Jornal Quatro

Page 1

QUATRO

Florianópolis, novembro de 2009

Universidade Federal de Santa Catarina Curso de Jornalismo Jornal Laboratório da disciplina Redação IV Distribuição gratuita Supervisão: Rogério Christofoletti

Trânsito ruim exige plano de mobilidade para capital

Meio Ambiente

Casan tem projeto polêmico para esgoto da Ilha

Foto: Corbis.com

Erich Casagrande

Segundo especialistas, obras viárias não resolvem problema

Dois emissários submarinos devem lançar no oceano os dejetos produzidos pela população. As obras em andamento são apontadas pela companhia de saneamento como a melhor saída. Proposta é contestada por ambientalistas. 3>>

Tecnologia

Policiamento da web preserva e viola direitos Internet monitorada fica entre combate aos cibercrimes e a invasão de privacidade dos dados. Técnicos e sistemas acompanham o tráfego de informações e preservam a segurança das redes. Monitoramento desagrada alguns usuários. 6>>

Política e Economia

Difícil de sair, difícil de chegar: Caos urbano é resultado de dois veículos para cada três habitantes, proporção semelhante a de grandes 16>> centros, como São Paulo. Investimento no transporte público seria solução. Centrais>>

Fila Zero não reduz espera por córneas Programa do governo do estado ainda não conseguiu normalizar o fluxo entre doadores e pacientes. Para o coordenador da SC Transplantes, Joel de Andrade, para o Fila Zero funcionar, é preciso organizar modelos de gestão do projeto. De janeiro a setembro deste ano, foram feitos, em Santa Catarina, 614 transplantes de órgãos e tecidos, a maioria em Blumenau. No estado, são quinze hospitais e ambulatórios credenciados para a captação, distribuição e transplante. 21>>

Peri Carvalho

Saúde

FAB cadastra passageiros para caronas aéreas

Cultura

Quase 2 milhões de pessoas viajam pela fé Turismo religioso é responsável por boa parte dos deslocamentos realizados dentro do país e movimenta a economia das regiões onde se encontram santuários e templos. No Brasil, muitos são os destinos dos fiéis, com destaque para Aparecida, onde está o Santuário de Nossa Senhora Aparecida; Juazeiro do Norte, terra de Padre Cícero, e Nova Trento, onde está localizado o Santuário Santa Paulina. 17>>

Posto do Correio Aéreo Nacional seleciona quem deseja viajar até cidades destino durante missões. Militares têm preferência de embarque, e todos os interessados devem estar de malas prontas, já que são avisados horas antes do voo. 11>>

Comportamento

A técnica de desligar a alma do corpo físico Pessoas que experimentam uma saída do corpo entendem melhor a vida. O fenômeno não tem relação com nenhuma religião, mas a maioria das histórias descreve momentos de paz intensa, e o resultado é positivo. O fenômeno intriga a medicina, que estuda a atividade cerebral para tentar explicá-lo. 16>>


DA REDAÇÃO

Quatro

EDITORIAL

Transitar é o nosso verbo

O

QUATRO chega mais uma vez aos seus leitores com novidades. O jornal-laboratório semestral alcança a sua quarta edição e se consolida como uma iniciativa do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. A consolidação não se dá apenas porque vem sendo produzido ininterruptamente desde o início de 2008, mas porque o jornal foi bem recebido por seu público e se converteu numa proveitosa experiência pedagógica da disciplina de Redação IV. Desde o seu surgimento, o QUATRO teve equipes diferentes, professores responsáveis distintos, mas um mesmo compromisso: servir à experimentação no jornalismo, lançando mão de reportagens com temáticas originais e textos bem escritos. A consolidação do jornal se dá ainda pela institucionalização de alguns procedimentos internos. Neste semestre, os jovens jornalistas não só assumiram a produção da edição, mas também discutiram e decidiram um conjunto de documentos de suporte à publicação. A partir de agora, o QUATRO tem linha editorial bem definida, manual de redação, guia de diagramação e plano de distribuição. Esses documentos são resultados da inteligência e sensibilidade dos alunos, e ajudam a formatar um Projeto Editorial para o QUATRO. As próximas equipes do jornal devem seguir as linhas estabelecidas, fazendo ajustes conjunturais quando necessários. Mas a definição do que o jornal cobre, como se posiciona, que formato assume, e como chega aos seus leitores é uma etapa que extrapola o purismo ou a burocracia. Esses documentos sinalizam uma maturidade precoce para a publicação. Boa notícia não só para quem faz o QUATRO, mas para quem o lê. Por falar em notícia, um dos principais problemas das grandes ci-

dades é o trânsito. Ruas entupidas de veículos, transporte coletivo ineficiente, barulho, poluição, falta de planejamento e inchaço populacional. Os problemas no trânsito afetam a todos, pois todas as pessoas se deslocam de uma maneira ou outra. O ser humano não para. Viaja, emigra, transita, erra. Ir e vir é um dos direitos mais conhecidos, e a problemática do trânsito é um tema que rende muito para o jornalismo. Pensando nisso, a equipe do QUATRO escolheu o “trânsito” como ponto de partida desta edição. Na verdade, radicalizamos o conceito, estendendo o entendimento para além do tráfego urbano. Assim, repórteres e editores produziram pautas que cercassem os muitos sentidos de “trânsito”: direção, movimento, deslocamento, viagens, trajetórias. Nossa reportagem conferiu os caminhos percorridos pelo esgoto, pelo lixo reciclado e pelo sangue após a doação; entrevistou personagens que vivem nas ruas e que perambulam em busca de atendimento; conferiu como se dá o tráfego de dados na internet, como funcionam os GPSs, como acontecem viagens astrais. A equipe do QUATRO descobriu como se pode pegar caronas aéreas, quais os caminhos que um projeto percorre antes de se tornar lei. Nossos repórteres contam as aventuras de uma banda de rock na estrada, mostram os percalços de cadeirantes nas ruas brasileiras, e os problemas viários que tornam Florianópolis a segunda pior cidade em mobilidade no mundo. Nas páginas a seguir, os leitores têm acesso às reportagens e a trechos dos bastidores de cada matéria, que estão na íntegra em nosso blog (http://blogdo4. wordpress.com). Tudo para que você se mexa, se movimente, faça do trânsito que apresentamos aqui a sua melhor viagem.

Pautas com vários sentidos de trânsito : direção, movimento, viagens, caminhos

4

Expediente

Ano II – Nº 4 – Novembro/2009 Jornal-laboratório da disciplina Redação IV Curso de Jornalismo - UFSC Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade Florianópolis – SC CEP: 88040-900 Telefone: (48) 3721-9215

Florianópolis, novembro de 2009

Fotos: Erich Casagrande

2

Equipe do Quatro suando a camisa para cumprir dead line, diagramadores e editores em destaque

Como fizemos esta edição Rogério Christofoletti

O

jornalismo é uma atividade essencialmente coletiva. Por isso, uma das condições para se fazer um bom jornal é contar com uma equipe afinada, dedicada e competente. Esta edição do QUATRO só foi possível graças à soma dessas qualidades. O time de jovens jornalistas discutiu, brigou e encontrou soluções para os muitos desafios que se apresentaram. Repórteres e editores avançaram nas madrugadas trabalhando em seus textos, enquanto que diagramadores, tratadores de imagem, ilustradores e revisores ignoraram sábados e domingos para fechar suas páginas. A qualidade do produto, bem, essa pode ser conferida ao longo de toda a edição. Das pautas à impressão, foram cinco semanas de envolvimento da enxuta equipe. Apenas quinze alunos do quarto período de Jornalismo se ocuparam de todas as etapas de elaboração do jornal. Não é pouca coisa se lembrarmos que essa era a primeira vez que assumiam integralmente um desafio desse porte. No fechamento, a pressão foi maior porque o professor não deu moleza. Os alunos se queixaram, suaram, mas venceram. Sinal de que responderam bem. Daqui a pouco, as lembranças serão menos traumáticas. Os jovens jornalistas vão olhar pra trás e se recordar com orgulho de sua primeira edição.

Editor-chefe e professor responsável: Rogério Christofoletti, Mtb 25041 (SP) Monitora: Marina Ferraz Editores: Berenice dos Santos, Daniela Bidone, João Schmitz, Nayara D’Alama e Rosielle Machado. Repórteres: Alex Sobral, Berenice dos Santos, Claudia Mebs, Claudia Xavier, Daniela Bidone, Diego Cardoso, Diego Vieira, Erich Casagrande, João Schmitz, Nayara D’Alama, Roberta Perini, Rosielle Machado, Suélen Ramos, Thiago Verney e Tomás Petersen.

Revisão: Berenice dos Santos, Claudia Xavier e Daniela Bidone. Diagramação: Alex Sobral, João Schmitz, Nayara D’Alama, Rosielle Machado e Suélen Ramos. Fotografia, Infográficos e Ilustrações: Diego Cardoso, Erich Casagrande, Ketryn Suzanny Alves e Tomás Petersen. Circulação: Claudia Mebs, Diego Vieira e João Schmitz. Fotolito e Impressão: Diário Catarinense Tiragem: 1.500 exemplares Blog: http://blogdo4.wordpress.com E-mail: jornalquatro@gmail.com


MEIO AMBIENTE

Florianópolis, novembro de 2009

Quatro

3

Você sabe aonde vai o seu esgoto?

Emissários submarinos levam para longe dejetos produzidos nas cidades. Mas solução é contestada

E

m Santa Catarina, apenas 9,95% da população possui tratamento de esgoto, segundo a Associação de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes). A situação é tão grave que o estado apresenta o segundo pior índice em cobertura de saneamento do país, à frente apenas do Piauí. Em Florianópolis, segundo a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), só 58% da população recebe atendimento do sistema de coleta e tratamento de esgoto. O restante dos dejetos vai parar nos mananciais e diretamente no mar, sem nenhum tratamento. Para resolver esta situação, a Casan pretende construir dois emissários submarinos, um no norte da Ilha, na praia dos Ingleses, e outro na porção sul, entre as praias do Campeche e Joaquina. Emissários são sistemas de tubulações construídos para levar até o fundo do mar o esgoto depois de passar por uma estação de tratamento. No Brasil, existem cerca de 20 emissários, dos quais dois estão em Florianópolis. O primeiro, localizado na cabeceira da Ponte Pedro Ivo, foi construído em 1997, tem 600 metros de extensão e despeja 230 litros de esgoto por segundo na Baía Sul. O segundo emissário submarino, inaugurado há dois anos no bairro do Saco Grande, tem 800 metros de comprimento e descarrega cem litros por segundo de esgoto na Baía Norte. Ambos emissários dão tratamento primário aos dejetos, que é a retirada apenas dos componentes sólidos. A proposta de construção desses sistemas tem causado polêmica entre associações de moradores e ambientalistas, e já sofreu algumas modificações desde agosto deste ano, quando os planos foram anunciados pelo presidente da Casan, Walmor de Luca. O projeto inicial era construir 12 pequenos emissários submarinos em toda a Ilha de Santa Catarina, que teriam tratamento primário e despejariam os dejetos tratados no mar. No sul da Ilha, a proposta previa que a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), que está sendo construída no Campeche, despejasse o resultado do processamento no Rio Tavares, que deságua na Baía Sul. Essa ideia

te da Ilha deve sair de Jurerê, passando por Canasvieiras até o bairro dos Ingleses, onde está a estação de tratamento, já construída desde março de 2008. Após receber tratamento secundário, o esgoto será lançado então a três quilômetros e meio da praia, através da tubulação. Hoje, os dejetos são despejados no que ainda resta do Rio Capivari, e o emissário beneficiará, inicialmente, 90 mil pessoas, evitando que esse esgoto chegue ao rio. Para que o projeto saia do papel é necessário que a Casan consiga os recursos. Atualmente, só está garantida a verba para a construção do sistema no sul da Ilha, e a estimativa é de que sejam gastos R$5 milhões. Falta ainda que a FATMA aprove o relatório de impacto ambiental que, no início de novembro, foi apresentado pela segunda vez para análise dos técnicos do órgão. Discute-se também se os emissários são a melhor solução para Florianópolis, já que despejarão até 330 litros de esgoto por segundo no mar. Especialistas temem pelos danos ambientais causados pelo tratamento dado aos dejetos. “O esgoto já causou problemas em vários lugares do mundo. É cínico defender o tratamento primário para um emissário”, afirma o jornalista norte-americano, Jeffrey Hoff, que reside na capital e faz parte do Movimento Urbano de Saneamento Básico. O presidente da Casan, Walmor de Luca, chegou a defender o tratamento primário para o esgoto, mas a Fundação do Meio Ambiente exigiu que fosse feita também a segunda etapa do Arte Quatro

Alex Sobral

Norte da ilha

Extensão: 3,5 Km Custo: Indefinido População atendida: 90 mil Situação: Em março de 2008, foram concluídos a ETE e 4 Km do emissário. Foi entregue em outubro o estudo de impacto ambiental com as alterações exigidas pela FATMA. Está marcada uma audiência pública para 18 de dezembro. Falta licitação, conseguir os recursos de obra e obter aprovação do relatório de impacto ambiental

Sul da ilha

Extensão: 4,8 Km Custo: R$40,7 milhões População atendida: 25 mil Situação: Embora os recursos para a contrução do sistema já estejam garantidos através do PAC, ainda falta a Casan entregar o relatório de impacto ambiental para ser analisado pelo FATMA. Já começou a construção da ETE do Campeche, depois de paralisada em julho por falta de licença ambiental.

revoltou os moradores, maricultores e lideranças comunitárias, que viam o projeto como prejudicial ao meio ambiente e à produção econômica de mariscos e frutos do mar. Algumas comunidades da região, como Ribeirão da Ilha e Pântano do Sul, que preservam os típicos costumes açorianos, têm suas economias baseadas na pesca e no artesanato. Após muita pressão e os resultados de estudos ambientais feitos pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), o projeto foi alterado. Pesquisas revelaram que o mar tem maior poder de autodepuração que as baías, e com um número menor de emissários o controle ambiental teria mais eficiência, com maior fiscalização sobre a disposição final do esgoto. Além de um custo menor. Agora, serão construídos apenas dois emissários submarinos, cada um deles ligados a um sistema de esgoto. Conforme os planos, o primeiro sistema começará em Santo Antonio de Lisboa, passará pelos

Quando prontas, tubulações devem despejar até 330 litros por segundo de dejetos no mar

bairros João Paulo, Saco Grande, Centro, Ribeirão da Ilha e levará o material bruto até a Estação de Tratamento de Esgoto do Campeche, às margens da rodovia SC 405. Antes de ser despejado pelo emissário a 4 quilômetros e meio da praia, o esgoto receberá tratamento secundário, que extrairá maior quantidade de coliformes fecais da água através de um reator anaeróbico, seguido de um filtro biológico e desinfecção por ultravioleta. Com esse novo tratamento, o custo total aumentou para R$40,7 milhões, recursos vindos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em julho deste ano, mais surpresas na obra do Campeche. A procuradora da República, Ana Lúcia Hartmann, mandou paralisar a construção alegando que a estação está apenas a 500 metros da Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé, área de preservação permanente. A Casan recorreu à Justiça Federal, que decidiu a seu favor: a construção estaria apenas no entorno da reserva. Hoje, a obra está 30% concluída e a Casan prepara o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) para apresentar à Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA). O emissário de esgoto do nor-

processamento. O melhor exemplo de tratamento, segundo Hoff, vem da cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos, onde o esgoto recebe tratamento terciário tão eficiente que, em vez de ir para o mar é jogado diretamente no lençol freático para que volte a ser consumido. Para a biogeoquímica marinha, Alessandra Larissa Fonseca, o tratamento primário causa alterações químicas, biológicas e físicas onde é despejado, causando a chamada “zona morta”. “Na Baixada Santista, coletamos amostra da água de mais de 200 quilômetros da costa do estado de São Paulo, e encontramos uma diferença muito grande no número de vida marinha em relação a áreas sem emissário. Algumas espécies são diretamente afetadas pela mudança no habitat, as tainhas já não entram na baía”. Além do questionamento sobre os impactos ambientais, há discussão sobre a necessidade do emissário. O jornalista Jeffrey Hoff acha que a Casan está indo na contramão da história ao investir em emissários submarinos. “A Flórida, nos Estados Unidos, aprovou lei que desativa os emissários, Nova Iorque também. A questão importante é que temos opções técnicas que não estão sendo usadas”. O gerente de construções da Casan, Fábio Krieger, afirma que os emissários foram a única saída. “O lançamento do esgoto na baía seria a outra opção, mas na Ilha os efluentes não podem ser lançados nos rios”. A Casan dificultou ao máximo a comunicação com a única pessoa que tinha os dados do projeto de construção do emissário, o gerente de construções. Bastidores em http://migre.me/bg9s

4

Do banheiro ao mar aberto O tratamento que envolve o esgoto de um emissário submarino é longo e quando é despejado no mar já perdeu mais de 90% da sujeira. Na Estação ocorre a primeira etapa: o esgoto passa por grades que retêm garrafas, pedaços de madeira e objetos grandes. Depois, um conjunto de peneiras remove resíduos finos e só passam coisas menores que 1,5 milímetro. Por último, caixas de areia filtram substâncias como óleos e graxas. O material em tratamento ainda recebe aplicações de cloro, que eliminam até 99% dos coliformes fecais, altamente prejudiciais à saúde humana. Através da tubulação do emissário submarino, o esgoto tratado segue por baixo da terra até chegar à praia. Os tubos são fixados no fundo do oceano e se estendem por quilômetros em direção ao alto mar. Alguns emissários são parcialmente aterrados e servem como área de lazer. Os emissários têm comprimentos variados. Na Flórida, por exemplo, ele segue por sete quilômetros mar adentro, enquanto o emissário que fica ao lado da Ponte Pedro Ivo, na Baía Sul, tem apenas 600 metros.


