HTTPS://T.ME/SBDLIVROS HTTPS://T.ME/STARBOOKSDIGITAL TÍTULO ORIGINAL Salvaged: A Saints of Denver Novel © 2017 by Jennifer M. Voorhees
© 2018 Vergara & Riba Editoras S.A. EDIÇÃO Paolla Oliver EDITORA-ASSISTENTE Sandra Rosa Tenório PREPARAÇÃO Luciana Soares REVISÃO Juliana Bormio de Sousa e Luciane Gomide DIREÇÃO DE ARTE Ana Solt CAPA E PROJETO GRÁFICO Pamella Destefi DIAGRAMAÇÃO E EPUB Juliana Pellegrini IMAGEM DE CAPA Volodymyr
Tverdokhlib shutterstock.com Todos os direitos desta edição reservados à VERGARA & RIBA EDITORAS S.A. Rua Cel. Lisboa, 989 | Vila Mariana CEP 04020-041 | São Paulo | SP Tel.| Fax: (+55 11) 4612-2866 vreditoras.com.br | editoras@vreditoras.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Crownover, Jay Salvos pelo prazer [livro eletrônico] / Jay Crownover; tradução Lígia Azevedo. ‒ São Paulo: Vergara & Riba Editoras, 2019. ‒ (Série Saints of Denver; 5) Título original: Salvaged: A Saints of Denver Novel ISBN 978-85-507-0269-8 1. Ficção erótica 2. Ficção norte-americana I. Título. II. Série.
19-24116 CDD-813 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura norte-americana 813 Iolanda Rodrigues Biode - Bibliotecária - CRB-8/10014
Este livro é para as sobreviventes. Mulheres fortes, lutadoras, que se recusam a entregar os pontos. É para todas aquelas que precisam saber que pode e vai melhorar… Que precisam ser lembradas de que existem homens legais lá fora. Acreditem: há homens atraentes, fofos e muito especiais, que não se importam em chegar por último. ;) Guardei os melhores corações para o fim.
INTRODUÇÃO
uando apresentei Poppy no livro de Rowdy e Salem, não tinha ideia de que ela iria se tornar a personagem sobre quem os leitores mais me perguntariam. Todo dia alguém queria saber se Poppy ia ganhar um livro ou quando seria possível ouvir sua história. Mais do que isso: todos queriam de verdade que ela tivesse um final feliz. Exigiam que amasse e fosse amada com mais intensidade do que qualquer outro personagem. Poppy havia passado por coisas horríveis e sobrevivido. Meus leitores estavam convencidos de que merecia alguém que a tratasse direito e fosse bom para ela. Acho que isso diz muito sobre por que gostamos tanto de ler histórias românticas. Pela ideia de que o coração sempre pode se curar e de que há alguém lá fora que pode fazer desaparecerem todas as coisas ruins que levaram ao endurecimento de um coração. De que existe alguém que pode nos encontrar e guiar para um lugar melhor, independentemente de quão perdidos e sozinhos nos sintamos. Os leitores não queriam que Poppy continuasse com medo. Queriam que fosse cortejada e conquistada. Não se engane: posso me virar quando se trata de romance… ;) Mas isso não é natural para mim. Nunca me considerei uma romântica. Adoro a noção de amor e curto muito todas as coisas suadas e sensuais que vêm junto. Mas corações e flores, paquera e persuasão… é… não tenho tempo para isso. Gosto do romance meio encrencado, meio perigoso e com muita confusão. Isso fez com que entrar no clima deste livro – que é sobre curar o coração e sobre romance de verdade – fosse muito desafiador. Precisava de certa leveza, só que fico muito mais confortável com a rigidez. Não é com muita frequência que me sento em frente ao computador e coloco duas pessoas de coração puro juntas. É um caso raro eu escrever sobre duas pessoas genuinamente boas e carinhosas, que apenas esperam coisas melhores uma para a outra e para si mesmas. Costumo escolher pelo menos um protagonista totalmente perturbado e dilacerado, mas não é o caso aqui. Sim, ambos têm demônios a enfrentar e montanhas a escalar, mas Poppy e Wheeler são apenas boas pessoas que já tiveram mais do que sua cota de problemas… e são muito mais do que aquilo que viveram. Mais do que quaisquer outros personagens sobre os quais escrevi, quando tropeçam eles se levantam de imediato e seguem em frente. Vou ser honesta: o fim de 2016 foi muito difícil para mim. Aconteceram coisas com minha família e meu cachorro, houve mudanças na vida profissional… Tudo isso fez a tarefa de escrever sobre perseverança, um otimismo inabalável, esperança e coragem ser um grande desafio. Mas é por isso mesmo que escrevo, por isso que conto as histórias que conto. É uma válvula de escape, uma maneira de viver em um lugar que pode ter tudo o que falta à realidade no momento. Para fazer justiça a esses dois, precisei ir bem fundo, fazer uma autoavaliação e um autoexame sinceros para chegar à parte mais suave de mim mesma, a que costumo manter escondida do mundo. Na verdade, gosto de fingir que ela nem existe. Queria desesperadamente acertar – para Poppy e Wheeler, mas principalmente para os leitores que estavam torcendo para a garota que
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havia sido destroçada ser resgatada e restaurada em toda a sua glória. E para aqueles de coração mole que queriam que o rapaz legal finalmente tivesse uma chance. Acho que acabei exatamente como deveria com tudo isso… Ao fim, estava emocionalmente desgastada e exausta da melhor maneira possível. Acho que tirei uma centena de sonecas! Foi uma longa jornada, a melhor aventura que eu poderia ter vivido, compartilhada com meus leitores ao longo de onze livros que se passam no meu lugar favorito. Eu não poderia estar mais feliz com o lugar a que isso nos levou (assim como a todos os nossos amigos retratados nestas páginas). Este é o nosso lugar. :) Amor e tinta,
Jay
Quando se está atrás de mel, é natural ser picado por abelhas. ‒ Joseph Joubert
PRÓLOGO
u era o tipo de sujeito que pensava ter tudo resolvido. Provavelmente a necessidade de ser assim veio de uma infância inteira passada em meio ao caos e à revolta. Quando fiquei velho o bastante para fazer minhas próprias escolhas e me virar sozinho, fiz isso com uma determinação e uma dedicação inabaláveis. Eu sabia o que queria. Cada movimento que fazia e cada passo que dava me levavam na direção do futuro perfeitamente planejado com que vinha sonhando desde o minuto em que me dei conta de que estava sozinho. Uma constatação que veio cedo demais e era brutalmente reforçada toda vez que eu me via obrigado a ir de um lar temporário para outro. Eu me agarrei à ideia de que faria tudo diferente. Tomaria decisões que levariam a uma vida mais fácil, mais tranquila, tão estável quanto um carro recém-alinhado e com para-choques da melhor qualidade. Encontrei a garota que deveria ser minha e a segurei com firmeza. Fiz de tudo para ser quem ela precisava que eu fosse e nunca lhe dar um motivo para ir embora. Fiz dela o centro do meu mundo, sem me dar conta de que ela se sentia cada vez mais encurralada ali conforme o tempo passava. Eu me agarrei a essa garota com tanta força que nunca percebi que ela estava tentando se soltar. Abri um negócio, comprei uma casa, fiz planos… muitos planos. Planos que alguns poderiam considerar simples e tediosos, mas que cobriam tudo o que eu queria desde os quatro anos de idade. Planos que me levariam à vida que eu desejava desde que fui deixado por minha própria conta. Eu mantinha os olhos no prêmio, na promessa do que teria se trabalhasse duro, cuidasse da minha garota e fizesse tudo o que as pessoas que deveriam me amar e criar não haviam feito. Teria me limitado a isso até um fim amargo e ardente, mas não pude fazer nada quando a corda foi cortada. Naquele momento, só me restava cair. Senti afrouxar o aperto em tudo a que eu tentava tanto me segurar no dia em que ela entrou na minha oficina, escondida atrás dos meus amigos. Rowdy St. James trabalhava no estúdio onde fiz a maior parte das minhas tatuagens. Ele me ligou e pediu que eu dispensasse os funcionários e outros clientes em um sábado à tarde para que pudesse levar a irmã da namorada para ver um carro. Não precisou explicar por que o lugar precisava estar vazio, ainda que eu não fosse perguntar. A garota havia aparecido em todos os noticiários alguns meses antes. Não dava para evitar seu rosto apavorado e seu corpo trêmulo enquanto sua terrível provação era amplamente divulgada. O marido a havia sequestrado com a ajuda de uma arma. Salem, irmã dela e namorada de Rowdy, também tinha sido vítima do ataque. Poppy Cruz só foi com o lunático com quem era casada para manter a irmã a salvo. O resultado foi um pesadelo do qual eu nunca poderia imaginar que alguém fosse capaz de se recuperar. Sem hesitar, esvaziei a oficina para que ela não precisasse se preocupar em estar cercada por um bando de homens sujos e barulhentos que não saberiam se comportar perto de alguém tão frágil e delicada quanto ela parecia ser.
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Eu não queria que Poppy precisasse sentir medo de algo novamente. Não tinha cabimento, mas era o que eu sentia. As coisas em casa andavam difíceis. Eu parecia em meio a uma corredeira das bravas, remando desesperadamente para me salvar. Não podia desistir. Não ia desistir. Quando vi Poppy entrar em minha oficina, comecei a sentir que minhas mãos e meu coração doíam de tanto tentar me segurar. Ela tinha a cabeça baixa, os olhos focados nas pontas dos sapatos. Seus ombros estavam caídos, e o cabelo comprido escondia o rosto. Ela era magra, muito magra, nada além de pele e osso. Não era para eu tê-la notado, não porque a garota estivesse fazendo tudo a seu alcance para parecer invisível, mas porque eu deveria manter meus olhos no futuro e fazer todo o possível para preservá-lo. No entanto, eu a notei e não consegui mais desviar os olhos. Poppy estava evidentemente assustada, fora de sua zona de conforto e incomodada, mas não foi sua apreensão que capturou meu olhar… foi sua solidão. Eu podia senti-la preencher o espaço que nos separava, se alongando, crescendo, se expandindo até ser tudo o que eu inspirava e expirava. Sentia seu gosto amargo na língua e seu peso na pele, porque conhecia bem esse sentimento. Vivi com ele me pressionando e me impulsionando a cada minuto de cada dia. O motivo pelo qual eu estava tão determinado a manter tudo como deveria ser, o motivo pelo qual estava tão decidido a me casar e construir uma vida com uma garota que escapava pelos meus dedos era que eu nunca mais queria me sentir tão sozinho quanto aquela garota se sentia. Não queria ser deixado para trás e esquecido. Mal havia sobrevivido da primeira vez... Fiz o meu melhor para vender um carro tão bonito quanto Poppy… um modelo clássico com linhas limpas e acabamento impecável. Ela escolheu algo prático e tedioso, mas que pelo menos era seguro e confiável. Compreendi sua escolha, mas os motivos me irritaram e incomodaram, mesmo depois de ela ter ido embora. Quando Poppy não estava à minha frente, era fácil esquecer isso; afinal, tudo à minha frente, tudo pelo que eu estava trabalhando, ruía diante dos meus olhos. Meu mundo estava entrando em colapso, e tudo sobre o que eu tinha certeza acabou se provando nada mais que mentiras e ilusões. Em meio a tudo isso, eu não conseguia esquecer seus olhos tristes, sua forma trêmula. A solidão de Poppy ficou comigo, inabalável e inesquecível. Eu não achei que ia vê-la de novo. Apesar dos pesares, com frequência me pegava pensando em como estaria e se tinha dado um jeito em todas as coisas que pareciam esmagá-la com seu peso inescapável. Eu estava errado sobre não nos vermos mais, assim como em relação a fazer o oposto de tudo o que minha mãe fizera, a fim de garantir minha própria felicidade. Estava errado sobre o trabalho duro e o sacrifício serem suficientes. Estava errado sobre segurar firme quando aquilo a que eu estava me segurando queria desesperadamente se soltar. Fui deixado com as mãos sangrando, com o coração queimado pelas cordas e cicatrizes na alma. Quando voltei a ver Poppy Cruz, foi a minha solidão que preencheu o espaço, me sufocando, me estrangulando, me fazendo esquecer de tratá-la com cuidado. Eu não era nada mais que uma ferida aberta. Crua, dolorida, latejante. Meu coração partido e minhas emoções destroçadas vazavam por toda parte. Sentia que havia perdido tudo, que minha vida inteira fora uma perda de tempo, nada mais que um castelo de cartas derrubado com um movimento descuidado. A mulher que eu amava não me amava, meu futuro era um borrão distorcido e destroçado. Não conseguia ver nada além do desperdício e da ruína dos meus melhores planos. Mas eu a vi. E vi que a assustava. Era a última coisa que eu queria fazer, mas minha solidão era tão grande e me consumia tanto
quanto a dela. Espalhava-se, voraz e raivosa, propensa a consumir qualquer um que tentasse desafiar seu reinado. Tentei me controlar e pedi desculpa, porque sabia que nossos caminhos iam se cruzar de novo agora que a Poppy era vizinha de porta da minha melhor amiga. Não queria ser outro homem de quem ela morreria de medo. Tranquei minha solidão, lutei contra ela e a venci. Tentei acalmar a coisa selvagem dentro de mim que uivava e urrava com a perda da minha companheira. Não queria ser nada além de dentes rangendo e garras rasgando, mas engoli esses instintos e me permiti agir como um filhote que havia levado um chute e só queria se recolher e choramingar. Poppy havia passado por mais do que eu poderia imaginar. Eu não conseguia desviar os olhos, mas mesmo assim ela dava um jeito de se desvencilhar e desaparecer. Parecia mel, mas se movia como um fantasma. Memorizei tudo a seu respeito, ainda que ela mal me deixasse ver seu rosto. Eu não deveria dar atenção para nada além de recolher os destroços da minha vida, mas Poppy era tudo o que eu via.
CAPÍTULO 1
oppy u nem conseguia acreditar no que estava fazendo. Tinha certeza de que em algum momento da semana anterior meu corpo e meu cérebro haviam sido tomados por uma força alienígena que me obrigava a agir de maneira oposta ao meu normal. Mesmo antes de viver aterrorizada, eu não era do tipo que se esforçava para conseguir a atenção do sexo oposto. Fazer os garotos babarem e colecionar corações partidos era coisa da minha irmã mais velha. Eu era a garota que só respondia quando falavam com ela. Sempre fui tímida e hesitante, principalmente com quem considerava atraente. Mais de um homem me disse achar isso encantador… mas eu não sabia que a evidente incerteza sobre meu apelo e meu fascínio me marcava como presa para essas mesmas pessoas. Eu era um alvo fácil. Algo que jurei nunca mais ser. Por isso não havia explicação lógica para eu me encontrar estacionada diante de um prédio de aparência industrial enquanto tentava criar coragem para entrar. A oficina ficava nos arredores do centro de Denver. Espremida entre fábricas e prédios residenciais recém-reformados e restaurantes da moda perto de Coors Field. Parecia haver escapado de todo o dinheiro investido para valorizar aquela região. Era como uma volta à época em que aquela parte da cidade ainda era perigosa o bastante para ninguém sair para passear com o cachorro usando uma coleira de marca após escurecer. Os tijolos da fachada mantinham a tinta desgastada de quando ali funcionava algum tipo de depósito. A cor antiga se misturava com os grafites mais novos que o proprietário não havia se preocupado em apagar. Também havia um mural, uma representação bonita das Montanhas Rochosas, que se destacava de longe; esse mural cobria as três portas maciças de metal por onde os carros entravam e saíam. Queria dizer alguma coisa. Era impossível não notar. E abrandava a impressão que o prédio passava e a cerca alta de metal que o rodeava, com seu portão. Eu sabia que um dos donos do estúdio de tatuagem em que minha irmã e o namorado trabalhavam havia pintado o mural. Wheeler, o rapaz que eu tinha ido ver, embora ainda não tivesse criado coragem, dera um jeito no carro antigo de Nash Donovan, que em troca transformara as portas da oficina em algo que até os mais dedicados pichadores e grafiteiros valorizavam tanto que não tinham coragem de depredar. Salem, minha irmã, mencionou que Wheeler não se opunha a trocas justas. O que explicava por que a maior parte da pele do mecânico era coberta de imagens coloridas, cortesia de Nash e dos outros tatuadores que trabalhavam no estúdio. Eu estava acostumada a viver cercada por pessoas bastante tatuadas – minha irmã começara a tatuar sua impecável pele dourada antes de ter idade para isso, só para irritar meu pai. No entanto, Hudson Wheeler era de longe o homem com mais tatuagens que eu já havia visto. Os desenhos subiam dos dois lados de seu pescoço e atravessavam a garganta. Iam até os pulsos e se espalhavam pelas costas da mão. Ele tinha tatuagens por todo o peito e até uma que se iniciava na linha do cabelo e ia até a altura do jeans, passando pelas costas e pelo abdome. Era uma
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instalação de arte ambulante. E, embora toda aquela tinta e aquela cor pudessem parecer demais em outra pessoa, considerando o modo gracioso e cheio de consideração com que ele se movia e sua maneira tranquila e comedida de falar, toda a cor e toda a informação que cobriam seu rosto caíam perfeitamente bem nele. Percebi assim que o conheci que sua pele contava ao mundo sua história porque ele não queria se dar ao trabalho de repeti-la muitas vezes. Meu pai ficaria chocado com a aparência daquele rapaz. Odiaria tudo nele. Isso significava que eu permitiria ao fluxo de atração, que havia aberto caminho por entre o medo e a dúvida que me sufocavam diariamente, criar raízes e crescer. Eu estava mais do que disposta a receber de braços abertos qualquer coisa que meu pai reprovasse. Demorei para desafiá-lo, mas a sensação era ótima. Respirando fundo e tamborilando no volante, olhei para a caixinha no assento ao meu lado. Um sorriso leve se insinuou em meu rosto quando meus olhos passaram por seu conteúdo. Eu não tinha ideia se Wheeler se interessava por aquele tipo de presente, mas concluí que, se não o quisesse, poderia levá-lo para casa até descobrir o que fazer com ele. Era um ato de coragem levar algo do tipo para um homem que eu mal conhecia, mas assim que vi aquele objeto soube que Wheeler precisava tê-lo. Me repreendi por ser tão tola e impulsiva e disse a mim mesma que estava me expondo ao tipo de constrangimento e ridículo que acabariam comigo. Haviam sido necessárias horas intermináveis de terapia e uma quantidade impressionante de trabalho da minha família e dos meus amigos para eu conseguir sair de casa sem ter um ataque de pânico. Dar um passo para tão distante da minha zona de conforto fazia parecer que eu estava saltando de um penhasco sem saber se haveria qualquer coisa lá embaixo para abrandar minha queda. Se Wheeler rejeitasse o presente, se fizesse eu me sentir tola por tentar alguma coisa legal, poderia muito bem apagar tudo o que eu havia feito para tentar recuperar algo que lembrasse uma vida normal. Tentar animar um homem com quem eu não tinha nenhuma ligação ou em quem não estava nem de longe investindo parecia um risco tolo a correr, mas ainda assim peguei a caixa e dirigi até ali. Tentei me convencer a não entrar, porque minha mente gritava que era um erro. Não funcionou. Ainda que eu estivesse uma pilha de nervos, acabei pegando a caixa e falando com ela, como se ela pudesse me garantir que aquilo não ia se voltar contra mim. Eu tremia dos pés à cabeça quando saí do carro. A caixa chacoalhou na minha mão, o que me assustou e me fez soltar alguns palavrões. Meu pai odiaria me ver xingar, então fiz questão de garantir que faria isso pelo menos uma vez por dia. Tive que fechar a porta do carro com o quadril e dei um pulo quando ela bateu. Observei de olhos arregalados quando uma das portas de metal pintadas começou a se abrir. Apertei os olhos atrás dos óculos escuros conforme uma figura solitária se dirigia ao limite de uma baia e pulava habilmente dela, ignorando a rampa que conduzia ao prédio. Tive um leve sobressalto, porque não havia como confundir a figura alta e esguia que vinha na minha direção. O sol de fim de tarde fazia seu cabelo já claro brilhar como fogo no outono e destacava os músculos de seus braços e de seu peito amplo enquanto ele limpava as mãos em um trapo vermelho que tirara do bolso de trás da calça. A parte de cima do macacão estava aberta e dependurada da cintura, deixando seu corpo e as tatuagens que o cobriam à mostra em nada menos que uma regata preta cavada na lateral. Parecia sujo e um pouco rude, coisas que caíam superbem nele… e funcionavam comigo. Eu tinha quase me esquecido da sensação do desejo. Estava atraída por ele, o que me assustava, porque, no meu mundo, interesse levava a nada além de sofrimento e dor. Ainda assim, lá estava eu, diante dele, mesmo com tudo dentro de mim gritando para correr
para o mais longe possível. Eu me mexi quando a caixa tremeu de novo e parou. Ele levantou o queixo na direção em que eu havia estacionado meu sedã discreto. – Tudo certo com o Camry? A voz de Wheeler saiu quente e suave, como uma bebida cara provada em uma noite de verão, mas seus olhos estavam frios. Eram do azul mais claro que eu já havia visto, tão brilhantes que pareciam emitir uma luz prateada. Também eram afiados e atentos, de modo que pouco lhes escapava, nem mesmo a caixa que eu tinha dificuldade de segurar conforme ele se aproximava. – Hum… sim. O carro está ótimo, obrigada. Rowdy, namorado da minha irmã e pai do meu sobrinho ou da minha sobrinha, que logo chegaria, tinha me forçado a comprar um carro de Wheeler quando finalmente decidi que estava emocionalmente bem o bastante para morar sozinha, depois de ter ficado em frangalhos na mão do último homem que deveria ter me amado. Wheeler tentara me vender um Bonneville 57, certamente o carro mais legal que eu havia visto, mas afastei a ideia de circular em algo que atrairia um nível de atenção indesejada. Principalmente a masculina. Rowdy fez uma careta quando entreguei o dinheiro para comprar o Camry, mas Wheeler só sorriu para mim como se compreendesse por que havia feito aquela escolha, mesmo não acreditando ser a certa. Fiquei observando inquieta seu olhar gelado pousar sobre a caixa que eu tinha em mãos. Bem na hora o conteúdo deixou escapar algo entre um latido e um uivo que fez as sobrancelhas avermelhadas de Wheeler se levantarem quase até a linha dos cabelos e suas mãos tatuadas pararem de imediato, ainda segurando o trapo vermelho. – Isso é um cachorro? Ele parecia curioso e um pouco surpreso, o que encarei como um bom sinal. Em geral, os homens com quem eu havia lidado teriam ficado furiosos não apenas por eu ter aparecido sem aviso, mas por fazer isso com um filhotinho saltitante nas mãos. – É… eu… hum… bom, alguém o deixou no veterinário onde trabalho e, como Dixie está indo embora e vai levar Dolly junto e como você parece gostar muito dela, achei que talvez quisesse ter seu próprio… bom… Eu estava divagando e falando rápido demais, só que não conseguia impedir as palavras de saírem uma depois da outra. Dolly era a pit bull da minha vizinha, que por acaso era a melhor amiga de Wheeler. – Além disso, você tem uma casa, então pode ter um pit bull, ou talvez precise de um cachorro para cuidar da oficina. Com o treinamento certo, ele será perfeito. Você pode trazer o cachorro para o trabalho com você, o que é ótimo, porque a maior parte dos filhotes fica presa durante seu treinamento – eu continuava desconfortável e olhei para o cachorro, que choramingava para mim como se sentisse pena. Até um animal de estimação sabia que eu estava me enrolando. – Pit bulls não podem circular sozinhos pelas ruas, então temos que arranjar donos para todos, caso contrário os abrigos fazem eutanásia neles, e nenhum animal merece isso. Wheeler não respondeu, mas esticou os braços para pegar a caixa. O filhotinho castanho e branco imediatamente pulou para a borda da caixa e começou a latir e cheirar aquele homem que agora estava pertinho de sua língua. Wheeler colocou a caixa no chão e pegou aquele corpinho sólido. Então o ergueu diante do rosto enquanto o filhote latia animado e balançava o rabinho. – É bonitinho. E como… mas eu não estava pensando no cachorro. – Hum… sei que é meio presunçoso, mas achei que talvez vocês dois pudessem se ajudar.
Eu me retraí ao notar que, sem pretender fazê-lo, havia entrado em um território pessoal, ao qual absolutamente não pertencia. Um timing ruim e uma curiosidade pura haviam me colocado no meio da implosão da vida pessoal de Wheeler. Eu nem deveria saber que sua agora ex-noiva o havia traído, fazendo com que ele cancelasse o casamento apenas algumas semanas antes. Tampouco deveria saber que não havia sido a primeira vez que ela tinha dado mancada. Mas eu sabia, e aquilo despertara uma variedade de sentimentos em relação ao que Wheeler havia passado. Eu sabia que ele era um sujeito legal, que merecia um pouco de alegria enquanto se curava depois de um término tão devastador. E, honestamente, quem não ia se alegrar segurando um filhotinho, em especial um que já estivesse tão evidentemente apaixonado pelo novo dono? – Vou sentir mais a falta de Dixie do que de Dolly. Ele abriu um sorriso torto ao mencionar minha vizinha. Se eu sabia todos os detalhes sórdidos do término recente de Wheeler era porque morava na porta ao lado da de Dixie. Ela era irmã da ex-noiva de Wheeler, além de melhor amiga dele. As paredes eram finas, e Dixie era uma desconhecida em quem eu confiava o bastante para me aproximar, então passava bastante tempo no apartamento dela. Era péssimo que fosse se mudar para o Mississippi bem quando Wheeler mais precisava dela. Mas o namorado de Dixie estava lá, e ela sentia falta dele. Era óbvio que não estava feliz em Denver sem Church. Pigarreei e levei os dedos visivelmente trêmulos ao cabelo. Coloquei uma mecha atrás da orelha e fiz uma careta quando, sem querer, desloquei os óculos escuros. Eu não sabia se podia seguir com aquela conversa caso estivéssemos olho no olho, mas era ou retirá-los ou parecer mais inadequada do que eu já parecia. Com um suspiro, ergui os óculos até o alto da cabeça e fiquei imóvel quando seus olhos se fixaram nos meus. Eram tão frios que pareciam capazes de me congelar de dentro para fora… Em vez disso, senti um calor estranho se espalhar em meu interior. Nunca havia me sentido tão atraída fisicamente por alguém, o que fazia com que ficasse ansiosa e agitada. Não sabia o que fazer a respeito. Eu não estava emocionalmente bem o bastante para me interessar por um sujeito com o tipo de história complicada e o futuro incerto de Wheeler. Fazia pouco que eu era capaz de cuidar de mim mesma da maneira mais básica. De jeito nenhum conseguiria cuidar dele também… e era daquilo que Wheeler precisava: uma mulher que pudesse consertar o que a mulher que ele queria havia destruído. Alguém que era egoísta e sem consideração. Alguém por quem Wheeler talvez ainda estivesse apaixonado. – Se você não quiser, posso pedir a Dixie que o leve. Seria legal para Dolly ter companhia. Um colega de trabalho levou a irmãzinha dele para casa, e o veterinário encontrou lares para os outros dois. Este carinha sobrou. Eu não conseguia olhar para ele sozinho depois que o resto da família encontrou um lar. Como eu disse… – dei de ombros e virei o rosto para evitar seu olhar penetrante. – Pensei imediatamente em você. Wheeler também estava procurando um lar, eu sabia. Ele se inclinou para colocar o cachorro no chão. O animalzinho robusto começou a pular nas pernas dele e mordiscar o couro gasto das botas resistentes e manchadas. Wheeler levou as mãos à cintura enquanto o observava. Eu tinha quase cem por cento de certeza de que levar aquela bola de baba e amor abandonada fora a escolha correta, quando então os olhos de Wheeler se voltaram para mim. Era difícil ler sua expressão, mas estava evidente que algo o impedia de aceitar meu presente de braços abertos. – Não sei se tenho tempo de cuidar de um filhote no momento, Poppy. Ele levantou a mão para coçar a nuca. Suas sobrancelhas cor de mogno formaram um V sobre o nariz, e os cantos da boca caíram em uma careta que parecia dura demais para seu rosto bonito.
Eu gostava mais quando Wheeler sorria e duas covinhas idênticas e profundas marcavam suas bochechas. Mordi o lábio inferior para segurar o gemido angustiado que sentia subir pela garganta. Sabia que ele podia dizer não, mas não conseguia esconder o fato de que sua decisão me decepcionava. Achava mesmo que Wheeler e o cachorro iam se fazer bem, levando um pouco de alegria para a vida um do outro. Doía que ele não estivesse pronto para abrir o coração de novo, mesmo sendo para um cãozinho tão disposto a amá-lo de maneira incondicional e irrevogável, ao contrário da ex. – Tudo bem. Como eu disse, posso levar o cachorro pra casa até encontrar um lugar para ele – eu me agachei e movimentei os dedos para chamar a atenção do bichinho. Sorri quando ele deu um pulinho e tropeçou nas próprias patas na tentativa de se aproximar. – Ele pode ir comigo para o trabalho enquanto penso em alguma coisa. Alguém do estúdio provavelmente vai se oferecer caso Dixie não queira outro cachorro. Eu o ouvi suspirar. Quando olhei para cima, ele me observava atentamente. Wheeler abriu a boca como se fosse dizer alguma coisa, então a fechou, batendo os dentes. Eu não sabia muito a seu respeito, mas gostava do que sabia. Ele era legal. Educado. Tinha muita consideração pelos outros e era bondoso. Mais do que todas essas coisas, saía do seu caminho para se apresentar de uma maneira que não fosse ameaçadora ou intimidadora, porque, sem que eu dissesse uma palavra, tinha notado como eu ficava acuada com outras pessoas, homens em particular. Odiava que fossem maiores que eu. Odiava saber em primeira mão como podiam machucar se tivessem a intenção. Odiava murchar e me retrair com a atenção deles, mesmo que fossem inocentes e amistosos. O fato de ele se dar ao trabalho de não me assustar falava muito e me fazia sentir horrível por colocá-lo em uma posição tão desconfortável. – Poppy… Ele parecia triste, e eu não tinha a menor intenção de prolongar a tortura para ambos. Peguei o cachorro e enfiei o nariz na cabecinha dele. – Sério, não tem problema. Adoro ele, e vai ser ótimo ficarmos juntos enquanto procuro um lar adequado. Foi tolice minha não considerar como você anda ocupado com tudo o que está rolando na sua vida agora. Um filhote é um compromisso importante, e não algo que se possa impor a outra pessoa antes de se discutir a respeito. – O cachorro lambeu meu rosto, sem dúvida sentindo meu desconforto e meu pânico crescente. Eu só queria apertar seu corpinho quente contra o peito e correr, como se tentasse marcar um touchdown na end zone do outro time. – Eu deveria ter desconfiado. Aquela frase era uma velha conhecida minha, me perseguindo em pesadelos e ecoando na minha mente a cada segundo que eu lutava para sobreviver às mãos tortuosas do meu marido abusivo. Eu me peguei repetindo padrões perigosos e prejudiciais no que se referia aos homens da minha vida e sempre disse a mim mesma, de novo e de novo, que deveria ter desconfiado. Meu terapeuta falou que eu era dura demais comigo mesma, que carregava a culpa das ações de homens sobre os quais não tinha nenhum controle. Mas era difícil abandonar a culpa quando era aquilo que se respirava e do que se vivia. Wheeler soltou um ruído como se estivesse engasgando e então dobrou o corpo e apoiou as mãos nos joelhos enquanto respirava fundo. Seus ombros amplos estremeceram e depois ficaram tensos como se ele tivesse levado um golpe que lhe houvesse roubado o ar. Eu nunca tocava ninguém, nem mesmo pessoas que haviam crescido me abraçando e me amando. Mas senti vontade de esticar a mão trêmula e colocá-la em seu ombro. O filhote latiu
em aprovação, e eu tentei não cair de joelhos enquanto o calor de sua pele tatuada entrava por meus dedos e percorria meus braços. Fazia um bom tempo que eu não me permitia nenhum tipo de contato humano, e fazia mais tempo ainda que o contato não levava a hematomas e vergões na minha pele ou lesões na minha alma. Parecia tão vital. Tão necessário. – Você está bem? O ombro que eu toquei de leve ficou ainda mais tenso. Tirei a mão como se sua pele tivesse me queimado quando ele se endireitou. Congelei sob seu olhar frígido. – Não. Nunca estive tão longe de bem – Wheeler deixou escapar uma risada dura e estreitou os olhos na minha direção. – Quando uma garota bonita aparece tentando melhorar a grande merda que é a sua vida, deveria ficar tudo bem, mas não – ele suspirou e passou a mão pelo rosto como se estivesse cansado. – Posso contar em uma única mão o número de vezes na minha vida em que alguém se deu ao trabalho de perguntar se eu estava bem, Poppy – sua boca se contorceu em um sorriso seco que pareceria duro em qualquer outra pessoa, mas que as covinhas ainda conseguiam tornar encantador. – Na maior parte das vezes foi Dixie. Nem a irmã certa! Fiquei horrorizada, nem me dei ao trabalho de esconder isso enquanto apertava o cachorrinho contra o peito, como se seu corpo quente pudesse me proteger das imagens terríveis que as palavras de Wheeler me traziam à mente. – Isso é péssimo. Minha voz falhou, e as palavras saíram estridentes. Eu já sabia demais a seu respeito, e aquilo era mais da informação que eu achava não ter o direito de receber. – É mesmo, mas não tão péssimo quanto descobrir que minha ex está grávida de mim – tive um sobressalto e dei um passo para atrás quando suas palavras me atingiram. – Uma criança definitivamente não planejada. Uma criança que não estou de jeito nenhum pronto para criar com uma mulher perto de quem não consigo ficar. Uma criança que vai ficar indo de uma casa para outra, sendo levada de um lugar para o outro, enquanto tenta descobrir onde é seu lugar. Sua voz e sua aparência deixavam evidente que ele estava em frangalhos. Seus olhos estavam mais gelados do que eu já havia visto; sua pele, mais pálida e tensa nos ângulos agudos de seu rosto, fazendo com que o punhado de sardas que pontilhavam seu nariz e suas bochechas se destacasse ainda mais que o normal. Um bebê. Aquela palavra sempre despertava algo delicado e desprotegido bem lá no fundo de mim. Quando minha irmã me disse que estava grávida, quis ficar feliz por ela, mas a alegria precisou lutar contra o remorso e a tristeza muito fortes que pareciam prestes a me esmagar. O mesmo acontecia agora, enquanto Wheeler me observava. Tudo dentro de mim queria se desvendar, mas eu conseguia me controlar, ainda que precariamente. Ele deveria estar feliz com uma vida preciosa a caminho, mesmo que não se sentisse exatamente animado com as circunstâncias que envolviam essa chegada. Dei outro passo para trás e quase caí. Wheeler esticou a mão como se fosse me segurar ou impedir minha queda, mas me encolhi e apertei tanto o cachorro que ele gemeu em protesto. Tirei os óculos rapidamente de cima da cabeça e voltei a usá-los. Podia sentir meus olhos úmidos, e se começasse a chorar ia precisar de algum tipo de proteção. Wheeler não ia entender por que suas palavras haviam me atingido, e eu não conseguiria explicar os motivos pelos quais tinham me cortado tão fundo. Havia usado toda a minha coragem e minha ousadia limitada para sair do carro e oferecer o filhote a ele. – Bom, parabéns pelo bebê – não pareci nem um pouco sincera, ainda que estivesse sendo. –
Vou levar este carinha pra casa e fazer umas ligações para ver quem pode estar interessado. Eu me afastei mais um pouco e observei de olhos arregalados Wheeler vir na minha direção. Logo minhas costas estavam apoiadas na lateral do carro, e ele se inclinava sobre mim, com apenas o cachorro separando meu peito do dele. Era o mais perto que eu chegava de um homem há muito tempo. Mesmo com Wheeler todo irritado e contrariado, eu não estava preocupada que descontasse em mim. Ele não me assustava. Mas não podia dizer a mesma coisa do jeito como ele fazia eu me sentir. – Desculpa, Poppy. Em outro momento da minha vida ficaria animado pra caralho que uma garota como você tivesse pensado em mim e se desdobrado para fazer algo tão doce. Se eu já não estivesse com dificuldade de aceitar que vou ser pai, aceitaria alegremente a tarefa de cuidar de um filhote – puxa, ele era legal, mesmo não parecendo muito pelo modo como se inclinava sobre mim. – Tem algo em você, algo nesses olhos e na maneira mansa como fala, que faz com que eu queira revelar todos os meus segredos. Segredos que machucam. Quero te dizer que da última vez em que minha vida esteve assim, fodida, foi quando minha mãe drogada me largou em uma unidade dos bombeiros, em uma cidadezinha qualquer nas montanhas, em meio a uma tempestade de neve. Nosso carro havia quebrado, como sempre. Ela não cuidava bem dele, como não cuidava bem de mim. Fiquei boquiaberta, em choque, sem conseguir me mover enquanto a voz dele ficava mais grave e seus olhos ficavam mais frios. As palavras de Wheeler me deixavam arrepiada. – Por sorte, era um corpo de bombeiros de verdade, e não uma daquelas estações de voluntários que fica vazia até que haja um incêndio. Um capitão muito simpático deixou que eu passasse a noite ali. No dia seguinte, me entregaram para a assistência social, e passei o resto da infância indo de um lar temporário para outro. Ela sequer havia me deixado um casaco. Me largou com um jeans pequeno demais, uma camiseta manchada e rasgada e um par de tênis que era uma merda na neve, cheio de fita adesiva – ele piscou para mim, e eu estava horrorizada. Aquele cenho franzido que marcava as belas linhas de sua estrutura óssea aristocrática voltou. – Eu tinha quatro anos, porra. Eu queria abraçá-lo. Queria confortar o garotinho que havia sido e o homem à minha frente, que evidentemente estava na pior. Sabendo que eu ia surtar se tivéssemos aquele tipo de contato com ambos tão expostos, escapei para o lado, tomando o cuidado de não roçar nele, e abri a porta para poder colocar meu pacotinho ofegante e babão no banco do passageiro. Mantive a porta como uma barreira entre nós, embora tudo o que queria era escapar do desespero e da dor. Eu precisava de um minuto para processar o fato de que Wheeler ia ter um bebê com uma mulher que o havia destruído e que havia arruinado a vida idílica que poderiam ter tido juntos. Aquilo machucava de maneiras que eu não queria considerar com ele me olhando tão de perto, como se pudesse enxergar cada pensamento ou sentimento meu. Eu tinha o bastante da minha própria dor; não conseguia acreditar que sentia a dele também. – Sinto muito que esteja passando por isso. Boa sorte com tudo, Wheeler. Não tive coragem de dizer que estaria por perto caso precisasse, ainda que as palavras estivessem na ponta da minha língua. Entrei no carro e agarrei o volante como se fosse um bote salva-vidas. Então, estiquei o braço para fechar a porta, mas ela não veio, porque ele a estava segurando. Wheeler abaixou a cabeça para me fitar, e pude ver uma variedade de emoções em seu olhar frio. Ele estava puto. Frustrado. Triste. Irritado. E talvez, apenas talvez, um pouquinho animado. – Vou precisar de mais do que sorte. Mas, sério, obrigado por pensar em mim. Não consigo
lembrar a última vez em que isso aconteceu. Se eu fosse outra pessoa, alguém mais forte, mais corajosa e destemida, teria saído do carro e dado um abraço nele. Wheeler parecia estar precisando desesperadamente de um. Mas eu não era outra pessoa. Eu era a garota que quase tinha morrido tentando fazer o pai feliz e conquistar sua aprovação. Eu era a garota que deixava a irmã ir embora sem implorar que a levasse junto, mesmo sendo seu maior desejo. Eu era a garota que havia se apaixonado pelo garoto errado e pago um preço tão alto por isso que quase perdera tudo. Eu era a garota que havia se casado com um monstro que, muito embora ele estivesse fisicamente morto e enterrado, sobrevivia dentro de mim, onde me assombrava, perseguia, machucava. Como sempre, eu estava com medo, então não fiz nada além de fechar a porta do carro quando ele a soltou e ir embora. Não tinha como resolver tudo o que havia dado errado na vida de Wheeler e não ia deixar que ele se aproximasse o bastante para ver quão destroçada eu mesma estava por não ter sido capaz de me recompor. O cachorrinho choramingou como se soubesse em que eu estava pensando e discordasse de mim. Por sorte, era muito mais fácil ignorá-lo do que escutar a voz provocadora na minha mente que insistia em dizer que eu deveria ter desconfiado.
O amor vai achar um caminho por onde os lobos têm medo de caçar. Lord Byron
CAPÍTULO 2
Wheeler O que você está procurando não está entre as pernas daquela loira, apressadinho. Parei de olhar para a loira que obviamente estava me comendo com os olhos e voltei minha atenção para o atendente do bar, que me oferecera aquelas palavras de sabedoria não solicitadas. Como sempre, elas foram ditas com um forte sotaque sulista. Levantei uma sobrancelha para ele, que retribuiu da mesma forma. – Assim como você não encontrou nas pernas daquela morena semana passada ou daquela ruiva na semana anterior – ele colocou outra bebida na minha frente, ainda que eu já tivesse ultrapassado minha cota. Eu o observei se inclinar sobre o balcão à minha frente de modo que eu não tivesse escolha a não ser encará-lo enquanto puxava a mistura de licor de uísque e refrigerante para perto. – O fato é: não importa quanto tente, não se pode superar um coração partido com sexo. Você não vai achar uma cura mágica passando uma hora com uma garota bonita. Nem no fundo de uma garrafa. Eu sabia que Asa estava certo, mas não tinha nenhuma intenção de dizer aquilo. Então só dei um belo gole na bebida e abri um sorriso falso e forçado na direção da loira. Quando voltei a olhar para o atendente, ele balançava a cabeça negativamente. Eu não conhecia Asa Cross muito bem, ainda que um tempo antes tivesse vendido a ele um belo Nova que precisava de algum trabalho. Tínhamos amigos em comum, e o chefe dele no bar tinha investido dinheiro na minha oficina. Algo que eu tentava manter em mente de modo a não passar vergonha enquanto tentava me entorpecer com a bebida. Por motivos que apenas o sulista mais atento compreende, ele havia se incumbido de ser a minha voz da razão toda vez que eu entrava no bar. Admito que toda vez que o fazia estava procurando por uma distração. Não queria voltar para uma casa vazia sem nada além de arrependimento e desejando companhia. Compreendia que ele não queria que eu fosse destrutivo, mas eu tinha sido tão cuidadoso com minha vida amorosa por tanto tempo que já era mais do que hora de bagunçar um pouco as coisas. Ter consideração e ser atencioso não me levaram a nada além de abandono e traição. Era hora de ver o que eu conseguiria sendo descuidado e impetuoso. – Eu já disse, fiquei com a mesma garota desde os dezesseis anos. Não tem nada de errado em ver o que mais está disponível agora que estou livre. Eu queria estar mais animado diante da perspectiva de dormir com todas as mulheres solteiras de Denver do que de fato estava. A verdade era que elas gostavam de mim, sempre haviam gostado, mas fazia tanto tempo que eu vinha dizendo não que dizer sim de repente parecia estranho. Uma culpa inexplicável tirava a graça de tudo. Eu não conseguia seguir em frente antes da terceira ou quarta dose. – Todo mundo que come um pouquinho aqui e um pouquinho ali chega ao fim do dia com fome, apressadinho. Você costumava fazer uma refeição completa. Aperitivos não vão ser o bastante. Você vai morrer de fome. Asa balançou a cabeça e se afastou do balcão, deixando suas palavras complicadas pesarem sobre mim. Ele foi até um cliente na outra ponta do balcão, dando à loira a abertura que ela esperava para se aproximar. Tentei não fazer careta quando ela ocupou a banqueta vazia ao meu lado. Seu perfume forte e floral me enjoava. Não pude deixar de senti-lo quando ela apoiou um
braço no balcão e virou o corpo para mim. Ela era bonita de um jeito bem produzido. Eu não tinha um tipo em particular. Havia ficado com Kallie por tanto tempo que tinha esquecido minhas preferências. Observando as extremidades dos lábios muito pintados dessa mulher se curvarem e seus cílios estranhamente longos baterem para mim de maneira sedutora, me dei conta de que alta manutenção e muito esforço não estavam no topo da lista de coisas que deixavam meu pau duro. Contra a minha vontade, uma imagem de Poppy Cruz segurando aquele filhotinho e me olhando como se estivesse pronta para fugir a qualquer segundo passou pela minha mente. A beleza fácil e intocada dela sem dúvida nenhuma deixava meu pau duro. Na verdade, eu já podia senti-lo maior e enrijecido contra o zíper da calça só de pensar nela. Poppy era a mulher mais linda que já havia visto, e não precisava fazer nada para que eu ou qualquer outra pessoa notasse. Não usava maquiagem, nem mesmo leve. Ainda assim, seus lábios eram rosados, e seus cílios longos eram como um leque preto impecável. Faziam um ótimo trabalho ao manter seu olhar deslumbrante e triste escondido de olhos curiosos. A pele dela tinha um tom dourado invejável que só podia ser alcançado por herança e uma genética abençoada. Seu cabelo era de uma mistura diferente de castanhos que iam do chocolate mais escuro a mechas caramelo que eu duvidava terem sido feitas no cabeleireiro. A garota não fazia nada para melhorar a aparência já deslumbrante, inclusive escondia seu corpo esguio em roupas muito maiores. Eu só a tinha visto usar tons neutros e sem graça, em um esforço para apagá-la e fazer com que parecesse comum, quando ela era tudo menos aquilo. Ela havia nascido para ser um possante, mas, por motivos dos mais complicados, vivia como se fosse uma minivan. Mesmo camuflada e toda coberta, a aparência de Poppy Cruz mexia comigo de um jeito que a da loira era incapaz. – Oi. A loira sussurrou o cumprimento e levou o canudinho do drinque aos lábios em um movimento que certamente a fez conseguir o que queria na maior parte das vezes. Tomei outro gole da minha bebida, virei a cabeça e inclinei o queixo em um cumprimento que era muito menos sedutor que o dela. – Oi. – Você está aqui sozinho a noite toda. Achei que devia vir perguntar se não quer companhia. Não é muito divertido beber sozinho. Ela estava certa. Beber sozinho era uma droga, assim como dormir sozinho, morar sozinho e fazer praticamente qualquer coisa sozinho quando se está acostumado a ter alguém do seu lado. – Sou Tessa. Ela ofereceu a mão, e notei que o esmalte das unhas combinava com o batom rubi. Parecia esforço demais para conseguir companhia para a noite. O máximo que eu havia feito fora vestir uma camiseta limpa. Apertei sua mão e a observei passar os olhos pelas manchas de graxa e óleo que já pareciam impressas na minha pele. Não importava quanto eu me esfregasse, ficava sempre claro que eu trabalhava com as mãos e me sujava. Tessa não contorceu os lábios ou puxou a mão de volta para limpar no jeans justo. Sucesso. – Wheeler. Ela levantou as sobrancelhas, e os cantos de seus lábios se curvaram como se aquilo fosse divertido. – É seu nome real?
Sorri de volta, porque ouvia muito aquela pergunta. Notei que Tessa prendeu o ar ao observar meu rosto. Minhas mãos sujas podem afastar algumas mulheres, mas nunca encontrei nenhuma imune ao meu sorriso. Deus abençoe as covinhas. Nunca entendi muito bem por que tanto alvoroço, mas foi o que fez Kallie me notar quando ela entrou na sala errada no ensino médio, de modo que ficava feliz com minhas covinhas. Tornavam o trabalho de levar uma mulher para casa muito mais fácil. Virei o resto da bebida e deixei o copo vazio no balcão à minha frente. – É meu sobrenome. Meu professor de mecânica na escola começara a me chamar daquele jeito porque havia outro Hudson na turma. Depois de um tempo, ele me disse que nunca havia tido um aluno com tamanho talento e tanta facilidade com carros, então seu modo de me chamar se tornou uma medalha de honra. Era um atestado de que eu sabia me virar com tudo o que andava rápido, soava alto e de maneira furiosa. Nunca alguém havia se interessado tanto por mim a ponto de me dar um apelido. Nunca alguém havia se importado tanto a ponto de me elogiar ou exaltar. Depois da escola o nome ficou, porque decidi ser Wheeler. Ele era alguém que valia algo. – Eu gosto. Dava para ver. E provavelmente gostava ainda mais do modo como meu bíceps tatuado se flexionava por baixo da camiseta branca de algodão. Comecei com as tatuagens quando era bem jovem. Tinha mais pele marcada do que livre. Agora que estava solteiro, chegava à conclusão de que as mulheres gostavam do meu corpo e das tatuagens tanto quanto das minhas covinhas. Na verdade, gostavam tanto da minha aparência que eu nem precisava me esforçar muito para ser charmoso ou interessante se quisesse levá-las para a cama. Isso fazia eu me sentir um pouco nauseado ao pensar quão superficial e sem importância tudo era. Forcei outro sorriso para distrair a nós dois, o que a fez suspirar. – Valeu. Cumpre seu papel. Fiquei a observando chupar mais o canudinho, certamente esperando que eu desse algum sinal de que estava pronto para ir. Eu queria, mas, quanto mais Tessa me olhava, mais eu a comparava mentalmente com a mulher que estivera à minha frente pouco antes, muito assustada, mas se forçando mesmo assim em fazer algo legal para um desconhecido. Não tinha dúvida de que havia algo na assustadiça e nervosa Poppy que eu considerava charmoso e encantador. Tessa não tinha nada daquilo e estava fazendo tudo dentro de mim pisar no freio, em vez de acelerar as coisas. O copo vazio à minha frente desapareceu e um cheio foi colocado no lugar. – É o último, apressadinho – o sotaque sulista havia perdido toda a suavidade; o atendente olhou de mim para a loira. – E você, quer outro? Tessa paralisou como se alguém tivesse apertado um botão em um controle remoto. Seus cílios postiços enormes tremularam como um reflexo ao som da voz de Asa. Ela estivera tão focada em mim até então, que não havia se dado conta de que havia outro pau atraente e disponível por perto. Falando objetivamente, Asa era bem mais bonito do que eu. Não havia nada nele difícil ou complicado de olhar. Asa não havia passado a vida toda cobrindo a pele para que não deixassem de notá-lo. Tampouco tinha o olhar cortante de quem havia sido indesejado e deixado para trás. Se tivesse que escolher entre nós dois, eu mesmo escolheria o atendente sulista. Asa tinha um jeito fácil e despretensioso que eu certamente não tinha. Nem conseguia me lembrar da última vez que algo havia sido simples para mim. Além disso, ele era muito charmoso, algo que eu também não era. – Hum… não. Estou bem.
Os lábios pintados da moça se retorceram para Asa do mesmo modo como tinham feito para mim. Um arrepio de desconforto desceu por minha espinha. Eu estava cansado de ser a segunda opção, de não ser valorizado. Quando a loira se virou para mim depois que Asa foi atender um pedido, empurrei minha bebida na direção dela e desci da banqueta. – É por minha conta. E aproveite o resto da noite. Ela piscou para mim, confusa, então abriu a boca para dizer algo. Mas eu só balancei a cabeça e me afastei antes que ela pudesse fazê-lo. Eu era mesmo bom em dizer não, muito melhor do que em dizer sim. Mesmo depois de a garota fazer com que eu me sentisse um pedaço de carne, nada além de um pau para aquela noite que podia simplesmente ser trocado por outro, eu ainda não conseguia ser um babaca total. Não queria que minha rejeição ou minha falta de interesse a magoasse, porque ainda estava lidando com o quanto o fato de Kallie ter me deixado me machucava. Eu não era do tipo que descontava, o que fazia com que ter jogado toda a minha bagagem para cima de Poppy no dia anterior tivesse sido muito surpreendente. Havia algo naquela garota linda com olhos feridos que fazia com que eu quisesse assegurá-la de que não era a única se sentindo destroçada e sozinha. Era o fim do outono, a época do ano em que ficar do lado de fora, à noite, sem casaco havia passado fazia muito tempo. O friozinho no ar afastou parte da confusão da minha cabeça e refrescou parte da raiva que ainda ardia no meu sangue por ter sido descartado, enquanto ia até meu Eldorado Cadillac 67 perfeitamente restaurado e mantido com todo o carinho. O carro era como um filho para mim. Era a razão pela qual eu me mantivera no prumo quando adolescente, que me dera um propósito e me colocara no caminho que me levaria a ter meu próprio negócio para me sustentar. O Cadillac era minha paixão, a primeira coisa de fato minha, o resultado de tudo que haviam me ensinado quando aplicado em algo real. Eu nunca iria para trás do volante depois de uma noite de bebedeira. O carro estava ligado a um milhão de memórias, e eu duvidava ser capaz de me recuperar se algo acontecesse com ele. Eu sentia que minha vida não havia de fato começado até que eu entrei naquela pequena oficina sem muitos recursos da escola Brookside e pus meus olhos na belezura mutilada e desmantelada que era a carcaça do meu futuro carro. Chamei um Uber e apoiei o quadril no capô enquanto o frio começava a se infiltrar na minha melancolia bêbada. A ideia de ir para uma casa vazia contribuiu para que eu começasse a tremer. Virei a cabeça ao ouvir o barulho do interior do bar que vazou quando Asa abriu a porta para dar uma olhada rápida no estacionamento. Seu olhar recaiu sobre mim, apoiado no Cadillac, então o vi expirar aliviado. Ele gritou por cima do ombro para que alguém cuidasse do balcão por um segundo, então deixou a porta pesada do bar se fechar atrás de si. Asa foi até onde eu estava, tremendo e tentando controlar os dentes batendo. – Estava preocupado que fosse para casa com aquela loira. Não pensei que tivesse que me preocupar com você dirigindo sem ter a menor condição para isso – vapor se formava conforme ele respirava. Ele não se importava em impedir os dentes de baterem enquanto esfregava os braços para se aquecer. – Gosto de você, apressadinho. Não me faça te derrubar para pegar a chave do carro. Levantei o celular para mostrar o mapa indicando que um carro estava a poucos minutos de distância. – Chamei um Uber. Não arriscaria meu carro dirigindo bêbado. Ele balançou a cabeça e se balançou no lugar.
– Você se preocupa com o carro, e não consigo mesmo. Precisa de alguém pra te endireitar, Wheeler. Estive tentando fazer isso nas últimas semanas, mas não consegui. Levantei uma sobrancelha e dei de ombros. – Venho para tomar um drinque e ter companhia. Não me lembro de ter me inscrito na terapia. Ele deu uma risada sarcástica e revirou os olhos. – Talvez você não queira ouvir isso, mas deveria. Quando alguém que cometeu mais que sua parcela de erros vê outra pessoa rumar para uma vala, não é uma boa pessoa se não faz o que pode para levar as quatro rodas de volta para a estrada. Às vezes é preciso um guincho, às vezes só um empurrãozinho de uma mão amiga. Sei que sua garota te enganou, mas você não vai consertar as coisas bebendo para se transformar no tipo de homem com quem alguém não perderia tempo ao cruzar – Asa apontou para mim quando o Uber estacionou e o motorista piscou os faróis. – Sai dessa, Wheeler. Não tem nada de bom lá embaixo. Só vai girar os pneus em falso. Cambaleei um pouco ao desencostar do carro e colocar o celular no bolso de trás. – Sou bom em consertar coisas quebradas e deixadas para trás, Asa. Não se preocupe comigo. Usei a confiança da bebida para soar mais seguro do que eu me sentia. Ele suspirou de novo e olhou para as próprias botas. – Nunca é bom ver um sujeito legal ser derrubado – quando Asa voltou a levantar a cabeça, a preocupação estava bem estampada em seu rosto. – É ainda pior quando esse sujeito não parece interessado em se levantar. Sou mais barato que um terapeuta, Wheeler, e meu consultório é muito mais divertido. Ele ia se dar mal se tentasse consertar cada coração solitário que se sentasse ao balcão. Estava a semanas de abrir seu próprio bar secreto no coração da zona revitalizada, o que significava duas vezes mais conselhos para dar a pessoas que provavelmente não ouviriam. – Vou manter isso em mente. Cuida da sua garota. A maior parte das pessoas pensaria que eu estava falando da policial que ele namorava, mas qualquer um que me conhecesse ou soubesse algo sobre como alguém louco por motores operava entenderia que eu estava falando do Nova. Asa estava fazendo a maior parte da restauração ele mesmo, mas às vezes o levava para a oficina para uma questão mecânica de que seus conhecimentos limitados não davam conta. Era um belo carro, e eu estava feliz que tivesse encontrado um bom lar. Além disso, não era como se alguém precisasse dizer a Asa para cuidar da namorada; ele tratava a policial ruiva como se fosse a razão de sua existência… mais ou menos como eu tratava Kallie até tudo dar errado. Confirmei para o motorista do Uber o endereço em Curtis Park e tentei reprimir o sentimento oco, vago e agora muito familiar de entrar em uma casa vazia. Eu havia comprado o imóvel um segundo depois de colocar o anel de compromisso no dedo de Kallie, achando que ela finalmente estava pronta para crescer e se acomodar. Estávamos juntos desde que éramos pouco mais que crianças; no entanto, enquanto eu me tornava mais ambicioso e focado em construir algo que ninguém poderia tirar de mim ao longo dos anos, ela parecia emperrada. Sempre deu trabalho, sempre foi uma princesinha com uma tendência irritante ao drama e à histeria, mas me amava e nunca me deixou. Então suportei tudo. Agora que tinha ido embora, tudo ficava surpreendentemente óbvio, e eu podia ver como estávamos seguindo em direções diferentes desde muito antes das indiscrições dela. Eu queria estabilidade e uma base sólida. Ela queria curtir e ser livre, enquanto eu cuidava dela e a apoiava. Ser necessário era legal, mas não pelo que eu podia providenciar, em vez de por quem eu era. Eu era mais um caixa automático que um
namorado ou amante. A pior parte foi que deixei acontecer simplesmente porque não conseguia dizer não a Kallie. Estava preocupado demais que ela pudesse ir embora caso lhe negasse alguma coisa. No fim, não importou quanto eu dei ou quanto a amei: ela foi embora mesmo assim. – Opa, o que aconteceu com aquele lugar? A voz do motorista do Uber me tirou dos meus pensamentos morosos. Ele estava se referindo à estrutura queimada da casa em frente à minha. Onde Brighton Walker e sua filha, Avett, haviam morado até os problemas chegarem de um jeito bastante dramático. Meu amigo Zeb tinha comprado o imóvel em ruínas e estava trabalhando para restaurá-la, mas o progresso era lento, e a construção parecia já ter visto dias melhores, o que era verdade. – Pegou fogo, mas ninguém se machucou. O motorista murmurou algo que não ouvi e parou na frente de casa. Tropecei nos meus próprios pés ao sair do carro, odiando que minhas mãos tremessem e que tivesse precisado de inúmeras tentativas para acertar a chave na fechadura da porta da frente. Nunca tinha sido de beber muito. Quando se tem uma mãe viciada e clinicamente perturbada, é normal criar uma aversão a tudo o que pode se transformar em um hábito ruim. Mas nos últimos meses eu vinha bebendo para esquecer e impedir as lembranças, e deixar meu carro para trás e ficar de ressaca na manhã seguinte estava começando a cansar. Eu precisava encontrar um jeito melhor de lidar com todas as coisas que devoravam minhas entranhas. Então, uma imagem de olhos dourados e amplos me encarando, como se eu tivesse chutado o filhote entre nós dois, quando contei que Kallie estava grávida de mim e eu não tinha ideia do que estava fazendo nem tempo para uma alma inocente na minha vida passou pela minha mente enevoada sem ser convidada. Também estranhei que a notícia a tivesse abalado tanto. Eu não estava exatamente animado com Kallie grávida de mim, mas não conseguia ver como aquilo afetaria Poppy, muito menos de maneira tão drástica. Depois que entrei, joguei as chaves no aparador refinado que Kallie insistira em comprar para o corredor. A porcaria havia custado uma fortuna, e eu só a usava para largar as chaves e a correspondência quando lembrava de pegar. Era mais um lembrete de que eu deveria ter insistido, deveria ter buscado um equilíbrio. Não que importasse alguma coisa agora. Suspirando, descalcei as botas, tirei a camiseta com uma só mão e me joguei no sofá. Se Kallie ainda morasse aqui, eu teria que me despir por completo e tomar um banho antes de poder sentar naquele móvel cinza-claro ridiculamente caro. Não era um sofá bom para homens… especialmente quando o homem em questão passava o dia debaixo de carros ou debruçado sobre motores. Fiquei horrorizado quando os rapazes da loja o entregaram, mas Kallie insistiu que eu não entendia sua visão, então aceitei. Agora não estava nem aí se a coisa acabasse com manchas de graxa e toda suja. Ia comprar um sofá novo assim que tirasse um dia de folga e estivesse sóbrio o bastante para me lembrar de que precisava de um. Apoiei os pés na mesa de centro e liguei a TV, sem me importar em baixar o volume quando donas de casa estridentes e reclamonas de algum condado apareceram na tela. Se tivesse sorte, a bebida ia fazer seu trabalho, e eu pegaria no sono antes que a solidão me sufocasse. A última coisa que me lembro de ter pensado antes de deixar os olhos se fecharem foi que, se tivesse aceitado o cachorro de Poppy, haveria alguém esperando por mim quando voltasse para casa… E eu mesmo teria um motivo para não sair. Talvez um filhote fosse o tipo de aprendizado de que eu precisava antes que o bebê viesse. E se alguém tão bonita quanto Poppy Cruz quisesse me ajudar a cuidar de um animal de estimação, eu não ia reclamar. Pela primeira vez em meses, peguei no sono com algo parecido com um
sorriso no rosto, em vez do cenho franzido que já parecia tão gravado na minha pele quanto minhas tatuagens.
CAPÍTULO 3
oppy entar fazer com que um filhotinho indisciplinado andasse de coleira estava se provando um desafio maior do que eu achei que seria. Ele era pequeno, mas seu corpinho era forte, e ele estava determinado a não cooperar. Eu tinha certeza de que éramos uma bela visão: eu lutando em vão para que andasse ao meu lado e ele dançando e pulando no fim da coleira, como uma bexiga esvaziando, enquanto se deslocava de uma coisa para cheirar a outra. Eu estava congelando, porque não havia tirado o avental do trabalho, e o clima rumava rapidamente para as temperaturas de inverno. Meu coração podia estar firme em Colorado, mas meu sangue continuava acostumado ao sol e ao calor abafado do Texas. O fato de eu ser naturalmente magra e talvez precisar ganhar alguns quilinhos não ajudava em nada. Eu nunca tive as curvas de parar o trânsito da Salem, e depois que meu marido me sequestrou e saiu do estado comigo, enquanto fazia as coisas mais horríveis que se pode imaginar com meu corpo e minha mente, acabei perdendo o apetite que outrora tivera. Eu podia passar inúmeros dias sem comer, porque as lembranças de ter sido violada e torturada tinham um jeito sorrateiro de se esgueirar na minha mente quando eu menos esperava. Aquilo sempre faz meu estômago se revirar. Sabia que devia cuidar melhor de mim mesma, mas era fácil esquecer que eu não merecia ter passado por aquilo, então, estava sempre me lembrando de considerar cada pequena vitória um sinal de estar no caminho certo. Em alguns dias, eu fazia três refeições e conseguia manter tudo sob controle, mas, ainda não havia uma noite em que eu não acordasse suando frio, com um grito entalado na garganta e o coração batendo tão rápido que parecia que ia explodir. Virei a esquina no fim do quarteirão e parei. O cachorro assumiu aquilo como um sinal de que a brincadeira havia acabado e começou a pular nas minhas pernas e a bater as patinhas nas minhas canelas. Ele choramingou até que o peguei no colo. Assim que chegou à altura do meu rosto, começou a passar a linguinha no meu queixo e nas minhas bochechas. Fiquei me perguntando se ele podia sentir a tensão que fazia meus membros congelarem e a ansiedade que contraía todos os meus músculos. Senti o ar preso nos pulmões e não tive como impedir meus olhos de piscarem rapidamente para me certificar de que o que eu estava vendo era real, e não coisa da minha imaginação. Ele parecia uma daquelas fotos em preto e branco nas paredes de qualquer lanchonete ou restaurante em que eu já havia comido. Aquelas que eram um retorno a uma época em que você precisava se esforçar para parecer descolado, e não apenas comprar um kit na Amazon. Estava apoiado em um carro preto e prata que parecia tirado da capa de uma revista de veículos antigos, e não estacionado em uma rua cheia e movimentada de Capitol Hill. Usava jeans escuro e uma jaqueta de lona com o logo da oficina bordado na frente. Seus tornozelos estavam cruzados na guia à frente, e uma das pernas chacoalhava, dando a impressão de que já me esperava fazia um tempo. Os braços estavam cruzados, e os olhos estavam fixos nos meus, enquanto eu me mantinha parada, sem saber o que fazer. Uma espécie de carisma sem esforço irradiava dele. Era ao mesmo tempo intimidador e irresistível. Eu não conseguia decidir se queria correr em sua
T
direção ou o mais longe dele possível. O cachorro tomou a decisão por mim. Vendo outra pessoa, e uma oportunidade de ganhar mais carinho, ele forçou seu corpinho agitado para fora do alcance dos meus braços antes que eu pudesse reagir. Caiu no chão com um latidinho agudo e foi direto para Wheeler. Soltei um suspiro e segui em seu encalço, pensando em pegar o fim da coleira que se arrastava atrás dele. Não queria que fosse para o meio da rua ou entrasse em um jardim ao qual não pertencia. Estava a anos-luz de ser capaz de lidar com um confronto com um desconhecido hostil que não quisesse um cachorro em sua propriedade. Mas nem precisava me preocupar, porque Wheeler desencostou sua figura alta e esguia da lateral do carro polido e alcançou o animalzinho agitado com algumas poucas passadas. Ele se agachou e, em um movimento fluido, pegou o pacotinho que se jogou em seus braços. Então, se levantou, se inclinando na minha direção quando cheguei aonde estavam. Fiquei com vergonha com minha falta de fôlego. Deveria estar mais forte do que antes, mas mal podia lidar com uma corridinha no quarteirão ou o modo como meu coração disparava ao vê-lo. Balancei a cabeça e apoiei as mãos na cintura enquanto olhava para seus olhos azuis. Wheeler fazia carinho no pescoço do filhote e me encarava por baixo das sobrancelhas com o mais leve toque de vermelho. – Por que não está de casaco? Não era o que eu esperava ouvir, mas aquilo me lembrou de que estava com frio e de que o moletom leve com o logo do Saints of Denver que estava vestindo não fazia muito para manter o frio cortante afastado da minha pele. O moletom provavelmente era a roupa mais interessante que eu tinha no armário. Era a única peça que eu possuía com alguma cor e vivacidade. Esfreguei os braços e rebati sua pergunta com outra: – O que está fazendo aqui? O filhote latiu como se estivesse me dizendo para não ser mal-educada, mas a aparição inesperada de Wheeler havia me perturbado. Não era o tipo de perturbação contra a qual eu sempre lutava ao ver um homem que não conhecia. Era mais do tipo que fazia esquentarem e formigarem algumas partes do meu corpo, as quais eu havia esquecido que podiam reagir a um homem atraente. Do tipo que me fazia inclinar involuntariamente em sua direção, conforme ele se movia para tirar um braço da jaqueta pesada sem soltar o cachorro. – Queria falar com você sobre ele. Já encontrou um dono? Ele passou o bicho para o braço agora descoberto, e observei a quantidade infinita de tinta que cobria sua pele se mover e se flexionar enquanto ele livrava o outro braço do casaco. – Hum… não exatamente. Na verdade, eu não tinha me esforçado muito para encontrar alguém, porque não queria ficar sem o cachorro. Em poucos dias, eu já havia me apegado, ainda que soubesse que não podia mantê-lo no meu apartamento. Cheguei a perguntar, já que Dixie tinha Dolly, mas o senhorio me informou que apenas os que já estavam ali antes que a lei proibindo pit bulls em Denver fosse criada puderam ser mantidos. O filhotinho estava sem sorte. Minha resposta fez Wheeler sorrir. Ele ficou me olhando em silêncio enquanto segurava, com a mão livre, o casaco que havia acabado de tirar. – Veste isto. Olhei como se, de repente, ele estivesse falando russo. Então, Wheeler sacudiu o casaco e franziu o cenho para mim. Sua voz era séria e não deixava espaço para discussão ao repetir a ordem.
