PRISIONEIRAS
Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Débora Nazário Serviços editoriais: Ministério da Justiça, Estadão, UOL, Folha de São Paulo e Infopen Mulheres Impressão: Postmix Soluções Gráficas Junho de 2016
PRISIONEIRAS A batalha diária por higiene e dignidade Divulgação
O
livro “Presos que menstruam” é uma obra cheia de detalhes e descrições que aproximam quem lê da realidade, sem maquiagem, nua e crua. Nana Queiroz publicou seu livro em 2015 pela editora Record com o objetivo de mostrar como vivem algumas mulheres no sistema carcerário brasileiro. Para isso, escolheu sete personagens que são apresentadas ao leitor de uma forma despretensiosa e que aos poucos enxerga com clareza o universo em que essas mulheres vivem. Falar sobre mulheres presas é antes de qualquer coisa um desafio, já que dados sobre a realidade brasileira são muito raros, cenário que aos poucos vem mudando. Para conseguir fazer um panorama e mostrar algumas diferenças entre os presídios brasileiros de forma fiel, Nana precisou viajar para conhecer cada um deles. Além de contar mais de uma história sobre as personagens, o livro é uma denúncia sobre a condição precária que muitas delas vivem. Torturas, revistas vexatórias para os visitantes, falta de objetos de higiene, comidas com fezes de ratos, tratamento policial e problemas com a infraestrutura de um modo geral também são abordados. Outra questão apresentada é a especificidade do gênero femini-
Costume comum dentro de prisões femininas, miolo de pão no lugar de absorventes
no que é a gravidez. Nana escolheu dar uma certa ênfase nesse assunto por ter ouvido histórias absurdas relacionadas a gravidez nas prisões enquanto fazia suas entrevistas. A história de Gardênia é uma delas. Assim que Gardênia chegou na prisão estava grávida e entrou em trabalho de parto na cela. Gritou pela ajuda dos policiais que se negavam a levála para um hospital pois não tinham viaturas para fazer isso. Depois de estar passando muito mal eles resolveram levá-la para um hospital. Durante muito tempo as mulheres detidas ficavam pouquíssimo tempo com seus filhos junto de si, até o direito de amamentar era negado. Em maio de 2009 o
presidente da época Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, sancionou a Lei número 11.942 que assegurava às mulheres o direito de amamentação de no mínimo seis meses e cuidados básicos para ela e para a criança que nasceu. Contudo, não foi criado um órgão que fiscalizasse os presídios nesse sentido. No Brasil, existem cerca de sessenta berçários e creches em todo sistema carcerário, número longe do ideal. Algumas presas dão à luz nas suas próprias camas de cela, não fazem tratamento pré-natal (essencial para a saúde do bebê) e as que tem sorte e conseguem o direito de ficar com o filho muitas vezes ficam no chão, usando apenas um colchão fino para
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tado civil, além do percentual de presas por natureza da prisão, (provisória ou sentenciada), tipo de regime (fechado, semiaberto ou aberto) e a natureza dos crimes pelos quais foram condenadas. O coordenador do DMF/CNJ, Luís Geraldo Lanfredi acredita que mais estudos e pesquisas como essa sejam importantes para tirar as mulheres da invisibilidade, “quando abordamos o sistema prisional, é necessário reconhecer que a mulher pertence a um dos grupos mais vulneráveis em um segmento já vulnerável, que é a população carcerária. Esquecemos, muitas vezes, que sobre a mulher recai uma reprovação moral que vai muito além do crime que ela praticou” O estudo além desses aspectos traz informações sobre algumas penitenciárias brasileiras, as mistas (homens e mulheres) e as exclusivas para mulheres. Desses dados, foram contabilizados de todas as unidades prisionais do país das 1.420, 103 são exclusivamente femininas (apenas 7% do total), 1.070 são masculinas e 239 são consideradas mistas. São poucos estados brasileiros que contam com unidades destinadas ao gênero feminino – Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Rio Grande do Norte,
Marlene Bergamo
População carcerária feminina aumenta 567% no Brasil o período de 2000 até 2014 a população carcerária feminina no Brasil subiu de 5.601 para 37.380 presas, isso em percentagem dá um aumento de 567%. A maior parte de todos esses casos é por crimes não violentos, como tráfico de drogas que motivou de 68% das prisões. Quem pesquisou todo esses dados pela primeira vez fazendo recorte de gênero foi o Infopen Mulheres, em 2015. Fazendo uma comparação com outros países o Brasil é o quinto com maior população carcerária feminina, ficando atrás dos Estados Unidos (205.400 detentas), China (103.766) Rússia (53.304) e Tailândia (44.751). Para entender os números é importante traçar um perfil das mulheres que atualmente estão encarceradas no Brasil. Cerca de 30% ainda aguardam julgamento. Sergipe é o estado que mais tem presas provisórias (presas que aguardam sentença da justiça), 99% do número total de presas. Fazendo um contraste com São Paulo, apenas 9% das presas aguardam sentença da justiça. Esse estudo foi o primeiro que fez o recorte de gênero, classe, escolaridade, cor, faixa etária, es-
Divulgação
Livro de Nana Queiroz faz uma denúncia sobre as condições em que vivem mulheres detentas no Brasil
Janela da penitenciária de Santana, SP
Roraima, Santa Catarina e Sergipe. Fazendo um recorte ainda mais profundo, das unidades totalmente femininas, só 34% delas dispõem de cela ou dormitório preparados para receber gestantes. Nos estabelecimentos mistos, 6% das unidades contam com um espaço específico para as grávidas. Berçários ou centros de referência materno infantil, são só 32% das unidades femininas que possuem esse tipo de espaço, enquanto 3% das unidades mistas tem essa estrutura. Das unidades femininas, apenas 5% delas dispõem de creche para as crianças. Os nascidos nas prisões sem creche ficam nas celas com as mães.