MEIO AMBIENTE

4 Quatro

Florianópolis, novembro de 2009

Estrada para preservação ambiental Tomás M. Petersen

D

esde 1986, toda construção de rodovias no Brasil deve ser autorizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O projeto deve contemplar estudos e levantamentos que prevejam possíveis danos ambientais, e suas respectivas medidas compensatórias. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a malha rodoviária do país tem 1,7 milhão de quilômetros, dos quais aproximadamente 210 mil estão pavimentados. Para alcançar a condição de Rodovia Verde deve-se levar em consideração conceitos e tecnologias sustentáveis e de responsabilidade socioambiental desde o projeto até a construção, operação e manutenção. Atualmente no Brasil, cinco mil quilômetros de estradas têm essas características aplicadas, colocando o país no topo das pesquisas na área, juntamente com os Estados Unidos. Rodovias como a BR-290 (que interliga a Grande Porto Alegre ao litoral gaúcho), o sistema AnchietaImigrantes, (que leva da capital paulista à Baixada Santista) e a Rodovia do Sol, no Espírito Santo (que liga Vitória a Guarapari) são exemplos de rodovias verdes. Estradas ecológicas não são aquelas que cruzam florestas, parques ou reservas naturais. Pelo contrário, esse tipo de rodovia causa grandes impactos, como desmatamento, abandono de populações nativas e atropelamento de animais silvestres. Os maiores exemplos dessas rodovias no Brasil são Transpantaneira, que cruza o Pantanal Mato-grossense em seus 145 quilômetros de extensão, e a Transamazônica, que desmatou 2.300 quilômetros de floresta em sua passagem. Ambas foram construídas na década de 70, antes da lei que concede a avaliação e fiscalização do projeto ao Ibama. Soluções ecológicas - No Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a equipe comandada pelo professor Glicério Trichês estuda formas de desenvolver alternativas para a construção de Rodovias Verdes, aplicando desde o reaproveitamento de resíduos

industriais até o uso de nanotecnologia nas camadas do pavimento. “As propostas servem para as obras irem além do que o Ibama solicita, e proporcionar uma rodovia sustentável em quase todos os seus aspectos”, explica Trichês. Um dos principais problemas na produção do asfalto é a emissão de grande quantidade de gás carbônico (CO2) à atmosfera, gerada pela alta temperatura usada no derretimento de um dos componentes da camada asfáltica. A liga asfáltica, derivada do petróleo e utilizada para agregar o material britado, é fundida à temperatura de 170 ºC. Até o final deste ano, obras do Governo Federal pretendem produzir 11 mil quilômetros de asfalto, o que gerará 270 mil toneladas de CO2. Uma das propostas do professor Trichês é acrescentar o mineral zeólito, que possui água em sua composição, para reduzir a temperatura em 30% e diminuir para 28 mil toneladas a quantidade do gás produzido. Nesta etapa, o resfriamento também causaria a redução de oito para 5,5 litros de óleo diesel queimados na produção de um metro cúbico de asfalto. Ao reduzir a emissão de gases do efeito estufa, recebe-se um certificado de créditos de carbono, que podem ser negociados no mercado internacional. Cada crédito equivale a uma tonelada de gás carbônico, que custa atualmente 19 euros. Outra alternativa sustentável analisada é o uso de cinza de casca de arroz na produção do asfalto. Todos os anos, agricultores da região sul de Santa Catarina produzem cerca de 20 mil toneladas do resíduo. A queima é necessária na produção do grão durante o processo de secagem. O destino final das cinzas causa inúmeros impactos ambientais – desde a poluição de lagos até a necessidade de áreas de aterros e o seu transporte. Ao acrescentar este excedente ao cimento da camada de base do pavimento, consome-se 20% menos do concreto, além de torná-lo mais resistente. As cinzas do tipo pesado, provenientes das termelétricas, também são aproveitadas, mas economizam menos: 10% a 15% de cimento. Outra saída para a redução de impactos ambientais nas estradas está bem embaixo do nariz dos motoristas. Na verdade, bem embaixo do próprio veículo. Depois

Deve-se pensar sustentavelmente desde o projeto até a construção das Rodovias Verdes

Arte Quatro

Departamento de Engenharia Civil da UFSC desenvolve soluções para tornar rodovias ecológicas Tecnologia aplicada à pavimentação: A 100km/h, o pneu emite 70% do ruído de um carro, contra 12% do motor, escapamento e transmissão

O asfalto feito com borracha suporta 140kg/m³, enquanto o normal suporta 80kg/m³

Um barril de petróleo tem 159 litros. Desta quantidade, de 10% a 15% corresponde ao resíduo utilizado para fazer o ligante da camada de asfalto. Ao acrescentar borracha triturada de pneus velhos, a mistura fica mais resistente à fadiga

Mistura Asfáltica: Composta basicamente de material britado e resíduo de petróleo derretido Base:

Por receber muito impacto, precisa ser resistente. Aqui, o cimento pode ser enriquecido com as cinzas da casca de arroz

Sub-base:

Cimento de qualidade menor, pois essa camada não recebe muito impacto

Camada final:

Composta de terra, argila, pedras e material de aterro. Recebe terraplanagem

de rodarem as estradas, os pneus também podem se tornar parte delas. Uma das técnicas desenvolvidas pela equipe do professor Trichês é triturar pneus velhos e transformá-los em pó. Em seguida, o produto é acrescentado à mistura asfáltica e a torna mais resistente à fadiga, efeito de deterioração causado pelo constante fluxo de veículos. Em curto prazo, este procedimento deixa a mistura 30% mais cara. Porém, é utilizado menos material na produção de estradas: a espessura do asfalto normal é de 18 centímetros, enquanto com o asfalto-borracha pode-se fazer

uma camada com 12 centímetros. Uma vantagem em longo prazo é o fato de o material feito com pneus ter uma maior durabilidade, tanto que “as construtoras já utilizam esse processo”, explica Trichês. A camada de revestimento pode agregar outras tecnologias. Ao produzir um pavimento mais poroso, economiza-se material britado, extraído de pedreiras, e reduz-se o ruído do deslocamento dos veículos – a maior parte é gerada pelo atrito do pneu com o solo. Esse tipo de textura permite que o som se dissipe, reduzindo em até cinco decibéis o ruído do

Conselho Nacional do Meio Ambiente Através da Lei 6.938 de 1981, o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SINAMA) criou o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), colegiado representativo de cinco setores: órgãos federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil. Sobre obras, o conselho estabelece os critérios de licenciamento e fiscalização do IBAMA: Art. 8º Compete ao CONAMA: I - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluídoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA; II - determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis consequências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional. III - decidir, como última instância administrativa em grau de recurso, mediante depósito prévio, sobre as multas e outras penalidades impostas pelo IBAMA

tráfego. A superfície porosa também diminui o acúmulo de água, e consequentemente, pode evitar acidentes por derrapagens em dias de chuva. Economicamente inviável no Brasil, a aplicação de nanopartículas de óxido de titânio na superfície das rodovias pode ajudar a reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Bastante aplicada no Japão, em pavimentação de calçadas e pinturas de paredes, essas partículas têm a capacidade de reter gases nitrosos. Com a chuva, esses elementos químicos (que não são poluentes) são “lavados” da superfície e escoados pelo solo, renovando a capacidade de retenção das nanopartículas. O desafio da equipe de Trichês é aplicar a tecnologia no asfalto de forma eficiente e barata. O principal desafio é converter a sustentabilidade ambiental em valores econômicos. O professor Trichês vê no Brasil uma das lideranças mundiais em rodovias ecológicas e acredita que elas são totalmente viáveis, mas que o problema é que não se sabe em quanto implicam os usos destas alternativas: “A construção nos permite agregar produtos que reduzem os impactos ambientais, a questão é atribuir gastos a essas técnicas”.

4

A parte legal do jornalismo é a apuração. Mas há momentos em que essa “aventura” parece que não existe. Bastidores em http://migre.me/bgc4


MEIO AMBIENTE

Florianópolis, novembro de 2009

Quatro

5

Destino certo para o lixo reciclável João Schmitz

C

erca de 4% do lixo produzido na capital é destinado à coleta seletiva, segundo a Companhia de Melhoramentos da Capital (Comcap). Parece pouco, mas isso representa mais de 500 toneladas de material reciclável por mês. Esta quantidade gera renda para quem trabalha com a triagem do lixo e abastece a indústria da região com matériaprima ecologicamente correta. Há menos de um ano, houve mudança na rota desse tipo de lixo na cidade. Antes, os membros da Associação dos Coletores de Materiais Recicláveis (ACMR) faziam a coleta informal do material pelas ruas do centro e levavam o que recolhiam para um local improvisado embaixo da Ponte Pedro Ivo Campos ou para o aterro da Baía Sul. Lá, cada coletor separava, pesava e vendia seu lixo. Em fevereiro deste ano, a partir da assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta entre a prefeitura e a associação, o Ministério Público de Santa Catarina determinou a desativação das instalações dos coletores sob a ponte e no aterro, e o centro de triagem foi transferido para o bairro Itacorubi, junto à sede da Comcap. A partir deste momento, a fiscalização feita pela prefeitura passou a recolher carrinhos de catadores que insistissem em realizar o trabalho informal. Assim, restou àqueles que dependem do lixo a opção de trabalhar nas novas instalações da associação. Antes da assinatura do termo, havia 108 coletores cadastrados. Depois disso, o número baixou para 60. Porém, o impedimento do trabalho pelas ruas fez com que essa quantidade voltasse a crescer gradativamente: hoje, nove meses depois, já são 80 associados à ACMR. Com a assinatura do Termo de Conduta, a prefeitura cedeu o galpão e a Comcap ficou responsável pela coleta do lixo, que atende atualmente a 80% da população da cidade. Todo o material é levado, então, ao Centro de Triagem Seletiva, onde os associados à ACMR realizam a separação dos resíduos por tipo (papel branco, papelão, plástico, vidro, etc). À Comcap coube, também, o transporte dos trabalhadores até o Itacorubi. São pessoas que trabalham sozinhas ou

em família, montando sua própria jornada, de segunda à sexta-feira. A renda depende diretamente da quantidade e do tipo de lixo que cada um separa. Ganhando “limpo” - O adolescente A.W.N., de apenas 16 anos, trabalha com lixo reciclável desde os 12, quando ajudava sua mãe a coletar o material pelas ruas do centro da cidade. Até o início deste ano, ele trabalhava ao lado da mãe e de dois irmãos, com seu próprio carrinho e local de triagem, no aterro da Baía Sul. O jovem largou os estudos ainda na quinta série, há dois anos. Filho de pai vigia e de mãe coletora de lixo, o adolescente se orgulha de ganhar seu dinheiro “no limpo” ao trabalhar honestamente, enquanto seus colegas do Morro do Mocotó, favela do centro de Florianópolis, “ganham no sujo”, disse, referindo-se ao crime e às drogas. Sua maior queixa é que a renda da família diminuiu com a decisão da prefeitura. Enquanto trabalhavam por sua conta, coletando recicláveis pelas ruas do centro, eles mantinham uma média de R$1 mil por semana, que chegava a R$1.400 em determinados meses. Tudo que recebiam era dividido em quatro partes iguais, e cada um recebia cerca de R$250. Hoje, no centro de triagem, cada um recebe uma média semanal de apenas R$175, ao separar mais de 300 quilos de material reciclável por dia. Apesar de bastante jovem, A.W.N. já mora sozinho em sua própria casa, na comunidade onde cresceu, graças ao dinheiro que ganha com o lixo. Sua mãe também comprou um apartamento por R$25 mil no Morro do Mocotó, com a renda do trabalho como coletora. Porém, a maior inspiração do garoto é a irmã: com sua parte do rateio da coleta, ela investiu em sua formação e concluiu o curso técnico em enfermagem. Hoje, ainda com o dinheiro do lixo, ela continua os estudos de especialização à noite e sustenta a filha, de apenas dois anos. O irmão sonha em seguir seus passos e “ainda receber um diploma”. Fechando o ciclo - Entre os principais materiais que passam pelo Centro de Triagem estão o papelão, o plástico e o papel branco, com recolhimento mensal de 90, 50 e 46 toneladas, respectivamente. Outros materiais, como ferro, alumínio, fios de cobre e papel

Aos 16 anos, A.W.N. já é dono de uma casa, obtida com o dinheiro da coleta

Fotos: João Schmitz

Seleção dos materiais coletados em Florianópolis gera renda para famílias e abastece a indústria

Após serem proibidos pela prefeitura de recolher lixo nas ruas, 80 coletores se associaram à ACMR

todos os associados, já que o preço pago é maior. A principal cliente da ACMR é a Almeida Serviços Ambientais, empresa com sede em São José, que compra papel branco e papelão em quantidade correspondente a cerca de 50% de toda a produção dos coletores. Segundo o diretor da empresa Milton de Almeida, o envolvimento com a ACMR é uma parceria que apoia o projeto e valoriza a questão social, já que envolve que Papel ainda passa por segunda separação trabalhadores sustentam suas famílias com o dinheiro que recebem na triagem. O misto completam o total de 500 material provindo do Itacorubi toneladas por mês. Entre todos, o é equivalente a 10% de todo o papel branco tem o maior valor de lixo reciclável que passa pela mercado, vendido a R$0,38 o quiempresa. lo, enquanto a mesma quantidade Almeida explica que a sepade papelão custa R$0,18. ração da ACMR ainda é de baixa Devido à falta de infraestrutuqualidade, sendo necessária uma ra, a ACMR depende de empresegunda triagem assim que o masas intermediárias, que compram terial chega a seus galpões, para o lixo selecionado e revendem depois ser prensado e estar pronto para a indústria. A associação e seguir para a indústria. Em sua está inscrita num programa da opinião, é necessário muito mais Fundação Nacional de Saúde que a compra de uma máquina (FUNASA) para a aquisição de um equipamento para prensar o para que a associação possa venlixo. De acordo com o presidente der diretamente para a indústria. da ACMR, Wolmir Santos, com a É preciso a qualificação da mão prensa, seria possível vender dire- de obra e um compromisso com a to para o setor industrial e, assim, qualidade, exigida pelo setor. Em empresas intermediárias, proporcionar uma maior renda para

como a Almeida Serviços Ambientais, o material selecionado é prensado encaminhado para a indústria, que o utiliza como matéria-prima para a fabricação de novos produtos. No caso do papel branco, a principal compradora é a Estrela Indústria de Papel, com sede em Palmas (PR). Lá, o papel recolhido nos lares de Florianópolis é transformado em papel toalha e papel higiênico e retorna aos consumidores. Além de economizar recursos públicos com transporte e aterramento dos resíduos sólidos, a reciclagem de materiais “proporciona ganhos incalculáveis para o ambiente e favorece a geração de renda entre as famílias que fazem a triagem”, acrescenta o presidente da Comcap, Ronaldo Freire. A rota do lixo reciclável em Florianópolis não passa só por caminhões e máquinas, mas por trabalhadores que tiram seu sustento de forma digna e ainda contribuem para a preservação do meio ambiente, ao prolongar a vida útil de produtos industriais. Trabalhadores humildes, grandes empresas e a sociedade, em si, ganham dinheiro e uma melhor qualidade de vida através da reciclagem.