– Coloca isto, Poppy. Preciso falar com você, e sei que não se sente confortável em me convidar para entrar. Estremeci diante da lembrança de quão nervosa me encontrava quando precisei bater na porta de Dixie sabendo que ele estava cuidando do lugar para ela. Wheeler me convidara para entrar, e precisei reunir toda a coragem que tinha para aceitar. Lá dentro, fiquei tão ansiosa e agitada que tanto ele quanto Dolly me deram espaço suficiente para surtar à vontade. Wheeler pegou o que eu precisava para sair com Dolly e nem tentou me entregar diretamente. Só deixou tudo no chão, a alguns passos de onde eu estava tremendo, então atravessou o cômodo e foi para a cozinha para que eu pudesse pegar tudo e escapar sem ter que me aproximar dele. Eu queria chorar de gratidão e de remorso. Odiava não conseguir enfrentar o medo e agir como uma pessoa normal. Com as mãos trêmulas, aceitei a jaqueta que Wheeler oferecia e lutei contra a vontade de enterrar o nariz nela para ver se cheirava como ele. Eu gostava do jeito como Wheeler sempre cheirava, como se estivesse trabalhando em algo mecânico e que fizesse sujeira. Ele nunca usava perfume caro, mas dava para sentir o cheiro de sabonete, o aroma cítrico do xampu que usava naquela vastidão de cabelos castanho-avermelhados e o traço persistente de como ganhava a vida. Era honesto e real. O jeito como me cercava enquanto eu enfiava os braços na jaqueta era intoxicante. As mangas iam muito além dos meus dedos, e a barra tocava o meio das minhas coxas. Me aqueci na mesma hora, embrulhada em seu cheiro e nos resquícios do calor do seu corpo. Na verdade, não conseguia me lembrar de quando estivera tão confortável. Respirei fundo e ergui as mãos para afastar do rosto a mecha de cabelos que havia escapado do coque alto bagunçado. – Está frio, é melhor entrar. Não posso garantir que vou ser uma ótima anfitriã nem nada do tipo, mas acho que posso lidar com uma conversa rápida sem desmaiar aos seus pés. Em nenhuma das ocasiões em que estivéramos juntos Wheeler me perguntara por que eu agia como louca perto dele. Eu imaginava que em algum momento alguém havia lhe contado uma versão resumida do que havia acontecido comigo. E as lacunas poderiam ser preenchidas com uma pesquisa rápida no Google. Meu pesadelo tinha um milhão de links. Foi a vez dele de esfregar os braços para se manter quente enquanto considerava a proposta por um segundo. Aparentemente, decidindo aceitar minha oferta pouco hospitaleira, Wheeler colocou o cachorro na calçada, enfiou a alça da coleira no pulso tatuado e inclinou a cabeça na direção do prédio. Fiz cara feia quando o pequeno encrenqueiro começou a trotar imediatamente ao lado dele, como se fosse um bom garoto. Segui Wheeler pelos degraus de concreto e quase bati em suas costas quando as portas amplas de vidro se abriram. Ele saiu de lado com o cachorro, mas eu ainda estava na linha de fogo quando quatro rapazes que pareciam ter idade universitária saíram do prédio. Era um condomínio com um preço razoável no coração de Capitol Hill, então havia muitos jovens profissionais e estudantes ocupando os apartamentos. Normalmente, àquela hora eu estaria trancada e a salvo em casa. Raras vezes encontrava alguém entrando ou saindo. Quando isso acontecia, mantinha a cabeça baixa e me restringia à minha metade do corredor. Era a primeira vez que me deparava com um grupo, e dava para ver que o encontro ia terminar mal quando congelei no lugar, como um cervo diante de faróis de carro. Eu ia vomitar. Ia me passar por mentirosa, porque havia uma grande chance de acabar desmaiando nos pés de Wheeler com a aproximação daqueles rapazes. A risada deles esfolava minha pele e me deixava ofegante, com a respiração curta e rasa. Eu precisava me mexer. Precisava sair do caminho. Precisava me colocar em segurança. Levantei uma mão trêmula como se pudesse impedir a colisão que estava por vir e fechei os olhos, me
levando mentalmente para um lugar distante enquanto me preparava para o impacto. Que nunca veio. Minha respiração acelerou e meus joelhos fraquejaram quando ouvi a voz profunda e estável de Wheeler dizendo: – Ei, será que vocês podem deixar a moça passar rapidinho? Sua voz saiu em um pedido simpático, talvez com um leve aviso de que não deveriam ignorálo. Como eu estava de olhos fechados, não vi nada, mas ouvi quando os rapazes concordaram de pronto. Não poderia dizer quão perto de mim estavam, mas abriram passagem em um segundo, de modo que eu pudesse chegar à porta. Um pacote peludo foi posto em meus braços instáveis enquanto eu sentia o calor do corpo de Wheeler se colocando ao meu lado, perto o bastante para me deixar mais segura, mas sem me tocar. – Vamos tirar você e o cachorro desse frio, meu bem. Forcei os olhos a abrirem e concordei de qualquer jeito, enquanto enterrava o rosto no pescoço quentinho do filhote. Pondo um pé diante do outro, me obriguei a atravessar a porta que Wheeler mantinha aberta. – Valeu, pessoal. Ele fez um gesto de agradecimento, enquanto eu mantinha o olhar fixo nele, ignorando os rapazes que deviam estar se perguntando qual era o meu problema. Eu os ouvi dizendo “Imagina” e “Sem problemas”, mas não consegui me convencer a olhar em sua direção. Por sorte, meu apartamento ficava no térreo. Sair da casa da irmã de Rowdy para um lugar só meu havia sido um grande avanço no meu processo de cura, mas eu sabia que não podia arriscar entrar em um elevador sozinha com um homem que não conhecia. Aquilo resultaria em um colapso total. Então, eu acabei achando um apartamento térreo que ficava bem ao lado daquele em que Dixie Carmichael morava. Eu a conhecia do bar que Rowdy gostava de frequentar, então não era como se estivesse parede a parede com desconhecidos. De maneira casual, Dixie e seu humor ensolarado e animado me venceram, e podíamos entrar uma na casa da outra sem que eu surtasse. Ia sentir sua falta quando fosse embora. Não queria pensar na perspectiva de ter outra pessoa morando tão perto de mim. – Me dá a chave, Poppy. A voz de Wheeler continuava tão tranquila e estável quanto possível, ainda que repetisse aquilo pela terceira vez, porque eu me mantinha parada, olhando para a porta do apartamento como se ela fosse se abrir por mágica. – Quê? Olhei para ele entorpecida e ainda aconchegada ao cachorro, que estava um pouco desconfortável em meu abraço apertado demais. Wheeler esticou a mão com a palma para cima e levantou uma das sobrancelhas cor de mogno para mim. – A chave. A menos que queira passar o resto da noite no corredor. Por mim tudo bem, mas desconfio que o cachorro precise de algo para mastigar, porque está prestes a abrir um buraco no punho da jaqueta. Ele apontou para meus braços, e eu arfei ao notar que o filhotinho havia de fato mastigado o tecido grosso que sobrava nas minhas mãos até rasgar. – Ah, não! Desculpa! Nem percebi. Eu me atrapalhei para pegar a chave no bolso canguru do moletom. Meus dedos ainda
tremiam tanto que a derrubei imediatamente no chão. Antes que pudesse me agachar para pegar, Wheeler não apenas se adiantou como abriu a porta e me fez entrar com nada além de um movimento do corpo às minhas costas. Uma vez lá dentro, ele tirou o cachorro de mim, para que eu pudesse tirar a jaqueta e controlar meu corpo que tremia violentamente. Wheeler logo encontrou o lugar na pequena cozinha onde eu havia guardado a comida do cachorro e encheu o potinho de comida e o de água do pequeno terrorista. Ele parecia confortável demais no meu espaço, mas, no momento, estava tão grata por sua presença que nem me importava. Levei as mãos às bochechas e as deixei ali. Estavam quentes, e eu podia sentir o sangue correndo. – Você vai ficar bem? Preciso fazer alguma coisa? Quer que eu vá buscar Dixie? Ele parecia genuinamente preocupado comigo, o que só me fez tremer ainda mais. – Não, estou bem – eu não estava, e já fazia um bom tempo. – Dixie está no Mississippi. Church já mudou para a casa onde vão morar, então ela levou Dolly para que fosse se acostumando com o lugar e visse como era ter um jardim – eu estava tagarelando, mas não conseguia impedir o fluxo de palavras. – Como fez com que eu me movesse sem tocar em mim? Ele estava observando o cachorro devorar a ração, mas levantou o rosto. Aqueles olhos azuis eram como lasers cortantes voltados para mim do outro lado do cômodo. Ele apoiou as mãos no balcão e se inclinou para a frente. – Do que está falando? O tom de sua voz era o mesmo de sempre, mas havia algo ali, uma nota mais profunda, que me fez acreditar que ele sabia exatamente do que eu estava falando. Abracei meu próprio corpo de maneira protetora e retribuí seu olhar com outro olhar aguçado. – Eu congelei. O medo me imobilizou. Acabei presa entre as memórias e a realidade. A maior parte das pessoas pega meu braço ou me toca em algum ponto para que eu volte a andar. Ou isso ou passa por mim como se eu fosse um obstáculo no caminho. Você me fez voltar a andar sem nada disso. As sobrancelhas dele se ergueram, e os cantos de sua boca se retraíram em uma careta. – Ninguém deveria tocar você sem seu consentimento, mesmo que esteja no caminho. Suas palavras me fizeram tremer de uma maneira totalmente diferente de antes, e senti o oposto de frio. – Eu não costumava me importar – a frase se quebrou no ar, soando quase como eu me sentia por dentro. – Que me tocassem, quero dizer. Até… depois. Ele baixou o olhar, e vi seu peito subir e descer com uma respiração profunda. – Não importa o motivo. Se você não gosta, as pessoas deveriam respeitar. Ninguém tem o direito de pôr as mãos em você a menos que permita. Naquele exato momento, pensei que não seria tão horrível se Wheeler atravessasse o cômodo e substituísse os braços frágeis e finos que me seguravam pelos dele, grossos, fortes e tatuados. Provavelmente seria o único toque que eu desejaria, mas nunca teria coragem de pedir, então limpei a garganta e caminhei desconfortavelmente para mais perto de onde ele estava. Me sentei em uma das banquetas do outro lado do balcão e apoiei as mãos na superfície fria que nos separava, rezando para parar de tremer. – Bom, sobre o que queria conversar? Imagino que tenha reconsiderado minha oferta e queira tirar esse terror peludo das minhas mãos – o filhotinho, que até então tinha a cara completamente enfiada no pote de água, a levantou para me lançar um olhar de desdém canino. Não consegui
evitar sorrir. – Estou meio que apegada agora, Wheeler. Não acho que vá me desfazer dele. Parecia que meses haviam se passado desde que eu estivera diante daquele homem, com os joelhos batendo, oferecendo o bichinho. Na verdade, fazia apenas alguns dias, mas tempo o bastante para me apaixonar por aquele cachorrinho indisciplinado e destrutivo. Eu teria que me mudar, comprar uma casa ou sei lá o quê, mas faria aquilo por ele. Poderia ser a heroína, e não a vítima, para variar. Os lábios de Wheeler se contorceram, e eu quase caí do assento quando aquelas duas covinhas surgiram. Aquele homem partia corações sem nem tentar. Agora que estava perto o bastante para poder avaliá-lo, tinha certeza de que a leve camada de sardas sobre o nariz seria minha perdição. As covinhas eram demais, mas as sardas iam além. Não era justo. Um homem não deveria poder parecer ao mesmo tempo perigoso e fofo. Um coração não havia sido feito para suportar aquele tipo de investida, e uma vagina não tinha chance contra aquele tipo de apelo. Por falar no assunto, eu sentia que algo dentro de mim começava a se aquecer, e minhas coxas se contraíram em resposta. Eu não ficava tão consciente do meu corpo e de suas reações ao sexo oposto há muito tempo. – Já deu um nome a ele? As covinhas se aprofundaram quando franzi o cenho em resposta. – Não, mas só porque estou atrás do nome certo. Vai ficar com ele pelo resto da vida. Fiz um beicinho quando Wheeler sacudiu a cabeça e riu. – É um cachorro. Vai ficar feliz mesmo que você o chame de Bom Garoto – ele olhou para o filhotinho e depois de volta para mim, estremecendo de maneira quase imperceptível. – Eu não deveria ter deixado você ir embora no outro dia. Quero ficar com ele. Deveria ter ficado, mas está tudo de cabeça para baixo ultimamente. Nem sei mais qual é a normalidade na maior parte do tempo. Wheeler ergueu a mão para coçar a nuca, o que fez com que a barra da blusa térmica preta que ele estava usando se levantasse, revelando seu abdome definido por cima do cós do jeans. Não fiquei surpresa ao ver que havia uma tatuagem ali também, mas fiquei um pouco chocada por ter um tanquinho. Wheeler não era do tipo corpulento e forte, como muitos dos outros rapazes que haviam se tornado parte da minha vida graças a Salem, Rowdy e ao estúdio de tatuagem. Eu deveria ter adivinhado que pôr e tirar motores de carros e substituir pneus o dia todo levava ao tipo de corpo que faria muitas mulheres colocá-lo no mural de gostosões do Pinterest. – Estou aterrorizado com a perspectiva de ser pai. Deixei que esse medo tomasse conta de grande parte da minha vida e afastei imediatamente a ideia de ter mais responsabilidades. Mas a verdade é que minha casa está solitária demais. Eu estou solitário demais – Wheeler me olhou como se eu devesse ter algo a dizer depois daquilo, mas eu não sabia o quê. Houve um tempo em que eu era jovem e inocente diante de todos os modos como um homem pode machucar uma mulher, e sabia que aquela garota saberia o que dizer a ele, mas já fazia tempo que ela tinha ido embora. Lá estava eu, mordendo a língua para me impedir de dizer algo que certamente seria equivocado. – Acho que o cachorro pode me ajudar a me acostumar com a ideia de ser pai. Fiz uma careta. – Você quer treinar suas habilidades como pai com um filhote? Não era uma ideia tão ruim, tampouco a melhor que eu já havia ouvido. No lugar dele, eu daria uma passada na casa de todos os amigos que estavam prestes a aumentar a população de Denver com a próxima geração de homens e mulheres tatuados. O melhor amigo de infância dele era pai de uma criança fofa de cinco anos, resultado da inconsequência de uma única noite. Zeb
Fuller não estava mais preparado para a paternidade do que Wheeler parecia estar e, ainda assim, havia posto os pés no chão e formado uma pequena família perfeita com alguns poucos contratempos no caminho. – Não… bom, mais ou menos… não sei. Na minha cabeça, pareceu mais razoável e menos maluco que isso. Mas sei que preciso de algo em que me focar, além do pânico e do ressentimento que têm me devorado vivo. Posso dar uma casa legal pra ele. Olhei para o cachorro, que mastigava alegremente a ponta do cadarço de Wheeler, e suspirei. Não queria abrir mão dele, mas o único motivo pelo qual o filhote estava ali era o homem à minha frente. Eu havia passado a vida inteira tentando deixar homens felizes, tentando fazer com que me amassem dando tudo o que eu tinha. Aparentemente, era um hábito difícil de largar, porque, muito embora não quisesse, me ouvi dizendo a Wheeler: – Tá. Pode ficar com ele. Mas nunca vou te perdoar caso se canse dele ou ache que é demais para você e queira que eu o pegue de volta. E nunca vou perdoar a mim mesma por ter confiado em você. Não pode fazer isso com ele. Ou comigo, pensei. O cachorrinho se sentou na mesma hora e olhou para cima, com a cabecinha alternando entre nós dois e a língua caída para fora da boca. Senti um aperto no coração e lágrimas queimando em meus olhos. Era uma droga, mas sabia que também era a coisa certa a fazer. Sabia bem sobre ter que encontrar algo que pudesse ser uma âncora na realidade. Sem ela, o passado e a possibilidade de um presente estilhaçado poderiam levar qualquer pessoa a um lugar horrível, do qual era difícil escapar. Até o momento, eu só havia conseguido tirar uma mão daquele antro de desespero, mas estava fazendo o meu melhor para puxar o resto do meu corpo com minha pegada incerta. Wheeler inclinou a cabeça para o lado e me avaliou com atenção por um momento. Aquelas covinhas surgiram de novo, e não consegui segurar um suspiro. Ele deve ter ouvido, porque seus lábios se ergueram e parte do gelo em seu olhar pareceu derreter. – Não vou me cansar dele, e você nem vai ficar com saudade, porque vamos ter custódia compartilhada. Não sei o que fazer com um cachorro assim como não sei o que fazer com um bebê. Você é uma especialista no assunto, já que trabalha com animais o dia todo. Achei que poderia me ajudar a treinar este aqui – ele apontou para o filhote, que tinha largado seu cadarço e estava na sala, cheirando todo o sofá como se procurasse onde fazer xixi. Arfei e saí correndo da banqueta para impedi-lo de arruinar a mobília. – Vamos ser honestos, de jeito nenhum vou dar conta de um cachorro e um bebê. Assim que Kallie e eu chegarmos a algum tipo de acordo quanto à custódia, você pode ficar com o cachorro enquanto eu fico com meu filho. Coloquei o filhotinho de volta no chão da cozinha, caso ele decidisse que precisava mesmo fazer xixi. Então, olhei para Wheeler como se ele estivesse maluco, porque era a conclusão a que eu chegava diante de tudo o que estava falando. As covinhas tinham voltado. Ele mudara de posição e estava inclinado contra o balcão, com as pernas esticadas para a frente. – Faz todo o sentido. Eu sabia que você não ia querer me dar o cachorro depois de eu ter estragado tudo. E sei que não estou pronto para lidar com toda essa responsabilidade sozinho. É a solução perfeita. Balancei a cabeça e joguei as mãos para o alto. – Você é doido! Wheeler continuou a sorrir, e só então me dei conta de que, ao entrar na cozinha, me
aproximara o bastante dele para sentir o calor que seu corpo emanava e ver o modo como seus músculos se flexionavam quando ria. – E você é bonita, mas isso não tem nada a ver com o assunto. Aceita logo minha oferta, Poppy. Por favor. Era a segunda vez que ele tinha dado um jeito de mencionar que me achava atraente. Eu costumava ser, mas havia feito um enorme esforço para me afastar disso desde que fora liberada do hospital, após Oliver morrer e a polícia me tirar da cena horrorosa dos nossos últimos momentos juntos. Eu não deveria estar focada em quão atraente Wheeler me achava, mas não conseguia impedir que as palavras dele girassem na minha cabeça nem ignorar o modo como faziam meu coração pular e minha respiração falhar. – Tá. Vou te ajudar, mas assim que o cachorro tiver crescido e você tiver criado uma rotina com seu filho, vai ter que ficar com ele em tempo integral. Crianças precisam de bichos de estimação. Ou, pelo menos na minha experiência, queriam um, mas não podiam ter, porque o pai tirano achava que eram sujos e desnecessários. Eu me encolhi com a lembrança. – Posso fazer isso – Wheeler estendeu a mão e, antes que eu pudesse pensar duas vezes sobre a ideia de tocá-lo, estendi a minha, muito menor, e aceitei seu aperto firme. Soltei um gemidinho quando seus dedos se fecharam sobre os meus, atordoada demais com o fato de estar tocando outra pessoa de propósito para conseguir me mover. – Temos um acordo – suas palavras saíram tranquilas e suaves. Ele soltou minha mão muito antes do que eu queria. Eu continuava em choque, então fiquei lá, com a boca entreaberta e os olhos arregalados, até Wheeler dizer: – Ele precisa de um nome antes de eu ir. Dei um passo para atrás e levei a mão à garganta. Eu ainda não o tinha nomeado porque queria fazer aquilo direito. Não gostava da pressão de ter que criar algo apropriado enquanto Wheeler mantinha os olhos azul bebê e frios em mim. – Pode escolher. Devagar, ele balançou a cabeça em negativa. – Não. Você o conheceu antes e passou mais tempo com ele. Deve escolher como vai se chamar. Olhei para o cachorro, deitado de costas com as quatro patas no ar, enquanto se revirava no chão motivado por nada menos que pura alegria e animação. Pigarreei e olhei para meus próprios pés. – Happy. Acho que esse deve ser o nome dele. Estremeci quando minha voz fez aquele negócio de falhar no meio da frase. – Happy? Como o sujeito do Sons of Anarchy? Não achei que você fosse uma motoqueira, Poppy. Foi minha vez de balançar a cabeça, mas confusa. – O que é Sons of Anarchy? Eu não via TV. Era violento demais. Alguns meses antes, cometera o erro de passar os olhos por uma maratona de Law & Order: SVU na TV a cabo e acabara em posição fetal no sofá, me matando de chorar porque a história me era familiar demais. Oliver havia manchado e destruído até mesmo algo tão simples quanto ver TV. Wheeler levantou as sobrancelhas de novo, e seu corpo inteiro vibrou quando ele começou a rir. – Esquece. Por que Happy?
Dei de ombros, preocupada que tivesse odiado o nome e só estivesse tentando ser legal. Com o intuito de evitar aqueles olhos curiosos, me agachei para fazer carinho na barriga rosada do cachorro. – Porque ele foi deixado no veterinário como se não fosse nada além de uma mala esquecida. Por alguém que sabe como é difícil achar um lar para pit bulls em Denver, mas que não se importou que sua ação pudesse resultar em toda uma ninhada sendo sacrificada. Nada disso importa para Happy. Ele ainda balança o rabo. Ainda persegue a bolinha. Distribui beijos e não tem medo de ninguém. Consegue ser feliz. Eu não conseguia lembrar nem de longe como era aquilo, ainda que o quisesse muito. Wheeler pigarreou e se afastou da bancada. Passou cuidadosamente por mim para ir até seu casaco bastante mastigado, apoiado no sofá. A princípio, achei que tivesse detestado o nome e que ia escolher outra coisa. Mas ele só me disse, naquele tom firme que nunca parecia se abalar: – Então vai ser Happy. Falo com você amanhã para fazer algum tipo de programação. Coma alguma coisa e tenha uma boa noite. Na hora, me retraí, pensando que era um comentário sutil sobre eu estar magra demais. No entanto, a razão se impôs em algum lugar dentro de mim e me lembrou severamente de que pouco antes ele havia dito que eu era bonita. Me perguntei se talvez aquela garota do passado não estaria ainda em algum lugar ali dentro, bem lá no fundo. Ele fechou a porta ao sair, mas eu sabia, sem nem olhar, que estava esperando do lado de fora até me ouvir trancá-la e passar o trinco antes de ir. Me inclinei contra a porta e deixei que a cabeça batesse na madeira com um baque pesado. O recém-nomeado Happy trotou até mim e acomodou a bunda peluda no meu pé para me olhar. Eu não tinha uma boa noite fazia séculos. Aquela era o mais perto disso a que eu chegava que conseguia lembrar. Suspirando, peguei o cachorro e fui para a cozinha preparar algo para comer.
CAPÍTULO 4
Wheeler brigada por concordar em me encontrar. Sinceramente, não achei que faria isso. Ela costumava ser tudo para mim. Teria feito qualquer coisa por ela e procurei lhe dar tudo. Agora, ficava surpresa que eu concordasse em tomar um café antes de ir para a oficina. Era estranho como as coisas podiam mudar rapidamente, e Kallie também. Kallie sempre foi a garota mais linda que eu já havia visto (até Poppy Cruz entrar na minha oficina com seus olhos dourados e seu coração partido). Ela tinha o visual fácil e sem esforço da gatinha americana que parecia atrair instantaneamente o tipo de garoto que sempre achara que seu próprio visual não se encaixava. Seu cabelo loiro e comprido era vasto e brilhava. Seus olhos azul-claros eram grandes e inocentes. Tinha pele de pêssego, com um toque de sardas que era a única coisa que a relacionava à sua irmã mais velha e ruiva. Dixie era baixa e curvilínea, enquanto Kallie era alta e magra, com pernas muito longas. Ela fazia os homens perderem a cabeça e a força nos joelhos… não que fosse a atenção masculina que estivesse interessada em atrair. Mas havia mudanças sutis que só alguém que passara anos a amando e memorizando cada linha do seu corpo e cada nuance de sua expressão identificaria. Por exemplo, o rosto macio e cuidadosamente maquiado estava ligeiramente esverdeado. O modo como brincava com o muffin à sua frente e se demorava com o chá de ervas que eu havia pedido para ela me fazia pensar que Kallie já entrara na fase da gravidez em que o enjoo se torna um companheiro constante. Seus cabelos loiros meticulosamente cuidados também pareciam um pouco mais rebeldes que o normal. Kallie não era do tipo que fazia um rabo de cavalo e saía, mas aquele dia suas ondas sedosas estavam presas em um coque alto que parecia não ter sido penteado ou ajeitado. E ela estava de tênis. Nos quase nove anos em que nos conhecíamos, eu nunca a havia visto em nada que não fosse de marca e custasse quase tanto quanto alguns dos carros usados que passavam pela oficina. Não eram diferenças enormes, mas havia o bastante delas para que a mulher com quem eu pensara em passar o resto da vida parecesse uma desconhecida. Kallie parecia insegura e nervosa, o que era outra importante mudança na dinâmica entre nós. Durante a maior parte do nosso relacionamento, Kallie me manteve em rédea curta. Eu tinha tanto medo de perdê-la, de perder sua família e a única sensação de segurança e normalidade que eu conhecia, que a deixava me conduzir pelo pau e ditar exatamente como éramos juntos. Nunca discutia com ela e nunca insistia, o que a deixava em vantagem. Não foi uma atitude inteligente da minha parte. Ela já era mimada como a filha mais nova dos Carmichael e tinha uma tendência séria a agir como uma princesinha, mas sempre esperei que aquilo fosse passar. Por fim, ter um homem sempre à sua disposição só reforçou sua ideia de que seus direitos eram ilimitados. Literalmente criei um monstro, um que não tinha o menor problema em destruir meu mundo e se alimentar do meu coração. Suspirei e passei a mão por meu rosto cansado. Eu havia dormido mal na noite anterior, pego entre a satisfação e a culpa pela maneira engenhosa como havia manipulado Poppy para que passasse algum tempo comigo. Queria me sentir mal por tê-la colocado em uma situação em que não podia dizer não, mas a verdade era que não me sentia. Queria tê-la por perto e queria que se
O
acostumasse em me ter por perto. Sabia que era egoísta e que estava me aventurando por terreno perigoso, mas não conseguia me manter longe. Ela estava se escondendo, e eu estava procurando. – Eu disse que estarei aqui para você e o bebê, Kallie – peguei o café e tomei um belo gole. – Mas não disse que isso me deixava feliz. Ela soltou um ruído baixo do fundo da garganta e seus dedos apertaram tanto a caneca que ficaram quase brancos. – Odeio que as coisas tenham ficado assim esquisitas entre a gente – ela me olhou por baixo dos longos cílios. – Já pedi desculpas um milhão de vezes, Wheeler. Nunca vai me perdoar? Soltou o ar, exasperado. – Você contou a seus pais por que cancelei o casamento? Ela titubeou e desviou o rosto, mas consegui vislumbrar seus olhos. Não precisava responder: seus movimentos já o faziam. Ri com desdém e me reclinei no assento para colocar tanta distância física quanto possível entre nós. – Então sua mãe e seu pai ainda acham que eu te larguei do nada, que te chutei da casa que comprei pra você sem motivo? – queria gritar com ela, dizer que era hora de crescer, forçar alguma racionalidade naquela cabecinha. No entanto, só balancei a cabeça, decepcionado. – Eles acham que te botei no olho da rua mesmo estando grávida? – era triste demais. Os dois eram o mais próximo de pais que eu havia conhecido. Tinham me aceitado sem fazer perguntas no instante em que Kallie me levou para casa. Eu me apaixonei por sua família quase tão rapidamente quanto por ela. O modo como haviam acreditado no pior a meu respeito quando Kallie e eu nos separamos machucava quase tanto quanto tê-la perdido. Dixie havia se oferecido para intervir uma centena de vezes. Ela odiava que seus pais tivessem me dado as costas e queria consertar as coisas desesperadamente, mas me recusava a deixar que se envolvesse. Estava acostumado com gente que deveria me amar me decepcionando, então, se queriam pensar o pior de mim, ia deixar. Além disso, era praticamente impossível ser honesto em relação ao motivo de a ter largado sem espalhar todos os segredos que Kallie ainda não estava preparada para colocar na mesa. Anos demais a protegendo significavam que eu não podia entregá-la só para cair de novo nas graças dos pais dela. Kallie soltou o ar devagar e fixou seus olhos azul-celeste nos meus. – Vou contar. Só não encontrei o momento certo. Está tudo uma loucura com Dixie se machucando e depois decidindo mudar para o Mississippi. Não quero jogar mais essa em cima deles. Era uma desculpa. Kallie só não queria revelar o verdadeiro motivo do término. Não estava protegendo ninguém além de si mesma. – E o que Roni acha disso? Roni era a mulher com quem Kallie havia tido um caso quando ainda estava comigo. A mulher que Kallie percebeu preferir ao homem com quem havia passado a maior parte de sua juventude. Kallie me amava, mas tinha uma ligação mais forte com Roni. Ou pelo menos foi o que me disse quando a confrontei depois que a irmã mais velha deixou aquilo escapar. Dixie nunca teria compartilhado um segredo tão pessoal, mas eu a encurralei uma noite depois que Kallie me contou sobre a gravidez. Eu precisava espairecer e acabei me envolvendo em muito mais gritos e confusão, principalmente da minha parte. Por algum motivo, Dixie achou que eu estava chateado por causa de Roni, que eu estava falando da traição, e não do
bebê. Ela se sentiu péssima por ter entregue o segredo mais bem guardado da irmã. Eu não sabia se Kallie teria sido honesta se aquilo não tivesse acontecido. Kallie desviou os olhos de novo e mordiscou o lábio inferior. – Ela não ficou feliz. Como estou nos meus pais, não tivemos muita oportunidade de nos ver ou de conversar. Roni também quer que eu conte a verdade, mas vocês não sabem como é difícil – Kallie se ajeitou no assento. – Já tive o casamento cancelado e vou ser mãe solteira. Acho que eles já estão lidando com muita decepção no momento. Suspirei e me inclinei para a frente no assento. – Eles não vão se decepcionar com você porque está apaixonada por uma mulher, Kallie. Vão se decepcionar porque mentiu e machucou pessoas que te amam e que se importam com você enquanto tentava esconder quem realmente é e quem realmente ama – balancei a cabeça para ela. – É por isso que estão tão bravos comigo agora. Acham que te feri. – Meus pais te amam, Wheeler. Você é parte da família e sempre vai ser – ela levou a mão à barriga e me lançou um olhar surpreendentemente firme. – Estamos nisso juntos, mas você não tem ideia de como é se dar conta de que sua vida nunca mais vai ser a mesma. É difícil o bastante eu mesma aceitar tudo isso… pensar em como meus pais vão reagir… Kallie suspirou e deu de ombros, se sentindo impotente. Balancei a cabeça para ela. – Estamos juntos nessa, mas você também tem outra pessoa do seu lado, Kallie. Se pretende ficar com Roni, precisa ser honesta com todo mundo, incluindo você mesma, sobre o papel que está desempenhando agora e o que vai desempenhar na vida do nosso filho. Eu não ia voltar a dizer que seus pais iam ser razoáveis e compreensivos. Já havia dito aquilo um milhão de vezes, de um milhão de maneiras diferentes, e não havia feito nenhum bem. Kallie precisava conversar com eles e descobrir por si mesma que seus pais a amavam independentemente de qualquer coisa. Ela baixou os olhos e mordeu o lábio com um pouco mais de força. Sabendo muito bem que aqueles eram sinais de que o assunto estava encerrado, deixei para lá. – Sobre o que queria falar comigo que não podia ser pelo telefone? – Kallie havia me implorado para encontrá-la aquela manhã. Como um idiota, eu cedera e concordara. – Tenho que ir logo mais. Não era verdade, já que eu era meu próprio chefe e fazia meus horários, mas eu só dava conta de passar certa quantidade de tempo com a Kallie. Ainda magoava estar com ela mas não com ela. Nervosa, Kallie se ajeitou no assento e largou o chá. Começou a tamborilar na mesa, fazendo com que eu quisesse segurar suas mãos para mantê-la parada. Não queria deixá-la ansiosa, mas, até que encontrássemos uma nova normalidade um com o outro, teria que ser daquele jeito. Eu me sentia ferido e exposto, ela estava sempre inquieta e desconfortável. Nunca tinha me dado conta de como dependíamos um do outro para manter nossos piores traços escondidos do resto do mundo. Kallie me mantinha inteiro e aparava todas as minhas arestas, tornando-as menos perigosas. Eu a mantinha calma e abrandava todas as inquietações que a tornavam tão volátil e carente. – Tenho consulta semana que vem e queria saber se quer ir comigo. Kallie estava entrando no segundo trimestre, então o bebê começava a parecer muito real. Logo a barriga estaria maior e saberíamos se seria menino ou menina. Eu tinha ido com ela a uma consulta, mas a mãe dela estava junto, e fora uma tarde horrível para todo mundo. Kallie me
chamara para ir algumas outras vezes, mas eu me recusara pensando que assim seria mais fácil para todos os envolvidos. Vendo o nervosismo em seu lindo rosto, compreendi que não era o caso. – Você chamou sua mãe também? Meu tom foi seco, porque Kallie poderia tornar tudo mais simples caso criasse coragem uma vez na vida. Caso se preocupasse com outra pessoa, em vez de esperar que se preocupassem com ela. – Não – ela respondeu, com a voz aguda. – Hum… Falei com Dixie, ela meio que mencionou que é o nosso filho e que somos nós que vamos ter que cuidar dele, não meus pais, então que eu precisava descobrir como isso vai funcionar sem eles. Não quero ir sozinha, porque tenho medo, mas Dixie está certa. Deveríamos ir só os dois. Dixie resolvia tudo. Era o que ela fazia. Também tinha o hábito irritante de avaliar uma situação e identificar o melhor jeito de colocar todos os envolvidos no caminho certo. Mais ainda: era a única no mundo que podia fazer Kallie ver além do seu egoísmo. Grunhi de leve e concordei, rabugento. – Vou com você. Só me diz o dia e a hora. Seus lábios se curvaram em um sorrisinho. – Obrigada. Terminei o café e me levantei. Fiquei duro como pedra quando os dedos dela tocaram as costas da minha mão. Pensei que fosse queimar ou que um formigamento familiar fosse percorrer minha pele. Não senti nada. Nem sombra do sobressalto que quase me derrubou quando os dedos trêmulos de Poppy roçaram levemente os meus no dia anterior. – Hum… Sei que não é da minha conta e que não posso reclamar, mas Dixie mencionou que você tem saído bastante – sua expressão se enrijeceu e seus olhos se estreitaram. – Eu… hum… só queria dizer para tomar cuidado. Você é um sujeito legal, Wheeler. Tem muita gente por aí que poderia se aproveitar disso. Ela deveria saber, tendo sido uma. Afastei sua mão. – Estou trepando, não saindo – Kallie se encolheu, o que me fez abrandar o tom ao dizer: – E você tem razão: não é da sua conta. – Esse tipo de coisa nunca funciona. Algo da antiga Kallie começava a se revelar. Revirei os olhos. – Tenho que ir. Dei as costas e me dirigi para a porta, mas parei assim que ouvi meu nome. Um dia todos aqueles anos de condicionamento para ajoelhar ao seu comando perderiam o efeito. Eu mal podia esperar. Então a olhei por cima do ombro, com a impaciência expressa em cada linha do meu corpo. – Eu não era a garota certa, mas ela ainda está por aí. Talvez Kallie realmente quisesse que eu fosse feliz, ou talvez só quisesse que eu encontrasse alguém para estragar a tentativa de criar nosso filho sozinha. De qualquer maneira, não era o que eu queria ouvir. – Quando decidir onde vai morar, pode ficar com toda a mobília da casa. Vou colocar em um depósito e cobrir os custos. Se planeja ficar nos seus pais por mais tempo ou for brincar de casinha com Roni, pode vender e gastar o dinheiro com o que for preciso para o bebê. Te vejo na
consulta. Eu a ouvi arfar baixo quando empurrei a porta e saí para o sol forte de Denver. O encontro tinha sido tão bom quanto seria de esperar, e eu estava surpreso que passar um tempo com Kallie não havia sido tão horrível quanto nos primeiros meses depois que nos separamos. Ainda não era minha companhia favorita, mas vê-la e respirar o mesmo ar que ela não me fazia mais sentir que estava sufocando ou sangrando até morrer por causa de um coração partido. As coisas entre nós estavam estranhas antes de terminarmos, de modo que o motivo pelo qual tudo pareceu tão exposto e sensível tinha mais a ver com a perda do que eu achava que tinha do que com a perda do que de fato tinha. Kallie levara minha estabilidade com ela quando foi embora e me deixara totalmente abalado e inseguro. Arrancara a fundação inabalável que eu construíra, deixando-me sem chão… exatamente como minha mãe havia feito. Exatamente como os assistentes sociais me deixavam toda vez que precisavam me colocar em um novo lar, com outra família temporária. Sentindo-me inquieto e inseguro em relação à instabilidade de toda a minha existência naquele momento, puxei o celular do bolso e encontrei na agenda a única pessoa capaz de pôr um fim em todas as perguntas e incertezas. Só o que eu precisava fazer era ver os olhos grandes e tímidos de Poppy para que tudo o que estava gritando e xingando dentro de mim ficasse em silêncio. Era muito mais fácil focar em superar a aversão dela à proximidade do que pensar em como arrumar minha própria bagunça. Eu estava convencido de que podia provar a Poppy que havia homens no mundo dos quais ela não precisava ter medo, homens que lhe fariam bem mesmo que para isso se utilizassem de certas manobras. Poppy disse que eu havia feito ela se movimentar sem usar as mãos e estava certa. Tudo o que eu fazia era tentar aproximá-la de mim. Forçava-a a dar os passos necessários para se sentir mais confortável comigo. Queria ver se havia alguma maneira de ela se abrir para algo mais que o convívio tenso do momento. Eu a queria, mas queria que me quisesse também, e ainda mais. Em parte, porque sabia que era alguém seguro para ela até que estivesse pronta para voltar ao mercado. Não ia me aproveitar dela e tinha toda a intenção de tratá-la como tratava os carros clássicos que chegavam à oficina caindo aos pedaços. Eu pisaria leve, mas de forma decidida até que todas as partes estivessem funcionando bem, então ia prepará-la e fazê-la ronronar como havia sido feita para fazer. Não tinha medo do trabalho e tinha toda a confiança de que o resultado final seria algo da mais pura beleza, sem preço. O telefone chamou por um longo tempo. Quando eu estava prestes a desligar e mandar uma mensagem, ela atendeu. – Oi – entoou rapidamente, sem fôlego. Franzi o cenho para o meu reflexo na lateral do carro e segurei o celular entre a orelha e o ombro enquanto abria a porta. – Você está bem? Ela deu uma risadinha amarga. – Hum… estou. É que fiquei sozinha em uma sala de exame com um cliente por um tempo um pouco maior do que é confortável para mim, porque o veterinário teve que ajudar com uma emergência em outra sala. O cachorro dele sentiu minha ansiedade e deu uma pirada. Na verdade, você me ligou no momento perfeito – Poppy soltou o ar, quase dava para sentir seu corpo todo tremer junto com a voz. – Foi uma ótima desculpa para sair da sala. Não costumo perder o controle no trabalho. Acho que aquele encontro com os rapazes no prédio ontem me deixou no limite. Meu terapeuta vai sair comigo na próxima consulta. Sempre que acho que estou melhorando, o universo decide me mostrar que não estou.
Ouvi um cachorro latir e Poppy dizer a alguém que precisava de cinco minutos. Eu odiava o modo como ela era dura consigo mesmo quando suas reações eram perfeitamente normais considerando tudo o que havia passado. – Você me deixou entrar no seu apartamento ontem à noite, mesmo depois que aqueles caras te assustaram. Ficou na cozinha comigo por vontade própria e apertou minha mão. Não teria feito nenhuma dessas coisas há alguns meses, quando nos conhecemos. Ela estava avançando, ainda que não conseguisse ver, porque continuava olhando por cima do ombro. Poppy soltou o ar de novo e me disse com uma voz muito suave: – Acho que isso tem mais a ver com você do que comigo. Suas palavras fizeram meu coração acelerar. Eu queria que confiasse em mim, mas receber aquela informação tão rapidamente era inesperado. Eu não achava que já tinha feito algo para merecer sua confiança. Precisei limpar a garganta antes de falar. – Pensei que a gente podia se encontrar hoje à noite, depois que eu sair do trabalho, e começar a trabalhar em algum tipo de programação com Happy – não consegui segurar o sorriso ao dizer o nome do cachorro. – Posso pedir pizza e garantir que você coma – ela ficou em silêncio do outro lado da linha. Tive vontade de me chutar por ter ido rápido demais com ela. – Mas posso ir na sua casa se isso te deixar mais confortável. Ela suspirou. – Não é isso. Franzi a testa para mim mesmo olhando para o espelhinho do carro e me lembrei de que tudo era no longo prazo com ela. Poppy era uma boa distração para o momento, mas queria que se mantivesse por perto bem depois que a poeira da minha vida implodindo baixasse. – Então o que foi? Eu conseguia imaginá-la mordendo o lábio e se movimentando inquieta. Seus hábitos nervosos estavam se tornando tão familiares quanto os meus próprios. Então, ela admitiu, tão depressa que as palavras se juntaram e eu mal pude discerni-las: – Não gosto de pizza. Fiquei espantado que tivesse vergonha de me dizer algo tão simples, e foi minha vez de suspirar. – Só isso? Podemos pedir comida mexicana ou chinesa. Também posso fazer uns sanduíches ou macarrão. Ela deu outra risada estridente e meio histérica. – Não como tomate. Odeio. Balancei a cabeça, ainda que não estivesse me vendo. – Certo, então nada de molho. Mas podemos pedir sem. Só massa e cobertura. Conhecer aquela mulher era como andar em um campo minado. A cada passo que eu dava em sua direção parecia que o chão podia explodir e me levar mil passos para trás, machucado e incapaz de continuar tentando me aproximar. Ela resmungou um pouco, e me senti como se tivesse levado um chute no estômago. Odiava como era difícil para ela fazer algo tão simples quanto dizer a outra pessoa do que gosta ou não gosta. Se o merda do marido dela não estivesse morto e enterrado, eu adoraria fazer alguma coisa nesse sentido. – Oliver adorava pizza. Dizia que era ridículo e esquisito que eu não comesse. Pedia uma ou duas vezes por semana, e eu ficava observando morrendo de fome enquanto ele comia. Oliver
sempre me dizia que se eu não queria comer o que ele punha na mesa podia simplesmente passar fome. Xinguei e apertei o volante com a mão que não segurava o celular, tanto que minhas juntas ficaram brancas. Minha voz saiu rouca e irregular quando falei: – Você pode comer o que quiser, Poppy. Ela soltou um ruidinho estrangulado, então pigarreou. – Preciso voltar ao trabalho. Tenho grupo depois, então não vou conseguir chegar na sua casa até umas sete ou um pouco mais – ela hesitou por um segundo, então disse, em voz baixa: – Minha comida preferida é hambúrguer. Poderia comer todos os dias da semana. Parecia fazer anos que ela não comia um hambúrguer, mas se era aquilo que Poppy queria eu ia garantir que tivesse o melhor que Denver podia oferecer. – Então vai ser hambúrguer. Mando uma mensagem com o endereço. Nos vemos mais tarde. Ela se despediu apressada, e eu desliguei, com a raiva de tudo o que ela havia sofrido correndo grossa e quente nas minhas veias. Poppy merecia muito mais, e eu estava cada vez mais consciente do fato de que queria mesmo ser quem daria a ela tudo aquilo. Com o pensamento firme em Poppy e em outros horrores que ela havia tido que suportar durante o casamento, dirigi pela cidade até chegar à oficina. Quando Zeb e eu éramos mais novos e tínhamos bastante tempo e curiosidade, passamos muitas noites em festas ilegais naquele mesmo prédio. O lugar tinha história, tanto pessoal quanto coletiva, de modo que ter conseguido salvá-lo significava muito para mim. Aquele amontoado de tijolos velhos estava esperando para ser demolido, para que algum especulador pudesse substituí-lo por prédios residenciais ou comércios mais modernos que atendessem a região em crescimento. Eu havia conseguido dinheiro suficiente com a venda do meu primeiro carro totalmente reformado fora da escola para garantir o aluguel do espaço por um ano. Era um Barracuda 1970 que ainda ganhava prêmios em exibições de carros ao redor do país. Continuei com esse padrão por cinco anos – reformar, vender, pagar pelo aluguel do prédio –, mal me segurando até me envolver com Nash Donovan e Rowdy St. James. Tudo começou com uma admiração mútua por carros antigos e tatuagem e se transformou em algo que me permitia conquistar uma grande parte dos meus sonhos. Os dois me apresentaram a Rome Archer, que me ofereceu uma oportunidade de negócios que eu teria que ser tolo para recusar. Rome queria investir financeiramente na oficina. Ele me ajudou a comprar o prédio e permitiu que, em vez de perder dinheiro com o negócio, pudesse começar a viver dele. Rome era o motivo pelo qual eu finalmente tinha sido capaz de dar entrada em uma casa. Devo àqueles caras muito mais do que podem imaginar. Estacionei na vaga reservada para o Cadillac. Havia um pequeno escritório anexo à oficina, onde os clientes podiam esperar e a funcionária que cuidava do administrativo e da programação trabalhava. Eu havia tentado colocar Kallie naquela posição, pensando que a oficina poderia ser algo nosso, que poderíamos transformar nossos sonhos em realidade juntos, mas ela não durara nem uma semana, uma vez que os outros funcionários começaram a ameaçar se demitir se ela continuasse ali. Kallie odiava a sujeira da oficina e não estava nem aí para os carros clássicos que nos matávamos para trazer de volta à vida. Ela dirigia um Audi, pelo amor de Deus, mesmo que eu tivesse me oferecido para encontrar e reformar qualquer outra coisa que quisesse. Eu deveria ter percebido que ela não era para mim. Era como um carro bonito, mas sem alma ou história. Bufei diante da ideia, mas parei ao ver um Hudson Hornet azul bebê entrar pelos portões abertos. Se meu palpite estivesse certo, e eu achava que sim, de 1953. Era um modelo
incrivelmente raro, tanto que aquele era o único que eu havia visto fora de uma revista ou exposição. Observei o carro parando ao lado de um Eldorado e fiquei um minuto só admirando. Meu nome tinha vindo daquele carro, ou pelo menos era o que minha mãe me disse em um de seus poucos momentos lúcidos, quando as drogas e os demônios que eu não conseguia ver não a dominavam. Um homem alto saiu do carro, com cabelo grisalho, costeletas prateadas e óculos escuros caros com lentes espelhadas. Usava jeans e um casaco escuro de lona, como aquele que Happy havia destruído na noite anterior, por cima do uniforme de quase inverno não oficial de todos os habitantes do Colorado: camisa de flanela por cima de uma blusa térmica. Ele me pareceu vagamente familiar, mas tantas pessoas passavam pela oficina, muitas delas só para dar uma olhada, que eu não conseguia saber ao certo se já nos havíamos visto. Ergui o queixo em cumprimento. – Belo carro. Ele retribuiu o gesto. – Se aquele ali for seu, digo o mesmo. O homem indicou o Eldorado com um movimento dos dedos. Dei de ombros. – É meu. Foi o primeiro que reformei. Meu professor do ensino médio ficou com pena de mim e me deixou comprar o carro a preço de banana pouco antes da formatura. Ele me ajudou a terminar com os reparos e até hoje passa aqui de vez em quando para ver como está. Não consegui ler a expressão do sujeito, que pareceu inquieto e nervoso. De qualquer maneira, eu não tinha tempo para ficar conversando sobre o Cadillac. Estava reformando um Wayfarer, e encontrar as peças para aquela belezura estava sendo bem difícil. – Se está atrás de algo específico, pode ir falar com Molly, a recepcionista. Ela vai te apontar a direção certa. Já posso dizer que não tenho peças originais do Hudson à mão, mas conheço um sujeito que faz mágica quando se trata de encontrar o que não está disponível. Ele deu um passo para trás e se apoiou na lateral do carro como se o vento o tivesse derrubado. Ele tinha um ótimo gosto e parecia bem descolado para alguém de sua idade, mas era um pouco esquisito. Tudo nele parecia tenso e um pouco fora de tom. – Esta oficina é sua? A pergunta pareceu ter sido arrancada dele. Dei de ombros. – É. Toda minha – apontei para a porta com a placa de “aberto” e inclinei a cabeça, louco para começar a trabalhar. – Como eu disse, Molly pode te dar uma mão com o que precisar. Eu adoraria pôr as mãos nesse Hudson se estiver procurando alguém para trabalhar nele. Ele pigarreou e balançou a cabeça como se estivesse tentando clarear as ideias. – Hum, claro. Devo voltar. Só vim fazer uma visitinha na cidade e mencionaram sua oficina quando perguntei quem poderia dar um trato em um carro clássico e raro. Estava procurando por algo específico. Não achei que fosse encontrar tão rápido. Assenti com a cabeça, porque sabia como podia ser difícil encontrar as partes originais necessárias para fazer uma reforma completa. – Dá pra achar qualquer coisa se esforçando o bastante. Acho que a gente se vê por aí então. Ele concordou de novo, sorrindo. – Não peguei seu nome. Levantei uma sobrancelha para ele. Aquela conversa estava ficando cada vez mais estranha.
– Wheeler. Hudson Wheeler. Na verdade, recebi esse nome por causa do seu carro. O sujeito se encolheu, e o sorriso em seu rosto morreu. – Muito prazer, Wheeler. Vou voltar aqui outro dia. Sem me falar seu nome, ele entrou no carro e saiu do estacionamento diante da oficina como se policiais o estivessem perseguindo. Sacudi a mão diante do rosto para afastar a poeira que o carro havia levantado, enquanto me perguntava o que havia acabado de acontecer. Aquele havia sido um dia cheio de conversas significativas, e eu nunca me considerei do tipo conversador.
CAPÍTULO 5
oppy u me sinto culpada, sabe? A garota que estava falando não podia ter mais de dezesseis anos. Era nova no grupo, mas, toda vez que falava, todos ficávamos quietos e escutávamos atentamente. Parecia tão forte, tão mais durona do que eu. O pai a havia machucado de maneiras inimagináveis, e quando ela tentara contar à mãe fora acusada de mentir e tentar separar a família. Como resultado, a garota precisou fugir de casa e passou os últimos anos vivendo nas ruas. As coisas que fizera para sobreviver e o modo como as pessoas haviam se aproveitado de uma alma tão inocente me deixavam muito brava. Alguém deveria ter estado lá para mantê-la segura, assim como alguém deveria ter estado lá para proteger Salem e eu da tirania do meu pai. Assim como alguém deveria ter me protegido de Oliver e sua ruína. Aquele era o propósito dos encontros do grupo: fazer com que todos percebêssemos que não estávamos sozinhos, que nossas histórias eram compartilhadas por todo tipo de mulher. Estávamos lá para manter umas às outras seguras. O que nos unia era o fato de ainda estarmos ali, de termos sobrevivido, o que nos tornava maiores e melhores que as pessoas que haviam feito o seu melhor para nos destruir. Eu a observava tão de perto que ela deve ter sentido, porque seus olhos encontraram os meus enquanto ainda falava. – Sinto que não mereço uma casa legal e roupas bacanas para a escola. Sinto que ter um monte de amigos e ser popular é uma farsa e que só estou tentando enganar todo mundo. Parece que estou vivendo a vida errada – ela deu uma risada amarga e ergueu a mão para enxugar uma lágrima solitária que escorria por sua bochecha. – Por que eu deveria estar planejando ir à festa de formatura com um rapaz superlegal, que me trata como se eu fosse especial, quando tantas garotas que conheci na rua não têm a mesma chance? O que me torna diferente delas? Por que eu tive uma chance e não uma delas? Ela sempre tocava naquele tema. Na culpa por ter seguido em frente e encontrado paz depois de ter vivido um pesadelo por tanto tempo. Parece que a tia desconfiou quando a mãe não foi capaz de explicar direito onde a filha estava. Os familiares iniciaram uma busca intensiva para encontrá-la e, quando conseguiram, ficaram horrorizados. Sabiam que o pai era abusivo e perigoso. Estavam tentando tirá-la daquela casa fazia anos. Por fim, o pai e a mãe fugiram para esconder seu segredinho sórdido. A garota sempre esteve rodeada de pessoas que a amavam, mas não podia entrar em contato com elas. Mais ou menos como meus pais, que haviam feito tudo o que podiam para manter Salem e eu afastadas depois que ela saiu de casa. Entre a tirania do meu pai e o consentimento passivo da minha mãe, nunca tive a chance de deixar que a ideia de me rebelar se enraizasse. Só gostaria de ter sido tão corajosa quanto aquela garota. – Uma hora essa culpa vai diminuir, e você vai ficar feliz com o fato de poder desfrutar de todas as coisas que sempre mereceu. É parte do condicionamento a que foi sujeitada por tanto tempo pensar que não tem direito às coisas boas que estão acontecendo na sua vida. Mas você tem, todas vocês têm – a mulher que coordenava o grupo também era uma sobrevivente. Sempre
E
falava conosco com uma voz calma e estável. Ficava muito evidente para todas nós que ela se envolvia de modo pessoal com nosso progresso e nossa cura. Aquilo não era um trabalho para ela. Ajudar mulheres que haviam sido abusadas não apenas fisicamente era sua vocação, sua paixão. Eu a admirava muito por transformar sua dor e sua experiência em algo com que os outros pudessem aprender. – Coisas boas virão até você se estiver aberta para elas. Sem pensar, soltei: – Como saber se algo ou alguém é mesmo bom? Acho que é seguro dizer que todas fomos enganadas por algo que parecia bom, mas acabou sendo muito, muito ruim. Quando Oliver começou a demonstrar interesse por mim, depois do meu primeiro ano desastroso na faculdade e da minha mudança, ele me pareceu bem legal. Gostava muito de mim e me tratava como um perfeito cavalheiro. Era tão respeitoso quanto deveria ser com uma garota e nunca me forçava a fazer nada que eu não quisesse. Me tratava como se eu fosse algo delicado e nunca, nem uma vez, tocou no motivo supostamente vergonhoso pelo qual eu precisara voltar com o rabo entre as pernas para a minha família menos que compreensiva. Aquilo foi o suficiente para eu lhe dar uma chance depois de ter dito a mim mesma que não queria mais saber de homens. Eu me sentia destroçada, mas Oliver me garantiu repetidas vezes que o que havia acontecido não era culpa minha. Eu deveria ter desconfiado, como sempre, de que era apenas uma fachada. Um homem que meu pai pastor praticamente escolhera a dedo para mim, um homem que era ativo em sua igreja, que acreditava no fogo e no enxofre que ele não parava de proclamar, de modo algum aceitaria o que havia acontecido comigo e com as escolhas que eu havia tomado. Na noite do nosso casamento, Oliver me chamou de vagabunda e gritou comigo por cerca de uma hora porque eu não era mais virgem e não havia me guardado para ele… ainda que já soubesse do pesadelo que me fazia não ser mais intocada e inexperiente. Dali, o abuso evoluiu em espiral, piorando tanto que eu precisava esconder os hematomas e as marcas em todo o corpo. Às vezes suas palavras machucavam mais que seus punhos, e tudo o que eu podia fazer era me perguntar como havia me permitido acabar em uma situação mil vezes pior que aquela da qual havia fugido. Tanto a adolescente quanto a conselheira voltaram sua atenção para mim, então percebi que todo mundo no nosso pequeno grupo estava me olhando. Em geral, eu não dizia muita coisa, me limitando a ouvir e aprender. Aquilo me fazia sentir que não estava tão sozinha e que não era tão tola assim, já que não era a única que deveria ter desconfiado. Aquela provavelmente era a primeira vez que eu falava fora do meu momento. Não usávamos nossos nomes no grupo, para nos manter no anonimato, então a conselheira só gesticulou para mim com um sorriso suave no rosto. – Bom, nunca se pode ter absoluta certeza de que algo ou alguém é bom, porque as coisas podem mudar do nada. Até o mais feliz e saudável dos relacionamentos pode entrar em colapso com o tempo, e até as melhores circunstâncias tendem a atravessar dias ruins. Tudo o que se pode fazer é ouvir sua intuição, prestar atenção a quaisquer sinais de alerta que surgirem. Cabe a você determinar se a parte boa supera a parte ruim naquilo com que você se deparar daqui em diante. Você já tem as ferramentas. Obteve todas sobrevivendo àquilo que a vida colocou no seu caminho. Mordi o lábio e inclinei a cabeça para lançar um olhar questionador. – Mas meu julgamento me conduziu às piores experiências da minha vida. E se eu não for capaz de dizer se a parte boa supera a ruim?
Contra minha vontade, meus pensamentos se voltaram para Wheeler. Ele era a primeira pessoa que eu tinha deixado atravessar o portão de ferro que eu havia erguido desde a tortura de Oliver. Eu me recusava a deixar qualquer pessoa se aproximar, física ou emocionalmente, porque, se tivesse lugar suficiente para onde fugir, não poderia sair machucada de novo. Erguera um muro entre mim e o resto do mundo que até então tinha cumprido seu propósito, mas eu começava a me perguntar se também não estava mantendo a parte boa de fora, tanto quanto a ruim. Havia muitas coisas boas em Wheeler. A pessoa teria que ser cega para não ver. Ele parecia um homem legal, respeitava minha necessidade de espaço, era ridiculamente bonito e despertava a libido que eu pensava ter perdido fazia tempo. Eu não me importava de ficar sozinha com ele ou perto dele, o que parecia um pequeno milagre àquela altura. Gostava da maneira como me olhava e de como eu não conseguia evitar olhar para ele. Não queria me esconder dele. O lado ruim de tudo aquilo era que eu havia vivido o bastante para não ignorar o aspecto negativo que envolvia o mecânico atraente. Ele ia ter um filho para o qual evidentemente não estava pronto. Logo a paternidade seria prioridade, e não acalmar uma garota arisca que tinha uma quedinha por ele. Wheeler também tinha um relacionamento complicado com a ex, e eu não sabia se estava remotamente perto de superá-la, o que poderia muito bem quebrar meu coração se eu o deixasse chegar mais perto do que já estava. Além do mais, havia a questão do desconhecido, uma infinidade de dúvidas que me mantinha acordada à noite imaginando se eu conseguiria de fato deixar que alguém se aproximasse tanto quanto seria necessário caso quisesse começar um relacionamento de verdade. Oliver tinha me machucado das piores maneiras que um homem poderia machucar uma mulher, e não havia sido a primeira vez que eu passava por isso. O sexo com ele não era particularmente agradável: sempre parecia uma espécie de punição por não ter sido meu primeiro. Antes dele, minha única experiência sexual havia sido com o homem que eu havia convencido a mim mesma de que era o amor da minha vida. O sexo com ele sempre fora excitante, algo novo e proibido, já que eu havia sido criada em uma família conservadora. Para mim, nunca parecia o bastante. Fazia eu me sentir livre e muito mais no controle da minha vida do que já havia estado… ou pelo menos até eu engravidar pouco depois de completar dezoito anos. A princípio, achei que era o destino. Estava loucamente apaixonada e não tinha problema nenhum em mergulhar em um conto de fadas pouco realista envolvendo a estrela do time de futebol americano, que havia me dito o que eu precisava ouvir para trepar comigo. Eu imaginava nossa vida juntos, como uma família feliz, mas tudo aquilo era dolorosamente pouco realista e ingênuo de uma maneira lamentável. Contei ao meu cavaleiro de chuteira e camisa de time sobre a gravidez, achando que ele ia ficar tão feliz quanto eu, mas o sujeito partiu meu coração e me deixou acabada quando disse que eu precisava interrompê-la. Foi como um tapa na cara. Eu achava que a faculdade e aquele garoto eram minha porta de saída, a fuga que eu tanto desejava do meu pai e de sua ampla influência, mas em um segundo meus sonhos se despedaçaram. O garoto me disse que eu não era nada, só outra caloura idiota disposta a abrir as pernas para o menino de ouro do campus. Riu de mim quando chorei e zombou quando falei que achava que íamos ficar juntos para sempre. Foi embora ainda rindo, mas voltou alguns meses depois, quando soube que eu havia me recusado a abortar. Mesmo sem ele, eu planejava ficar com o bebê. Ia enfrentar a fúria do meu pai, suportar seu desprezo, aceitar ser renegada e me tornar a melhor mãe do mundo. Continuava convencida de que era coisa do destino, de que o bebê era um sinal de que eu tinha um propósito maior na vida
do que ser a filha perfeita e a esposa adequada que haviam me treinado para ser. O pai do bebê me convenceu a ir até a casa dele com promessas de reconciliação. Ele me disse que estava cansado de pular de uma cama para outra e que só queria a mim. Jurou que me amava. Eu era tola. Estava tão desesperada para acreditar que aquilo era real que esqueci completamente sua reação absurda e distorcida quando lhe contei que íamos ser pais. Assim que bati na porta, soube que havia cometido um erro enorme. Ele me puxou para dentro e começou a me bater até quase tirar minha vida. Meu pai era um ditador e um tirano, mas usava palavras e regulava seu amor para garantir obediência e submissão. Ninguém nunca tinha me batido antes. Foi terrível. Até hoje sinto o gosto de sangue na boca, sangue com o qual engasguei enquanto o sujeito me batia mais e mais, se certificando de concentrar os golpes na região da barriga ainda chapada. Ele queria me punir por desafiar a vontade dele e, mais ainda, queria garantir que eu não saísse daquele apartamento grávida. Conseguiu o que queria. Depois de quinze minutos desmaiei e, quando acordei, estava de volta ao meu quarto no dormitório, consciente de que havia algo muito errado. Havia sangue em toda parte e parecia que meu corpo todo estava virado do avesso. Me arrastei até o banheiro minúsculo e foi lá que meu corpo fez o que não podia evitar depois que o jogador de futebol americano acabara comigo. Perdi o bebê sentada no chão do banheiro, sangrando sozinha, destroçada de maneiras impossíveis de nomear. Por sorte, um amigo de infância, um garoto que fora meu vizinho de porta a vida inteira, estudava na mesma faculdade. Fiquei muito grata quando ele me encontrou à beira da morte no quarto. Era Rowdy, que agora estava desesperadamente apaixonado por minha irmã e construía o tipo de família que eu sempre havia desejado. Ele tomou conta de mim e depois foi dar um jeito no colega de time responsável pela minha condição. Nós três éramos um problema para a faculdade, mas eu estava tão magoada e mortificada que fiz minhas malas e voltei para o único lar que conhecia sem nem olhar para atrás. Não fiquei por tempo suficiente para prestar queixa, como deveria ter feito, tampouco fiquei para defender Rowdy, como deveria ter feito. Por minha causa, ele perdeu a bolsa de estudos, foi expulso da faculdade e desapareceu. Foi por um golpe de sorte que seu caminho se cruzou com o de Salem tantos anos depois. Então sexo mesmo, sexo bom, não era algo com que eu havia tido muito sucesso, e havia muitas perguntas não respondidas que voltavam à minha mente agora que eu tinha me dado conta de que talvez quisesse voltar a fazê-lo. Toda vez que vislumbrava a tatuagem que atravessava a barriga e a nuca de Wheeler me perguntava onde ela terminaria. Eu queria saber se seguia abaixo da cintura do jeans e se suas sardas paravam no nariz. Nunca havia ficado tão consciente fisicamente do modo como reagia a um homem antes, mas não tinha certeza de que podia fazer alguma coisa em relação ao jeito como Wheeler me fazia sentir. A voz tranquila da conselheira me tirou da balança mental em que eu pesava tudo o que girava em minha cabeça. – Você tem que parar de se culpar pelo que te aconteceu. Não foram escolhas suas. Seu julgamento não é a questão. Tudo o que podia fazer era reagir à situação da melhor maneira que conseguia, dadas as circunstâncias. Você foi vítima, não cúmplice. Aquela era uma frase comum, tanto ali quanto na terapia individual que eu fazia. Eu não havia escolhido ir com Oliver quando ele me sequestrou. Ele apontou uma arma para minha irmã e ameaçou atirar se eu não fosse. Eu fiz o que precisava fazer para mantê-la a salvo. Na hora pareceu uma boa opção, mas agora sempre me pergunto se havia outra. Se eu não podia ter sido mais esperta, mais forte… melhor.
Parecia que eu não podia confiar em mim mesma para saber se estava fazendo o que era certo, já que tudo o que eu havia feito até então fora errado. Talvez eu não me sentisse merecedora da normalidade e da bondade que marcavam minha vida atual. Talvez, como a adolescente que me observava de perto, eu também estivesse presa à pergunta sobre o que tinha feito de certo para merecer uma vida nova. Não parecia que eu havia feito o que quer que fosse para me tornar merecedora. O encontro com o grupo acabou logo depois disso, e meus pés pareciam não se mover rápido o bastante enquanto eu saía para o pequeno café na esquina do prédio onde nos encontrávamos. Preso na coleira, Happy soltou um latidinho e dançou sobre as patinhas de trás quando viu que eu me aproximava. Meu coração estava pesado e minha mente se encontrava enevoada com tantas coisas para considerar, mas a mera visão do cachorrinho animado e o sorriso receptivo da loira deslumbrante que estava cuidando dele fez maravilhas para aliviar meu humor. Sayer Cole era irmã mais velha de Rowdy. Ela era minha mentora, mas eu a considerava uma espécie de anjo da guarda. A mulher havia sido criada por um homem que competia pau a pau com meu pai no que se tratava de manipulação emocional e crueldade, mas agora estava feliz, com um homem ótimo, cujo filho ajudava a criar. Ele era o melhor amigo de Wheeler desde a infância, então não contei para ela que ia encontrá-lo depois do grupo. Sayer, Zeb e, consequentemente, todo mundo no nosso pequeno círculo de amigos e familiares saberiam que algo estava acontecendo, e eu não conseguiria explicar que não era para eles criarem expectativas ou ficar chateados com Wheeler. Eu não tinha ideia do que estava fazendo e havia uma boa chance de me dar mal e levá-lo comigo nessa. Eu me sentei na cadeira diante dela e notei que seu nariz estava rosado por causa do frio. Como muitos cafés de Denver, aquele aceitava animais, então não havia motivo para Sayer estar do lado de fora. – Por que não sentou lá dentro? Happy estava se comportando mal? – assim que me sentei, o cachorro esfregou o corpinho nas minhas pernas, querendo que eu o pegasse no colo. Peguei o pacotinho quente e agitado no colo e ri quando ele atacou meu queixo com a língua. – Obrigada por ter cuidado dele. Ela dispensou aquilo com um gesto e sorriu para mim. – Eu precisava fazer algumas ligações. Tenho uma cliente no meio de uma batalha feia por custódia que precisava ser tranquilizada. Vim aqui atender. Happy ficou bem. Acho que preciso falar com Zeb sobre pegar um cachorro para o Hyde. É bom para a criança ter um bichinho com quem brincar – ela estremeceu de leve, e eu soube que não era por causa do frio, ao murmurar: – Meu pai não me deixava ter um. Depois que minha mãe morreu, fiquei louca por um. Me sentia tão sozinha naquela casa com ele. Acho que um animal de estimação teria preservado minha sanidade. Soltei um ruidinho do fundo da garganta e enterrei o rosto nos pelos do cachorro. – Eu também. Meu pai dizia que fazia muita sujeira e que já não nos saíamos muito bem na limpeza da casa sem um. O que era mentira. Minha mãe esfregava o lugar de joelhos todos os dias. Ele só não queria que tivéssemos algo que desejávamos – suspirei. – Mas provavelmente foi bom. Meu pai teria usado o bichinho para nos obrigar a fazer o que ele quisesse. Sayer assentiu, solene. – O meu também – ela sorriu para mim e mudou de assunto. – Vou pegar comida para os garotos no caminho pra casa. Quer jantar com a gente? Hyde adoraria brincar um pouco com esse carinha.
Sayer apontou para o cachorro que eu afagava. Desviei os olhos dela e soltei um gemidinho. Não ia mais ter como manter o encontro com Wheeler em segredo. Se dissesse a Sayer que tinha planos, ela ia pensar que eu estava regredindo, evitando passar tempo com outras pessoas, e eu não queria aquilo. Sayer havia me oferecido abrigo quando eu precisava, e o gigante gentil com quem estava era uma das principais razões pelas quais eu havia conseguido me convencer a voltar ao trabalho e à sociedade. Eu via como ele a tratava, como quebrara suas barreiras e a reconstruíra. Então, me dera conta de que não podia me esconder para sempre, porque, quando aparecia alguém que realmente queria entrar, nada podia mantê-lo de fora. – Tenho planos para hoje à noite. Mas talvez eu pudesse dar uma passada com Happy alguma outra noite da semana. Não consegui encará-la. Sayer se manteve imóvel, piscando para mim como uma coruja. – Você tem planos? Ela parecia espantada, e eu não podia culpá-la. Havia me escondido por tanto tempo que compreendia sua surpresa. – É. Eu… hum… na verdade peguei o cachorro para Wheeler, porque pensei que o ajudaria a superar o término. Ele estava cuidando da casa da Dixie quando tudo começou a ruir, então sem querer acabei assistindo ao desastre da primeira fileira. Eu disse que ajudaria a treinar Happy até que Wheeler estivesse pronto para cuidar dele sozinho. Vou levar o cachorro na casa dele e jantar. As palavras pareceram estranhas ao sair da minha boca. Fazia um bom tempo que eu não planejava uma noite normal como aquela. Não sabia muito bem o que fazer com aquilo, e obviamente nem Sayer. Ela continuou me olhando como se chifres tivessem despontado na minha cabeça. – Você vai jantar com… Wheeler? Só vocês? – ela piscou devagar e inclinou a cabeça para o lado. – Bom… que surpresa. Nem sabia que vocês se conheciam. Pigarreei e me ajeitei na cadeira, desconfortável. Odiava ser o centro das atenções. – Ele me vendeu o carro há um tempo e estava sempre no apartamento de Dixie quando ela foi para o Mississippi. Nossos caminhos viviam se cruzando – dei de ombros. – Acho que acabei me acostumando com ele em algum momento. Seus lábios se retorceram de leve e seus olhos azuis brilharam, animados. – Você se acostumou com ele? Assenti de leve e levantei as sobrancelhas para Sayer. – É. Por quê? Ela riu e balançou a cabeça. – Nada, mas talvez seja bom não mencionar isso para o Rowdy. Você sabe, o sujeito com quem cresceu. Aquele que morreria por você, que moveria o céu e a terra por você. A pessoa ao lado de quem você ainda se encolhe, que ainda tem dificuldade de abraçar de volta, que não consegue olhar nos olhos durante a metade do tempo, a pessoa com quem cancela pelo menos uma vez por mês quando fazem planos. Acho que Rowdy ficaria magoado se descobrisse que você está fazendo planos com outro sujeito quando ainda tem certa dificuldade em ficar sozinha com ele. Rowdy era o irmão mais novo dela; claro que Sayer pensaria imediatamente em como era difícil para mim ficar perto dele e quanto aquilo o machucava. Olhei para ela por cima da cabecinha de Happy.
– Wheeler não me viu nos meus piores momentos. Rowdy sim – ele estivera lá para me ajudar a levantar quando meu namorado da faculdade me destruíra e quando Oliver quase me matara. – Adoro Rowdy, mas é meio complicado. Especialmente quando eu estava tentando ser qualquer outra pessoa que não aquela garota. O sorriso de Sayer se desfez, e a brincadeira parou. Um olhar sério assumiu o lugar da alegria em seus olhos, e compreensão e empatia coloriram seu tom de voz quando ela falou: – Eu entendo. Fico feliz que tenha achado alguém de fora da família com quem se sinta confortável. Zeb conhece Wheeler desde que eles eram crianças. O rapaz cuidou da mãe e da irmã dele enquanto Zeb estave na prisão e se desdobrou para lhe dar um foco quando saiu. Hudson certamente é um sujeito do bem, e você não poderia ter escolhido ninguém melhor com quem se envolver. – Opa… – levantei a mão e me reclinei no encosto da cadeira. – Calma aí, Say. Não estamos envolvidos. Wheeler acabou de terminar o noivado, e isso nem começa a descrever como tudo é complicado. Mas ele é legal comigo e não me trata como se eu pudesse quebrar a qualquer momento, ainda que seja a mais pura verdade. Queria fazer algo legal por Wheeler, e agora ele precisa da minha ajuda. Só isso. Ela desdenhou um pouco e tirou uma mecha de cabelo platinado da testa. – Eu não acharia que é importante se não fosse você, Poppy. Você pegou um cachorro para o sujeito e concordou em jantar sozinha com ele. Não são pequenos passos para você. São saltos. Gemi e fechei os olhos com força. – Você sabia que a ex dele está grávida? Sayer era uma das poucas pessoas em Denver que sabiam sobre o meu bebê, isso só porque ela estava lá quando Salem e Rowdy contaram a boa notícia sobre meu futuro sobrinho ou sobrinha. Ela me manteve firme quando eu achei que fosse ficar destroçada. Estava feliz por minha irmã, mas não podia negar que meu coração queimava ao pensar em tudo o que havia perdido. Deveria ter uma criança de seis anos em casa, o amor da minha vida. No lugar, só tinha um marido morto, muita bagagem emocional e o tipo de pesadelo que me seguia mesmo quando acordada. Ela assentiu com firmeza. – Ele contou ao Zeb uma noite em que saíram para beber. Zeb disse que Wheeler ficou bem chocado com a notícia, mas tem certeza de que vai se acostumar. A infância dele não foi fácil, então, sei que vai fazer tudo o que puder para garantir que a criança tenha tudo o que ele não teve. Wheeler parecia mais do que chocado quando me falou da gravidez da ex. Parecia chateado, quase furioso, o que me deixara muito desconfortável. Eu gostava de Wheeler, mas sabia que não podia passar tempo com alguém que se ressentia e se arrependia de uma vida pela qual tinha cinquenta por cento de responsabilidade. Não era justo com o bebê, tampouco com as pessoas que fariam ou dariam qualquer coisa para ter uma chance de amar o que haviam perdido. – É coisa demais. Meu passado é tão complicado e horrível, e o futuro dele é tão incerto. No momento, tudo o que estou tentando fazer é ser sua amiga. O tipo de amiga que sempre o imaginava pelado e pensando em como seria ter aquelas mãos tatuadas em meu corpo, ou seja, sua melhor amiga! – Sinceramente, já fico feliz que você queira ser qualquer coisa dele, então aceito – ela estendeu a mão e pôs os dedos frios sobre os meus. – Um dia por vez, Poppy. É nisso que você tem que focar. Não no que passou ou no que vai vir, mas no que é. Sobreviva ao jantar com ele e
então sobreviva ao que quer que o dia seguinte traga com ou sem ele, porque você vai ficar bem não importa o que aconteça. Tá? Balancei a cabeça positivamente e forcei um sorriso trêmulo. – Tá. Eu podia lidar com um dia por vez, porque finalmente estava em um lugar no qual percebia quanta sorte tinha de ainda estar ali, sobrevivendo aos dias, bons ou ruins. Talvez não confiasse em mim mesma para fazer a coisa certa, mas sabia que, se desse um passo em falso e tropeçasse, haveria gente o bastante por perto só esperando para me segurar. Pela primeira vez na minha vida, eu tinha espaço para errar, o que me fortalecia o suficiente para que eu quisesse tentar voltar à vida.
