perguntava: o que está fazendo menino? Desenhando, respondia com a maior naturalidade. Realmente, fazia formas no espaço, formas que guardava de memória, corrigia e ampliava, como se as tivesse mesmo a desenhar”.
1932
“Como me foram úteis esses queridos amigos! Da arquitetura só me deram bons exemplos. Honestos, irrepreensivelmente honestos, como, aliás, todos deveriam ser!”.
1934
Forma-se engenheiro arquiteto na Escola de Belas Artes.
1935
Inicia vida profissional no escritório de arquitetura de Lúcio Costa e Carlos Leão.
1936
Primeiro contato com Le Corbusier e participa do projeto do Ministério de Educação e Saúde. “Naquela época ainda caminhávamos na periferia da sua arquitetura. Tínhamos lido sua obra excepcional como sagrado catecismo, mas ainda não estávamos, como se verificou, integrados nos seus segredos e minúcias”.
1938 124
Viagem com Lúcio Costa para projetar o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York.
1940
Conhece o prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, que o convida a projetar o Conjunto da Pampulha. “Fiz o projeto, mas o assunto só foi retomado meses depois quando JK novamente me convocou e explicou: : ‘Quero criar um bairro de lazer na Pampulha, um bairro lindo como outro não existe no país. Com cassino, clube, igreja e restaurante, e precisava do projeto do cassino para amanhã’. E o atendi, elaborando durante a noite no quarto do Hotel Central o que me pedira.”
1945
Ingressa no Partido Comunista Brasileiro “Fui sempre um revoltado. Da família católica eu esquecera os velhos preconceitos, e o mundo parecia-me injusto, inaceitável. A miséria a se multiplicar como se fosse coisa natural e inaceitável. Entrei para o partido comunista, abraçado pelo pensamento de Marx que sigo até hoje”.
1947
De novo, Nova York, para desenvolver o projeto da sede da ONU.
1950
Sai, nos Estados Unidos, The Work of Oscar Niemeyer, de Stamo Papadaki, que desempenhou importante papel na divulgação de sua arquitetura no exterior, bem como da própria produção brasileira.
1951
Projeta os conjuntos Ibirapuera e Copan, em São Paulo.
1954
Primeira viagem à Europa. Participa da reconstrução de Berlim, visita Itália, União Soviética e em Paris é recebido por Vinicius de Moraes.
1955
Cria a revista Módulo, fechada em 1965 pelo regime militar, reaberta em 1975 e extinta em 1987, na centésima edição.
1956
Brasília. “Comecei a meditar sobre Brasília numa manhã de setembro de 1956, quando Juscelino Kubitschek, descendo do carro à porta da minha casa, na Estrada da Gávea, me convidou para acompanhá-lo à cidade e expôs o problema durante o trajeto. Minha primeira reação surgiu do interesse, tanto profissional como afetivo, que esse homem me inspirava: eu via a preocupação de um velho amigo ao qual estava ligado por outros trabalhos, outras dificuldades e por uma longa e fiel amizade. A partir desse dia, comecei a viver em função de Brasília”. No mesmo ano elabora o cenário da peça Orfeu da Conceição, adaptada da mitologia grega por Vinicius de Moraes e Tom Jobim.
1961
Logo depois de inaugurada a nova capital, publica o livro Minha Experiência em Brasília, para onde havia se mudado em 1958.
1963
1970
Em protesto contra a guerra do Vietnã, desligase da Academia Americana de Artes e Ciências.
1972 - 73
Em Paris, abre escritório nos Champs Elysées e acompanha a exposição sobre sua obra na Europa.
1975
Projeta a sede da Fata Engeneering na Itália.
1978
Funda o Centro Brasil Democrático CEBRADE, do qual é eleito presidente.
1985
Volta a desenvolver projetos para Brasília.
Recebe o Prêmio Lenin da Paz em solenidade na UnB – Universidade de Brasília. “O campus estava inteiramente iluminado e os professores, estudantes, deputados e operários estavam todos lá, muito calmos, sem as precauções que teriam sido necessárias em outros tempos.”
1987 - 1988
1964
1991
Na Europa, a notícia do golpe. “Estava em Lisboa e levei um susto. Durante três dias, eu não descolava o ouvido do rádio no Hotel Victória”. No mesmo ano, segue para Israel, onde permanece por três meses. Retorna ao Brasil em fins de 1964 e é chamado para depor no DOPS.