4

Nos meus dois anos de jornalismo, essa foi a minha primeira experiência de reportagem com um bom personagem. Bastidores em http://migre.me/bgcA


TECNOLOGIA

6 Quatro

Florianópolis, novembro de 2009

Privacidade ou segurança pública? Lei obriga lan houses a cadastrar usuário e reacende discussão sobre fiscalização de dados na internet

uem acredita que a rede mundial de computadores é um território completamente livre está enganado. Caminhar no ciberespaço deixa uma série de pistas sobre a pessoa por trás do computador. São informações deixadas muitas vezes em locais supostamente confidenciais. Quebrar o sigilo virtual abre a brecha para questionar o que é pessoal e inacessível no mundo online. O monitoramento da internet hoje não se restringe apenas a questões jurídicas: esbarra na dualidade entre direito à privacidade e à segurança pública. Uma das principais justificativas para a fiscalização da internet brasileira é evitar a divulgação de materiais com conteúdo relacionado à pedofilia. No dia 22 de outubro de 2009, uma lei visando combater esse tipo de crime foi sancionada pelo governador catarinense em exercício, Leonel Pavan: a partir de agora, todas as lan houses e locais que comercializam acesso à internet no estado deverão ter câmeras de vigilância. Além disso, essas empresas deverão cadastrar todos os usuários, registrando endereço, telefone, número do RG, horários do início e do final da navegação e o IP (uma sequência numérica que identifica o equipamento na rede) do computador utilizado, mantendo essas informações por dois anos. Quem descumpre essa lei recebe multa de R$2 mil e pode ter seu estabelecimento fechado em caso de reincidências. A aprovação da lei na Assembleia Legislativa do Estado foi impulsionada por uma investigação feita pela Diretoria Estadual de Investigações Criminais (DEIC), onde uma rede de pedofilia foi descoberta em oito estados brasileiros, inclusive Santa Catarina. O delegado da DEIC-SC, Renato Hendges, diz que o uso da internet nesses casos é algo recente e que as lan houses são muito utilizadas pelos pedófilos. “Eles disponibilizam esse material fora do país. Quanto mais novas forem as crianças, mais valem essas imagens e elas valem muito”, afirma Hendges. É o anonimato de quem divulga essas fotos e vídeos que será derrubado

através da lei. Policiais da internet - Em Santa Catarina, os casos de delitos online são cobertos pelas polícias Civil ou Militar, já que o estado não tem uma delegacia específica. O Brasil possui sete instituições de segurança pública especializadas em crimes cometidos virtualmente. No Distrito Federal, a Divisão de Repressão aos Crimes de Alta Tecnologia (DICAT) é um órgão de apoio às Delegacias de Polícia Civil da região. O delegado e diretor, Sílvio Cerqueira, conta que os casos mais frequentes de cibercrimes são injúria e difama- Guilherme Rhoden recebe até 3 e-mails por dia sobre downloads ção via redes sociais, ameaças, estelionato e pedofilia. “Sempre há trabalho relacionado à pornografia infantil. Em relação à pirataria, não é tão comum já que, para agirmos, é necessária uma solicitação do titular do direito autoral do material.” Ao auxiliar em um caso, os profissionais do DICAT buscam rastros que o suspeito deixou na internet. Em alguns casos, é necessário solicitar informações ao provedor ou à empresa detentora do serviço. No caso de e-mail e redes sociais, são checados alguns dados do investigado: nome de usuário, endereço IP e horário de acesso. Em alguns casos, os provedores exigem uma ordem judicial para a liberação dos dados do usuário, algo que pode Guilherme de Marafigo trabalha há 20 anos com as redes da UFSC atrasar as investigações, já que cada solicitação pode levar até como uma consulta a um porteiro. nacionais quanto internacionais, quatro meses para chegar ao DICAT. “Alguns colaboram bastante, Afinal, como se questiona Rover, são extremamente restritivas. Elas já que envolve risco à pessoa ou “Será que um investigador pega- partem do pressuposto do controle à criança, no caso da pornografia ria só isso? Não temos como sa- do usuário, e não das empresas, infantil”. O delegado compara o ber que dados alguém realmente causando o distanciamento do acesso a essas informações “a so- conseguiu obter dessa forma”. consumidor. O próprio descolicitar o registro de uma portaria Ele ainda afirma que “a investiga- nhecimento tecnológico é um de prédio numa investigação, para ção faz parte de um direito mais problema. Coutinho exemplifica descobrir a identidade e a localiza- coletivo, mas não pode se dar de com uma decisão do Tribunal de ção de uma pessoa”. forma abusiva”. Como alternati- Justiça do Estado do Paraná que Entre a lei e o abuso - A ques- va para essa situação, o profes- condenou uma empresa de tecnotão do moni- sor cita as parcerias entre o Mi- logia pelo desenvolvimento do toramento dos nistério Público e algumas redes programa de P2P K-Lite Nitro dados na in- sociais onde os próprios usuários - tecnologia de transferência de ternet esbarra ajudam a relatar casos de crimes arquivos utilizada em programas em mais uma como pedofilia online. como eMule, Kazaa, Soulseek, polêmica: a Os embates entre direito à pri- entre outros. A desenvolvedoética. Para o vacidade e interesse público fazem ra do software está proibida de professor do parte de um eterno cabo de guerra. disponibilizá-lo até que sejam insDepartamento É o que diz Guilherme Coutinho talados filtros que impeçam o usude Direito da Silva, advogado e assessor jurídi- ário de baixar conteúdo protegido Universidade co do Departamento de Inovação pela propriedade intelectual. Federal de San- Tecnológica da UFSC. Para ele, Uma das possíveis soluções ta Catarina (UFSC) especializado questões polêmicas não podem para esse impasse seria a inverem Direito e Informática, Aires José servir de pretexto para ações in- são do que há atualmente: mediar Rover, o registro de informações em trusivas. “O combate à pedofilia o controle do usuário e das prólan houses, por exemplo, não chega na internet é importante, mas não prias empresas, não pensando soa ser abusivo, pois se trata de dados pode servir de cavalo de tróia vi- mente nos servidores. “O direito administrativos, desde que seja feito sando uma legislação de controle regula condutas, e isso vale tampelas vias oficiais. do usuário. Afinal, a pedofilia já bém para a rede. Porém, está na Obter uma informação pessoal existia antes da internet.” hora de pensarmos na liberdade na rede pode não ser tão simples As legislações atuais, tanto na rede com algumas restrições,

Parceria entre governo e redes sociais ajudam no combate à pedofilia online

Fotos: Erich Casagrande

Q

Diego Cardoso

e não em restrições com algumas poucas liberdades.” Rapidez vigiada - A velocidade da internet da UFSC é extremamente sedutora para downloads, legais ou não. O acesso é feito através da rede do Ponto de Presença da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa em Santa Catarina (PoP-SC), que provém uma conexão de 2GB para mais 41 instituições. Dessa banda, a Universidade consome diariamente cerca de 200 megabits por segundo. Para se ter uma ideia, com essa velocidade é possível baixar um filme (aproximadamente 700 MB) em cerca de 30 segundos. De acordo com o técnico de rede da UFSC, Cláudio de Marafigo, só o campus da Trindade possui cerca de 25 mil quilômetros de fibras óticas para a distribuição da conexão. A UFSC e Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) não monitoram os conteúdos baixados pelos usuários na sua rede. As empresas detentoras dos direitos autorais ou suas representantes chegam a esses usuários de várias maneiras. A principal delas é através das próprias redes P2P. Essas conexões permitem saber de onde é o usuário e qual arquivo está baixando. Ao detectar um endereço de IP que faça parte do domínio da UFSC, a RNP é contatada. O coordenador técnico da PoPSC, Guilherme Eliseu Rhoden, explica que são enviadas via email de duas a três notificações de download ilegal todos os dias, da central da RNP para a sucursal catarinense. A origem é determinada através do meio em que foi baixado o conteúdo: na rede com cabos, é possível apenas identificar o computador; já na sem fio, podese chegar ao nome do usuário. Nos dois casos, o acesso à rede é imediatamente cortado, sendo restabelecido após um período, geralmente até o final do ano, ou com solicitação do usuário por meio do Núcleo de Processamento de Dados (NPD). Alguns desses dados, como o endereço IP e o motivo do bloqueio, estão disponíveis no site http://rede.npd.ufsc.br.

4

O monitoramento é uma questão política, jurídica e ética. Abordar esses temas sem se perder nas informações não foi fácil. Bastidores em http://migre.me/bfSO


TECNOLOGIA

Florianópolis, novembro de 2009

Quatro

Brasileiros aderem ao home office

7

Suélen Ramos

Só no país, são 10 milhões de profissionais que fazem trabalho remoto ou em escritórios domésticos

Desde 1992, a arquiteta Norma Suely dos Santos atende clientes por e-mail e telefone no escritório montado em sua própria casa

A

Suélen Ramos

arquiteta carioca Norma Suely dos Santos atende muitos clientes por telefone e e-mail. Faz seus projetos num escritório doméstico, montado em um cômodo da sua casa, numa ruazinha do bairro Córrego Grande, em Florianópolis. Fabiano Machado tem a mesma profissão de Norma e também trabalha em sua casa, em São José. Além de utilizar o telefone para se comunicar com clientes e fornecedores, mantém o computador conectado à internet o tempo todo. Machado manda e responde, em média, 15 e-mails por dia e tem um website para fazer contatos e divulgar seu trabalho. Esses profissionais estão entre os 10 milhões de brasileiros que fazem trabalho remoto ou em escritórios domésticos, contratados por uma empresa ou informalmente, segundo a Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades, (SOBRATT). O avanço da tecnologia possibilitou aos trabalhadores terem em casa bons computadores com acesso à internet e telefonias fixa e móvel de qualidade, para utilizá-los como qualquer empresa faz. Um levantamento da Worldat Work, de 2008, mostra que 33 milhões de americanos trabalharam de casa ou outro lugar

que não a empresa, ao menos uma vez no mês. Um crescimento de 43% do teletrabalho nos Estados Unidos, se comparado a 2003. A pesquisa feita pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias de Informação e Comunicação (CETIC.br) mostra que em 2005, apenas 12% da população brasileira tinham acesso à internet em casa, sendo que 39% das conexões eram discadas. A última pesquisa, lançada em maio deste ano, demonstra que 28% dos domicílios brasileiros têm um computador, 20% com acesso à internet, sendo que 58% das conexões é banda larga. “O computador fica conectado o dia todo e utilizo para enviar e receber propostas, estudar projetos, pesquisar fornecedores, consultar processos junto à prefeitura e enviar trabalhos para impressão.”, explica Machado, arquiteto há sete anos, três deles trabalhando em casa. Sobre a página que mantém na internet, diz que “como tenho um home office, o website cumpre a função de ser como minha vitrine, para ser visto por quem está procurando pelos meus serviços. Já fechei bons negócios graças a essa divulgação”. Nos EUA, cerca de seis milhões

de pessoas trabalham em casa e, destas, metade são autônomas, segundo a pesquisa “Undress for Succes – The Naked Truth about Working”, feita por Kate Lister e Tom Harnish. Eles revelam também que se todos os americanos tivessem home office economizariam mais de US$500 bilhões e as empresas poderiam lucrar US$260 milhões a mais por ano, caso contratassem funcionários que não precisassem se deslocar até a empresa. A economia gerada seria pelo menor gasto com energia e aumento da produtividade dos funcionários. Em Fortaleza (CE), Handerson Frota trabalha em casa há três anos como desenvolvedor de sistemas. Sua profissão é diretamente ligada à tecnologia e, por isso, trouxe para seu escritório máquinas modernas, conectadas à uma internet rápida, que são suas principais ferramentas de trabalho. Handerson já foi funcionário de uma empresa de Tecnologia de Informação e conseguiu convencer seus superiores que seria mais produtivo em casa. “O projeto em que eu estava envolvido na época não exigia que eu estivesse na empresa e convenci meus gerentes que iria trabalhar muito melhor em casa,

Uma nova opção para empresas evitarem gastos com manutenção e transportes

concentrado e confortável”. Ele gostou da experiência, montou sua própria empresa, a Triadworks, e continua com seu escritório doméstico. “Tenho tudo o que preciso em meu lugar de trabalho: um excelente equipamento com dois monitores, linha telefônica exclusiva e internet banda larga”. A advogada Rosa Ribas Marinho só sai de seu escritório, que fica em sua casa, no bairro Agronômica, para ir às audiências. Ela já se acostumou a trabalhar assim: usa MSN, e-mail e telefone para falar com os clientes e utiliza o “peticionamento eletrônico” para encaminhar petições ao Tribunal de Justiça. “A grande maioria dos clientes tem bom manejo com a internet. Então, conversamos muito por esse meio. Sou adepta da tecnologia e o fato de digitar a petição e postar diretamente para a comarca, sem sair da cadeira, também é extremamente confortável e eficaz. Seria possível ter um home office sem o aparato tecnológico, mas, com certeza, não seria tão fácil”. Rosa é advogada há 24 anos e desde 2002 trabalha em casa, assim como os dois filhos – um advogado e uma juíza – e o marido, também colega de profissão. Ela diz que manter um escritório funcionando pesa consideravelmente no bolso e também no humor. “Não tinha sequer tempo para a família e amigos. Às vezes, tinha que estender o horário de trabalho

para me livrar dos engarrafamentos”. Um texto publicado na revista Wired cita a pesquisa feita pela Pennsylvania State University, que concluiu que o homeofficer – trabalhador de casa – tem melhor desempenho e satisfação no trabalho, menos conflitos com a família e menor estresse. O texto também fala que uma das vantagens do fim dos escritórios nas empresas é a economia com a ausência de custo do transporte dos funcionários, de casa para o trabalho. Andressa Braun trabalha para a Abril Digital como jornalista freelance, produzindo conteúdo para celular, de seu apartamento, em Florianópolis. Ela mantém contato com a empresa por e-mail e manda os pequenos textos aos celulares dos assinantes, através de um sistema de envio de mensagens, via internet. “Quando morava em São Paulo, ia até a Abril pelo menos uma vez ao mês. Agora, todas as revisões, considerações e prazos, enviam-me por email. Ganho por produção: faço, em média, 450 SMS por mês e eles pagam R$2,50 por cada um. É uma forma interessante das grandes empresas terem bons profissionais, sem gasto de manutenção de escritórios, transporte e sem direitos trabalhistas”. Segundo Andressa, a maioria das publicações da Abril trabalha dessa forma, com profissionais sem vínculo empregatício, mas fixos. “Eles têm uma brecha para trabalhar assim, se chama Contrato de Cessão de Direitos Autorais (CCDA). Todos os meses, envio uma autorização por e-mail para a Abril, liberando o uso do material que produzo”. A preocupação com o meio ambiente pode reforçar o discurso a favor de que o trabalhador fique em casa. Hoje circulam em Florianópolis, entre carros, camionetes, ônibus e motocicletas, cerca de 230 mil veículos. Além do engarrafamento nos horários de pico, os motoristas contribuem, na ida e volta do trabalho, com a emissão de poluentes no ar. Em Fortaleza, cidade do desenvolvedor de sistemas Handerson Frota, há cerca de 530 mil veículos circulando. Em São Paulo, são mais de 6 milhões nas ruas.