CAPÍTULO 6
Wheeler u não conseguia parar de olhar para ela. Não era nada de novo. Quando Rowdy a levou pela primeira vez à oficina, procurando um carro para aquela garota, eu já tinha sido incapaz de desviar os olhos. Havia me sentido muito culpado na época, porque deveria estar feliz com meu noivado, planejando uma eternidade com Kallie, mas havia algo em Poppy que me atraía. De início, parece que foi a mistura de beleza e tristeza que chamou minha atenção. Em um mundo perfeito, ela nunca teria conhecido o tipo de horror que podia fazer com que aqueles olhos dourados parecessem tão assombrados e temerosos. Quanto mais nossos caminhos se cruzavam, mais eu me dava conta de que a razão pela qual não conseguia parar de olhá-la era Poppy ser uma surpresa constante. Bem quando eu achava que sabia como ia reagir ou se comportar, ela fazia algo completamente inesperado, como aparecer na minha oficina do nada com um filhote indisciplinado, porque sabia que eu estava passando por poucas e boas na vida pessoal e precisava de uma distração. Ou como agora, quando eu estava em transe, observando-a fazer algo tão simples quanto jantar. Quando entreguei o hambúrguer a ela, sem tomate, achei que comeria com delicadeza e cuidado, mordiscando para não fazer sujeira. Era tão leve e parecia tão frágil que fiquei chocado ao vê-la devorar o lanche com gosto, assim como as fritas que o acompanhavam. A princípio, Poppy estava nervosa e ficava olhando para o espaço aberto da minha sala como se alguém pudesse pular de trás da mobília para pegá-la. Mas, depois, acabou perguntando se eu ia comer todas as onion rings, e eu me dei conta de que ela tinha mais apetite quando se tratava da comida de que gostava. De novo, eu me imaginei fazendo coisas horríveis com o ex-marido dela. Concluí que o único motivo pelo qual Poppy se mantinha tão magra era por ter passado muito tempo sem poder comer aquilo de que realmente gostava. Fazia pouco tempo que tinha controle sobre a própria vida, e era óbvio que ainda não havia se acostumado a se permitir coisas ou atender aos seus próprios desejos e necessidades. Passei as onion rings em silêncio e tentei afastar minha mente de quais seriam aqueles desejos e necessidades ou de quantos me envolviam. – Sua casa é bem legal. Gosto da decoração. Ela ainda olhava para toda parte, como se estivesse procurando por inimigos escondidos, e ainda se remexia na sua ponta do sofá em frente à TV, onde havíamos nos instalado. Deixei que Poppy ficasse a cargo do controle remoto e não fiquei surpreso ao descobrir que ela não via TV. Eu não conhecia nenhuma mulher, de qualquer idade, que não conhecesse Sons of Anarchy, graças ao longo tempo na telinha dado à bunda de Charlie Hunnam. Mesmo se não curtissem a violência e as Harleys, não havia dúvida de que curtiam Jax Teller. Como Poppy insistia que era indiferente ao que quer que passasse na televisão, coloquei no Discovery, porque estava passando Fast N’ Loud. Prendi o ar quando me dei conta de que era a primeira vez que eu escolhia o que ia ver na minha própria casa. Sempre deixava Kallie ficar com o controle remoto, mesmo durante a temporada de futebol americano, o que significava não ver os Broncos jogarem desde que havíamos começado a morar juntos. Franzindo um pouco a testa diante dos meus devaneios, eu disse a Poppy: – Obrigado, mas logo mais tudo isso vai embora. Foi Kallie quem escolheu os móveis e fez a
E
decoração. Eu disse a ela que pode ficar com tudo. Os lábios de Poppy se retorceram, e eu notei que tinha um pouco de ketchup no canto da boca. Se fosse qualquer outra garota no meu sofá, comendo o hambúrguer que eu comprei, simplesmente esticaria o braço para limpar, mas não queria assustá-la tocando-a sem sua permissão, então só apontei para o mesmo ponto no meu próprio rosto e levantei as sobrancelhas para ela. Poppy corou de um jeito bonito e gesticulou para o sofá claro e sem graça. – Imaginei. Você não parece o tipo de homem que escolheria esse cinzinha. Dei risada. – E que tipo de homem eu pareço? Estava genuinamente curioso a respeito. Ela levantou um ombro e o deixou cair. Ainda estava com as roupas do trabalho, e o cabelo estava preso em um rabo de cavalo alto. Não tinha passado maquiagem e não fora bem-sucedida em limpar o ketchup. No entanto, aquele simples gesto, feito com uma graça espontânea e sem esforço, conseguia ser mais provocativo e sedutor que o striptease que a última mulher que eu havia levado para casa, para uma noitada vazia, realizou. Amassei a embalagem do hambúrguer, peguei a garrafa de cerveja à minha frente e me lembrei de que podia olhar para Poppy Cruz, mas que não ia tocá-la até que ela me pedisse. – Eu chutaria couro preto, porque parece ser o padrão para homens que moram sozinhos, mas seu carro é tão legal… e está na cara que você não tem medo de cor – seus olhos cor de conhaque passaram pelas tatuagens que começavam na minha garganta e desciam pela gola da camiseta, então foram para aquelas nas costas das minhas mãos. – Talvez azul, ou vermelho com acabamento branco. Eu nem havia pensado em como iria substituir a péssima escolha de sofá de Kallie, mas, agora que Poppy mencionou, meio que gostava da ideia de algo vermelho. Podia tentar encontrar algo que parecesse vintage e fosse confortável o bastante para que eu sentasse a bunda ali alegremente para ver um jogo de futebol americano inteiro sempre que quisesse. Precisava reclamar meu espaço. – Comprei esta casa e meio que passei a tarefa de transformá-la em um lar para Kallie – passei a mão pelo rosto, então cutuquei o filhote que dormia na ponta do meu sapato. Happy ergue os olhos sonolentos para mim e se mexeu contrariado para que eu pudesse levantar e levar o lixo para a cozinha. – Queria que ela amasse este lugar. Queria que o personalizasse – soltei o ar e balancei a cabeça quando o olhar compreensivo de Poppy encontrou o meu. – Nem percebi que, enquanto montava a casa, me deixava de fora. Nada disso era para mim – nunca havia sido, e agora eu vejo isso muito bem. – Quando era criança, nunca morei em um lugar por tempo o bastante para ter meu próprio espaço. Acho que me acostumei a tentar me encaixar em qualquer canto ou espaço sobrando. Eu havia permitido que Kallie me expulsasse da primeira casa que era de fato minha de tão acostumado que estava a não pertencer a lugar nenhum. Ouvi Poppy soltar o ar, então a senti tocar levemente meu braço. Se não estivesse tão envolto em minhas próprias lembranças, daria um gritinho de comemoração. Compreendia o que significava Poppy ter colocado voluntariamente as mãos em mim dois dias seguidos e só podia rezar para que ela também compreendesse. – Este lugar é todo seu, Wheeler. Você trabalhou duro por ele e merece conseguir transformálo num lugar em que queira estar – ela abaixou um pouco o queixo e soltou meu braço. – Precisa
transformar esta casa em um lugar que tanto você quanto seu filho considerem seguro e caloroso e onde possam crescer… juntos. As palavras dela me fizeram estremecer, então me afastei um pouco e me virei para ir à cozinha. Eu não tinha parado para pensar que seria responsável por criar um lar não apenas para mim mesmo, mas também para uma criança. Nunca havia me estabelecido em nenhum lugar. O mais perto que havia chegado de ter uma casa era no chão do quarto de Zeb, quando éramos adolescentes. Quando ele perguntava se eu podia dormir ali, sua mãe nunca dizia não. Eu não sabia se tinha as ferramentas necessárias para transformar uma casa no lar de outra pessoa, principalmente considerando que havia falhado em fazer aquilo para mim mesmo até então. Não havia tido um exemplo naquele sentido quando era pequeno. Eu era mandado de um lugar para o outro com tanta frequência que ainda tinha caixas de quando havia saído de onde estava morando para me mudar com Kallie. Aquelas mesmas coisas se mantinham em caixas independentemente do lar temporário em que eu estava. Elas nunca eram desempacotadas, só ficavam acumulando poeira à espera da próxima vez que eu fosse deslocado. Ouvi Poppy me seguir para a cozinha e não fiquei surpreso que o cachorro seguisse em seu encalço. Ele queria estar sempre no centro da ação e não tinha o menor interesse em perder seus humanos de vista. Joguei o lixo e me inclinei contra a pedra da pia. – Vou precisar de um quarto para o bebê. Merda. Tem alguma ideia de como montar um? Eu não tinha. Poppy ficou do outro lado da cozinha, que era dividida por uma ilha enorme. Kallie me dissera que tinha sido projetada no estilo “chique casual”. Para mim, parecia que ela havia levado a avó às compras e deixado que comprasse o que lhe agradava. Quanto mais eu notava as marcas da minha ex em casa, mais nervoso e inquieto me sentia. A sensação era intensificada pela mulher que me olhava com empatia e compreensão. – Você sabe que um lar não tem nada a ver com a cor do sofá ou com o que pendura nas paredes, certo? – a voz dela saiu baixa como sempre, mas com um traço firme que se recusava a ser ignorado. Era como se Poppy soubesse que o que estava dizendo ia ser importante mesmo quando não estivesse mais na minha frente, e então estivesse dando um jeito de eu não me esquecer. – Tem a ver com saber que se está no lugar certo com as pessoas certas – ela abriu um sorriso torto. – Além disso, é só entrar no Pinterest pra aprender todo o possível sobre como decorar um quarto de criança. Isso me fez rir. – Pareço alguém que sabe usar o Pinterest? Ela inclinou a cabeça para o lado e bateu os cílios, tímida. – Posso te mostrar. Eu me afastei da pedra e percorri os passos que nos separavam. Precisava mudar de assunto antes que desse qualquer desculpa para mantê-la por perto. Copiei sua pose do outro lado da ilha e reprimi um sorriso quando seu olhar recaiu imediatamente sobre o ponto em que minha camiseta se esticava sobre o peito e acompanhava a forma do meu bíceps. – Foi por isso que você veio para cá assim que saiu do hospital? Denver era o lugar certo e sua irmã tinha encontrado as pessoas certas? Vi as portas se fecharem e um muro se erguer. O brilho em seus olhos diminuiu conforme sua boca luxuriosa se franziu. Diante dos meus olhos, a mulher que havia devorado o hambúrguer e curtido uma noite simples na frente da TV, como qualquer outra pessoa de vinte e poucos anos
fazia em uma noite de semana, se transformou em alguém que havia escapado por pouco da morte nas mãos de um amante lunático. Ela se encolheu, como se estivesse tentando desaparecer dentro da própria pele. Foi a primeira vez que mencionei diretamente aquilo pelo que ela havia passado e me arrependi na mesma hora, mas o assunto não poderia ser ignorado para sempre, não se fôssemos passar tanto tempo quanto eu gostaria juntos. – Desculpa, Poppy. Não é da minha conta. Ela balançou a cabeça e abraçou o próprio corpo, em um gesto de quando ficava ansiosa demais e que eu estava começando a reconhecer. Poppy não deixava que ninguém a tocasse, então envolvia a si mesma quando precisava de um abraço. – Não, tudo bem. Quer dizer, eu sei que você sabe. Todo mundo sabe. Apareceu na CNN, pelo amor de Deus – ela pareceu inquieta e mordeu o lábio. – Nenhum lugar parecia seguro depois que saí do hospital. Minha cabeça estava tão confusa com tudo o que Oliver havia feito. Meu corpo estava tão quebrado quanto ela, mas Rowdy e Salem se recusaram a me deixar desaparecer. Eles me trouxeram para cá porque sabiam que eu não daria conta de lutar contra meus pais se eles aparecessem para me levar de volta ao Texas. Eu estava pronta para desistir. Tudo parecia tão sem sentido, sem esperança. Eu parecia sempre terminar onde havia começado – Poppy puxou o rabo de cabalo e levantou os olhos para me encarar. A dor e a força das lembranças ruins sugaram o ar dos meus pulmões. Eu havia sido decepcionado o bastante em minha vida, mas nunca havia sido destruído como ela. Era muito incômodo de ver. Assistir a Poppy lutar para sair das profundezas do terror me fazia questionar se eu teria força o bastante para me reconstruir como ela havia feito. Poppy fora devastada, mas lá estava ela, ainda combatendo e tentando seguir em frente. – Eles me escolheram, e assim que melhorei eu os escolhi também. Então, sim, estou aqui por causa de Salem e Rowdy. Tenho a sorte de contar com Sayer também. Eles são as pessoas certas para mim. Soltei o ar e passei a mão pelo cabelo. Poppy estava certa. Ela havia aparecido no noticiário nacional com manchetes que alardeavam “sequestro”, “estupro”, “suicídio”. Eu me recordava de imagens vagas de um corpo frágil coberto de sangue e outras coisas horríveis demais para imaginar sendo colocado dentro de uma ambulância. Nunca havia parado para processar que a imagem na TV era daquela mulher linda à minha frente. A constatação revirava meu estômago e deixava um gosto amargo na minha boca. – Vou te fazer uma pergunta, mas você não precisa responder, tá? Ela considerou aquilo por um longo momento, então assentiu e sussurrou: – Tá. Tamborilei a madeira entre nós, enquanto minha expressão evoluía para curiosidade genuína. – Por que não quis ir com seus pais? Acredite em mim, sei tudo sobre estar profundamente decepcionado com as pessoas que deveriam te amar incondicionalmente. Mas você passou por tanta coisa… Por que não ter tanto apoio por perto quanto possível? Poppy se encolheu ainda mais do que antes, se é que isso era possível. Ela ficou pálida, e seu tom de pele normalmente encantador e exótico perdeu o vigor. Então, Poppy se inclinou para a frente, descansou os cotovelos na madeira e levou a testa às mãos. Por um minuto, achei que fosse desmaiar. Fui até onde ela estava e fiquei por perto. Quase apoiei a mão em suas costas, mas então me dei conta de que era a pior coisa que poderia fazer no momento. Precisava desesperadamente que me desse permissão para tocá-la. Manter minhas mãos distantes, principalmente quando tudo dentro de mim morria de vontade de confortá-la, era um esforço quase hercúleo.
– Esquece o que eu perguntei. Está claro que foi uma coisa boa sua irmã ter intervindo e te trazido aqui antes que seus pais aparecessem. A reação dela me fez pensar que eles estavam na disputa para o prêmio de piores pais do universo, junto com minha mãe. Poppy balançou a cabeça, ainda nas mãos, e me olhou por uma fresta estreita entre os dedos. – O que não apareceu nos jornais é quase pior do que o que apareceu. Soltei uma risada nervosa. – Como é possível? O marido tinha perseguido e torturado Poppy. Se não bastasse, ela não tivera outra escolha a não ser vê-lo se matar com um tiro na boca porque fora covarde demais para assumir a responsabilidade por suas ações quando a polícia chegou. Não conseguia imaginar algo mais horrível. Eu a ouvi murmurar alguma coisa que não entendi direito. Depois de um longo momento, durante o qual achei que ela fosse se fechar para mim, Poppy se afastou da ilha e esticou o braço para soltar o elástico do cabelo, então correu os dedos pelos longos cachos cor de mel repetidas vezes. – Meu pai é um homem difícil. Atravessar a fronteira ainda criança foi uma experiência terrível para ele. Minha avó morreu no meio do deserto do Texas, e meu avô o convenceu de que era culpa dele. Disse que ela havia morrido para que meu pai pudesse viver. Insistia que o único motivo pelo qual estavam vindo para os Estados Unidos era que minha avó queria uma vida melhor para o filho do que a que teria em Juárez – ela soltou o ar e olhou para o teto. – A verdade era que meu avô tinha se metido com alguém dos cartéis e havia um preço por sua cabeça. A família inteira estava em perigo, mas, em vez de assumir a responsabilidade pelo que tinha feito, ele culpava meu pai e usava sua culpa para garantir que ele obedecesse e se submetesse. Meu pai aprendeu bem sua lição e não teve problema nenhum em passar isso adiante para seus próprios filhos: coisas ruins acontecem a quem não se comporta. Acredito de verdade que ele ainda se considera culpado pela morte da minha avó. Pisquei para ela e abri a boca para dizer algo, mas a fechei no mesmo instante, ao me dar conta de que me faltavam palavras. Minha infância não tinha sido fácil, mas parecia moleza em comparação com o que Poppy estava revelando sobre si mesma. – Salem costumava levar meu pai ao limite. Acho que estava tentando fazer com que ele perdesse o controle. Queria que ele fizesse alguma coisa, que deixasse algum tipo de marca, para que pudesse provar que o que estava acontecendo dentro de casa não era certo – Poppy soltou uma risadinha estrangulada e levou uma mão à garganta como se tentasse capturar o som trágico. – Mas ele nunca nos bateu, nem uma vez. Só deixava bem claro, a cada minuto de cada dia, que merecia coisa melhor, que Deus o havia decepcionado ao lhe confiar uma família inútil e ingrata, filhas pecaminosas e indignas. Fiz o meu melhor para agradar meu pai, seguindo os passos da minha mãe. Pisava em ovos, não falava a menos que me dirigissem a palavra. Só tirava nota máxima e só deixava quem ele aprovava entrar na minha vida. Tentava ser perfeita. Poppy abaixou a cabeça para que nossos olhares se encontrassem, e mais uma vez as memórias e lembranças que brilhavam em seus olhos me impactaram. Suas experiências me machucavam, e eu nem as havia sentido na própria pele. – Às vezes, ele agia como se eu finalmente tivesse feito algo certo, como se tivesse me tornado digna de sua aprovação. Eu absorvia esses momentos como se fosse uma esponja, até que me dei conta de que o único motivo pelo qual ele se rebaixava para me elogiar era para
machucar minha mãe ou Salem. Não éramos sua família. Éramos brinquedos, e se ele nos atormentava era para seu próprio prazer. Poppy fechou os olhos e soltou um suspiro breve, o qual continha tanta emoção que achei que ia derrubá-la. Quando suas pálpebras voltaram a se abrir, eu sabia que devia me preparar para ouvir o restante da história. – Foi só depois que voltei para casa, após um ano na faculdade, que me dei conta do homem horroroso que ele era. Sem mim e Salem na casa, a única pessoa em quem podia descarregar o peso de sua culpa era minha mãe. Meu pai nunca a amara. Só casara com ela porque tinha utilidade para ele e era estimada na comunidade. Minha mãe era boa para sua imagem e o legitimava como algo mais que um imigrante em dificuldades. Ele só ficara com ela porque esposa e filhos eram parte do pacote que queria vender aos outros como homem de Deus e cidadão de bem. Meu pai não podia fazer sermões sobre relacionamentos e a família se não tivesse nada disso. – Poppy… Deixei seu nome escapar sem saber se a estava incentivando a parar ou a seguir em frente. Minha mãe havia me abandonado, mas aquilo acabara me salvando de uma vida sendo arrastado de um albergue a outro em busca de mais droga. Sempre achei que havia perdido algo por não ter uma família de verdade, com mãe e pai, mas as revelações de Poppy me faziam sentir que eu talvez tivesse sorte por terem me abandonado. As coisas nunca haviam sido muito boas, mas não passavam nem perto do que ela descrevia. Quem queria quatro paredes para chamar de suas quando significava estar preso em um pesadelo que nunca terminava? Dias sem fim sendo menosprezado e quebrado parecia algo insuportável. – Quando voltei para casa da faculdade, ele me disse repetidas vezes que eu era uma desgraça. Não se importou em esconder que ficava enojado só de me ver. Salem tinha ido embora fazia tempo, e minha mãe estava tão emocionalmente perturbada e fisicamente desgastada que eu era o único alvo disponível. Passei tanto tempo tentando merecer seu amor, me matando por sua aprovação, que deixei que me convencesse de que não era nada. Acreditei nele quando disse que eu não era capaz de tomar minhas próprias decisões. Tinha me dado mal da primeira vez em que havia ficado por minha conta e não ia ter uma segunda chance. Eu queria perguntar o que havia dado errado na faculdade, mas não consegui falar. Ela apoiou as mãos abertas na ilha e se inclinou um pouco na minha direção, com o cabelo comprido caindo sobre os ombros e no rosto. Se esticasse os braços, poderia tirá-los da frente e impedi-la de se esconder, mas algo me dizia que Poppy precisava daquela camada protetora entre nós enquanto prosseguia com suas palavras ferinas. – Foi meu pai quem apareceu com Oliver – quando ela disse o nome dele, seu corpo inteiro se convulsionou. – Ele era diácono na mesma igreja e tinha tudo o que para meu pai tornava alguém um genro aceitável – Poppy franziu o cenho, e as sobrancelhas se aproximaram acima do nariz. – Ou seja, ele era uma cópia perfeita do meu pai: controlador, abusivo, raivoso. Escondeu tudo muito bem até nos casarmos, mas menos de uma hora depois da cerimônia começou a mostrar quem era de verdade. – Por que ninguém te ajudou? Onde estava sua irmã? Sua mãe? As palavras saíram com muito mais raiva do que eu pretendia, mas eu estava furioso por ela ter enfrentado tudo aquilo sozinha. Poppy soltou outra de suas risadas agudas e histéricas, então balançou a cabeça lentamente de um lado a outro.
– Salem não ficou sabendo até muito tempo depois. Ela teria impedido. Teria dirigido até o Texas de onde quer que estivesse e me levado embora para me impedir de cometer tamanho erro. E minha mãe… – Poppy balançou a cabeça de novo. – Ela nunca faria nada que pudesse irritar meu pai. Se ele não tivesse passado a vida toda a destruindo, talvez minha mãe tivesse tentando me impedir de cometer o mesmo erro que ela havia cometido, mas não restava mais nada nela. Descobri isso do jeito mais difícil, quando disse a ela que Oliver me batia e ela me mandou me esforçar mais para deixar meu marido feliz. – Que porra é essa? – minhas mãos se cerraram em punhos. Não pude evitar circular pela ilha e ir até Poppy. Estávamos tão próximos que eu podia sentir o jeito como ela tremulava e sabia que ela devia sentir o calor da raiva emanando da minha pele. – Isso é um absurdo. Poppy virou a cabeça para me olhar, e eu instintivamente estiquei a mão para impedi-la de se afastar quando ela deu um passo para trás. Eu me detive antes de minha mão tocar seu braço, e os olhos dela se fixaram na minha palma estranhamente erguida no ar. Poppy me encarou, então esticou a mão e segurou a minha, cruzando cuidadosamente os dedos nos meus. Fiquei assombrado com a força que podia sentir em seus dedos finos e delicados. – Aquilo não estava certo. Então, quando Salem ficou sabendo de tudo, interferiu. Se colocou entre mim e todo mundo que já havia me machucado. Foi para o Texas e chantageou meu pai para que ficasse longe de mim. Ela não sabe que eu sei, mas ouvi Sayer contando tudo a Zeb uma noite. Ela me protegeu e lutou por mim quando eu mal podia suportar ficar ao seu lado. Conseguiu se aproximar depois de eu ter feito meu melhor para deixá-la de fora, porque morria de vergonha de ter terminado como minha mãe – sua voz sumiu, e Poppy apertou meus dedos. – Salem fez tudo isso porque me ama e quer me defender quando eu mesma não consigo fazer isso. Foi assim que tornou Denver o meu lar. Ficamos nos encarando por um momento que pareceu se prolongar infinitamente. Ela ainda segurava minha mão, mas parecia que seus dedos trêmulos envolviam meu coração. – Poppy. Quando sussurrei seu nome, ela endireitou a cabeça e piscou para mim. – Wheeler. Fiquei surpreso ao notar um tom divertido em sua voz. Era inexplicável como ela podia achar graça em alguma coisa depois de tudo o que havia me contado. O próprio pai a havia entregue a um monstro como se Poppy não fosse nada. Ela havia escapado do inferno com um dos corações mais puros que eu já havia visto. – Quero muito te dar um abraço, provavelmente mais por mim do que por você, mas eu disse que você não deve deixar ninguém te tocar sem permissão – sabia que soava um pouco desesperado, mas nem me importava. – Então pode, por favor, acabar com meu tormento e deixar eu te tocar por um segundo? Ela arregalou os olhos, então seus cílios muito compridos bateram enquanto ela concordava, timidamente. – Já que pediu com tanta educação… O humor agora pesava em cada palavra. Ela estava rindo de verdade enquanto eu envolvia seu corpo com meus braços. Suspirei sobre sua cabeça quando a puxei para o peito. O cabelo de Poppy cheirava a flores e parecia seda quando descansei a bochecha contra as mechas macias. Ficamos daquele jeito por um longo tempo, eu a abraçando, ela completamente imóvel. Podia sentir seu coração batendo e queria acreditar que ele estava acelerado daquele jeito por causa do efeito que meu toque tinha
sobre ela, e não porque estava morrendo de medo de ficar tão perto de um homem que não conhecia tão bem. Ordenei a mim mesmo para não respirar, para não mover um único músculo, quando então ela levantou as mãos devagar e tocou gentilmente a lateral do meu tronco, pouco acima do jeans. Parecia que suas palmas deixavam uma marca de queimado na minha pele conforme lenta e dolorosamente continuavam seu caminho por minhas costas, até que Poppy já me abraçava de volta. Eu a ouvi soltar um ruído que poderia ser de prazer, mas me afastei dela para olhar seu rosto e me certificar de que não era de temor. Seu olhar estava fixo na tatuagem de uma vela queimando forte e emanando luz e fumaça bem no meio da minha garganta. Ela observou o movimento quando engoli em seco e depois olhou em meus olhos. – Ninguém nunca tinha me pedido permissão para nada. Ninguém tinha se importado com o que eu queria antes – meu pau ficou duro na hora, assim que o ar que saía com suas palavras murmuradas roçou a base da minha garganta. Eu sabia que ela sentira, porque seus olhos se arregalaram e sua respiração falhou. Ela me olhou e pediu, bem baixinho. – Me pergunta o que eu quero agora, Wheeler. Eu estava igualmente aterrorizado e intrigado com qual seria a resposta, então a apertei mais forte e baixei a cabeça até meus lábios se aproximarem da curva sedutora de sua orelha. – O que você quer agora, Poppy? Eu daria a ela, independentemente do que me custasse. Eu nunca tive muito, mas parecia tudo, se comparado ao que Poppy tinha. Queria pegar o mundo todo, colocar um laço enorme e entregar a ela. Eu tentara fazer aquilo com Kallie, mas ela não dera valor. Algo me dizia que Poppy nunca deixaria de valorizar o que lhe fosse dado, porque a única coisa com que estava acostumada era abuso verbal e físico. Qualquer coisa dada de coração e com bondade seria amado e estimado. Eu podia ver algum tipo de batalha interna sendo travada por trás do brilho em seus olhos fantásticos. Ela estava equilibrada na corda bamba, tentando decidir para que lado preferia cair. Por sorte, acabou escolhendo a opção que a fazia cair nos meus braços. – Quero que me beije. Como eu disse, não podia desviar os olhos nem por um minuto, porque aquela garota era cheia de surpresas. Foi minha vez de soltar uma risadinha. – Bom, já que pediu com tanta educação. Repeti suas palavras pouco antes de me inclinar e tocar seus lábios com os meus.
CAPÍTULO 7
oppy ra cedo demais… provavelmente para mim e certamente para ele, considerando que até muito recentemente Wheeler estava determinado a se casar com outra pessoa, mas aquilo não me impediu de deixar escapar o que realmente queria dele. Eu não sabia o que havia naquele homem que me motivava a fazer coisas totalmente fora da minha zona de conforto. Nunca havia tomado a iniciativa. Não fora preciso, porque os poucos homens que tinham entrado e saído da minha vida haviam me estabelecido como alvo e me perseguido como se eu fosse uma presa fácil. E eu era. Jovem e inocente demais, estilhaçada e assustada, tanto física quanto emocionalmente. Como predadores que eram, podiam ver minhas fraquezas a quilômetros de distância, então iam até mim. Nunca haviam me dado a chance de decidir se eram o que eu queria ou não, porque davam o bote tão rápido que eu acabava sendo consumida por eles. Me derrubavam e me deixavam sangrando antes que eu conseguisse entender o que estava acontecendo. Não havia tempo para decidir se eu queria seus beijos vorazes ou suas mãos firmes em mim. Não havia espaço para me mover, caso me sentisse ameaçada ou assustada. Wheeler era diferente. Não havia dúvida de que eu queria experimentar a sensação dos seus lábios pousados nos meus. Nunca havia sido tocada por mãos tatuadas e calejadas pelo trabalho, e cada vez mais me pegava sonhando com como seria. Wheeler desmontava coisas batidas e acabadas e remontava de modo que parecessem novas e brilhantes. Pegava algo que não valia nada e transformava em algo de valor inestimável. Eu não podia negar que havia uma parte de mim que queria saber se ele poderia fazer a mesma coisa comigo. E eu queria um beijo… só um. Um único beijo do qual não me arrependeria mais para a frente. Um beijo que eu havia pedido. Um que fosse meu. Que não faria com que eu quisesse me chutar e dizer “Eu deveria ter desconfiado”, porque eu havia desconfiado, e estava pedindo que me beijasse mesmo assim. Queria um beijo dado, não tomado. Wheeler não me tocou mesmo que eu tivesse lhe dado permissão para tal. Ele tirou as mãos das minhas costas, onde as havia colocado para o abraço. Tive a impressão de que não queria que me sentisse encurralada, de que queria que eu fosse capaz de me afastar a qualquer momento caso mudasse de ideia. Sua consideração silenciosa e inabalável me deixou ainda mais certa de que queria que ele cobrisse os poucos centímetros que nos separavam. Eu não teria pedido que me soltasse, mas, conforme ele se inclinou de sua altura muito superior, me dei conta de que era bom que ele o tivesse feito. Era eu quem estava me aproximando, e não ele que me puxava. Eu não via nada além do azul de seus olhos queimando. Quando seus lábios tocaram os meus, parei de respirar. Mal podia senti-los, mas o calor que geraram em todo o meu corpo era muito perceptível. Era como a pressão de uma pena, mas o impacto quase me fez cair quando meus joelhos começaram a vacilar e tremer. Tive que levar uma mão ao peito dele e outra à bancada para não ir ao chão.
E
Wheeler tinha gosto de cerveja e algo mais que era infinitamente masculino. De excitação e fantasia. De proibido e destinado, tudo no mesmo movimento da minha língua por entre seus lábios levemente entreabertos. Se beijar era aquilo, então eu vinha fazendo tudo errado desde o início. Parecia que estava sendo beijada por alguém que sabia quão importante era para uma garota ser beijada direito. Wheeler apagou os lábios gananciosos e egoístas do desastre que foi o cara da faculdade e ofuscou os lábios dolorosos e punitivos do homem que havia se casado comigo e depois se esforçado para acabar comigo. Wheeler deu um passo adiante, e nossos peitos se tocaram. Em vez de me sentir sufocada ou controlada, eu só quis aumentar a pressão do meu corpo contra o dele. Era a liberdade que me dava de ir embora que fazia com que eu me aproximasse mais. Movi a mão que sentia cada batimento de seu coração pela sólida barreira que era seu peito e a apoiei na lateral de seu pescoço. Wheeler tinha um azulão tatuado ali, e cada pulsação sua fazia parecer que suas asas batiam delicadamente sob a ponta dos meus dedos, enquanto eu traçava a veia que corria sob a pele marcada. Aquilo era sem dúvida o mais perto que havia estado de um homem há séculos, e eu não queria parar para processar o fato de querer ir ainda mais além. Eu me inclinei totalmente para ele, forçando-o a se apoiar na bancada, porque mesmo com minhas lambidas e minhas mordiscadas, mesmo com meus seios pressionados contra os músculos definidos dele, Wheeler não pôs as mãos em mim. Nem quando abri a boca para dar acesso à sua língua que delicadamente se esgueirava, nem quando fiquei na ponta dos pés para me colocar em um ângulo melhor para levar a mão à sua nuca e puxá-lo um pouco mais para o beijo. Eu só queria que aquele momento durasse para sempre. Foi doce. Foi quente. Por um segundo, me fez esquecer o temor. Seus dentes roçaram meu lábio inferior, o que me fez tremer, mas não por medo de que ele fosse me morder. Tremi porque aquela provocação fez meu coração acelerar e todas as partes do meu corpo que haviam renegado os homens reconsiderarem sua decisão. Meus mamilos se enrijeceram e roçaram a renda do sutiã. O ponto entre minhas pernas que, depois de Oliver, insisti em fingir que não existia me mostrou que continuava ali, funcionando perfeitamente, ao pulsar rápido e forte. A pontada silenciosa fez com que eu me movesse de modo desconfortável, e não havia como negar que ficar tão perto dele, com sua língua dançando em volta da minha, estava me deixando molhadinha. Era uma sensação muito estranha para mim. Muito mais forte e maior do que o desejo inocente despertado por promessas vazias e mentiras perfeitas que pareciam lindas em bocas treinadas. Aquele era o tipo de desejo que tinha dentes. O tipo que penetrava nos ossos, que se aprofundava na pele. Era o tipo de desejo que podia e ia afastar tudo mais, até ser a única coisa a restar. Não havia espaço para medo ou arrependimento, porque a vontade e a sede ocupavam tudo. Em vez de me sentir vazia, eu estava cheia de coisas maravilhosas que aquele homem me fazia sentir. Minha alma sedenta e meu coração voraz queriam ser gananciosos, verdadeiros glutões. Queriam devorá-lo e exigir mais. Wheeler virou a cabeça, inclinou um pouco a boca e então se moveu com ainda mais determinação. Suas mãos se mantiveram firmes na lateral do corpo, mas eu sentia como se passeassem por meu corpo. Sua respiração tocou meus lábios, a ponta de sua língua passou pela abertura dos meus lábios, e eu lhe dei acesso sem nem pensar. Ainda que não pusesse as mãos em mim, sua língua não deixou nenhuma superfície lisa inexplorada ou seca. Wheeler provou. Se insinuou. Provocou quando pedi por mais sem dizer nada. Foi gentil, mas não havia como negar que estava me beijando de um jeito que ficaria na
lembrança. A marca de seus lábios nos meus e o sabor que era todo Wheeler iam ficar para sempre na ponta da minha língua. Ele estava em toda parte, e ainda assim os únicos lugares em que nos tocávamos eram os que eu oferecia a ele. Nossas línguas se enroscaram, nossos dentes bateram, nossa respiração se misturou, e eu tinha quase certeza de que havia deixado seu nome escapar em um sussurro, mas estava tão ocupada tentando inalar cada segundo daquele momento que devo tê-lo engolido para voltar a beijar Wheeler como se eu estivesse faminta… porque estava. Aquele beijo alimentou algo lá no fundo de mim que nunca havia sido alimentado. Eu não sabia como era conseguir o que queria. Não sabia como era ser tratada como… ser beijada como… se eu fosse algo precioso e valioso. Era o bastante para subir à minha cabeça e fazer qualquer bom senso que eu tivesse vacilar e desaparecer. Talvez fosse cedo demais, mas aquele beijo me fez relembrar como era sonhar e esperar por algo ou alguém especial. Soltei a bancada para levar a outra mão a seu rosto quando um barulho alto fez com que nos separássemos. Arfei, ele xingou, e ambos ficamos piscando um para o outro como se alguém tivesse acendido as luzes de repente em um cômodo que até então estivera totalmente escuro. Wheeler deu um passo para trás enquanto eu me arrumava, e ambos pulamos quando outro ruído alto veio da sala. Suas sobrancelhas escuras se levantaram quando saí correndo para a sala, gritando: – O cachorro! Ouvi seus passos pesados atrás de mim enquanto me apressava para ver que tipo de destruição nossa falta de atenção havia causado. Happy tinha virado a mesa de centro e lambia animado o restinho de cerveja derramado da garrafa que Wheeler havia deixado ali. Seu rabinho sacudiu furiosamente quando ele abandonou a bagunça para nos olhar, muito satisfeito consigo mesmo e esperando elogios. Wheeler grunhiu e deu a volta por mim para pegar o cãozinho robusto. Ele ergueu o bichinho que não parava de se debater, como naquele primeiro dia em que eu o levara à oficina. – Isso não foi legal – Happy latiu animado e tentou lamber a cara de Wheeler. – A cerveja vai fazer mal pra ele? Precisamos nos preocupar com ele ficar doente ou coisa do tipo? – seu rosto mudou da alegria pós-beijo para algo muito mais duro e raivoso. As covinhas fofas tinham desaparecido, e o cenho franzido que parecia ter virado sua marca registrada estava de volta. Inclinei-me para endireitar a mesa de centro. – Quanto havia sobrado? Wheeler olhou para a garrafa vazia no chão e depois para mim. – Menos da metade. Ele parecia muito mais chateado do que seria normal por conta de um pouco de cerveja derramada enquanto carregava o filhote no colo e andava de um lado para o outro à espera de uma resposta. – Não tem problema. Um pouco de cerveja não faz mal. Só fica de olho nele esta noite para ver se não passa mal ou começa a agir meio estranho. Se for o caso, me manda uma mensagem que eu venho dar uma olhada. Wheeler veio na minha direção, com os olhos arregalados e um rubor quente se sobrepondo à tatuagem que cobria sua garganta. Suas maçãs do rosto pronunciadas ficaram de um tom furioso de rosa enquanto ele dizia, por entre os dentes cerrados: – Ele não pode ficar aqui comigo. Tem que ir com você.
Happy olhou para o homem que o segurava como se pudesse sentir seu humor. As lambidas animadas pararam na hora, sendo substituídas por gemidinhos e tremor no corpo. Tive uma reação parecida. Cruzei os braços e disse a mim mesma para não surtar quando o calor que Wheeler havia provocado dentro de mim se transformou em gelo. Eu havia tido minha cota de homens que pareciam bondosos e depois se revelavam terríveis. Eu os tinha visto mudar com meus próprios olhos. Odiava pensar que Wheeler podia ser um deles, que eu havia me enganado completamente de novo, mas o gelo que seus olhos azuis emanavam e o modo como ele me encarava, como se tudo o que quisesse fosse que eu pegasse o cachorro e saísse, me fizeram duvidar seriamente de tudo o que eu pensei saber sobre aquele homem. – Não. Ele vai ficar com você esta noite. Foi por isso que o trouxe. Eu não estava acostumada a negar o que quer que fosse, então as palavras saíram muito mais fracas do que era minha intenção. Eu sabia que era importante ser firme naquele momento, deixar os limites claros. Então, ainda que fosse difícil, não recuei mesmo quando a resposta de Wheeler foi grunhir, frustrado. Ele balançou a cabeça e continuou a ir de um lado para o outro. – Você não pode me deixar sozinho com o cachorro – quando Wheeler parou à minha frente, me dei conta de que o frio que seu corpo emanava não era de raiva pela bagunça que Happy havia feito, mas de medo. Eu não tinha espaço, tolerância ou tempo para raiva, mas medo… era um velho amigo. Eu compreendia quão poderoso podia ser, como podia consumir alguém. O medo podia sufocar todo o resto se você deixasse, e eu não queria que aquilo acontecesse com Wheeler. Seus olhos estavam arregalados, e ele mal conseguia conter o pânico na voz ao dizer: – Está muito evidente que não tenho a menor ideia do que estou fazendo. Faz só algumas horas que Happy está aqui e já dei mancada. E se meu pau for uma distração tão grande que eu acabe me esquecendo que deveria estar cuidando de um bebê? Deus do céu… – ele sacudiu a mão livre no ar. – Não estou pronto pra isso, pra nada disso. As últimas palavras foram como uma faca afiada entrando em meu coração mole. Eu sabia que Wheeler não estava pronto, que o término era recente demais, mas ter aquela constatação validada ainda doía. – Bom, odeio ser quem diz isso a você, mas não acho que tenha muita escolha. Happy precisa de você, e seu filho com certeza vai precisar, independentemente de estar pronto ou não – eu meio que precisava dele também, mas não sabia se estava minimamente pronta para admitir aquilo. – Empurrar a responsabilidade para outra pessoa não vai te ajudar a se preparar para o que está vindo aí – coloquei uma mecha de cabelos atrás da orelha e estiquei o braço para fazer carinho na cabeça do cachorro, que choramingou para mim. Olhei para Wheeler quando ele me lançou um olhar preocupado, parecido com o do bichinho. – Você consegue, Hudson. Sei que consegue. Talvez porque tenha usado seu primeiro nome ou porque acabei tirando a mão da cabeça do cachorro e a levando ao peito de Wheeler, as linhas duras em sua expressão se abrandaram e parte do terror gritante abandonou seus olhos. Ele inspirou de forma trêmula e abaixou a cabeça lentamente, até ficar olhando para a ponta das botas. – Desculpa pelo surto. Em geral me controlo mais do que isso. É que ultimamente sinto como se estivesse me afogando e, em vez de nadar para a costa, continuasse sendo puxado cada vez mais para longe. Wheeler de fato parecia um homem totalmente à deriva, procurando por qualquer coisa que parecesse familiar e sólida.
Respirando fundo para me tranquilizar, dei um passo para mais perto e abracei tanto ele quanto o cachorro, que tinha finalmente se acalmado. Eu não aceitava um abraço havia uma década, mas não dava um fazia o dobro do tempo. Porém, aquilo pareceu certo. Necessário. Eu o apertei rapidamente, então o soltei. – Você pode achar que está se agitando em vão, mas continua com a cabeça fora da água, e é isso que importa. Prometo que não vou te deixar afundar, mesmo se quiser – eu tinha aprendido aquela lição do pior jeito. Era difícil dar valor a todo mundo que tentava ajudar quando tudo o que você queria fazer era mergulhar na própria tristeza. Eu disse a Wheeler exatamente o que me permitira não apenas aparecer na casa dele aquela noite, como pedir aquele beijo. – Você vai dar conta de tudo, um passo por vez – não mencionei que, em alguns dias, aquilo ia parecer impossível, porque aqueles dias sempre passavam. Limpei a garganta e fui até onde meu casaco estava, no encosto do sofá, que definitivamente não tinha sido feito para um sujeito como Wheeler. – Valeu pelo jantar. Da próxima vez, vamos tentar trabalhar o comportamento do cachorro, em vez do seu. Wheeler não disse nada, mas soltou um ruidinho estrangulado que poderia ser uma risada caso as circunstâncias fossem diferentes. Eu já estava na porta, pronta para voltar ao mundo real, quando ele me parou, chamando meu nome com suavidade. Olhei para Wheeler por cima do ombro e senti meu coração se revirar do avesso. Ver aquele homem e aquele cachorro parecendo perdidos e um pouco assustados me fazia querer tirar o casaco, deixar a bolsa de lado e passar a noite ali abraçada a eles. Mas ambos precisavam se virar sozinhos, e Wheeler precisava de um tempo para ver que não havia um jeito certo de cuidar de um cachorro ou de um filho. Ia ter que encontrar aquele que funcionava melhor para ele. Wheeler levantou a mão e passou o dedão pela curva de seu lábio inferior. Olhei com uma fascinação muda sua língua sair e percorrer o mesmo caminho, quase como se ele estivesse tentando encontrar resquícios do nosso beijo ali. O movimento fez minhas coxas tremerem, e todo o ar escapar dos meus pulmões. – Quando eu disse que não estava pronto, não quis dizer que não estava pronto pra você – meu olhar passou inadvertidamente por seu corpo e parou no volume muito óbvio na frente do jeans. Wheeler riu e balançou a cabeça para mim. Sua voz saiu profunda e rouca: – Não foi isso que eu quis dizer. Qualquer cara hétero saudável ficaria pronto para você em um segundo, se fosse apenas uma questão de sexo. Estou pronto para mais do que isso. Senti um friozinho no estômago, ou algo mais parecido a um congelamento total. Wheeler parecia tão certo, mas, diante de tudo com que estava lidando, eu não sabia como poderia estar. Me recusava a ser mais um peso amarrado à sua cintura arrastando-o para baixo nas águas escuras e enlameadas em que se enveredava. E não sabia se eu tinha algo a dar a alguém, nem a mim mesma. Na maior parte do tempo, eu me sentia oca e vazia. Sobrevivia com o mínimo. Não podia me dar ao luxo de dar o que tinha a outra pessoa, mesmo que fosse alguém que me fazia agir como uma garota que nunca havia sido derrubada, uma garota que não tinha nada a temer. – Você acabou de sair de um relacionamento longo, e o término foi bastante complicado. A última coisa de que precisa é começar algo que parece quase impossível. Fui embora e já estava chegando ao carro quando Wheeler me chamou de novo. Disse a mim mesma para seguir em frente, mas meus pés pararam por conta própria e, mais uma vez, olhei por cima do ombro. Wheeler estava à porta, com o ombro apoiado na moldura, ainda segurando o cachorro, mas com o braço erguido. Eu precisava memorizar cada detalhe daquela imagem,
porque ela comunicava muito bem que, embora minha mente talvez não estivesse pronta para o que quer que Wheeler estivesse oferecendo, meu corpo certamente estava. Meu coração estava em algum lugar entre os dois. Nunca um cabo de guerra havia sido tão complicado. – Eu vi você, Poppy. Quando não tinha direito ou motivo para olhar, eu vi você – as palavras pairaram entre nós. Parei perto do carro e o encarei. – Vi como você estava triste, como tinha medo. Vi como estava sozinha e com raiva. Vi como estava desesperada para se esconder – estremeci. Também abri a boca para responder, mas nenhuma palavra saiu. Não importava, porque Wheeler continuou falando. – Todas as coisas que você acha que tornam isso impossível, eu vi antes de você me ver, e ainda não consegui desviar o olhar – ele levantou o queixo daquele jeito que os homens durões fazem e tirou a mão da moldura da porta. – Me manda uma mensagem quando chegar em casa, pra eu saber que está tudo bem. Ligo se Happy precisar de você. Não se ele precisasse de mim, mas se o cachorro precisasse. Wheeler já tinha sumido de vista quando entrei no carro e coloquei o cinto. Eu não conseguia respirar. Não conseguia nem enxergar direito. Não estava em condições de dirigir, então fiquei sentada ali, diante da casa dele, por uns bons vinte minutos, enquanto lutava para recuperar o controle. Não tinha nada a ver com buscar aprovação ou um pedido de desculpas, porque não havia nenhum defeito escondido. Wheeler já tinha visto tudo, e me beijara mesmo assim. Porque era o que eu queria, e ele queria que eu tivesse o que quisesse. Com as mãos tremendo, dei a partida e consegui levar o carro até em casa. Até dei um jeito de mandar a mensagem de texto solicitada para que ele soubesse que eu estava bem. Wheeler retribuiu com um simples “Blz”, para o qual fiquei olhando por muito mais tempo do que gostaria de admitir. Rowdy, às vezes, me mandava mensagens para se certificar de que eu não havia caído no vazio de novo, mas nunca um homem cujos lábios tinham tocado os meus, um homem que havia me dito que me via e que estava pronto para mim havia se importado em saber como eu estava. Na verdade, em geral, era dos homens com quem eu tinha intimidade que eu precisava ser protegida. Tudo com Wheeler era novo, o que tornava a situação ainda mais confusa. Com o celular ainda na mão, liguei para minha irmã sem perceber. Ela atendeu no primeiro toque, e não fiquei surpresa que parecesse muito feliz com meu telefonema. Eu havia afastado Salem nos últimos anos, mas a cada dia me aproximava mais de preencher o buraco que os homens na minha vida haviam aberto entre nós. Naquela época, não me dei conta de que me isolar da pessoa que mais me amava era uma maneira de deixar que eles mantivessem o controle, mas eu passara a ver aquilo muito bem. Depois de retribuir seu cumprimento, soltei, sem qualquer preâmbulo ou aviso: – Pedi para Wheeler me beijar hoje à noite. Minha irmã arfou, e ouvi algo caindo. Só me dei conta de que era o celular dela um segundo depois, quando Salem gritou “Ai, meu Deus!” e o som chegou abafado, como se estivesse a quilômetros de distância. – Você beijou Wheeler, o sujeito que acabou de cancelar o casamento com uma mulher raivosa? Ela falava de maneira estridente, então tive que afastar o aparelho da orelha. – Hum… isso. Salem soltou o ar com força, e eu conseguia visualizá-la mordendo o lábio e andando em
círculos enquanto continuava a disparar perguntas. – Quando vocês começaram a sair? Há quanto tempo isso está rolando? Você está pronta para namorar? Você sabe que a ex dele está grávida, né? – ela inspirou e soltou o ar lentamente. – Você está bem? Tirei a jaqueta e a deixei cair no chão. Aquele era o tipo de noite em que eu gostaria de ser do tipo que bebe. Mas eu nunca tocava nada que pudesse me impedir de me defender ou diminuir minha inibição. Tinha feito um bom trabalho me tornando um alvo fácil a maior parte da minha vida e aprendera cedo a evitar qualquer coisa que tornasse o abate ainda mais simples. Me joguei no sofá e fiquei olhando para o teto feio de estuque. – Estou bem, ou vou ficar. Era o mantra que me fazia seguir em frente quando desistir parecia um milhão de vezes mais fácil. Ela suspirou e pareceu perder o fôlego com algo que eu não sentia em sua voz havia muito tempo: esperança. – Você queria que ele te beijasse? Rabugenta, retruquei: – Queria. É por isso que acho que estou perdendo a cabeça. Não quero nada com ninguém faz tanto tempo, e o primeiro homem por quem sinto alguma coisa está em meio a um término horrível e prestes a ser pai. Quando é que vou aprender? – Salem deu uma risadinha, o que só me irritou mais. – Não sei qual é a graça. Minha irmã parou de rir. Quando falou, sua voz estava embargada pela emoção. – Estou rindo pra não chorar – ela soltou o ar de forma pesada, e de repente eu comecei a lutar contra as lágrimas quando ela disse: – Você nunca me deixava participar quando começava a se envolver com um cara. Sempre senti que não merecia saber da sua vida porque havia ido embora, que você não queria me deixar fazer parte por causa de como te deixei na mão. Sei que isso está te deixando maluca, e sinto muito, mas, sinceramente, estou esperando por esta ligação desde que tinha dezoito anos e deixei o Texas para trás. Perdi tanta coisa, Poppy. Você não tem ideia do que significa pra mim você estar me dando isso agora. Nenhuma risada poderia esconder que ela estava chorando descontroladamente. Salem estava grávida, mas suas palavras me faziam duvidar que os hormônios fossem o único motivo por trás daquela reação. Funguei de leve e enxuguei algumas lágrimas que tinham conseguido escapar dos meus olhos bem fechados. – Ele é muito diferente dos outros homens que conheci. Salem indicou que me ouvia com um ruído. Dava para saber que estava sorrindo quando perguntou: – É mesmo? Suspirei. – Mas fico assustada, porque meu coração já se enganou antes. Ela bufou. Seu tom saiu afiado quando me disse: – Não, seu coração só estava ouvindo o que outra pessoa dizia. É a primeira vez que você pode falar por si mesma. Então é só ouvir. – Tenho medo do que meu coração pode ter a dizer. Minha voz falhou e minhas mãos tremeram. – Isso porque a mensagem é importante.
Não havia muito a dizer depois daquilo, então me despedi, prometendo reservar uma tarde para que pudéssemos nos ver. Salem tinha razão ao dizer que a mensagem era importante, mas eu não me sentia segura de estar pronta para ouvi-la.
CAPÍTULO 8
Wheeler iquei acordado com Happy a noite inteira. Não tirei os olhos dele por um segundo, uma tarefa muito mais fácil sem a tentação silenciosa e simples que era Poppy Cruz tão perto e ao mesmo tempo fora do meu alcance. Estava puto comigo mesmo por ter me distraído com seus lábios aconchegantes e seu sabor intoxicante a ponto de me esquecer do cachorro e sua propensão a mexer em tudo. Queria ser o homem que podia tomar conta de tudo, manter todas as bolas no ar sem deixar nenhuma cair: administrar um negócio, conquistar uma garota, treinar um cachorro, ser um bom pai e apoiar a ex. Mas, toda vez que tirava os olhos de uma bola, parecia que todas caíam. Era frustrante e me deixava furioso, porque não havia uma única bola que eu estivesse pronto para largar. Precisava aprender a ser um malabarista melhor… bom o bastante para trabalhar em um circo ou entreter crianças em uma festa de aniversário. Após ter passado a noite com Happy encolhido ao meu lado, movendo inconscientemente as patinhas enquanto sonhava, eu sabia que ele valia qualquer dor de cabeça que inevitavelmente causaria e cada hora de sono perdido que tornaria o dia de trabalho insuportável. Ele era tão fofo e gostoso que pela primeira vez não me importei de o outro lado da cama estar vazio. Sinceramente, não havia palavras para descrever quão aliviado eu me sentia por ele parecer não ter nenhum problema derivado da minha confusão sem necessidade na noite anterior. Eu me sentia igual em relação à mulher que tinha gosto de mel e se movia de forma tão densa quanto o sangue por minhas veias. Tudo o que eu fazia com Poppy seguia lento e com cuidado. Passos bem pensados na direção um do outro até nos encontrarmos no meio do caminho. Não havia pressa. Era deliberado e feito de modo a darmos um tiro certeiro. Eu nunca havia considerado como um beijo podia ser excitante mesmo sem colocar um dedo na outra pessoa. Fora um beijo tímido. Hesitante. Incerto… e então mudara. Se tornara exigente. Necessário. Desesperado e frenético da melhor maneira possível. Sem usar as mãos, eu precisava aproximá-la sem usar nada além da boca. Não podia bolinar a garota, então precisava provar cada partezinha a que tinha acesso. Não podia segurá-la, então tinha que a manter no lugar com a paixão e o fascínio do que estava à espreita. Quase perdi o controle quando ela segurou minha nuca. Tudo dentro de mim gritava para que eu a prensasse contra a bancada, para que colocasse as mãos em sua linda pele cor de mel, que esfregasse o membro palpitante atrás do zíper ao doce ápice de suas pernas. Mas não fiz nada disso. Mantive as mãos em mim mesmo e lhe dei o beijo que ela pedira, o qual esperava que a deixasse saber que eu estava falando sério sobre estar pronto para o que quer que nos esperasse. Poppy era a única coisa com a qual eu ainda estava conseguindo lidar… mesmo que quase não a tocasse. Mandei uma mensagem avisando que tanto o cachorro quanto eu havíamos escapado ilesos da noite e perguntando se ela queria que o deixasse em casa ou em seu trabalho. Happy ainda era pequeno demais para passar o dia na oficina comigo. Eu não queria trancá-lo no escritório e não podia permitir que corresse solto, por causa de todos os produtos químicos que sem dúvida encontraria. Poppy concordava que ele precisava crescer um pouco e estar treinado antes de poder passar os dias vagando entre a oficina e o terreno cercado em volta. Ela respondeu que
F
estava em casa, e eu parei para comprar donuts no caminho. Poppy parecia tão cansada quanto eu me sentia quando abriu a porta. Parte da sonolência passou quando ela pegou o cachorro no colo e olhou para a caixa de cores coloridas na minha outra mão. Eu a ergui para dizer: –Trouxe o café da manhã – movimentei as sobrancelhas para ela. – Sem tomate. Um sorrisinho se insinuou em sua expressão, e foi como se eu estivesse vendo a luz do sol pela primeira vez. Era lindo, e aquela mínima demonstração de felicidade, aquele raio de luz que brilhava dentro dela só reforçava o fato de que valia todo o esforço que me preocupar com ela exigiria. – Acho que você está tentando me engordar. Está sempre me mandando comer ou me trazendo comida. Eu não estava tentando engordá-la. Só queria que cuidasse de si mesma. Não tinha ideia de como era sua aparência antes que Salem e Rowdy a trouxessem a Denver para se curar, mas duvidava que pudesse se desfazer com um vento forte. Quanto menor fosse, mais fácil ficaria desaparecer, e eu não queria que aquilo acontecesse. Queria Poppy saudável e forte para que pudesse suportar o que quer que a vida colocasse em seu caminho. Queria que lutasse, não que sumisse. Ela colocou Happy no chão e pegou a caixa que lhe ofereci. Olhou para ela e depois para mim. Mordeu o lábio por dentro, nervosa, antes de perguntar baixinho: – Quer entrar para comer antes de ir trabalhar? Eu queria muito. Queria mais do que qualquer outra coisa, sem dúvida ou hesitação, porque ela estava me convidando para entrar em sua casa. Mas eu não podia. Tinha uma reunião com um cliente sobre uma das minhas recriações mais sofisticadas e não podia me dar ao luxo de dar um cano nele ou deixá-lo esperando. Era um cliente recorrente, que gostava de gastar seu dinheiro em clássicos particularmente difíceis de achar. – Não dá. Tenho que falar com um cara sobre um carro. Te dou uma ligada depois do trabalho e, se estiver a fim, posso dar uma passada pra gente começar a melhorar os modos do Happy. Ele está precisando – soltei uma risada. – Um bichinho desse tamanho não deveria roncar tão alto ou ocupar tanto espaço na cama. De novo, aquele sorriso quase imperceptível se esboçou em sua boca. – Tá. Então acho que te vejo depois. Eu ia estar morrendo de cansaço, mais parecendo um zumbi, mas suportaria se isso significava passar mais tempo com ela. Concordei e me virei para ir embora, mas Poppy me parou, fechando os dedos em meu cotovelo. Ela estava cada vez me tocando mais. Me perguntei se notava que nem hesitava mais para pôr a mão leve em mim quanto queria minha atenção. Senti o toque delicado por todo o meu corpo. Meu pau notou de imediato, e reprimi um gemido quando seus olhos se iluminaram, depois ficaram suaves e calorosos. Poppy equilibrou a caixa em uma mão e pegou um donut de chocolate com a outra. Eu tinha comprado uma dúzia, porque não fazia ideia do tipo que preferia, então achei melhor dar opções. – Leva um com você. Não pode ir para o trabalho sem uma energia extra, já que passou a noite toda acordado. Peguei o donut da mão dela, e meus olhos recaíram sobre seus dedos, que haviam ficado ligeiramente sujos de cobertura. O simples gesto de me oferecer algo porque também queria cuidar de mim significava mais do que Poppy jamais saberia.
Mantendo os olhos nos dela, dei um passo mais para perto. Devagar, muito devagar, de modo que ela teria tempo o suficiente para se recolher, baixei a cabeça até a mão que continuava estendida diante de mim. Ouvi Poppy puxar o ar com força e vi seus peitos subirem e descerem sob a blusa térmica grande demais, mas ela não me impediu e não me afastou quando, de maneira cuidadosa e determinada, passei a língua em seu dedo. A cobertura foi uma explosão de doçura na minha boca, mas sua pele de veludo me pareceu ainda melhor. Poppy soltou o ar lentamente enquanto eu passava a pontinha da língua no nó de um dedo e pela junção em V entre dois deles, mais sensível. Eu a movimentei dando um beijo bem safado naquele ponto tão inocente. Fazia tempo que não havia mais cobertura ali, mas eu queria que a imagem do que poderia fazer com ela, do que poderia fazer para ela quando estivesse pronta, ficasse em sua mente pelo resto do dia. Se eu conseguisse fazê-la arfar e arrebatá-la só brincando com seus dedos, Poppy saberia que o tipo de prazer que eu poderia fornecer quando colocasse meus dedos na melhor parte valeria o risco que abrir as portas para mim significava para ela. Quando terminei, dei um beijo leve nas costas da mão dela, em um gesto cafona. Talvez fosse ridículo e antiquado, mas a fez suspirar e me olhar como se pudesse largar a caixa de donuts e me puxar para dentro do apartamento para conseguir o que queria de mim. Por melhor que tudo aquilo fosse, eu realmente precisava trabalhar, então me insinuar e deixar que Poppy decidisse até onde estava disposta a ir comigo teria que esperar. – Tenha um bom dia. Ela me olhou em silêncio pelos segundos que se seguiram, então balançou a cabeça depressa, como se tentasse sair da névoa sensual na qual eu a havia envolvido e piscou seus olhos estonteantes para mim. – Você também, Wheeler. Eu sabia que ia ter, porque havia começado com ela. Fiquei preso no trânsito, então acabei me atrasando para a reunião, mas não houve problema. O colecionador de carros acabou comprando o Ford Fairlane 67 e fez uma oferta excelente pelo Wayfarer que não estava nem perto de ser terminado. Eu estava a caminho do escritório para tomar um balde de café quando fui interpelado por outro cliente. Estava evidente que ele não era da cidade, mas conhecia carros antigos muito bem. Ele mencionou estar visitando um amigo que tinha acabado de se mudar e que um dos rapazes do estúdio de tatuagem em que eu fazia as minhas passou meu nome, dizendo que, se ele gostava de carros, precisava passar na minha oficina. O cliente era grande e parecia um ex-presidiário, mas falava de motores e de potência tão bem quanto eu. Estava dirigindo uma porcaria qualquer alugada, mas a namorada ruiva dele não perdeu tempo em dizer que tinha ficado com o Super Bee 69 do brutamontes. Quando perguntei ao sujeito que tipo de carro ele dirigia, os dois fizeram uma careta e resmungaram alguma coisa sobre ter dado perda total em um acidente feio, mas não explicaram muito bem. Eu era esperto o bastante para não insistir. O sujeito podia ser meio assustador, mas o tempo que passei mostrando a ele os projetos que eram meu orgulho e minha alegria acabou sendo muito agradável. Não encontrava alguém tão comprometido quanto eu em trazer aquelas velhas feras de volta à vida com muita frequência. Ele pareceu ter muito em comum comigo nesse sentido, e a namorada foi muito simpática. Não falava muito, mas, quando o fazia, aquele homem enorme sorria e respondia às perguntas dela com paciência e consideração. Ficava muito evidente que o grandalhão amava duas coisas com a mesma intensidade: carros antigos e a garota ao seu lado. Ele tomava tanto cuidado com ela quanto eu com Poppy.
Depois que foram embora, voltei à minha busca por café, porque o efeito do açúcar do donut já tinha passado. No entanto, fui interrompido por outra visita inesperada. Vi o Hudson muito antes de ele ser estacionado. Fiquei parado diante de uma das portas e esperei enquanto a bela máquina reduzia até parar à minha frente. Quem quer que cuidasse daquele motor era bom… muito bom. Não se ouvia uma única batida ou um resmungo, o que era raro para um carro que ainda tinha tantas peças originais. Ergui o queixo quando o mesmo sujeito de dias atrás saiu e veio até mim. – Você voltou. Ele usava os mesmos óculos escuros estilo aviador com lente espelhada, então não consegui ver sua expressão quando balançou a cabeça afirmativamente. – Pois é. Na verdade, fiquei sabendo de um carro que pode te interessar. Cruzei os braços e estreitei os olhos. Eu não começava a trabalhar em um carro pensando no lucro. Queria investir meu tempo e meu dinheiro em carros que acreditava realmente precisarem de mim. Não queria reformar carros antigos para gente que só ia sair com eles no fim de semana. Não que achasse ser o caso do homem à minha frente. – Em geral sou eu que vou atrás dos carros para reformar. Sou bem exigente na hora de escolher. Tenho que trabalhar neles no meu tempo livre, porque o que paga as contas é a manutenção regular e os carros customizados. Só invisto tempo e dinheiro em um carro por vez. Estou trabalhando no Wayfarer há seis meses. Não importava quanto eu me esforçava, não conseguia entender por que tinha tanta certeza de conhecê-lo de algum lugar. Tinha concluído que era coisa da minha cabeça, porque era a segunda vez que o sujeito me procurava sem dar nenhum sinal de que nossos caminhos já haviam se cruzado. Eu podia ver minha expressão intrigada no reflexo dos óculos espelhados que ele nem se dava ao trabalho de tirar. – Entendo, mas é uma oportunidade que duvido que você vai deixar passar. Sei de alguém que está querendo se livrar de um Hudson 52 conversível. A carcaça e o chassi originais estão intactos, mas o motor foi desmontado e remontado com peças de anos, marcas e modelos diferentes. É uma confusão. Não tenho tempo para trabalhar nele ou uma garagem onde guardar, porque estou meio que no limbo no momento, mas pensei que talvez você se interessasse – ele levantou as sobrancelhas e abriu um sorriso sabichão cheio de dentes. – Quer dizer, um rapaz chamado Hudson deveria ter um Hudson. Parece a coisa certa. Soltei um assovio e me balancei sobre os pés. Era praticamente impossível recusar aquela oferta. – É uma bela proposta. Por que a está fazendo a uma pessoa que você nem conhece? Ele ergueu uma sobrancelha preta salpicada de branco e respondeu: – Tenho olhos e sei das coisas, garoto. Você cuida dos seus carros independente de serem clássicos ou para o dia a dia. Está fazendo um belo trabalho e, sinceramente, estou morrendo de curiosidade de ver o que faria com um 52. Conheço o vendedor muito bem, então, provavelmente conseguiria fazer com que baixasse o valor que está pedindo. Fiquei olhando para o sujeito, ainda tentando localizar de onde o conhecia, quando me ocorreu que nem sabia seu nome. Ele foi embora depois de eu dizer que tinha o mesmo nome do carro dele da primeira vez. – Não peguei seu nome outro dia. Acho que deveria saber, se está me fazendo uma proposta de negócios – inclinei um pouco a cabeça e olhei para ele com os olhos estreitados. – Você é famoso ou coisa do tipo? Não consigo evitar a sensação de que já te vi antes. Você tem uma cara
muito familiar. O homem deixou escapar uma risada enferrujada e balançou a cabeça em negativa. Então ofereceu a mão e, quando a aceitei, seu aperto foi firme e confiante. Eu não tinha certeza de que era apenas minha mente tentando me enganar, mas podia jurar que ele deu uma última apertadinha antes de soltar. – Meu nome é Zak Brady – ele esperou um segundo para ver se eu tinha qualquer reação ao nome. Quando não tive, suspirou e pareceu inquieto. – Não sou famoso, mas criei certa fama em alguns círculos em que a potência do motor impera. Não sei se alguém poderia me reconhecer fora da Califórnia, mas, se um dia for à Costa Oeste, as pessoas vão indicar minha oficina do mesmo jeito que me indicaram a sua – ele sorriu, e eu o encarei como um idiota, porque sabia que aquele rosto me era familiar. Me deixava maluco não chegar a nenhuma conclusão a respeito. – Acho que só tenho uma cara comum, então todo mundo acha que me conhece. Ele pegou a carteira do bolso de trás da calça e me entregou um cartão de visita com um monte de peças de carro prateadas em relevo. Seu nome estava estampado em preto, além de seus contatos e do endereço da oficina em Orange County. – Você pode falar comigo por esse telefone, e o site está atualizado, se quiser dar uma olhada para se certificar de que não estou enganando você. Pensa em qual é seu limite no Hudson e, se for razoável, vejo se consigo dar um jeito. Se não quiser fazer uma oferta, não tem problema. Ambos sabemos que um carro assim acha um comprador em um segundo. Eu só queria que fosse para um sujeito que vai dar valor ao que tem nas mãos, mas aprendi logo no início da carreira que não posso salvar todas as preciosidades com que me deparo. Ele desviou o rosto, e eu tinha a nítida sensação de que não estávamos mais falando de carros. Nas duas vezes em que ele apareceu na oficina, as coisas haviam ficado estranhas, e eu não soubera muito bem como lidar com isso. Então, enfiei o cartão no bolso e disse: – Vou pensar a respeito. Não posso dizer que não estou tentado, mas vou ter meu primeiro filho, então qualquer outra despesa grandiosa precisa ser cuidadosamente considerada. Te ligo em alguns dias, depois que fizer umas contas. Antes de Kallie jogar a bomba de que íamos ser pais, eu teria arrematado o Hudson sem nem pensar, mas agora eu devia fazer boas escolhas por outra pessoa que era minha responsabilidade, mesmo que ela ainda não tivesse chegado. O homem soltou um ruído como se tivesse engasgado e passou a mão na boca. – Você vai ter um filho? – as palavras saíram estranhas, e ele pigarreou alto para tentar esconder a tensão. – Parabéns. Isso é ótimo. Suas reações eram tão bizarras que decidi que era hora de encerrar a conversa. Havia uma intensidade nele que era demais para mim. – Bom, não foi exatamente planejado e as circunstâncias poderiam ser melhores, mas vou fazer o meu melhor – bufei de leve, olhando para minhas botas. – Tive um péssimo exemplo dos meus pais, então pelo menos sei o que não devo fazer – o homem soltou aquele ruído de engasgo de novo, e eu apontei por cima do ombro para a saída. – Obrigado por ter passado e por acreditar em minha habilidade de restaurar um Hudson, mas tenho que pagar as contas. São as peruas e as SUVs que mantêm as luzes acesas e garantem o salário dos funcionários. Sempre tem mais delas pra consertar – apalpei o bolso em que havia colocado seu cartão. – Ligo para dizer o que decidi em alguns dias. O sujeito pareceu sair de seu estupor, então me abriu um sorriso amistoso e familiar. – Ótimo, garoto.