1965
Recebe o Prêmio Pritzker de Arquitetura, dos Estados Unidos. Projeta o Memorial da América Latina em São Paulo, inaugurado em 18 de março de 1989.
Projeta o Museu de Arte Contemporânea de Niterói.
1994
Projeta o Museu O Homem e seu Universo, em Brasília, e a Torre da Embratel, no Rio de Janeiro.
Demite-se da Universidade de Brasília com mais 200 professores, em protesto contra a política universitária. “O Governador de Brasília exigia minha demissão; o Ministro da Aeronáutica dizia que lugar de arquiteto comunista era em Moscou. Segui para o exterior com minhas mágoas e a minha arquitetura.”
1995
1967
1996
Vai morar em Paris, impedido de trabalhar no Brasil, e a partir daí sua obra começa a ganhar respeito e projeção internacional. No ano seguinte, desenvolve vários projetos na Argélia, entre os quais, a Universidade de Constantine.
Projeta o Monumento em Comemoração ao Centenário de Belo Horizonte. Recebe os títulos de Doutor Honoris Causa das Universidades de São Paulo e de Minas Gerais.
Projeta o Monumento Eldorado Memória, doado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Recebe o Prêmio Leão de Ouro da Bienal de Veneza por ocasião da VI Mostra Internacional de Arquitetura.
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1998
No Pavilhão Manoel da Nóbrega, Parque do Ibirapuera, em São Paulo, é realizada a exposição Oscar Niemeyer 90 Anos, uma retrospectiva sobre sua obra. Recebe a Royal Gold Medal do Royal Institute of British Architects - RIBA.
1999
Projeta, entre outros, o novo Teatro no Parque do Ibirapuera em São Paulo, o Setor Cultural de Brasília, o Centro Administrativo de Betim, em Minas Gerais, além do Monumento Comemorativo aos 500 Anos do Descobrimento do Brasil em São Vicente, SP.
2000
No Rio de Janeiro é lançado o documentário Oscar Niemeyer: Um Arquiteto Engajado em Seu Século, do cineasta belga Marc-Henri Wajnberg.
2001
Projeta a Residência em Oslo (Noruega), o Acqua City Palace Moscou (Rússia), o Auditório e Salão de Exposições da Faculdade Cândido Mendes, no Rio, o Centro de Memória do DOI-CODI, em São Paulo, entre outros. Recebe a Medalha da Ordem da Solidariedade do Conselho de Estado da República de Cuba, a Medalha do Mérito Darcy Ribeiro do Conselho Estadual de Educação do Estado do RJ, o Prêmio Unesco 2001, na categoria Cultura e os títulos de Grande Oficial da Ordem do Mérito Docente e Cultural Gabriela Mistral, do Ministério da Educação do Chile e de Arquiteto do Século XX, do Instituto de Arquitetos do Brasil.
2002
Projeta o Centro Cultural e Esportivo da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Realiza-se a exposição Oscar Niemeyer 90 anos, na Galerie Nationale du Jeu de Paume em Paris, França.
2007
“Nossa passagem pela vida é rápida. Cada um vem, conta sua história, vai embora e depois ela será apagada para sempre. A vida continua.” (Quando completou 100 anos)
2012
No dia 6 de junho, morre sua única filha, Anna Maria Niemeyer, de 82 anos.
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SAMBA
TRANQUILO COM A VIDA (Oscar Niemeyer / Edu Krieger / Caio Almeida)
Hoje em dia minha vida vai ser diferente Calça de pijama, camisa listrada, sandália no pé Andar pela praia vou fazer toda manhã E até moça bonita vai ter se Deus quiser Vou parar nos cafés pra ouvir historinhas Coisas da vida que um dia vão ter que mudar Quero ser um mulato que sabe a verdade E que ao lado dos pobres prefere ficar E assim vou eu Tranquilo com a vida À espera da noite já solta no ar Como um manto de estrelas com que se anuncia E se multiplica nas águas do mar Da minha favela eu vejo os grã-finos Morando na praia, de frente pro mar Não devemos culpá-los São prestigiados Que um dia entre nós vão voltar a morar
Sobre sua composição realizada em 2009, quando estava internado, em parceria com seu enfermeiro Caio Almeida e Edu Krieger, Niemeyer, rindo, afirmou: “Não sei como encontro tempo para ficar brincando, mas minha música é uma besteira, uma coisinha divertida, nada importante. Sempre fui muito ligado a esse pessoal do samba e quis fazer alguma coisa louvando o homem da favela.”
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