4

Quando escolhi fazer uma reportagem sobre home office, não imaginei que seria tão difícil encontrar fontes para falar sobre o assunto. Bastidores em http://migre.me/bfVc


8

TECNOLOGIA

Quatro

Florianópolis, novembro de 2009

Leitores de e-books chegam ao Brasil Claudia Mebs Nunes

Primeiro e-reader brasileiro deve custar R$340 contra U$585 do americano

Arte Quatro

O

conteúdo dos livros agora pode ser acessado por meio de um aparelho que permite a leitura de versões digitais das histórias existentes no papel. Os leitores de e-books transportam as páginas de livros, jornais e revistas para dentro do aparelho através do simples apertar de um botão ou por uma tela sensível ao toque, caso do mais famoso e-reader da atualidade, o Kindle. Com a notícia de que as vendas para o Brasil e mais 99 países começaram no mês passado, o produto, que foi o mais comprado no site da empresa americana Amazon em 2008, deixou os brasileiros curiosos para saber como funciona o americano Kindle. O modelo internacional do leitor, assim como as versões DX e Kindle 2, possui uma rede sem fio capaz de conectar o aparelho à internet e comprar os livros pelo site da Amazon, mesmo daqui do país. No Brasil, o acesso à web será feito através de uma rede 3G, a mesma rede de telefonia celular. Implantada em 2004, a tecnologia 3G ainda é recente e apenas algumas regiões garantem a rede para os usuários. Dos 60 principais pontos que a disponibilizam no Brasil, a maioria se encontra nas cidades metropolitanas do litoral. Em Santa Catarina, moradores das cidades de Blumenau, Joinville e Florianópolis, até de São Carlos, com 10 mil habitantes, podem utilizar a rede 3G para comprar os livros. Quem mora em alguma cidade que não possui a conexão pode comprar os livros de outra maneira. É só baixar o conteúdo através de um computador e depois passá-lo para o e-reader com um cabo USB, que acompanha o aparelho. É o que faz Lucas Pestana, mestrando em biologia vegetal pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, onde mora, a rede 3G está disponível, mas explica que não consegui me conectar à internet do Brasil, e nem cheguei a usar os serviços da Amazon por meio do Kindle. Custos embutidos - A internet sem fio não é paga, mas os livros, sim. A Amazon conta com mais de 360 mil títulos disponíveis para compra. Mas o número diminui quando o usuário não é americano. Comparado com os outros 99 país-

es, o Brasil é o lugar com o máximo de opções fora dos Estados Unidos, com 290 mil obras. Locais como a Jérsia, ilha no Canal da Mancha e o Zimbabwe possuem o menor acervo: 170 mil títulos. Os preços para baixar os conteúdos literários no exterior vão de U$5,99 a U$13,99. No Brasil, 100 mil deles custam menos de U$6. Os demais, U$12. Isso significa que O Símbolo Perdido, novo livro de Dan Brown pode ser adquirido por aproximadamente R$20,50 contra R$39,90 nas lojas. Caso a compra seja feita pela rede sem fio, o custo de U$1,99 é embutido no preço final do produto. E não importa se a pessoa já tenha comprado o livro anteriormente e só queria fazer o download de novo, porque a Amazon cobra o serviço de solicitação para baixar o livro, quando o usuário está fora dos Estados Unidos. Muitos não esperaram a empresa americana anunciar a venda do aparelho internacional para garantir o seu. Pestana recebeu seu Kindle DX em setembro deste ano. O modelo é diferente do comercializado internacionalmente, principalmente porque não possui a wirelles, que possibilita que a compra seja realizada diretamente do aparelho. As vantagens do modelo, porém, superam essa desvantagem. A tela do leitor tem 9,7 polegadas – contra as 6 polegadas do novo Kindle - e a capacidade de armazenar 3.500 livros, mais do que o dobro do Internacional. Enquanto o modelo internacional custa U$585, valor calculado com impostos de importação e frete, o DX é vendido nos Estados Unidos a U$489. Outra vantagem do modelo DX é a leitura de arquivos em PDF, for-

Ketryn Suzanny Alves

Apesar de causar muitas dúvidas, aparelhos como o Kindle conquistam cada vez mais os usuários

mato que não é reconhecido pelo Internacional. Assim, o usuário do e-reader próprio para o exterior terá que converter o arquivo para AZW. A Amazon faz essa conversão, basta enviá-lo para um endereço eletrônico que cada Kindle possui e, de graça, formatos como HTML, PDF, JPEG são transformados em AZW e encaminhados para o e-mail. Depois disso, o cabo USB faz a transação do computador para o Kindle. A tela do aparelho usa uma tecnologia chamada e-ink ou “tinta eletrônica”. Idêntica ao papel, ela não emite brilho e não cansa a visão. “De fato, é muito mais confortável ler na tela do Kindle. A agressão visual das telas de computador tradicionais praticamente inexiste”, concorda o mestrando. Para ter essas facilidades, o investimento foi de R$3.500. E o preço só não aumenta a cada mês porque Pestana não compra os livros, mas baixa seus arquivos em diversos sites da internet. A aquisição do aparelho foi feita através do site Mercado Livre. O

anúncio de produtos eletrônicos importados do país norte-americano começou em 2000, nove anos antes de incluir na lista de vendas os leitores de e-books. Hoje, além dos modelos Kindle 2 e DX, o vendedor mineiro Guilherme Cruz também importa os aparelhos das marcas Sony, Irex, Cybook e Freehand. A média de unidades vendidas chega a 20 por mês. O prazer do papel - Por mais que Pestana carregue seus cem livros para todo lugar a um peso de quinhentos gramas, ele confessa que ainda compra muitas obras de papel. Mesma opinião de Daiane de Oliveira, auxiliar administrativa em Joinville. Pelo menos uma ou duas vezes por mês compra um livro de romance ou ficção. Para Daiane, que costuma levar as obras em viagens sem se incomodar com o peso que causam, os leitores de e-books não substituem o prazer de se ler um livro de papel. “Enquanto leio, cada página virada dá a sensação de mistério e curiosidade que não consigo sentir baixando a barra de rolagem no

Opções de e-readers para caber no bolso Empresas apostam na concorrência com Kindle de seis polegadas Nook, da Barnes & Noble

Sony PRS-600

monitor. Olhar os livros na estante e me dar conta de quantas histórias já acompanhei e me fizeram sentir as emoções que os personagens sentiam. Não acredito que seja regra, só que para mim a leitura no papel é insubstituível”. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) divulgou, em fevereiro deste ano, que 55% da população costuma ler livros, um total de 95,6 milhões de pessoas. Tendo em vista o mercado promissor, a empresa brasileira Braview apresentou em junho o leitor de e-books, ainda sem nome. Com uma resolução de 800x600 pixels, o e-reader lê arquivos em PDF e funciona como mp3, porém não possui a função de marcar páginas e fazer anotações, recursos oferecidos pelo Kindle. Daiane pode continuar desinteressada pela tecnologia que ganha espaço no Brasil, mas o preço do e-reader brasileiro, calculado em R$340, é uma alternativa para muitos curiosos que ainda não estão dispostos a pagar pelo produto mais vendido da Amazon.

4

Achar pessoas que comentem sobre os leitores de ebooks não foi difícil. Encontrar alguém que já possuísse um é outra história. Em fóruns, comunidades, em conversa com pessoas que gostam de tecnologia, os e-reader são tema central de discussões. Bastidores em http://migre.me/bDsf

Cybook Gen3, da Bookeen Botão de controle para ativar as funções

Tela colorida, sensível ao toque

Tela em escalas de cinza, sensível ao toque

Formatos aceitos: PDF, MP3 e de imagens Memória flash: 2 GB, com bateria para permanecer ligado por 10 dias

Formatos aceitos: PDF, DOC, MP3 e de imagens Memória flash: 512 MB, com bateria para ler 7.500 páginas

Formatos aceitos: HTML, PDF, MP3 e de imagens Memória flash: 64MB e 512 MB, com bateria para ler 8.000 páginas

Previsão para este mês

Lançado em agosto

Lançado em 2007

Preço: U$ 259

Preço: U$ 299

Preço: U$ 350


TECNOLOGIA

GPSs estão mais baratos e dispõem de novos recursos

Equipamentos evoluíram, mas ainda apresentam problemas Roberta Perini

C

om novos recur- sos e maior con-fiabilidade, os GPSs são cada vez mais utilizados no Brasil. Mas apesar de seu crescente uso, o mapeamento do país ainda é pouco eficiente. Um enorme número de mapas é disponibilizado pelos GPSs, mas o que realmente importa é a quantidade de mapas auditados, ou seja, que tiveram suas ruas conferidas. Em todo país, apenas 269 cidades receberam essa verificação, de acordo com uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste). GPS é a sigla em inglês para Sistema de Posicionamento Global. Essa tecnologia de na- vegação conta com 24 satélites que realizam uma volta completa em torno da Terra a cada 12 horas. Desenvolvido no final da década de 70 pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos para fins militares, o GPS foi disponibilizado para uso civil na década seguinte, mas só começou a se popularizar no início dos anos 90. Hoje, funciona como um guia interativo que indica rotas e explica como chegar ao destino final. O uso dos GPSs foi regu- lamentado no Brasil em agosto de 2007 quando o Conselho Nacional de Trânsito aprovou a resolução nº 242 que permitiu o uso destes equipamentos. A liberação, po-rém, tem uma ressalva: as indicações das rotas não podem ser apenas mostradas nos mapas, elas precisam ser “faladas” aos motoristas para que eles não se distraiam enquanto dirigem. De lá pra cá, os modelos disponíveis se modernizaram e passaram a acumular funções. Hoje, existem no mercado aparelhos que integram MP3 Players, câmeras digitais e Bluetooth ao localizador. A Pro Teste, testou os oito aparelhos de GPS mais presentes no mercado brasileiro e descobriu que todos são fáceis de usar, porém mesmo os mapas auditados deixam a desejar porque não mostram muitos locais de interesse, como pontos turísticos, delegacias e hospitais. Os principais critérios que nortearam a análise foram versatilidade, portabilidade, navegação, informações no display, informações de voz e segurança

no trânsito. O teste comparativo revelou que o melhor aparelho é também o mais barato e chega a custar até 1.250 reais a menos que o aparelho mais caro do mercado. O Apontador G8 foi considerado versátil e, além disso, possui rotas alternativas e boa recepção de sinal. O preço varia de R$579 a R$649. Os GPSs são de fato úteis no dia a dia das pessoas? - Muitos taxistas preferem contar apenas com seus conhecimentos de rotas e caminhos alternativos. É o caso de Roberto Vieira, taxista há 26 anos. Ele sempre trabalhou no mesmo ponto, no mercado público de Florianópolis, e não tem dificuldades de encontrar os locais para pegar e deixar seus passageiros. “Nunca usei um GPS e nem sei como ele funciona. Aqui em Florianópolis não preciso de um equipamento desses e acho que, mesmo em outra cidade, eu teria menos dificuldades pe-dindo informa- ções para as pessoas na rua do que com um GPS”, acredita o taxista. Luiz Antônio Bernardes, também taxista, possui um GPS em seu carro. Apesar de não utilizá-lo frequentemente, já que trabalha no centro de Florianópolis e conhece bem a re-gião, ele reconhece as vantagens de ter um carro com o equipamento. “Quando fui para São Paulo, o GPS facilitou muito a minha vida. Apesar de conhecer a cidade, eu não sabia que caminhos eram mais rápidos e o uso do equipamento fez com que economizasse bastante tempo”, diz. Aqueles que utilizam regularmente o GPS garantem que dirigir por lugares desconhecidos é mais fácil com o aparelho. Carlos Alberto Borghizan é vendedor e fez uma pequena viagem de Florianópolis até Blumenau em agosto. Ele não conhecia o local, mas como a cidade foi auditada pelo aparelho utilizado por ele, foi fácil chegar ao hotel no qual se hospedou e em todos os pontos turísticos visitados. “Se me perguntarem por onde eu passei, não vou saber dizer exatamente, eu simplesmente segui as coordenadas ditadas pelo GPS”, conta o vendedor. O mapeamento de rotas de ou-

tros países é muito mais eficaz que o nacional. O estudante Vinicius Rosa trabalhou durante um ano nos Estados Unidos e aproveitou para viajar pelo país em seu tempo livre. “Os GPSs de lá funcionam muito bem. Eu conseguia chegar a todos os lugares que eu queria, até mesmo os mais distantes e escondidos”, relata Vinicius. Apesar das facilidades adquiridas com estes aparelhos, um simples erro de digitação pode comprometer o sucesso de uma viagem. Recentemente, um casal de suecos errou o caminho em 650 Km ao tentar chegar à ilha de Capri, na Itália. Ao trocar a ordem das letras,os turistas chegaram à cidade de Carpi no norte do país. O uso do aparelho por turistas no Brasil também pode ser perigoso já que nenhum aparelho disponível em território nacional é capaz de desviar de certos bairros. O turista não pode evitar áreas perigosas ou favelas. O máximo que um aparelho pode fazer é evitar determinada rua, mas isso não garante a segurança do motorista e dos passageiros. No Rio de Janeiro, por exemplo, um erro no trajeto pode fazer com que o turista se perca em uma das favelas da cidade. Tão comuns quanto os GPSs em automóveis, estes dispositivos em celulares têm se tornado cada vez mais populares. Hoje, grande parte dos novos modelos já possui o sistema, mas ele só funciona independente da conexão com a internet se o usuário tiver todos os mapas que serão utilizados armazenados na memória do aparelho celular. Caso contrário, o usuário fica dependente da disponibilidade de sinal na região em que se encontra. GPSs também são utilizados por aventureiros - Para aqueles que costumam fazer trilhas na mata a pé ou de bicicleta, o GPS funciona como uma prévia do trajeto que será percorrido. Através de mapas disponíveis na internet pode-se escolher o caminho mais rápido, o menor, ou aquele de menor dificuldade. Os mochileiros não precisam mais carregar enormes mapas de papel e podem calcular as distâncias percorridas e a altitude de manei-

Quatro Arte Quatro

Florianópolis, novembro de 2009

9

Um pouco de orientação na história 5 mil anos a.C.: Caçadores se orientam pelas estrelas para encontrar suas presas. 2,5 mil a.C.: Os babilônios elaboram os primeiros mapas. Ao lado, fragmento de um mapa-mundi babilônio.

Século XV: Portugueses percebem uma ligeira diferença entre norte geográfico e norte magnético. Isso permitiria correção de rotas. Séculos XV e XVI: Os navegadores portugueses inventam o sextante, instrumento que permitia calcular a altura de estrelas em relação ao horizonte, permitindo localização mais exata. Os mapas também são melhorados nesta época 1917: Franceses inventam o sonar. que só seria usado depois da Primeira Guerra Mundial. 1941: Em plena Segunda Guerra Mundial, surge um instrumento para detectar aviões inimigos: o radar.

1957: Russos colocam em órbita o primeiro satélite artificial, o Sputnik.

As indicações das rotas devem ser faladas para não distraírem os motoristas

1973: Surge o Sistema de Posicionamento Global, o GPS. 2005: A Google cria o Google Earth, ferramenta online que permite visualizar fotos de satélite do planeta todo.

ra simples e rápida. Entretanto, o aparelho não substitui a bússola já que consome bateria, o que pode ser um problema em trilhas longas. O ideal é manter o GPS desligado e ligá-lo ocasionalmente para conferir o caminho percorrido e verificar a bússola. Um GPS portátil pode ser encontrado no mercado com preços a partir de 339,00 reais. Uma área que foi diretamente beneficiada pela sua popularização foi a topografia. Se antes os topógrafos perdiam horas calculando o caminho percorrido e a localização, hoje tudo ficou muito mais simples e rápido. Pedro Paulo dos Passos é topógrafo há 30 anos e afirma que o GPS facilita o trabalho em grandes áreas. “Com ele conseguimos economizar até 60% do tempo de medição normal e demarcar áreas enormes com

precisão de milímetros”. O mercado brasileiro para GPSs está em constante expansão. Atualmente, já é possível utilizar o Sistema de Posicionamento Global em quase todas as capitais do país (a região norte ainda não é mapeada) e a tendência é que cada vez mais cidades sejam auditadas por diversas marcas e modelos.