Então, foi para o carro. Passei a mão no rosto e inclinei a cabeça para trás a fim de olhar para o céu de Denver. Estou cansado demais pra esse tipo de coisa. Só queria tomar uma xícara de café sossegado – o céu não teve pena de mim, mas Molly havia acabado de fazer café quando finalmente consegui chegar ao escritório. Se eu não estivesse tão envolvido com Poppy e não fosse esperto o bastante para evitar um processo por assédio sexual, poderia tê-la beijado de tão agradecido. O resto do dia se arrastou, como eu já esperava. Virava um Red Bull atrás do outro, em uma tentativa desesperada de me manter acordado, com parcos resultados. Tive vontade de chorar quando dispensei os funcionários ao fim do expediente, mas eu mesmo ainda tinha que compensar as horas perdidas pela manhã. Só queria uma cerveja e uma cama macia… bom, uma mulher ainda mais macia não faria mal, mas eu não queria pedir demais. Estava enfiado até o pescoço no motor de um Jeep Cherokee quando meu celular começou a tocar. Eu sabia que era Poppy pelo toque animado e vivaz que havia escolhido para ela. Era sempre eu quem ligava, então o fato de ela estar me ligando, ainda mais quando eu havia dito que entraria em contato depois do trabalho, pôs tudo dentro de mim em estado de alerta. – Poppy? – eu não conseguia entender o que ela dizia porque estava chorando, e sua voz saía tão aguda e alta que me parecia que só cachorros poderiam ouvir. Poppy não estava se fazendo entender, e dava para perceber que soluçava do outro lado da linha. – Poppy, preciso que você se acalme e me diga qual é o problema. Não estou conseguindo entender. Ela continuava a chorar, mas a ouvi respirando fundo e, em seguida, ela conseguiu dizer, mesmo que com a voz falhando: – Deixei a coleira escapar quando saí para passear com o cachorro. Ele fugiu! Vai ser atropelado por um carro ou atacado por um cachorro maior! Não consigo encontrar o Happy em lugar nenhum! Ela voltou a soluçar, e eu a visualizei desmoronando no meio da calçada, sem ninguém para ajudá-la a se controlar. Limpei as mãos sujas nas pernas do macacão e comecei a fechar a oficina antes mesmo de me dar conta do que estava fazendo. Aquilo em geral levava uma hora, mas nem me dei ao trabalho de varrer o chão ou de apagar as luzes. Me certifiquei de que todas as máquinas estavam desligadas e de que não havia nada que pudesse iniciar um incêndio capaz de destruir o lugar, então corri para o carro. – Me dá vinte minutos que eu já chego – mantive a voz calma, mas por dentro estava tão assustado quanto Poppy. Happy podia ser um pit bull, mas ainda era um filhote e não tinha ideia de como se virar no mundo real. Ele era tão pequeno que eu nem queria começar a pensar em todas as coisas ruins que poderiam acontecer se não conseguíssemos encontrá-lo. – É tarde demais. Estraguei tudo. Ela parecia com o coração estilhaçado. Não, não era bem aquilo... Ela parecia estilhaçada. Aquilo fazia tudo dentro de mim se contorcer e meu coração bater duas vezes mais rápido, de medo e preocupação. Quase derrubei a chave enquanto tentava entrar no Eldorado. Xinguei alto, o que só a fez chorar ainda mais. – Poppy, onde você está? Ela demorou tanto para responder que considerei fortemente encerrar o telefonema e ligar para o serviço de emergência. Ela parecia estar precisando de ajuda, e eu ainda estava longe demais para que pudesse contar comigo. Estava morrendo de medo do que ia encontrar quando
finalmente chegasse. – Poppy? Chamei seu nome com mais força, o que pareceu funcionar. Ela fungou do outro lado e me disse que estava percorrendo as redondezas do apartamento de um lado ao outro. Naquele exato momento, estava olhando os arbustos decorativos que se alinhavam nas calçadas diante dos imóveis vitorianos reformados daquela parte de Capitol Hill. Poppy disse que também estava verificando debaixo dos carros e nas vielas por entre as construções, de modo que precisei pedir que tomasse cuidado. Me preocupava que estivesse perambulando pela rua em tal estado de histeria. Ela estava tão em risco quanto o cachorro. Encontrei um lugar na rua onde estacionar o carro e comecei a ir de um lado para o outro, chamando tanto o cachorro quanto Poppy. Quando a encontrei, já estava sem ar. Ela estava do outro lado da rua, parecendo perdida. Continuava com as roupas leves com que a vira pela manhã, sem casaco e de chinelos. Era óbvio que não havia planejado passar tanto tempo fora. O que quer que a tivesse distraído de modo a soltar a coleira devia ser bem sério. Eu esperava com todas as forças que não fosse algo tão simples quanto alguém passando por ela na calçada, porque, se fosse, significava que o caminho para se recuperar do trauma ainda era muito mais longo do que eu havia antecipado. Eu me apressei em atravessar a rua e a abracei quando Poppy se jogou contra meu peito. Ela enfiou a cabeça debaixo do meu queixo, bem onde a camiseta aparecia em meio ao macacão aberto, e o tecido ficou imediatamente molhado com suas lágrimas. Passei a mão na cabeça dela enquanto sua estrutura diminuta estremecia incontrolavelmente contra a minha, então disse em seu ouvido que ia ficar tudo bem. Eu precisava deixá-la em algum lugar seguro antes de ir atrás do cachorro. – Vamos entrar para que você possa se esquentar. Vou procurar por Happy até amanhã se for o caso. Ele é pequeno, não pode ter ido muito longe. Poppy balançava a cabeça, o corpo inteiro tremendo com os soluços que irrompiam de seu peito. – Não consigo acreditar que o soltei. Deixo tudo o que amo escapar. Eu não sabia muito bem o que Poppy queria dizer com aquilo, mas não me parecia que ela estava com a cabeça boa para conversar a respeito. – Você está congelada. Tem que ir para casa. Poppy levantou a cabeça de onde estava enterrada e ficou piscando para mim. – Tenho que encontrar Happy. – E vai, mas não tem como ajudar o cachorro se estiver congelada. Ficamos nos encarando por muito tempo até eu me dar conta de que Poppy não ia se mexer. Ela estava paralisada, perdida em sua dor, encurralada pelo que quer que tivesse iniciado aquela confusão. Eu não estava de casaco, porque não havia me trocado antes de sair da oficina, então decidi que o melhor jeito de esquentá-la e movê-la era pegá-la no colo e embalá-la como se fosse um bebê. Sabia que Poppy reclamaria caso não estivesse em meio a um colapso nervoso, já que não haveria parte dela que eu não estaria tocando. Mas, como estava entorpecida e quase catatônica, peguei suas pernas finas nos braços e a levei até o apartamento tal qual uma noiva na noite de núpcias. Poppy era tão leve que eu quase não tive dificuldade em fazer aquilo. Jurei que ia levar donuts para ela todas as manhãs da minha vida se aquilo lhe desse a substância de que claramente precisava. Quando virei a esquina do prédio dela, quase a derrubei ao ver um pequeno borrão peludo um
pouco à frente. Não havia como confundir os pelos manchados ou os movimentos alegres. Mesmo sendo apenas um filhote, Happy sabia onde ficava sua casa. Ele havia encontrado o caminho de volta para o amor e o abrigo. Era um cachorro esperto. Coloquei Poppy no chão diante da porta da frente e disse a ela que já voltava. Odiava deixá-la naquele estado, mas suspeitava que o melhor jeito de fazê-la melhorar era colocar o cachorro em seus braços, inteiro e com saúde. Happy achou que era algum tipo de jogo. Toda vez que eu me aproximava o bastante para pegá-lo, ele avançava na direção oposta. Latia e latia, se divertindo como nunca. Por fim, percebi que, se agachasse e ficasse parado, aquele pateta iria até mim, esperando que acariciasse sua cabeça ou sua barriga. Quando o peguei, mal pude acreditar na onda de alívio que me percorreu. Precisei de um segundo para me recompor, porque não queria que Poppy visse quanto tudo aquilo me perturbara. Ela já estava um caos, e eu não queria lhe causar mais problemas. Quando voltei para a porta, Poppy, como previsto, ficou maluca ao ver o cachorrinho seguro no meu colo. Ela recomeçou a chorar, aparentemente sem nem conseguir falar. Entreguei Happy de bom grado e dispensei os agradecimentos que ela balbuciava sem parar. Senti um aperto no coração quando ele enterrou a cabeça no peito de Poppy do mesmo jeito que ela havia enterrado sua cabeça no meu. Esgotado, decidi que era melhor encerrar o dia. Eu precisava de algumas horas de olhos fechados e precisava saber que tanto meu cachorro quanto minha garota iam ficar bem. O único jeito de garantir aquilo era ficando os três na mesma cama. Não sabia se Poppy estava pronta para tal, mas eu me sentia cansado demais para perguntar. Peguei-a no colo mais uma vez, enquanto ela ainda segurava Happy, que estava radiante por ter voltado aos seus braços, então avancei pelo corredor até o quarto sem ajuda ou protesto de ninguém. Coloquei Poppy na cama, tirei seus chinelos e descalcei minhas botas. Não queria deitar com o macacão sujo, mas me faltava a força mental para lidar com outro colapso quando ela se desse conta de que estava na cama com um homem seminu. Eu a puxei para perto, de modo que suas costas ficassem contra meu peito. Descansei o braço em sua cintura fina enquanto ela continuava aconchegada em mim e abraçando o cachorro. Meus olhos se fecharam quando senti que ela jogou o corpo contra o meu. Segurei-a mais forte e inalei o perfume floral que seu cabelo emanava. Tinha sido um longo dia, mas eu passaria por tudo de novo centenas de vezes sem nem reclamar se soubesse que ia terminar daquele jeito.
CAPÍTULO 9
oppy a maioria das noites, eu acordava tremendo e morrendo de frio. Não conseguia me lembrar da última vez que havia acordado aquecida e me sentindo segura, sem mencionar descansada e revigorada. Pisquei e esperei que meus olhos se ajustassem à escuridão profunda que cobria tudo no meu quarto. Happy estava diante do meu rosto, com as patas no meu travesseiro e balançando o rabinho. Franzi o nariz quando ele botou a linguinha para fora para lambê-lo, me despertando por completo. Eu não tinha nenhuma lembrança de me deitar e decididamente não me recordava de ter pego no sono com o peso de um braço muito tatuado preso com firmeza na minha cintura. Esperei pelo pânico. Antecipei o terror e a ansiedade que normalmente viriam me estrangular quando percebesse que não estava sozinha, que havia um homem atrás de mim, respirando de forma profunda e regular. Esperei que meus pelos se arrepiassem, que meus olhos lacrimejassem, que meu coração parasse de bater. Previ um medo paralisante, a sensação de impotência… mas nada daquilo veio. Ainda estava abalada e instável por causa da ligação inesperada que me fizera soltar a coleira de Happy, mas as coisas horríveis e desagradáveis que achei que sentiria quando me visse na cama com alguém de novo não se manifestaram, e eu tinha bastante certeza de que era por causa do homem a quem eu estava aninhada. Eu não sabia se podia confiar no meu próprio julgamento, mas, quando baixei meus escudos e com minha mente envolta em lembranças e erros do passado, tudo dentro de mim decidiu que eu podia confiar em Hudson Wheeler. As barricadas desmoronaram no instante em que ele apareceu para cuidar de mim. Fiquei louca para que ele me segurasse e me confortasse quando o passado surgira com seus dentes rangendo e seu aperto inescapável. Não escondi a dor dele… Convidei-o a participar dela de braços abertos e deixei que carregasse parte de seu peso. Eu havia passado cada segundo desde que Oliver puxara o gatilho me certificando de que ninguém chegaria perto o bastante para me machucar física ou emocionalmente. Estava determinada a me tornar inquebrável e estável. Queria ser forte e firme, como Salem era. Queria ser intocável e inatingível, como Sayer era. Mas eu não era. Ainda era mole demais, frágil demais. Minha armadura era feita de penas e penugem, e bastou aquela voz do outro lado do telefone para perfurá-la. Se Wheeler não tivesse aparecido, eu ainda estaria perambulando pelas ruas e gritando o nome de Happy, e ele estava certo: não teria utilidade para ninguém se eu nem conseguia pensar direito. Aquela ligação havia me levado de volta para um lugar onde eu nunca mais queria estar. Em vez de recebê-la com a cabeça erguida e confrontar meu medo, eu me deixei sobrecarregar e machucar… como sempre havia sido. O medo me era algo familiar, que com grande facilidade ofuscava todas as outras coisas que eu me permitira sentir depois do sequestro e do ataque. Happy começou a rosnar de brincadeira e pular na minha frente, batendo a patinha no meu cabelo e a cabeça fofa no meu queixo. Eu não tinha ideia de quanto tempo fazia que estávamos na cama, mas devia ser o bastante para que o cachorro precisasse ser levado lá fora de novo. Ele
N
estava louco para brincar, mas já tinha mais do que passado da hora de dormir. Eu não queria acordar Wheeler, mas ele me segurava com firmeza diante de seu corpo. Dava para sentir seu peito subindo e descendo de maneira regular atrás de mim. A barra de ferro que era o braço dele repousando na parte central do meu corpo não dava sinais de que ia ceder. Meu corpo estava sobre uma das mangas do macacão, com o fecho cravando na minha pele, o que, agora que eu tinha despertado, era bastante desconfortável. Movimentei o quadril e as pernas, enquanto o calor que havia sentido ao acordar se espalhava para outra parte da minha anatomia, muito mais íntima. Tinha certeza de que o rubor no meu rosto era visível mesmo na escuridão completa, e o silêncio que nos cercava tornava o som do ar entrando e saindo agitado por meus lábios entreabertos obscenamente alto. Wheeler fez um barulho atrás de mim. Sua pegada na minha cintura se apertou e se afrouxou em seguida. Minha intenção era rolar para longe e sair com Happy antes que ele fizesse mais barulho. No entanto, antes que eu conseguisse, as mãos tatuadas de Wheeler tiraram o cachorrinho, que estava perseguindo sombras nos lençóis, do travesseiro. – Vou levar Happy um pouco lá fora e depois deixar na cozinha. Volta a dormir – sua voz saiu rouca e grogue, sem deixar espaço para discussão. Tive que sentar e virar um pouco para liberar a parte do macacão sobre a qual estava deitada. Ele grunhiu de leve quando se viu livre para levantar. – Desculpa por ter deitado com a roupa do trabalho. Me diz se estraguei alguma coisa que eu dou um jeito. Ele coçou a parte de trás das orelhas de Happy e o colocou no chão para poder calçar as botas. Fiquei olhando para suas costas, notando o modo como sua camiseta simples se esticava por cima dos ombros largos. Puxei os joelhos, envolvi-os com os braços e descansei a bochecha no osso enquanto continuava a observá-lo. Quando Wheeler levantou os braços acima da cabeça para alongar aqueles membros longos e esguios, não consegui conter um suspiro. Ele virou a cabeça para me olhar por cima do ombro. – Não me importo se acabar com meus lençóis – eu disse, com sinceridade. – Você apareceu para me salvar de uma situação muito pior do que algumas manchas de graxa. Se pode arrumar minha bagunça, não tenho problema nenhum em arrumar a sua. Wheeler virou para mim com as mãos na cintura. Notei que o colarinho da camiseta estava rasgado, mostrando um pouco da clavícula e revelando o que parecia ser uma cadeia de montanhas e algum tipo de animal tatuado no meio do peito. Eu tinha a impressão de que poderia ver sua pele mil vezes e sempre encontrar algo novo nela. – Todo mundo se perde um pouco de vez em quando. Vou te ajudar a voltar para onde você deveria estar, Poppy – ele sorriu e, mesmo no escuro, consegui ver as covinhas se insinuarem em suas bochechas. Eu me retraí debaixo das cobertas, com a respiração acelerada e o corpo formigando de uma maneira que era impossível ignorar. – É isso o que eu faço. Devolvo as coisas a seu devido lugar. Deixo tudo como estava antes que alguém criasse problemas. Franzi o nariz e apertei os olhos quando ele acendeu o abajur da mesinha de cabeceira. – Não sou um carro, Wheeler. Você não vai encontrar peças de reposição para o que não funciona mais dentro de mim. Ele se curvou, apoiou as mãos em punho na cama e se inclinou de modo que seus lábios tocassem de leve o topo da minha cabeça. Senti o beijo por todo o meu corpo. Seu cuidado atingira lugares dentro de mim que ninguém nunca havia tocado, lugares que se iluminavam e explodiam como fogos de artifício todas as vezes que Wheeler fazia algo legal. Lugares que cresciam e se expandiam, afastando outras áreas no meu interior mais escuras e cheias de
cicatrizes. – Nada em você precisa ser substituído. O que você tem funciona muito bem, só precisa de um ajuste e da manutenção apropriada – seu tom indicava que ele estava mais do que interessado em aceitar o trabalho de me colocar de volta no prumo. Eu deveria dizer que nunca tinha sido uma preciosidade. – Vou sair com o cachorro e depois arrumar as coisas para que ele durma na cozinha. Então, vou te deixar sossegada para que possa voltar a dormir. Wheeler se dirigiu para a porta, com o cachorro mordiscando alegremente os calcanhares de suas botas. Eu o chamei e o esperei se virar para mim antes de perguntar: – Não quer saber o que foi que me fez soltar a coleira? Não está se perguntando por que eu estava naquele estado lamentável quando me encontrou? Sinceramente, eu não sabia o que fazer com o fato de Wheeler não estar me culpando, interrogando, acusando. Não houve nenhuma censura ou condenação da parte dele, e eu não entendia o que devia fazer com aquilo. Tinha lugares-comuns e desculpas na ponta da língua, mas Wheeler não pedia por nada daquilo. – Não. Não me importo com o que aconteceu, só me importo que tenha acontecido. Detesto que algo possa ter assustado você a esse ponto e detesto que você sinta que deve uma explicação a quem quer que seja por ter se sentido como se sentiu. Escapamos todos sãos e salvos, então, independentemente do que tiver acontecido, foi superado, e acho que devemos focar nisso. Ele sempre tornava tudo tão simples. Sua aceitação e confiança me envolviam como um cobertor de veludo. Fechei os olhos e esfreguei a bochecha contra o joelho. – Minha mãe ligou. Eu não falava com ela ou com meu pai desde que Oliver me levou. De vez em quando ela manda um e-mail para confirmar que estou viva e dizer que Salem e Rowdy não podem viver no pecado. Mas fazia meses que não a ouvia. Deixei um suspiro trêmulo escapar. Quando voltei a abrir os olhos, vi que Wheeler parecia enfurecido. Ele compreendia que meu espaço seguro tinha sido invadido, que qualquer tênue controle que eu tivesse sobre uma sensação de segurança havia sido arrancado por aquela voz com sotaque texano e suas acusações veladas. – Apaguei todos os meus perfis nas redes sociais depois que Oliver me sequestrou. Não conseguia lidar com desconhecidos fuçando minha vida. Mas Salem deve ter mantido os dela, porque minha mãe sabe que está grávida. Foi por isso que ligou – deixei uma risada afiada escapar. – Ela estava chorando. Dá pra acreditar? – eu não esperava uma resposta dele, então segui em frente. – Estava chorando. Soluçando porque não sabia que ia ser avó, porque Salem não fala com ela desde os dezoito anos a não ser quando a mandou ficar longe de mim – suspirei e abracei as pernas dobradas com mais força, balançando de leve o corpo para a frente e para trás. – Ela me ligou porque sabia que eu atenderia. Me ligou porque sabia que eu a ouviria – algumas lágrimas rolaram quando fechei os olhos, e enfiei as unhas na pele. – Ela me ligou porque sabe que compreendo como é estar presa a um casamento que pode muito bem levar à sua morte. Engasguei de leve com a emoção que estava entalada na minha garganta, então precisei de um minuto para terminar de contar tudo o que estava tumultuando minha cabeça e punindo meu coração. – Minha mãe me disse que sente minha falta. Está sozinha naquela casa com meu pai, sofrendo com as fofocas por causa do que aconteceu comigo e com Oliver. E quer saber? Fiquei com dó dela – como a idiota que eu era. Meu coração tolo perdia tempo se importando com as
pessoas erradas. – Fico preocupada que seja o único alvo da raiva do meu pai, que tenha que suportar sozinha a culpa pelo fracasso das filhas. É o bastante para acabar com alguém – suspirei de novo. – Em meio a tudo isso, fiquei entorpecida e larguei a coleira. Estava tão ocupada me sentindo mal por machucar alguém que já havia me machucado que soltei a única coisa na minha vida que precisa do meu amor e da minha atenção constante. Me deixei envolver com o passado e esqueci o presente. É um lugar perigoso para qualquer pessoa. Eu podia me perder na escuridão e ficar sem tudo o que havia conquistado. Wheeler se manteve à porta, mas a intensidade que seus olhos azul-claros emanavam era forte o bastante para que eu sentisse que ele estava me encarando do outro lado do cômodo. Sua voz vibrou com uma emoção que não consegui identificar quando ele disse: – Como falei, é fácil se sentir um pouco perdida. Mas você não precisou de muito tempo pra voltar para onde deveria estar. Se dê uma folga. Eu contei o que aconteceu comigo quando era pequeno – Wheeler havia sido deixado, abandonado de forma insensível, como se fosse uma mala perdida, quando era pequeno demais para compreender o que estava acontecendo. Me machucava pensar naquilo, tanto quanto em minha mãe sozinha sob o domínio de meu pai. – Todos precisamos de alguma coisa pra nos resguardar do frio. Wheeler teria morrido se não tivessem tomado conta dele, e eu provavelmente estaria em uma situação parecida se as pessoas que haviam mantido a porta de lugares quentes e seguros aberta para mim tivessem optado por me deixar no frio quando eu estava pronta para congelar. Ele saiu. Enquanto o observava se afastar, me dei conta de que ele trabalhara o dia todo, tendo dormido muito pouco na noite anterior, e largara tudo para me encontrar no instante em que eu ligara. Wheeler me botara para dentro e se deitara comigo. Tudo aquilo era um pouco nebuloso e muito confuso, de modo que provavelmente não lhe restara nenhum tempo para comer. Ele estava sempre me alimentando, se certificando de que eu possuía combustível para seguir em frente, então concluí que o mínimo que eu podia fazer era retribuir o favor. Saí da cama, reservei alguns segundos para arrumar o cabelo em uma espécie de coque alto e passei no banheiro para jogar uma água no rosto para parecer um pouco menos descompensada. Eu não era uma boa cozinheira, e, como meu apetite era no máximo incerto, não mantinha muita coisa na despensa. Tinha o básico, então decidi que a comida do café da manhã ia ter que servir de jantar. De acordo com o relógio do micro-ondas, era quase meia-noite, mas, pelo modo como começou a roncar, minha barriga não se importava. Eu estava mexendo os ovos e pulando diante do fogão para evitar a gordura do bacon que fritava quando Wheeler voltou. Ele parou por um segundo e me encarou enquanto eu me movia pela cozinha como se me ver fazendo algo tão normal quanto cozinhar fosse algum tipo de maravilha da modernidade. – Imaginei que não tivesse conseguido jantar – gesticulei para a bagunça na qual me encontrava, como se não precisasse dar mais explicações. – Você sempre me alimenta. Agora é minha vez. Wheeler piscou. Suas pálpebras pareciam pesar, conferindo um visual perigoso a seus olhos claros. – Você não precisava ter feito isso. Dei de ombros e dividi a comida quente em dois pratos. – Não precisava, mas queria. Wheeler produziu um ruído baixo na garganta quando pegou um prato e se sentou do outro lado da bancada. Comemos em um silêncio companheiro e nem me dei ao trabalho de discutir
quando ele se ofereceu para lavar a louça assim que terminamos. Me demorei arrumando as coisas para Happy dormir na cozinha enquanto Wheeler instalava o portãozinho para que o filhote não pudesse passar. Me dei conta de que estava enrolando porque não queria que ele fosse embora. A ligação da minha mãe havia despertado uma série de lembranças ruins e velhos fantasmas. Eu sabia que, assim que estivesse sozinha com eles, iam fazer mais do que apenas me assombrar. Quando acordei com o corpo de Wheeler atrás de mim, me segurando tão firme que não havia espaço para que nada se interpusesse entre nossas peles, me senti protegida. Era como se todos os objetos pontiagudos e afiados que cutucavam meus pontos vulneráveis tivessem que passar por ele primeiro antes de me atingir. Wheeler não deixaria que me tirassem sangue. Eu queria ser o tipo de mulher que podia enfrentar todas as coisas no escuro que a assustavam, e sozinha, mas não era. Ou pelo menos ainda não, mas podia chegar lá lentamente. Wheeler estava secando as mãos no pano de prato e observando Happy dar voltinhas na própria cama. Havia um sorriso em seu rosto, e aquelas covinhas perigosas haviam voltado. Eu estava prestes a dizer algo de que ia me arrepender de imediato. Uma coisa era se deitar comigo enquanto eu estava praticamente catatônica e alheia ao meu entorno. Era bem diferente pedir que voltasse para lá comigo quando estava bem desperta e no controle das minhas ações. – Está tarde. Você pode passar a noite aqui, se quiser. Ele virou a cabeça para mim tão rápido que tenho certeza de que deve ter doído. Suas sobrancelhas escuras se ergueram e suas mãos agarraram a beirada da pia. – Obrigado, mas não acho que seja uma boa ideia. Fiquei surpresa com a decepção que se seguiu àquela resposta. Enfiando os dentes no lábio inferior, fui petulante o bastante para perguntar: – Por que não? As sobrancelhas dele se levantaram ainda mais, o que parecia impossível, e suas covinhas ficaram mais profundas quando seu leve sorriso evoluiu para algo completo e descarado. Meu Deus, como ele era bonito. – Porque ainda estou com a roupa que usei o dia todo no trabalho. Estou coberto de graxa e fuligem. Estava exausto quando cheguei, mal conseguia ficar de pé. Mas não vou deitar na sua cama e te deixar toda suja e nojenta também. Olhei para Wheeler sem conseguir identificar nada que me parecesse sujo ou nojento. – Toma um banho e fica – eu odiava parecer desesperada e carente, mas estava sendo honesta em relação a meus sentimentos. Eles pareciam mais fortes que o medo que sempre espreitava por trás. – Por favor, Wheeler. Fica. Eu podia ver em seus olhos que ele estava tentado a ficar. Depois de um minuto de silêncio, Wheeler cedeu. Balançou a cabeça e voltou o olhar para o teto. – Tudo bem, vou ficar. Mas, se parecer demais para você, posso ir para o sofá – ele levantou a manga solta do macacão e a deixou cair em seguida. – Mas preciso tirar isso, Poppy. Tem certeza de que é o que quer? Senti meus olhos se arregalarem e meu coração palpitar diante da imagem involuntária dele esticado na cama sem nada além das tatuagens e de um sorriso. Engoli em seco e assenti. – Vai ficar tudo bem. Estou cansada e foi um dia difícil. Provavelmente já vou estar dormindo quando sair do banheiro. Mentira. Tudo mentira. Eu nunca havia me sentido tão desperta e energizada na vida.
Ele tinha consciência daquilo. Dava para saber pelo sorriso no rosto e pelo modo como seus ombros sacudiram em uma risada silenciosa. – Tá. Vou ser rápido então. Arfei e fui praticamente correndo até o quarto. Não tinha ideia do que eu estava achando que ia fazer lá, mas sentia que precisava me preparar para uma ocasião importante. Arrumei a cama, então notei que de fato havia algumas manchas pretas no tecido verde-claro, mas não estava nem aí. Gostava de ver as manchas ali. Era como se Wheeler tivesse deixado uma marca, um sinal de que era o primeiro homem que por vontade própria eu havia deixado se deitar na minha cama, um lembrete de que era o único ao lado do qual eu levantara sem medo. Recolhi algumas peças de roupa que estavam jogadas pelo quarto, tirei alguns brinquedos de Happy do caminho e deixei o lugar tão apresentável quanto possível, já que Wheeler não estava mais morrendo de cansaço e notaria que eu tendia a ser meio desleixada quando deixada sozinha. Quando não havia nada mais a fazer, procurei na bolsa por qualquer coisa que me desse um hálito de hortelã. Não queria que Wheeler sentisse meu hálito cheirando a bacon e ovos. Não queria assumir que ficaríamos próximos o bastante para tal, mas era melhor garantir. Depois, não me restou alternativa a não ser subir na cama, deitar debaixo das cobertas e esperar. Eu podia ouvir meu coração batendo entre as orelhas e não conseguia manter os membros imóveis. Meus braços entraram e saíram da proteção do edredom uma centena de vezes, enquanto minhas pernas se agitavam e chutavam como se eu tentasse nadar até a borda de uma piscina. Eu queria apagar as luzes, me esconder e fingir que não era minha culpa se aquilo estava acontecendo, mas então ficaria no escuro, sozinha com meus fantasmas e demônios, o exato motivo pelo qual eu havia pedido a Wheeler que ficasse. Ele mantinha os monstros longe. Eu me xinguei mentalmente de tudo quanto era nome e disse a mim mesma para crescer e agir como uma adulta. Eu havia sido casada, pelo amor de Deus, tinha engravidado. Com certeza podia dividir a cama por uma noite com um homem que achava atraente sem surtar. A teoria se transformou em fumaça quando, de repente, o outro lado do colchão afundou, quando o cheiro do meu xampu e de homem recém-banhado inundou todos os meus sentidos. Virei a cabeça bem quando Wheeler estava se esticando para apagar o abajur na mesinha de cabeceira e não consegui controlar um suspiro diante da visão de toda aquela pele tensa e tatuada que se erguia diante dos meus olhos. Wheeler não havia tirado apenas o macacão; a camiseta também tinha sumido, deixando-o com nada além de uma cueca boxer amarela. Nada do preto ou do branco monótono para Hudson Wheeler. Ele era colorido dos pés à cabeça. Até o tom avermelhado de seu cabelo ainda molhado parecia mais forte e vibrante contra a fronha branca. Olhar já era o bastante para uma sobrecarga sensorial. Quando ele me perguntou se eu estava bem, tudo o que consegui fazer foi balançar a cabeça afirmativamente. Wheeler se esticou outra vez, de novo para apagar o abajur, quando um “deixa” saiu dos meus lábios antes que eu conseguisse pensar em por que queria a luz acessa. A tatuagem no peito dele era de uma cordilheira; eu podia apostar que eram as Montanhas Rochosas. Quem havia nascido e crescido no Colorado parecia muitíssimo orgulhoso disso. No centro daqueles picos muito detalhados e intrincados que lembravam os pintados nas portas da oficina ficava a enorme cabeça de um lobo, rosnando raivoso. Com orelhas levantadas, dentes à mostra e tinta vermelha representando o sangue pingando de forma artística e significativa por todo o peito. Wheeler também tinha “Cadillac” escrito na barriga, acompanhado do logo famoso da marca de carros. Na lateral do corpo mais próxima de mim, havia uma tatuagem que dava a impressão de que toda a sua pele havia sido descascada e rasgada, revelando uma complexa rede
de engrenagens e fios. A ideia era fazer parecer que seu interior era mecânico, como se fosse parte máquina, e parecia mesmo. Notei que um braço inteiro, até a ponta dos dedos, seguia o design biomecânico. Despontando de ambos os lados da cintura da cueca, havia imagens pesadas em preto que não pareciam ter qualquer sentido ou ressonância. Elas combinavam perfeitamente entre si, subindo pelo abdome muito definido como se fossem um mapa para a terra prometida. Não havia uma única parte dele sem algum tipo de desenho ou marca. Era lindo, e minhas mãos se aproximaram antes de eu parar e considerar que Wheeler estava quase pelado, na minha cama, a meu convite, e que tocá-lo em tais circunstâncias poderia indicar algo além do que pura fascinação. Quando meus dedos passaram pelo lobo, o corpo todo de Wheeler se movimentou e aninhouse firmemente junto ao meu. Tracei o caminho do sangue pingando até o esterno, parando apenas quando ele se transformou na pétala de uma rosa bastante realista que ficava abaixo de um crânio assustador. Vi quando seu corpo se moveu, acompanhei o tecido da cueca se esticar, mas não conseguia parar de tocá-lo. Queria memorizar tudo e aprender a história por trás de cada gota de tinta. – Por que um lobo? Os olhos do animal pareciam me mirar, raivosos e hostis. Não se tratava de um bichinho de estimação. O espírito animal de Wheeler era selvagem e feroz. Seus dedos circularam meu pulso. Pressionei a mão espalmada contra sua barriga. Wheeler a segurou ali, imóvel, mesmo depois de eu ter movimentado os dedos evidenciando que não havia acabado de tocá-lo. – É um lobo solitário. Capaz de fazer o necessário para sobreviver até encontrar uma matilha que o aceite. As palavras serpentearam em torno do meu coração. Solidão e tristeza ressoavam a cada sílaba. Eu o observei cuidadosamente, sem lutar contra, quando Wheeler aproveitou a mão em meu pulso para me puxar para ele, de modo que eu ficasse sobre seu colo escassamente coberto, enquanto ele apoiava as costas contra a cabeceira da cama. Fazia uma eternidade que eu não tinha algo duro pulsando entre minhas pernas. Eu estava certa de que nunca tivera nada ali tão impressionante e quente quanto o que Wheeler me oferecia. Coloquei as duas mãos no lobo e enfrentei a expressão contida de seus olhos azuis. – Os lobos têm um único parceiro na vida. – Eu sei. Estremeci contra seu corpo quando sua mão áspera deslizou para baixo do tecido solto da blusa que eu tinha usado o dia todo. Estava distante de uma camisolinha sexy, mas, se a ereção contra a qual eu começava a me esfregar lentamente fosse alguma indicação, minha roupa não importava: qualquer uma funcionava para o homem debaixo de mim. A respiração dele acelerou quando comecei um movimento lento para a frente e para trás contra o membro rígido que estava bem na minha abertura. Minha calça de algodão fino fazia pouco para manter o calor que estávamos gerando escondido, e eu podia sentir a excitação, tanto minha quando dele, começando a deixar o tecido entre nós molhado. Apoiei a mão na lateral de seu pescoço, segurando o pássaro que vivia ali, e me inclinei de modo a tocar seus lábios de leve com os meus. O tempo todo eu sabia que era o tipo de distração de que eu precisava para manter as coisas horríveis que queriam me destruir bem distantes. Sob a luz, com aquele homem de pele colorida e olhos bondosos, eu estava a milhões de quilômetros
do que quer que pudesse me machucar. Eu estava perdida, girando em círculos, mas Wheeler estaria esperando por mim onde quer que eu parasse para me colocar no caminho certo. O caminho que envolvia suas mãos pegando meus seios com delicadeza, seus lábios soltando um ruído gutural ao descobrir que eu não usava sutiã e que os mamilos estavam duros em antecipação ao toque. Reprimi um suspiro quando suas mãos ásperas tocaram minha pele macia. Meus mamilos endureceram tanto que só pararam de doer quando Wheeler os tocou. As pontas dos dedos dele rastejaram pela pele sensível, e apertar os lábios já não era o bastante. Sua boca foi até a minha, voraz, dura, pesada. Lábios se esfregaram, dentes rangeram, gemidos se misturaram. Wheeler levou uma mão ao meu quadril, enfiou-a por baixo do elástico da calça e mergulhou na pele macia que havia ali. Meu corpo não demorou para seguir sua indicação sutil e logo estava se movendo com vontade contra seu pau pulsante. Camadas de roupas nos separavam, mas eu podia senti-lo se contorcer e pulsar para mim. Me movi, querendo mais, precisando que o contato atingisse o ponto com o qual meus amantes anteriores nunca pareceram se importar. Arfei em sua boca, úmida do contato com meus lábios vorazes, e descansei a testa contra a dele enquanto continuava a me mexer, procurando desesperadamente, buscando com urgência. Gritei quando seus dedos circularam meu mamilo e exerceram pressão. Meu mamilo implorava. O beliscão fez eu me sacudir em cima dele e me mover ainda mais freneticamente. Minhas mãos passeavam por seu corpo e suplicavam que fizesse alguma coisa, qualquer coisa, para me ajudar a chegar aonde estava me levando. Wheeler enfiou os dedos no meu quadril e ouvi sua voz raspando contra meus lábios entreabertos ao dizer meu nome. Quando não parei com a esfregação febril e descoordenada, ele me beijou mais forte e beliscou meu mamilo sedento com tanta força que me afastei e soltei um gritinho. – Sei do que você precisa, doçura, mas pra isso você tem que me deixar pôr as mãos em você. Tem que se lembrar de que estou aqui também. Ele afundou os dedos no meu quadril de novo. Ainda em cima dele, comecei a parar o movimento. Pisquei para Wheeler devagar, tentando lembrar como tinha ido parar ali, usando-o como se fosse um brinquedinho sexual operado a bateria. Queria tanto esquecer todas as coisas ruins que me esqueci de focar nas coisas boas que estavam bem à minha frente. – Não sei o que estou fazendo. Minha voz saiu baixa e fragmentada. Wheeler me encarou com os olhos estreitos e se inclinou para a frente de modo a dar uma mordidinha em meus lábios inchados. – Você sabe muito bem o que está fazendo: está se satisfazendo, porque nunca esteve com alguém que se preocupasse em fazer isso por você – os olhos dele me perfuraram e suas palavras tiraram meu mundo da órbita que sempre seguira. – Não sou um deles. Quando estivermos juntos, vou fazer com que se sinta bem – as covinhas reapareceram. – Muito bem. Mas tem que confiar em mim. Ficamos olhando um para o outro, as mãos dele em mim, minhas mãos nele. Devagar, concordei. Eu confiava em Wheeler… era de mim mesma que ainda tinha dúvidas. – Pode usar as mãos. As covinhas se aprofundaram ainda mais conforme um sorriso tomou conta de sua boca. – E a boca.
Eu ia sacudir a cabeça negativamente, porque não tinha certeza de que estava pronta para receber um ataque duplo nas minhas partes sensíveis, mas nem consegui protestar antes que seus lábios circulassem meu mamilo enrijecido, visível por baixo do tecido da camiseta. A língua dele passou pela pele coberta, mas senti o toque em cada gota do meu ser. Joguei a cabeça para trás e me movi involuntariamente pelo pau ainda duro preso entre minhas pernas. Sua boca provocou, mordiscou, chupou o mamilo até que minhas mãos estivessem em seus cabelos e eu o puxasse para mais perto enquanto murmurava seu nome de novo e de novo. Parecia que eu estava prestes a me desfazer quando Wheeler voltou sua atenção para o outro mamilo. A mão que estava em meu quadril me incitou a encontrar um ritmo de que eu gostava, enquanto o montava furiosamente, com a sensibilidade limitada pelas roupas entre nós. Wheeler era grande e grosso o bastante para atingir os pontos certos, mas eu ainda sentia uma dor oca e vazia implorando para ser preenchida. Estava perto, na barreira do desconhecido e do pouco familiar. Queria cruzá-la, tornar meu o que quer que se insinuasse pouco além do meu alcance, mas não sabia como fazê-lo, então gemi seu nome e pedi sua ajuda para encontrar o que quer que eu estivesse procurando. Seus dentes se revelaram em um sorriso travesso e sabichão. Eu havia dito que podia usar as mãos, mas Wheeler estava se segurando até que eu realmente quisesse aquilo, até que decidisse que precisava mais de seu toque que de ar. Ele era bom, muito melhor do que qualquer homem com quem eu tivesse estado. Não porque soubesse como e onde me tocar, mas quando o fazer. Esperou até que não houvesse volta. Esperou até que eu precisasse do que tinha a me oferecer. Esperou até que eu estivesse pronta. Arfando, quase chorando de desejo, fiz pressão contra seu peito quando seus dedos largaram meu quadril e começaram a descer em uma lenta tortura pelas minhas pernas. Eles traçaram a curva de cima da minha coxa, mergulharam na pele macia e desapareceram por entre as dobras úmidas. Me afastei com o choque de ser tocada onde jurara que nenhum homem voltaria a pôr as mãos, mas aquilo logo se transformou em tremor quando seus dedos espertos traçaram a pele delicada e procuraram lugares escondidos com o máximo de cuidado e reverência. Wheeler não estava apenas usando as mãos para fazer com que eu me sentisse bem: com aquilo, ele me acalmava, agradava, adentrava. Apagava todo toque que já havia me machucado me dando um milhão de outros que não haviam feito isso. Minhas coxas tremiam como se eu tivesse corrido uma maratona. Prendi a respiração enquanto ele memorizava cada esconderijo que eu tinha. – Se mexe, doçura. O pedido rouco dele me tirou do meu estupor. Obedeci. Me mexi. Balancei para a frente e para trás. Esfreguei meu mamilo ainda duro e rígido contra seu peito nu. Levei a boca à dele e montei seus dedos, que entraram mais na minha calcinha, o dedão circulando o clitóris inchado de novo e de novo, os movimentos prejudicados pelo tecido que continuava me cobrindo. Gemi quando ele grunhiu. Rugi seu nome, e ele sussurrou o meu. Observei-o com olhos preocupados enquanto o sentimento crescia, de maneira assombrosa e rápida, ficando a ponto de extravasar. Ele me observava com admiração e espanto, enquanto eu me fragmentava em um milhão de pedacinhos de prazer sobre seu corpo. Seus dedos espalharam umidade pela minha pele quando Wheeler os tirou de dentro de mim. Ele usou a mesma mão para agarrar minha cintura e me tirar de cima de seu corpo, me virando de modo que minhas costas ficassem contra seu peito. Seu pau ainda estava duro, quente e inflexível atrás de mim. Senti cada centímetro quando ele se apoiou na curva da minha bunda. Eu
queria me esfregar contra ele, queria dar mais. No entanto, como se lesse minha mente, Wheeler disse: – Acho que chega de brincar com fogo por esta noite. Não vou deixar a gente se incendiar assim tão rápido. Precisamos dormir um pouco. Ele me soltou e apagou a luz, então rolou de volta até mim e pegou minha cintura de novo. Ficamos em silêncio e imóveis por um longo momento. Eu não conseguia fechar os olhos, ou ignorar o lembrete muito óbvio de que ele havia me dado algo incrível enquanto eu não havia lhe dado nada além de uma dor de cabeça e uma ereção. – Se vai fazer com que eu me sinta bem, não deveria esperar o mesmo de mim? Eu havia feito o meu melhor para dar prazer aos homens que tinham vindo antes, esperando que tivessem a mesma consideração por mim. Não havia funcionado. Eu não havia dado nada a Wheeler, mas ele me oferecera um mundo todo cuja existência eu desconhecia. Senti seus lábios na minha nuca. Seu quadril se aproximou do meu. Seu pau duro parecia perfeitamente feliz onde estava. – Poppy, você me deixou deitar na sua cama, me deixou entrar na sua vida – ele me deu um apertão e apoiou o queixo no topo da minha cabeça. – Confia em mim, isso faz com que eu me sinta muito, muito bem. O resto vai vir na hora certa. Conforme fechei os olhos e me acomodei em seu calor e na escuridão que nos cercava, não pude deixar de pensar que, se me perder significava ser encontrada por Wheeler, então não era tão ruim assim.
CAPÍTULO 10
Wheeler ra como se eu estivesse em meio a um ataque de pânico. Podia sentir a médica me olhando com expectativa, e Kallie tamborilava nervosa na mesa enquanto ambos olhávamos para a tela em preto e branco que mostrava uma bolha esquisita com traços evidentemente humanos. Havia um nariz empinado e minúsculos dedos se movendo ao fim de uma mãozinha. Era real. Muito real. Eu ia ser pai. Era o meu filho crescendo dentro da mulher que havia destroçado meu coração e aniquilado meus sonhos de um “felizes para sempre”. Eu me sentia sufocando. Não havia ar na sala. Toda vez que aquele coraçãozinho batia, forte e alto, preenchendo o silêncio, eu sentia o meu coração acelerando. A médica pigarrou e ficou olhando de mim para minha ex. A tensão entre nós dois era palpável, e tenho certeza de que a situação era tão desconfortável para ela quanto para nós. – Bom, tudo parece de acordo com as dezesseis semanas de gravidez. Neste ponto do terceiro trimestre, você vai experimentar mudanças mais significativas no corpo e vai ter consultas mais frequentes. Em algumas semanas, vamos saber se é menino ou menina. Isso se estiverem interessados em saber antes do nascimento – ela apontou para a tela do ultrassom e sorriu de forma a nos tranquilizar. – Vou imprimir a imagem do bebê muito ativo de vocês para que possam levar de lembrança. Perguntas? Kallie virou a cabeça para mim. Desviei o olhar de imediato. Estava tendo dificuldade em me manter sentado em vez de sair correndo dali. Eu a ouvi respirar quando pegou a toalha para limpar o gel que estava espalhado por sua barriga pouco evidente. Eu não conseguia acreditar que havia um bebê lá dentro. Não conseguia acreditar que em todos aqueles anos que havíamos passado juntos, parecendo felizes e planejando um futuro, não havíamos tido nenhum susto com a possibilidade de gravidez. Aquilo incluía todos os anos em que éramos adolescentes idiotas trepando sem pensar muito em segurança. Em que sexo era a primeira coisa em que pensávamos quando ficávamos sozinhos. Parecia algum tipo de piada sem graça que justo quando nosso conto de fadas chegara ao fim aquela vida fora criada. Tudo o que eu sempre desejara fora uma família com quem ser feliz para sempre. No entanto, terminara com aquela confusão que fazia meu peito doer e minha cabeça latejar. – Obrigada, doutora. Acho que estamos bem. Se surgir alguma dúvida eu ligo. Olhei para a mulher que tinha virado meu mundo de cabeça para baixo e hesitei quando me dei conta de que ela estava me encarando com uma decepção ampla e declarada. Kallie esperava mais de mim, porque eu sempre lhe dera tudo, mas daquela vez… bom, eu não estava certo de que tinha algo a lhe oferecer. Ela desceu as pernas da mesa de exame, ajeitou as roupas e se levantou. Eu a segui, mas então a médica parou à minha frente e estendeu a mão em um cumprimento. Eu a aceitei, esperando que fosse soltar logo, mas a dra. Ehrhardt apertou forte meus dedos e abriu um sorriso simpático. – É bastante coisa para absorver. Mas não se preocupe, você vai se costumar com a ideia de
E
ser pai. Antes que perceba, vai estar aguardando ansiosamente o momento de segurar seu filho nos braços. Você veio. É um passo enorme, que muitos jovens não se dão ao trabalho de dar – a médica olhou para Kallie, que estava atrás de mim. – Tomem conta um do outro. É o melhor conselho que posso dar a vocês, independentemente das circunstâncias. Vocês vão precisar disso para seguir em frente, e o bebê vai precisar dos dois. Ela finalmente soltou minha mão e saiu da sala com um aceno animado. Kallie soltou uma risada seca, que me fez lhe lançar um olhar duro por cima do ombro. Levantei uma sobrancelha inquisidora quando ela passou por mim na direção da porta. – Na primeira consulta, quando apareci com minha mãe, ela me disse que muitas jovens da minha idade tinham filhos sem contar com a ajuda de um parceiro. E que ser mãe solteira era difícil, mas muito recompensador. Acho que tem um discurso motivacional preparado para qualquer situação. Eu a segui em silêncio pelo corredor, parando quando ela se dirigiu à recepção para marcar a próxima consulta e pegar a imagem granulada em branco e preto do bebê. Quando me entregou uma cópia, só consegui ficar olhando entorpecido. Era meu filho. Eu ainda não tinha me acostumado com a ideia. Quando saímos, eu estava pronto para me despedir de Kallie e ir atrás do bar mais próximo para esquecer meus problemas com uma garrafa de uísque, como o adulto maduro e racional que eu era. Infelizmente, ela tinha outros planos. Eu já estava indo na direção do carro quando ela levou uma mão ao meu braço para me impedir. – Wheeler… – a voz de Kallie pareceu controlada, e no passado o olhar em seu rosto teria feito meu coração sangrar. – Odeio que as coisas estejam tão tensas entre nós que outras pessoas consigam identificar que você não quer ficar nem perto de mim – ela piscou, e eu me dei conta de que havia lágrimas gordas em seus olhos. – Você sempre foi minha pessoa favorita no mundo inteiro. Dói saber que me excluiu completamente da sua vida. Abri a boca para dizer que estava fazendo meu melhor, mas as palavras não saíram. Eu mal estava me esforçando, e ambos sabíamos daquilo. – Olha, Kallie, você tem um monte de gente pra te ajudar com tudo isso. Sua mãe, seu pai, Dixie e até Roni, se for honesta quanto ao que ela significa pra você – apontei para meu próprio peito, onde ficava o lobo solitário. – Já eu tenho que me virar sozinho. Estou tentando descobrir meu novo lugar na sua vida e na vida do nosso filho sem nenhuma ajuda. Então, você precisa deixar que eu faça isso da maneira que me parecer mais fácil. – Isso é bobagem, e você sabe. Estou bem aqui, Wheeler. Se alguém sabe como é complicado, como é difícil, sou eu – ela cruzou os braços e estreitou os olhos para mim. – Sei que não é a situação ideal para nenhum de nós, mas eu não estava sozinha quando o bebê foi concebido. Afastei a mão dela e fui para o carro. – Na época eu te amava, Kallie – vi o modo como minhas palavras a atingiram. – Ainda estou tentando descobrir como me sinto a seu respeito agora. Ela fungou um pouco e se afastou de mim. – Eu te amo e sempre vou amar. É um tipo de amor diferente do que tínhamos antes, mas isso não o torna menos importante – uma única lágrima escapou antes que Kallie pudesse segurá-la. Cerrei as mãos em punho ao lado do corpo. Eu havia passado grande parte da vida tentando ser o homem que nunca iria magoá-la, e lá estava agora, fazendo-a chorar. – Eu sempre soube que ia ter uma família com você, Wheeler. Sempre sonhei com os filhos que teríamos, com seu cabelo e suas covinhas incríveis. Nenhum de nós gostaria que fosse desse jeito, mas não me arrependo
que tenha acontecido. Algumas coisas estão escritas nas estrelas, Wheeler. Talvez não como casal, mas como família. Ela pode não ser como você gostaria, mas é o que vamos ter. Fiquei olhando para Kallie enquanto absorvia as palavras. Ela sempre fora a mimada da relação. Eu nunca esperara que se comportasse de qualquer outra maneira. No entanto, com a mudança em nossas circunstâncias, depois que se tornara responsável por outra vida, finalmente estava se mostrando menos autoindulgente. Estava crescendo e se comportando de maneira muito mais madura e razoável do que eu. Suspirando, subi na calçada e a envolvi com meus braços de um jeito desconfortável e duro. Eu costumava abraçá-la e me sentir em casa. Agora, no entanto, havia tanta distância entre nós dois que eu parecia estar com uma desconhecida. Kallie acomodou a cabeça no meu peito e enlaçou minha cintura. A sensação deveria ter ressoado em mim, mas não foi o caso. Pareceu pouco familiar e esquisito. – Me dê um pouco de tempo, Kallie. Juro que vou me recompor e ser o homem de quem você precisa. Ela apertou os braços à minha volta e se afastou. Suas bochechas estavam úmidas e seu rosto estava vermelho, mas pelo menos não me olhava como se eu a tivesse decepcionado. – Você sempre foi o homem de quem eu precisava, Wheeler. E sei que vai ser o homem que nosso bebê vai ter a sorte de chamar de pai – ela enxugou o rosto com as costas das mãos. – Sempre teve tanta paciência comigo. Nunca perdeu a paciência com minhas bobagens e me perdoou depois de ter te machucado de novo e de novo. Pode não estar no volante desta vez, mas prometo que não vou a lugar nenhum sem você – um sorriso fraco se insinuou em seus lábios. – Mas pode ser o copiloto. Você é bom em seguir mapas e não deixa que a gente se perca – ela indicou o Eldorado com o queixo. – O Cadillac vai ficar ótimo com um assento de bebê atrás. Arfei de leve, então olhei para o carro e depois de volta para a mulher que costumava ser o amor da minha vida e que no momento estava grávida de mim. – Merda. Acabei de me acostumar com a ideia de ter um quarto de criança em casa. Nem tinha pensado no carro – cocei a nuca e suspirei. – Não acho que posso ser do tipo que dirige uma perua. Kallie riu e revirou os olhos para mim. – E quem está pedindo isso? Desde que tenha cinto de segurança no banco de trás, vai ficar tudo bem. E mesmo se não tiver… você trabalha com carros. Pode sair com um que comporte uma criança nos dias em que estiver com o bebê e com o Cadillac nos dias em que não estiver, se precisar. Senti minhas sobrancelhas se levantarem enquanto considerava aquilo. – Você parece ter pensado bastante nisso. Fiquei surpreso que fosse ela quem estava sendo racional. Não havia mais rastro da peste estridente que havia tornado o último ano da minha vida um inferno. Em seu lugar, estava a garota por quem eu havia me apaixonado tantos anos antes, mas aquela versão era ainda melhor. Fazia meu coração doer com a ideia de como poderia ter sido se Kallie e eu fôssemos pessoas diferentes. – Bom, Roni não quer falar comigo até que eu esclareça tudo com meu pai e minha mãe. Dixie está toda apaixonada e ocupada com sua nova vida no Mississippi. E até agora meu melhor amigo esteve me ignorando e fingindo que eu não existo – a última alfinetada era pra mim e me atingiu exatamente como Kallie pretendia. – Tudo o que tenho feito é pensar em uma maneira de fazer isso funcionar. Sei que pedir que mude ou esperar que seja diferente do homem com quem
fiz este bebê é bobagem. Durante todo o nosso relacionamento, você tentou ser o homem que achou que eu queria, mas a verdade era que não tinha como, independentemente de quanto tentasse, o que me assustava muito. Em vez de lidar com isso, fiz você se desdobrar. Fui horrível com você, Wheeler, e nunca vou conseguir compensar o tempo que te fiz perder. Grunhi e abri a porta do carro. –Você também desperdiçou muitos anos comigo, Kallie. Não cometa o mesmo erro com a pessoa com quem realmente quer passar o resto da vida. No caminho para a oficina, peguei a foto do ultrassom do bolso de trás do jeans enquanto estava parado no farol vermelho e fiquei olhando para ela. Passei o dedão pelo narizinho e tamborilei sobre a mão minúscula, que mal dava pra ver. Do nada, imagens de um garotinho muito parecido comigo às voltas com ferramentas de plástico e carrinhos de brinquedo inundaram meu cérebro. Ninguém tinha me mostrado como proceder quando era pequeno, ninguém me ensinara a ser homem, a fazer a coisa certa. Eu queria me chutar por não ter me dado conta de como seria me tornar pai. Não havia tido um, e então me via diante da possibilidade de dar a alguém o que eu havia perdido. Era um idiota por desperdiçar aquilo, por dizer a mim mesmo que não era algo bom só porque não acontecera como eu queria. Alguém buzinou atrás de mim, e voltei minha atenção para a rua. Ainda era cedo, de modo que eu deveria voltar para o trabalho, mas me peguei indo para o centro, na direção da clínica veterinária em que Poppy trabalhava. Havíamos passado muito tempo juntos na última semana. Ela não se retraía nem se afastava mais de mim. Na verdade, chegava mais perto sempre que podia. Havia alguns beijos roubados aqui e ali, que às vezes levavam a abraços quentes e toques sedutores que me faziam passar muito do meu tempo no chuveiro, batendo uma. Poppy pedia por mais sem dizer nada. Seu toque se tornava mais ousado, seus olhos exibiam mais coragem. Mas ela ainda não estava preparada para tudo o que podíamos fazer um com o outro. Nunca reclamava quando eu começava a tirar a roupa, tampouco tinha qualquer pressa em tirar a dela. Eu nunca tinha visto aqueles seios atrevidos ou o lugar quente e sedoso entre suas pernas. Conhecia os sons que fazia quando estava perto do limite e ouvia o modo como dizia meu nome quando eu a fazia gozar nos meus sonhos quase todas as noites. Poppy deixava que eu a tocasse enquanto se arrastava sobre mim, se esfregando, se arqueando, implorando por alívio, mas nunca ia além. Desde a escola uma garota não se esfregava sobre mim e me montava daquele jeito por cima das roupas. Eu mesmo não gozava dentro da calça jeans com aquele tipo de provocação inocente desde que havia descoberto como as garotas se sentiam com meu corpo sobre o delas. Tudo com Poppy era como uma tortura perfeita. Embora meu pau estivesse mais do que pronto para conhecer o tipo de prazer que seu corpo guardava, meu coração sabia que, se fôssemos longe ou rápido demais, toda a confiança que eu meticulosamente cultivara iria ruir. Ela confiava no meu toque, acreditava que eu cuidaria de suas necessidades. Eu queria que soubesse que sempre poderia contar com aquilo, mesmo se isso significasse que eu teria que voltar para casa com o pau tão duro que parecia prestes a quebrar. Eu não queria que Poppy pensasse que cuidar dela significava esperar uma retribuição ou um favor. Poppy não seria premiada por desempenho. Era um privilégio poder lhe dar prazer, uma honra poder deitar em sua cama. Não queria que questionasse o fato de eu valorizar que ela me permitisse entrar depois de tudo o que os homens antes de mim a haviam feito sofrer. Ela ainda não tinha entrado em detalhes quanto ao que acontecera depois que Oliver apontara
uma arma para Salem forçando a esposa a ir com ele. Mas eu havia passado a noite ao lado de Poppy mais de uma vez, e ela não conseguia manter o horror longe ou atrás de seus muros enquanto dormia. Não era preciso ser Sherlock Holmes para descobrir que ele a havia forçado, machucado e aterrorizado. Poppy gritava “não”, “para”, “você está me machucando” e “não faz isso” de novo e de novo. Ela fazia barulho e se revirava na cama como se estivesse tentando fugir. Fiquei surpreso que os vizinhos não reclamassem, porque era óbvio que seus surtos durante o sono eram recorrentes. A princípio, pensei em acordá-la para acalmá-la. Assim que eu a tocava, no entanto, Poppy se aninhava em mim tanto quanto possível. Eu a envolvia com os braços e a segurava enquanto ela tremia por algum tempo. Por fim, Poppy parava de se mexer e derretia contra meu corpo, mas ao longo da noite soltava gemidinhos, como um animal preso, que faziam minhas entranhas se revirarem. Poppy não precisava reviver o que o cretino lhe havia feito me contando tudo… as lembranças estavam bem vivas dentro dela. Era como se a história me fosse contada sem palavras, e eu ouvisse cada detalhe horrível e sangrento. Quando cheguei à clínica, mandei uma mensagem dizendo que estava esperando do lado de fora e que queria lhe mostrar algo. Poppy respondeu dizendo que estava no meio de um exame e sairia assim que pudesse. Deixei o motor ligado, porque estava frio. Enquanto esperava por ela, mandei outra mensagem, daquela vez para Zak, dizendo que queria o Hudson. Eu sempre quisera um, e Kallie estava certa: ninguém esperava que eu comprasse uma perua só porque teria um filho. Só eu pensava que minha vida inteira precisava mudar por causa do bebê que chegaria e, embora minhas prioridades precisassem ser revistas, não havia como negar que colocar minhas mãos em um dos meus carros dos sonhos era uma oportunidade que eu teria que ser idiota para deixar passar. Recebi uma resposta imediata dele dizendo que ia cuidar de tudo. O sujeito voltou a me assegurar que conseguiria o menor preço possível, mesmo depois de me dizer que já estavam partindo de um valor justo. Eu estranhava um pouco que ele parecesse mais animado do que eu. Imaginava que estivesse feliz que o carro fosse ficar em Denver, onde poderia visitá-lo, e não para um lugar mais longe. Eu ainda estava me perguntando sobre ele e por que eu estava tão certo de que nossos caminhos já haviam se cruzado quando a porta do passageiro se abriu e Poppy se sentou no assento ao meu lado. Ela estava tremendo, e um pouco do frio lá de fora a seguiu para o interior quente do carro, mas havia um sorrisinho em seu rosto, e ela se inclinou para mim sem hesitar quando fiz um sinal com o dedo para que se aproximasse. Toda vez que seus lábios pousavam nos meus, todo o meu corpo ganhava vida. Minhas terminações nervosas eram ativadas, eu formigava da cabeça aos pés, meu pau infalivelmente se contraía e me lembrava de que havia outras partes da minha anatomia que esperavam uma oportunidade de tocá-la, além das mãos e da boca. – Só tenho um segundo. Tivemos que atender uma emergência algumas horas atrás, que atrasou todas as consultas marcadas – a ponta de sua língua traçou a curva do meu lábio inferior, e seus olhos dourados brilharam para mim. – O que é que você quer me mostrar? Peguei a foto do ultrassom do painel e entreguei a ela. Suas sobrancelhas escuras se franziram confusas enquanto ela olhava para a estranha bolha que ia se tornar meu filho. Vi sua boca se curvar para baixo e observei o sangue deixar seu rosto enquanto me devolvia a foto em silêncio. O brilho em seus olhos havia desaparecido quando me encarou sem expressão. Franzi a testa para ela e voltei a guardar a foto no bolso. – Fui com Kallie à consulta de hoje de manhã. Tivemos uma reunião de conciliação depois e
conversamos sobre o bebê e o fato de sermos uma família mesmo sem estarmos juntos. Ela disse algumas coisas que eu nem sabia que precisava ouvir e que me fizeram entender que eu estava sendo um idiota – apoiei os braços no volante e descansei o queixo nas mãos dobradas. – Estou dentro agora. Acho que não tinha percebido que não estava antes. Essa é a primeira foto do meu filho, e quis mostrar a você – Poppy nem me olhava. Quanto mais tempo passava em silêncio, mais confuso eu ficava. De forma um pouco mais dura do que gostaria, soltei: – Achei que fosse ficar feliz por eu finalmente ter embarcado nessa coisa do bebê. Ela cerrou as mãos em punho e baixou o queixo de modo que não devia ver nada além do próprio peito. Lembrava vagamente a postura que assumira no dia em que aparecera com o cachorro na oficina e eu dissera que não podia ficar com ele por causa do bebê. Alguma coisa que eu não compreendia estava acontecendo, e se um dia iríamos chegar a ficar juntos, Poppy precisaria confiar mais do que apenas seu corpo a mim. – Poppy… – esperei que me olhasse. Levou bastante tempo. – O que está acontecendo? Qual é sua questão com o bebê? Em um minuto você me diz para amadurecer e ser o melhor pai que posso, no outro me olha como se eu ter um filho fosse o fim do mundo. Sei que não é a melhor situação possível quando se está começando algo com uma pessoa, mas não posso mudar isso. E, sinceramente, não mudaria se pudesse. Poppy me encarou, e dava para ver que estava pensando no que ia dizer. Eu a observei pesando quantos segredos queria compartilhar comigo. Por fim, ela soltou as mãos e esfregou as coxas com as palmas abertas. Virou a cabeça para olhar pela janela e falou em uma altura quase inaudível: – Nós dois queríamos coisas parecidas da vida, Wheeler. Tive pai, mãe e um teto sobre a minha cabeça, mas com frequência queria estar em qualquer outro lugar que não ali. Queria uma família que me amasse. Queria uma casa cheia de lembranças felizes, risadas e crianças. Queria o oposto de tudo o que conheci… tal qual você. Senti meus ombros se enrijecerem e meu cenho se franzir. Odiava que Poppy soubesse como era difícil ser uma criança solitária e perdida assim que o sinal tocava na escola, anunciando o fim do dia letivo. – Quando chegou a hora de ir para a faculdade, escolhi a que ia me levar para o mais longe possível do meu pai. Tinha estrelas nos olhos e grandes sonhos. Estava certa de que, sem sua reprovação constante, sem seu julgamento incansável, poderia abrir minhas asas e voar. Estava convencida de que ia ser como nos filmes. Eu ia conhecer um sujeito que era o oposto dele e que faria com que eu perdesse o chão. Íamos casar, ter filhos e viver felizes para sempre – Poppy bufou e levou as mãos aos olhos enquanto descansava a cabeça no apoio de couro antigo do assento. – Rowdy estava na mesma faculdade, com uma bolsa para jogar futebol americano. Ele ficava de olho em mim e sempre me dizia para não ser tão inocente. Me avisou que os caras da universidade ficavam só esperando por calouras bonitinhas como eu – quando Poppy virou para me olhar, pude ver algumas daquelas coisas que a perseguiam nos sonhos estampadas em seu olhar trágico. – Ele estava certo. O primeiro garoto com quem aceitei sair me disse tudo o que eu queria ouvir. Me prometeu o sol e a lua. Me garantiu que eu era especial e que ele queria algo sério e duradouro. Eu gostava tanto dele e estava tão ferida que o deixava fazer praticamente qualquer coisa. Inclusive transar sem camisinha. Ele sabia que eu não tomava pílula. Falei milhares de vezes que deveríamos tomar cuidado, mas estava apaixonada. Ele disse que me amaria para sempre. Eu queria tanto aquilo que ignorei Rowdy e meu próprio bom senso. – Poppy.
Eu não sabia se estava dizendo seu nome porque queria que ela continuasse ou parasse. Não importava. Ela continuou, muito embora eu já tivesse uma boa ideia de para onde a coisa estava indo. – Fiquei tão feliz quando descobri que estava grávida. Era jovem demais, tinha acabado de completar dezoito e mal entrara na faculdade. Mas não importava. Seríamos uma família. Todos os meus sonhos iam se tornar realidade – Poppy começou a chorar. Lágrimas silenciosas rolaram por seu rosto e pingaram do queixo. Eu não suportava mais o espaço entre nós e a puxei para os meus braços. Ela enlaçou meu pescoço e eu senti a umidade de suas bochechas na lateral do pescoço enquanto ela afundava mais o rosto em minha pele – quando eu disse que estava grávida, o sujeito riu de mim e me disse que eu era burra. Também me disse que eu era uma de muitas. Tinha uma garota diferente para cada dia da semana. Queria que eu me livrasse do bebê, disse que pagaria por isso, mas eu me recusei. E ele me atacou. – Maldito. A palavra escapou antes que eu pudesse impedi-la. Poppy me apertou mais forte quando a raiva fez meu corpo todo tremer. – Ele me machucou muito, tanto que perdi o bebê e a mim mesma. Rowdy me encontrou e fez o que podia para me ajudar, mas era tarde demais – eu a senti soluçar em silêncio contra a minha pele. – Eu amava meu filho, Wheeler. Era a única coisa na minha vida que eu queria e de fato tinha, e foi tirado de mim. Sei que teria sido uma boa mãe. Teria amado o bebê e cuidado dele muito melhor do que minha mãe fizera com Salem e comigo. Me sentindo impotente e furioso, tudo o que eu podia fazer era segurá-la enquanto sofria pela pequena vida que havia sido arrancada dela. Poppy estremeceu, então se afastou de mim para que ficássemos olho no olho e nariz com nariz no confinamento do carro. – Tenho orgulho de você por perceber que recebeu um presente maravilhoso, Wheeler, mas toda vez que alguém perto de mim celebra a chegada de uma nova vida ao mundo me lembro de imediato de quando a mesma chance foi roubada de mim. Deixei a testa cair de modo que descansasse na dela, então beijei com delicadeza a ponta de seu nariz. – Quero o nome desse cara. Vou acabar com ele. Poppy sorriu e segurou meu rosto com as duas mãos, passando os dedos no ponto em que minhas covinhas estavam escondidas sob a expressão feroz. – Rowdy já tentou. Foi assim que perdeu a bolsa de estudos e acabou não se formando. – Vou pagar todas as doses que Rowdy quiser de hoje até o dia da minha morte. Eu não estava brincando. Ela levantou a cabeça e retribuiu o beijo na ponta do meu nariz. – Você vai ser um ótimo pai, Wheeler. – Doçura – seus olhos se mantiveram fixos nos meus quando disse a ela, baixinho: – Você vai ser uma ótima mãe. Não foi sua única chance de ter um filho. Ela piscou devagar, deixando o ar sair com força. – Acha mesmo? Não parecia acreditar totalmente naquilo. Dei uma risadinha e toquei seus lábios com os meus. – Acho. Poppy saiu de cima de mim e deslizou para o assento do outro lado. Sua mão estava na
maçaneta quando me perguntou, como se não tivesse acabado de destroçar meu coração e entregue os cacos de volta: – Tenho que voltar ao trabalho, mas nos vemos mais tarde, né? Como se houvesse algo que pudesse me manter afastado dela depois de ter confiado em mim o bastante para contar sobre um dos piores pesadelos que a perseguia. – Claro. Poppy sorriu para mim e passou as mãos nas bochechas para apagar qualquer evidência de suas lágrimas. Não pude deixar de visualizar duas menininhas com olhos dourados e cabelo cor de mel ao lado do garotinho que era a minha cara.