Capa do livro “Presos que menstruam”
dormir. Nana estampa a condição de muitas crianças que nascem nas prisões brasileiras, em alguns casos estando essas crianças expostas a torturas físicas e psicológicas. “Grades e jaulas fazem parte do pequeno mundo de Cássia, são tudo o que ela conhece (...) Cássia nasceu presa, como centenas de outros bebês brasileiros”, trecho do capítulo “Filhos do cárcere”. Trezentos e quarenta e cinco crianças vivendo em prisões no Brasil foi o número exposto no livro. Passando os primeiros seis meses de vida na prisão, esses bebês estarão restritos a
esse universo, tendo contato apenas com quem está ali, vivenciando brigas, discussões e violência. O cuidado oferecido para essas crianças é o mínimo, é o mesmo dado para as suas mães. As fraudas por exemplo, são doadas pela Pastoral Carcerária e não pelo governo. Os danos psíquicos causados por esses tratamentos vão ser descobertos anos depois, talvez sejam até irreversíveis. Esses não são casos isolados, vários outros são apresentados no decorrer da obra que aos poucos apresenta ao leitor esse mundo de dor e descaso. Todos eles acabam se concentrando no maior e mais significativo problema quando se fala em mulheres presas, a maneira como são tratadas, igualmente aos homens. Um caso que ilustra muito bem isso é o fato das detentas ganharem apenas dezesseis absorventes, as mulheres que tem um ciclo menstrual maior do que esse devem improvisar e utilizam miolo de pão como absorvente interno. As consequências dessa falta de tratamentos adequados são problemas de saúde que posteriormente não vão ser tratados. Para aliviar o abondono e de certa forma, esquecer um pouco da realidade na qual vivem, algumas detentas usam celular para encontrar namorados. Elas conseguem essa regalia ganhando o aparelho trocando favores com carcereiros.
Mulher dá a luz em solitária de presídio no RJ
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m outubro de 2015 um acontecimento reacendeu as discussões acerca do encarceramento feminino. Uma detenta mesmo grávida de 41 semanas, do Presídio Talavera Bruce, no complexo de Gericinó foi levada para a solitária “para a segurança das demais presas da prisão”, segundo a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap). Na cela individual, ela começou a pedir ajuda na manhã do dia 11 e só foi socorrida no horário de visita horas depois. Quando a cela foi aberta a jovem já estava com com o bebê no colo e o cordão umbilical ainda dentro do útero. Depois disso, foi levada até o Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, retornando para a prisão três dias depois sem o seu bebê, que foi encaminhado para um abrigo. Resultado disso foi o afastamento da diretora da penitenciária Andreia Oliveira, pedido feito pela Vara de Execuções Penais (VEP). Consta que a presa teve o bebê no isolamento e, mesmo com os gritos de outras detentas pedindo ajuda, ela só saiu com o bebê já no colo, com o cordão umbilical pendurado. “Isso é de uma indignidade huma-
na inaceitável”, disse o juiz Eduardo Oberg, titular da VEP. Detentas entrevistadas para esse caso acabaram denunciando uma situação rotineira, vários partos são feitos em celas. Elas alegaram que a escolta demora muito para atender os pedidos de socorro e cobram que essas detentas grávidas sejam transferidas para outras unidades com mais estrutura para recebê-las. A advogada criminalista Maíra Fernandes, membro da Coordenação Nacional de Acompanhamento do Sistema Carcerário, da OAB, disse que o caso é muito grave. Por estar com gravidez avançada, a detenta não podería ficar em isolamento. Maíra comanda uma pesquisa sobre maternidade no cárcere. A advogada explica que pela lei, gestantes a partir do sétimo mês de gravidez ou com gravidez de alto risco têm direito a prisão domiciliar. Ela afirma que o sistema penitenciário não tem estrutura para atender mulheres grávidas, “colocar uma mulher em gravidez avançada no isolamento é desumano”. O não cumprimento dessa lei é muito grave pois coloca a vida da mãe e da criança que ainda nem nasceu em risco.
“O machismo tem levado muitas dessas mulheres para o crime.” (Nana Queiroz)
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