4

Pude observar que é impossível se perder quando se tem uma rota previamente demarcada no apa- relho, mas manter a lancha na trilha exata requer experiência. Bastidores em: http://migre.me/bxXh


POLÍTICA & ECONOMIA

Leis percorrem caminho longo até a aprovação final

Florianópolis, novembro de 2009

Roberta Perini

10 Quatro

Normas são sugeridas, passam por comissões e presidente Diego Vieira

O

trajeto para a aprovação das leis no Brasil é bastante longo e desconhecido pela maioria da população. Para entrar em vigor, a nova norma deve ser sugerida, transitar pelo senado e pela câmara e depois ser sancionada pelo presidente. Para iniciar, a lei deve ser sugerida por uma autoridade com competência constitucional. São elas: Parlamentares, Presidente da República, Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores (TST, STJ e TSE), Procurador Geral da República e grupos organizados da sociedade. Neste caso, os projetos ficam conhecidos como de Iniciativa Popular e devem contar com o apoio de 1% do eleitorado do país, cerca de um milhão de assinaturas, distribuídas em, no mínimo, cinco estados. O próximo passo é dar entrada em uma das casas legislativas (Senado ou Câmara). Lá, os projetos são analisados por comissões, que são grupos de parlamentares que discutem assuntos afins. A principal comissão é a de Constituição e Justiça e de Cidadania, por onde passam obrigatoriamente todos os projetos de lei para que os congressistas verifiquem se há alguma inconstitucionalidade no texto. Depois, segue para as demais comissões envolvidas. Uma lei que regule as mensalidades escolares, por exemplo, passaria ao menos

pelas comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania, de Defesa do Consumidor e de Educação e Cultura. A maioria dos processos já pode ser aprovada diretamente nas comissões, sem passar por votação em plenário. Mas a qualquer momento um congressista descontente com o resultado das votações obtido nas comissões pode solicitar que a proposta seja julgada por todos os parlamentares. Ao ser aprovado, o processo é encaminhado à próxima casa legislativa, por onde passará outra vez , pelas mesmas etapas. Depois da discussão no congresso, o

Para mudar a Constituição com uma PEC, o processo é mais lento e rigoroso projeto de lei chega às mãos do Presidente da República. Ele pode vetar total ou parcialmente o projeto, deixando vigorar somente os dispositivos sancionados por ele. Em caso de veto, o Poder Legislativo pode derrubar a determinação presidencial através de votação secreta na Câmara e no Senado. Para alterar a constituiçãoA Proposta de Emenda e Constituição (PEC) tem o poder de alterar a Lei Máxima do país, por isso é o tipo de regra que mais demora a ser aprovada. Deve ser

Entenda o processo legislativo É votada pelas

proposta por, no mínimo, um terço dos Deputados Federais ou dos Senadores, pelo Presidente da República ou por mais da metade das Assembléias Legislativas dos estados. Ao contrário das leis comuns, a PEC não pode ser votada de maneira conclusiva nas comissões e deve passar por votação secreta em dois turnos nas casas legislativas. Depois de aprovada no congresso, segue para a sanção presidencial. Para acompanhar o andamento dos projetos, basta acessar o site da Câmara (www. camara.gov.br) e escolher a opção de receber notícias por e-mail. Já no site do Senado (www.senado. gov.br), é possível solicitar a entrega de um jornal semanal gratuito, com as informações do que foi discutido e aprovado pela Casa. A fiscalização é um direito da sociedade, e também pressiona o legislativo a transitar os pedidos de novas leis com mais agilidade.

4

A idéia de uma matéria sobre a formulação das leis partiu de um curso que realizei no primeiro semestre deste ano, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Lá, percebi a necessidade de, como estudante de jornalismo, tentar explicar um dos processos mais importantes da democracia, o de como nascem as leis. A principal dificuldade foi tentar incluir um personagem. Bastidores em: http://migre.me/bx8R

Vai para a outra casa para nova

votação

Presidente assina ou não

comissões e plenário.

Proposta

Vai para a

é feita pelo Presidente, casa legislativa (Senado ou Câmara) parlamentares, STF, Tribunais Superiores ou a sociedade

A sanção presidencial Na última instância, o Presidente pode vetar partes ou toda a proposta. Porém, uma votação secreta na Câmara e no Senado pode derrubar o veto presidencial.

Venda de passes é ocupação comum no centro de Florianópolis

Benefícios para informais que fogem do desemprego todos os benefícios de quem tem a carteira assinada.” Para a artista, o programa do Governo pode ser Márcia Jaquelina é atendente uma boa opção para formalizar de uma lanchonete do centro seu trabalho. Mas nem todos os de Florianópolis no período da autônomos podem ser beneficiados manhã e durante as tardes trabalha pelo programa, que não contempla nas ruas vendendo meias. Mãe áreas como construção, serviços de três filhos e descendente de de vigilância e limpeza. camelôs, Márcia encontrou no Uma atividade informal comum mercado de trabalho informal uma no centro de Florianópolis é a venda oportunidade de complementar de passes de ônibus. Dezenas de a renda familiar. Ela não sabe pessoas se concentram na praça exatamente quanto ganha por mês do mercado público diariamente com a venda de meias, mas garante comprando passes daqueles que que o valor é maior que o salário não os utilizam e revendendo fixo que recebe. “Em dias bons, no para outras pessoas. O presidente começo do mês, chego a lucrar até da recém criada Associação de R$300”. Trabalhadores Autônomos de A dificuldade para encontrar Florianópolis (ATA), Vanderley empregos formais leva todos Elias Duarte, é uma dessas pessoas os anos milhares de pessoas à que vendem passes. informalidade. Apesar da taxa de O vendedor conta que a desemprego apresentar queda em associação surgiu em maio deste comparação ao ano passado, ela ano com o objetivo de criar um ainda varia em torno de 8%. canal de comunicação entre os O programa Empreendedor trabalhadores informais e os Individual, lançado pelo Governo órgãos públicos para garantir Federal em julho, visa regulari- um espaço de trabalho nas ruas. zar a situação dos informais, para Vanderley Elias Duarte gostaria que eles possam garantir direitos de trabalhar com carteira assinada trabalhistas. A forassinada, mas tem malização pode em Mal olhava dificuldades ser feita de maneipara mim en- arrumar emprego. ra simples, através quanto eu fazia Para ele “uma da internet. Após o compensa minhas per- coisa preenchimento do guntas, com medo de ter a outra. Com a cadastro, o traba- seus produtos levados pelo carteira assinada lhador adqui-re o rapa. Bastidores em: http:// eu ganharia menos Cadastro Nacional migre.me/bxea dinheiro, mas teria da Pes-soa Jurídica outros benefícios (CNPJ), inscrição previdenciária e como férias, aposentadoria e 13° entra oficialmente no mercado de salário”. Marisol Paz, consultora trabalho formal. de planejamento organizacional Marlene Martini Palaoro é da ATA, ressalta que o principal artista plástica e vende seus qua- objetivo da Associação é conseguir dros em feiras de artesanato, em recursos para que as pessoas que Florianópolis. Ela foi bancária, mas trabalham nas ruas possam adquirir preferiu abandonar seu emprego qualificação empreendedora. “Nós para se dedicar às artes. Hoje, queremos parceiros para treinar Marlene sente falta da estabilidade esses trabalhadores. Queremos do trabalho formal. “Gosto do que que eles possam montar o próprio faço, mas não tenho salário fixo e negócio”. Roberta Perini

4


Florianópolis, novembro de 2009

POLÍTICA & ECONOMIA

Quatro 11

Passagens aéreas sem pagar nada fab.mil.br

Interessados se cadastram no Correio Aéreo Nacional e viajam em aviões da FAB durante missões Erich Casagrande

S

e a distância entre o ponto de partida e o de chegada é grande, viajar de avião, geralmente, é a melhor opção. Rápido, confortável e seguro, mas caro. Atualmente, uma passagem aérea de Florianópolis a São Paulo pode custar R$700 se comprada para o dia seguinte, e cerca de R$200 com três meses de antecedência ou com valor promocional. Mas a costureira Izildinha Morellaco viajou até a capital paulista e não gastou um centavo. Para isso, ela se inscreveu no Correio Aéreo Nacional e quando um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), que estava em missão com destino a São Paulo, informou que tinha vagas disponíveis, ela aproveitou a oportunidade e viajou sem pagar nada. Desde janeiro de 2008, partiram da Base Aérea de Florianópolis 1.383 pessoas com destino a outra base militar do país em um avião da FAB. O segredo é estar disponível “Faça a inscrição, mas deixe as malas prontas”. Essa é a dica que o sargento Ervander Cesar Ferreira dá para quem deseja de fato viajar pelo Correio Aéreo Nacional (CAN) e economizar 100% do valor da passagem. Ferreira é o militar encarregado pelo Posto CAN da Base Aérea de Florianópolis. O seu trabalho é parecido com o realizado pelos balconistas durante o check-in em companhias aéreas comerciais, a diferença é que não tem passagens para conferir, apenas bagagens e documentos. Ferreira também é responsável por avisar os passageiros quando um avião tem vagas. Foi com ele que Izildinha falou para se inscrever em um voo com destino a São Paulo. Para viajar assim, ela foi até a Base Aérea de Florianópolis, localizada no bairro da Tapera. O portão norte fica ao lado do aeroporto Hercílio Luz. Na base, Izildinha foi até o Posto CAN com toda a documentação necessária (original e cópia da carteira de identidade e comprovante de residência), e junto com o sargento Ferreira, preencheu a ficha de inscrição. Além disso, o interessado em viajar pelo CAN deve concordar com a vistoria, sempre que requerida, de sua bagagem. Nesse momento, também é importante informar em qual período deseja viajar, com disponibilidade qua-

C-130 Hércules: capacidade para 90 passageiros. Com ele, quase todos os interessados obtêm vaga

se que imediata. Geralmente o passageiro sabe que há vagas horas antes do embarque e como o avião está em missão, não espera ninguém. “Já deixo tudo pronto, tem que sair correndo, às vezes tem só uma hora para estar na Base Aérea”, conta Izildinha que já deixou de viajar porque não iria conseguir chegar a tempo para o embarque. Militares têm a preferência Atualmente, constam 50 nomes na lista de interessados para viajar pelo CAN de Florianópolis. O último a se inscrever foi o militar aposentado Carlos Couto Filho, que

Militares estão no topo da hierarquia de acordo com as preferências de embarque esteve na Força Aérea Brasileira entre 1960 e 1993. “Nem sei mais quantas vezes viajei”, conta Couto. E acrescenta ao sargento Ferreira, “quero ir para o Rio de Janeiro, pode ser qualquer dia”. Já experiente em viajar pelo CAN, Couto já está de malas prontas e provavelmente irá viajar logo. Mas Couto tem uma vantagem sobre Izildinha. De acordo com as prioridades estabelecidas pelo documento NSCA 4-1, elaborado pelo Comando da Aeronáutica e pelo Centro do Correio Aéreo Nacional (CECAN), ex-militares têm preferência de embarque. Couto está em sexto na hierarquia

de prioridades, antes dele ainda estão todos os militares da FAB em exercício e seus dependentes familiares. Depois, seguem outros militares em exercício ou não da Marinha ou Exército e seus dependentes familiares. E só então constam os civis, que são os últimos a serem chamados, caracterizados como o 13° grau de prioridade. Parece difícil para um cidadão comum conseguir vaga em um avião da FAB, mas nem tanto. Na Base de Florianópolis são poucos os inscritos e nem sempre aqueles que são chamados estão de prontidão. Outras vezes, a sorte ajuda e pousa um avião com grande quantidade de vagas, como no dia 21 de fevereiro de 2009, que pousou um EMB-120 Brasília e 22 passageiros viajaram pelo CAN, sendo que 12 eram civis. Para onde o CAN vai - Os aviões da FAB estão em constantes missões pelo território nacional e algumas vezes em outros países. Eles levam militares para uma formatura no Rio de Janeiro, buscam carga em Santa Maria (RS), trazem peças de São Paulo. Ferreira conta que o CAN já operou com rotas regulares, “mas agora é exclusivamente ligado a missões”. Nenhum avião é deslocado de sua missão para transportar um passageiro. Todo passageiro CAN é carona e deve adequar-se à missão já determinada que a aeronave está cumprindo. Ao todo são 17 cidades em território nacional com Base da Força Aérea Brasileira. É possível ir para qualquer uma delas, desde que tenha um avião em missão partindo do ponto onde

o passageiro se inscreveu até o destino escolhido. A Base Aérea do Galeão tem o maior número de missões, portanto é para o Rio de Janeiro que há maior possibilidade de viajar pelo CAN. Partindo de Florianópolis, é bem possível conseguir voo para Santa Maria e Canoas (RS) e para São Paulo, capital, além do Rio. Mas já partiram voos para Campo Grande (MS), Manaus (AM), Pirassununga (SP), entre outras cidades. Em 2008, 99 aviões decolaram de Florianópolis, levando ao todo 888 passageiros inscritos pelo CAN. Já neste ano, até o final de

4

Enquanto conversava com o Sargento Ferreira, dois aviões de patrulha da base decolaram, e a vontade de voar só aumentava. Mas não foi desta vez que viajei em um avião da Força Aérea Brasileira, vou esperar por um C-130 Hércules, que deve ser mais emocionante. Bastidores em: http://migre.me/bLuo outubro, embarcaram apenas 495. Segundo o sargento Ferreira, a redução ocorreu devido ao menor número de missões envolvendo a Base Aérea de Florianópolis em 2009. Para conseguir viajar em um avião da FAB que está em missão internacional é muito difícil. São poucas missões, a maioria dos aviões partem da Base Aérea do Galeão no Rio de Janeiro, e o passageiro precisa de uma autorização do Estado-Maior da

Aeronáutica ou do Gabinete do Comandante da Aeronáutica, sediado no Ministério da Defesa em Brasília. A viagem em aviões da FAB Izildinha, que é paulistana, mora em Florianópolis há um ano, e já viajou duas vezes em um avião da FAB. A primeira foi de São Paulo para Pirassununga, e a segunda de Florianópolis para São Paulo. Nas duas vezes o avião era um EMB110 Bandeirante com capacidade de levar até 21 passageiros que ficam sentados ao longo da aeronave em bancos laterais, junto a fuselagem. Izildinha conta que as viagens pela FAB são diferentes: “A primeira vez que fui foi tranquilo, apenas meia hora de viagem. A segunda que foi complicada, demoramos duas horas e meia por causa do mau tempo”. Além do Bandeirante, há outros aviões que transportam passageiros CAN. O Caravan é um dos aviões que a Base Aérea de Florianópolis utiliza para transporte de pessoas. Pequeno, ele balança enquanto voa, mas é muito usado em missões curtas até o Rio de Janeiro ou Santa Maria. Quanto maior a aeronave, maior a possibilidade de embarque para quem aguarda na lista do CAN. O EMB-120 Brasília tem capacidade para levar 30 passageiros, mas nada comparado ao C-130 Hércules, com 40 metros de envergadura e 39 de comprimento que pode transportar até 90 passageiros. “Quando pousa um avião grande assim quase todo mundo que está na lista viaja” conta Ferreira. “Se não há restrições quanto a missão que o avião está fazendo, quase todas as aeronaves podem levar passageiros CAN”. Helicópteros e aeronaves de combate (caças) não operam pelo CAN. “Como tem pouca gente na lista, quem está inscrito de fato voa”, conta Ferreira, que também diz sair voo para o Rio de Janeiro todos os meses. Mas ele não consegue definir com que frequência decola um avião com vagas para o CAN, “É difícil dizer, porque passa duas semanas sem nenhum avião e na semana seguinte tem quatro”. De fato, é difícil dizer quando um avião vem. A solução mesmo é estar sempre de malas prontas para não perder a oportunidade de viajar em um avião da Força Aérea Brasileira e de fazer uma boa economia. “Eu acho ótimo, não gasta nada. De Bandeirantes, você não tem ‘lanchinho’, mas também não paga”, resume Izildinha.