CAPÍTULO 11
oppy inha irmã era linda, por dentro e por fora, mas, no momento, sua boca perfeitamente pintada de rubi estava tão franzida que ela parecia um pouco assustadora. O delineador meticulosamente passado lhe conferia um olhar ainda mais afiado, e o rosa forte de suas maçãs do rosto não tinha nada a ver com o blush sutil passado ali e tudo a ver com a raiva que também estava evidente em cada linha de seu corpo curvilíneo. A mão feita diante da minha na mesa se cerrou em punho enquanto a outra tocou de maneira protetora a barriga visível por trás da blusa soltinha que deixava os ombros à mostra e da saia de cintura alta. A gravidez se estendia à sua frente, e era óbvio que Salem ainda não estava pronta para sacrificar estilo por conforto. Estava até usando sapatos ridiculamente altos, cuja ponta batia no chão de maneira nervosa enquanto ela me encarava do outro lado da mesa, onde a comida permanecia esquecida desde que eu comentara que mamãe havia me ligado do nada. – Ela só se aproxima do bebê por cima do meu cadáver – suas palavras foram ferozes e definitivas. – Se ela ligar de novo, nem atende. Não deixe que entre na sua cabeça. A vida inteira escolheu ele em vez da gente; agora tem que conviver com essa escolha. É a cruz que tem que carregar. Seus olhos escuros pareciam intensos demais para encarar, mas não desviei o rosto quando disse: – Eu sei, mas também sei como é querer sair de uma situação na qual você se meteu e não conseguir. Não havia ninguém para me mostrar como me afastar de Oliver, e não sei se vou conseguir conviver comigo mesma se deixar outra pessoa presa àquele tipo de ambiente. Salem bufou e pegou o copo de água. – Ela deveria ter te ajudado a fugir de Oliver. Deveria ter avisado que você estava se casando com um homem que era igual ao papai. Deveria ter dito alguma coisa quando ele falou para a congregação inteira que o que havia acontecido era uma tragédia, e então feito todo mundo rezar pelo homem que foi seu abusador por anos, e não por você. Ela estava inflexível, o que não me surpreendia, já que tinha sido forte o bastante para se afastar de nossa família completamente tortuosa sem nem olhar para trás. Salem via tudo preto no branco, enquanto eu havia vivido no cinza de querer escapar e ficar por medo, então compreendia minha mãe. – Não sei se ela entendia o que significava casar com um homem como papai, Salem – enfiei uma batata frita fria na boca e inclinei a cabeça para o lado enquanto minha irmã estreitava ainda mais os olhos para mim. – Os pais dela não eram muito diferentes. Vovô casou com vovó para poder ficar no país, assim como papai casou com mamãe para parecer respeitável e íntegro. Vovô nunca foi fiel ou bondoso. As expectativas que tinha em relação à vovó eram ultrajantes e inatingíveis. Ele controlava tudo com mão de ferro, exatamente como papai fazia. Não havia amor naquela casa. Mamãe achou um homem igual ao pai dela, então talvez esperasse que a filha fizesse o mesmo. É um círculo vicioso, e aprendi que isso é muito comum – aquele era um tema
M
recorrente no grupo: o abuso era um círculo vicioso difícil de quebrar mesmo quando se reconhecia estar repetindo um padrão perigoso. – Ela é tão vítima quanto eu. – Você é uma sobrevivente, Poppy, não uma vítima. Ela era tão irredutível que eu tive que sorrir. Estava sempre ali para me lembrar de seguir em frente, se recusando a me deixar desistir. Mastiguei outra batata e levantei uma sobrancelha para Salem. – Mamãe poderia ser uma sobrevivente também, se mostrassem a ela que há uma maneira melhor de viver. Eu me recuso a acreditar que alguém está além da salvação. Você não me deixou quando eu estava mal, e não tenho certeza se sou o tipo de pessoa que pode fazer isso com mamãe. Salem suspirou e bateu as unhas compridas na lateral do copo. – Tá. Faz o que acha que tem que fazer. Mas me promete que, se ela não quiser sua ajuda, se fincar o pé e parecer inabalável no apoio a ele, desista. Não deixe que ela te arraste de volta para aquele lugar horrível. Rowdy não vai deixar de jeito nenhum que eles estraguem a vida que construímos aqui em Denver. Ele quer desesperadamente proteger o que temos e se ressente muito do passado. Não posso dizer que o culpo. Assenti para a garçonete que se aproximou para perguntar se podia tirar meu prato, depois ri quando Salem pediu duas sobremesas. Ela revirou os olhos e disse que pretendia dividir. Minha irmã sempre gostara de doce; não era surpresa que a gravidez a tornasse insaciável. O passado tampouco me agradava muito, mas havia precisado aprender lições dolorosas com ele para não cometer os mesmos erros de novo e de novo. O passado me levava de volta ao presente, que na verdade era o motivo pelo qual eu havia concordado em almoçar com Salem quando ela ligou dizendo que tinha uma consulta médica e que então só ia trabalhar meio período no estúdio de tatuagem e queria me ver. Era mais fácil ficar perto dela depois que eu tinha desabafado no colo de Wheeler e revelado que me sentia culpada por ter inveja de pessoas que eu amava tendo filhos. Tinha sido muito libertador compartilhar aquilo. Era como se um peso gigante tivesse sido tirado das minhas costas. Explicar a mistura confusa de alegria e inveja em relação a alguém que ia ter um bebê tinha me ajudado mais que meses de terapia. Wheeler não ficara bravo que eu ao mesmo tempo me ressentisse e regozijasse de sua sorte. Tinha sido extremamente compreensivo e demonstrado muita consideração… como sempre. Aquela compreensão e suas palavras depois que eu havia lhe contado tudo eram o motivo pelo qual eu estava mais do que pronta para levar nosso relacionamento ao próximo nível. Eu tinha perdido a conta do número de orgasmos de fundir a mente e atormentar o corpo que ele havia me dado. Embora valorizasse cada um, queria mais. Queria cada linha daquele corpo esguio e longo sobre o meu. Queria me esfregar toda contra sua pele tatuada. Queria aquele volume que preenchia sua cueca e se pressionava insistentemente contra mim dentro do meu corpo. Queria montar nele e senti-lo até não conseguir mais enxergar direito. Mais do que aquilo, queria devolver a ele uma fração de todas as coisas que ele tinha me dado. Eu estava pronta para ser uma participante ativa. Só não sabia qual era o jeito certo de comunicar a ele que estava pronta para o próximo passo. Wheeler era cuidadoso comigo e muito delicado. Embora eu gostasse daquilo, estava pronta para que deixasse a precaução de lado e me tratasse como faria com qualquer outra mulher com quem passasse uma quantidade significativa de tempo na cama. Queria que nosso relacionamento fosse real em todos os sentidos. Eu tinha tentado dizer aquilo a ele sem palavras, usando a mão e a boca, me mostrando gananciosa ao tocá-lo e prová-lo. Mas Wheeler sempre me impedia. Estávamos muito próximos
de cruzar a barreira inevitável que ia nos levar de algo casual a algo sério e significativo. Ele me disse que tínhamos tempo, que não ia a lugar nenhum, mas aquilo não me impedia de me sentir vazia e ávida, no limite e insatisfeita, independentemente de quão habilidosas fossem suas mãos e sua boca. Eu queria ele todo, não apenas as partes que considerava seguras e inofensivas. Pigarreei e peguei meu copo de água quando o olhar afiado de Salem foi do cheesecake ao bolo de cenoura colocados à sua frente. Ela me passou uma colher e levantou uma sobrancelha preta enquanto esperava que eu conseguisse botar para fora as palavras contra as quais lutava. – Sobre o presente… – eu podia sentir um rubor impetuoso subir pela minha garganta e tomar conta das bochechas. – Você sabe que tenho passado bastante tempo com Wheeler nas últimas semanas. Ela confirmou e enfiou uma colherada de bolo na boca. Então gemeu de prazer e sorriu para mim. – Eu não poderia estar mais feliz. Ele tem o selo de aprovação de Rowdy, mesmo com o bebê que vai chegar. O fato de Rowdy gostar de Wheeler também contava muito para mim, mas a verdade era que estava tão envolvida com o mecânico temperamental que mesmo se o futuro pai do meu sobrinho não o aprovasse eu ainda estaria pensando em um jeito de tirar o jeans desbotado com barra dobrada dele. – As coisas estão indo… bem. Me ajeitei desconfortável no assento enquanto ela deixava a colher de lado, apoiava os cotovelos na mesa e descansava o queixo nas mãos. Salem mexeu suas sobrancelhas irritantemente longas e ronronou: – Conta mais. Passei o dedo nas gotinhas do lado de fora do copo à minha frente e evitei seu olhar inquiridor. – Ele é fofo. Paciente. Ridiculamente bonito – suspirei, sem conseguir reprimir a melancolia sonhadora dentro de mim. – Gosto dele. Muito mais do que isso, aliás. E o mais importante: gosto de como me trata. Mas… Salem bateu os dedos no rosto. Sua boca pintada de rubi se abriu em um sorriso capaz de cegar. – Mas o fato de ser bonzinho no quarto também já cansou? A surpresa arrancou uma risada de mim. Confirmei, solene. – Nunca pensei que diria isso, mas sim. Wheeler tem me dado tempo para me acostumar com ele, e adoro isso, mas sinto que essa fase já passou. Não quero que pense que está na cama com uma vítima. Quero que saiba que está na cama com uma sobrevivente. O sorriso da minha irmã cresceu quando ela se voltou para suas duas sobremesas. – Então mostra a ele quem você é. Não precisa esperar que descubra sozinho. Seduz o cara, mostra que está pronta para o próximo passo. Eu me recostei um pouco e levei a mão ao coração acelerado. – Não quero parecer desesperada. Ela bufou e jogou uma mecha do cabelo comprido e brilhante por cima do ombro. – Poppy, quando um homem bom aparece, um que a gente quer manter por perto, não é desespero fazer todo o possível para que ele saiba que você se importa – Salem apontou a colher cheia de cobertura para mim e me disse com humor: – Todas já passamos por isso. Todas mesmo – com a mão livre ela começou a contar os exemplos. – Shaw ficou bêbada e terminou com Rule
no aniversário dela. Ayden apareceu em um show de Jet com outro cara no Dia dos Namorados. Cora passou sem avisar, atacou Rome quando ele estava saindo do chuveiro e acabou grávida. Saint prometeu a Nash que abalaria seu mundo em dez minutos. Eu empacotei todas as minhas coisas e me mudei para o outro lado do país com alguém que fazia anos que eu não via só porque tinha certeza de que era o homem da minha vida. Royal apareceu na casa do Asa no meio da noite sem nada além de um sobretudo – ela subiu e desceu as sobrancelhas de maneira sugestiva, me fazendo rir. – Você sabe que Sayer tinha segundas intenções quando se ofereceu para ajudar Zeb a pintar aquela casa velha em que estava trabalhando. E, por último, mas não menos importante, a maluca da Avett pulou de um penhasco sabendo muito bem que Quaid iria atrás dela. Você estava lá quando Dixie subiu na garupa da moto de Church mesmo morrendo de medo por causa do que havia acontecido com o pai dela. Todas as mulheres que conheço que estão com um homem legal tiveram que dar um empurrãozinho na direção certa em um momento ou outro. Às vezes é preciso um cutucão para que o cavaleiro de armadura brilhante baixe o escudo. Senti minha boca se abrir sozinha em um pequeno “ah” de surpresa. O relato das façanhas de nossas amigas tinha sido incrivelmente revelador. Elas eram as mulheres mais fortes e bemamadas que eu já havia conhecido e, se podiam tomar atitudes daquelas e ficarem bem, então eu também podia. – E, sinceramente, aquelas covinhas… Não é nem justo com uma mulher. Não consigo acreditar que você se comportou até agora com aquele tipo de tentação perto o bastante para lamber. Rimos tanto juntas que as pessoas nas mesas próximas nos olharam curiosas. Salem só sorriu e lançou uma piscadela atrevida para elas. Finalmente peguei minha colher e experimentei o cheesecake que permanecia intocado. – O que posso dizer? Quem espera sempre alcança. Ou pelo menos era o que eu desejava, porque estava cansada de esperar. Ia levar Wheeler até onde o queria, assim como ele sempre parecia fazer comigo. Mas com toda a certeza planejava tocá-lo para levá-lo até onde eu queria. Quando cheguei em casa, perambulei pelo apartamento por uma hora inteira tentando planejar uma noite de sedução para quando Wheeler viesse depois do trabalho. Limpei tudo, desenterrei umas velas bem feias que eu tinha para uma emergência e recorri ao meu velho perfil no Pinterest em busca de ideias para tornar o quarto romântico e atraente em vez de um lugar onde meus demônios me perseguiam no escuro. Tudo pareceu estranho e forçado demais. Mesmo que conseguisse criar um clima, não era como se eu tivesse uma roupa sensual e sedutora que funcionasse como uma placa de neon com “me come agora” escrito. Tudo o que eu tinha era um pijama que me cobria dos pulsos aos tornozelos. Wheeler não tinha problema nenhum em manter os impulsos básicos sob controle quando eu o usava para deitar a seu lado. Parecia que eu estava tentando montar algum tipo de armadilha sexual, como se procurasse atraí-lo para algo que talvez não quisesse de verdade, não importava o quanto insistisse que estava apenas esperando o momento certo para fechar o acordo. Frustrada e me sentindo boba, decidi que precisava abordar a situação com a honestidade simples e a coragem surpreendente que Wheeler havia despertado em mim. Passei na Dixie, que estava curtindo alguns dias na cidade, e pedi que cuidasse de Happy. Ela me perguntou o que eu ia fazer e quando eu voltaria para pegar a bolinha de pelos. Gaguejei e fiquei vermelha, então Dixie entendeu tudo antes mesmo que eu conseguisse falar. Era muito desconfortável,
considerando que Wheeler era noivo da irmã dela até pouco tempo, mas Dixie, sendo a mulher inteligente e de bom coração que era, não pareceu incomodada com meu pedido ou com as conclusões que tirara dele. Só precisei de alguns minutos para ir até a oficina e mais alguns para criar coragem para dizer a ele o que queria dizer. Eu me preparei e desejei ter reservado um tempo para me produzir um pouco antes de aparecer com uma proposta daquelas, como se eu fosse uma maluca. Ia pedir que deixasse as proteções de lado, mas sentia que eu mesma precisava de um escudo para passar por aquilo. Soltar o cabelo e passar o protetor labial que estava no fundo da bolsa era o melhor que eu podia fazer. Aquilo nem de perto fez com que eu me sentisse invencível, mas ajudou. Saí do carro e percorri o caminho até os degraus da porta de metal pesada que levava ao interior da oficina. Havia muitas outras portas de carros abertas, indicando que os funcionários ainda estavam trabalhando a todo vapor. O barulho lá dentro era quase ensurdecedor. Rebolos, mangueiras de ar, motores roncando e música alta explodindo de alto-falantes escondidos. Mas o caos era tranquilizador, assim como o sorriso que tomou o rosto de Wheeler e a luz que acendeu seus olhos claros quando me viu passando incerta pela porta. Um dos mecânicos levou os dedos à boca e assobiou de forma estridente, fazendo todas as cabeças virarem na minha direção antes de gritar: – Sua garota está aqui, chefe! Eu já havia passado na oficina várias vezes para pegar o cachorro ou deixar comida quando Wheeler tinha que trabalhar até tarde, mas não pensei que os funcionários achassem que eu era parte da vida do chefe. Foi um pouco chocante perceber que outras pessoas já sabiam que eu era dele quando eu mesma só tinha chegado àquela conclusão há pouco tempo. – Eu vi, Derek. Agora pega leve para não assustar Poppy antes que eu tenha a chance de dar um beijo nela. Wheeler avançou na minha direção com aquela arrogância fácil toda sua, como se soubesse exatamente para onde ia e tivesse todo o tempo do mundo para chegar. Nada nem ninguém poderia apressá-lo. Ele estava limpando as mãos no trapo vermelho que mantinha no bolso de trás e tinha uma mancha preta no nariz. Usava um boné desbotado que cobria todo o seu cabelo avermelhado e o obrigou a inclinar a cabeça para o lado quando se abaixou para tocar meus lábios com os seus. – Que surpresa boa. Está tudo bem? Cadê o Happy? Eu deveria ter ligado para avisar que ia dar uma passada. Wheeler estava preocupado, que era o oposto de como eu queria que se sentisse. Inspirei fundo, ergui os braços e apoiei as mãos na parte central do peito dele. Podia sentir seu coração batendo e a respiração vacilando quando falei: – Está tudo bem, mas queria te pedir algo e não aguentei esperar até hoje à noite. Ele levantou as mãos e seus dedos traçaram círculos nos meus punhos, os dedos pegando minha pulsação acelerada. – Deve ser importante. Você tem toda a minha atenção, doçura. Eu adorava quando ele me chamava daquele jeito. Nunca tinha tocado no assunto, mas toda vez minhas entranhas se reviravam e meu coração palpitava. Peguei seu macacão e o puxei para baixo de modo que ficássemos quase nariz a nariz. Seus olhos pareciam o céu de inverno, mas um calor emanava deles sempre que piscava. – Quer transar comigo?
As palavras saíram rápidas e frenéticas, mas não havia hesitação ou incerteza nelas. Eu estava sendo sincera. Estava dentro. – Droga. Por que minhas clientes não me dizem esse tipo de coisa? E por que nenhuma é tão bonita quanto ela? – o mecânico que estava mais perto de nós comentou, alto o bastante para que pudéssemos ouvir, enquanto Wheeler se mantinha parado, com os olhos arregalados e o queixo caído, me olhando como se eu tivesse duas cabeças. – Cala a boca, Hunter. Mais uma palavra e te mando embora. E nem me venha chorar quando o Hudson chegar esta semana. Wheeler pegou minha mão sem nem olhar para o mecânico bocudo e me puxou até a parte onde ficava a recepção. Perguntei aonde estávamos indo, mas ele não respondeu. Só segurou minha mão com uma força maior e apertou meus dedos. Parou rapidamente para dizer à recepcionista que ia tirar o resto do dia de folga e entraria cedo no dia seguinte. Também pediu que reservasse um quarto no Crawford Hotel, um lugar bem legal na Union Station. Dava para ir andando até lá desde a oficina, e pelo sorriso sabichão da mulher e pelo sinal de positivo que me mandou enquanto Wheeler me arrastava até seu escritório, ela sabia exatamente por que o chefe estava saindo no meio do expediente. Assim que a porta do escritório se fechou, ele virou a aba do boné para trás e levou as mãos até meu rosto. Então me prensou contra a porta que havia acabado de fechar com um chute e enfiou os dedos no meu cabelo. Wheeler inclinou minha cabeça para trás e atacou minha boca. Não foi um beijo doce. Não foi um beijo suave ou inseguro. Não foi terno ou manso. O beijo queimou minha alma e minha pele. Foi molhado e confuso. Um embate de dentes e línguas. Voraz e quente. Wheeler me devorou e então me afastou, depois voltou a se aproximar de outra direção, para que pudesse me impactar de outro ângulo. Suas coxas faziam pressão entre minhas pernas, e seu peito me prensava contra a porta. A cada respiração entrecortada dele o material áspero do uniforme roçava contra meus seios sensíveis. Eu gemia em sua boca e ele se movia para que a pressão de sua perna me atingisse com tudo e no ponto exato. Wheeler se afastou para me observar. Seus olhos estavam acesos com tudo de mais safado e sexy que estava esperando para usar comigo. – Sabe quantas vezes você me disse isso nos meus sonhos? – abri a boca para responder, mas ele me interrompeu com um beijo. – Milhares. Eu as ouço e acordo com a mão no pau e tanta pressão no saco que até dói. Passei a mão para cima e para baixo da linha de suas costas e me joguei contra a ereção pressionada com firmeza entre minhas pernas. – Posso fazer esses sonhos se tornarem realidade. Eu nem conseguia acreditar que tinha dito aquilo para um homem e sido honesta. Mas os sonhos dele não estavam tão distantes dos meus. Wheeler piscou para mim, então baixou os olhos para meus lábios já inchados. Ele segurou meu rosto com as duas mãos e abaixou a testa até tocar a minha. O tecido do boné afundou na minha pele, mas eu morreria antes de pedir que ele se afastasse. – Não tenho dúvida de que meus sonhos não vão ser nada em comparação com a realidade – ele me beijou de novo e descansou os antebraços acima da minha cabeça, me prendendo. Eu podia sentir o calor de seu corpo e seu pau duro em cada terminação nervosa. Meu corpo era atraído pelo dele sem que eu me desse conta de que estava buscando todas as coisas nele que
faziam com que eu me sentisse tão bem. – Mas prometo que, se deixar, só vou te dar coisas boas com que sonhar daqui por diante, Poppy. Se me deixar entrar, vou botar todos os monstros pra correr. Passei o nariz ao longo de seu pescoço e lambi a veia grossa que pulsava ali. – Você tem feito isso desde que nos conhecemos, Wheeler. Ele soltou um ruído baixo do fundo da garganta e se afastou da porta. Suas sobrancelhas avermelhadas se ergueram e aquelas covinhas de matar fizeram uma aparição. – A hora certa é hoje, e o lugar certo aparentemente é um hotel logo na esquina. Vou te tratar bem, doçura. Levantei as sobrancelhas também e retribuí seu sorriso contagiante. – A hora e o lugar não importam, só a pessoa certa. E, pra mim, é você. O peito dele subiu e desceu soltando o ar devagar. – Vamos cair fora daqui. Meus pés não podiam se mover rápido o bastante para seguir suas passadas largas. Eu havia colocado algo em andamento. Agora só precisava me certificar de que conseguiria acompanhar o ritmo.
CAPÍTULO 12
Wheeler inhas mãos tremiam tanto que deixei a porcaria do cartão que abria a porta do quarto cair duas vezes antes de finalmente conseguir liberar nossa entrada. Provavelmente tinha sido um pouco demais largar o trabalho no meio do dia e ir com Poppy para o hotel mais próximo, mas, assim que aquelas palavras sedutoras saíram de sua linda boca rosada, tive que usar todas as minhas forças para manter o homem de Neandertal dentro de mim enjaulado, em vez de arrastála até meu escritório e ir até o fim ali mesmo. Eu estivera esperando por aquelas palavras desde o momento em que Poppy me deixara colocar as mãos e a boca em sua pele macia. Pode parecer bobo, considerando que ela estava praticamente me implorando com o corpo e com as mãos que a tomasse, mas eu precisava ouvir que estava pronta. Precisava que ela tomasse a iniciativa. Precisava de permissão para tocá-la de verdade e sabia que, se íamos dar aquele passo inevitável, precisava de permissão para o sexo. Queria que Poppy estivesse absolutamente segura. Agora que eu sabia que estava, queria me certificar de que nunca tivesse uma razão que fosse para duvidar de que eu era mesmo o cara certo, independentemente de hora ou lugar. Queria que ela tivesse uma experiência que sempre a fizesse sorrir ao se lembrar, que a deixasse feliz independente do que acontecesse com nós dois no futuro. Queria que soubesse que valia a pena largar tudo por ela, que era exatamente o tipo de garota que merecia algo especial, como um quarto de hotel refinado no meio do dia para nossa primeira vez juntos. Poppy merecia uma cama que não tivesse lembranças de ninguém e de nada. Seus pesadelos não poderiam encontrála ali, e não haveria lembretes do que eu achava que queria em meio à decoração elegante e à cama com uma cabeceira exageradamente luxuosa. Éramos só nós dois. Não havia espaço para mais ninguém. A poeira havia baixado, e restávamos apenas Poppy e eu, um encarando o outro, com os sonhos que havíamos tido em farrapos aos nossos pés. Era hora de juntar os cacos e criar novos sonhos juntos, com pedaços dos dela e pedaços dos meus, em uma trama tão intrincada que nada poderia separá-la. Deixei o cartão cair de novo, e daquela vez foi Poppy quem o recuperou do chão. Ela me deu um sorriso torto e o deixou na cômoda, perto do controle remoto da TV. Me dei conta de que era eu quem estava nervoso como um adolescente na noite de formatura. Ela parecia perfeitamente calma quando fez a bolsa cair do ombro deixando-a de lado. Então se virou para mim com as sobrancelhas cor de caramelo perfeitamente arqueadas e um sorriso divertido se insinuando em sua boca nua e sedutora. Ela afastou uma mecha de cabelos compridos cor de mel do rosto enquanto olhava para a cama e depois para mim. – Estou todo sujo. Falei tão rápido e repentinamente que a assustei. Seus olhos cor de âmbar passaram por mim, do boné manchado de graxa às pontas desgastadas das minhas botas. Ela percorreu os poucos passos necessários para diminuir o espaço entre nós e levantou a mão para passar os dedos em meu nariz. Quando a puxou de volta para me mostrar, fiquei tenso ao me dar conta de que tinha saído da oficina sem me dar ao trabalho de me limpar. Parecia que eu havia passado o dia debaixo de um carro, e era verdade.
M
– Estava cobrindo suas sardas – ela esfregou os dedos para limpá-los e olhou por cima do meu ombro, para a porta aberta do banheiro. – Acho melhor a gente limpar você. Engoli em seco e segui seu olhar. – Se entrar lá comigo, vou terminar antes mesmo de começar. Ela era a primeira mulher por quem eu tinha esperado. Embora tivesse certeza de que valia o tempo que eu havia passado perseguindo alguns de seus dragões furiosos e impetuosos, meu corpo estava mais do que pronto para ser recompensado por sua paciência inabalável. Se Poppy ficasse nua e molhada perto de mim e do meu pau sedento, seria o fim. Ela tirou o boné da minha cabeça e o jogou longe. Ele aterrissou sobre sua bolsa. Baixei a cabeça para que ela pudesse enfiar os dedos nos meus cabelos suados e amassados. Soltei um gemido baixo quando suas unhas arranharam meu couro cabeludo e passaram por minha nuca para então se enterrar nos músculos tensos da base do crânio. – Wheeler – meu nome soava muito bem quando ela o dizia daquele jeito, quase sem ar e necessitada. – Você tem sido ótimo fazendo com que tudo fosse a meu respeito. Era do que eu precisava. Mas agora preciso de você e preciso que seja sobre nós. Poppy levantou as sobrancelhas, e suas bochechas adquiriram um tom encantador de rosa que me fazia querer saber se todas as partes de seu corpo coravam do mesmo jeito. Não que eu quisesse oferecer muita resistência. Se Poppy queria me ajudar a me limpar para que pudéssemos fazer todo tipo de sujeira juntos, eu teria que ser tolo para tentar convencê-la do contrário. Levei as mãos à sua nuca, espelhando a maneira como estava me segurando. Inclinei a cabeça para levar meus lábios aos dela, então sussurrei: – Vamos nos molhar. Poppy sorriu contra minha boca, e a pontinha de sua língua se insinuou e tocou o centro do meu lábio inferior, deixando um ponto úmido que persegui de imediato com minha própria língua. Seus olhos brilharam com promessas e um calor que me fez sentir como se eu tivesse bebido demais e muito rápido. Poppy subiu à minha cabeça depressa e fez com que eu sentisse meu corpo fora de controle. – Já estou um passo à sua frente – grunhi diante de suas palavras safadas e seguras. Sua confiança recém-descoberta talvez fosse mais excitante que o longo cabelo sedoso e a pele dourada que só eu tinha permissão para tocar. – Tenta me acompanhar. Grunhi de novo, pus as mãos nela e a levantei sem muito esforço. Poppy cruzou as pernas na minha cintura e enlaçou meu pescoço no mesmo instante. Fiquei muito satisfeito comigo mesmo ao perceber que já não parecia leve como uma pena. Continuava magra, leve e fácil de carregar, mas seu rosto encovado estava mais redondo e havia mais que o suficiente para preencher minhas mãos quando eu as colocava na curvatura suave de sua bunda. Ela esfregou o nariz para cima e para baixo em meu pescoço, e eu estremeci quando sua língua saiu para lamber uma veia do meu punho que estava pulsando forte e rápido enquanto entrávamos no banheiro ostensivo. O boxe de vidro tinha mais de um chuveiro. Parecia ter sido feito com a intenção de que mais de uma pessoa o usasse ao mesmo tempo. Eu a coloquei na beira da bancada da pia e dei um passo para trás para tirar as botas e o macacão sujo. Poppy ficou me observando com olhos ávidos que pareciam esquentar cada vez mais enquanto eu tirava a roupa. Logo eu estava diante dela com nada além de uma cueca boxer verde-água. Poppy mordeu o lábio inferior e esticou o braço para passar um dedo hesitante pela silhueta do meu pau, que esticava o tecido tanto quanto possível. Ela já havia colocado as mãos inseguras
no meu pau quando estávamos nos pegando antes, mas em geral as puxava como se estivessem se queimando. Daquela vez, prosseguiu com a carícia delicada até chegar ao elástico da cueca, ponto no qual a cabeça inchada e sedenta se esgueirava para fora. Tive que travar os joelhos para impedir que virassem geleia quando ela usou a ponta do dedo para circular a carne sensível repetidas vezes. – Você sempre usa cueca colorida. Por que não preta ou branca? Entre todos os momentos em que ela poderia ter escolhido para perguntar sobre minha escolha de peças íntimas, Poppy havia preferido aquele em que eu nem conseguia pensar direito por causa da maneira como sua mão deslizava para dentro da cueca colorida e envolvia a ereção dura como pedra que estava cobrindo. Passei as mãos por suas pernas cobertas por jeans até chegar à cintura. Eu a observei com cuidado enquanto as enfiava por baixo da bainha de seu suéter largo. Comecei a puxar o material e cheguei à altura de suas costelas, então tive que parar e respirar fundo quando sua mão apertou o meu pau e minha visão ficou turva com a sensação deliciosa. – Não sei. Já tem branco e preto em toda parte. É meio comum e sem graça. Terminei de levantar o suéter dela e o tirei, então soltei um gemido de aprovação diante da visão de Poppy sem nada além do jeans e do sutiã cor-de-rosa. Parecia sedoso, então é claro que eu passei os dedos pelas bordas e a observei enquanto o toque fazia com que os pelos sobre sua pele cremosa se eriçassem. Senti suas pernas prensarem mais meus quadris enquanto passava um dedo solitário na parte central de seu peito, tocando de leve seu umbigo e parando para abrir o botão do jeans. Poppy respirou fundo, então parei e comecei a me afastar, sem querer ir rápido demais. Mas tive que rir quando ela aproveitou a mão na parte mais sensível de minha anatomia para me manter no lugar. – Não tem nada sem graça em você. Tudo se destaca. Poppy levantou os quadris e tirou a mão da minha cueca com relutância, para que eu pudesse puxar sua calça. A calcinha combinava com o sutiã e fazia muito pouco para esconder aquele lugar privado em seu corpo que eu só conhecia pelo toque e pelo gosto. Ela não havia mentido para me agradar. Havia mesmo uma mancha visível de umidade no meio da seda. Aquilo me deixava com água na boca. – Passei a infância inteira sentindo que não tinha importância, que ninguém me via. Quando tinha idade o bastante para fazer algo a respeito, fiz questão de me certificar de que ninguém poderia me ignorar – voltei as mãos para seus quadris e a puxei para a beirada da bancada, de modo que sua maciez e sua umidade ficassem pressionadas contra o membro cada vez mais duro entre minhas pernas que implorava por algum tipo de alívio. – Queria ser visto. Poppy escorregou as mãos por meus ombros, descendo pelo lobo tatuado no meu peito e passando por cada uma das divisões dos músculos do abdome. Ela traçou as linhas gêmeas sobre os quadris que terminavam no elástico da cueca e esfregou as costas dos dedos no amontoado estreito de pelos debaixo do umbigo que era praticamente uma placa de neon indicando a direção do ponto do meu corpo que não podia disfarçar a maneira como era afetado por ela. – Eu vejo você, Wheeler. Mesmo quando não estava olhando, eu vi. Aquelas palavras eram muito similares às que eu havia dito a ela na tentativa de convencê-la a me dar uma chance. – Fico feliz que estivéssemos os dois de olhos abertos. As últimas palavras saíram quando ela já estava descendo da bancada, com todo o seu corpo
pressionado contra mim. Ela enganchou um único dedo no elástico da cueca e puxou. – Tira. Suas pálpebras pesaram de repente e seus olhos ficaram provocadores. Seus cílios inacreditavelmente grossos se abaixaram quando fiz o que ela pedia. Era a primeira vez que eu ficava totalmente nu diante dela, e tudo dentro de mim tremia com a necessidade opressora de que ela gostasse do que via. Eu não precisava me preocupar, como Poppy dissera: ela já me via mesmo sem olhar, e agora que estava olhando não conseguia desviar os olhos. – As tatuagens vão até lá embaixo. A voz dela saiu baixa enquanto traçava a tinta preta rodopiante que decorava todo o baixoventre até a base do meu pau. As chamas tribais desciam tanto quanto podiam sem chegar de fato a ele. Tinha doído muito para fazer, mas fiquei feliz por estarem lá quando seus dedos passearam de leve por elas, descendo cada vez mais. Seu toque esquentava minha pele, e eu sabia que continuaria a segui-lo até bem depois de sair do banheiro. Procurei o fecho do sutiã em suas costas. Ela endureceu nos meus braços e levantou os olhos arregalados para mim. – Não sei se já estou pronta para isso. Parecia constrangida ao dizer aquilo, talvez pela maneira como estava se esfregando contra meu pau agora livre, mas de alguma maneira fazia todo o sentido para ela. Coloquei uma mecha de cabelo comprido atrás de sua orelha, peguei seu rosto com minhas mãos sujas e abaixei a cabeça para beijá-la. Quando me afastei, estávamos ambos respirando forte e com os olhos fora de foco. Dei um passo para trás, liguei o chuveiro e tentei acertar a temperatura. Poppy se recostou na bancada, com os braços apoiados para me olhar melhor enquanto eu entrava na água quente para tirar todo o óleo e a sujeira do trabalho do corpo. Abri o xampuzinho do hotel e esfreguei o cabelo emaranhado, então passei as mãos pelo rosto e o peito, procurando por outras manchas que pudessem marcar sua pele perfeita. – Você tem sardas nos ombros. A voz dela não ecoou, então não fiquei surpreso quando abri os olhos em meio à cortina de água e a encontrei diante do chuveiro aberto. Ainda estava com o sutiã cor-de-rosa, mas o constrangimento no olhar havia sumido. Parecia… sedenta. Virei de costas para poder enxaguar a frente do corpo e baixei a cabeça para que a água quente trabalhasse a tensão acumulada na nuca. A expectativa era o inferno perfeito. Eu não estava com nem um pouco de pressa de fugir do fogo. – Tenho sardas em toda parte. Elas vinham junto com o cabelo ruivo que eu devia ter herdado do meu pai. Pelo que me lembrava da minha mãe, seu cabelo era escuro como a meia-noite. Eu sabia o que viria, mas, mesmo assim, quando seus dedos tocaram meu ombro escorregadio, meu corpo inteiro sacudiu. Sua palma alisou a pele salpicada e deslizou pela coluna. – Por que essa árvore não tem folhas? Os lábios dela tocaram o centro das minhas costas, e eu senti a pressão de seus seios agora nus contra minha pele bastante sensível. Os mamilos se enterraram em minha pele e suas mãos passearam por minha cintura até descansarem nos músculos de meu abdome. Levei uma mão até a dela e a peguei. Poppy não a puxou de volta nem lutou contra quando a baixei até onde meu pau estava levantado, apoiado em meu abdome. Fechei seus dedos compridos em torno dele com os meus e comecei um movimento lento de subir e descer.
Descansei a testa contra o mármore frio da parede e levei o outro braço para cima da cabeça, até toda a extensão de seu corpo nu estar apoiada contra minhas costas. Senti quando ela remexeu os quadris contra minhas costas, com nossas mãos trabalhando juntas no meu pau pulsante. Ela estava começando a ficar inquieta, mas eu jurava que podia fazer aquilo o dia todo. – É minha árvore genealógica, estéril e vazia. Eu tinha pensado em continuar quando Kallie e eu nos casássemos e começássemos uma família. Colocaria folhas e flores, mas agora... Balancei a cabeça e parei de falar, em parte porque não tinha certeza de qual era a cara da minha futura estrutura familiar, mas principalmente porque Poppy estava usando o dedo para traçar círculos provocantes na cabeça do meu pau. Um desejo escorregadio vazava da fenda, e ela o pegava antes que a água pudesse lavá-lo. Poppy enfiou os dentes na curva em que meu pescoço e o ombro se encontravam, e o braço que mantinha em meu abdome se contraiu e apertou com mais força. Meus quadris se mexeram involuntariamente com nosso toque combinado, e minha mão apertou a dela com mais força enquanto a forçava a se mover com velocidade maior. Minha respiração acelerou, e eu fechei os olhos quando o prazer me atingiu forte e pesado, tomando todos os meus nervos e o sangue que corria em minhas veias. Soltei suas mãos escorregadias e estiquei o braço para trás querendo pegar sua carne macia. Seus lábios pararam na minha omoplata e suas unhas se cravaram na minha barriga quando comecei a me movimentar para a frente e para trás de forma incontrolável com sua carícia. Eu estava buscando o fim, procurando a conclusão a que apenas seu toque poderia levar, e fazia tanto tempo que esperava por aquilo que perdi o controle e a tortura da espera não era mais uma alfinetada, cravando suas garras e me ferindo de uma maneira que não podia ser ignorada. – Sua árvore continua crescendo, Wheeler. E vai florescer. Ela sussurrou as palavras contra minha pele, e eu senti quando descansou a bochecha nos galhos nus que se estendiam de ombro a ombro. Senti meu saco se apertar e se encolher para junto do corpo. A veia grossa que corria até o fim do meu pau pulsou forte, então todo o membro latejante se retorceu insistentemente com seu toque suave. A ponta escorregadia estava coberta de um líquido perolado, e Poppy parecia não conseguir manter os dedos longe. Gemi seu nome como um aviso, dando tempo suficiente para ela se afastar, mas Poppy apenas se inclinou mais para junto de mim, apertou ainda mais os dedos e ajudou o orgasmo que esperava impaciente dentro de mim a sair. Ela manteve os dedos ao redor do meu pau quando minhas pernas tremeram e o ar entrou e saiu dos meus pulmões de maneira sonora. Abri os olhos bem a tempo de vê-la colocar os dedos grudentos na água corrente apagando a evidência do que havia feito comigo. Tirei a mão da parede e virei para abraçá-la. Encostei seu corpo contra a parede molhada e escorregadia e levei minha boca à dela antes que pudesse protestar ou inventar qualquer motivo para se afastar. Passei as mãos por sua pele lisa e peguei cada peito em uma mão. Circulei os mamilos endurecidos com os dedões e engoli seu grito de prazer devorando sua boca e lambendo sua língua. Senti como ela tremeu quando abri suas pernas com o joelho. Levantei a cabeça para olhá-la e desejei poder parar o tempo, apenas por um minuto, para apreciar aquele momento de novo e de novo. Poppy era espetacular. Tudo nela era cor de mel ou rosado. Seus cílios escuros bateram perigosamente na água quando ela piscou para mim, com timidez e um toque de incerteza se esgueirando. Não havia espaço para aquilo entre nós, então a beijei no mesmo instante, antes de me ajoelhar na sua frente. Ela arfou quando fiquei cara a cara com a parte mais íntima de seu
corpo, mas estava presa entre mim e a parede, de modo que não havia como se esconder. Eu a encarei, sem conseguir esconder o sorriso de lobo que sabia devia estar estampado em meu rosto. – Você fica mesmo toda cor-de-rosa quando cora. Dava para ver aquele tom indo dos dedos dos pés ao topo da cabeça. Caía bem nela. – Wheeler… Aquilo era em parte uma pergunta, em parte um pedido. Continuei encarando Poppy enquanto pegava atrás do seu joelho para apoiar sua perna no meu ombro. Ela balançou a cabeça em negativa e levou uma mão à minha bochecha, mas foi minha vez de pedir. – Me deixa entrar, Poppy. Por um momento achei que ela fosse se afastar. Poppy pôs o braço livre sobre os peitos nus e inclinou a cabeça de lado como se estivesse considerando suas opções. Eventualmente, a mão na minha bochecha tocou levemente uma covinha e ela me deu o mais leve aceno de cabeça. Não desperdicei um segundo. Segui em frente, usando a largura dos ombros para abrir espaço entre suas pernas enquanto a água continuava a cair sobre nós. Fiz cócegas na parte de trás de sua coxa enquanto usava a outra mão para encontrar e acariciar suas dobras molhadas. Eu a havia tocado mais vezes do que podia contar. Sabia qual era a sensação do toque e de quando gozava com ele, mas queria aquele sabor único explodindo na minha língua. Queria sentir o gosto do prazer dela. Queria saborear e desfrutar como a iguaria rara e doce que era. Poppy enfiou a mão em meu cabelo e eu murmurei aprovando quando ela usou a pegada nas mechas escorregadias para me puxar mais para perto. Soltei o ar de uma maneira que fez suas pernas tremerem, e ela gemeu meu nome enquanto eu usava os dedos para circular seu centro ardente. Enfiei o rosto no lugar com que eu estivera sonhando havia semanas e não fiquei surpreso ao constatar que era o céu. Usei a língua para explorar cada lugar secreto, enquanto meus dedos entravam e saíam de seu corpo agora ondulante de um jeito que eu sabia que a deixava louca. Dava pra sentir como estava molhada. Seus músculos internos agarravam minha língua, incitavam minha boca a entrar mais. Seu clitóris era um leve pico rígido contra a ponta da minha língua enquanto eu a movimentava para a frente e para trás, até fazer Poppy choramingar. Passei a ponta afiada do dente nele e chupei a coisa toda de uma vez, o que a fez xingar e depois repetir meu nome. A pele aveludada de suas coxas tremia furiosamente perto do meu rosto, então soltei seu clitóris e dei um beijo molhado ali. Queria saber que gosto cada parte de Poppy tinha. Voltei minha atenção para a pele linda e rosada que precisava ser venerada, que implorava para ser adorada. Pedi para Poppy se inclinar para que eu pudesse trocar os dedos mergulhando pela língua aventureira. Ela obedeceu, e coloquei as mãos em seus quadris para poder segurá-la enquanto a fodia sem parar usando apenas a língua. Só as pontinhas dos dedos dos pés de Poppy tocavam os azulejos quando ela revirou a cabeça de um lado a outro em meio a uma onda de prazer. Ela parou de tentar cobrir o corpo e usou a mão que estivera no peito para esfregar os mamilos ainda enrijecidos e inchados. Era tão gostoso que meu pau adormecido e cansado começou a despertar. Poppy começou a arfar, e a mão enfiada em meu cabelo começou a puxar tanto que quase doeu. Ela apertou as pernas contra minhas orelhas, e eu pude sentir o fluxo de seu prazer cobrir minha língua enquanto entrava e saía dela. Estava perto, mas ainda não havia chegado lá, e eu estava determinado a levá-la ao limite antes de utilizar a ereção que já se fazia notar entre minhas
pernas. Eu me sentia um homem definhando, enquanto ela era a única coisa que podia aplacar minha fome. – Doçura, preciso que me ajude a fazer você se sentir bem – seus olhos selvagens cor de uísque encontraram os meus enquanto ela continuava a se esfregar contra mim. – Preciso que você se toque exatamente como eu te toco – passei o dedão por sua abertura. – Vai ser muito melhor assim. Ela arregalou os olhos, mantendo-os em mim. Eu estava pedindo que fosse uma participante ativa do próprio orgasmo, o que era muito diferente de simplesmente aliviá-la ou levá-la para a cama. Poppy teria que se envolver com seu próprio prazer, o que talvez estivesse além de um limite que ainda não se dispusesse a passar. Eu me inclinei em sua direção para circular longamente com a língua aquele ponto tenro, fazendo todo o seu corpo se inclinar contra mim. – Confia em mim, doçura. Poppy piscou para mim algumas vezes, então assentiu lentamente. Sorri para ela antes de levar a boca de novo para entre suas pernas, enfiando a língua bem fundo para preencher o espaço que meu pau estava implorando para ocupar. Ela passou a mão no peito e desceu até a barriga chapada. Dava para ver que tremia, mas acabou mergulhando entre as pernas luxuriosas e encontrou seu lugar entre os lábios macios como pétalas, onde todo o seu prazer se concentrava, tenro e esperando liberação. Ela acariciou enquanto eu circulava. Ela remexeu enquanto eu fodia. Ela balançou enquanto eu esfregava. Nós dois nos movemos em perfeita harmonia, em uma sincronia que não deveria ser possível para duas pessoas que estavam começando a aprender do que a outra gostava. Na verdade, era simples: eu gostava dela e ela gostava de mim, então o que quer que fizéssemos um com o outro funcionava bem e era uma delícia. Senti seus músculos começarem a fraquejar. Observei suas pernas ficarem rígidas e sua pele dourada passar a cor-de-rosa. Poppy estava prestes a perder o controle, e eu podia sentir a onda de prazer à minha volta. Ela disse meu nome, então gritou até que fosse tudo o que eu conseguia ouvir. Aquilo ecoou pelas paredes do banheiro refinado e voltou até nós, então ouvi de novo e de novo, enquanto ela se desfazia na ponta da minha língua. Ela era deliciosa. Seu prazer era diferente de tudo o que eu já tivera. Poppy era algo novo que eu nunca ia cansar de provar, provocar, testar. Eu achava que sabia com quem deveria ficar pelo resto da vida… aquele momento com ela representou a preocupante constatação de que eu estivera completamente errado. Poppy era o que deveria sentir para sempre. Eu sabia daquilo, no fundo da minha alma. Se minha árvore ia crescer, era porque Poppy aparecera quando eu precisava desesperadamente de alguém que a nutrisse. Eu a teria deixado definhar e morrer. Poppy a trouxe de volta à vida. Ela murchou, com seus membros parecendo pesados e seu corpo mole contra a parede à minha frente. Fiquei de pé e me inclinei para ela, com o pau batendo feliz contra sua barriga lisa. Enfiei o nariz na cavidade de seu pescoço, lambendo-o e sentindo uma veia pulsar. Ela levantou o queixo e levou as mãos até meus ombros. Fixei os olhos nos dela, então perguntei: – Está pronta para apostar tudo comigo? Eu a segurei e ela me envolveu com as pernas, de modo que estávamos da mesma maneira como havíamos entrado no banheiro. Senti um sorriso se insinuar em um canto de minha boca, e
seus lábios tocaram a covinha na minha bochecha. Sua língua deixou um pouco de saliva ao brincar com ela. – Estou pronta, Wheeler. Ela soltou uma risadinha quando a carreguei para a cama. Eu a deixei na lateral e desfiei uma série de palavrões ao me dar conta de que a carteira estava no macacão que havia ficado na pilha de roupas sujas no chão do banheiro. Olhei para meu pau duro e já pensava em me desculpar, mas Poppy salvou o dia apontando para a bolsa e indicando o bolso lateral. Quando lancei um olhar questionador, ela deu de ombros e disse: – Pedi que transasse comigo, Wheeler. Não teria feito isso se não estivesse pronta em todos os sentidos. Ela sempre me surpreendia, e da melhor maneira possível. Passei a embalagem para ela e observei com os cílios baixos enquanto vestia a camisinha em mim de forma lenta e deliberada. O modo como botou a língua para fora e mordeu a pontinha enquanto se concentrava em deslizar o látex por toda a minha extensão, combinado com a leve pressão de seus dedos, me obrigou a contar até vinte para evitar passar vergonha. Poppy me olhou ao terminar, esperando que fosse até ela e a reivindicasse. Eu sabia que tinha muitas lembranças, todas ruins, de homens se apressando e cobrindo-a com seu domínio e controle. Eu não queria aquilo para ela. Queria lhe dar algo, não só tirar. Fui até a beirada da cama e fiquei atrás dela, bem no meio. Me arrastei até a cabeceira e me ajeitei apoiando as costas e esticando as pernas para a frente, com o pau ereto como um farol. Estiquei a mão e, depois de um momento no qual pude ver que ela estava se preparando, Poppy a aceitou e veio se posicionar. Sem aviso, ela colocou as mãos nos meus ombros, os joelhos ao lado dos meus quadris e subiu em mim de modo que a pontinha do pau provocasse sua abertura. O contato fez nós dois arfarmos, e ela fechou os olhos. Segurei seu tronco dos dois lados, sentindo-a inspirar e exalar tudo de ruim que tinha vindo antes de mim. Observei seu rosto enquanto descia, devagar e constante, sentindo cada centímetro meu tomar cada parte sua. Ela parecia muito concentrada enquanto seu corpo se ajustava à invasão do meu. Senti que se alongava e flexionava à minha volta, os músculos me apertando conforme me deixava entrar mais. Quando cheguei ao fim, quando Poppy já havia aceitado tudo o que era possível entrar, seus olhos se abriram e vi o prazer afastar o medo que morava ali. Eu não ia machucá-la. Ia deixar que controlasse como aquilo evoluía mesmo se seu balançar sem pressa fizesse meu saco doer e meu pau se contorcer dentro de seu corpo. Dobrei um joelho, forçando suas pernas a abrirem um pouco mais, e a levantei só um pouco. Toda vez que descia em mim, seu clitóris já sensível se esfregava contra a base do pau de um jeito que a fazia perder o fôlego e se movimentar mais. Adorava assistir ao prazer dela, me satisfazia ao vê-la sem medo, tentando achar o que a fazia se sentir bem e indo à desforra com aquilo. Eu ia gozar só de ver a expressão de deleite em seu rosto… de tão bom que era. Poppy pegou minha mão e a levou ao peito. Começou a se mover mais rápido e com mais objetividade quando belisquei seu mamilo e fiz movimentos circulares repetidas vezes. Ela pressionou a bochecha contra a minha, respirando de forma entrecortada e irregular no meu ouvido, enquanto se mexia como uma mulher em meio a uma missão. Foi por pouco, mas consegui colocar a outra mão entre nós e levar as pontas dos dedos a seu clitóris. Prossegui enquanto ela subia e descia, com o corpo preso a meu pau como se não quisesse ser separado dele de novo nunca mais. Não via nenhum problema naquele plano, porque
aquilo era mais do que sexo. Era mais do que nossos corpos se movendo juntos e nossos corações correndo lado a lado. Era mais do que se sentir bem e afastar as lembranças ruins. Aquilo era mais do que um orgasmo que nos deixava mais fracos e nos revirava do avesso. Era minha alma dizendo à alma dela que estivera esperando por um longo tempo para encontrar sua outra metade. Era eu sonhando com algo novo, e ela fazendo com que se tornasse realidade exatamente como tinha prometido. Aquilo era cura. Era um recomeço. Uma reinvenção. Sua palma passou pelo azulão em meu pescoço, e ela inclinou a cabeça para poder lamber minha orelha. A carícia me fez levantar os quadris da cama, e meu pau entrou mais do que eu pretendia. Ela gemeu no meu ouvido e seus movimentos ficaram espasmódicos e levemente frenéticos. Poppy se esfregava contra meus dedos, descia por meu pau, desesperada e necessitada. Ela agarrou meus bíceps e jogou a cabeça para trás enquanto se estilhaçava em um milhão de lindos pedacinhos em cima de mim. Seu corpo inteiro foi jogado para trás, projetando seus seios rosados contra minha boca enquanto eu continuava a meter. Não demorei muito para sucumbir ao calor acolhedor e ao puxão confortável de seu corpo. O orgasmo me percorreu, deixando meus membros fracos e pesados enquanto ela sucumbia sobre mim. Eu a envolvi com os braços e passei os lábios por sua bochecha. Não me surpreendeu que sua pele estivesse salgada com a mistura de suor e lágrimas. Íamos precisar de outro banho antes de ir embora. – Eu não sabia que sexo podia ser assim. A voz dela saiu baixa, mas as palavras pareceram gritar direto para meu coração. Esfreguei a bochecha contra a dela e disse, com sinceridade: – Nem eu. Era diferente quando se mergulhava por inteiro. Não parecia que eu estava me afogando ou que não saía do lugar. Parecia que estava sendo resgatado.
CAPÍTULO 13
u tinha uma mão na nuca de Wheeler, meus dedos roçavam com delicadeza o pequeno tufo de cabelo avermelhado surpreendentemente macio. A outra estava apoiada na cabeceira estofada da cama, acima de onde seus ombros tatuados descansavam, enquanto eu subia e descia repetidas vezes sobre o membro rígido que eu desconfiava ter poderes mágicos. Eu sabia que estava meio embebecida de paixão e deleite, com o que parecia ser uma quantidade infinita de orgasmos, mas nunca havia estado com ninguém que tivesse a habilidade de me fazer queimar de dentro para fora e parar o tempo. Os minutos se transformavam em horas, e horas pareciam dias em que eu não desejava nada além da pressão de seu pau contra minhas partes macias e sensíveis. Sexo com Wheeler não envolvia poder e controle, ainda que insistisse em me dizer que o que aconteceria ou não estava em minhas mãos. Ele nunca me deixava esquecer que era eu quem chamava as jogadas e determinava o ritmo, motivo pelo qual ainda estava estirada sobre seu corpo, montada nele como se fosse minha atração preferida em todo o parque de diversões. Eu havia tentado deixar que ele ficasse em cima de mim, deitada sob ele para poder encarar seus olhos cor de inverno e sua pele tatuada se contrair enquanto ele me comia, mas, assim que sua figura muito maior se inclinou sobre mim, um pânico que eu não conseguia controlar e as lembranças para as quais não havia lugar na cama com um homem tão bom e generoso quanto Wheeler encontravam caminho em meio ao prazer e à antecipação. Ele se deu conta de que eu estava prestes a surtar antes de mim e saiu de cima na hora. O que deveria ter sido uma hora de sexo de virar a cabeça e orgasmos múltiplos se transformara em uma hora de Wheeler me segurando e beijando meu cabelo delicadamente enquanto eu chorava e pedia desculpas repetidas vezes por carregar as coisas ruins das quais não conseguia escapar para onde quer que fosse. Ele me garantiu que não se assustava quando meu passado tenebroso se insinuava. Bem baixinho, sussurrou: – Mesmo que as cicatrizes de tudo a que você sobreviveu estivessem do lado de fora, eu estaria aqui, desejando você do mesmo jeito. São parte de quem você é, e você é a pessoa com quem quero estar. Aquilo me fez chorar por mais meia hora, até me dar conta de que estava soluçando nos braços de um homem supergostoso e pelado, e a prova de que realmente me queria, não importava quão complicada eu fosse, não pôde mais ser ignorada. Logo cheguei à conclusão de que, em vez de me distrair com as coisas que eu não conseguia fazer funcionar por causa dos meus demônios, devia abraçar as coisas que aparentemente ainda funcionavam bem. Desde que não me sentisse encurralada ou aprisionada, desde que minha mente compreendesse que havia espaço para fuga, que havia uma saída caso eu precisasse, todo o medo e o pânico retrocederam, permitindo que o desejo e a sede que apenas aquele homem inspirava tomassem conta. Havia muitos jeitos diferentes de dois corpos se unirem, e eu estava amando descobrir todos, mas aquele era meu favorito até então. Eu amava observar a frieza em seu olhar se derreter
E
conforme ele ia perdendo o controle. Não conseguia parar de me esfregar contra seu peito, meus mamilos rígidos pressionando sua pele colorida enquanto suas mãos pegavam meus quadris com mais força toda vez que eu descia por seu pau duro. O rosto dele ficava vermelho, uma camada fina de suor surgia em sua pele, e suas covinhas apareciam toda vez que ele me fazia grunhir ou arfar com seus dedos. Eu controlava o ritmo e gostava que fosse lento e constante. Estava viciada no estica e puxa do meu corpo enquanto o recebia de novo e de novo. Era a primeira vez que sentia estar obtendo tanto quanto eu dava na cama. Wheeler parecia determinado a garantir que eu gozasse primeiro, que estivesse satisfeita e plena antes de parar. Era fofo, mas também desnecessário. Wheeler já me havia dado mais do que qualquer outra pessoa, e eu queria fazer o meu melhor para me certificar de que toda vez que estivéssemos juntos fosse tão bom para ele quanto ele fazia ser para mim. Daquela vez, ia fazê-lo terminar antes que tivesse a chance de me fazer entrar em combustão. Inclinei a cabeça para o lado a fim de poder passar a pontinha da língua em sua orelha. Aquilo fez seu corpo enorme tremer debaixo de mim, e senti a pressão de seus dedos bruscos na curva suave dos meus quadris. Passei a ponta do nariz no intrincado aglomerado de flores tatuado atrás de sua orelha e segui o desenho pescoço abaixo, até chegar à curva sólida e forte de seu ombro. Wheeler estava escorregadio de suor, e todos os músculos que se moviam e se flexionavam contra mim se esticavam e se tensionavam com o esforço. Suspirei em sua pele quando sua mão foi do meu quadril ao ponto sensível entre minhas pernas. Eu já estava molhada e solta graças à sua boca muito habilidosa, então achei que teria tempo o bastante para trabalhar nele e levá-lo ao limite antes que meu corpo estivesse pronto para mais uma, mas só precisei de um toque de seus dedos ásperos, que pareciam conhecer meu corpo melhor do que eu mesma, para meu sangue esquentar e meus nervos ficarem elétricos. Senti minhas coxas tremerem e a carne tenra e inchada em volta de seu pau palpitar em resposta. Wheeler não estava sendo justo, mas eu continuava determinada. Costumava querer que meu parceiro tivesse prazer por medo e um instinto de autopreservação. Agora queria que Wheeler sentisse prazer porque não conhecia outra maneira de mostrar como ele fazia com que eu me sentisse bem. Queria que ele sentisse o que me fazia sentir. Afundei os dentes na carne esticada do ponto em que o pescoço e o ombro se encontram, dando uma mordida um pouco mais cruel do que pretendia e muito mais agressiva do que já dera em qualquer outra pessoa. Ouvi um rugido deixar seu peito e senti que os círculos suaves que ele traçava em meu clitóris vacilaram enquanto me urgia ir mais rápido e aumentar a pressão contra ele conforme movia o corpo para cima e para baixo. Lambi o machucadinho que havia deixado, soltei a cabeceira e passei a mão pelos músculos protuberantes de seu peito, acariciando o lobo que rosnava, como se pudesse domar as partes solitárias e selvagens de Wheeler que às vezes se esgueiravam para trás da calma. Passei o dedão por um de seus mamilos chatos e acompanhei de olhos arregalados como ele se insinuou e enrijeceu ao meu toque. – Minha nossa, Poppy – a voz saiu irregular e tão áspera quanto os dedos que rastejavam por minha pele. Ele jogou a cabeça para trás descansando-a na cabeceira e fixou os olhos nos meus enquanto um músculo em sua bochecha se flexionava. Era de longe a coisa mais sexy que já havia visto, e estava um pouco embasbacada com o fato de eu ser o motivo daquela reação. Levei a mão ao outro mamilo e repeti o movimento, o que o fez xingar e levantar as sobrancelhas avermelhadas. – Está vendo o que isso faz comigo? Eu estava. Seu abdome havia se contraído, e as coxas debaixo de mim estavam muito duras. Podia sentir seu pau se contorcer dentro de mim. Via seu peito subir e descer de forma irregular
enquanto ele tentava se controlar. Seus olhos estavam longe de ser frios, havia um toque de desespero neles quando acelerei o ritmo e repeti a carícia suave. Me inclinei para a frente levando minha boca até a dele e não fiquei nem um pouco surpresa quando sua língua atravessou meus lábios e meus dentes para sentir o gostinho. Wheeler gostava de beijar. Era bom naquilo, então era fácil se deixar distrair por sua língua roçando na minha. Mas eu era uma mulher em uma missão e não ia falhar de modo algum. Sem fôlego, respondi contra sua boca agora molhada: – Claro. Eu queria ver mais ainda, na verdade. Seus olhos brilharam, e dava para ver que ele precisava de muito autocontrole para não virar meu corpo, assumir a situação e conduzir nós dois ao doce orgasmo do qual parecia estar a um passo enquanto eu subia e descia em cima dele. Era uma tortura, mas não do tipo que assombraria meus sonhos e faria com que eu acordasse gritando. Era do tipo que fazia tudo dentro de mim parecer quente e turbulento, porque, não importava o quanto ele quisesse me fazer mexer, não importava quão forte era a tentação de me colocar em segundo plano e assumir a situação, Wheeler se segurava, sufocando seus instintos mais básicos para me deixar controlar o ritmo. Eu me ergui sobre os joelhos e passei a mão por suas costelas, descendo pelas linhas bem definidas da barriga. Seus olhos se estreitaram quando toquei com delicadeza a mão cujos dedos ainda brincavam com meu clitóris suplicante e minhas dobras escorregadias. Rocei os nós dos dedos nele, então estiquei os braços para além dos quadris para acariciar a pele cheia de pelos de suas coxas. Meu destino ficou evidente, e ele soltou o ar em um suspiro lento enquanto continuava a me observar de perto. Era mais ousadia do que eu já demonstrara, mas eu queria que ele cedesse para então poder ceder também, deixando meu corpo flutuar no rio de prazer que eu podia sentir subindo e ameaçando transbordar ao seu toque. – Doçura. Havia um tom de aviso na aspereza daquela voz, mas ignorei e me reclinei até conseguir pôr as mãos nas bolas apertadas, sensíveis e delicadas que descansavam entre suas pernas abertas. Seu corpo inteiro tremeu com o primeiro toque de meus dedos em sua pele macia. As sardas pareceram se destacar mais nas bochechas e no nariz quando seu rosto se retesou concentrado. Era óbvio que ele estava precisando fazer um esforço real para impedir o orgasmo de vir, e saber daquilo fez com que eu me sentisse mais feminina e desejável do que qualquer outra coisa já havia feito. Desde bem pequena me diziam que eu era bonita, mas foi vendo Wheeler lutar para manter o controle que me senti de fato bonita e desejada. Eu o estava deixando louco e adorava aquilo, porque sabia que não haveria punição, culpa ou julgamento quando o forçasse a gozar antes de mim. Era uma questão de dar e receber, e eu gostava que fosse minha vez de dar, porque, por melhor que fizesse eu me sentir, não ia ficar bem enquanto não soubesse que podia fazer com que ele tivesse o mesmo que eu tinha. Acariciei a pele fina como papel, usando as unhas com cuidado, e joguei a cabeça para trás para que as pontas do cabelo comprido se acumulassem como seda em seu colo, enquanto minha mão continuava a trabalhar. Fechei os olhos e deixei que me levantasse e abaixasse a um ritmo mais rápido do que aquele em que eu me movia. Quanto mais minha mão ficava entre suas pernas, com mais força ele investia contra mim, seus quadris estreitos levantando do colchão enquanto grunhia meu nome e xingava em aviso. Eu estava um pouco tonta e completamente perdida no momento em que sua mão deixou meus quadris e se acomodou em um seio. O
estímulo duplo dos dedos no clitóris e no mamilo me fez arfar e gemer seu nome. Não estávamos mais seguindo um ritmo: só nos esfregávamos, balançávamos, pulávamos um no outro, desesperados para cumprir a promessa de prazer que pairava. Ele pressionou meu clitóris com mais força e beliscou meu mamilo, dando um apertão no bico duro que senti até entre as pernas. Segurei seu saco com a palma da mão e também apertei a pele quente e esticada, fazendo seus olhos se fecharem e seus dentes afundarem no lábio inferior. Aquela imagem ficaria comigo para sempre. Um segundo depois, sua cabeça caiu para trás, e ele soltou um gemido enquanto seu corpo inteiro tremia debaixo do meu. Senti seu pau palpitar dentro de mim, quente e duro. Suas mãos passearam com leveza por minha pele, deixando um caminho de suor e demarcando seu território, como se precisasse de um lembrete sobre onde havia parado para quando recuperasse os sentidos. Ele nem precisou se preocupar, porque, assim que terminou, eu o segui. O orgasmo veio em uma onda que fez meu corpo se arquear e depois colapsar sobre o dele como se tudo o que me mantivesse inteira tivesse se desemaranhado. Eu era uma massa disforme em cima dele quando Wheeler levantou a mão para acariciar meu cabelo. Fazia aquilo mais ou menos da mesma maneira como eu fazia com ele. Me dei conta de que ambos tínhamos pontas afiadas que podiam ser abrandadas um pouco. Fechei os olhos e absorvi a sensação de paz de espírito e proteção que podia ser obtida dos braços de outra pessoa. Aquilo era segurança. Era o abrigo pelo qual eu vinha procurando para a tempestade da minha vida havia muito tempo. – Eu é que deveria cuidar de você, doçura. A voz dele saiu rouca de satisfação e sono. Era tarde, e estávamos nos pegando desde que havíamos entrado no quarto refinado de hotel. Reprimi um bocejo e me aconcheguei mais em seu peito. Estávamos cobertos de suor e sexo, mas eu nem me importava. Queria ficar tão perto dele quanto possível. – E eu deveria cuidar de você, Hudson. É o que significa entrar com tudo. Ele passou os dedos em meu cabelo, e senti seu hálito na minha testa quando ele soltou uma risada. – Se cuidasse um pouco mais de mim, eu estaria morto. Isso me fez sorrir, com orgulho e uma sensação de que aquilo era certo caindo sobre mim como um cobertor quentinho. Seus dedos passaram por minha coluna e traçaram cada osso antes de ele bocejar e me dizer: – Preciso me levantar para ir ao banheiro. Devíamos tomar um banho, a menos que queira ficar grudada em mim a noite toda. Passei o nariz contra o rosto feroz do lobo e soltei um ruído de protesto quando ele saiu de baixo de mim e dos meus braços. – Quero ficar grudada em você a noite toda. Wheeler levantou uma sobrancelha, mas não disse nada. Apenas se levantou e foi em direção ao banheiro. Era como ver um quadro com as mais belas imagens do mundo se mover. O modo como suas tatuagens se flexionavam e mexiam com a pele era tão fascinante que eu não conseguia desviar os olhos. Eu queria pedir para ele ficar parado diante de mim para poder examinar tudo e tentar descobrir que parte de sua história as imagens contavam. Wheeler achava que o lobo estava sozinho, à procura de uma parceira. Eu precisava dizer que estava errado: ele estava ali para proteger seu coração doce e gentil da feiura do mundo à sua volta. Precisava que aquela fera mantivesse as coisas ruins longe. A visão dele voltando para a cama era ainda melhor. Meu olhar foi atraído pela tinta se
revolvendo que descia por seu umbigo e acompanhava seu caminho avermelhado da felicidade. Eu nem conseguia imaginar quanto devia ter doído, mas valera a pena. Quando olhava para a tinta preta, só conseguia pensar em traçar cada linha com a língua. Wheeler era muito diferente de tudo o que eu conhecia, da melhor maneira possível. Queria desesperadamente que ele soubesse que eu apreciava aquela diferença em um nível muito visceral e primitivo. Ele ficou me observando com um brilho conhecido nos olhos e um sorriso no rosto, o que me fez corar. Eu estava prestes a lhe dizer para não fazer aquilo quando o som estridente de um celular tocando afastou a névoa erótica que nos envolvia desde que eu havia pedido que transasse comigo. Ainda não acreditava que tivera coragem de fazê-lo, mas, sentindo a dor agradável nos músculos, fiquei feliz por aquilo. Wheeler me fizera superar o medo. Não se limitava a lutar contra meus demônios por mim: me dava a força necessária para enfrentá-los sozinha. Eu ia fazer o meu melhor para derrotar e pisar com orgulho por cima de seus corpos se isso significava ir na direção de Wheeler, independentemente de como parecesse um futuro cheio dele, e não de medo. O celular havia caído quando Wheeler tirara a roupa no banheiro. Ainda estava procurando pelo aparelho quando ele parou de tocar, mas pouco depois começou de novo. Ao voltar, Wheeler o segurava com uma expressão de pânico no rosto. – Kallie. Dava para ver que ele estava dividido entre atender e continuar fingindo que nós dois éramos as duas únicas pessoas no mundo. Me cobri com os lençóis e disse: – Você precisa atender. E se for sobre o bebê? A realidade não era exatamente bem-vinda, mas não havia como contornar o fato de que ambos tínhamos coisas em nossas vidas que de tempos em tempos iam se colocar em nosso caminho. Wheeler estivera lá para me pegar quando eu tropeçara, e eu estava determinada a fazer o mesmo por ele. Seu olhar foi de mim para o celular. Quando começou a tocar pela terceira vez, ele tocou a tela com um suspiro e sentou pelado na beirada da cama enquanto dizia, tenso: – Oi, Kallie. O que foi? Wheeler me olhou por cima do ombro. Fiquei surpresa ao ver um rubor surgir em suas bochechas. Seu lado da conversa indicava que Kallie queria saber por que não havia atendido da primeira vez. – Eu estava ocupado, e com o que não te diz respeito. O que é tão importante que te fez ligar pra mim em vez de dormir? Aquilo me fez olhar para o relógio digital ao lado da cama. Fiquei espantada ao constatar que era mais de meia-noite. Não à toa eu sentia que mal conseguia manter os olhos abertos. Wheeler pigarreou e levou uma mão ao rosto. – Se está pronta pra isso, pode contar comigo. Mas seus pais não são meus maiores fãs no momento, então talvez você deva avisar que vai me chamar – não havia como ignorar a acusação em seu tom afiado. Wheeler suspirou de novo depois de ouvir o que quer que a voz do outro lado da linha lhe dizia por alguns minutos. – Eu disse que podia contar comigo, e é verdade. Acho mesmo que as coisas vão ficar mais fáceis pra todo mundo depois que tudo for explicado. Sua família te ama – ele também achara que a família dela o amava, motivo pelo qual parecia que algo havia sido tirado dele quando se afastaram depois de o casamento ser cancelado. O que quer que ele fosse fazer pela ex e pelo filho devia ser importante o bastante para ir voluntariamente aonde não o queriam mais. – Tá, te vejo no fim de semana – Wheeler me olhou e retorceu os
lábios. – Tenho algo a dizer a você também – ele ficou quieto enquanto Kallie o interrogava. Quando falou, meu coração acelerou. – Não, não tem nada a ver com a gente. Lembra quando eu disse que estava trepando, e não saindo? – Wheeler piscou para mim quando o chutei de leve por baixo do cobertor. – Bom, encontrei alguém com quem quero fazer as duas coisas. Como estou planejando manter a garota por perto no futuro próximo, achei que devia te contar – ela disse algo que não pude ouvir. Wheeler suspirou de novo e revirou os olhos. – Você não tem o direito de opinar onde coloco meu pau, Kallie. Mas falamos sobre isso depois. Te vejo sábado. Wheeler fechou o celular e o largou no criado-mudo ao lado da cama. Nenhum de nós reagiu quando começou a tocar de novo. Daquela vez, ignoramos, e ele se jogou de volta na cama e cobriu os olhos com o braço. – Quer me contar do que se trata? Fiz a pergunta já sabendo qual seria a resposta. Wheeler apenas balançou a cabeça negativamente. – Não – ele levantou o braço e virou o rosto para me olhar. – Não é verdade. Quero contar do que se trata, mas só posso fazer isso depois do fim de semana. O motivo pelo qual Kallie e eu não demos certo é um pouco mais complicado do que uma simples traição da parte dela, mas não posso contar tudo a respeito até que a garota resolva as coisas consigo mesma. Kallie me ligou para dizer que está pronta para começar a ser honesta com as pessoas que a amam. Inclinei a cabeça para o lado e o considerei por um minuto silencioso. – E ela não está muito feliz com o fato de estarmos juntos. Eu odiava que uma sombra de dúvida se insinuasse sobre a confiança que eu estava construindo lentamente desde que decidira que Wheeler precisava de um cachorro. Eu sabia que se sua ex, a mãe de seu filho, não me quisesse na vida dele, as coisas poderiam ficar difíceis para nós. Wheeler soltou uma risada amarga. – Ah, ela não se importa que estejamos saindo. Só está chateada porque sabe que faz tempo que estou de olho em você. O ego dela foi ferido, e acho que os sentimentos também, o que faz com que aja como uma criança de dois anos. Pisquei para ele, surpresa. – Como assim, você está de olho em mim faz tempo? De repente, Wheeler rolou e se acomodou ao meu lado no colchão. Ele passou um braço nos meus ombros e me puxou para perto. Seus lábios tocaram minha têmpora e então minha bochecha. – Lembra da noite em que você apareceu na Dixie depois que eu havia largado Kallie e ela te viu, ou melhor, viu o modo como eu te olhava? Ela se deu conta bem rápido de que não era mais o alvo da minha atenção. Eu te disse, doçura. Te vi quando não deveria estar olhando. Arfei e levei a mão ao coração dele. – Odeio confrontos. Ela estava tão brava e chateada. Não consegui sair rápido o bastante do apartamento – tamborilei em sua pele tatuada no ritmo do seu coração que batia sob a palma de minha mão. – Não queria que visse o modo como eu te olhava. Ele apertou o braço ao meu redor e levou os lábios até minha orelha. – E como você estava me olhando? Suas palavras me fizeram tremer. Inclinei a cabeça para trás de modo a encarar seu olhar questionador. – Eu te olhava como costumava olhar para os homens antes de ter medo deles. Como olhava
para eles antes de saber quão perigosos podem ser. Eu te olhava como se tivesse encontrado algo especial e sabia que, se ela visse, ia querer você de volta. Kallie foi muito, muito tola de jogar o que tinha fora. Eu te olhava como se, caso fosse meu, nunca fosse te deixar escapar. Dei um gritinho quando Wheeler me puxou, com coberta e tudo, para cima dele. Seu braço envolveu minha cintura e sua bochecha se acomodou no topo da minha cabeça enquanto me segurava junto dele como se tampouco fosse me deixar escapar. – Vou me certificar de que você nunca se arrependa de me olhar assim, doçura, porque olho para você exatamente do mesmo jeito, e foi isso que irritou Kallie. Eu a via com o cabresto da juventude e do afeto. Tinha um ponto cego enorme no que se referia a ela, e ambos sabemos disso. Quando olho para você, meus olhos estão bem abertos, e não há nada que me faça querer desviar os olhos. Bocejei e me entreguei a seu abraço. – É difícil ver para onde estamos indo com os olhos um no outro e não no caminho. Ele riu no meu cabelo e passou o outro braço em meus ombros de um jeito que me deixou totalmente presa. Esperei que um alarme despertasse meus sentidos sonolentos e que o pânico de mudar de posição deixasse meu corpo rígido, mas nada aconteceu. Me perguntei se era possível afastar o medo com sexo, porque ele parecia ter desaparecido quando Wheeler bocejou e me disse, confiante: – Não importa que caminho estejamos seguindo desde que estejamos juntos nele. Se eu tropeçar, você vai estar lá para me pegar. E sabe que vou fazer o meu melhor para nunca te deixar cair. Ele estava certo. Eu vinha lutando para subir a montanha sozinha havia tanto tempo que a ideia de ter alguém ali para me impulsionar ou me puxar quando parecia que eu não podia dar outro passo era tão reconfortante que, se eu não estivesse exausta, provavelmente teria me desfeito em lágrimas. Wheeler podia me puxar e eu podia ajudá-lo a atravessar o terreno montanhoso que o esperava enquanto se ajustava à vida de pai. Todo mundo sempre diz que não se deve fazer uma trilha sozinho, e a sabedoria nessas palavras me pareceu muito óbvia. Fui acordada na manhã seguinte por mãos insistentes que cobriam meus seios e lábios quentes que provocavam minha nuca. Parecia que eu só havia fechado os olhos alguns minutos antes, mas não reclamei quando uma daquelas mãos desceu pela minha barriga e o joelho dele abriu espaço entre os meus para que pudesse se posicionar atrás de mim. Seus dentes se cravaram no exato ponto da curva do pescoço onde eu havia deixado uma marca nele na noite anterior, e ambos deixamos escapar um gemido estrangulado quando ele me penetrou por trás. A pressão lenta e longa se estirou pelos músculos muito sensíveis e queimou de um jeito delicioso e inesquecível. Tudo pareceu amplificado, mais quente, mais duro, mais intenso. Era uma sobrecarga de sensações, e parecia que eu estava me afogando em prazer e satisfação. Foi só quando gozei com um grito estrangulado, o corpo apertando o dele enquanto eu me contorcia e remexia à sua frente, que me dei conta de que só havia sido tão gostoso porque não havia nada entre a gente. Wheeler saiu de mim, ainda que meu corpo ganancioso tentasse prendê-lo exatamente onde ele estava, e rolou de costas, com a mão fechada na ereção escorregadia e brilhante. Havia algo que se aproximava de uma expressão de dor em seu rosto. Fiquei em transe, observando por um longo minuto, até me dar conta de que ele ia gozar sem mim, o que era simplesmente inaceitável. Aquele pau duro era meu. Aquele orgasmo iminente também, e eu tinha toda a intenção de reivindicá-lo. Eu me virei para ficar deitada na horizontal da cama e estiquei o braço para substituir seu
punho pelo meu. Os olhos de Wheeler se fecharam e seus dedos encontraram meu cabelo, enquanto eu esfregava meu nariz pelas tatuagens pretas que marcavam seu baixo-ventre. Seu caminho da felicidade fez cócegas no meu nariz quando mergulhei a língua na leve concavidade de seu umbigo. – Poppy… estou tão perto. Isso é demais. A voz dele saiu trêmula, me deixando saber o que exatamente ia acontecer se eu aproximasse meu rosto da carne dura e latejante que pulsava excitada em minha mão. Wheeler estava sempre cuidando de mim, mesmo que isso fosse diretamente contra o que ele queria. Olhei para ele por baixo dos cílios e sorri. – Não se preocupe comigo. Estou ótima. E eu estava mesmo. Não havia nada do formigamento de medo do dia anterior. A única coisa que sentia era o desejo de saber o sabor de seu gozo. Eu tinha a impressão de que teria gosto de vitória e triunfo. Levando a ponta da língua até a fenda da qual já começava a gotejar um líquido perolado, depois traçando círculos com ela, descobri que tinha gosto de homem e almíscar, com um leve toque de mim mesma, só para manter as coisas interessantes. Wheeler disse meu nome enquanto erguia os quadris da cama, com as mãos agarrando mechas da parte de trás da minha cabeça. – Preciso que você chupe, doçura. Se ele estava pedindo, eu sabia que precisava mesmo, então abri a boca e o recebi. A veia grossa que corria ao longo do membro pulsou contra a minha língua quando engoli sua extensão inchada tanto quanto possível. Wheeler xingou alto enquanto sua mão pesada pegava a minha muito menor, e então a apertou com muito mais força do que eu teria coragem de fazer. Ele me mostrou do que precisava e me disse que não ia piscar enquanto eu estivesse com seu pau na minha boca. Então se remexeu inquieto debaixo de mim e o ouvi grunhir meu nome uma fração de segundo antes de ele se aliviar na minha língua, em um fluxo salgado e furioso. Quando levantei a cabeça, seus olhos estavam fixos nos meus. Suas covinhas apareceram e ele esticou o braço para passar o dedão no meu lábio inferior. Persegui o toque com a boca e pisquei para ele quando me perguntou, baixinho: – Você nunca vai parar de me surpreender? Eu esperava que não, porque cada vez que o surpreendia era uma tentativa de descobrir quem eu deveria ser, a mulher que sempre fora destinada a ser. Era meu coração falando por si mesmo depois de tempo demais.
CAPÍTULO 14
Wheeler última vez em que havia me sentido tão nervoso e incerto ao atravessar a porta da frente dos Carmichael foi quando busquei Kallie em nosso primeiro encontro. Já estávamos nos vendo com regularidade às escondidas, mas ela não tinha certeza do efeito que minha aparição drástica e minha condição de órfão teriam em seus pais bastante conservadores. Ela também era a filha mais nova, a princesa mimada, e não queria que o fato de ter se apaixonado por um pária social mudasse a maneira como todo mundo na família a tratava. Os Carmichael eram gente boa, mas eu sabia que era uma coisa ter pena do garoto sem família e outra completamente diferente recebê-lo na sua casa quando tudo indicava que ele estava tentando transar com sua filha adolescente. Mas a verdade é que fui eu que preferi esperar até que estivéssemos oficialmente juntos, o que incluía poder buscá-la para um encontro. Kallie estava mais do que disposta a ir até o fim assim que a beijei, mas eu queria algo além de paixão adolescente e luxúria descontrolada. Estava mais do que disposto a sofrer com o interrogatório que viria de seu pai, porque estava convencido de que Kallie e eu íamos ficar juntos para sempre. Em toda a minha arrogância, acreditava que minha lealdade e devoção à filha deles ia conquistá-los mesmo se minha aparência e a falta de um lar cheio de amor os fizesse hesitar. Mal sabia que a batalha pelo coração deles estava ganha antes mesmo de bater à porta. Eu sabia que o pai de Kallie se envolvera em um acidente de moto quando ela era muito mais nova que o deixara paralisado da cintura para baixo, de modo que precisava de uma cadeira de rodas. Ela nunca havia mencionado que ele tinha tantas tatuagens quanto eu, se não mais, que um bigode de respeito emoldurava sua boca ou que ele ia atender a porta com roupas e luvas de couro enquanto me olhava como se pudesse me eviscerar sem muito esforço. O sujeito parecia um motoqueiro descolado e não pirou diante das minhas tatuagens ou mãos sujas. Tampouco olhou duas vezes para o jeans rasgado, e a camiseta desbotada e as botas velhas não pareceram incomodá-lo nem um pouco. Ele só me olhou até que eu desistisse e desviasse o rosto, então disse, com um tom muito sério: – Kallie dá muito trabalho, e respeito qualquer um que encare o desafio, mas, se a machucar, decepcionar ou deixá-la na mão, independente de ser um pé no saco ou não, vou acabar com você. Entendeu, filho? Fiquei tão sobressaltado ao ouvi-lo me chamar de “filho” que soltei, sem nem pensar: – Vou casar com ela um dia. A expressão dele passou de dura a um raio de sol. – Graças a Deus alguém vai tirar a garota das minhas mãos. O pai de Kallie riu e se afastou da porta para que eu pudesse entrar. Daquele segundo em diante, ele e a esposa fizeram de tudo para garantir que eu me sentisse em casa. Desde que a filha estivesse feliz, sentiriam o mesmo em relação a me aceitar como um deles. Foi a primeira vez na minha vida que achei que soubesse como era ter uma família, e não me cansava daquilo. Achei que fosse durar para sempre, porque Kallie e eu íamos ficar juntos até o fim dos tempos. Ainda doía saber que, quando ela me traiu, levou consigo a sensação de finalmente pertencer a algum lugar.
A
Agora, enquanto eu me arrastava pela mesma porta, me sentia como aquele garoto que tinha sido levado de um lar temporário para outro. Eu nunca era bom o bastante, e se despedir de mim parecia fácil demais para todo mundo que deveria me amar. Aquilo fazia meu coração se contorcer e deixava um gosto amargo na minha boca. Eu sabia que os pais de Kallie não sabiam muito bem por que o casamento havia sido cancelado, mas achei que tivesse mais do que provado que faria a coisa certa com a filha mais nova deles, não importavam as circunstâncias. Como um tolo, acreditava que tinha merecido um lugar na família. Foi péssimo quando me dei conta de que era apenas um hóspede temporário. Assim que minhas botas agora novas e caras tocaram o último degrau, quis dar as costas e voltar para o Cadillac. Eu estava levantando a mão para bater na porta que eu costumava ser capaz de atravessar sem hesitar quando meu celular tocou. Não pude evitar o sorriso que se insinuou em minha boca quando vi a foto que havia tirado de Poppy e Happy brincando, sem que eles percebessem, aparecer na tela. Ela estava com aquele leve sorriso no rosto, que só saía de seu esconderijo em raras ocasiões, e o cachorro tinha a língua pendurada para fora e uma expressão ridiculamente animada. Era um bom lembrete de que, embora eu tivesse perdido algo importante e especial, também havia tido sorte o bastante para encontrar uma coisa que era acima de tudo algo que se precisava procurar muito para encontrar, porque estava enterrado sob inúmeras lembranças ruins e feridas que nunca iam se curar por completo. – Tudo bem? Agora eu sabia que ela não só era linda dos pés à cabeça, mas também tinha um gosto delicioso quando meus lábios pousavam em sua pele bonita e dourada. – Sei que você tem planos com Kallie e a família dela hoje e sinto muito por interromper, mas estou preocupada com algo e não posso falar com Salem porque ela ia ficar chateada – Poppy parecia ainda mais ansiosa que o normal. – Eu teria ligado para Sayer para pedir sua opinião, mas ela já segurou minha mão em mais de uma crise, e tem sua própria família com que se preocupar agora. Suas palavras pareciam estranhamente apropriadas para a sensação desconexa que eu tinha diante da porta dos Carmichael. – Estou aqui para o que precisar, Poppy. Eu não podia prometer que ela sempre viria primeiro, não com um bebê a caminho, mas podia prometer que sempre daria um jeito de estar lá quando precisasse de mim. – É bobo, na verdade. Ela suspirou, e pude ouvi-la se mexer e o cachorro fazer barulho ao fundo. – Se é importante para você, é importante para mim. Me diz o que é que está te preocupando. Ouvi movimento do outro lado da porta diante da qual eu estava e vi alguém mexer na cortina. Estavam me esperando, mas não com animação. Ela suspirou de novo, e eu a visualizei puxar as mechas de cabelo e morder o lábio inferior como se ela estivesse diante de mim. – Eu disse que minha mãe me ligou há algumas semanas perguntando sobre Salem e o bebê. Não soube mais dela e, sinceramente, estou um pouco preocupada. Meu pai não é um cara legal. Se descobrir que entrou em contato, se souber que está interessada nas filhas e na vida que levam depois que ele praticamente nos deserdou, não vai ser bom para ela. Soltei um grunhido e levantei a cabeça quando a porta à minha frente se abriu, revelando minha ex de cara feia. Ela olhou descaradamente para o celular na minha mão e bufou quando levantei um dedo para indicar que precisava de um minuto.
– Por que se preocupar com ela que esteve mais do que disposta a te jogar para os lobos a vida toda? Eu sabia a resposta antes mesmo que Poppy falasse. Antes de mim, os homens em sua vida haviam tentado destroçar seu coração mole, sem sucesso. Levara um golpe depois do outro e sempre se curara. Aquele coração era mais forte e resiliente do que queriam acreditar. – Sei como é viver com um homem que faz de tudo para te destruir antes mesmo que tenha conseguido tomar uma xícara de café pela manhã. Só queria dar uma conferida, ver se está tudo bem, mas não posso ligar para lá. Meu pai poderia atender – sua voz tremia de medo quando me disse: – Não posso permitir que destrua o que trabalhei tanto para consertar. Eu não ia permitir que ele bagunçasse tudo o que ela se esforçara tanto para colocar de volta no lugar. – Me manda o nome e o número dela e eu ligo quando tiver acabado aqui. Posso ver como ela está por você – Kallie gesticulou diante de mim, então cruzou os braços. Revirei os olhos diante de sua óbvia impaciência e disse à Poppy: – Não tenho medo do seu pai, doçura. Dou conta dele por você. O alívio dela era quase palpável quando me agradeceu e disse que ia mandar as informações. Então me desejou sorte com o que eu tinha que enfrentar e prometeu que estaria por perto caso eu precisasse conversar ou qualquer outra coisa depois que estivesse tudo revelado. Simples assim, o equilíbrio entre nós dois fez desaparecer parte da insegurança que eu sentia em relação a encarar os Carmichael. Eu faria o que pudesse por ela, e ela estaria ali para mim. Sempre tinha querido algo sólido, confiável, estável… quem imaginaria que minha estabilidade viria na forma de uma garota que parecia tão frágil e delicada? Poppy não parecia capaz de suportar qualquer pressão sobre ela, mas de alguma forma conseguia não apenas segurar a si mesma, mas a mim também quando necessário. – Você a chama de “doçura”? Kallie se colocou ao meu lado quando passei pela porta. Havia certa mágoa em seus olhos que preferi ignorar. – Chamo. Tudo nela é doce. Seus olhos, sua pele. Até seu cabelo é cor de mel. Kallie fez uma careta. – Você nunca me deu um apelido fofo. Eu sabia como era difícil ver alguém a quem se havia dedicado tanto tempo de sua vida seguir em frente. Mas, no meu novo tipo de relacionamento com a Kallie, não havia espaço para nenhum tipo de ciúmes. – Não, mas te dei quase uma década da minha vida e te comprei uma casa, se esqueceu? Sem contar que vamos ter um filho juntos. Fiquei olhando deliberadamente para sua barriga levemente arredondada. Ela soltou um suspiro e me levou até a sala. Aquilo me lembrou de quando a assistente social aparecia no lar temporário em que eu estivesse só para me dizer que era hora de mudar de casa de novo. Estava morrendo de medo daquele reencontro familiar, mas, mesmo depois de ter destroçado meus sonhos, eu não podia abandonar Kallie, e não só porque ela ia dar à luz o meu filho. Tínhamos crescido juntos. Tínhamos compartilhado uma vida. Havíamos sido a rede de segurança um do outro por um longo tempo e de jeito nenhum eu ia deixar que pulasse do precipício sozinha. – Quero conhecê-la – a voz de Kallie saiu mais baixa para que só eu pudesse ouvi-la conforme nos aproximávamos da sala, onde seus pais deviam estar esperando para atacar. Eu me sentia um
pouco como um cordeirinho sendo levado para o matadouro, o que não era justo, já que aquilo dizia respeito à Kallie, e eu só estava ali para dar apoio moral. – Se vai ser parte da sua vida, vai ser parte da vida do nosso filho também. Então quero ter a chance de conhecer ela melhor. Reprimi um gemido e apertei os olhos para ela. – Poppy passou por muita coisa nesta vida, Kallie. Não é uma garota qualquer ou alguém que conheci em um bar. É uma mulher que passou pelo tipo de inferno que nenhum de nós pode imaginar, e não vou deixar que a interrogue só porque de repente ficou com ciúmes por eu estar seguindo em frente. Poppy não merece isso. Eu não ia deixar que Kallie a punisse por me querer de um jeito que minha ex não queria. Ela balançou a cabeça cheia de fios loiros e levou a mão à testa. – Não é nada disso, Wheeler. Quer dizer, é lógico que tenho um pouco de ciúme… ficamos juntos por tanto tempo que nem sei muito bem como lidar com vocês dois, mas sei que é problema meu. Vou dar um jeito. Quero agradecer. Pisquei pra ela, surpreso e desconfiado. – Agradecer por quê? – Sei como foi duro pra você se envolver com essa história do bebê e sei que não está nem perto de me perdoar pelas coisas que fiz e pelo modo como te tratei. Mas essa garota apareceu e do nada você voltou a ser o sujeito razoável e atencioso que eu amei a maior parte da vida. Fiz você se tornar alguém que eu nem reconhecia mais, e ela te trouxe de volta. Talvez você tivesse encontrado o caminho sem ela, mas, como sou impaciente e estou morrendo de medo de ser mãe, fico muito grata que tenha acelerado o processo. Além disso, vi como ficou com medo de mim na noite em que apareci no apartamento de Dixie. Quero que ela saiba que não costumo ser uma fera enlouquecida. Deixei uma risada escapar, então tirei a mão que estava no meu braço e fechei meus dedos nela. – Ah, você pode ser uma fera, mas, como eu disse, ela sobreviveu a coisa pior. Vou perguntar como se sente quanto a conhecer você. Se não tiver problema, marcamos alguma coisa. Os dedos de Kallie apertaram os meus. – Outro relacionamento em que vai deixar a garota no comando? – ela sussurrou. – Achei que tivesse se cansado disso. – Não se trata de estar no comando, mas de fazer o que é melhor para ela, porque, a longo prazo, é melhor para mim também. O contrário também era verdade. Poppy queria que eu fosse feliz porque aquilo a deixava feliz também. Eu estava certo de que aquela era a definição de amor verdadeiro. – Espero que ela te mereça, Wheeler. Viramos e tomei o cuidado de não tropeçar quando os olhos do pai dela foram imediatamente para nossas mãos dadas, e os da mãe se afiaram enquanto sua boca se franzia de um jeito que dava para notar do outro lado da sala. – Poppy mais do que me merece, Kallie. Agora cabe a mim provar a ela que a mereço – apertei a mão da minha ex uma última vez antes de soltá-la para ir até seu pai. Estendi a mão, esperando que a ignorasse, e fiquei surpreso quando a pegou com a dele, muito mais calejada, e deu um aperto firme. – Quanto tempo, Russ. Ele assentiu de forma melancólica. – É verdade, filho. Olhei para a mãe de Kallie e decidi que era melhor não forçar a barra. Só baixei o queixo e
murmurei: – É bom ver você, Deb. Ela bufou e se sentou no sofá ao lado da cadeira de rodas do marido. Russ pegou a mão dela e a segurou sobre o colo, enquanto Kallie e eu nos sentávamos no sofá em frente. Ela estava tremendo, então apoiei a mão em seu joelho. Vi quando fechou os olhos e se recompôs depois que a mãe disse: – Se pediram para nos ver para dizer que estão voltando, tenho que dizer que seu pai e eu não apoiamos essa decisão. Estamos velhos demais para ficar fazendo sua mudança para lá e para cá, Kallie, e não temos como recuperar o dinheiro que perdemos pagando os adiantamentos da porcaria do casamento. Kallie soltou um ruído estrangulado do fundo da garganta. Suspirei, encarei Deb e disse: – É só dizer quanto gastaram que vou repor. Fui eu quem cancelei o casamento, não me importo em perder o dinheiro. – Filho – o tom de Russ era de alerta. – Dinheiro não é a questão, e você sabe. Eu sabia. Também sabia que ainda achavam que eu havia deixado sua filha mais nova do nada, mesmo depois de ter provado que nunca iria desapontar nem ela nem eles. – Não vamos voltar, nem agora nem nunca – a voz de Kallie saiu trêmula, mas ela falou com clareza e uma determinação óbvia. – Mas, ainda que não estejamos em um relacionamento, vamos criar este bebê juntos, então sempre estaremos na vida um do outro. Vocês precisam saber que Wheeler nunca teria cancelado o casamento sem um bom motivo. Ele nunca me magoaria, nem a vocês, de propósito. – Princesa – o tom de alerta de Russ agora se voltava para a filha. – Tudo o que sabemos é que você nos ligou chorando e pediu que te tirássemos da casa para a qual tinha acabado de se mudar. Você disse que o casamento estava cancelado, por conta de Wheeler, então anunciou que estava grávida. Tudo isso combinado pinta um quadro muito evidente de que esse rapaz se esforçou muito para estragar tudo de maneira monumental. Enrijeci no assento e mordi a língua para evitar disparar uma defesa raivosa de mim mesmo. Se eles queriam acreditar que eu podia ser tão insensível e cruel, paciência. Eu estava cansado de tentar provar meu valor para pessoas que não me queriam. Kallie balançou a cabeça de modo violento de um lado para o outro. – Não, pai. Você e a mamãe só têm o quadro que eu pintei pra vocês. Deixei uma porção de detalhes de fora, porque estava com medo de como reagiriam se soubessem a verdade. – Que verdade? – Deb parecia impaciente, mas já não me encarava como se quisesse me dar um soco na garganta e um chute no saco. – O que está acontecendo? Kallie me olhou, e eu a encorajei. Virei a mão e entrelacei nossos dedos. Ela piscou algumas vezes e inspirou fundo antes de soltar de uma só vez: – Wheeler cancelou o casamento porque eu o traí. Não dei muita escolha para ele. – Ah, Kallie – a mãe levou os dedos até a boca e balançou a cabeça como a filha havia feito. – Como pôde fazer isso com ele? Russ olhou para mim e depois para a filha. Ele tinha o bigode virado para baixo e o cenho franzido em uma expressão severa. – Tem certeza de que o filho é seu? Kallie recuou horrorizada ao meu lado, e eu endureci em resposta. Parecia que não era o único ali a respeito de quem estavam prontos para deduzir o pior. – O filho é meu, Russ. E não vou a lugar nenhum.
Ele aceitou, e Kallie continuou a abrir o coração. – O motivo de Wheeler estar tão certo de que o bebê é dele é que a pessoa com quem estou tendo um caso não é um homem, pai. É uma mulher maravilhosa chamada Roni, e estamos envolvidas faz pouco mais de um ano. O silêncio tomou conta do recinto. De canto de olho, vi lágrimas começarem a cair sob os cílios escuros de Kallie. Soltei sua mão e passei o braço sobre seu ombro, puxando-a para mim como havia feito milhões de vezes no passado. Ela estremeceu contra mim e senti suas lágrimas molharem minha camiseta. – Está nos dizendo que se envolveu com uma mulher, Kallie? Esse é o motivo pelo qual não está mais com Wheeler? A mãe dela fez a pergunta com calma, vendo como a filha estava perto do limite. Kallie confirmou e fungou de maneira audível. – Isso. E posso dizer honestamente que nunca estive mais feliz, a não ser pelas mentiras e por ter que ficar me escondendo para que ninguém nos veja. Deb inclinou a cabeça para o lado e considerou nós dois com cuidado por um longo tempo. – Tem certeza de que é algo real, e não algum tipo de experiência? Vocês dois ficaram juntos muito novos, e faz sentido que ambos se sintam curiosos quanto ao que mais os espera no mundo. Kallie balançou a cabeça negativamente com violência e me olhou ao responder. – Sei que posso ser egoísta e inconsequente, mas nunca desperdiçaria a vida incrível que eu tinha por uma fase ou uma casualidade. Não pretendia machucar Wheeler e não queria mentir para minha família, mas não consegui evitar. Amo Wheeler e sei que não existe um homem melhor no mundo. Fico muito feliz de ter um filho dele, mas nosso relacionamento não estava dando certo – ela levou uma mão à minha bochecha num gesto muito mais terno do que aqueles que me dedicara nos muitos anos em que estivéramos juntos. – Sei que você tentou, que quase se matou tentando fazer com que desse certo, e sei que recompensei seu esforço sendo sórdida e horrível. Eu me sinto muito culpada. Sabia que estava magoando todo mundo com quem me importava, mas não conseguia parar. Você merece coisa melhor – Kallie virou para olhar para os pais, então disse, baixo: – De todos nós. Com os dedos, tracei círculos em seu punho e puxei sua mão para poder plantar um beijo no meio de sua palma. No que se tratava de um pedido de desculpas sincero, aquele tinha sido bom e fizera muito para suavizar as pontas afiadas que haviam restado de quando ela estilhaçara meu coração. – Eu… bom… nós… hum… seu pai e eu precisamos de um tempo para processar tudo isso – Deb levou a mão à perna do marido. – Sinto muito que tenha achado que precisava guardar isso para si mesma, Kallie. Somos sua família. Queremos estar aqui para você independente de qualquer coisa. Kallie sorriu, e foi fácil recordar por que eu a havia amado tanto. – Foi o que Dixie me disse que vocês diriam. Deb se ofendeu. – Você contou à sua irmã antes de contar pra gente? Kallie riu e murmurou: – Claro que sim. Sabia que Dixie não ia me julgar. Depois do modo como dispensaram Wheeler sem pensar duas vezes quando acharam que ele havia me abandonado, não tinha certeza se iam compreender como era difícil para mim.
Russ soltou um ruído estrangulado e me olhou. Vi remorso e arrependimento pesarem a cada piscar de olhos. Mas aquilo não mudava o que havia sido feito. – Você é nosso bebê. Como queria que agíssemos quando voltou pra gente de coração partido, sozinha e grávida? – Deb falou em tom desafiador, enquanto Russ olhava para o chão. – Agradeço por terem tentado me proteger, mas deixar Wheeler exposto não foi a coisa certa a fazer, principalmente porque não ia deixar de ser um membro da família. Ele é o pai do meu filho, o que significa que sempre vai ter um lugar na nossa vida. Kallie deixou claro que não havia espaço para discussão. – Achávamos que estávamos fazendo o certo para nossa menina. Você tem que entender isso, filho. Sempre foi bem-vindo nesta casa, sempre te consideramos um de nós. Não foi uma decisão fácil colocar Kallie em primeiro lugar quando tudo deu errado entre vocês. Aquilo era algo com que eu podia trabalhar. No fundo, eu sabia que eles eram apenas pais tentando proteger a filha, mas aquilo não diminuía a dor de ter sido tratado como o vilão quando tudo acontecera. – Pode não ter sido uma escolha fácil, mas de qualquer jeito vocês a tomaram, Russ. Passei a maior parte da minha adolescência e uma boa parte dos vinte e poucos garantindo que nunca tivessem razão para se arrepender de me deixar namorar sua filha. De um dia para o outro, vocês se viraram contra mim sabendo que Kallie gostava de botar fogo nas coisas sem olhar para trás. Nenhum de vocês me deu o benefício da dúvida – olhei de um para o outro e precisei pigarrear para conseguir seguir com o que queria dizer. – Vocês foram as primeiras pessoas a me mostrar tudo o que uma família poderia ser, fizeram eu sentir que fazia parte de algo, então fecharam a porta na minha cara. Já encarei portas fechadas o bastante na vida. Nunca achei que vocês poderiam estar do outro lado. Deb soltou um gemido, e Russ limpou a garganta. Antes que ele pudesse falar, levantei a mão e prossegui. – Kallie e eu seguimos em frente, mas também estamos juntos nisso. Quero que meu filho tenha tanto amor quanto possível, tantas pessoas na família quanto pudermos encontrar. Não vou guardar rancor, tampouco vou voltar a acreditar que posso confiar em vocês quando precisar. Não quero dar de cara no chão. Fico feliz que não tenham deixado Kallie sozinha, não que achei que fossem capazes disso, mas ela estava morrendo de medo de como iam reagir, e o estresse é ruim para o bebê. Agora, depois que tiver a chance de conhecer Roni e depois que Kallie puder passar algum tempo com a mulher com quem estou, poderemos pensar em nos reunir para planejar como tudo vai funcionar – dei um último aperto em Kallie e me levantei. – Todo mundo nesta sala quer o melhor para Kallie e o bebê, então vamos nos certificar de que isso seja nossa prioridade. Pisquei para minha ex e fui para a porta da frente, mas parei quando Russ me chamou. Olhei para ele por cima do ombro e disse a mim mesmo para não me deixar distrair pela angústia evidente em seu olhar. – Acredite ou não, também queremos o que é melhor para você, Hudson. Só não temos feito um bom trabalho em demonstrar isso ultimamente. Eles tinham mesmo feito um péssimo trabalho, mas não era problema meu; meu único problema no momento era entrar em contato com a mãe de Poppy para tranquilizá-la. – A gente se vê, Russ. Assim que voltei ao carro, levei o celular até a orelha e já fiz a ligação de longa distância para o Texas. Tocou por tanto tempo que achei que ninguém iria atender, mas quando estava prestes a
desligar uma voz de homem com um leve sotaque ladrou um alô pouco amistoso em meu ouvido. Sabendo o que sabia sobre os pais de Poppy, ficava evidente que não podia simplesmente pedir àquele homem que colocasse a esposa na linha. Ele nunca permitiria que ela falasse com um desconhecido e provavelmente ficaria bravo e descontaria nela caso pensasse que estava interagindo com alguém sem permissão. – Oi, meu nome é Hudson Wheeler e estou procurando por Paola Cruz. Ela tem um Barracuda 64 à venda, e estou interessado nele. Fez-se silêncio do outro lado até que o homem soltou: – Você ligou errado. Minha mulher não tem carro. Quando precisa ir a algum lugar, sou eu quem levo. – Tem certeza de que é o número errado? Estou olhando para o anúncio na internet agora mesmo. Posso falar com ela só para confirmar? O carro é uma belezura, e eu faria qualquer coisa para colocar as mãos nele. Eu estava forçando a barra, mas não conseguia pensar em outra maneira de falar com a mãe de Poppy para conferir se estava bem. – Minha mulher não fala com desconhecidos. É totalmente inapropriado. Garanto que ela não tem um carro à venda. Não ligue de novo. Xinguei alto quando a linha ficou muda, então guardei o celular no bolso. Era fácil compreender por que Poppy não queria aquele cretino por perto, e eu queria abraçar Salem por tudo o que havia feito para mantê-lo longe da minha garota. Eu tinha uma sensação ruim na boca do estômago quando saí com o carro da casa dos Carmichael. Poppy não devia nada à mãe, mas algo me dizia que ela ainda não ia desistir de tentar salvá-la, o que significava que teria de voltar à linha de fogo da qual havia se esforçado tanto para se afastar. Só que o único momento em que eu ia deixá-la se queimar era na cama comigo.
CAPÍTULO 15
iquei olhando para a loira linda sentada à minha frente com uma mistura de medo e admiração. Esperava que ficasse enfurecida comigo, gritasse, desse um escândalo como quando havia aparecido na casa da irmã para confrontar Wheeler depois que ele cancelara o casamento. Parecia uma modelo, mas eu sabia que tinha o temperamento de uma dona de casa rica de reality show. Além de preocupada que pudesse surtar comigo, eu também estava impressionada com como parecia amistosa e receptiva. Fazia semanas que ela pedia a Wheeler para marcar algo para que nos conhecêssemos melhor, então finalmente cedi, mais para que ele tivesse paz e tranquilidade do que por um interesse em me aproximar da mulher que estava grávida dele. Dito isso, minha reserva foi recebida com nada além de calor. Kallie até levou uns docinhos refinados de presente, fazendo graça com o fato de Wheeler me chamar de “doçura”, ainda que o Natal tivesse sido algumas semanas antes. Eu havia passado as festas com minha irmã, Rowdy, Sayer, Zeb e o filho deles. Salem ficou reclamando que já ia estar com barriga quando fosse madrinha do casamento de Cora, e Sayer chegou com uma loja de brinquedos inteira para o primeiro Natal de Hyde com o pai. Levando tudo em consideração, foi a mistura perfeita de família e amigos, ainda que eu sentisse falta de Wheeler. Ele havia concordado em passar o Natal com Kallie e a família dela. Eu entendia o motivo, mas sabia que ambos preferiríamos ter passado o dia juntos. Era um bom treino para as escolhas que íamos ter que fazer quando o bebê chegasse e, embora não tivesse sido fácil para nenhum de nós, saber que estávamos fazendo a coisa certa para o filho dele aliviou um pouco a dor. Minha escolha em deixar Wheeler ir quando Kallie precisasse de algo dele foi um dos motivos pelo qual ela ficara tão desesperada para me conhecer. A primeira coisa que fez quando entrei no café foi me abraçar, me dizer que eu era uma santa e se desfazer em lágrimas enquanto se desculpava pelos estragos que causara no meu relacionamento com Wheeler. Era muita coisa para absorver, motivo pelo qual eu esperava que ela se comportasse da maneira oposta. Wheeler me avisou que Kallie era naturalmente dramática e que os hormônios descontrolados da gravidez a deixavam ainda pior. No último mês, ele havia ficado muito bom em escolher qual de suas reclamações ia atender, ficando disponível apenas quando era realmente necessário. Wheeler me disse que fazia tanto tempo que cuidava de Kallie que ela ainda não sabia muito bem se virar sozinha. Fechei os dedos em torno do calor do copo descartável verde e branco à minha frente e escutei pacientemente Kallie tagarelar sobre como iam descobrir o sexo do bebê na consulta seguinte. Eles tinham ido à médica pouco antes do Natal, mas o bebê não havia cooperado muito, recusando-se a ficar em uma boa posição para o ultrassom. Eles ainda não tinham ideia se esperavam um menino ou uma menina, o que deixava Wheeler desesperado. Eu já sabia que estavam esperando ansiosamente pela informação. Ainda que não tenha dito nada a Kallie, Wheeler me dissera inúmeras vezes que esperava um menino. A animação dela era quase palpável, e depois de alguns minutos de uma conversa unilateral me dei conta de que Kallie
F
também estava nervosa. Devia se sentir tão ansiosa quanto eu com nosso café. – Vai ser esquisito. Não importa quanto tentemos disfarçar, o fato é que amamos o mesmo homem – levantei uma sobrancelha e deixei que um sorrisinho se insinuasse. – Ambas sabemos como ele fica pelado e que ronca quando dorme de costas. Kallie piscou os grandes olhos azuis para mim e substituiu o fluxo de palavras por um aceno de cabeça agradecido. – Não quero que seja esquisito. Sei que sabe por que eu e Wheeler terminamos e que não temos chance de voltar. Achei que facilitaria as coisas saber que não tem nenhuma chance de Wheeler querer voltar comigo e que eu nunca tentaria tirar ele de você – ela retribuiu meu sorriso. – Mas não facilita. Estou sentada aqui pensando que você deve me achar uma idiota. Sabe exatamente como minha vida era boa, e ainda assim joguei tudo fora. Dei de ombros e tracei o logo no copo com o dedão. – Não acho que você seja idiota. Teria sido muito mais idiota ficar em um relacionamento que não te deixava feliz. Ela baixou os olhos para a mesa. – Eu provavelmente teria ficado se não tivessem me descoberto – quando Kallie levantou os olhos para me encarar, havia vergonha e constrangimento neles. – Eu não sabia nada, não sabia amar outra pessoa, e fiquei morrendo de medo de ter uma vida diferente. Wheeler sempre fez tudo parecer muito fácil. Cuidava de tudo, e eu sabia que ninguém mais faria isso. Inclinei a cabeça para o lado e a avaliei com cuidado antes de dizer, sincera: – É por isso que muitas mulheres ficam em relacionamentos que não dão certo, mesmo aqueles que são perigosos ou pouco saudáveis. É tudo o que conhecem, e não sabem como se afastar disso. Têm medo de ficar sozinhas, de que ninguém vai entender o que passaram ou o motivo pelo qual não podiam ir embora. Se sentem corrompidas, como se de alguma forma tivessem sido responsáveis por tudo de ruim que aconteceu com elas. As que têm sorte acabam encontrando uma saída, um caminho para uma vida melhor – pigarreei e levantei a mão para afastar uma mecha do rosto. – Mas mulheres demais ficam. Kallie pegou a própria bebida, um chocolate quente, e imitou minha postura ao me encarar com os olhos sérios. – Você teria ficado? Se não tivesse corrido daquele jeito com seu marido, se ele não tivesse sequestrado e machucado você, se não tivesse se matado… você teria voltado para ele? Aquele não era o tipo de conversa que eu estava planejando ter com Kallie. Achei que fôssemos bater um papo-furado, falar sobre o tempo e o bebê. Achei que ela ia me perguntar se era sério com Wheeler, se queria mesmo continuar na vida dele depois que o bebê nascesse. Queria que Kallie gostasse de mim porque facilitaria as coisas para todos nós, mas não tinha planos de deixá-la entrar nos cantos escuros onde as coisas assustadoras do meu passado viviam. Eu me ajeitei na cadeira, desconfortável, e dei de ombros de novo. – Não sei. Gostaria de dizer que teria deixado meu marido para sempre. Ele quebrou meu braço e me encheu de porrada, o que me fez ir correndo pra minha irmã. Eu não tinha mais como esconder ou cobrir o abuso e fiquei com vergonha. Mas quando os ossos se curaram e os hematomas desapareceram ele ainda era meu marido, o homem com quem eu prometera passar o resto da minha vida, e eu não levava aquilo de maneira leviana – mordi o lábio inferior e senti minhas sobrancelhas se aproximarem uma da outra. – Ele queria ter filhos, esse foi o motivo da briga na noite em que fui embora. Queria saber por que eu não engravidava. Me chamou de coisas horríveis, disse que Deus havia me deixado infértil e vazia porque eu havia feito sexo
antes do casamento. Disse que eu não merecia um filho, por causa da minha promiscuidade e alegou que era o motivo pelo qual eu havia sofrido um aborto na minha primeira gravidez, quando era quase uma adolescente. Kallie se sobressaltou do outro lado da mesa, então levou as mãos ao rosto horrorizada. – Eu podia suportar seus ataques. Como disse, acho que parte de mim acreditava que eu não era a melhor filha, irmã, namorada ou esposa que poderia ser, então merecia aquilo. Mas eu sabia que de jeito nenhum ia sujeitar uma criança a tal vida – balancei a cabeça minimamente em negativa e engoli o gosto amargo que falar sobre Oliver sempre deixava em minha boca. – Então não posso dizer honestamente que teria ido embora por mim, mas tenho certeza de que teria feito isso para que meu marido não machucasse outra pessoa. – Isso é tão assustador, Poppy. Ele ia acabar matando você. Balancei a cabeça concordando. – Ia mesmo, e por isso faço o meu melhor para garantir que outras pessoas em situação parecida saibam que há opções, saibam que há alguém lá fora que já esteve onde elas estão agora e que pode provar que fica melhor quando se afastam do que lhes faz mal. A mulher que sou hoje nunca diria nem as horas a Oliver, muito menos me casaria com ele. A mulher que sobreviveu a tudo aquilo sabe que a vida é uma coisa preciosa, que o tempo é limitado e que nenhum dos dois deveria ser desperdiçado com pessoas que querem causar dor. Kallie se recostou na cadeira e levou a mão à barriga. Ela estava um mês à frente de Salem, e a barriga começava a aparecer. A pequena protuberância era uma graça, e não consegui reprimir a leve onda de inveja que percorreu minha pele enquanto a acariciava. – Este bebê vai ter muita sorte de ter você na vida dele, Poppy. A sinceridade em sua voz me aqueceu mais do que o café. Kallie estava sendo muito fofa, e eu podia ver por que Wheeler tinha ficado tão caído por ela. – Bom, sinto que tenho muita sorte por você e Wheeler abrirem um espaço pra mim na vida do filho de vocês. Não é uma responsabilidade que recebo levianamente. Significa tudo pra mim. Era verdade. Pensar em bebês e em tudo o que perdera costumava me paralisar. A dor da perda me machucava e roubava minha motivação para seguir em frente. Mas, agora, a ideia de pegar um recém-nascido nos braços, de tocar a pele macia de um bebê e sentir seu cheirinho doce e inocente não me trazia nada além de alegria. Eu ia ser a melhor tia do mundo e ia aproveitar cada minuto que tivesse com o filho de Wheeler e Kallie. Ver o homem por quem eu estava me apaixonando aprender a ser pai era uma motivação fantástica para continuar colocando um pé na frente do outro todos os dias. Devagar, mas com segurança, eu deixava o que havia atrás de mim e seguia firme na direção das possibilidades. – Bom, é óbvio que você é muito importante para Wheeler. Ele fica diferente com você. Quer dizer, ainda é um homem ótimo, tão perfeito quanto alguém poderia querer, mas parece… mais feliz – ela fez uma careta. – Foi difícil de engolir a princípio. Eu achava que o fazia feliz, mas ver Wheeler com você… Eu não chegava nem perto – ela se inclinou para a frente na cadeira. Seus olhos da cor do mar dobraram de tamanho. – Wheeler disse que hoje é o dia em que íamos no casar? Tentei ligar para ver como ele estava, mas ninguém atendeu. Foi minha vez de me recostar na cadeira, com uma expressão horrorizada estampada no rosto. – Não, ele nem mencionou. Eu falei que ia tomar um café com você, e Wheeler só disse que ia levar Happy para dar uma volta. Ele não parecera chateado ou reservado, mas eu estava aprendendo que Wheeler era muito bom em trancafiar qualquer coisa que pudesse escapulir e atingir outras pessoas. Eu queria dizer
que nada poderia ser tão ruim quanto os monstros que meu pai e meu marido haviam libertado, mas, para fazer aquilo, precisava que soubesse que eu não tinha medo do tipo de escuridão e perigo que ele enfrentava. Havia passado muito tempo no inferno, então tinha intimidade com todo tipo de demônio. Wheeler não tinha dentro de si a capacidade de ser maldoso e malicioso. Poderia ter um halo tatuado em volta da cabeça. Peguei o celular e mandei uma mensagem perguntando onde ele estava. Wheeler andava investindo muitas horas no Hudson, então eu esperava que respondesse que estava no trabalho. Em vez disso, sua mensagem dizia: Tinha coisas a fazer em casa. Vou pra oficina amanhã. Era mais frio do que ele costumava ser comigo, e a falta do “doçura” fez minha mandíbula travar e meus olhos se estreitarem para a tela. Ergui os olhos de volta para Kallie e notei que ela me observava com atenção, esperando para ver o que eu faria. Guardei o aparelho na bolsa e peguei o café, já me levantando. – Desculpa já ir embora, mas preciso ter certeza de que ele está bem. Ela sorriu de leve e balançou a cabeça compreeensivamente. – Eu não esperava menos. Sabia que hoje seria um dia difícil para ele quando acordei me sentindo uma merda. Mas sou a última pessoa com quem ele vai querer falar. Fico feliz que tenha encontrado você. – Também fico. Sem ele, talvez eu ficasse perdida pra sempre. Eu já tinha virado para ir embora quando suas últimas palavras me impediram. – Só para registrar, eu não tinha a menor ideia de que ele roncava. Não sou muito de dormir abraçadinho, então sempre ficamos um de costas para o outro, cada um do seu lado da cama. Wheeler nunca fez barulho em todos os anos em que dormimos juntos. Minha boca formou um “ah” surpreso, e senti o calor subir para o meu rosto. Em geral pegávamos no sono abraçados, e ele parecia preferir o calor e o peso do meu corpo nu a qualquer cobertor que eu tivesse em casa. Eu acordava todas as manhãs com seu braço na minha cintura e seu queixo no topo da minha cabeça. Não me importava com o barulho do ar entrando e saindo de seus lábios à noite, e ele não parecia se importar com meus gritos de terror. Eu ficava repugnantemente aliviada por ter uma parte dele que Kallie não tivera. – Podemos fazer isso outras vezes, até ficar menos esquisito – ofereci baixinho. Ela se levantou e me deu um abraço que não tive problema em retribuir. Eu tinha ido de evitar desconhecidos e interação a todo custo a abraçar a mãe do filho do meu namorado no meio de um café cheio. Em vez de muros que mantinham todo mundo fora, pesados e difíceis de carregar por toda parte, agora eu tinha portas, e cabia a mim decidir quem entrava e quem saía. Era muito mais fácil e muito menos solitário. Todo mundo gostava de companhia de vez em quando. Decidi não avisar Wheeler que daria uma passada. Sabia que ele faria seu melhor para lutar contra suas emoções até que estivessem sob controle, e não queria aquilo. Queria que Wheeler fosse capaz de se soltar comigo, que soubesse que eu podia lidar com o caos da mesma maneira que ele lidava com a catástrofe no meu caso. Não tinha medo do Lobo Mau, nem daquele em seu peito nem do que vivia dentro dele. Levei mais tempo que o normal para atravessar a cidade, porque em algum momento durante o café com Kallie começou a nevar. O asfalto começava a ficar escorregadio, e a última coisa que eu queria fazer era cair em uma vala e ter que ligar para Wheeler ir me resgatar quando eu estava indo ajudá-lo. Estacionei atrás do Cadillac e notei que, ao lado das marcas das botas e das patinhas na neve,
havia um rastro de pneus muito grandes e largos levando até a porta da frente. Abri caminho na neve lentamente. A porta abriu antes que eu pudesse bater, e recuei um passo quando dei de cara com Wheeler, sem camisa e com o cenho franzido. Seu cabelo avermelhado estava todo bagunçado, como se o estivesse puxando o tempo todo, e ele tinha uma garrafa aberta de alguma bebida alcoólica na mão. Ouvi Happy latir de algum lugar dentro da casa e estreitei os olhos para Wheeler quando ele não abriu a porta de imediato para que eu pudesse sair do frio. – Não vai me deixar entrar? Levei os dedos até a boca e soprei ar quente neles para reforçar o pedido. Ele levou a garrafa até a boca e deu um belo gole. – Não acho que seja uma boa ideia, Poppy. Não é um bom dia. Não estou me sentindo muito simpático no momento. Irritada com sua atitude e o fato de ele ter pensado que eu só o aceitava quando tudo eram flores, abri a porta de vidro e passei por ela para adentrar no calor da casa. Tirei o casaco e fui deixá-lo no sofá. Só então me dei conta de que a sala estava completamente vazia, a não ser pela TV de tela plana em um canto no chão. Todos os móveis tinham sido levados. As paredes estavam nuas. O chão estava vazio e as janelas, descobertas. Parecia que a casa nunca tivera um morador. Virei para encarar Wheeler, que estava apoiado contra a parede, ainda bebendo e me olhando por entre as pálpebras apertadas. – Onde está tudo? Ele ergueu um ombro tatuado e o deixou cair. Seus olhos pareciam gelo e seu comportamento era igualmente frio. – Contratei uns caras para levarem para um depósito. Kallie vai levar tudo quando arranjar uma casa. – Você mandou tudo embora sem ter nada para colocar no lugar? – inclinei a cabeça para o lado e perguntei: – Por que fez isso? Wheeler proferiu um xingo e ergueu uma mão, que enfiou por entre os cabelos desgrenhados. – Kallie te disse que dia é hoje, não? É por isso que está aqui. Deixei o casaco e a bolsa no chão e cruzei os braços. – Disse, mas não é por isso que estou aqui. Vim porque estava preocupada com você, porque não conseguia suportar a ideia de você ter que lidar com toda a mágoa sozinho. Ele abaixou a cabeça e passou as costas da mão na boca. – Você já teve sofrimento o bastante na sua vida, Poppy. Não precisa do meu. Cerrei os dentes e apontei para ele. – Isso é bobagem, e você sabe. Estamos nisso juntos, nas coisas boas e ruins, Wheeler. Temos que desfrutar do positivo e atacar o negativo juntos. Não vou surtar porque está ranzinza e sem vontade de ser simpático. Não vou fugir porque o lobo está sem coleira, procurando qualquer pessoa por perto em quem cravar os dentes – dei alguns passos hesitantes na direção dele. Quando não se moveu, estiquei o braço e peguei a garrafa de bebida de sua mão mole. – Um dia ruim com você ainda é melhor que o melhor dia sem você, Hudson. Ele baixou o queixo até quase tocar o peito, e eu vi seus ombros se levantarem e caírem enquanto ele lutava contra as emoções que ameaçavam sufocá-lo. – Não achei que hoje fosse ser tão ruim, estando com você. A voz dele saiu áspera e crua. Coloquei a garrafa no chão e me aproximei para enlaçar sua cintura com meus braços. Apoiei
a cabeça embaixo de seu queixo e beijei seu peito, então fiquei sentindo seu coração bater errático e descontrolado contra minha bochecha. – É claro que dói. Você não seria o homem que é se não doesse. Senti quando Wheeler suspirou em meu cabelo. Lentamente, ele levantou os braços e me segurou da mesma maneira que eu o estava segurando. – Você se livrou mesmo de tudo? Não consegui evitar o tom de descrença. Ele confirmou, e seu queixo bateu contra o topo da minha cabeça. – Sim. Happy está no quarto, brincando com as roupas que tirei da cômoda antes que a levassem embora. Não tenho nem uma cama onde dormir esta noite. Não queria nada de Kallie nesta casa. Nunca foi de fato nossa, então está mais do que na hora de fazer com que seja minha. Eu o apertei mais forte e inclinei a cabeça para trás para encarar seus olhos gelados. – Quando você começou a se aproximar, quando deixou claro que todas as minhas questões e pendências não te assustavam, notei que as coisas ruins que eu não conseguia esquecer estavam sendo substituídas lentamente por todas as coisas boas em que me fazia focar. Precisamos fazer isso aqui, substituir as lembranças de vocês dois por lembranças só nossas, para que não precise se esforçar tanto para esquecer. Wheeler estava usando apenas uma calça fina de náilon, de modo que, quando pressionei meu quadril contra o dele, senti a resposta imediata. Seu corpo se contraiu e seu pau se contorcia conforme eu me esfregava contra ele. Ele pegou minha nuca e senti seus lábios na minha testa. – Eu disse que não estou muito simpático hoje e andei bebendo. Não é uma boa combinação, doçura. Não quero te assustar. E, no momento, estou assustando a mim mesmo. Gostei da maneira como ele me avisou. Um homem pior não teria feito aquilo, apenas aceitaria minha oferta de melhorar as coisas com afeto, independentemente das consequências. Mas não Wheeler. Ele estava sempre me protegendo, até de si mesmo. – Sabe por que estou aqui? Por que tive a coragem de aparecer na sua oficina e pedir que me levasse pra cama na frente de todos o seus funcionários e qualquer pessoa que estivesse por perto? Wheeler balançou a cabeça negativametne e segurou minha mandíbula em sua palma áspera. – Por que está aqui, doçura? Soltei o ar devagar e abri as mãos em seu peito. – Porque, quando eu não conseguia confiar em mim mesma, quando não sabia de nada e não acreditava em mim mesma, acreditei em você. Sabia que não ia me machucar, que seria cuidadoso comigo, então não precisava confiar em mim mesma ou nas minhas escolhas, porque você nunca seria nada menos que um bom homem – deslizei as mãos por seu pescoço e fiquei na ponta dos pés para pressionar minha boca contra a dele. – Eu sabia naquele momento e sei agora. Você não é um convidado nesta casa, Wheeler. Ela é sua. Você pertence a este lugar, e o único sentimento que deveria deixar entrar por aquela porta é a felicidade. Wheeler soltou uma risada baixa e profunda, então mudou de posição de modo que eu ficasse com as costas contra a parede e ele pressionasse o corpo contra o meu. Meus mamilos se contraíram imediatamente e minhas pernas se cruzaram em seu quadril estreito sem que eu tivesse que pensar. – Não precisei deixar a felicidade entrar. Ela fez isso sozinha quando eu estava sendo um babaca – de perto, suas palavras cheiravam a bourbon. Quando sua língua encontrou a mim, senti
um gosto forte de defumado. – Esta casa não é o único lugar ao qual pertenço, é? Ele me instou a levantar os braços acima da cabeça de modo que pudesse tirar meu suéter. Abriu o fecho do sutiã com uma única mão, balançou as sobrancelhas pra mim quando pareci surpresa e passou a ponta do nariz por minha clavícula nua. – Não quero ser um convidado na sua vida, Poppy. Não estou interessado em visitar seu coração. Quero me mudar, reivindicar o terreno e fincar minhas raízes tão profundamente que nada consiga me tirar do lugar. Não quero que você tenha que substituir as lembranças que me envolvem por algo melhor. – Não existe ninguém melhor que você, Wheeler. Você é a única pessoa para quem abri lugar no meu coração. Se quiser morar nele, é todo seu – olhei em seus olhos enquanto ele tentava abrir minha calça sem me colocar no chão. – Mas vai ter que arranjar móveis se quiser ficar. Wheeler revirou os olhos para mim e me soltou a contragosto para que eu pudesse descer o jeans e a renda pelas pernas depois de tirar minhas botas marrons. Mesmo nua e imprensada entre ele e a porta, eu nunca tinha me sentido mais segura na vida. Ele não era o único que sabia perseguir demônios e exorcizar fantasmas. Seus lábios pousaram nos meus, seus quadris balançavam de maneira sedutora contra os meus, enquanto suas mãos encontravam o caminho para a minha bunda até ele me levantar de novo sem parar de fazer pressão entre minhas pernas. Envolvi seus ombros e deixei a cabeça descansar na parede atrás de mim. Ele deu uma lambida longa no meu pescoço e mordiscou delicadamente a curva da minha mandíbula. Gemi, e minhas pernas apertaram seu corpo ainda mais. Seus dentes roçaram na minha orelha e uma mão se moveu entre nós para que ele pudesse se libertar do material escorregadio da calça. Eu adorava como ele ficava de jeans rasgado ou macacão sujo, mas o acesso fácil daquela calça de ginástica era bastante atraente. Depois daquela manhã no quarto do hotel, eu havia começado a tomar pílula. Saber como a sensação era gostosa, como era bom quando não tínhamos nada entre nós tornara a decisão fácil. Wheeler moveu os quadris e me levantou mais para que a ponta de sua ereção roçasse minhas dobras úmidas e trêmulas. A fricção fez minha respiração falhar e meus dedos se enterraram no músculo sólido de seu ombro. Quando a pontinha dura bateu no clitóris inchado, senti que saía da minha própria pele. Ele repetiu o movimento de novo e de novo, enquanto dava mordidinhas molhadas em todo o pescoço e no meu colo. Ia parecer que eu havia sido devorada viva no dia seguinte, mas eu não estava nem um pouco preocupada. Wheeler definitivamente parecia mais bruto que o normal quando transávamos, mas eu estava adorando. Seu peito pressionou meus seios sensíveis quando ele projetou os quadris para a frente. Meu corpo se moveu contra o dele, se abriu para ele, recebendo-o de braços abertos. Em geral, Wheeler não tinha pressa, me preparando, brincando comigo e me cansando tanto que eu ficava mais do que pronta para que me penetrasse. Daquela vez não houve preliminares ou aquecimento, e senti cada centímetro seu deslizar para dentro. Meu corpo teve que se ajustar, relaxando e amolecendo para que ele pudesse se mover. Wheeler grunhiu quando a leve resistência o forçou a diminuir o ritmo. Ele o fez, porque era um homem perfeito e eu estivera certa em confiar nele. Nunca ia me machucar e nunca ia ter medo dele. Wheeler levou a mão até meu peito e começou a circular o mamilo intumescido com o dedão. Com a outra mão, ele me segurava e me mantinha pressionada contra a parede. Seus olhos queimavam quando ele ordenou que eu me tocasse. – Mexe no clitóris como eu mexo. Se leve ao gozo como eu faço.
Prendi o fôlego, e minha mão desceu pelo peito e pela barriga. O inverno em seus olhos esquentou muitos graus quando fiz o que ele pediu. Comecei a traçar círculos lentos com as pontas dos dedos, igualzinho a ele. As costas dos meus dedos esfregavam seu pau, que entrava e saía de mim. Toda vez que se retirava e depois mergulhava, meu corpo ficava mais líquido e aceitava mais dele. Só precisei de uma leve esfregada de polegar na pequena protuberância rígida para que tudo dentro de mim se fundisse. Seus quadris investiram contra mim e meus dedos seguiram o caminho de seus pelos até o paraíso. – Eu disse que não estou muito simpático hoje e disse para se tocar do jeito que eu toco. Se eu tivesse uma mão livre, mostraria a esse botãozinho lindo quão safado posso ser. As palavras dele me fizeram tremer. Meus dedos se fecharam mais forte sobre aquela terminação nervosa sensível. Senti uma pontada deliciosa, mas eu sabia que seria ainda melhor se fossem os calos dele, suas mãos ásperas, os responsáveis. Joguei a cabeça de um lado para o outro, enquanto Wheeler fazia seu melhor para me foder contra a parede de gesso, então, com um grito estrangulado, ordenei que me tocasse. Precisava de mais, queria toda aquela falta de gentileza que ele estava prometendo. Wheeler soltou um xingo e, antes que eu pudesse piscar ou protestar, fui arrancada da minha posição imprensada contra a parede e depositada como algum tipo de sacrifício contra o chão nu da sala. Era tão duro quanto a parede, nem mais desconfortável nem menos, mas terminamos com ele estirado em cima de mim, com o peso de um braço sobre minha cabeça, lábios vorazes encontrando meu peito e seus dedos talentosos abrindo caminho por entre minhas pernas. Senti o raspar de dentes e o roçar de digitais ásperas. Era tudo tão bom que, quando ele ficava em cima de mim, não havia o desconforto que eu costumava sentir. Não me senti presa ou ameaçada de maneira nenhuma. Tudo o que senti foi o prazer queimando forte em todos os pontos em que nos tocávamos, e seu desespero enquanto seu corpo incansável esmagava o meu. Fechei os dedos em seu cabelo e me ergui de encontro às suas investidas frenéticas. Enfiei meus mamilos sedentos mais profundamente em sua boca e me contorci em seus dedos, que prosseguiam com a tortura do toque. Eu ficaria com hematomas e com a bunda dolorida no dia seguinte. Wheeler teria marcas de unha entre as tatuagens, e havia uma boa chance de acabar com pontos de calvície quando eu tirasse as mãos de seus cabelos. Wheeler não desistiu do meu clitóris nem de meus mamilos. Seu pau não estava buscando prisioneiros, mas ele tirou um e depois outro orgasmo de dentro de mim, tudo enquanto seu corpo muito maior e mais pesado se depositava contra o meu. Seus dedos afundaram nos meus quadris, e sua testa encontrou a minha quando ele finalmente atingiu o clímax. Seus olhos se fecharam, e o ar saiu de seus pulmões em um suspiro longo conforme ele baixou o corpo sobre o meu. Ele me envolveu com os braços e nos virou devagar para que seu corpo ficasse sobre o chão duro e impiedoso. – Você está bem, doçura? Ele queria saber se eu estava pirando por causa da posição em que havia me colocado. – Estou, mas acho que a primeira coisa que você deve comprar é uma cama – passei a mão pela lateral tatuada de seu tronco e inclinei a cabeça para beijar sua mandíbula. – Você não é o único criando novas lembranças nesta casa, Wheeler. – Sexo no chão é divertido, mas faz mal para os joelhos – ele riu no meu cabelo e me deu um apertão. – Fico feliz que não tenha assustado você. Desdenhei e disse: – Seu “não muito simpático” ainda é bem simpático, Hudson. Você é assim.
Aquele também era o motivo pelo qual eu o amava. Ter Wheeler em cima de mim, olhando para ele enquanto me levava a lugares aonde nunca havia ido, era o oposto de me sentir aprisionada… fazia com que me sentisse livre. Agora não havia mesmo nada nem ninguém entre nós.
CAPÍTULO 16
Wheeler ou levar este. Olhei para o vendedor por cima da cabeça de Poppy que, no momento, estava enterrada no meu peito. Seu rosto estava quente de vergonha porque eu a havia puxado para cima de mim e deitado no sofá que eu pensava em comprar. Eu não ia comprar um em que não coubéssemos os dois. Nada ia entrar na minha sala se não fosse confortável para sentar e transar. Além do mais, eu estava irritado com o jeito como o vendedor olhava para a bunda de Poppy toda vez que achava que eu não estava prestando atenção. Fiz questão de abrir a palma da minha mão na curva perfeitamente redonda de seu corpo enquanto a segurava contra meu corpo. O sofá era vermelho forte, mas os pés eram de algum tipo de metal que parecia cromo. Era o possante dos sofás e surpreendentemente confortável. Nem olhei a etiqueta com o preço para a qual Poppy havia feito careta. Não ia me preocupar com o custo. Havia gostado, e ela não reclamara por ser exagerado e cafona, então comprei. Era a primeira vez que eu estava construindo um lar para mim mesmo em vez de esperar que alguém me convidasse para o seu. Mergulhei de cabeça. Segui as sugestões de Poppy quando se tratava de coisas mais delicadas, como tapetes e cortinas. Deixei que escolhesse os lençóis para a cama king size e para o bercinho que ia ficar no quarto menor. Imaginei que ia passar tanto tempo entre os lençóis e debaixo do edredom quanto eu, então, seria bom se gostasse deles. Como era incrível e perfeita pra mim, Poppy escolheu um padrão de zigue-zague vermelho e preto cheio de estilo e bem sensual. Ela me entendia. E me tinha. Tirei as pernas de cima do sofá e me sentei com Poppy no meu colo. Ela ria baixo na lateral do meu pescoço, e o sujeito que a estivera comendo com os olhos por mais de uma hora finalmente teve a decência de virar o rosto. – Ótimo. Vamos colocar tudo no caminhão e agendar a entrega o mais rápido possível. É só virem comigo até o computador e já podem ir embora… Hum… Parabéns pela nova casa. Ele enfiou o dedo no colarinho da camisa e esperou enquanto eu colocava Poppy de pé para poder me levantar também. Não o corrigi por ter pensado que estávamos mobiliando uma casa juntos, nem Poppy. Coloquei o braço em seus ombros e baixei a cabeça para poder murmurar em seu ouvido: – Acho que era mais fácil quando você estava se protegendo do mundo. Eu não precisava me preocupar com todo cara que te olhava. Poppy não havia feito nada muito drástico em relação à sua aparência ou ao seu comportamento, mas as mudanças sutis eram suficientes para que a maior parte dos homens se demorasse olhando quando ela passava. Continuava magra, com estrutura delicada e frágil, mas agora que estava comendo melhor parecia menos com um passarinho ferido. Tinha curvas nos pontos certos e sua pele dourada impecável brilhava, em vez de parecer pálida e esticada demais sobre os ossos. Lampejos ocasionais de medo e incerteza ainda passavam por seus olhos incríveis, mas, em geral, brilhavam com seu calor âmbar e um contentamento tranquilo. Mais importante que tudo isso, no entanto, era ela não fugir mais de desconhecidos. Não desviava o rosto automaticamente e não se fechava mais em si mesma quando saía em público. No entanto, ainda não era muito dada. Só tocava por vontade própria em mim e em sua família, mas não
V
tremia ou se despedaçava na hora de apertar a mão de alguém e não se acovardava diante dos olhares sugestivos de desconhecidos, ainda que eu preferisse que o fizesse. Poppy passou o braço por minha cintura e descansou a cabeça em meu ombro. – Nada de socar. Não importa que me olhem ou olhem para você, porque só temos olhos um para o outro desde o princípio. Era verdade. Eu não via ninguém além dela e precisava dizer que a vista era espetacular. – Será que posso ficar na sua casa por uns dias até que todas essas coisas cheguem? Ela concordou e apertou o braço na minha cintura. – Claro. Assim vou ter a chance de te pedir um favor que venho adiando desde o Natal. Poppy me olhou por trás do véu de cílios longos, e eu soube que não negaria o que quer que fosse. – Desde o Natal? Já faz semanas então. Por que não tocou no assunto antes? Ela suspirou e esperou que eu entregasse o cartão de crédito ao babaca com olhos errantes. Preencher a papelada levou mais tempo do que eu gostaria, e os olhos do vendedor se demoraram muito mais no suéter de Poppy do que o apropriado. Assim que assinei a última folha, devolvi a caneta ao sujeito e me aproximei de modo que nossos narizes quase se tocassem. Estreitei os olhos e levei o dedo ao centro de sua gravata feia e barata. – Um conselho, meu amigo – rosnei com raiva por entre os dentes cerrados. – O modo como você seca as mulheres sem parar enquanto elas fazem o que vieram fazer, sem demonstrar qualquer sinal de interesse por você, as deixa desconfortáveis. Elas não vêm por sua causa. Vêm pelos móveis. O pomo de adão dele subiu e desceu, e uma camada fina de suor se tornou visível em sua testa. – O senhor entendeu mal. Eu só estava sendo atencioso. Trabalhamos com comissão. Fiz cara feia, e ele deu um passo atrás. – Você ganha comissão, então assusta as mulheres e as deixa desconfortáveis a ponto de comprarem qualquer coisa só para irem embora. Isso não é legal. E não é nem um pouco legal quando você tenta isso com uma mulher que por acaso está com o namorado possessivo e superprotetor. Isso as deixa ainda mais desconfortáveis e irrita pra caralho o namorado. Entendeu? O cara piscou rapidamente, e eu senti Poppy apoiar uma mão tranquilizadora em meu braço. Um músculo tremulou ao seu toque. Eu me afastei do sujeito e apontei para a pilha de papéis que representava uma comissão polpuda para ele. – Pode ficar com sua parcela das vendas, mas pode apostar que vou falar com o gerente para dizer que suas táticas de venda deixam muito a desejar. Peguei a mão de Poppy e a coloquei à minha frente para que saíssemos da loja com meu corpo protegendo o seu. Caras daquele tipo raras vezes faziam algo além de olhar, mas eu é que não ia arriscar com minha namorada, nem agora nem nunca. Fomos para o enorme Dodge Power Wagon 1973 que eu dirigia quando as ruas estavam ruins demais para o Cadillac e a ajudei a entrar. A perua era enorme, alta e preta, com detalhes em prata. Parecia que sobreviveria ao fim do mundo, passando sobre qualquer coisa que tentasse pará-la. Bebia gasolina e era difícil de estacionar na cidade, mas quando esfriava e a neve se acumulava era meu brinquedinho favorito. Entrei atrás do volante esperando que Poppy me desse uma leve bronca por ter dado um sermão no vendedor safado. Em vez disso, ela ficou olhando pela janela do passageiro e falou baixinho:
– Pedi que minha irmã tentasse entrar em contato com minha mãe no Natal. Ela se recusou, mas de tanto eu insistir ela acabou cedendo. Minha mãe sabe que Salem está grávida. Quando me ligou, disse que não conseguia imaginar não conhecer o neto, então pensei que, se Salem ligasse, ela atenderia. Mas quem atendeu foi meu pai. Ele xingou minha irmã de vagabunda e desligou. Ela ligou de novo e ninguém atendeu. Então pediu que Rowdy ligasse, e nada. Não sei o que está acontecendo naquela casa, mas não pode ser nada de bom. Estou preocupada, não porque é minha mãe, mas porque sei por experiência própria como é ruim morar com alguém que te vê como um objeto. Não quero que meu pai mate minha mãe, Wheeler. Preciso fazer alguma coisa – Poppy virou a cabeça na minha direção e piscou seus olhos grandes e inocentes para mim. – Eu não disse nada antes porque não sabia que conseguiria. Franzi a testa e desviei os olhos da estrada para ela por uma fração de segundo. – Conseguiria o quê? Ela puxou o ar de maneira audível e soltou devagar: – Voltar para casa. Eu não tinha certeza de que podia encarar meu pai e lidar com o que quer que ele tenha feito com minha mãe. Na verdade, concluí que não posso, ou pelo menos não sozinha. Preciso que vá comigo, Wheeler – ela esticou o braço e apoiou a mão na minha cintura enquanto eu guiava a perua pela neve. – Salem disse que iria também, mas Rowdy perdeu a cabeça. Ele se ofereceu para me levar depois que a proibiu de entrar em um avião. Sayer e Zeb também se ofereceram, mas só posso fazer isso se souber que estou segura, e só me sinto segura quando estou com você. Odiei aquilo. O último lugar no mundo em que a queria era perto do homem que a havia entregue a seu carrasco sem olhar para trás. Pelo que eu sabia, a mãe dela era tão ruim quanto. A mulher deveria ter pego as filhas e corrido o mais rápido possível para longe do homem que só queria saber de destruí-las. Mas eu sabia que Poppy precisava daquilo. Para ela, não se tratava de resgatar a mãe, mas de salvar outra vítima de abuso. Ninguém deveria ter que viver daquele jeito, mesmo que fosse a pessoa por trás de sua infância horrível. Queria imitar Rowdy e simplesmente proibi-la de ir, mas Poppy precisava daquilo, e eu precisava estar lá para mantê-la em segurança quando todos os fantasmas viessem à tona. Eles poderiam acabar com ela. – Me fala quando, para que eu possa dar um jeito de ficar fora do trabalho por alguns dias. Poppy fez um barulho e se esticou de seu assento para dar um beijo na minha bochecha. Virei a cabeça no último minuto para que nossos lábios se encontrassem, e ela suspirou com o contato. Levei minha mão até as dela, apoiadas nas minhas pernas, e apertei de leve. – Se vou fazer isso por você, quero que faça algo por mim. Levantei uma sobrancelha para ela e virei com a perua na direção do centro, em vez de Capitol Hill, onde ficava o apartamento dela. Andava atrás de uma maneira de incluir aquilo em uma conversa e fiquei grato que tivesse me dado a abertura perfeita inadvertidamente. – Eu faria qualquer coisa por você, Hudson. Ela sorriu para mim com doçura, e tive que lutar contra a vontade de subir nossas mãos unidas alguns centímetros para onde meu jeans começava a ficar apertado, de tanto que eu gostara de ouvir aquelas palavras. – É bom ouvir isso, porque algo me diz que você vai surtar. O queixo dela caiu e seus ombros ficaram tensos. – Por quê?
– Porque vou te dar algo meio grande. Tinha sido uma luta difícil para que aceitasse o conjunto bonito e delicado de brincos e colar que eu havia comprado para ela de Natal. Poppy disse que era demais, que não queria que nosso relacionamento girasse em torno das coisas materiais que poderíamos dar um ao outro. Eu sabia que ela estava tentando me proteger de cair em uma armadilha da qual havia acabado de escapar: dar à mulher que eu amava literalmente tudo. No entanto, eu sabia que Poppy não era tão materialista ou gananciosa quanto Kallie e queria poder lhe comprar coisas que me lembravam dela ou que me faziam sorrir quando eu visse quanto ela tinha gostado. Ela ficou dura ao meu lado quando inseri no celular o código que abria o portão da oficina. – O que estamos fazendo aqui? Seus dedos tremeram nos meus, e sua voz saiu mais alta e fina que o normal. Sem responder, virei suas mãos e beijei as costas de uma delas. Saí do carro e fui até o lado dela da perua para ajudá-la a descer. A neve ia até seus tornozelos, e flocos que caíam ficavam presos em seus cabelos cor de mel. Eu me inclinei para beijar a ponta do nariz de Poppy e perguntei: – Você confia em mim, não? Poppy me olhou em silêncio antes de confirmar lentamente. – Confio em você. Puxei sua mão até que me seguisse degraus acima para entrar na escuridão vasta e fria da oficina. Acendi as luzes e liguei o aquecedor. Então, a guiei pelos diferentes ambientes até chegar ao fundo da oficina, onde o Hudson estava sobre uma plataforma no chão. Ele havia acabado de voltar da pintura, agora em um tom de azul-claro perfeito, com a capota conversível cor de creme combinando com o friso que acompanhava o capô e o para-lamas arredondado. Era sem dúvida o carro mais bonito e mais memorável em que eu já havia trabalhado, um verdadeiro clássico. Lá no fundo, eu sabia que, quanto mais me aproximava do fim da restauração, mais difícil ficava me desapegar. – É da cor dos seus olhos – Poppy passou as pontas dos dedos pelo capô e me olhou com um sorriso amplo. – Ficou lindo. Eu não vinha conseguindo controlar minha animação com aquele carro. Ela provavelmente tinha aprendido mais sobre suportes e amortecedores, torque e transmissões do que gostaria. – Fico feliz que tenha gostado… porque é seu. Ou pelo menos vai ser, assim que o motor estiver pronto. A neve já vai ter derretido a essa altura. Cruzei os braços enquanto Poppy virava para me encarar com os olhos arregalados. Ela afastou a mão do metal frio do capô e pulou para longe do carro como se tivesse tomado um choque. – Não. Não posso ficar com o carro, Wheeler. Obrigada por oferecer, mas não. Poppy balançava a cabeça e falava com firmeza. Suspirei, porque sabia que era o que ela ia dizer e queria muito pular a discussão e chegar à parte em que eu me debruçava sobre o capô e mergulhava por trás em seu doce calor. – O Camry é um bom carro, mas não é para você. É básico e sem graça. Você deveria estar dirigindo algo inesquecível e especial, a sua cara – fui até ela, pus as mãos em seus ombros e esperei até que ela se virasse para me olhar. – Comprei o carro e comecei a trabalhar nele sabendo que não ia vendê-lo. Fiz tudo por você. Quero te dar algo inesquecível e especial. Ela levantou as mãos e segurou meus punhos. – Você me deu algo inesquecível e especial da primeira vez que me beijou.