Centrais

TRÂN

Planejamento precisa ser met

Último estudo sobre mobilidade urbana de Florianópolis é de 1978. Governo alega não ter R$ 2 milhões, custo

U

m plano de mobilidade urbana que priorize o transporte público é a solução apontada por especialistas para os problemas do trânsito em Florianópolis, mas a Prefeitura não parece estar preocupada com a ausência de planejamento da cidade. Mudanças de itinerários de ônibus e outras alterações no trânsito são realizadas para sanar problemas emergenciais e são baseadas no plano diretor de 1997. O improviso guia as ações do poder público municipal. O engenheiro do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), Carlos Eduardo Medeiros, afirma que “um plano de mobilidade é a prioridade número um para a cidade no momento”. Entretanto, a Prefeitura ainda não tomou as medidas necessárias para o elaborar. Segundo Medeiros, não há verbas para realizar uma pesquisa de origem e destinos, importante para determinar onde há mais fluxo de pessoas e carros. “Essa pesquisa custa de R$2 a 3 milhões, mas sem ela não há como elaborar um plano eficaz para a cidade”. A mobilidade urbana é a facilidade que as pessoas têm de se deslocar através de diversos meios de locomoção, como bicicleta, ônibus, carro e a pé. Um bom planejamento inclui não apenas obras para melhorar o tráfego de veículos, mas mudanças em itinerários de ônibus, construção de ciclovias e calçadões para pedestres, medidas de acessibilidade para deficientes físicos e até a localização correta de placas. Para elaborar o plano, é necessário fazer um levantamento de tudo isso. A pesquisa deve abranger também a localização dos empregos e das áreas residenciais, além da distribuição de densidades urbanas, como a de pessoas no território da cidade. A última pesquisa abrangente sobre as condições de transporte na cidade foi feita em 1978. O Estudo de Transportes Urbanos da Grande Florianópolis, feito numa parceria entre a Secretaria de Transportes e Obras do Estado, a Prefeitura e a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos, realizou uma avaliação minuciosa do transporte da capital e de municípios vizinhos, como São José, Biguaçu e Palhoça. Também foi elaborado um plano global de transportes para toda a região urbana de Florianópolis, com medidas a curto, médio e longo prazo por um período de 15 anos. A construção da Ponte Pedro Ivo Campos e o aumento do calçadão da Rua Felipe Schmidt, por exemplo, foram sugeridos por esse estudo. Mas nem todas as alterações indicadas no plano concretizaram-se até 1992, prazo final das mudanças. A Via Expressa Sul começou a ser construída apenas em 1994 e a Avenida Beira-mar continental está prevista para ser inaugurada ainda este ano. Além de obras para melhorar o trânsito de veículos, o estudo indicou como objetivo aumentar a eficiência do transporte

coletivo na Grande Florianópolis e a criação de pistas exclusivas para ônibus. Hoje, o sistema de transporte coletivo é fonte de polêmicas na capital. A última confusão envolvendo o setor aconteceu no dia cinco de novembro, quando motoristas e cobradores paralisaram suas atividades por duas horas em apoio à greve dos trabalhadores da Zona Azul e para protestar contra a possibilidade de demissão dos cobradores e a diminuição de horários dos ônibus. Algumas pessoas, revoltadas com a greve repentina, destruíram catracas e bebedouros do Terminal de Integração do Centro. O problema e a solução - Greves de ônibus são rotina em Florianópolis. Em 2009, foram duas grandes paralisações. A primeira, em maio, e durou 24 horas. Em julho, a população ficou três dias sem transporte coletivo. A greve só acabou quando foram atendidas as reivindicações de aumento do salário e do vale-transporte de motoristas e cobradores. Erich Casagrande

Berenice dos Santos

Transporte público tem poucos horários

Quem depende de ônibus para trabalhar e estudar sofre com as paralisações relâmpagos e considera o serviço da capital ruim, muito caro e com poucos horários. Outro acontecimento recente que desagradou aos usuários do sistema foi a diminuição dos horários de certas linhas. Mas há também ações positivas para melhorar a eficiência do transporte coletivo. A criação de faixas exclusivas para ônibus em abril deste ano ajudou a diminuir o tempo de viagem. Estas áreas foram criadas na ponte Colombo Salles e na Avenida Jorge Lacerda, na Costeira do Pirajubaé. Além da inexistência de um plano de mobilidade, outro grande problema de Florianópolis é o excesso de carros, não há como expandir estradas e avenidas para dar conta do aumento de veículos. “Florianópolis está no limite de sua capacidade viária”, avalia o engenheiro do IPUF Carlos Eduardo Medeiros. De acordo com tese de doutorado defendida pelo arquiteto Valério Medeiros na Universidade de Brasília (UnB), a cidade tem a menor integração no seu sistema viário entre as 24 cidades brasileiras pesquisadas. Esse resul-

tado é explicado pelo crescimento irregular e dependente das condições geográficas da Ilha. A pesquisa da UnB mostra um levantamento de dados sobre o sistema viário de cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes, com o objetivo de determinar a existência de um padrão típico. De acordo com informações divulgadas na imprensa, a tese de Medeiros constatou que Florianópolis tinha a pior mobilidade urbana do país. Mas segundo o professor da Univali Renato Saboya, o trabalho de doutorado de Medeiros não pode ser usado para afirmar que a mobilidade urbana da capital é ruim, já que não era essa a intenção do estudo. A pouca integração entre as vias da capital é apenas um complicador. Como a cidade possui muitas áreas de preservação ambiental, não há possibilidade de expansão para construção de novas estradas, e a maioria das obras é feita em aterros. Um estudo sobre transporte público, elaborado pelo escritório do arquiteto e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner, concluiu que a tentativa de resolver os problemas viários a partir de grandes obras voltadas para os automóveis só ajuda a deslocar os engarrafamentos de um lugar para o outro. Não há como expandir o sistema viário eternamente. A alternativa apontada é uma política que priorize o transporte público. “Enquanto o uso de ônibus não for considerado interessante pelos usuários atuais e futuros, o carro continuará ocupando o espaço que ocupa atualmente na cidade. Só com um sistema eficiente e barato é possível pensarmos em uma troca maciça pelo transporte público”, conclui o professor de arquitetura Renato Saboya. Algumas pessoas já estão conscientes da necessidade dessa mudança, como o engenheiro eletricista Fernando de Souza. Para trabalhar, ele vai de bicicleta todos os dias do bairro Trindade até Capoeiras, no continente. Nos dias de chuva, vai de ônibus. “Eu me sinto contribuindo para a cidade”, diz Souza, que usa o carro apenas em situações especiais. O estudo feito pelo escritório do arquiteto Jaime Lerner também aponta a alta carga tributária como um desestímulo ao uso do transporte coletivo. Em países desenvolvidos, a sociedade transfere verbas ao transporte público, ao contrário do Brasil, onde o transporte é que gera recursos ao governo por meio de impostos. Enquanto Florianópolis aguarda soluções planejadas para os problemas de trânsito, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.687, que cria diretrizes para a política de mobilidade urbana. O projeto institui que todos os municípios devam ter um plano de mobilidade, além de outras medidas para incentivar e melhorar o transporte público das cidades brasileiras.

4

A gente acredita que a função da prefeitura é facilitar para os motoristas. Mas a Ilha não aguenta mais. Bastidores em: http://migre.me/bR4t

Engarrafamentos nas pontes que ligam Ilha ao co


NSITO

Florianópolis, novembro de 2009

ta na capital

Sistema viário da Ilha já não suporta o número de carros Erich Casagrande

o da pesquisa para elaboração de novos planos

ontinente chegam a 10 quilômetros durante rush. Ônibus é saída indicada

Tomás M. Petersen

T

odos os dias e há 15 anos, Carlos Alberto Moura transporta passageiros em seu táxi por Florianópolis. Considera o trânsito da capital “horrível”, situação que segundo ele, começou seis anos atrás. Essa opinião corresponde à de Márcio Corrêa, motorista de táxi há sete anos e Dilnei Beza, taxista desde 2000: eles avaliam o trânsito da cidade com a mesma palavra. Isso é praticamente uma unanimidade entre os cidadãos. Existem aqueles que precisam acordar mais cedo para ir de ônibus ao trabalho; há os que se atrasam para seus compromissos devido a obras de recapeamento da pista em pleno horário de pico; e há ainda quem não consiga ir ao aeroporto em dias de jogo. O fato é que o de trânsito de Florianópolis é péssimo. As pontes, que ligam a Ilha ao continente e vice-versa, possuem um movimento de cerca de 130 mil veículos todos os dias e nelas, os congestionamentos podem chegar a 10 quilômetros. A rodovia SC-401, que liga o centro às praias, é problemática em dois pontos: indo ao norte da Ilha, depois do viaduto que leva a Jurerê, a pista dupla sofre um afunilamento. No pico da tarde, entre 18h e 19h, formam-se filas. Durante a temporada de verão, isso dura praticamente o dia inteiro. E mais recentemente, desde novembro de 2008 quando as chuvas provocaram uma queda de barreira no quilômetro 14 da rodovia, trecho entre Cacupé e Santo Antônio de Lisboa, as obras de reparos também causam transtornos aos motoristas. No sul da Ilha de Santa Catarina, a situação não é diferente. Na SC-405, o Trevo da Seta reúne diariamente motoristas dos diversos bairros em direção ao centro, que levam aproximadamente uma hora para percorrer apenas cinco quilômetros. Chegando ao centro, mais trânsito lento, já que as ruas não comportam os 250.031 veículos segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran). A Prefeitura Municipal começou, em setembro, a construção do Elevado do Trevo da Seta, uma reivindicação antiga dos usuários do sistema de trânsito. “Uma pista com duas faixas flui no sentido Centro/Bairro e

a outra, também com duas faixas, Bairro/Centro. A largura do viaduto será de 18,60 metros, suficientes para dar vazão ao fluxo de veículos em horários de pico”, comentou o prefeito Dário Berger durante a assinatura da ordem de serviço. O investimento de R$16 milhões será um terço pago pela Prefeitura e o resto pelo Governo do Estado. A obra deve sair em 2010. Na SC-401, enquanto o “conserto” do morro deslizado está quase pronto (previsto para ser concluído neste mês), outros trabalhadores já iniciaram a duplicação do trecho que falta, que deve estar pronta no ano que vem. Mas o curioso é que a licitação que prevê a manutenção e alargamento da rodovia foi feita em fevereiro de 1995. O contrato de quase R$3 milhões já previa isso, além dos constantes recapeamentos que sempre atrapalham a vida dos motoristas.

Em sete anos, frota de veículos cresceu 36%, entupindo as ruas da cidade Tende a piorar - As obras podem fazer pouco. É o que conclui a pesquisa Avaliação do impacto do adensamento do uso de solo em Florianópolis, feita em 2006 em uma parceria entre o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), o Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Laboratório de Sistemas de Transportes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A proposta da pesquisa é estudar a atual situação do trânsito na cidade e prever três futuros, levando em consideração os projetos do IPUF: daqui a 5 anos, daqui a 15 anos, ou quando a capacidade atingir a saturação na sua totalidade, praticamente o apocalipse viário. A professora da UFSC Lenise Goldner, uma das coordenadoras do projeto, é taxativa em sua conclusão: “É um equívoco falar que erros na infraestrutura prejudicam o trânsito. O erro está na falta de planejamento do sistema viário”. O mapa do trânsito tem uma capacidade (o número de faixas, por exemplo) que comporta um limitado vo-

lume de automóveis. No caso de Florianópolis, não se previu quando a demanda de automóveis superaria a capacidade, que segundo a professora Lenise, aconteceu a partir do ano 2000. A cidade não acompanhou seu próprio crescimento. A pesquisa levou em consideração projetos de obras do IPUF, em contraposição à construção de empreendimentos futuros, como o Shopping Iguatemi (na época), o Sapiens Parque (norte da Ilha) e o novo aeroporto (no sul). Esses empreendimentos constituem outro ponto importante que se reflete nos problemas de trânsito. Para a professora Lenise, o conceito de uso de solo está mal aplicado: os diferentes tipos de estabelecimentos (comerciais, residenciais, etc.) são construídos desordenadamente. Ela deu o exemplo da cidade de Barcelona, na Espanha: “Todas as regiões possuem um comércio local próximo, como farmácias, mercados. As pessoas conseguem fazer tudo a pé”. Na capital catarinense, ocorre o oposto. A análise dos cenários futuros criados pela pesquisa resultou em previsões nada animadoras. A relação capacidade/volume de alguns dos pontos mais movimentados, considerando os planos do IPUF, foi maior que 80% (quanto maior a proporção, mais problemático é o trânsito): o acesso ilha-continente, que teria outra ligação; a entrada para a BR-282, que teria faixas adicionais; e a SC-401 totalmente duplicada. As obras previstas para a Lagoa da Conceição e para o Campeche, no sul da Ilha, prometem melhorar. Já o centro da cidade não tem mais jeito: seria impossível demolir prédios comerciais para alargar as ruas, por exemplo. O resultado do trabalho permitiu à professora Lenise apontar o principal vilão da mobilidade urbana da cidade. De acordo com dados do Detran, até setembro deste ano, já havia mais de 250 mil veículos em Florianópolis. Em 2002, esta quantidade era de 159.423 veículos, ou seja, em sete anos houve um aumento de 36% da frota.

4

A angulação mudou. Cheguei à conclusão que desmentir mitos é mais interessante do que só explicálos. Bastidores em: http://migre.me/bR94


14 Quatro

COMPORTAMENTO E SOCIEDADE

Florianópolis, novembro de 2009

Nunca é tarde para pegar a estrada

S

imone Medeiros apoia a vontade da filha, Izabela Cristina Medeiros, de aprender a dirigir logo que completar 18 anos. Izabela defende o porquê de tirar a carteira de motorista “tão cedo”: “vou ter autonomia para ir à faculdade, festas e trabalho sem precisar dos pais para me levar”. Mas com sua mãe a história foi diferente. Hoje com 48 anos, foi aos 40 que a assistente social entrou em um curso de autoescola, incentivada por amigas e fa- miliares. O período da vida em que só andava de ônibus, táxi, a pé ou de carro, quando o marido podia levá-la aos lugares, não foi maior porque resolveu superar a insegurança e a dependência do esposo. Desde que recebeu a carteira de motorista, a utilização do carro é frequente, inclusive em viagens para as cidades de Tubarão, Curitiba e Florianópolis, distantes até 300 quilômetros de Joinville, onde mora. Tanto dirige o Clio modelo 2008, que gostaria de ser menos dependente do automóvel. “Pretendo no futuro diminuir o uso do veículo, levando uma rotina mais tranquila”. Em meio ao predomínio de pessoas na faixa dos 20 anos que estão inscritas nas autoescolas, um outro grupo de indivíduos, com mais de 30 anos, chama a atenção pela determinação de enfrentar as 45 horas de aulas teóricas e outras 20 de aulas práticas. Mariza Teixeira, gerente da autoescola Geração, conta que as turmas sempre têm pessoas mais velhas, principalmente no período noturno. Em outubro, elas representavam 15% das vagas em sala de aula. As mulheres que chegam à autoescola depois dos 30, geralmente nunca pegaram no volante, por isso, o desafio costuma ser maior. “A partir desta faixa etária, as mulheres têm mais dificuldade, porque os homens com mais de 30 anos geralmente, já sabem dirigir, só não possuem a carteira de motorista”. Motivos - Os porquês que levam as pessoas a tirar a Carteira Nacional de Habilitação são muitos. A maioria dos fatores que influenciam para a obtenção da carteira de motorista está ligada à dependência e à vontade de diminuí-la ou anulá-la por completo. O histórico da sociedade brasileira, em que as mulheres costumavam ser donas de casa, começa a ser substituído pela rotina em que ambos os parceiros trabalham fora e, na maioria das vezes, em locais diferentes. Por

isso, os casais sentem necessidade de que os dois saibam dirigir e, se possível, que cada um tenha seu carro próprio. O resultado é uma frota de veículos cada vez maior no Brasil. Em Santa Catarina, o Detran registrou, de janeiro a setembro deste ano, a circulação de 3.106.241 veículos pelo estado, 1.220.098 a mais do que o mesmo período de cinco anos atrás – um crescimento de 39% no número de carros, motos, caminhões, ônibus e mais 21 categorias que compõe a frota catarinense. A dependência da família e de transporte público para se locomover pela cidade fez com que Beth Mafra começasse a fazer as aulas da autoescola para tirar a primeira habilitação no início de 2009, com 52 anos. A inscrição para as aulas foi um presente da família e, concluído o curso, supriria a necessidade de levar o filho Vinícius ao médico quando fosse preciso, já que o marido trabalha em horário comercial e não pode levá-lo nas consultas. Entretanto, o medo e o nervosismo na hora de dirigir fizeram com que hoje, com a carteira de motorista em mãos, ela utilize pouco o carro. “Tenho muito medo de dirigir sozinha, sempre dirijo acompanhada de meu marido”. Quando Vinícius está doente, o carro é utilizado, porque dificilmente Beth pede ajuda para alguém da família. Exceto neste caso - e em passeios ao supermercado, casa de amigos e escola, sempre acompanhada do marido -, o ônibus continua a resolver seus problemas. Sem medo de dirigir - Casos como o de Beth, em que o medo do trânsito e a insegurança no volante reduzem o uso do veículo, também adiam a iniciativa de muitas pessoas no processo de primeira habilitação. Em Florianópolis, Marcia Battiston, especialista em psicologia do trânsito e do transporte, e a orientadora Ivana Maria de Souza formam uma equipe especializada em tratamentos com motoristas inseguros na di- reção. O “Dirigir sem Medo!” foi criado há cinco anos e, investindo principalmente na divulgação boca a boca, a procura pelo tratamento aumenta a cada ano. Estudos realizados pelas profissionais do programa des- tacam que existem algumas ca- racterísticas comuns às pessoas com medo de