Soltei o ar e me aproximei, então baixei a testa até tocar a dela. – Este é o carro dos meus sonhos, meu preferido entre todos. Eu faria de tudo para colocar as mãos nele, gastaria o necessário para consertar e devolver a seu lugar glorioso de direito. Ele tem cada parte de mim nele: meu coração, minha alma, minha maior paixão, cada grama de habilidade e conhecimento que adquiri ao longo dos anos. Este carro sou eu, consegue entender? Ela abriu a boca e a fechou repetidas vezes, o que a fez parecer um peixe encantador. Então piscou algumas vezes e finalmente soltou o ar de forma trêmula. – Está me dando você. Concordei devagar e movi as mãos para segurar sua mandíbula. – Eu te amo, doçura. Mais do que isso: amo o modo como me ama. Nunca tive isso, nunca compreendi o que realmente significa ter alguém cuidando de mim, então estou me dando a você, porque sei que vai tomar conta de mim e me valorizar e que nunca, nunca vai me deixar aos pedaços. Ambos os Hudsons precisam de alguém assim para continuar funcionando – levei os lábios aos dela e sussurrei contra eles: – Me dá um bom lar, doçura, por favor. Ela hesitou por um segundo antes de concordar em silêncio. Então sorriu contra a minha boca e subiu as mãos pelos meus braços para depois enlaçar meu pescoço. – É a coisa mais legal que alguém já me deu, Wheeler – eu sabia que Poppy não estava falando do carro. – Vou me certificar de que ambos sejam muito amados e recebam todos os cuidados até o fim da minha vida – ela me deu um beijo longo e lento, sua língua se revirou na minha até que ficou difícil respirar e mais difícil ainda pensar direito, já que não havia mais nenhum sangue circulando em meu cérebro. Todo ele havia corrido para abaixo da cintura, fazendo meu pau pressionar dolorosamente os dentes do zíper. – Eu te amo, Hudson. E é um amor de verdade, do tipo que parece certo, que é forte e saudável, assustador de um jeito bom. Ouvi-la dizer que me amava fez o lobo solitário que se alimentava das minhas entranhas uivar para comemorar o fato de finalmente ter encontrado sua parceira. Não haveria mais solidão, nada de não me sentir querido ou de parecer invisível. Outras pessoas haviam me descartado, mas ela me recolhera e prometera que sempre reservaria um lugar para mim. Aquilo fazia cada instinto animal e primordial dentro de mim rugir vivo com a necessidade de acasalar, reivindicar, marcar. Poppy era minha dali até a eternidade, e aquilo era tudo o que eu sempre quisera… tê-la, tê-la e tê-la um pouco mais. Eu a levei de costas até a frente do carro. Ela arfou quando seu corpo atingiu o metal, e me aproveitei de sua boca aberta. Enfiei a língua naquele calor úmido e a deslizei por seus dentes. Esfreguei-a em sua língua e usei a pontinha para traçar o arco perfeito de seu lábio superior. Mordisquei seu lábio inferior e engoli cada suspiro que ela deixava escapar. Poppy deu um gritinho quando a levantei pela cintura e a apoiei no capô. Normalmente, eu teria um aneurisma se alguém se aproximasse de uma tintura nova com jeans, botões e zíperes, mas eu sabia que ela não ia ficar vestida por muito tempo e que sua pele era macia como veludo. Levei as mãos para a frente de sua camisa de flanela justa e comecei a abrir todos aqueles botõezinhos irritantes. Poppy me observou com olhos pacientes enquanto esticava a mão e passava um dedo pela vela tatuada que atravessava minha garganta. – É uma luz para que você sempre possa encontrar o caminho de casa, não é? Comecei pelo jeans dela, tomando cuidado para que ele não escorregasse pela pintura, quando ela apoiou as mãos em meu ombro para se erguer e eu poder descê-lo pelo quadril e por suas pernas. Eu gostava dela nua. E mais ainda nua e esticada no capô do carro que eu havia reformado para ela. Era como se todas as fantasias indecentes que eu havia tido com as garotas
nas revistas de carros quando era mais novo ganhassem vida. – E funcionou. Demorou mais do que eu gostaria, e fiz algumas curvas erradas que deram a maior dor de cabeça, mas encontrei meu lar, que definitivamente é onde está meu coração – apoiei a mão no centro de seu peito e dei um leve empurrão para que ela se deitasse no metal azul. Seu cabelo ficou espalhado em volta da cabeça, como mel derramado, e seus olhos se derreteram e esquentaram como sidra. Desci a mão pelo esterno, chegando à barriga e parando para fazer cócegas em seu umbigo. Poppy soltou uma risadinha que parecia tão descuidada e leve que eu soube que, mesmo se estragasse todo o resto na minha vida, sempre guardaria aquilo como algo que fiz muito, muito certo. Escorreguei o dedão por sua entrada úmida. Eu a senti tremer e notei suas pernas se contraírem. Levei uma mão até seu joelho e pedi: – Coloca o pé no para-choque. Era de cromo e eu ia ter que polir antes que os rapazes aparecessem no dia seguinte para o trabalho, mas nem me importava. Poppy obedeceu, e eu prendi o ar quando toda aquela carne rosada ficou exposta. Ela já estava molhadinha e macia, e seu corpo me dizia que concordava com o que quer que eu tivesse planejado para ele e para ela. Passei os dedos pela parte interna de sua coxa e bati em seu clitóris de leve com a pontinha de um deles. Aquilo fez seus ombros se levantarem do capô e a fez me lançar um olhar afiado com as pálpebras semicerradas. Sorri para Poppy e me inclinei sobre seu corpo para poder beijar sua boca contraída. Ela retribuiu o beijo, mas deu uma mordidinha quando enterrei os dedos em sua umidade e os abri. Poppy gemeu e eu grunhi, já começando a entrar e sair com os dedos enquanto circulava o clitóris com o dedão. Ela foi de molhada a ensopada em segundos, e eu precisei inclinar o meu peito contra o dela para impedi-la de se contorcer desesperadamente contra a superfície do carro. Peguei um mamilo intumescido na boca e chupei com força, deixando as bochechas ocas e movimentando a língua incansavelmente. Poppy fechou os dedos no meu bíceps e me implorou para parar e continuar, tudo sem parar e respirar. Eu podia sentir seu corpo acelerar e seu coração bater mais forte, o que fazia meu pau se contorcer. Continuava totalmente vestido, a única coisa que me impedia de atacá-la como um touro no cio, mas fazia meses que eu tinha fantasias com Poppy inclinada contra o capô, com o cabelo dourado cascateando pelas costas e se emaranhado em minhas mãos, sua bunda escultural pulando e batendo contra mim enquanto eu a pegava por trás. Ela era boa em fazer meus sonhos se tornarem realidade, mesmo quando eram safados e eróticos. Levantei a cabeça, deixando seus mamilos mais próximos de vermelho que de cor-de-rosa por causa de todo o sangue que correra para lá. Havia manchas roxas de dedos em seus quadris, do sexo no chão, e eu deixara marcas na lateral do seu pescoço e na parte de cima dos peitos com a boca. Deveria me sentir mal por ter sido tão duro com ela, mas não sentia. As marcas me deixavam com tesão, me faziam querer deixar mais marcas em pontos que só nós dois poderíamos ver. Eu havia fracassado nas preliminares no dia anterior, e estava determinado a compensar daquela vez. Desci com o nariz pelo centro do corpo dela, percorrendo o mesmo caminho que suas mãos haviam percorrido. Fui sentindo seu gosto e parei ao chegar a seu núcleo úmido. Soltei um suspiro de satisfação que vibrou contra seu clitóris distendido e recebi um gemido em resposta. Ainda com os dedos entrando e saindo de seu canal que pulsava e me puxava, levei minha boca àquele ponto sensível e o circulei com a língua. As bordas dos meus dentes rasparam naquele botãozinho de prazer muito responsivo, fazendo suas costas se arquearem no carro e suas mãos
agarrarem as laterais da minha cabeça. Eu a ouvi dizer meu nome, mas estava me afogando no sabor e na sensação dela, com a boca cheia de um gosto de flores e mel, então nem respondi. Eu a lambi mais rápido, enfiando os dedos mais fundo e com mais força, abrindo mais suas pernas para não perder nenhuma das deliciosas e agradáveis reações que Poppy tinha ao que eu estava fazendo com ela. Poppy brilhava de prazer e da minha boca. Seus olhos miravam o teto da oficina, mas sua boca se mantinha aberta enquanto leves arfadas escapavam de seus lábios. Uma mão que segurava com firmeza minha orelha agora se movia para o próprio peito. Seus dedos elegantes e finos beliscaram primeiro um mamilo e depois o outro, movendo-se devagar e deliberadamente enquanto eu continuava a me refestelar com seu corpo. Eu me abaixei mais, levantei uma de suas pernas e a passei por cima do ombro. Tive que apoiar uma mão no capô do carro para me segurar e estremeci ao sentir o metal frio na pele superaquecida. Eram sensações demais, e não me admirava que Poppy parecesse prestes a explodir como um foguete. Arrastei a língua por toda a sua extensão, notando cada estremecida no caminho. Quando cheguei à sua abertura pronta, ela se jogou contra o meu rosto com um desejo incontrolável, enquanto eu a penetrava com a língua. Ela se projetou contra mim, devassa e selvagem; sua coxa apertou minha cabeça e sua mão entrou no meu cabelo. – É demais, Wheeler. As palavras saíram estranguladas e sem ar. Ela ia gozar no meu rosto e na minha língua, estirada sobre o capô de um carro antigo e raro. Seria estonteante, e de jeito nenhum a última vez que ia acontecer. Na verdade, eu ia tornar aquilo parte de meus test drives. – Nem de perto, doçura. Murmurei as palavras nela, mordisquei seu clitóris com mais força do que o normal e a engoli quando ela se desfez em mim. Eu nunca ia ter demais dela. Soltei sua perna e arrastei a boca molhada pela pele macia de sua barriga, deixando um rastro de sexo e satisfação pelo caminho. Beijei seu umbigo e levei uma mão para cada lado de seu quadril para me apoiar no carro. Seu peito subia e descia depressa conforme eu tentava recuperar o fôlego. Peguei sua mão flácida e a levei à fivela do meu cinto. Levantei uma sobrancelha para ela e abri um sorriso. Poppy se colocou sentada com algum esforço e deslizou o couro pelo passante antes de soltá-lo. Com cuidado, desceu meu zíper, e meu pau sedento praticamente se jogou em suas mãos. Ela passou o dedão na fenda já úmida, circulando a cabeça até que eu mal conseguisse enxergar direito. Eu a puxei mais para perto e nossas pélvis se tocaram. Meu pau estava muito feliz que ela estivesse tão molhada e quente entre as pernas e tentou encontrar seu caminho para dentro como um míssil guiado por calor. Soltei um xingo quando a ponta do meu pau conseguiu penetrar suas dobras macias e sedosas. Morreria feliz só com aquilo, mas Poppy estava fazendo uma fantasia minha se tornar realidade e parecia determinada a chegar ao fim. Beijei sua boca suplicante e usei as mãos em seus quadris para virá-la, fazendo-a encarar o carro. Poppy me lançou um olhar interrogador por cima do ombro, acompanhado por sobrancelhas levantadas. Levei uma mão ao centro de suas costas para guiá-la até onde queria, com o rosto abaixado e a bunda redonda arrebitada e apontada na minha direção. Aquilo me deu água na boca e fez meu sangue queimar. Dei um puxão em seu cabelo comprido para que ela inclinasse a cabeça. Eu me inclinei para a frente para beijá-la, mas me perdi em um gemido quando meu pau encontrou o caminho por entre o vale de sua bunda. Eu me esfreguei pra cima e pra baixo, perdido na sensação boa demais, me perguntando se ela confiava em mim o bastante para me receber ali na hora certa. Era uma fantasia completamente diferente: Poppy inclinada
sobre uma das minhas obras-primas, deixando que eu comesse sua bunda. Se eu não fosse cuidadoso, esse pensamento iria acabar com a possibilidade antes mesmo de começarmos. Mas não me faltaria tempo para saboreá-la por completo. Tínhamos toda a eternidade. – Você confia em mim, lembra? Desci a mão por sua coluna e parei para acariciar a bunda luxuriosa onde meu pau duro estava aninhando. – Confio em você, mas não é todo dia que me vejo inclinada sobre um Hudson 53. Poppy sorriu para mim, e meus dedos se afundaram em seu quadril quando ela ficou na ponta dos dedos para que eu pudesse entrar. Ela já estava mais do que pronta, então fui com tudo. – Mas você está acostumada a se inclinar para este Hudson aqui, e tudo o que ele quer é dar um trato em você. Seu corpo se sacudiu quando tirei o pau e voltei a entrar com tudo, deslocando-a sobre o capô. Suas palmas se abriram mais no metal e ela se virou para apoiar a testa na pintura azul. – E a sensação desse trato é maravilhosa. Grunhi em resposta e acelerei o ritmo. Ela estava aninhada ao meu corpo naquela posição, e ver sua bunda ir ao meu encontro a cada estocada me deixava bobo e bêbado de luxúria. Eu não conseguia mais pensar, só sentir. Senti como suas paredes internas agarraram meu pau duro. Senti como ela ficava mais escorregadia à medida que eu investia com mais força. Senti como sua coluna enrijecia ao toque conforme eu a mantinha colada ao capô do carro. Senti como seu cabelo escorregava por meus dedos enquanto eu o usava como uma corda para puxar sua cabeça quando precisava de um beijo. Então minhas bolas se apertaram e meus joelhos começaram a tremer. Minha visão ficou embaçada e o ar pareceu preso nos pulmões. Meu pau pareceu que ia explodir, assim como a bola compacta de prazer que pulsava insistentemente na base da minha espinha. Era demais para aguentar, e eu esvaziava tudo nela sem nem me certificar de que ficar inclinada sobre o capô do carro havia sido bom para Poppy. Grunhi quando ela tirou tudo de mim e depois bateu os quadris contra os meus. Soltei a testa no meio de suas costas, pus as mãos em seu tórax e supliquei: – Diz que foi tão bom pra você quanto foi pra mim, por favor. Ela virou a cabeça descansando a bochecha no metal agora aquecido. – Foi bom pra mim, Wheeler, porque foi com você. Quando me afastei para deixar que ela se levantasse e a puxei para os meus braços, me dei conta de que teria que limpar mais do que marcas de pés e impressões digitais do carro antes que os outros chegassem pela manhã. Eu ficava ótimo espalhado por todo o seu corpo, e não me importava com a sujeira que fazia. Segurei seu corpo nu contra o meu e sussurrei em seu ouvido: – Depois quer ver o que eu consigo fazer no banco de trás? Poppy riu na minha garganta e enlaçou meu pescoço. Porque ela era perfeita e a melhor coisa que havia acontecido em toda a minha vida, sussurrou de volta: – Claro que sim.
CAPÍTULO 17
u gostava dele na minha boca. Gostava de como segurava minha cabeça entre as mãos enquanto eu me movimentava sobre ele, mas sem exigir nada. Gostava de como seu abdome se contraía e flexionava conforme eu tomava mais dele, passando a língua em sua pontinha de novo e de novo. Gostava de como seu corpo inteiro se enrijecia e ficava em estado de alerta quando eu deslizava a mão por entre suas pernas e apalpava sua pele ultrassensível. Gostava de como suas pernas se moviam incansavelmente, uma de cada lado, indicando estarem perdendo a luta para se segurar pelo maior tempo possível a fim de desfrutar do que eu fazia com ele. Gostava do sabor terroso e salgado dele quando finalmente se soltava em um longo grunhido vindo de algum lugar do fundo do peito. Gostava que tremesse quando eu fazia cócegas no saco pesado entre suas pernas complacentes. Quando ele segurava o meu cabelo para me puxar para perto, até ficarmos quase nariz com nariz, com seus olhos azuis disparando as coisas pelas quais eu procurara a vida inteira, e dizia de forma grosseira: “Te amo pra caralho, Poppy”… bom, eu amava aquilo. Era a melhor parte. – Também te amo, Wheeler – me acomodei em suas pernas esticadas e passei um dedo pela concavidade fofa em sua bochecha. Eu amava aquelas covinhas e ficava grata a cada minuto de cada dia por ver mais e mais delas conforme passávamos mais tempo juntos. – Obrigada por tirar uma folga do trabalho pra ir comigo amanhã. Era o fim de semana depois de comprarmos os móveis e fazermos um sexo inesquecível na oficina. Ele já tinha alguns clientes agendados durante a semana com quem não podia cancelar, então nossa viagem para o Texas foi adiada um pouquinho. Salem ainda estava puta porque eu ia, mas o fato de Wheeler ter concordado em me acompanhar e segurar minha mão garantira seu afeto por ele por toda a eternidade. Rowdy se ofereceu de novo para ir junto, bem ciente de no que íamos nos meter, mas eu sabia que, se tinha alguma chance de tirar minha mãe do meu pai, precisava abordá-la da maneira menos ameaçadora possível. Ela precisava de amigos, não de confronto, e de jeito nenhum Rowdy poderia ser aquela pessoa, com toda a animosidade que sentia em relação aos meus pais pelo que haviam feito comigo e com Salem quando éramos pequenas. Wheeler moveu as pernas para apoiá-las onde minhas pernas encontravam seus quadris. Aquele parecia ser seu lugar de descanso favorito, o que não me incomodava nem um pouco. – Eu nunca deixaria que você se metesse em uma situação que pode ser perigosa sozinha, com ou sem seu boquete incrível – ele levantou as sobrancelhas e sorriu para mim. – Não que eu não tenha gostado. Dei um soquinho em seu peito e joguei a cortina pesada de cabelos sobre seu ombro. Seus
E
olhos se estreitaram um pouco quando um mamilo apareceu por entre o véu cor de caramelo. Estávamos nos pegando há horas, já que eu nunca conseguiria dormir sabendo que ia voltar para tudo aquilo de que quisera tanto escapar, tanto que quase acabara morta no processo. Se não ia dormir, ele também não ia, o que levava a muito, muito sexo. Wheeler devia estar cansado, eu sabia que estava, mas meu cérebro não desligava e meu corpo não parecia se importar de estar dolorido e sensível em inúmeros pontos. – Sei que não me deixaria ir sozinha. A chupada foi pelo carro. Na verdade, era só porque eu gostava de ter poder sobre ele. Adorava ser responsável por fazê-lo se sentir bem e gozar. Wheeler soltou uma risada surpresa e apertou meus quadris. – Se é isso que ganho por te dar um carro, então pode se preparar para outro no Natal e talvez até no seu aniversário. Deitei em seu peito e me acomodei nele. Seus braços me envolveram imediatamente e seus lábios encontraram o topo da minha cabeça. – Já tenho que arranjar uma garagem para o Hudson. Não tem problema deixar o Camry na rua, mas de jeito nenhum que um carro daqueles vai ficar sem proteção nesse frio. Dei um gritinho quando ele me apertou até ficar difícil respirar. Suas palavras levantaram fios de cabelo ao sair. – Tenho uma garagem ótima em casa. Pode estacionar lá se quiser. Pisquei e levantei a cabeça para poder olhá-lo. – E por que o Cadillac não fica estacionado nela? Você sempre deixa na rua. Naquele exato momento, na verdade, estava estacionado na oficina, para que ficasse protegido do inverno. Ele suspirou e passou o dedão por meu maxilar. – Eu sempre deixava Kallie estacionar na garagem. Não queria que ela tivesse que raspar a neve dos vidros pela manhã. Se não quiser deixar o Hudson na minha casa, pode deixar na oficina. Concordei devagar e levei as mãos até seu peito. – Acho que agora seria melhor. Posso pensar em deixar o carro na sua casa quando estiver pronta para ir com ele. Seus olhos brilharam e suas covinhas ficaram ainda mais profundas. – Você quer morar comigo? Eu havia custado muito para sair da segurança da casa de Sayer. Ainda não estava cem por cento confortável sozinha, mas ia chegar lá. – Um dia. Quando tiver se acostumado e descoberto como vai criar um filho com Kallie, quero que seja uma opção. Quero tomar a decisão sabendo que vamos morar juntos porque não consigo viver sem você, não porque faz com que eu me sinta protegida e certa de que nada de ruim vai me acontecer enquanto estiver sob seu telhado. Sei quais são as razões corretas, mas ainda não estou em um lugar em que possa fazer escolhas baseada nelas. Ele concordou e me puxou de volta para seu peito. – A porta está sempre aberta pra você, doçura. Pode entrar quando quiser e ficar quanto quiser também – ele riu, e senti seu peito tremer sob minha bochecha. – Isso significa que vou ter que comprar móveis novos outra vez? Soltei o ar e fechei os olhos conforme o calor de seu corpo começou a se espalhar por mim. Meus membros pareciam lânguidos, e todo o medo e as possibilidades que giravam em minha
cabeça começaram a diminuir seu ritmo frenético. Wheeler passou a mão em meu cabelo e a pousou acima da minha bunda, então me colocou de barriga para cima. – Não me importo com os móveis. Desde que sejam confortáveis, bons o bastante para sobreviver a um cachorro e a um bebê e fáceis de limpar depois que me der um trato, eles podem ficar. Preciso de você, não de um sofá estiloso ou de armários embutidos. Bocejei tão forte que minha mandíbula até estalou. Meus olhos começaram a se fechar enquanto ele passava a mão no meu cabelo e brincava com ele. – Pode dormir. Estou aqui. E porque ele estava mesmo, e porque tínhamos mergulhado de cabeça, independentemente do que aconteceria no dia seguinte, finalmente peguei no sono. – Sério? – Wheeler disse aquilo com tanto veneno que fiquei surpresa que o coitado do garoto da loja de aluguel de carros não tivesse fugido para a sala dos fundos. – Você só tem um Camry disponível? Tentei reprimir a risada, mas foi inútil. Wheeler me olhou de um jeito que, se fosse outra pessoa, eu teria me escondido no lugar mais próximo para me proteger. Dei uma batidinha em seu braço para tranquilizá-lo e lembrá-lo de que Loveless era uma cidade muito pequena e tínhamos sorte de conseguir qualquer carro sem reserva. Com sorte, iríamos embora no mesmo dia, então ele não teria que sofrer o constrangimento de dirigir um carro econômico por tanto tempo. Em um tom muito mais tranquilo, eu o avisei: – Estamos no sul do Texas, Wheeler. Não tem muita gente aqui com esse visual, então você chama a atenção. Estamos tentando ser discretos. Se assustar todo mundo com quem nos depararmos, alguém vai acabar chamando o xerife, e meu pai vai saber que estou na cidade e não vim sozinha – perdi o fôlego e tive que me esforçar para que as palavras passassem pela emoção entalada na minha garganta. – Ele já está mantendo minha mãe isolada. Se souber que alguém veio para tentar ajudar, vai escondê-la e puni-la por lhe dar trabalho. Minhas palavras diminuíram sua irritação. Eu entendia que Wheeler estava nervoso e no limite porque não sabia como voltar para casa iria me afetar. Ele se preocupava com a possibilidade de eu desmoronar, voltando a erguer os muros atrás dos quais eu me escondia quando nos conhecemos. Eu queria tranquilizá-lo dizendo que ia ficar bem, que ao final tudo ia dar certo, mas não podia mentir para ele. Já sentia que estava me desfazendo e que todos os fios soltos estavam sendo puxados, o que me deixava nervosa e desconfortável. – Pode ser o Camry. As palavras dele saíram no máximo relutantes, enquanto pegava a chave do garoto e assinava a papelada do aluguel. Wheeler pegou minha mão e me conduziu até o estacionamento minúsculo com a colossal oferta de cinco carros disponíveis. Todos eram sedãs básicos quatro portas. Ele não teria gostado de nenhum. Wheeler abriu a porta do passageiro para mim, em seguida dirigiu ao único hotel na cidade, no qual havíamos reservado um quarto pela internet. A jovem na recepção me reconheceu do ensino médio e quis se atualizar imediatamente quanto ao que havia acontecido em cada aspecto da minha vida desde que eu havia fugido de Loveless. Quando me deu os pêsames por causa de Oliver, quase vomitei sobre o balcão de madeira polida. Wheeler encerrou o papo-furado e depois me conduziu até o quarto com a mão apoiada na parte inferior das minhas costas, sussurrando o tempo todo que tudo ia ficar bem. Como era ele dizendo, acreditei. Wheeler não mentiria para mim.
Precisei de vinte minutos com ele me abraçando e falando para me acalmar naquele quarto decadente de hotel para voltar a respirar normalmente e parar de tremer. – Como quer fazer, Poppy? – ele estava acariciando minhas costas e traçando círculos com o dedão na parte interna do meu pulso. – Você pode me dar o endereço para que eu vá até lá. Posso esperar até me certificar de que seu pai não está e dar um jeito de entrar para ver como estão as coisas. Era fofo da parte dele se oferecer para carregar o fardo, mas era a minha vida e eu tinha que ir até o fim. – Você vai ter um filho. A última coisa que precisa é ser preso por invasão de propriedade no meio do nada – soltei o ar demoradamente e enfiei as mãos no cabelo. – Meu pai vai para a igreja à noite. Ele dá aconselhamento a jovens casais às segundas. Acredita nisso? Fica dizendo às jovens que devem obedecer aos homens da vida delas ou serão punidas por Deus – puxei o cabelo com tanta força que doeu, então olhei de relance para Wheeler. – Ainda tenho a chave da casa. Podemos entrar depois que ele sair. – E se tiverem trocado a fechadura? Era uma boa pergunta, mas, por sorte, eu tinha uma resposta. – Minha irmã costumava entrar e sair escondida o tempo todo. Meu pai tentava controlar Salem, mas ela sempre dava um jeito. A janela do nosso antigo quarto não trava. Minha irmã a quebrou com uma chave de fenda. Ele costumava colocar uma barra entre a parte de cima e a moldura se descobria que ela tinha saído à noite. Eu sempre tirava a barra para colocar de volta depois, ainda que significasse passar meses de castigo e suportar meu pai sendo ainda mais horrível comigo quando não estávamos em público – descansei a cabeça no ombro dele e entrelacei nossos dedos. – Meu pai não é um bom homem. – Não é mesmo, o que torna um milagre ainda maior você ser tão maravilhosa. Parece que aquilo que superamos é o que nos transforma em quem somos, e não de onde viemos – Wheeler abriu um sorriso que não se estendia a seus olhos e inclinou a cabeça para o lado. – Bom, o que quer fazer para matar o tempo enquanto esperamos até seu pai sair de casa? – ele movimentou as sobrancelhas. – Tenho algumas ideias. Senti um formigamento entre as coxas, mas, embora meu corpo estivesse a fim daquele tipo de distração, minha mente estava a milhões de quilômetros de distância, sem querer ficar vulnerável e nua nem mesmo com Wheeler. – Acho que podemos guardar isso para depois, quando não estiver sentindo que posso vomitar e desmaiar a qualquer minuto. Ele concordou e se levantou. – Bom, estamos no Texas. Que tal me levar para comer churrasco? Levei a mão até a minha barriga, que estava se revirando. – Não acho que possa comer agora. Ele estendeu os braços e esperou pacientemente até que eu pegasse suas mãos. Então me colocou de pé com um leve puxão. – Tudo bem. Você pode ficar me vendo comer e rir de mim quando eu estiver todo sujo de molho barbecue. Não vou te deixar pensando aqui neste quarto até pirar. Eu o segui para fora do quarto e o deixei me colocar no carro. No piloto automático, fui indicando o caminho para o que costumava ser meu restaurante favorito quando morava na cidade. Fazia anos que não comia ali. Oliver achava que churrasco fazia sujeira demais, então me proibia de levar para comer em casa. Da única vez que escapei com uma amiga da igreja para
comer, acabei manchando a roupa. Quando ele a encontrou, enterrada nas profundezas das roupas para lavar, prendeu a peça na minha garganta e puxou até eu desmaiar. Quando recobrei a consciência, estava cheia de hematomas e pelada. Eu deveria ter ido embora muito antes de chegar àquele ponto, mas agora me sentia feliz por ter ficado o bastante para saber até onde as coisas podiam ir e ser capaz de dizer a outras mulheres que elas mereciam um tratamento melhor. A vida não deveria se restringir a sobreviver e suportar. Era uma questão de aproveitar e saborear cada dia que se tinha. A hostess nos levou até uma mesa discreta, perto dos fundos do restaurante. Enquanto ela se afastava, me dei conta de que havia escolhido um lugar do lado oposto para ficar comendo Wheeler com os olhos o quanto quisesse. Ele não pareceu notar, mas logo aprendi que não era o único que precisava lutar contra a vontade de socar alguém que não conseguia manter os olhos sob controle. Eu nunca chegaria de fato a machucar outra pessoa, não sabendo o tipo de dano que punhos podem causar, mas aquilo não me impedia de imaginar o cabelo daquela mulher pegando fogo quando ela olhou por cima do ombro de maneira assanhada, no caminho de volta para seu lugar à entrada. Por sorte, quem nos atendeu foi um homem que não pareceu dar muita atenção a nenhum de nós dois. Wheeler pediu uma carne grande o bastante para alimentar um pequeno exército e uma cerveja. Só pedi água e disse a ele que provaria o pão de milho do acompanhamento. Conversamos um pouco, principalmente sobre o bebê e quão ansioso ele estava para descobrir se ia ser menino ou menina. Não me dei ao trabalho de dizer que o bebê podia não cooperar de novo, e que talvez eles ficassem sem saber o sexo até pouco antes de ele chegar de fato. Eu meio que esperava que ele continuasse se fazendo de difícil. Era divertido ver Wheeler tentar se acostumar com a ideia de ser responsável por uma menininha. Na cabeça dele, um menino seria mais fácil. Eu não tinha coragem de dizer que estava errado. Uma menina sempre acabava sendo a queridinha do pai. Perguntei se ele e Kallie haviam começado a discutir nomes para os dois casos, e uma expressão de sofrimento surgiu em seu rosto. Aparentemente, ela só gostava de nomes que Wheeler considerava chatos e básicos demais. Ele queria algo forte e memorável. Ela descartou alguns que pareciam ter sido sugeridos pelos funcio-nários da oficina, nomes que deviam achar muito foda, mas dava para entender por que Kallie não havia gostado muito. Wheeler perguntou se eu tinha alguma sugestão quando uma sombra repentina recaiu sobre a mesa. Pensando que era o garçom com o prato de Wheeler, nem olhei até ouvir alguém pigarrear. De pé ao meu lado estava um homem com uniforme de xerife. Não o reconheci até ouvir sua voz familiar. Case Lawton. Ele era delegado quando eu morava com Oliver. Estava no escritório do xerife na noite em que meu marido quebrara meu braço e inúmeras costelas. Estava lá quando o pai dele, que era xerife na época, me perguntara se eu queria mesmo prestar queixa, porque era uma cidade pequena e as pessoas iam comentar. Meu pai havia feito muito pela comunidade, e ele odiaria arrastar toda a minha família em uma situação que só envolvia duas pessoas. O xerife disse a Case para me levar ao médico para ser examinada, então mencionou que ia falar com Oliver sobre a maneira certa de manter a esposa na linha. Fugi antes que qualquer uma daquelas coisas acontecesse. Quando as pessoas que deveriam te ajudar são tão ruins quanto aquelas que te machucaram, tudo o que se pode fazer é cuidar de si mesma até encontrar alguém que de fato se importe. – Poppy Cruz. Achei mesmo que era você. Acompanhei sua história no noticiário há um tempo – ele passou a mão na parte inferior do rosto e depois tirou o chapéu com aba larga que cobria seu cabelo escuro. Parecia mais velho do que eu me lembrava, cansado e desgastado, mas
continuava muito bonito de um jeito rude e grosseiro. – Falei para o meu pai que seu marido era pirado. Sabia que algo horrível ia acontecer se não prendêssemos o sujeito por agressão. O cretino nunca me ouviu. Olhei para a estrela de xerife no peito dele e depois para Wheeler, que apertava os olhos ao mirar o rapaz. – Deveria ter escutado mesmo. Oliver estaria na prisão e não morto, e eu não teria passado o último ano com todo tipo de sombra me fazendo pular e acordando aos gritos no meio da noite. Ele meteu uma bala na cabeça na minha frente. Partes do crânio e do cérebro de Oliver ficaram presas no meu cabelo – puxei o ar por entre os dentes e baixei as sobrancelhas enquanto fechava as mãos em punho em cima da mesa diante de mim. – E tudo isso depois de dois dias de estupro e tortura. Tenho sorte de estar viva. Mais do que isso, tenho sorte de ainda estar sã e continuar acreditando que nem todos os homens são como meu pai e Oliver. O xerife pareceu desconfortável e prestes a passar mal. Seu rosto ficou pálido e sua boca se franziu em fúria. Ele voltou a colocar o chapéu e afundou o queixo. – Nosso dever é servir e proteger, mas nem todos os policiais são iguais também. Meu pai era do mesmo tipo que o seu, e foi por isso que deixou de ser o chefe. Esta cidade é pequena e todo mundo fica sabendo quando as pessoas que deveriam estar prestando atenção viram o rosto de propósito. Fico feliz que tenha conseguido escapar, se precisar de ajuda com o que quer que a tenha trazido de volta saiba que vou atender o chamado pessoalmente. Sei que te deixei na mão aquele dia, que falhei em proteger você, e tenho carregado tal culpa todo esse tempo. Concordei, rígida. – Vou manter isso em mente, xerife. Seus lábios se curvaram em um sorriso torto quando ele apontou para Wheeler. – Seu namorado é bem difícil de esquecer, então tente não fazer nada diante de testemunhas. Ele ia ser reconhecido entre outros suspeitos sem nenhuma dificuldade. Wheeler grunhiu uma resposta. O xerife saiu da frente para que o garçom pudesse apoiar a bandeja ao lado da nossa mesa e murmurou uma despedida em seguida. Antes de atacar a comida, Wheeler me perguntou se eu estava bem. Dei de ombros e estiquei o braço para pegar um pedaço de pão. – Muita gente me decepcionou antes que eu fosse embora desta cidade pela primeira vez. Eu não deveria ter voltado como voltei, e da segunda vez a decepção foi ainda maior. Por isso sei que ninguém vai ajudar minha mãe. Se ninguém vir ou falar a respeito, é como se não estivesse acontecendo. Mas está acontecendo com gente demais, mulheres e crianças, e até homens. – Então vamos fazer o que pudermos pra ajudar, porque sabemos que está acontecendo e nos recusamos a virar o rosto. Abri um sorriso triste para ele e disse: – Te amo um montão, Hudson. Ele retribuiu enfiando um pedaço de carne na boca e mastigando com alegria. Matamos o resto da tarde dirigindo pela cidade enquanto eu mostrava meus antigos fantasmas. Com olhos agora bem abertos, pude ver que não havia nada de especial no lugar onde crescera, o que deixava um pouco menos assustador estar ali de volta. Depois que falasse com minha mãe, visse com meus próprios olhos que ela estava viva e bem, nunca mais voltaria. Não havia nada ali para mim, e eu não ia deixar nada de importante para trás. Estacionamos na esquina da rua da minha casa de infância e tivemos que esperar uma hora até a Mercedes SUV preta e brilhante do meu pai sair. Os homens de Deus deviam ser humildes e
modestos… meu pai não era nem um nem outro. Ele gostava de deixar seu poder e sua posição evidentes em tudo o que fazia. – Parece um cretino. As palavras suavemente murmuradas de Wheeler me fizeram rir, mas tudo o que eu queria era chorar. – E é. Virei o rosto para ele e me inclinei para um beijo quando meu pai virou a esquina e não havia mais a mínima chance de ele ver meu rosto. Wheeler me beijou de volta, colocando um pouco de língua e deixando meu lábio inferior molhado. Quando me puxou para si, estávamos ambos respirando acelerado, e não era de medo. Ele saiu do carro, e eu o segui com a chave da casa que nunca havia sido meu lar enganchada em meus dedos trêmulos. Quando toquei a maçaneta, não consegui mais respirar. Ela girou com facilidade na minha mão e abriu com um ruído quase imperceptível. O interior da casa estava escuro e silencioso. As luzes estavam apagadas, a TV estava desligada e não havia vozes ou qualquer sinal de vida em nenhum lugar. Era como entrar em uma tumba decorada com todo o bom gosto. Olhei por cima do ombro quando senti Wheeler em minhas costas, fechando a porta atrás dele. – O quarto fica nos fundos. O chão range, então pisa com cuidado. Ele concordou e começamos a nos esgueirar pelos corredores assustadores, em cujas paredes não havia nenhuma foto ou quadro. Eu me lembrei bem da minha mãe esfregando e limpando cada superfície até que seus dedos sangrassem para manter meu pai feliz. Ao chegar da missa ou de um evento de arrecadação de fundos, ele não falhava em encontrar um fiapo microscópico ou uma partícula de poeira que ela havia deixado passar. Então sua fúria era liberada, o que levava inevitavelmente a muito mais que minha mãe se desfazendo em lágrimas. Passei os dedos pela parede como costumava fazer quando era pequena, voltando no tempo conforme as memórias me atingiam por todos os lados. Me lembrei da atmosfera pesada da repressão e do julgamento que predominavam dentro da casa. Me lembrei da falta de calor, de como tudo parecia frio mesmo que nunca caísse abaixo de vinte graus lá fora. Me lembrei das noites sem dormir, preocupada com minha irmã e odiando ter que ser perfeita para compensar as falhas que ela cometia aos olhos do meu pai. Me lembrei da sensação sufocante de cada grama de alegria sendo sugada de mim. Minhas lembranças mais recentes eram muito melhores. Chegamos à porta fechada do quarto dos meus pais. Apoiei uma mão na madeira e precisei de um segundo para me preparar para o que quer que houvesse do outro lado. Estava pronta para o pior, uma vez que meu pai não deixava ninguém falar com minha mãe, mas torcia pelo melhor. Senti quando Wheeler apoiou a mão entre as minhas omoplatas para que eu soubesse que continuava ali, independentemente do que estávamos prestes a encarar. Girei a maçaneta e abri a porta. Meus olhos encontraram os da minha mãe no mesmo instante. Ela estava sentada a uma cadeira perto da janela, no escuro, sem fazer nada. Parecia mais velha do que da última vez em que a tinha visto. Havia mais fios grisalhos em seu cabelo escuro e sua pele bronzeada tinha rugas mais profundas perto dos olhos e da boca. Ela também tinha perdido bastante peso. Seus braços pareciam gravetos, despontando do suéter grosso que usava, ainda que estivesse quente o bastante lá dentro para me fazer suar. – Mãe? A palavra saiu como uma pergunta, porque ela parecia outra pessoa. Parecia uma mulher que havia apanhado e sido esquecida.
Ela piscou preguiçosamente para mim. Seus olhos eram do mesmo castanho-claro e dourado incomum que os meus. – Poppy? – minha mãe levou a mão à garganta e começou a se balançar para a frente e para trás na cadeira. – Estou sonhando? Só posso estar. Wheeler foi até o interruptor e acendeu a luz. Todos reagimos piscando, e a completa extensão de quão mal minha mãe estava me atingiu. Suas bochechas tinham sulcos profundos. Suas clavículas estavam proeminentes e com pontas afiadas. Suas mãos poderiam muito bem pertencer a um esqueleto. Ela parecia um cadáver que não tinha sido enterrado. – Você não está sonhando. Estou aqui para te ajudar. Quero que venha comigo para Denver. Quero que deixe o papai e permita que eu te ajude. Estava preocupada. Ela piscou de novo e precisou de uma quantidade de tempo anormal para voltar a abrir os olhos. – Você não pode ficar aqui. Vai irritar seu pai. – Papai está sempre irritado, porque tem algo de muito errado com ele. Quando foi a última vez que você comeu alguma coisa? Fui até ela, me ajoelhei à sua frente e apoiei a mão em seus joelhos. – Seu pai disse que eu estava ficando desleixada. Ele acha que estou velha e gorda. Estou de dieta. Minha mãe estava se matando de fome por causa daquele babaca. – Você não parece nada bem. Me deixa ajudar. Vou te levar para um lugar seguro, onde vão te tratar bem. Minha mãe abaixou a cabeça, e notei que seu cabelo estava rareando, de modo que eu podia ver o couro cabeludo em meio aos fios finos. Ela ergueu a mão como se pesasse quinhentos quilos e deixou que pairasse inútil entre nós. – Sou uma boa esposa. Obediente. Deus vai me recompensar. Mulheres de fé não abandonam um casamento quando fica difícil. Era a retórica envenenada do meu pai saindo da boca dela. – Você não está em um casamento difícil, mãe, mas em um casamento morto. Vai morrer se ficar com ele. – Seu pai me ama. Ele precisa de mim. A voz dela saiu fina e fraca, mas dava para notar que acreditava naquilo, com toda honestidade. – Mãe… a única pessoa que aquele homem ama é ele mesmo. Quando a gente ama alguém, toma conta da pessoa, valoriza ela, coloca sua felicidade antes da própria. Se ele te amasse, estaria aqui neste instante, te forçando a comer alguma coisa. Você parece um esqueleto. Papai sabe que você está definhando, mas não faz nada para impedir. Assim como sabia o que Oliver fazia comigo e nunca interferiu para me proteger. Os olhos lânguidos dela foram para Wheeler e se arregalaram um pouco. – Você não pode ficar aqui. Meu marido não aprovaria sua presença na nossa casa. Marcar a pele é um pecado. Não se altera o corpo dado por Deus. – Ela está falando sério? Ele pareceu espantado e ligeiramente enojado. Suspirei. – Infelizmente, está. Mãe, se vier comigo e tentar melhorar, vai poder ser vovó. Salem vai deixar que veja o bebê e vamos poder ser uma família de verdade – eu duvidava muito que
Salem deixaria nossa mãe chegar perto do bebê, mas estava desesperada e o tempo corria. – Você merece mais. Não quero que passe o resto da vida como capacho e saco de pancadas emocional do papai. – Sou uma boa mulher, temente a Deus. Ele vai me ajudar. Balancei a cabeça negativamente e me levantei. – Deus só vai te ajudar a arranjar um lugar no inferno, ao lado do papai, que é onde ele vai acabar por deixar que se mate assim. A mão de Wheeler caiu pesada sobre meu ombro e deu um aperto de leve. – Essa conversa não está indo a lugar nenhum. Ela não vai ouvir. É melhor parar por aqui e ir embora, doçura. Balancei a cabeça negando com veemência, então me inclinei para pôr as mãos nos ombros frágeis e ossudos de minha mãe. – Não posso te deixar aqui. Não posso te deixar com ele. Ela fechou os olhos de novo, e virou o rosto para a janela. – Aqui é o meu lugar. Wheeler me puxou para trás e envolveu meu peito pesado com o braço. – Ela tem opções e agora sabe disso. Pode ligar se mudar de ideia e quiser ir embora. Podemos dar uma passadinha naquele xerife para que ele saiba o que está acontecendo aqui. Ele pareceu ter se dado conta de como ferrou totalmente com você e talvez esteja a fim de arriscar o pescoço para fazer a coisa certa – seus lábios tocaram minha orelha e eu estremeci enquanto lágrimas rolavam por minhas bochechas. – Não se pode salvar alguém que não quer ser salvo, Poppy. Algumas coisas não podem ser resgatadas depois de certo tempo de decadência. Você deixou claro que sua mãe não está sozinha, e é tudo o que pode fazer. Incapaz de enxergar além das lágrimas que obscureciam minha visão, sussurrei: – Tchau, mãe. E deixei que Wheeler me tirasse daquele quarto sombrio e triste. Já estávamos no corredor quando a ouvi dizer, bem baixinho: – Eu adoraria ver uma foto do meu neto quando nascer. Você é uma boa garota, Poppy. Sempre foi. Eu era uma boa garota, mas aquilo não bastava para convencê-la a ir comigo. Com tristeza, me dei conta de que nada faria minha mãe ir embora, mas aquilo não me impedia de fazer uma última oferta. – Se precisar de mim, dá um jeito de me avisar. Só porque ela estava pronta para desistir e aceitar aquilo como sua terrível realidade não significava que eu também estivesse.
CAPÍTULO 18
Wheeler u estava deitado de costas embaixo de uma picape Ford totalmente detonada. O sujeito que a levara até mim me disse que, do nada, uma gosma preta havia começado a pingar do eixo traseiro. Só se esquecera de mencionar que havia tentado rebocar algo do jeito errado e que acabara entortando tanto o troço que aquilo mais parecia uma escultura moderna. Eu nunca entenderia por que os clientes achavam que esconder sua participação nos eventos que haviam ferrado com o carro reduziria o trabalho que daria para consertar. Aquilo ia exigir uma traseira nova, o que não tinha como sair barato. Xingando à meia-voz, saí de baixo do carro. Ia ter que colocá-lo no elevador para ter total dimensão dos danos. Como já era fevereiro, o chão de cimento da oficina estava sempre frio, então ficar deitado nele por apenas alguns minutos já fazia todos os ossos das minhas costas doerem. Estava dando instruções para alguns funcionários para tirar a caminhonete dali quando, de relance, vi uma cabeleira grisalha familiar. Não tinha notícias de Zak desde que havia confirmado o recebimento do Hudson e que estava me preparando para começar a trabalhar nele. Havia imaginado que ele retornara à Califórnia e que nossos caminhos não iriam se cruzar de novo, então fiquei um pouco surpreso ao vê-lo ali, na oficina, olhando para o Hudson com a pintura nova como se fosse uma obra de arte rara e inestimável. Limpei as mãos no trapo que tinha no bolso de trás e abri caminho até o homem mais velho. Ele estava com as mãos enfiadas nos bolsos do casaco de lona e tinha uma expressão séria no rosto. As outras duas vezes em que estivera na oficina usava óculos escuros com lentes espelhadas, mas não era o caso agora. Quando se virou para mim ao notar que eu me aproximava, hesitei e congelei na mesma hora. Os olhos que me encaravam eram idênticos aos meus, com o mesmo tom raro de azul-claro. De repente, ele não parecia apenas familiar… parecia de fato da família. Senti minhas mãos se fecharem em punhos ao lado do corpo enquanto nos encarávamos. Foi ele quem quebrou o silêncio. – Queria ter vindo antes das festas de fim de ano para conversar, mas minha mulher não anda muito bem de saúde e não podia ficar sozinha – ele tirou uma mão do bolso e coçou a nuca. – Você fez um trabalho espetacular com este carro, garoto. Ficou melhor do que alguns nos quais trabalhei. – Que se foda o caro. Quem é você e o que está fazendo na minha oficina? – cruzei os braços e apertei os olhos. – Tenha em mente que, se não gostar das suas respostas, isso não vai terminar bem pra você. Parecia haver uma colmeia de abelhas zangadas zumbindo debaixo da minha pele. Podia ouvir cada batida do meu coração, e cada respiração entrecortada minha soava muito alta no espaço entre nós. O homem mais velho suspirou e baixou a cabeça, então ficou olhando para as pontas das botas. – Tive um filho com uma mulher quando era muito jovem. Tinha acabado de sair da escola e estava dividido entre entrar para o Exército e tentar traçar meu próprio caminho no mundo. Era pra ser coisa de uma noite só, uma última diversão antes de me comprometer com um caminho
E
ou outro. Ela era ruiva, e eu sempre tive uma queda por pernas longas e cabelo avermelhado. As coisas não aconteceram como eu previa. Ela ficou grávida, me pediu dinheiro para o aborto e desapareceu assim que dei. Eu não a conhecia, nem fazia muita questão, e foi um erro. Ele levantou o rosto para ver se eu ainda estava prestando atenção. Eu estava… e não gostava nem um pouco do rumo que aquilo estava tomando. – Está tentando me dizer que ela estava grávida de mim? Sabia que minha mãe era desonesta, e aquilo parecia exatamente o tipo de coisa que faria. Ele deixou uma risada amarga escapar e levantou uma sobrancelha. – Sei que pareço jovem, filho, mas nem tanto. Estou tentando dizer que ela estava grávida da sua mãe – ele suspirou e pareceu desconfortável. – Eu não sabia que a mulher havia mantido o bebê depois de pegar o dinheiro. Permaneci totalmente ignorante do fato de que tinha uma filha até que ela apareceu na minha porta com dezesseis anos, morta de fome, sem ter onde morar e enraivecida com o mundo. A mãe não fora correta com ela, nem eu. A garota já estava envolvida com drogas, e acho que se voltou a isso como uma forma de lidar com o estilo de vida que a mãe lhe forçara – ele se retraiu. – E acho que se automedicava. Convivi com muitas mulheres quando era mais novo e conseguia identificar quando uma não estava bem. Minha filha… tinha algo de errado com ela. Levantei a mão e fechei os olhos por um instante para poder ordenar os pensamentos. – Você está me dizendo que é meu avô? Ele não parecia ter mais do que quarenta e cinco anos, mesmo com os fios grisalhos. Estava tendo alguma dificuldade em processar aquilo, mas não havia como negar que eu só podia jurar já tê-lo visto em algum lugar porque tínhamos o mesmo rosto e os mesmos olhos. Era como ver o futuro. Ele era o que me esperava quando começasse a envelhecer. O homem confirmou e começou a vir até mim. – Acolhi sua mãe, a coloquei na reabilitação, consegui ajuda profissional e rezei para conseguir desfazer todo o mal que havia sido feito pela mãe dela – ele me olhou cheio de remorso por seu fracasso. – Não funcionou. Assim que ficava limpa, ela voltava a usar. Saía para ir ao médico e desaparecia por dois ou três dias. Era errática, violenta e imprevisível nos seus melhores dias. Andava com gente perigosa e se recusava a ver que as drogas não ajudavam. Nada parecia ter efeito. Eu era casado quando ela apareceu, tinha uma vida razoável, não podia reclamar muito. Minha mulher me deixou por causa do caos que sua mãe iniciou, mas nem me importei. Era minha filha, e cabia a mim fazer com que voltasse ao caminho certo. Soltei uma risada desdenhosa e tranquei os dentes. – Ela nunca se endireitou. Quando eu era pequeno, me esquecia se estava drogada e ficava irritada com a minha presença se não estava. Quando fiquei mais velho, me levava com ela e me deixava com quem quer que estivesse por perto. Continuava envolvida com gente perigosa, então tive sorte quando ela me largou, porque vai saber o tipo de merda que eu teria enfrentado quando a coisa toda explodisse. Precisava de alguém que me salvasse dela. Ele soltou um som estrangulado do fundo da garganta e passou a mão de qualquer jeito pelo rosto. – Sei que ela nunca melhorou. Depois que minha esposa foi embora, sua mãe e eu tivemos uma discussão. Eu falei que ela tinha que ir para a reabilitação e se manter limpa ou precisaria ir embora – ele inclinou a cabeça para trás e ficou encarando o teto. – Quando acordei no dia seguinte, ela tinha partido. E levado meu Hudson 52 com ela – o rosto dele se contorceu com a lembrança. Quando voltou a me olhar, parecia torturado. – Ela penhorou o carro por alguns
milhares de dólares e desapareceu. Nunca mais ouvi sobre ela. Dei risada, mas sem achar graça. Senti como se um buraco se abrisse no meio do meu peito. – Bom, ela me abandonou também, mas eu tinha quatro anos, então, garanto que foi muito pior do que pra você. Ele se virou para mim com uma expressão sombria no rosto. Seu corpo estava rígido e dava para notar que tentava manter as emoções sob controle. – Tentei encontrar sua mãe. Contratei investigadores particulares, cobrei favores de clientes, perguntei a velhos conhecidos que tinham contatos que não estavam exatamente na legalidade. Ninguém a encontrou, porque ela estava morando na rua, envolvida com gente que não queria ser localizada. Cheguei perto uma vez, quando foi presa por prostituição em New Orleans – ele olhou para o chão e depois para mim. – O cafetão pagou a fiança antes que eu conseguisse chegar, e ela desapareceu outra vez, como um fantasma. Deve ter mudado o nome depois disso ou talvez tenha roubado a identidade de alguém. Procurei por anos e anos, à espera do dia em que iria receber uma ligação dizendo que haviam encontrado o corpo dela em uma vala qualquer – o corpo dele estremeceu, e vi seus olhos brilharem com as lágrimas acumuladas ali. – A ligação veio no meio de setembro. Ela teve uma overdose em um abrigo para mulheres em Dallas. Estava doente, muito doente, além de qualquer cura. Aquilo doeu pra caralho. Levei a mão até a região das costelas em que a dor parecia se concentrar e fechei os olhos. Sempre havia achado que ela não era péssima só comigo, mas como pessoa. Sabia que não devia ter acabado daquele jeito sozinha e saber que talvez não tivesse nenhum controle sobre sua doença fazia com que eu me sentisse culpado por tê-la odiado todos aqueles anos. Ela não teria sido uma boa mãe e feito a coisa certa de jeito nenhum, mas saber que havia morrido de um jeito tão horrível e solitário fez meu sangue queimar. – Só fiquei sabendo de sua morte porque ela carregava consigo uma caixa com alguns pertences. Dentro encontraram um cartão de visitas meu, então me ligaram e pediram que eu a identificasse. Peguei um avião para o Texas para poder enterrar minha filha. Quando voltei à Califórnia, dei uma olhada nas coisas que mantivera consigo durante todo o tempo fugindo e se drogando – ele deu alguns passos na minha direção para que ficássemos olho no olho. Ambos lutávamos contra a emoção e sofríamos com a perda de uma mulher que havia virado nossa vida de cabeça para baixo. – Havia uma certidão de nascimento na caixa. Minha filha havia tido um filho e eu nem sabia – ele deu um sorriso contido, e seu peito se expandiu ao puxar o ar demoradamente. – Ela te deu o nome do meu carro favorito, mas não tenho ideia de onde saiu o “Wheeler”. Talvez fosse o sobrenome do seu pai, talvez ela tenha inventado. Mas explica por que nunca soube de você. Então, contratei os mesmos sujeitos que havia contratado antes, mas para encontrar você. Daquela vez, não precisaram nem de um dia inteiro. Sua oficina está na internet. Quem entende de carro conheceu seu nome. Vi uma foto sua e quase desmaiei. Parecia igual a mim quando tinha vinte e poucos. Como eu, gostava de consertar coisas que outros haviam deixado de lado. Eu me casei de novo, com uma boa mulher. Ela ficou ao meu lado quando gastei milhares e milhares de dólares tentando encontrar alguém que não queria ser encontrado. Ela me abraçou quando chorei no túmulo da minha filha e me deu sua bênção não apenas quando disse que ia atrás do meu neto, mas quando contei que ia dar a ele o mesmo carro com que a mãe fugira tantos anos antes. Ela é mesmo uma boa mulher, mas com problemas no coração. Não tem muito tempo sobrando, então tentar dar um jeito de fazer isso delicadamente, de entrar com cuidado na sua vida, deixou de ser uma opção. Ela quer te conhecer antes que seja tarde demais, e eu disse que daria um jeito.
Dei um passo atrás e desviei os olhos para aquele carro que eu sabia que era especial mesmo antes de ter visto. – Então foi de você que comprei o Hudson? Foi você que baixou o preço a quase nada? – O homem da loja de penhores de quem comprei o carro não tinha ideia do que possuía. Não era cuidadoso, agia como se fosse um carro velho qualquer. Mas se recusava a vendê-lo para mim, independente de quanto eu oferecia. Dizia que o carro se pagava atraindo mulheres e, considerando que ele era uma bola com topete, não duvido de que precisasse dele para transar. Então, teve problemas com dinheiro, há um tempo, e me ligou oferecendo o carro. O preço era ultrajante, mas comprei mesmo assim. O merdinha não se deu ao trabalho de me dizer que ia destroçar o carro para conseguir um dinheiro rápido antes de me mandar. Mas o mantive comigo, dizendo a mim mesmo que iria reformá-lo quando fosse a hora. Quando entrei na oficina aquele dia e vi seu Cadillac, soube que aquele carro não era meu, era seu – ele abriu um sorriso inocente. – Parte da razão pela qual atravessei o país com o Hornet era que eu esperava que você o reconhecesse, que visse que havia algo ali. Joguei a cabeça para trás para rir. – Na verdade, é da minha namorada agora. Dei a ela há algumas semanas. Eu sabia que aquele carro significava algo. As sobrancelhas escuras dele se aproximaram e os cantos de sua boca se retorceram. – A que está grávida? Minha mulher ficou maluca quando mencionei que tinha um bisneto a caminho. – Não, minha namorada não está grávida. Minha ex está. Parecia um daqueles programas de baixaria entre familiares quando eu falava aquilo em voz alta. – Ah… bom… é complicado, não? – ele sorriu para mim, revelando uma covinha idêntica à minha na pele bem preservada. – Já sabe se vai ser menino ou menina? Minha esposa adoraria cumprir seu papel de bisavó, se não se importar. Eu agradeceria muito se a deixasse ser uma parte da sua vida pelo tempo que resta a ela, Hudson. Levei as mãos à cintura e balancei a cabeça de um lado para o outro. – Ainda não sabemos. Fizemos um monte de ultrassons, mas o bebê só mostra a bunda e nada mais. Kallie, que é a mãe, decidiu que quer que seja surpresa, e eu embarquei nessa. Poppy, minha namorada, decorou o quarto extra de casa em amarelo e cinza. Vamos usar essas cores no enxoval. Eu havia ficado muito feliz quando ela pedira para cuidar da transformação daquele cômodo em um quarto para o bebê. Poppy andava introspectiva e quieta, com tudo o que acontecera no Texas ocupando sua mente. Toda vez que o celular tocava, ela corria para ver se era a mãe ligando para pedir ajuda e ficava decepcionada ao constatar que não era. Eu a tinha levado comigo ao casamento de Cora e Rome no Dia dos Namorados, esperando que estar cercada por familiares e amigos que celebravam o amor de duas pessoas maravilhosas fosse fazê-la esquecer o resto… isso aconteceu, pelo menos um pouco. Desviara sua atenção da mulher que não podia ajudar, focando nas que podia. Poppy estava passando cada vez mais tempo com o grupo de defesa de vítimas de violência, mas agora como conselheira e ativista, além de sobrevivente. Ela estava levando a sério a ideia de ajudar outras mulheres na posição em que ela estivera, e eu tinha orgulho daquilo, mas também me preocupava que para cada mulher que salvasse houvesse outra, como sua própria mãe, que não poderia salvar. Sabia como aquilo pesava em sua alma. Ela teria que descobrir o ponto de equilíbrio, e eu não tinha problemas em
segurá-la até que conseguisse fazer isso. – Amarelo e cinza então. Ele me olhou com expectativa, mas tudo o que pude fazer foi dar de ombros. – Faz muito tempo que me viro sozinho. Nunca tive uma família para chamar de minha. Engravidei uma garota que me prometeu a dela, mas não deu certo, porque é fácil quebrar promessas. Então, encontrei a mulher que sempre deveria ter sido minha. Ela é mais que minha família. É a primeira pessoa que me faz sentir que de fato pertenço a algum lugar. E é com ela – ergui uma sobrancelha para o homem mais velho que tinha meu rosto e meus olhos e abri um sorriso lento. – Sei como é se sentir sozinho e indesejado, então nunca iria querer isso para o meu filho. Quero que o bebê seja amado por tantas pessoas em sua vida quanto possível. Ele vai ter familiares de sangue, mas também alguns escolhidos. Não vejo por que você e sua mulher não poderiam ser ambos. Ele soltou um suspiro longo de alívio, então fechou os olhos brevemente. – Você tornou tudo muito mais fácil do que achei que seria, garoto. – Minha mãe tornou tudo difícil demais para nós dois. Não estou a fim de repetir isso, já tive que lutar e sacrificar o bastante. Escolho acreditar em você quando diz que tentou ajudar e escolho acreditar que se soubesse a meu respeito teria feito seu melhor para me ajudar também. Ele xingou baixo e assentiu. – Me mata que tenha ficado em abrigos… de verdade. Eu teria te dado um lar. Poderia ter sido eu te ensinando sobre carros, não um professor de escola qualquer. É como uma facada no peito. – É melhor não focar no passado, mas em como as coisas estão agora – estiquei o braço e dei um tapinha em seu ombro. Eu ia ser bonitão pra caralho quando ficasse mais velho. – Sinto muito por sua esposa. – Não sinta. Tivemos bons anos juntos, e ela ainda não se foi. Minha esposa cuidou de mim em meio a toda a história com sua mãe. Agora é minha vez de ser forte e cuidar dela. – É como deve ser o amor. Eu estava certo daquilo. – É como o amor é. Quer descer a capota dessa belezura e me mostrar o que fez até agora? Parece tudo original. Estou impressionado. Não tive como não me sentir orgulhoso. Ninguém nunca tinha me dito que era impressionante antes, ou pelo menos não alguém cuja aprovação importava. – Obrigado. Eu disse que conhecia um sujeito que conseguia encontrar qualquer coisa – meu celular começou a tocar no bolso de trás. Reconheci o toque de Poppy no mesmo instante, então levantei um dedo. – Só preciso de um segundo para atender. Minha namorada não costuma me ligar quando estou trabalhando. Toquei a tela e, antes que pudesse dizer qualquer coisa, ouvi um grito descomunal e o som de Happy ficando louco. – Poppy? Não consegui esconder o pânico na voz quando virei de costas para o homem que queria ser minha família e fui para a entrada da oficina. Ouvi um ruído de batida, o que me fez pensar que o celular havia caído no chão. Ainda podia ouvir o cachorro latindo e Poppy gritando, mas abafado, como se estivesse debaixo da água ou longe. – Poppy! – gritei o nome dela tão alto que todas as cabeças na oficina se viraram para me olhar. Passei por uma das portas e pulei para a neve. Minhas botas aterrissaram no asfalto com
um baque e corri para o carro. – Onde você está, doçura? Eu sabia que ela não ia responder, porque podia ouvi-la se debatendo e sufocando do outro lado da linha. – Me dá a chave, garoto. Você não parece em condições de dirigir com esse tempo. Nem pensei, só passei a chave para Zak enquanto continuava chamando por Poppy ao telefone. Dava para ouvir Happy rosnar e ficar mais agitado a cada minuto. – P-pai… p-para… O lamento parou e pude ouvi-la tentando puxar o ar desesperadamente. Gritei seu nome de novo e entrei na perua. Não podia ouvi-la morrer sem fazer nada para salvá-la. Desliguei e liguei para a emergência. A mulher que atendeu teve que pedir que eu repetisse três vezes o que dizia, de tão rápido que ladrava ordens a ela e a meu avô ao mesmo tempo. – Minha namorada está sendo atacada pelo pai. Preciso que mande ajuda. Eu estava respirando acelerado e me sentia tonto. Nem conseguia enxergar direito. – Onde, senhor? Preciso de um endereço para passar aos socorristas. Eu guiava Zak cegamente até o apartamento dela, acreditando que ela havia ido para casa depois do trabalho, mas, na verdade, poderia estar em qualquer lugar, de modo que eu não conseguiria chegar a tempo. Ninguém conseguiria. Reduzi as possibilidades à clínica veterinária em que trabalhava, o apartamento e a minha casa, porque eram os lugares para os quais costumava levar Happy consigo. Passei o endereço dela e pedi à mulher que mandasse alguém à clínica também, caso o maluco do pai a tivesse surpreendido quando ela estava saindo. Supliquei para que ainda enviasse alguém à minha casa. A mulher permaneceu calma e me garantiu que enviaria unidades para todos aqueles lugares, mas eu não sabia se chegariam a tempo. Poppy parecera estar quase perdendo os sentidos quando implorara que o pai parasse. Eu não conseguia acreditar que tinha passado pelo que passara, feito tudo em seu poder para escapar, só para acabar em suas mãos. – Vamos encontrar a garota, Hudson. O desconhecido sentado ao meu lado de repente se tornou minha única âncora em um mundo que girava rápido demais e totalmente fora do eixo. Eu sabia que íamos encontrá-la. Era a condição em que Poppy estaria quando eu chegasse que me preocupava.
CAPÍTULO 19
u estava distraída e, como sempre… Deveria ter desconfiado. Se distrair é perigoso. Se distrair pode ser mortal. Quando saí do trabalho, Happy encontrou um bicho morto e em decomposição enterrado na neve do estacionamento. Já estava com o troço na boca, mastigando, quando me dei conta de que não era só uma pedra ou um graveto. Aquilo acabou fazendo com que ele passasse mal no banco de trás do carro, o que por si só já era nojento, mas, então, ele conseguiu tornar tudo ainda pior tentando lamber o próprio vômito. Eu estava louca para chegar ao apartamento. Quando estacionei em frente, em vez de dar uma olhada em volta para me certificar de que o caminho do carro à porta estava livre, me ocupei em tirar o cachorro sem sujar todo o casaco de vômito. Eu estava inclinada, prendendo a alça na coleira de tachinhas com o nome dele, presente de Natal de Wheeler, quando o primeiro golpe atingiu minha nuca. Caí de joelhos na hora, enquanto Happy se transformava em um borrão marrom e sangue começava a escorrer por meu rosto e a manchar a neve diante de mim. Tentei levar a mão ao ponto dolorido que estava queimando na parte de trás da minha cabeça, mas meu pulso foi agarrado com tanta força que gritei de dor. Outra mão pegou meu rabo de cavalo e puxou minha cabeça para trás. Ainda que minha visão estivesse embaçada, o homem que me arrastou para poder sentar no meu peito enquanto batia repetidamente minha cabeça contra a calçada gelada e implacável diante do meu apartamento era inconfundível. Meu pai havia me encontrado e não iria embora até que eu morresse. Eu deveria ter desconfiado que isso iria acontecer e deveria estar preparada. Wheeler fazia eu me sentir segura, à prova de balas, invencível. Havia esquecido que não era nada além de pele fina e ossos frágeis. – Pai! – gritei, como se fosse ter algum efeito no lunático que batia no meu rosto e segurava meus ombros com os joelhos para que eu não pudesse revidar. Minhas pernas se debatiam inutilmente, e eu podia sentir a poça de sangue se espalhar sob minha cabeça, empapando meu cabelo e escorrendo quente até o pescoço. – Fiquei esperando do lado de fora de cada clínica veterinária de Denver até encontrar aquela pra qual você trabalha – ele agarrou minha garganta e comecei a sufocar. Senti meus olhos saltarem quando o fornecimento de oxigênio se reduziu a zero. Não conseguia empurrá-lo ou soltar seus dedos, mas pude acessar o bolso do casaco, onde estava o celular. Minhas mãos estavam começando a formigar e a ficar dormentes, e ele continuava a pressionar minha garganta, mas consegui tocar a tela de modo a repetir a última ligação feita. Ela havia sido para Wheeler, claro. – Sua idiota. Você e a vagabunda da sua irmã nunca valeram nada. Acha que sou burro, que não sei que ficou ligando pra casa, que fez aquele xerife intrometido começar a aparecer em casa todo dia, querendo ver sua mãe? Você estava morta pra mim, Poppy, morta. Suas mãos apertavam mais e mais conforme ele falava. Vagamente, ouvi Happy choramingar
E
e bater as unhas nervoso na calçada, enquanto girava em torno do meu corpo que se debatia. Ouvi Wheeler gritar meu nome no celular que estava no bolso. Aquilo significava que meu pai também tinha ouvido, o que o fez aliviar sua pegada em minha garganta o bastante para que eu conseguisse dizer, rouca: – P-pai… p-para… A súplica ficou sem resposta. Quando ele se inclinou para pegar o celular no meu bolso, levantou o corpo o suficiente para que eu conseguisse me virar. Minhas mãos atingiram o cimento com força, a pele deslizou e se arranhou. De canto de olho, vi uma pedra ensanguentada do tamanho de um punho masculino com fios de cabelo grudados. Ele tinha tentado afundar meu crânio e, pela quantidade de sangue espalhada na neve, havia feito um bom trabalho. Happy tentou pular no rosto do meu pai, o que o distraiu enquanto eu tentava me arrastar para longe. Lágrimas inundaram meus olhos quando ele puxou o meu cabelo de novo, e eu aterrissei de bunda com um grito alto. O braço do meu pai prendeu minha garganta, a curva do seu cotovelo bloqueando completamente minha passagem de ar. Agarrei seu braço inutilmente, já que o tecido grosso do casaco de lã dele protegia sua pele da única arma que eu tinha disponível. Ainda me segurando, meu pai rosnou para mim e cuspiu seu veneno no meu ouvido enquanto eu lutava para respirar e me soltar. – Aquele coração-mole deu uma olhada na sua mãe e me disse que, se ela não recebesse ajuda, ia chamar o serviço social. Sua mãe sempre teve um teto sobre a cabeça, comida na barriga e um homem de Deus na cama. Ela não tem do que reclamar, e foi o que disse ao xerife, mas ele continuou aparecendo – o braço em volta da minha garganta apertou ainda mais. Happy pulou e começou a raspar as patas nas pernas do meu pai. Fiquei com medo de ele se machucar. Quando Oliver aparecera e fizera exatamente a mesma coisa comigo, chutara o cachorro de Salem com tanta força que o pobrezinho ficou mancando por semanas. Meu pai parecia ter um único foco, no entanto: me fazer pagar. Nem notou o cachorro. – Da última vez, ele apareceu em casa com um grupo de mulheres da igreja. Elas disseram que estavam preocupadas com sua mãe, com o bem-estar dela. Parece que sua irmã se meteu como sempre e falou com algumas pessoas que achou que podiam estar interessadas na saúde da sua mãe. Elas convenceram sua mãe de que ela precisava me largar e ir embora daquela casa. Foi humilhante. Primeiro, tive que sofrer o constrangimento de minhas filhas viverem no pecado e na imoralidade. Então, precisei explicar à congregação inteira um interrogatório da polícia e o fato de sua mãe não estar mais no lugar dela. Você e sua irmã destruíram tudo. Vou mostrar às duas o que acontece quando se desobedece e vai contra Deus – ele não era apenas violento e maligno, mas parecia ter cruzado a barreira da sanidade também. – Eu nunca, nem uma vez, levantei uma mão contra vocês, nem mesmo quando mereciam. Vê o que me levou a fazer, Poppy? Compreende que é a única maneira de aprender? Eu amava minha irmã. Ela nem ligou para minha mãe ou para o que estava acontecendo em nossa casa. Largou tudo e nunca olhou para trás. Mas me amava e sabia que eu estava preocupada, sabia que estava obcecada por aquilo e que não podia fazer nada para ajudar mamãe sem ficar cara a cara com papai. Então, ela fez o que sempre fazia: interveio. Se envolveu, mexeu pauzinhos, apelou para a empatia, manipulou e coagiu até conseguir o que queria… que minha mãe se afastasse do meu pai. Era a melhor irmã do mundo e ia ficar louca se meu pai conseguisse me causar mais danos. Se não fosse preso por me matar, estaria em uma cova rasa depois que ela acabasse com ele.
Meu corpo inteiro foi para trás quando ele apertou ainda mais minha garganta. Arfei e pisquei depressa, vendo estrelas por trás das pálpebras fechadas. Tudo à minha volta se reduzia a um campo de visão estreito, com as bordas escurecendo. Eu conseguia ouvir o fluxo de sangue na cabeça enquanto meu cérebro tentava obter o oxigênio de que precisava desesperadamente. O frio que eu sentia nas canelas e nos joelhos tinha mais a ver com os membros entorpecendo do que com o clima em si. Senti o bafo quente do meu pai na bochecha, açoitando minha pele como uma lâmina de barbear quando ele rosnou: – Aquele bebê teve sorte de não ter nascido. Foi salvo de ter alguém como você como mãe, uma garota inútil e burra. Sua mãe deveria ter me dado filhos, garotos fortes, leais e obedientes. Ela é tão inútil quanto você e sua irmã. Eu não conseguia mais enxergar. Mal conseguia ouvir, mas sentia todo o meu rosto empapado de sangue, um cheiro de ferro e um gosto salgado nos lábios, que estavam abertos, tentando sem sucesso puxar algum ar. – Ei! O que você está fazendo com ela? Ouvi vagamente Happy soltar um latidinho e a porta da frente do prédio abrir. Meu pai aliviou a pegada só o suficiente para que eu conseguisse puxar o ar. Com mais medo de morrer e deixar Wheeler sozinho de novo do que do homem que havia feito o seu melhor para me destruir, projetei o cotovelo com tanta força quanto consegui reunir e ouvi um grunhido satisfatório de dor quando atingi a barriga mole do meu pai. Ele soltou meu pescoço no mesmo instante em que ouvi passos apressados na nossa direção e inúmeras vozes exigindo que se afastasse de mim. – Sai de perto dela! – Tira a mão! – Vou chamar a polícia! Tudo se resumia a um borrão e a um turbilhão de coisas que não fazia sentido enquanto eu tombava para a frente, incapaz de me manter ereta. Achei que fosse dar de cara com o concreto, mas mãos gentis seguraram meus braços e me impediram de cair. Pisquei e tentei colocar o rosto à minha frente em foco. Parecia familiar, mas, considerando que eu sangrava em profusão, provavelmente tinha uma concussão e havia sido estrangulada, não conseguia identificar de quem era. Ouvi as sirenes soando ao longe e fechei os olhos quando lágrimas de alívio começaram a queimar meus olhos e a escapar por entre os cílios. Considerando o sangue em todo o rosto, eu devia estar parecendo saída de um filme de terror. – Ela é minha filha, vocês não têm o direito de interferir! Sou um homem de Deus! – meu pai gritava com todas as forças. – Me solta! Olhei para ele e vi dois homens que também pareciam familiares segurando seus braços enquanto meu pai tentava se soltar. – De jeito nenhum. Vamos ficar aqui até que a polícia apareça. Você estava tentando matar a moça no meio da rua. Eu queria abraçar o sujeito que me impedia de cair, mas estava coberta de todo tipo de nojeira, e havia uma boa chance de acabar vomitando nele. Meu estômago se revirava. – Ela precisa ser punida. Nunca aprende a lição, nunca. Meu pai só dizia maluquices, assim como Oliver havia feito durante todo o tempo que me mantivera aprisionada. O som de um motor potente e raivoso e de pneus grandes parando chamou a atenção de todo
mundo para a caminhonete que brecava no meio da rua. A porta do passageiro se abriu e Wheeler desceu antes mesmo que o veículo parasse por completo. – Poppy! Meu nome pareceu arrancado de dentro dele, o medo e a fúria o faziam vibrar com força o suficiente para que o homem que me segurava soubesse que devia me soltar para que Wheeler pudesse chegar até mim. Em um segundo, ele estava de joelhos à minha frente, com os braços me envolvendo. Finalmente me entreguei, sabendo que nada nem ninguém seria capaz de me atingir sem passar por Wheeler primeiro. Minha testa bateu em sua garganta e meus braços tremeram ao enlaçar seu pescoço. Eu sentia sua respiração forte no pescoço e seus lábios em minha pele inchada e irritada. Tentei dizer que estava bem, que ficaria bem, mas nada além de um rangido rouco saiu. Seu corpo estremeceu contra o meu, e senti suas mãos se fecharam em punho às minhas costas. Wheeler levantou a cabeça e olhou para meu pai, que ainda se debatia nas mãos dos outros dois homens que haviam salvo minha vida. – As sirenes estão cada vez mais perto. Você tem dois minutos no máximo se quiser fazer alguma coisa, garoto. Não reconheci a voz, mas, quando olhei para o homem que dera o aviso, me assustei, sem conseguir acreditar. Ele parecia com Wheeler, só que mais velho, com cabelo grisalho, pele mais escura do sol e rugas atraentes nos olhos. – Dois minutos é mais que o suficiente – os lábios de Wheeler tocaram os meus, que estavam rachados e com manchas de sangue seco. – Doçura, vou deixar Zak cuidando de você um minuto, tudo bem? Era um pedido, mas dava para ver que a raiva deixava seus olhos elétricos e fazia suas sardas se destacarem nas bochechas. Eu sabia que Wheeler não ia me soltar se eu não deixasse, mas a fera dentro dele estava ferida e precisava de um lugar para ir. O lobo que se esgueirava queria proteger a companheira, e eu tinha que deixar. – Ele não vale a pena. Deixei que o homem mais velho me ajudasse a levantar e me apoiei nele quando minhas pernas cederam. As palavras eram pouco mais que uma lufada áspera e esfumaçada de ar. Minha garganta parecia estar pegando fogo. – Não, mas você vale – Wheeler ladrou enquanto avançava a passos largos para onde meu pai estava, agora imóvel, observando sua aproximação com um medo evidente no rosto. Wheeler virou o rosto para os jovens que seguravam o homem que havia me trazido ao mundo e feito o seu melhor para me tirar dele. – Podem soltar. Eles obedeceram de imediato e deram alguns passos para o lado para não ser pegos pela torrente de pura e autêntica fúria que Wheeler emanava. Uma mão enorme levou um trapo vermelho que pareceu surgir do nada até a minha nuca e aplicou uma pressão leve e constante. – Ele te pegou de jeito, não foi? O desconhecido parecido com Wheeler me apertou de leve, e eu fechei os olhos quando ouvi meu namorado dizer ao meu pai que era a última vez que ele ia se aproximar da mulher da vida dele. De repente, um corpinho quente e agitado estava nos meus braços, e senti as lambidinhas no meu rosto enquanto o desconhecido que eu já parecia conhecer por toda a vida nos abraçava. Eu precisava ser reconfortada enquanto o som de pancadaria preenchia o ar à minha volta.
Eu queria dizer que meu pai não havia me pego de jeito, porque eu ainda estava ali, de pé, disposta a lutar. Ele não havia feito o bastante para acabar comigo. Eu sempre conseguira retornar. As palavras giraram na minha mente, mas não conseguiram encontrar o caminho pela minha garganta ferida. Ouvi um grito. Ouvi ossos quebrarem. Ouvi meu pai implorar pela misericórdia que se recusara a dar a mim, à minha irmã ou à minha mãe. Ouvi o barulho de palmas e assovios enquanto as testemunhas de toda aquela provação encorajavam Wheeler a acabar com meu pai. E ele parecia estar se saindo bem, de acordo com os ruídos horríveis que chegavam aos meus ouvidos. – O garoto leva jeito com as mãos. Foi bom que você tenha lhe dado esse momento – o homem mais velho me apertou de leve, e Happy latiu feliz quando ele foi fazer carinho em sua cabeça. – Ele vai se remoer porque não estava ao seu lado quando seu pai te surpreendeu, por isso precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa, para provar que pode cuidar de você. Gostamos de pensar que somos capazes de encarar o que vier, de acabar com quem quer que ameace o que amamos. A verdade é que nem sempre estamos presentes, mas sempre protegemos o que amamos – ele soltou um xingo quando o sangue começou a pingar do trapo que ele segurava contra a hemorragia. – Seu pai vai ficar preso por um bom tempo, meu bem. É a única chance que Hudson vai ter de mostrar a ele por que não se pode pôr a mão em uma mulher ou em qualquer pessoa sem sua permissão. Ele precisava disso. O desconhecido estava certo. Eu não achava que violência fosse capaz de dar um fim à violência, não acreditava que fosse tornar meu pai um homem mais bondoso ou tolerante. Mas Wheeler obviamente queria provar algo quebrando cada osso das mãos do meu pai. Naqueles dois minutos, o homem que eu nunca mais queria ver ficou com a mandíbula e os dentes quebrados, dois olhos roxos, lábios cortados, um ombro deslocado, um tornozelo torcido devido à queda quando tentara fugir e uma infinidade de outros hematomas e machucados ao tentar se livrar do meu namorado que queria me defender e fazer justiça com as próprias mãos. De repente, as sirenes chegaram, e eu me vi envolvida em um enxame de policiais e socorristas. Alguém gritou e afastou Wheeler do meu pai. Gritei quando Happy foi tirado dos meus braços e fui levada para os fundos da ambulância. O tal Zak pegou o cachorro e prometeu que tomaria conta dele. De canto de olho, vi Wheeler discutir com um policial. Eu estava pronta para fugir dos socorristas que cuidavam do corte na parte de trás da minha cabeça e examinavam meus olhos. Queria impedir que Wheeler fosse preso. Por sorte, os três sujeitos que haviam me salvado interferiram para explicar a situação, evitando que ele fosse algemado. Ele precisou de alguns minutos para responder às perguntas dos policiais, mas, assim que foi liberado, correu para a ambulância onde haviam me colocado. Ele subiu na parte de trás sem esperar um convite e pegou minha mão. As mãos dele estavam machucadas, com as juntas sangrando e em carne viva, mas entrelacei meus dedos com os dele assim mesmo e as levei ao rosto. Eu não conseguia falar – minha voz tinha sumido, minha traqueia estava seriamente machucada e inchada –, mas dava para perceber que eu agradecia por ter me defendido, pela luta física que eu não tinha como vencer. Eu podia me garantir quando se tratava da batalha por minha alma e por meu coração, mas sempre ia ser superada no caso de punhos se movendo e socos potentes. – Eu deveria saber que, se fizéssemos algo, ele também faria. Não devia ter deixado você
sozinha. Wheeler passou o dedão pela minha bochecha e eu fechei os olhos, então o socorrista que se inclinava sobre mim avisou que eu não podia descansar até que o médico me avaliasse. Assim como eu, ele achava que havia risco de concussão. Eu queria dizer a Wheeler que estava mais do que na hora de fazer alguma coisa. Em relação a meu pai. À minha mãe. A tudo que tinha me levado a um casamento abusivo e à sensação de que era o que eu merecia. Eu fiz com que aquilo não fosse mais parte de mim, e se significava ter que enfrentar outro homem que não queria nada além de submissão e obediência, faria de novo e de novo. Por mim mesma e por qualquer outra pessoa que estivesse presa a uma situação ruim. Wheeler não poderia estar ao meu lado o tempo todo, mas eu não tinha como dizer aquilo até que minha voz voltasse. Era fofo que quisesse ser uma barreira viva entre mim e o resto do mundo, mas eu estava cansada de me esconder. Havia saído lentamente da concha em que me enfiara após o ataque de Oliver e havia me dado conta de que, não importa quanto cuidado tomasse ou quão deliberada fosse em relação às pessoas que deixasse entrar em minha vida, o perigo havia estado sempre por perto. Infelizmente, quem me causou a maior parte dos danos não foram desconhecidos, mas aqueles homens que na prática deveriam me amar. Pessoas muito ruins haviam passado por minha vida, deixando sua marca e levando pedaços de mim que eu não queria dar. Mas eu também tinha a sorte de possuir pessoas realmente incríveis e especiais comigo. Em vez de me tirar algo, elas me forneceram o que eu precisava para me curar e me sentir inteira de novo. Também deixaram marcas, que eu não queria esconder. Me fizeram sorrir. Me deram coragem. Me ouviram. Eu não estava levando a vida sob as cicatrizes e feridas – eu a estava vivendo onde o amor e a luz me encontravam todos os dias. O que havia acabado de acontecer com meu pai não iria representar um retrocesso. Iria me motivar a seguir em frente, sabendo que ele havia feito sua própria cama, com consequências e penitência. Eu descansaria bem à noite sabendo que ele não seria capaz de machucar a mim, minha mãe ou Salem outra vez, com palavras ou punhos. Era o fim dele, e o meu começo. – Você vai ficar bem, doçura… nós vamos ficar bem. Wheeler parecia tão certo daquilo que não pude deixar de acreditar. Confiava nele, que nunca havia mentido para mim. A fera dentro dele continuava viva e precisava ser tranquilizada, mas não havia nada que eu pudesse fazer a respeito presa a uma maca, com uma agulha na veia. Aquele lobo ia ter que uivar por um pouco mais de tempo. Quando cheguei ao pronto-socorro, a onda de atividade teve início. Fui separada de Wheeler, que ficou irritado e verbalizou seu desagrado. Salem e Rowdy apareceram para controlá-lo e interferir sempre que ele brigava com alguém que tentava se colocar entre nós dois, ainda que só para ajudar. Eu tinha que tirar raios X da cabeça e da garganta. Também havia perdido muito sangue e precisava de transfusão. Por sorte, Saint Ford, uma amiga da minha irmã que, por acaso, era casada com o homem que tinha pintado a oficina de Wheeler, era enfermeira naquele hospital. Consegui controlar um ataque de pânico quando ela começou a mexer em mim e cortar minhas roupas ensanguentadas. Saint me observou e vestiu um avental do hospital de maneira eficiente e profissional, então nem tive tempo de surtar. Eu não a conhecia bem, mas ela foi muito legal e paciente, me tratando como se eu pudesse quebrar. Não me tocou mais do que o necessário e deixou que Wheeler entrasse no meu cubículo, separado de outro por uma cortina, assim que acabou. Minha irmã e Rowdy ficaram atrás de mim o tempo todo, sem que eu conseguisse responder suas perguntas. Sentindo minha agitação crescente, Wheeler os convenceu
com delicadeza a voltar na manhã seguinte, quando eu não precisasse mais me esforçar tanto só para manter a compostura. Ele estava sentado na beirada da cama, com uma mão segurando a minha enquanto a outra traçava as feições do meu rosto como se tentasse memorizá-las, quando a cortina se abriu e outro rosto familiar surgiu. Eu sabia que ia ter que falar com a polícia em algum momento, mas não achava que ia ter a sorte de cair no colo de Royal Hastings. Ela também era amiga da minha irmã e tinha sido vital para iniciar minha busca o mais rápido possível quando Oliver me levou do apartamento de Salem. Todas as estrelas estavam se alinhando para tornar aquele ataque horrível o mais fácil possível para mim – as estrelas e algumas mulheres bem-intencionadas. Saint deixou escapar que viu meu nome no quadro de pacientes e transferiu uma colega para outro quarto para cuidar de mim. Conforme me deitava na cama do hospital com cuidado, por causa dos pontos e dos curativos que me envolviam como se eu fosse uma múmia, ela me disse que já havia visto mulheres demais entrarem no pronto-socorro depois de apanhar e ter sido feridas por alguém que amavam. Saint franziu o cenho ao dizer como ficava incomodada quando aquelas mulheres iam embora com a pessoa que era o motivo pelo qual haviam ido parar no hospital. Ela ficou muito feliz em saber que eu iria embora dali com Wheeler. Royal me encarou com seus olhos vividos de policial quando disse a nós dois: – Ouvi a chamada e reconheci seu nome. Disse ao sargento que você já havia passado por poucas e boas nas mãos de homens e provavelmente seria mais receptiva se visse um rosto familiar, em vez de um desconhecido na hora de dar seu depoimento. E duvido que o pugilista aqui fosse deixar alguém com pinto se aproximar de você. Por isso dispensei meu parceiro da visita – ela apontou para Wheeler. – Sorte a sua que havia testemunhas para confirmar sua versão de que atacou o pastor Cruz em autodefesa, apressadinho, ou passaria pelo menos uma noite na prisão. Estranhei que o chamasse assim, mas perguntaria a Wheeler depois de onde vinha aquilo. Wheeler grunhiu e passou o dedão por meu lábio inferior. – Ela não consegue falar. Teve uma concussão severa e está com a traqueia machucada. Vai ficar no hospital por alguns dias, e o médico disse que não dá pra saber quando vai conseguir falar. Ele soava tão frustrado e superprotetor que estiquei o braço e dei uma batidinha em seu ombro para reconfortá-lo. Royal hesitou e estalou a língua. Era brincalhona e linda de morrer, uma estranha combinação para uma policial, mas que parecia funcionar ali. Ela era boa no trabalho e obviamente se importava com as pessoas que deveria servir e proteger. – Tudo bem. Falamos quando estiver melhor, Poppy. Só achei que gostaria de saber que seu pai provavelmente vai ser acusado de assassinato. Achamos a pedra que usou para bater em você, e é óbvio que te seguiu até encontrar uma oportunidade de atacar. Não é um crime passional, porque foi planejado. Por sorte, não deu certo. Ainda bem que aqueles universitários estavam saindo para tomar um drinque. Grunhi do fundo da garganta machucada e pisquei. Então, eu conhecia mesmo os rapazes que haviam me salvado. Era o grupo animado que eu me esforçara tanto para evitar e que quase me fizera surtar naquela primeira noite em que havia convidado Wheeler para entrar em meu apartamento. Eu havia passado muito tempo com medo das pessoas e das coisas sem motivo. Não era verdade que o mundo inteiro ia tentar me derrubar; na verdade, havia muita gente que parecia interessada em me proteger, e eu me sentia grata por aquilo.
– Bom, vou te deixar descansar e volto a te procurar em alguns dias. Wheeler, preciso que você e seu avô deem uma passada na delegacia para pegar o depoimento de vocês também. O pastor Cruz vai ficar preso por um longo, longo tempo. Fico muito feliz por podermos fazer isso por você, Poppy. Odeio que não tenhamos conseguido te ajudar antes que seu marido a machucasse – ela balançou a cabeça, e seus olhos castanho-escuros ficaram mais brandos e tristes. – É a pior parte do trabalho, querer ajudar e não poder – Royal apontou para Wheeler de novo e falou: – Cuida bem da sua garota. Ela saiu, levando o uniforme azul e os cabelos fogosos junto e deixando Wheeler e eu sozinhos outra vez. Se estivesse conseguindo falar, perguntaria sobre a bomba do avô que Royal havia acabado de soltar. Eu sabia que aquele homem mais velho era parecido com Wheeler, mas meu namorado era um lobo solitário… ou pelo menos era, até me conhecer. Havia uma história ali que eu precisava saber, mas não era sobre o que ele estava querendo falar. – Nunca fiquei tão assustado na vida – ele soltou o ar e abaixou a testa até quase encostar na minha. – Nem quando minha mãe me abandonou com os bombeiros. Nem quando fui retirado do meu primeiro lar temporário, ou do quinto. Nem quando conheci os pais de Kallie ou quando ela me traiu a primeira vez e eu percebi que ela não me amava da maneira que eu precisava. Nem quando comprei uma casa para uma mulher sabendo que ela não me queria. Nem quando descobri que ia ser pai. Nem quando eu e você fomos pra cama e eu concluí que você era a mulher certa para mim, aquela que eu estivera esperando, e que eu nunca mais ficaria sozinho de novo. Nada nunca deixou meu coração tão exposto ou fez o tempo parar como quando recebi aquela ligação – ele levantou a cabeça, e seus olhos encontraram os meus. Eles brilhavam como vidro azul sob o véu cristalino das lágrimas acumuladas. – Eu poderia ter matado o cara sem um grama de arrependimento depois. Eu sabia que não era verdade, e ele também. As palavras podiam ser mentirosas, mas seus olhos sempre eram honestos. Se eu o amava e o havia deixado entrar quando só queria manter todo mundo longe era porque aquele homem queria afastar a dor, e não causá-la. Eu o amava porque a última coisa que ele queria fazer era machucar alguém, a menos que fosse uma ameaça direta a alguém que amava. Wheeler era pelo amor, e não pela briga, mas aquilo não significava que não iria proteger o que era seu até morrer. Ele usava o coração, e não os punhos, para vencer guerras. Eu não podia responder com palavras, então estiquei os braços e segurei seu rosto com as duas mãos. Toquei a área de suas covinhas, ele entendeu a dica e levou os lábios aos meus. Eu não queria desperdiçar um segundo me preocupando com o que havia nos machucado no passado. Aquilo não ia mudar, seria sempre um lembrete para nos manter honestos e bondosos. Era nas alegrias, nas coisas que nos restauravam, que eu queria focar dali em diante. Merecíamos ser felizes. Tínhamos lutado por aquilo e ganhado. Ele era minha vitória, e eu era seu triunfo. Eu não podia dizer que o amava, que amava que tomasse conta de mim melhor que qualquer outra pessoa, incluindo eu mesma. Não podia dizer que não sabia como era uma vida que valia a pena antes que ele entrasse na minha. Não podia prometer meu futuro e a eternidade, como quer que fossem, e sabia que seria algo lindo porque incluiria nós dois. Não podia sussurrar que era o melhor que eu já havia tido, que ninguém se comparava a ele na cama ou fora dela. Não podia gritar com todas as forças que a melhor coisa que já havia me acontecido fora ele ter decidido que podia me reconstruir.
Não podia dizer nada daquilo porque estava sem voz, mas sabia que meus olhos transmitiam tudo, que Wheeler podia ver, porque sempre via. Mesmo quando eu me escondia, quando tinha medo, quando vivia preocupada, quando estava perdida e olhava para trás em vez de para onde estava indo, Wheeler conseguiu encontrar um jeito de manter os olhos em mim. Os muros que eu havia construído para manter todos de fora não tiveram importância… ele simplesmente os atravessou. Wheeler estava me olhando do mesmo jeito que eu o olhava. Eu sabia que, não importava o que encarássemos a partir dali, sempre teríamos olhos só um para o outro.
EPÍLOGO
osto de Royce. Sussurrei as palavras no cabelo de Wheeler enquanto ele descansava a cabeça no meu ombro e fechava os olhos. Eram três da manhã. A bolsa de Kallie havia estourado fazia pouco mais de uma hora, e os três – ela, Wheeler e o bebê – haviam passado por uma cesariana de emergência que trouxera ao mundo um menininho perfeito, saudável e que chorava furiosamente ao mundo, com pouco mais de três quilos e trezentos gramas. Royce Hudson Wheeler não tinha virado na barriga, não importando o tipo de ioga, quiropraxia, tratamento holístico ou crendice que Kallie tenha tentado. O bebê era teimoso e não se movia. Ele se recusara a virar assim como tinha se recusado a revelar o próprio sexo para os pais. Foi Zak quem sugeriu o nome. Um dos primeiros clássicos que ele reformara e vendera fora um Rolls-Royce Silver Phantom 44. Wheeler levou a sugestão a Kallie depois de uma das visitas do avô, defendendo que podia ser usado se fosse menino ou menina. Surpreendentemente, ela concordou. Fiquei feliz de avisar todo mundo enquanto os dois tentavam trazer o filho ao mundo. A mãe e o pai de Kallie apareceram pouco depois e estavam agora no quarto conhecendo o neto. Dixie e Church pegariam o primeiro voo em Tupelo no dia seguinte, e Zak e a esposa, Shannon, chegariam da Califórnia em algum momento da tarde. Zak tinha ficado sem palavras quando eu ligara. Ele era um sujeito legal, com um coração quase tão grande e puro quanto o do neto. Ficou muito aliviado que a esposa ainda estivesse bem o bastante para viajar e conhecer o bisneto dele. Os dois eram boas pessoas, e eu odiava que a mãe de Wheeler tivesse sido tão egoísta e que suas ações impensadas o tivessem mantido distante da família que ele havia procurado desesperadamente a vida toda. Me lembrava demais do modo como meu pai havia me isolado do tipo de vida que eu sabia que aguardava por todas nós lá fora e me forçara a viver sob sua tirania. Liguei para Roni e avisei que Kallie estava em trabalho de parto, ainda que as duas tivessem terminado pouco tempo antes. Elas haviam feito o melhor para que o relacionamento desse certo, mas, embora Roni gostasse de Kallie, não queria tudo o que vinha junto. Não estava pronta para ser mãe e não estava pronta para ter não apenas Wheeler, mas eu também em sua vida. Dizia que era complicado demais, confuso demais. Elas ficaram amigas, e Roni me garantiu que passaria para ver o bebê quando pudesse. Kallie ficou de coração partido quando Roni terminou o relacionamento e reagiu de um modo que assustara a todos. Ela se fechou, deixou de comer, de frequentar as aulas do pré-natal e passou a perder consultas médicas. Wheeler tentou falar com ela, tentou argumentar, mas Kallie estava abatida. Não queria ouvir. Só queria mergulhar na dor e na pena por si mesma. Ela disse a Wheeler que finalmente compreendia como era quando o amor de sua vida pisava em seu coração. Vendo como o comportamento dela acabava com Wheeler, decidi intervir. Kallie não ouvia a
G
ninguém próximo a ela, mas eu tinha a sensação de que ouviria alguém que sabia em primeira mão o que podia acontecer caso não se recompusesse. Nos encontramos em um café uma manhã, e eu lhe disse como era perder um filho. Contei que eu parecia ter um buraco no coração que nunca seria preenchido, que toda vez que via a barriga protuberante dela uma inveja forte e cortante me consumia. Mencionei que continuava sofrendo todos os dias e que ainda acordava no meio da noite chorando pela vida perdida. Expliquei que era uma ferida que nunca fechava, que evoluía para uma dor com a qual você precisava aprender a viver. E que, às vezes, por exemplo quando um bebê começava a chorar em um restaurante ou quando eu ia a um chá de bebê, a dor se transformava em uma queimação que parecia prestes a transformar meu coração em cinzas. Eu a repreendi de leve por não tomar conta de si própria, por preocupar Wheeler, por colocar o bebê em risco. Garanti que um coração partido por um amor sempre se curava com o tempo, mas um que havia sido arrancado do peito porque algo acontecera com um filho talvez nunca voltasse ao normal. Minhas palavras tiveram efeito, porque ela saiu de seu estupor e encontrou seu chão. Então, passamos de aliadas desconfortáveis a amigas. Kallie não tinha muitas, e com Dixie no Mississippi, montando a casa com Church, precisava de alguém. Por algum motivo, acabou sendo eu. Era para mim que ela ligava quando queria companhia para comprar as coisas do bebê. Era para mim que ligava com novidades e perguntas. Era para mim que ligava quando brigava com Wheeler por causa do sobrenome. Ela queria com hífen, Carmichael-Wheeler ou WheelerCarmichael. Ele defendia firmemente que nenhuma criança deveria ser fadada a escrever um sobrenome daquele tamanho por toda a vida escolar, então deveriam usar só Wheeler. Era uma discussão recorrente. Eu sempre ouvia os dois lados e acabei tendo que informar à Kallie que sempre iria ficar do lado de Wheeler. Era meu trabalho fazer aquilo, mesmo que fosse próxima dela e considerasse sua opinião relevante. Era uma situação estranha, que devia parecer impossível e insuportável de fora. Mas nós, de dentro, estávamos fazendo o que podíamos para que tudo funcionasse e fosse tão normal quanto possível. Era nossa vida, então tudo o que podíamos fazer era vivê-la da melhor maneira. Não era uma família nuclear tradicional, mas era a nossa família, e faríamos o que fosse preciso, lutando por ela e defendendo-a. Também liguei para a minha irmã, que estava muito grávida e se ofereceu no mesmo instante para sair da cama e ir esperar comigo, porque sabia que aquilo seria muito difícil para mim, com todos os lembretes do que eu havia perdido. Mandei que continuasse na cama, garantindo que ficaria bem, mas não me surpreendeu nem um pouco quando nem vinte minutos depois Rowdy entrou pela porta, com os olhos mareados e todo amarrotado. Ele se jogou no assento ao meu lado, pegou minha mão e a apertou, então ficou esperando em silêncio comigo, oferecendo seu conforto constante e inabalável até que Wheeler voltou da maternidade com os olhos arregalados e ainda usando o avental verde que as enfermeiras haviam lhe dado por cima das próprias roupas. Assim que se aproximou de mim, Rowdy se colocou de pé, ofereceu a mão e deu seus parabéns sinceros, então murmurou que ia voltar para a namorada grávida e a cama quente. Wheeler entrelaçou os dedos no meu, e pude sentir que tremiam. – Sou pai. As palavras saíram em um sussurro admirado. Beijei suas têmporas e passei o nariz em sua orelha. – É, sim. Seus dedos se fecharam nos meus, e ele se endireitou na cadeira se virando e olhando para
mim, então esticou o braço para prender uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. – Obrigado por estar aqui. Meus lábios se retorceram. – Imagina. Wheeler sorriu, e aquelas covinhas matadoras fizeram meu coração parar e meus pelos se arrepiarem, como sempre faziam. Eu esperava que Royce fosse abençoado com aquelas marquinhas fofas. Todos os filhos dele deveriam ser. – Vamos ficar juntos a vida toda. Entramos de cabeça nisso. Retribuí seu sorriso e estava me inclinando para beijá-lo quando fomos interrompidos por alguém pigarreando. Ambos nos viramos e nos deparamos com os pais de Kallie atrás de nós. Eu gostava dos Carmichael. Eles eram legais e aceitavam tanto quanto possível o papel que eu ia desempenhar na vida do neto. Me tratavam com consideração e simpatia depois que Wheeler contou tudo o que eu havia passado e faziam seu melhor para me incluir nos eventos que envolviam o bebê, como o chá. – Kallie pediu que viéssemos chamar você – Wheeler fez menção de se levantar, mas Russ balançou a cabeça negativamente. – Não. Ela quer ver Poppy. Pisquei surpresa e lancei um olhar interrogativo para Wheeler. Ele deu de ombros confuso e me ajudou a me levantar. – Não se importa em dar uma olhadinha? A pergunta era porque ele sabia que eu ainda estava hesitante em relação a ficar perto do bebê, por achar que eu poderia ficar magoada ao ver Kallie segurar uma vida preciosa nos braços. Era mesmo duro, mas seria infinitamente pior se eu não desse um jeito de ignorar a dor. Eu não podia evitar me machucar, não podia me trancar para me manter intocável. Teria que enfrentar a vida e lutar com a cabeça erguida. Dei uma batidinha no peito de Wheeler para tranquilizá-lo e abri um sorriso hesitante. – Vou ficar bem. Deve ter parecido estranho para os pais de Kallie ver Wheeler me perguntar se eu não me importava, sendo que ela é que havia acabado de ter a barriga cortada e costurada, mas ele sempre estava tomando conta de mim. Não era algo que precisasse de explicação. Pus a mão na porta do quarto e entrei. A iluminação era fraca, mas o monitor das máquinas às quais Kallie estava ligada emitia brilho. O encosto da cama estava levantado, deixando-a quase sentada, e ela segurava um pacotinho enrolado em um cobertor. Quando me viu, sorriu e indicou com o queixo que eu me aproximasse. Parecia cansada e um pouco acabada, mas havia um brilho nela que a deixava linda. Seu cabelo estava preso em um coque alto bagunçado, e ela tinha olheiras enormes, mas seu sorriso iluminava o quarto e me fez sorrir ainda que sentisse o coração na garganta. – Como está se sentindo? Dei alguns passos lentos na direção da cama e hesitei quando o bebê começou a se remexer em busca de comida e conforto. – Como se tivesse sido serrada ao meio e colada de volta – Kallie levantou uma sobrancelha e sorriu ainda mais. – Então, nunca estive melhor – ela fez um gesto para que eu chegasse mais perto. – Vem conhecer o Royce – disse, e então passou um dedo na bochecha do bebê. – Ele é a cara do Wheeler. Espero que tenha covinhas.
Soltei uma risada surpresa ao ver que ela pensava como eu. Parecia que a demanda por aquelas covinhas era alta. Levei mais tempo que o necessário para chegar à cama. Quando consegui, senti como se meu coração despencasse aos pés do bebê. O rosto dele estava amassado e irritado, vermelho e manchado. Seus olhos estavam apertados e suas mãozinhas fechadas em punhos no peito de Kallie, onde descansavam. Ele tinha um tufo de cabelo bagunçado do mesmo castanhoavermelhado do pai. Era cedo demais para saber, mas meu coração concordava com Kallie que ele se parecia com Wheeler. Eu me sentia uma tola por ter questionado se daria ou não conta de amar alguém que era parte do homem que vivia no meu coração. Aquele menininho tinha sido criado pelo melhor homem que eu conhecia, de modo que eu não deveria ter duvidado de que iria me conquistar no instante em que colocasse meus olhos nele. Hesitante, estiquei a mão para esfregar o nó de um dedo em sua bochecha aveludada. – Ele é lindo. Estou muito orgulhosa de vocês dois, Kallie. Ela piscou, então notei que lágrimas se acumulavam em seus olhos. – Estou muito orgulhosa de você também, Poppy. Não tinha certeza se ia aceitar entrar. Meu sorriso vacilou e perdi o ar quando Royce abriu os olhos para mim. Eram turvos, daquele azul dos recém-nascidos, mas eu poderia apostar que iam evoluir para um belo azul mais claro com o tempo. Ele ia ser um Wheeler em miniatura e arrebatar corações. – Achei que fosse doer, que eu só fosse sentir a perda, mas não é o caso. Só me sinto grata por vocês dois estarem bem, por ele ser saudável e ter chegado. É muita sorte ter vocês na minha vida e poder participar disso. Há tantos motivos de alegria e celebração dentro de mim agora que não sobra espaço para dor e mágoa. Talvez viessem depois, quando eu estivesse sozinha e em silêncio, quando tivesse a chance de processar tudo. Mas, no momento, tudo o que eu sentia era bondade e amor pelo bebê. – Quer segurar? Você devia ter visto quando Wheeler o segurou. Parecia um boneco – ela riu e ergueu o bebê para mim. – É melhor se acostumar. Tenho a impressão de que Royce vai ter uma porção de irmãozinhos para brincar no futuro não muito distante. Wheeler nasceu pra ser um homem de família, e fico feliz que tenha encontrado alguém que pode tornar todos os seus sonhos realidade. Fiquei olhando para o bebê por um longo minuto, tentando decidir se podia de fato pegá-lo da mãe. Parecia um passo muito grande. Eu sabia que teria que dar esse passo em algum momento, mas não significava que estava pronta. Como se sentisse minha hesitação, o bebê começou a se mexer, balançando os braços e movendo o corpo. Kallie soltou um ruidinho assustado e eu o peguei para me certificar de que estivesse a salvo antes que conseguisse pensar no que estava fazendo. Assim que minhas mãos envolveram o pacotinho precioso e o cheiro doce de bebê entrou por meu nariz, eu soube que ficaria tudo bem. Aproximei Royce do peito, enfiei o nariz na curva de seu pescoço e deixe as lágrimas que inundavam meus olhos rolarem. O bebê se instalou no mesmo instante em meu coração, bem ao lado do pai, e não fiquei nem um pouco surpresa ao perceber que ocupou quase tanto espaço quanto ele. O último dos meus demônios estava morto, esmagado sob o peso do meu coração não só pleno, como extravasando. Passei a ponta de um dedo pela penugem das sobrancelhas do bebê e disse a ele, com toda a seriedade: – Mergulhei de cabeça nisto também, homenzinho.
Eu não poderia ser mais profunda nem se tentasse. Estavam me afundando em amor. Pela primeira vez na vida, não queria ser salva. Abri os olhos quando a babá eletrônica ao lado da cama emitiu um choro baixo. Às vezes eu achava que estava sonhando quando ouvia Royce no meio da noite. Achava que era outro bebê, um que nunca teria a chance de segurar, mimar ou pegar no colo. Aqueles pensamentos dolorosos sempre se dissipavam rapidamente, porque havia um bebezinho encantador que era a cara do pai do outro lado do corredor que precisava que eu estivesse presente, e não envolvida em pensamentos sobre o que poderia ter sido. Wheeler soltou um grunhido atrás de mim e apertou o braço que tinha em minha cintura. Suas pernas compridas se moveram atrás da minha, e senti que ele rolava de costas com um suspiro. – Deixa comigo. Sua voz saiu rouca de sono, mas alerta. Nenhum de nós dormia como uma pedra quando era a semana dele com Royce. O bebê tinha acabado de completar seis meses, então o tempo de Wheeler com ele aumentara exponencialmente. Antes, Royce precisava passar a maior parte do tempo com Kallie. Saí de baixo do casulo quentinho das cobertas e afastei o cabelo do rosto. Joguei as pernas para fora da cama e fiquei de pé. Wheeler me encarou, com os olhos azul-claros quase brilhando no escuro. Me inclinei para encontrar a camiseta que ele havia tirado horas antes e a vesti, o que o fez grunhir de novo. Antes, precisei fazer um cabo de guerra com Happy, que estava deitado sobre ela. Ele já não era um filhote, mas sua disposição brincalhona não havia mudado nem um pouco. Happy rolou de costas e ficou com as patinhas no ar, chutando enquanto eu tentava puxar a camiseta. Aquilo fazia meu corpo pelado se chacoalhar de maneiras que fizeram Wheeler grunhir mais de uma vez. Parecia que ele estava sofrendo de algum tipo de tortura. Aquilo me fez sorrir. Apoiei uma mão na cama e me inclinei para tocar sua boca levemente com a minha. – Deixa comigo. Você tem que trabalhar pela manhã, e eu tenho folga. Volta a dormir. Ele piscou lentamente para mim, com sono. Então sorriu, e mesmo com a falta de luz no quarto suas covinhas me fizeram derreter. A babá eletrônica fez outro barulho, mas agora Royce estava totalmente desperto e muito agitado. Eu o ouvi chorar do outro quarto. – Tem certeza? Wheeler sempre me perguntava. Sempre se certificava de que eu soubesse que estava ali para ele, que não dividia a cama e a vida comigo porque estava procurando uma mãe para seu filho. Eu estava ali porque era onde Wheeler me queria, onde eu pertencia, e ninguém conseguiria se encaixar ali além de mim. Pelos primeiros meses, fora como um número de equilíbrio delicado, deixar que Wheeler descobrisse sozinho quanto podia assumir do bebê sem que eu oferecesse ajuda. Tudo dentro de mim queria gritar que eu estava ali, que ele podia aproveitar minhas duas mãos plenamente capazes, que eu estava morrendo para ajudar, mas o fato era que eu precisava deixar que ele afundasse antes de poder começar a ajudá-lo a submergir. – Absoluta. O bebê choramingou de novo, e eu saí da cama e atravessei o quarto antes que ele ficasse realmente agitado e desse um escândalo impossível de acalmar sem passar horas o segurando e embalando na sua cadeira favorita. Aqueles olhos inesquecíveis se fecharam e seu peito amplo e tatuado soltou um suspiro agradecido que fez meu coração bater mais forte e feliz. – Estou aqui se precisar de mim. As palavras saíram sonolentas e desleixadas, mas eu sabia que estava sendo totalmente
sincero. – Você sempre está. Wheeler estivera ali durante todo o processo de acusação e julgamento do meu pai. Estivera ali durante o circo midiático que nos cercou quando a imprensa local percebeu que a vítima (eu) era a mesma mulher que havia sido sequestrada e estuprada pelo marido. O envolvimento profundo do meu pai com a Igreja tornava a história suculenta demais para resistir. Wheeler estivera ali quando ele fora condenado e sentenciado, sem demonstrar qualquer remorso ou culpa pelas coisas que havia feito até ser levado embora. Wheeler havia me mantido inteira quando eu recebera a ligação de Case Lawton. Ele dissera que minha mãe estava faltando à igreja e à terapia semanal que as amigas a forçavam a ir depois que meu pai não tinha mais controle sobre cada aspecto de sua vida. Eu soube antes que me contasse que não era coisa boa. Faltar na terapia era uma coisa; mas ela só não iria à igreja se houvesse algo de muito errado. Minha mãe tinha morrido. O xerife Lawton me disse que a encontrou morta na cadeira ao lado da janela, com um frasco vazio de comprimidos aos seus pés. Ela deixou um bilhete em que dizia: Não posso viver sem ele. Meu pai a matara, como achei que aconteceria. Mesmo que não tivesse sido com suas próprias mãos, ele era o motivo pelo qual ela abandonara a vida. Era difícil. Lidar com os preparativos para o enterro, responder a perguntas dos curiosos que não se importavam em aparecer tarde demais, tentar impedir que Salem se sentisse culpada por tê-la mantido afastada e o luto por sua morte me sobrecarregavam. Era difícil, mas consegui, porque podia me apoiar em Wheeler. Toda vez que eu tropeçava ele estava lá, levando a mão ao meu ombro para me ajudar a levantar. Toda vez que me sentia perdida, tudo o que tinha que fazer era procurar por aquele ponto colorido, o homem que era impossível não notar, e encontrar o lugar para onde eu deveria voltar. Ele estivera ali quando eu precisara, motivo pelo qual eu não tinha problemas em me levantar e ir para o quarto de Royce, que naquele momento levava os pequenos punhos cerrados ao rostinho furioso. Dava para ver que ele estava se preparando para gritar por conta de todo o seu descontentamento com o mundo, então corri para o berço e o peguei no colo antes que pudesse começar. Eu o acalmei, esfreguei suas costas, passei minha bochecha na bochecha aveludada dele. Então fiz careta quando senti o cheiro do que devia estar deixando Royce tão desconfortável e irritado. Segurei o bebê à minha frente e franzi o nariz enquanto ele pegava mechas do meu cabelo. Ele gemeu para mim e piscou. Seus olhos eram do mesmo azul gelado que os de Wheeler. Seu rosto se contorceu em um sorriso de bebê, e meu coração pareceu que ia explodir de tão pleno quando uma única covinha apareceu em sua bochecha. Royce ia gostar de herdar aquilo do pai quando tivesse idade para compreender o efeito que teria no sexo oposto. – Vamos trocar essa fralda, garotinho. Tudo vai melhorar. Era como se Royce entendesse que eu sempre estaria lá, que eu sempre faria o que pudesse para tornar as coisas o melhor possível para ele. Ele se acalmou, substituindo a agitação por risadinhas, enquanto agarrava meu cabelo e tentava enfiá-lo na boca. Eu o deitei no trocador, peguei uma fralda limpa e comecei a limpá-lo. Tinha vazado, então eu ia precisar trocar o pijaminha. Peguei um com estampa de elefantinhos, presente de Zak e da esposa. Royce tinha uma infinidade de coisas. O quarto estava lotado de presentes e tranqueiras que sempre chegavam da Califórnia. A saúde de Shannon havia declinado nos últimos meses, e Zak não conseguia visitar o bisneto tanto quanto gostaria. Wheeler e eu estávamos planejando ir
para a Califórnia no meu aniversário para levar o bebê para vê-los, já que eles não conseguiam viajar. Tudo girava em torno da família. Era como eu sempre quisera que fosse. – Prontinho. Peguei Royce no colo e me sentei com ele na cadeira de balanço que Wheeler havia comprado ao descobrir como o vaivém tranquilizava o bebê. Da primeira vez que o peguei no colo e olhei em seus olhos, os olhos de Wheeler, me senti a maior idiota do mundo. Ele era tão parte de Wheeler, tão inocente e puro, tão doce e indefeso, que tudo o que eu queria fazer era protegê-lo e me certificar de que ele soubesse que era amado, de que sempre teria um lugar para chamar de casa. Entrei de cabeça, sem nunca querer submergir. Murmurei no pescoço de Royce. Contei histórias sobre seu pai e sua mãe, contei que Wheeler já havia comprado o primeiro carro dele, que estava sob uma lona na oficina, à espera de que crescesse o bastante para usar uma chave de caixa. Contei tudo sobre minha sobrinha, Glory, que havia chegado ao mundo alguns meses depois dele. Ela era a mistura perfeita de minha irmã e Rowdy, com cabelos loiros difusos, olhos infinitamente escuros e pele dourada e perfeita. Em algum momento enquanto eu falava, ele caiu no sono no meu ombro, e sua respiração leve pareceu o som mais doce que eu já havia ouvido. O cachorro tinha entrado no quarto e se ajeitado aos meus pés. Era como se todos os meus sonhos tivessem se tornado realidade. – Você fica ótima segurando meu filho, doçura. As palavras de Wheeler me fizeram levantar os olhos. Ele estava parado à porta, com um braço acima da cabeça, o outro coçando preguiçosamente o peito. Wheeler sempre fazia com que eu perdesse o ar e meu sangue esquentasse, mas o comentário fizera com que um tipo diferente de desejo se desvendasse e abrisse caminho dentro de mim. – Adoro segurar seu filho, Hudson. Sorri para ele enquanto ele colocava a mão sobre o coração e sorria para mim, como se eu tivesse lhe dado o maior presente do mundo. – Bom saber, doçura. Bom saber. Era bom saber. Era bom saber que eu podia fazer aquilo. Podia ser mãe, amante, irmã, amiga, sobrevivente, alguém de quem outra pessoa podia precisar para compreender que tinha opções e algo melhor à espera. Eu podia ser tudo o que quisesse. Todas as coisas que nunca tinham me permitido ser. – Vamos voltar pra cama. Seus olhos estavam brilhando, de um jeito íntimo e familiar ao qual era impossível resistir. Prometiam coisas maravilhosas, luxuriosas, deliciosas. Sexo suado e músculos doloridos pela manhã. Corações trovejando e veias pulsando. Múltiplos orgasmos, mesmo que ainda estivesse sentindo o último. Palavras safadas que iam me fazer corar. Mas o que me fez deitar o bebê no berço com um beijo na testa e um passar de dedos no cabelo castanho-avermelhado e então sair na ponta dos pés foram aqueles olhos que sempre que me fitavam prometiam cuidar de mim do jeito que eu necessitasse. Wheeler sempre me daria o que eu precisasse, o que era ótimo, porque era tudo o que eu queria dele.
EPÍLOGO EXTRA (PORQUE MEUS LEITORES SÃO DEMAIS)
lgum tempo depois… – Dois minutos é bastante tempo. Minha voz saiu rouca quando falei no ouvido de Poppy, já subindo a saia de seu vestido de madrinha cheio de babados e puxando a calcinha fio-dental minúscula que ela tinha por baixo. Seus olhos encontraram os meus no espelho sobre a pia e suas mãos se apoiaram na bancada sobre a qual a inclinei. Ela balançou a cabeça negativamente, mas jogou o quadril contra o meu, esfregando-se em meu pau duro por cima da calça do smoking. Vi quando ela mordeu o lábio inferior e um fogo dourado brilhou em seus olhos. Eu tinha ficado bom em fazer uma porção de coisas em dois minutos ou menos. Isso era necessário quando se tinha uma criança em casa. Precisava trocar fraldas rapidamente, limpar a sujeira, salvar o pelo do cachorro de mãozinhas fortes e gananciosas, dar comida em um segundo, acalmar o choro independentemente do que os adultos da casa estivessem fazendo. Eu era rápido; com frequência Poppy era mais quando Royce precisava de algo, mas ainda procurávamos reservar um tempinho só para nós. Eu costumava lhe dar mais do que dois minutos, mas aquele dia não podíamos nos dar ao luxo. Sayer e Zeb haviam se casado uma hora antes, e devíamos chegar à festa antes que os noivos chegassem, porque éramos padrinhos. Eu não podia ter me sentido mais orgulhoso de ficar ao lado do meu amigo mais antigo enquanto ele se unia à garota perfeita para ele. Rowdy e o cunhado também foram padrinhos, e o filho dele, Hyde, levou as alianças. Sayer convidou Poppy para madrinha, então pude entrar com ela usando uma camisa lilás que combinava com o forro do vestido creme e marfim da noiva. Sayer não ia usar um branco monótono, nunca mais. Ela também havia convidado Salem e a irmã de Zeb, Beryl, então todo os padrinhos ficaram na família. A festa era no Crawford, então reservei um quarto para nós. Royce ia passar o fim de semana com Kallie e eu não ia deixar que Poppy saísse da cama depois que todos os gracejos tivessem sido ditos na cerimônia e na festa. Eu teria tempo o bastante com ela, mas não podia esperar. Estava sempre com sede dela, morrendo de vontade de provar seu sabor único e apimentado. – Você demoraria mais de dois minutos. Claro que sim. Com ela, parecia que eu podia durar horas ou até dias se meu corpo conseguisse acompanhar. Poppy estava fazendo graça, mas abriu as pernas obedientemente quando enfiei meu joelho entre elas. Seus ombros ficaram rígidos e sua cabeça caiu para a frente com um suspiro quando meus lábios tocaram sua nuca e o som do meu zíper descendo preencheu o ar. Grunhi em resposta e passei um dedo questionador ao longo da curva luxuriosa da bunda dela, antes de descê-lo e abrir caminho com carícias até aquele ponto delicioso entre suas pernas. Ela já estava molhadinha, palpitando e instável nos saltos altos que ainda usava. – Ninguém vai notar se não estivermos lá. Não era verdade, mas eu já estava deslizando meu pau por sua boceta e me cobrindo com sua umidade escorregadia, então estava disposto a dizer qualquer coisa para que permanecesse
A
exatamente onde estava. Ela arfou quando entrei, abrindo-a e mergulhando. Nunca me cansava da sensação de tomá-la e de ser tomado por ela. Grunhi em seu pescoço e apoiei a mão em sua bunda. – Se demorarmos muito, Royal vai vir me procurar, você sabe. Ela estava sem fôlego, e mal ouvi seu aviso. Se Royal fosse nos procurar, ia acabar tendo uma surpresa, porque de jeito nenhum eu ia me afastar de Poppy, não quando ela sussurrava meu nome em meio ao prazer e ficava na ponta dos pés para conseguir se projetar contra mim. Depois que o pai de Poppy a colocou no hospital, ela havia se aproximado de Royal e Saint. Saint fazia questão de passar no quarto de Poppy todos os dias e até perguntou se ela consideraria levar o programa de apoio a vítimas para o hospital. Royal ficou ao lado de Poppy durante todos os procedimentos judiciais e até foi ao tribunal no dia em que o pastor Cruz foi sentenciado a vinte e cinco anos de prisão por tentar matar a filha. Royal se mostrou uma surpreendente protetora em relação a Poppy, então talvez procurasse mesmo por ela, mas Asa era bom em mantê-la distraída. Conhecendo o rapaz, eu apostaria que também convenceria a esposa a encontrar um cantinho escuro para eles sob a pressão do relógio. Os dois ainda agiam como recém-casados, mesmo estando juntos há anos e depois de meses da cerimônia. O casamento havia sido exatamente como Royal queria: um evento tranquilo em uma praia no Havaí, para a qual todos fomos alguns meses depois que a filha de Salem e Rowdy, Glory, nascera. Era o refúgio perfeito para o inverno, e Royal estava linda. Não foi surpresa para ninguém quando Shaw anunciou pouco depois que estava esperando o segundo filho. Rule estava muito feliz e contava para todo mundo que ia ter uma menininha com os lindos olhos verdes da mãe. Havia algo no ar balsâmico da praia que deixava todo mundo especialmente enamorado. Rowdy já estava planejando outro filho, embora a bebê nem dormisse a noite inteira ainda. Ele e a irmã de Poppy não tinham pressa de se casar. Diziam que haviam nascido um para o outro e que uma aliança não mudaria aquilo. Salem seria a última mulher na vida dele, e Rowdy seria o último homem na vida dela. Nash e Saint não puderam ir ao casamento, porque ele recebera uma oferta para trabalhar em estúdios de tatuagem famosos de toda a Europa durante o verão. Como Saint estaria de férias das aulas, ela tirou uma licença do trabalho e foi com ele. As garotas estavam apostando que a enfermeira ruiva ia voltar grávida no outono, porque, aparentemente, sexo durante uma viagem era mais eficiente. Saint insistia que queria esperar, mas Nash insistia que só precisava de dez minutos para fazê-la mudar de ideia. Eu sabia que se ela estivesse no casamento notaria o sumiço de Poppy, então fiquei feliz por não precisar me preocupar com sua interrupção. – Só estou preocupado com você neste momento, doçura. Agora apoia o joelho na bancada – eu estava respirando forte, e havia uma leve camada de suor em minha testa. – Estou te segurando, não se preocupe com os sapatos. Ela levantou as sobrancelhas para mim no espelho e então fez o que eu havia pedido, abrindo a boca quando entrei ainda mais fundo e atingi aquele ponto com mais força. Passei o dedão pela parte da coluna que estava exposta e deixei a cabeça cair para trás. O calor dela e a maneira como puxava meu corpo eram minhas sensações preferidas no mundo. Toda vez que enterrava meu pau em Poppy eu sabia que era o único lugar onde queria estar e que era todo meu. Era àquele lugar que eu pertencia. Desci um dedo por entre sua bunda perfeita que sacudia à minha frente. Ela levantou ainda mais as sobrancelhas, até que quase se perdessem em seu cabelo caramelo. Poppy gostava quando eu a tocava ali, ainda mais quando a tomava ali, mas não tínhamos tempo para aquilo no
momento. Ouvi meu celular tocar no quarto e, pelo toque, soube que era Rome. Eu costumava largar tudo quando ele ligava. Era o principal investidor da oficina e tinha me apresentado pouco antes uma proposta de expansão. Queria saber se eu estava interessado em comandar uma oficina de motos focada em customização por encomenda e projetos de restauração. Eu não entendia muito de motos; podia fazer uma funcionar sem problemas, mas fora isso estava no escuro. Mas parecia que tudo o que Rome queria de mim era que cuidasse da oficina e dos rapazes que trabalhariam nela. Motoqueiros estavam sempre entrando e saindo do bar, e como ele próprio tinha uma moto chegou à conclusão de que era uma boa oportunidade. Eu tinha coisas demais na cabeça, cuidando de Royce e tentando fazer com que Poppy fosse morar comigo. Assim que ela concordasse, iria me casar com ela e ter um filho. Royce estava quase completando um ano, e eu não poderia amá-lo mais nem se tentasse. Nem sempre era fácil criá-lo em duas casas diferentes, e eu sentia falta dele quando estava com Kallie, mas dávamos um jeito, e eu estava mais do que pronto para ir em frente com Poppy. Ela era incrível com ele. Eu sempre soube que seria. A verdade era que eu não podia negar muita coisa a Rome, então já estava administrando duas oficinas. Todo veículo legal de duas ou quatro rodas de Denver passava por mim e pelos meus funcionários. De repente eu tinha mais família e mais trabalho do que havia esperado. Assim que Rule começou a falar sem parar sobre a gravidez de Shaw, todo mundo pensou que Rome também iria ter mais um filho com Cora. Mas a loira baixinha e explosiva havia parado por ali, alegando que com a filha deles, Remy, era como ter cinco crianças em casa. Ela ficava mais do que ocupada com a menininha precoce, que tinha feito graça beijando Hyde depois que Zeb beijara Sayer. Eles também tinham um menininho que era a coisa mais doce do mundo, e achavam que um casal estava perfeito. Ignorei a ligação. Ignorei tudo além do modo como o corpo de Poppy se contraía em torno do meu e do modo como ela gemeu quando investi de novo e de novo. Soltei um gemido quando sua umidade se espalhou por meu pau em uma onda quente. Seus olhos estavam fechados, suas bochechas estavam coradas e suas mãos se fecharam em punhos na beirada da bancada. Seu peito subia e descia rapidamente e suas coxas batiam contra as minhas. Enterrei os dedos em seus quadris, deixei que meu pau mergulhasse nela de novo e de novo até que minha coluna ficou rígida quando uma bola de puro prazer se acumulou em sua base. Eu disse a Poppy que ela era tudo e lhe prometi o que quisesse enquanto me esvaziava dentro dela. Não havia sido dois minutos, mas eu não passara muito daquilo. Foi forte e rápido, e o prazer espiralava e girava em nós como uma tempestade. Saí dela com um grunhido e observei a evidência do tempo bem aproveitado marcando suas coxas. Eu gostava do jeito como manchava sua pele morena. Era sem dúvida uma das minhas vistas preferidas. Estiquei o braço para pegar a toalha e me inclinei contra a pia enquanto Poppy baixava a perna, mantendo o vestido enrolado na cintura para não o sujar. O homem das cavernas dentro de mim queria que ela permanecesse daquele jeito, mas eu sabia que o tempo estava se passando e precisávamos ir para a festa. Eu a limpei, me certifiquei de não deixar nenhum sinal do que tínhamos feito na frente da minha calça preta e peguei sua mão para levá-la até o salão de festas. Por sorte, Zeb e Sayer ainda não haviam chegado, mas todos os outros já estavam ali e, pelos sorrisos sabichões e as sobrancelhas se movimentando, dava para notar que sabiam o que havia rolado. Ayden me deu uma piscadela quando passei por ela e murmurou:
– Jet também gosta de uma rapidinha no banheiro. Sempre vale a vergonha de chegar atrasado. A morena estonteante e o marido ainda estavam morando nas proximidades de Austin, e ninguém conseguia visitá-los tanto quanto gostariam. Jet continuava na estrada, mas seu selo havia assinado com uma banda nova perto de Denton, Texas, que estava prestes a estourar. Tinham potencial para ser famosos e, se conseguissem, Jet poderia ficar mais em casa, o que tanto ele quanto Ayden queriam. Ser casado com uma estrela do rock era muito menos glamouroso do que as pessoas queriam acreditar. No começo do ano, Ayden havia sofrido um aborto espontâneo e ele estava na estrada. A perda atingiu a família e os amigos como uma onda de pesar. Sendo quem era, Poppy se apresentou como a pessoa que podia entender exatamente o que Ayden estava passando. Ela ofereceu os ouvidos e o ombro, e como resultado as duas se aproximaram de uma maneira que só aquele tipo de perda poderia possibilitar. Elas se falavam sempre ao telefone, e eu não me surpreendia mais quando a encontrava chorando por causa da perda de um bebê que não era dela. Poppy se preocupava tanto que às vezes eu me perguntava como era possível. Acenei com o queixo para Dixie quando seus olhos se cruzaram com os meus. Ainda sentia falta dela, mas, ao vê-la abraçada ao homem enorme ao seu lado, soube que também encontrara seu lugar. Dixie amava Church e amava a cidade que eles chamavam de lar. Ela havia até adquirido um leve sotaque sulista no pouco tempo morando no Mississippi. Eles seriam o próximo casal a ir para o altar, em uma cerimônia pequena no jardim dos fundos da mulher que havia ajudado a criar Church. Ela tinha mais de oitenta anos e não podia viajar, então íamos todos para o sul ver Dixie dizer “sim”. Kallie ficava muito emotiva toda vez que falávamos a respeito, porque significava que a irmã nunca iria voltar para Denver, o que era muito difícil para ela. Eu estava indo com Poppy para a frente do salão, de onde Rowdy sorria para mim adivinhando tudo, quando Salem balançou a cabeça para a irmã. A irmã de Zeb pareceu não entender do que estavam rindo, mas nem se deu ao trabalho de perguntar e se encostou no marido. Hyde estava fazendo o que podia para evitar uma Remy Archer insistente e um plano que incluía tentar se esconder atrás do primo Joss. Joss o entregou ao demônio encantador de tranças, porque era uma regra não escrita que Remy conseguia o que queria. Um murmúrio baixo atravessou o salão quando Sayer e Zeb chegaram pelos fundos. Eles não queriam fazer um anúncio normal, só queriam se apresentar a todos os amigos e à família como marido e mulher, e foi o que fizeram. O homem gigante e barbado com sua esposa elegante e refinada. Eles não pareciam dois noivinhos sobre o mesmo bolo, mas, quando ele pôs a mão na região inferior das costas dela e a puxou para si, não havia dúvida de que pertenciam um ao outro. A atenção de Remy foi desviada por tempo o bastante para que Hyde pudesse correr para o pai, e um suspiro coletivo foi ouvido quando o homenzarrão se abaixou para pegar aquela pequena versão de si mesmo com um único braço. Eles eram uma frente unida e sempre seriam. – Ela fica ótima de lilás. Olhei para a mesa mais próxima daquela a que Poppy e eu estávamos sentados e concordei em silêncio com Quaid Jackson. Seu braço estava apoiado no encosto da cadeira da namorada enquanto os dois observavam os noivos entrar. Quaid havia tentado começar algo com Sayer milhões de anos antes. Não tinha ido a lugar nenhum, porque ela amava a montanha maciça que segurava seu braço agora, mas eles haviam continuado amigos. Ambos trabalhavam com direito e mandavam clientes um para o outro. A namorada de Quaid concordou, e as luzes acima
refletiram nos fios prateados de seu cabelo. Havia uma diferença de idade significativa entre os dois, que ficava óbvia ao vê-los juntos, mas também havia uma compreensão e uma aceitação que não podiam ser questionadas. Quaid havia se soltado muito desde que Avett se mudou para seu loft milionário, e ela, que era um espírito livre, havia se assentado e trabalhado duro para fazer algo de si mesma. Tinha uma aliança de noivado no dedo, com um diamante enorme. A quem perguntasse, Avett dizia que um imitador de Elvis ia casá-los, em Las Vegas, e então não precisava planejar nada. Devia ser uma boa ideia, considerando como ela e Quaid tinham estilos diferentes. Se tentassem fazer uma cerimônia que agradasse aos dois poderia ser desastroso. – Acho que meu cabelo ficaria ótimo daquela cor, não acha? – Avett perguntou baixinho, e Quaid concordou e beijou sua têmpora. – Tinge. Vai ficar bem legal. Quem respondeu foi Orlando Frederick, que estava entre ela e o namorado dele, Dominic Voss. Eu gostava muito de Lando, e não só porque ele era outro ruivo sardento. Ele era gentil e bondoso como Poppy, e uma sombra ligada a uma perda familiar às vezes passava por seus olhos, me deixando saber que ele entendia bem como a vida era preciosa e precária. Por sorte, tinha um namorado armado e perigoso. Dom trabalhava como treinador na academia militar e parecia capaz de impedir qualquer crime em Denver sozinho. Já fazia um tempo que estavam juntos e, embora eu tivesse ouvido falar que suas famílias estavam pressionando para que se casassem, nenhum deles tinha pressa em fazê-lo. Estavam comprometidos um com o outro, tinham uma vida juntos e, entre os dois, havia uma infinidade de irmãos mais novos que eles já tinham dificuldade para manter na linha e fora da cadeia. Mas queriam ter uma família no futuro, então fizeram um pacto para que, só quando chegasse a hora de expandir a linhagem, e não antes, iriam se casar. Coloquei o braço sobre os ombros de Poppy e a puxei para mim. Sua mão abriu caminho por baixo da lapela do paletó e ela descansou a bochecha em meu ombro. – Está pronta para mudar o Hudson para a minha garagem? Ela deu uma risadinha que fez seus ombros sacudirem e seus olhos cor de âmbar brilharem para mim. – Talvez amanhã. Tínhamos aquela conversa pelo menos uma vez por dia. Eu a queria debaixo do meu teto para que estivesse sempre comigo, com Royce e Happy. Mas Poppy insistia que não estava pronta por motivos que compreendo, mas ainda assim odeio. Eu jurava que ter acesso ilimitado ao meu pau era o bastante para aceitar, mas ela só balançava a cabeça e ria de mim. Insistia que precisava provar a si mesma que podia se virar sozinha, porque nunca havia feito aquilo antes. Também me dizia repetidas vezes que eu precisava de tempo sozinho com meu filho, mas eu sempre respondia que ele ficava muito mais feliz quando ela estava lá também, porque tinha puxado ao pai. Era verdade. Meu filho a amava tanto quanto eu, e jurava que nas noites em que Poppy não passava comigo ele chorava e se agitava mais do que o normal. Eu admirava a independência e a força dela, mas as noites que passávamos separados eram as piores, e eu mal dormia. – Amanhã então. Poppy sorriu para mim, e meu coração pareceu querer pular para fora do peito para que eu pudesse colocá-lo em suas mãos. – Amanhã então. Um passo por vez fomos nos aproximando um do outro e daquilo que nos esperava. No dia seguinte, eu acordaria e daria um jeito de cuidar dela melhor do que havia feito no dia anterior. E
Poppy faria o mesmo por mim. Porque o amor é assim.
PLAYLIST DE
Salvos pelo prazer “Wind Up Bird”, Heartless Bastards “You’re a Wolf”, Sea Wolf “My Favorite Part”, Mac Miller e Ariana Grande “Dog Days Are Over”, Florence + the Machine “Warrior”, Demi Lovato “Gentle on My Mind”, Billy Bragg e Joe Henry “You Are My Sunshine”, Morgane e Chris Stapleton “Girl on Fire”, Alicia Keys “Wonderwall”, Oasis “Best We’ve Ever Been”, Sean McConnell “Shine a Different Way”, Patty Griffin “Survivor”, Destiny’s Child “Wreck You”, Lori McKenna “Feel Like Making Love”, Bad Company “To Love Somebody”, Lydia Loveless “The Arrow Killed the Beast”, Heartless Bastards “I Will Survive”, Gloria Gaynor “Move Me”, Sara Watkins “Things That I Lean On”, Wynonna Judd e Jason Isbell “Nothing to Fix”, Jack Ingram
NOTA DA AUTORA
omei algumas liberdades em relação à verdadeira regulamentação de pit bulls de Denver, para adequá-la ao contexto da história. Nunca deixariam que Dixie ficasse com Dolly, e Wheeler e Poppy precisariam de uma licença especial para ficar com Happy nos limites da cidade, mesmo em um imóvel próprio. Se estiver interessado na regulamentação real, você pode ler mais aqui: <www.animallaw.info/local/co-denver-breed-sec-8–55-pit-bulls-prohibited>. Sei que vou receber um monte de perguntas sobre a linha do tempo e a continuidade, por causa dos bebês e de Kallie e Salem estarem grávidas ao mesmo tempo, então vou fazer o meu melhor para esclarecer tudo, tendo em mente que todos os livros da série Saints of Denver se passam entre o fim de Riscos da paixão até… até bem depois do casamento de Rome e Cora. No casamento, Salem anuncia para todo mundo que está grávida, então para mim ela deve estar de mais ou menos quatro meses em fevereiro, já que Rome e Cora se casaram no Dia dos Namorados, que nos Estados Unidos é na metade desse mês. O que significaria que teria contado a Sayer e Poppy em Paixão e liberdade, por volta de novembro ou no começo de dezembro. Fiquei presa a essa linha do tempo, porque os outros livros haviam sido publicados fazia tempo já. Pode não ser EXATA, mas é próxima o bastante para que eu pudesse deduzi-la sem meu cérebro explodir. Sou boa com palavras, não com números. Eu sabia que queria que Wheeler confrontasse sua própria ideia de família, então desde o começo havia planejado que sua ex ficaria grávida… mas não me dei conta de que isso afetaria a linha do tempo que já havia traçado. Isso me forçou a ser criativa e fazer muitas contas nos dedos. A gravidez de Kallie tinha que estar mais adiantada para respeitar os eventos de Leis da tentação e Preso a você e para que já fosse capaz de descobrir o sexo do bebê no inverno. Então, chuto que ela tenha engravidado no começo de setembro ou talvez até o fim de agosto e que estava de cerca de quatro meses em dezembro. Na minha cabeça, ela já estava grávida quando deu o escândalo em Leis da tentação. Acho que estava morrendo de medo do que precisava enfrentar… por isso agiu daquele modo tão maluco… além de já ser meio dramática por natureza. Espero que ajude um pouco. Talvez não seja preciso, mas, para aqueles vidrados em continuidade e consistência, possibilita certa perspectiva no que diz respeito ao raciocínio e à justificativa da minha parte. Outra coisa que eu queria mencionar é: se você está em uma situação ruim ou conhece alguém que esteja, espero que este livro e seus personagens te lembrem de que você não está sozinho. Sempre há uma luz no fim do túnel. Ela nunca se apaga. Sempre há esperança, e todo mundo merece uma segunda chance. Você é valioso. Você é necessário. Você é importante.
T
Você é valorizado. Você é estimado. Você é amado. Não sei muita coisa, mas sei que ninguém, ninguém mesmo, merece sofrer qualquer tipo de abuso nas mãos de alguém que diz que o ama. Todas as formas de abuso são horríveis, mas paciência, amor e compreensão ajudam enormemente um sobrevivente a se curar. Não sou especialista ou ativista, só alguém que se importa muito com as pessoas… todas elas. Então, caso você precise de ajuda ou conheça alguém que esteja passando por uma situação de abuso, entre em contato com esses órgãos: Central de Atendimento à Mulher: Disque-Mulher/ Ligue 180 Disque 100 Disque-denúncia: 180 ou disquedenuncia@sedh.gov.br Polícia Militar: 190 Eu sei que você vai perguntar sobre a próxima geração… depois deste livro, tem uma porção de criancinhas correndo para cá e para lá, não acha? Tão fofas! Sendo sincera, tenho algumas ideias e ando brincando bem de leve com a possibilidade de uma série baseada nessas crianças no futuro, mas ainda não me convenci disso e não tenho certeza de que um dia vou me convencer. A ideia de tentar escrever sem qualquer influência cultural, porque não sabemos como esse futuro vai ser, é intimidante e um pouco assustadora. Se for fazer, quero fazer direito e sei que não tenho tempo ou paciência de investir nesse projeto tão já. Não tenho nada sólido ou concreto planejado (neste exato momento). Estou há onze livros e cinco anos neste universo e, por mais que tenha amado cada minuto, preciso de um descanso. Amo Denver, é o meu quintal, um lugar onde me sinto feliz, mas tem todo um mundo lá fora, grande e lindo, que quero explorar por meio das palavras, então vou fazer isso primeiro. Se qualquer coisa mudar, os leitores serão os primeiros a saber. Na verdade, você deveria se inscrever na minha newsletter agora mesmo para não perder nada! Ela trata de tudo em que venho trabalhando ou planejo trabalhar no futuro próximo: http://www.jaycrownover.com/subscribe. Você também pode apaziguar seu stalker interior em: https://www.facebook.com/groups/crownoverscrowd, meu grupo de fãs no Facebook. Sou bastante ativa lá, e esse costuma ser o melhor lugar para ficar sabendo de eventos em geral e ganhar brindes! www.jaycrownover.com, meu site, no qual há um link para escrever para mim. https://www.facebook.com/jay.crownover https://www.facebook.com/AuthorJayCrownover Me siga no Twitter: @jaycrownover Me siga no Instagram: @jay.crownover https://www.goodreads.com/Crownover http://www.donaghyliterary.com/jaycrownover.html http://avonromance.com/bookauthor/jaycrownover
AGRADECIMENTOS
esta vez, vou simplificar. Se comprou, leu, resenhou, promoveu, recomendou, escreveu no blog, vendeu, falou a respeito, defendeu ou choramingou por causa de qualquer um dos meus livros… obrigada. Se ajudou a tornar este sonho realidade… obrigada. Se ajudou a melhorar minhas palavras e a compartilhá-las com o mundo… obrigada. Se segurou minha mão e esteve ao meu lado durante os momentos ruins, quando parecia que tudo e todos estavam contra mim… obrigada. Se ajudou a tornar o trabalho de escrever o melhor do mundo… obrigada. Se me tolerou, mesmo que eu aja como uma pessoa terrível quando estou trabalhando… obrigada. Nunca achei que teria um livro publicado ou nas mãos de um leitor; o fato de ter escrito e publicado muito mais do que um me surpreende todo santo dia. Nunca imaginei que essa poderia ser a minha vida, e sou grata todos os momentos que seja. Também gostaria de mencionar minha editora, Tessa Woodward… este foi nosso primeiro livro juntas, e ela entendeu totalmente a importância de fazer a história perfeita para Poppy e todo mundo que vem torcendo por ela há tanto tempo. Este não foi o livro mais fácil no início, mas o terminamos fortalecidas.
D
SUA OPINIÃO É MUITO IMPORTANTE Mande um e-mail para opiniao@vreditoras.com.br com o título deste livro no campo “Assunto”. 1a edição, abr. 2018 FONTE Dante MT Std Regular 11,25/16,1pt Berthold Akzidenz Grotesk Light Condensed 14/30pt Lucifer Judas Regular 72/35pt
Table of Contents Créditos Dedicatória Introdução Citação Prólogo Capítulo 1 Citação Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Epílogo Epílogo extra Playlist Nota da autora Agradecimentos Sua opinião
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