Necessidade: aos 52 anos, Beth ganhou de presente o curso da família para levar o filho ao médico Claudia Mebs Nunes

Claudia Mebs Nunes

Arquivo pessoal

Histórias de quem, por necessidade ou prazer, provou a liberdade sobre quatro rodas depois dos 30

Simone, que aprendeu a dirigir aos 40, quer que com a filha Izabela (fundo) seja diferente, aos 18

dirigir. São detalhistas, competentes e autocríticas, o que faz com que sejam ansiosas na direção e cobrem de si mesmas um bom desempenho durante a prática. “Geralmente, são as características particulares de cada um, que interferem na direção do veí- culo e em outras ações também. Não existe, ne- cessariamente, um trauma por trás do medo”, explica Márcia. O perfil dos motoristas que procuram o “Dirigir sem Medo!” é diversificado, com faixas etárias entre 20 e 60 anos, sendo a maioria aqueles que estão acima dos 30. Em relação ao sexo, as mulheres são predominantes na procura por tratamento e representam 95% dos casos. O programa é dividido em

Casais passam a acreditar que seja imprescindível cada um ter seu próprio carro

duas partes. As primeiras aulas são no consultório, onde são realizadas avaliações prévias e identificações do que pode causar o medo de dirigir. O segundo passo são as aulas práticas, que podem ser feitas com o carro de apoio da equipe ou com o automóvel próprio do motorista. Como cada pessoa tem um atendimento específico, a duração do programa varia conforme o progresso de cada motorista. E quando o medo de dirigir não é o problema? - Simone Verzola tem 32 anos e vai começar as aulas práticas da autoescola. A secretária desejava ter a primeira habilitação há algum tempo, mas a falta de um veículo fez com que o plano fosse adiado. Com a aquisição de um Peugeot 206 recentemente, Simone espera fazer o caminho de casa até o trabalho de carro, quando passar na prova prática do Detran e ter sua carteira de motorista em mãos.

A disciplina para fazer o curso é diária. “Trabalho até às 19 h, vou para a autoescola, de onde saio às 21 h. Quando chego em casa, ainda cuido do meu filho de oito meses”. Entretanto, Simone e sua irmã, Fernanda Verzola, de 27 anos, têm a oportunidade que seus pais não tiveram. São eles os responsáveis pelo pagamento do curso de motoristas das filhas e pela realização da independência no trânsito, tão desejada pelos motoristas que começam a dirigir com mais de 30 anos.

4

Foi interessante conver- sar com Beth e receber um “obrigada por me impulsionar a pegar o carro” Bastidores em: http://migre.me/bDxF


Florianópolis, novembro de 2009

COMPORTAMENTO E SOCIEDADE

Quatro

De amador a multiatleta exemplar

15

U

m acidente em 2005 mudou a vida do ex-vigilante e manobrista Charles Teixeira, 33 anos. Perdeu uma perna, aposentou-se, mas não deixou de ter força de vontade. O tênis, que era sua distração, hoje é meta profissional. Além diso, Teixeira treina mais dois esportes. Pedala sozinho pela cidade e passa por todos os problemas de mobilidade de um deficiente físico pelas ruas da capital catarinense. Após ganhar campeonatos locais e estaduais, ele quer chegar mais longe. O QUATRO foi até as quadras de tênis da Universidade Federal de Santa Catarina e conversou com o atleta que dá exemplo de persistência. Quatro - Há quanto tempo você treina? Charles Teixeira - O tênis faz dois anos. Há quatro, sofri um acidente e um ano depois, conheci o basquete, o que deu incentivo a outros esportes, como natação, handebol... O próprio tênis, que é um dos esportes que eu me dedico mais. 4 - Quantas vezes por semana você treina? CT - Treino cinco vezes por semana: de segunda a quinta-feira e sábado pela manhã. 4 - Quanto dura o treino por semana? CT – Geralmente, duas horas por dia. No sábado é um pouquinho mais puxado, das nove da manhã ao meio dia. Tenho um Campeonato Internacional de Tênis em São Paulo em vista agora no dia 19. Vamos ver como a gente vai se sair! 4 - É o primeiro campeonato? CT - É o primeiro fora. Houve quatro internos aqui na UFSC e teve um em Gaspar, que foi o Campeonato Catarinense. Eu levei todos até então! (risos) Estou sem adversários em Santa Catarina. 4 - E quais as expectativas para o próximo campeonato? CT - Segundo os professores e as pessoas que acompanham meu treinamento, tenho um bom desenvolvimento na cadeira. Está tudo correndo bem e espero que eu vá bem nesses campeonatos. 4 - Que outros esportes você pratica? CT - Também pratico a vela adaptada uma vez por semana, que é um projeto novo aqui em Florianópolis. Em dezembro eu fui participar do Campeonato Brasileiro de Vela Adaptada em São Paulo. Além disso, estive, em agosto, no Campeonato Brasileiro de Handebol no Paraná, fui convidado pelo pessoal de lá pra participar. 4 - E ganhou alguma premiação lá? CT - Em São Paulo, eu fiquei entre os três melhores na fase classificatória e na segunda parte eu fiquei em sexto. O pessoal em São Paulo é mais acostumado, enquanto aqui estamos começando. 4 - Você tem intenção de jogar profissionalmente? CT - Eu pretendo ser profissional. Já fui ranqueado pela Federação Catarinense de Tênis. A busca de um Campeonato Brasileiro é intensa da minha parte. O problema está nas autoridades que não dão nenhum apoio, até a própria Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (AFLODEF) fica um pouco a desejar em relação a isso.

Teixeira durante treino nas quadras da UFSC, de olho em um campeonato internacional de tênis em São Paulo

A mídia também não divulga esse tipo de campeonato, não traz isso pro conhecimento do público. Só aqui na Universidade e em lugares muito restritos que há esse tipo de modalidade. A gente sofre um pouco com isso, mas estamos batalhando e talvez com esse campeonato de expressão internacional melhore para mim e para os meus companheiros que sempre estão presentes treinando. 4 - Quais as dificuldades na hora do jogo de tênis? CT - A dificuldade de se alcançar a bola é um pouco mais complicada e o esporte adaptado dá oportunidade para a bola quicar duas vezes, é a única regra que muda. O ângulo da quadra fica um pouco menor em relação ao tênis normal, pois você está mais baixo sentado na cadeira de rodas. Mas as dificuldades têm que ser ultrapassadas e o esporte... o resultado compensa, com certeza. 4 - Você virou atleta depois que sofreu o acidente? CT - Sim, gostava muito de esporte antes, mas era sempre por lazer. Agora, já é mais para rendimento mesmo e o intuito é de levar esse campeonato. 4 - Como se tornou deficiente físico? CT - Sofri um acidente automobilístico, fui atropelado por um carro, estava de moto. Após duas semanas, tive que amputar o membro. Mas aceitei desde o princípio já que não tinha o que fazer, né? Foi muito difícil, sofri muito com dores, ainda sofro. A locomoção fica bem mais difícil, mas nada que a força de vontade não resolva. Não são problemas, são desafios que a gente têm no dia a dia. 4 - Você é de Florianópolis? CT - Sou, sou manezinho. 4 - Como você se desloca em Florianópolis? CT - Eu geralmente utilizo o ônibus. Comecei a andar de bicicleta também, consigo pedalar, é um pouco dificultoso, mas é prazeroso, a locomoção fica mais rápida. Eu já fui atropelado duas vezes depois do acidente. Quem atropela só vai se dar conta quando vê o ciclista no chão. No meu caso até com a prótese, às vezes, eu caio, aí tem que tirar a prótese, a prótese cai. A gente fica com um pouco de medo, um certo receio de andar. Mas

“A locomoção fica bem mais difícil, mas nada que a força de vontade não resolva”

Diego Cardoso

Diego Cardoso Nayara D’Alama

Diego Cardoso

Charles Teixeira tem uma perna só e não para. Pratica tênis, vela e anda de bicicleta por Florianópolis

Charles treina 5 vezes por semana até 2 horas por dia

sempre quando é possível, eu tento vir para a Universidade pedalando. 4 - E o ônibus adaptado, funciona bem aqui? CT - Eu acho que para cadeirantes fica um pouco a desejar. Como eu tenho uma certa mobilidade e consigo andar com a prótese, até tenho que andar de muleta, fica um pouco mais fácil para mim. Mas eu creio que para o cadeirante é bem complicado. É difícil porque há falta de respeito de muita gente que no ônibus não dá lugar para o deficiente sentar, só vai se dar conta que é amputado depois que está saltando, aí pede desculpas... O manezinho até absorve mais esses problemas dos deficientes, mas o pessoal que vem de fora deixa um pouco de lado isso, pensa muito em si.

4

Descobrimos que um grupo de deficientes treina tênis nas quadras da UFSC. O tema é certamente delicado, e não poderíamos abordar qualquer pessoa de qualquer forma. Foi assim que conhecemos Charles. Bastidores em http://migre.me/bUzs


DESLOCAMENTOS

16 Quatro

Quando a alma sai do corpo

Regressão como tratamento Claudia Xavier

Estudos e relatos para entender experiência de viagem astral

A

sensação é de estar flutuando. “Eu vi uma luz no céu e fui até lá, onde encontrei meu mentor espiritual. No tempo real, durou pouco mais de um minuto, mas pareceu mais longo na outra dimensão”. O relato é da funcionária do Hospital Universitário da UFSC, Glória Mello, que afirma ter vivido o fenômeno chamado de projeção consciente, ou seja, saída do corpo. Assim como Glória, não são raras as histórias de pessoas que garantem conseguir sair do próprio corpo e fazer uma viagem astral, dormindo, conscientes ou em estado de quase morte. Segundo o professor Kleverson Luiz Rachadel, que trabalha no centro educacional do Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia (IIPC), em Florianópolis, as pessoas também são formadas por um corpo extrafísico, chamado de psicosoma. Durante a vida, há uma ligação energética entre este e o corpo físico, que é interrompida, por exemplo, durante o sono. “Todas as pessoas saem do corpo enquanto dormem, mas quem é saudável mentalmente e fisicamente pode atingir o fenô-

Para Rachadel, professor do IIPC, as pessoas que experimentam uma saída do corpo entendem melhor a vida: “Fora do corpo, nós entendemos quem somos, e nos questionamos sobre o motivo de estarmos aqui”. O fenômeno não tem relação com nenhuma religião, mas a maioria das histórias descreve momentos de paz intensa, e o resultado é positivo, como para Lars Grael, que confessa valorizar tudo na vida depois da experiência. A projeciologia, ciência que estuda as ações da consciência fora do corpo físico, explica as experiências fora do corpo, já que entende as pessoas como uma energia que nunca morre, e o corpo apenas como suporte físico. Para a medicina, apesar da literatura sobre o assunto ser restrita, é intrigante entender a atividade do cérebro de quem garante conseguir fazer viagens astrais. Os relatos são muitos e já acontecem há muito tempo, o fato é elucidado aos poucos, e o mundo cada vez mais aparece como algo além do que se pode tocar.

4

Jornalismo é assim, quando o repórter menos espera, encontra alguém que viveu o fato. Bastidores em http:// migre.me/bDGO

Áreas do cérebro ativadas durante as projeções Giro angular: Extremidade do lobo parietal, que traz a percepção de onde termina o “eu” e começa o mundo. A baixa atividade do giro angular faz a pessoa ter sensação de ser infinita.

Lobo temporal direito: Com a baixa atividade do lobo parietal, o lobo temporal direito fica mais ativado. Isso traz alucinações à pessoa, e pode induzi-la à religiosidade intensa. A sensação é de estar fora do corpo.

Arte Quatro

Daniela Bidone

meno com a ajuda de técnicas”. Para quem já passou por experiências de quase morte (EQM), também é comum descrever que transitou por lugares sem o corpo físico. O velejador Lars Grael, atropelado por uma lancha em 1998, declara que saiu do corpo nos instantes em que seu coração parou, e diz que a sensação é de leveza, sem dor, algo de difícil explicação. Em 2002, o neurologista suíço Olaf Blanke, do Hospital Universitário de Genebra, percebeu o fato ao examinar uma paciente epiléptica. No momento em que o médico estimulou eletricamente a parte do cérebro chamado de giro angular (extremidade do lobo parietal), ela disse que conseguia se ver deitada na maca. O que já se sabe - Neurocientistas da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, chegaram ao que pode ser a explicação para as saídas de corpo ao fazer tomografias em budistas durante a meditação, em 2001. A atividade do lobo parietal, setor cerebral que faz perceber onde termina o corpo e começa o mundo, fica muito reduzida nessas ocasiões, o que traz a sensação de um “eu” infinito. Junto a isso, o lobo temporal direito trabalha mais, e isso pode causar alucinações, além de induzir à religiosidade intensa.

Florianópolis, novembro de 2009

R

etornar a momentos do passado como a infância ou a adolescência, ou até mesmo relembrar experiências de vidas passadas, é o que promete a terapia de regressão, uma técnica utilizada com o intuito de harmonizar traumas, medos, repressões e outros sentimentos que prejudicam o dia a dia de determinada pessoa. Para ser submetido ao procedimento é preciso identificar o foco, aquilo que realmente incomoda o indivíduo nos tempos atuais. Segundo a coordenadora do Projeto Amanhecer do Hospital Universitário da UFSC, Gilvana Fortkamp, inicialmente, é feita uma avaliação com o candidato para verificar se realmente é necessária a regressão. Caso esta avaliação seja positiva, a pessoa passa por um relaxamento e depois por uma leve hipnose que, de acordo com a coordenadora, é a expansão da consciência. “É preciso, em primeiro lugar, fazer uma harmonização, limpar as energias, só isto já deixará a pessoa mais relaxada, mais leve”. Gilvana lembra que na primeira sessão, geralmente, não se consegue visualizar nenhum acontecimento vivido anteriormente, isto porque o paciente ainda não está aberto ao procedimento. Durante a regressão, não se perde a consciência. Ao contrário, o estado consciente é fundamental para o êxito do processo. O terapeuta reencarnacionista Gilberto Isidro Pinheiro explica que o método tem um objetivo terapêutico e rompe a sintonia com traumas de vidas anteriores. “Em cada encarnação, vivenciamos situações que, por vezes, geram angústias e sofrimentos. Estes sentimentos, caso não tratados, passam de uma encarnação a outra. A pessoa pode ter morrido afogada em outra vida e nesta ter medo de água”. De acordo com o terapeuta, tais problemas podem ser solucionados com a regressão que neutraliza as emoções negativas. A dona de casa Nádia Cardoso Pires sofria com um problema na garganta, como se estivesse constantemente agoniada, sufocada. Tomava remédios, mas não melhorava. Resolveu, então, há cerca de três anos, buscar ajuda por meio da regressão. “A sensação é estranha, mas ao me visualizar em vidas passadas descobri que

fui enforcada em uma árvore e entendi a razão da minha angústia e o porquê do meu pavor pela cor verde”. Hoje, Nádia conta que não tem mais a sensação de sufocamento e que adora a cor que antes repugnava. Para ela, a regressão é como estar em um cinema assistindo a um filme. “A única diferença é que a protagonista sou eu”, completa. Segundo o neurologista Paulo César Trevisol Bittencourt, a ciência rotula esta técnica como fantasiosa, já que não há explicação científica para tal procedimento. “O meio científico desacredita, mas não é dono da verdade absoluta e, até hoje, mesmo com todos os avanços, muitos fenômenos ainda não foram explicados e alguns dificilmente serão. As pessoas que fazem regressão acreditam na sua veracidade, e isto faz com que para elas isto seja realidade”. A coordenadora do Projeto Amanhecer defende que não há perigo, mas muitas pessoas temem entrar na regressão e não voltar mais aos dias atuais. Segundo Gilvana, isto não é possível. Não há contra-indicações, mas idosos com problemas cardíacos devem ser tratados com cautela. Para aplicar o procedimento, o psicólogo ou terapeuta deve saber desenvolver as técnicas necessárias e é preciso ter realizado cursos de especialização na área. A regressão não está ligada a nenhuma religião, crença ou credo. Para Glória Mello, funcionária do Hospital Universitário da UFSC, a única crença que deve haver neste caso é a de que a alma é imortal, tem várias vidas, mas uma única mente. “ O corpo físico é apenas um veículo que dá oportunidade de proporcionar experiências no plano terreno”. Ela já se submeteu à técnica de regressão e relata que conseguiu visualizar momentos já vivenciados em seu passado. Em todo o Brasil, há instituições especializadas em regressão e hipnose que cobram em torno de R$200 a R$300 por sessão. O tempo de cada uma é variável, assim como o número de sessões que uma pessoa precisa para conseguir voltar a vidas passadas.

4

A matéria foi uma surpresa. Não sabia que conheceria pessoas tão tranquilas, serenas. Bastidores em http://migre.me/bDZa


Florianópolis, novembro de 2009

CULTURA

Quatro

17

Turismo da fé movimenta economia Claudia Xavier

Viagens religiosas de 1,7 milhão de pessoas geram renda e emprego pelo país

H

á dois anos e meio, José Leopoldo Metzner, 62 anos, ficou ferido em um assalto ao posto de gasolina no qual trabalhava em Indaial, Santa Catarina. Ele caiu e fraturou a coluna, perdendo o movimento das pernas. A primeira vez em que esteve no Santuário de Santa Paulina, em Nova Trento (SC), foi para pedir pela sua recuperação. Segundo os médicos, seu caso era irreversível. Jadina Marioneti Caetano, 19 anos, ficou internada durante duas semanas no município de Porto Belo. O diagnóstico da jovem foi uma doença chamada pneumotórax instantâneo, acúmulo anormal de ar que pode atingir o coração e levar a morte. Na ocasião, ela pediu a intercessão da Santa Paulina. Metzner e Jadina são dois dos 1,7 milhão de brasileiros que praticam turismo religioso em todo o Brasil, um movimento que significa quase 2% de todas as viagens realizadas dentro do país. Esse tipo de viagem também atrai estrangeiros, com 25.000 visitantes do exterior. Segundo o Ministério do Turismo, a atividade movimenta por ano cerca de R$6 bilhões, gerando negócios, empregos, renda e, principalmente, fortalecendo a economia das cidades e regiões onde estão localizados estes templos e santuários. Em todo o país, muitos são os locais onde os fiéis podem depositar suas preces e promessas, independente do credo ou religião. As cidades de maior destaque no setor são Juazeiro do Norte, no Ceará, terra de Padre Cícero e Aparecida, e em São Paulo, onde está o Santuário Nacional de Nossa Senhora Conceição Aparecida, que recebe por ano sete milhões de pessoas. Nova Trento também se destaca nacionalmente pelo Santuário Santa Paulina, que recebe cerca de 30 mil pessoas por mês. O Brasil, com o maior número de católicos do mundo, tem todos os anos diversos eventos ligados à fé, entre procissões, feiras, congressos, romarias. Mas a pluralidade brasileira também abre espaço para manifestações de outras crenças. Uma delas é a Marcha para Jesus que acontece em 200 países e reúne milhares de fiéis. No Brasil, a Igreja Renascer em Cristo organiza a passeata realizada em São Paulo há 17 anos. “A marcha é o maior evento público do mundo com cerca de cinco milhões de participantes e é onde as pessoas têm a oportunidade de demonstrar seu amor e sua fé a Deus”, afirmou o bispo da Igreja Renascer em Cristo em Santa Catarina, Sérgio Benites. Em Florianópolis, a 14ª edição da marcha aconteceu em 19 de setembro e, de acordo com a Guarda Municipal, reuniu cerca de 50 mil pessoas. “A passeata não é feita para trazer mais adeptos à religião, mas sim para dar mais visibilidade à igreja como um todo. O diferencial é que não é um protesto, uma manifestação, mas sim uma demonstração de fé e de amor em que as pessoas vêm somente para louvar e agradecer”, completa o bispo. Para a católica Jadina, recuperada de sua

lesão nos pulmões, a viagem ao Santuário é recompensada pela paz que o lugar proporciona e pela alegria de poder estar ali louvando a Santa Paulina pela prece atendida. “Minha família já era devota da religiosa e sempre que possível visitava o local, mas agora este deslocamento é mais significativo”. Para Metzner, em sua sexta passagem pelo templo, estar perto da santa é estar no céu. Depois de dois anos e meio em uma cadeira de rodas, ele veio agradecer por poder chegar até o santuário com as suas próprias pernas. Santa brasileira - A irmã de caridade Amábile Lúcia Visintainer, a Madre Paulina, é a primeira santa brasileira reconhecida pela Igreja Católica, canonizada no dia 19 de maio de 2002 pelo Papa João Paulo II. Dois milagres foram creditados à freira para a sua santificação. O primeiro, reconhecido em 1989 pelo Vaticano, foi a cura de Eluíza Rosa de Souza, de Imbituba (SC), que no último mês de gestação do seu último filho recebeu a notícia de que o feto estava morto. Ela foi submetida a Quase 30 mil fiéis visitam por mês o Santuário Santa Paulina uma cirurgia de curetagem, mas teve uma grave hemorragia que a levou a uma parada cardí- deslocamento de pessoas impulsionadas pela aca. Seu quadro foi considerado pelos médicos fé, uma prática bastante comum no Brasil. Há irreversível. As Irmãs da Imaculada Conceição vários tipos de viagens que mudam de nome que administravam o Hospital São Camilo fize- de acordo com o objetivo do fiel. A romaria, ram uma promessa à Madre Paulina. Na manhã por exemplo, é uma atividade turística feita por seguinte, Eluíza estava fora de perigo. uma pessoa ou por um grupo a um destino saO segundo milagre foi a recuperação de Iza grado. O termo é uma referência a Roma, sede Bruna, em 1992, que nasceu com uma defor- da Igreja Católica Apostólica Romana, e é usado midade no cérebro. De acordo com os médi- para classificar as movimentações católicas. cos, a menina não sobreviveria se submetida Já a peregrinação é feita com o intuito de paà cirurgia de reparação. A avó da criança, de gar promessas ou outros votos como sacrifícios Rio Branco (AC), pediu a intercessão de Santa e oferendas. Quando a finalidade é a remissão Paulina. Iza sobreviveu e não teve sequelas. de alguma culpa ou pecado denomina-se viaA freira Amábile, que adotou o nome de gem de penitência ou de reparação. As diversas Paulina do Coração Agonizante de Jesus, nas- religiões e doutrinas organizam outros eventos ceu na Itália, mas é considerafundamentados na fé como da a primeira santa brasileira. as procissões, que são corEm 1875, aos 9 anos de idatejos realizados, geralmente de, veio junto com a família em ocasiões festivas, em morar no país onde ajudaram devoção a um santo ou dia fundar a cidade de Nova vindade. Em Florianópolis, Trento, a 80 quilômetros da a Procissão de Nosso Senhor capital Florianópolis. Foi dos Passos, realizada na seno município que a religiomana da Páscoa, reúne todos sa criou a Congregação das os anos milhares de pessoas Irmãzinhas da Imaculada no centro da capital. Conceição e onde dedicou sua vida à caridaO que transforma um lugar comum em um de e ao cuidado aos doentes. destino sagrado são fenômenos sem nenhuma É em Nova Trento que fica localizado o explicação científica como aparições ou alSantuário Santa Paulina, que preserva a história gum religioso que passa a realizar milagres. da Madre. Os turistas podem visitar a Casa Em outras partes do mundo não é diferente. Paterna, local onde ela morou, o Casebre Na Índia, por exemplo, os fiéis se dirigem em onde se encontram documentos como a certi- massa para se banhar no Ganges, rio sagrado dão de nascimento e a foto da casa que Santa dos hindus. Meca é o principal destino dos Paulina morava antes de vir ao Brasil. muçulmanos, pois o profeta Maomé determiO templo onde são realizadas as celebra- nou no Alcorão, livro sagrado da religião, que ções eucarísticas tem capacidade para cerca de todo islamita deve ir ao menos uma vez na 3.500 pessoas e tem como diferencial o formato vida à cidade. O Judaísmo tem como roteiro do telhado, planejado para representar mãos em peregrinações ao templo de Jerusalém. No oração. O Santuário, inaugurado em 2006, é um Cristianismo, destacam-se os lugares onde complexo ecológico em meio à natureza onde po- Jesus Cristo nasceu, pregou e morreu. Roma, dem ser encontrados animais, plantas e cachoeiras, onde está localizado o Vaticano e onde estão além de aproximadamente 30 minilojas, restau- os túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, recebe rantes e hotéis que garantem a movimentação milhões de cristãos todos os anos. O caminho da economia da cidade. de Santiago de Compostela, que se estende por Segundo Maria Izolete Stähelin, assistente toda a Península Ibérica até a cidade de Santiago Esses dias falei para administrativa do santuário, Madre Paulina de Compostela, na Espanha, também é um lugar alguém como é incrível tem milhares de devotos por estar mais per- célebre do turismo religioso, pois é onde se eno fato do jornalismo to dos cristãos. “Ela viveu aqui, curou aqui, contra o túmulo do apóstolo Tiago. nos possibilitar viajar tudo aconteceu no Brasil. E é uma ótima incada dia a um mundo diferente. tercessora”, completa. Bastidores em: As viagens pela fé - O turismo religioso é o http://migre.me/bDxd

A terra de Padre Cícero e o Santuário de Aparecida são os mais visitados

4


18 Quatro

CULTURA

Florianópolis, novembro de 2009

Alex Sobral

Centro é palco para performances de Leicam, que acredita na extinção humana

Divulgação

Colagens em edição do Tralalá

4

Luciano, e seu personagem Leicam, representam o nosso lado mais ativo e determinado. Afinal, quem se propôe nos dias de hoje a sair à rua para defender o que pensa? Bastidores em http://migre. me/bDwY

P

elas ruas do Centro de Florianópolis, um homem tenta abordar pedestres apressados. Luciano Maciel Machado, conhecido também como Luca Leicam, tenta conscientizar as pessoas de que “estamos em extinção”. Ele fala rápido, como um narrador de futebol, e a agressividade de suas interpelações causam as mais variadas respostas, como um olhar de medo, sorriso sem graça, raiva, dó ou assentimento. O homem crédulo do fim é gaúcho de Porto Alegre (RS), mas vive em Florianópolis desde 1999. Aos 45 anos, veste-se como um jovem, com camiseta larga, calça jeans surrada, boné na cabeça, tênis gasto e uma mochila. Para Leicam, a civilização está imbecilizada, sem capacidade de reação e reflexão; em inércia, e a causa disso é o sistema que altera o ser humano e só lhe dá liberdade de escolher o que comprar. Por trás de seus óculos pequenos, Leicam observa no calçadão da Rua Felipe Schmidt, no Centro de Florianópolis, quem irá abordar para lhe aplicar mais um Dircurso Viabilizador do Tralalá – DVT, espécie de performance cênica com técnicas de vendas e sensacionalismo, onde ele apresenta suas ideias e vende o fanzine Tralalá, publicação de contracultura que criou em 1996. Em meio a vendedores, autofalantes, carros e pessoas grudadas nas vitrines, é a única voz da epopeia humana, um trovador solitário sem religião. Muitos o chamam de louco. Mas ele defende-se: “é tratamento de choque. As pessoas precisam ser chacoalhadas e não de mais alguém para passar a mão na cabeça delas”. Na edição 21 do fanzine Tralalá, Leicam compara a situação da humanidade com a metáfora de uma rã numa panela de água quente. A água esquenta e ela relaxa, e a rã se deixa cozinhar sem resistência. Esse senhor de 45 anos afirma que aquecimento global, fome, escassez de água, obesidade, guerras e desmatamento cozinham lentamente a civilização. Leicam anota as reações mais interessantes das pessoas à abordagem em seu blog (http://zinetralala.blogspot.com) e no fanzine Tralalá, no que ele chama de pesquisa de campo. Algumas abordagens são hilárias, por exemplo: mulher de 50 anos se expressa após DVT sobre a extinção humana: “Não concordo com o que tu tá falando, mas sei que pode acontecer”.Ele responde: “Você está tendo uma atitude esquizofrênica concordando e discordando ao mesmo tempo”. Ela retruca “Não posso aceitar porque pertenço à igreja”, e ele finaliza: “Compreendo. Obrigado por sua espontaneidade”. O anarquista - Certa vez, após abordar um pedestre, um jovem alemão alto, loiro e forte, Leicam se viu em uma situação desafiadora. O rapaz irado foi para cima dele e de forma violenta gritou para que retirasse aquele papel de “m...” de sua frente. Laicam se encolheu todo, mas preferiu encarar a situação e, piedoso, per-

Alex Sobral

A voz do apocalipse está nas ruas

Luciano produz o fanzine Tralalá, que já vendeu mais de 1.100 exemplares numa edição

guntou se ele teria coragem de lhe agredir. Sua aparência raquítica diz pouco. Definitivamente, não é uma imagem que imponha medo, portanto naquela situação preferiu agir com displicência, e não revidar a agressão. O rapaz, então, parou e o olhou como que espantado, em seguida caminhou para o meio da multidão. Laicam é anárquico e prega a não violência, para ele agressividade só nas palavras, é com essa que ele sempre trabalhou. Possuidor de uma dialética cativante, passou por vários cursos como história e filosofia, antes de se fixar nas artes cênicas. No começo dos anos 90, quando ingressou na Universidade Federal de Santa Maria, entrou no movimento estudantil e junto com quatro amigos criou o fanzine Coletivo Urbano. Antes, já contribuía para outro fanzine, A Vaka, responsável por uma intensa e engajada vida cultural da cidade. Nesse período se tornou anárquico. Ainda na facul dade começou a trabalhar na Rádio Universidade AM e depois na Medianeira FM. A união de embasamento teórico e a boa forma de expressão, adquirida na faculdade e no rádio, tornam suas abordagens mais atrativas. Numa conversa rápida com Leicam, se ouve nomes como Wilhelm Reich, Antonin Artaud, Freud e até Nelson Rodrigues. Ele se declara um romântico idealista, e se sente melhor atuando no calçadão do que na UFSC, pois no calçadão as pessoas são mais vividas. Também já fez parte do Partido dos Trabalhadores (PT), chegou até a espalhar em época de eleições adesivos em todos os postes do bairro onde mora, mas hoje vê em qualquer governo e instituição a manutenção do domínio de uma classe sobre a outra. Neste contexto, a religião estaria incluída como um instrumento de exploração dos homens, existindo para manter o negócio econômico. Por isso, se declara anarquista. “A humanidade sempre evoluiu da rebeldia, de questionamentos e atitudes ativas”. Contracultra - É da venda do Tralalá que

ele mantém a família. O nome do fanzine é inspirado no filme Porcile, do diretor italiano Pier Paolo Passolini, um crítico da igreja e da sociedade. No filme, um casal a beira de um chafariz, termina uma conversa falando: “tralalá, tralalera”. “É algo infantil, é meio dadaísta, faz com que voltemos à infância, que é o princípio de tudo”. Os fanzines, abreviação de fanatic magazines, tiveram grande importância no movimento de maio de 1968, mas sua origem vem dos Estados Unidos, geralmente tem baixa tiragem e não dão lucros como os jornais e revistas de bancas. A produção do Tralalá é feita através de colagens, fotos e gravuras que Leicam encontra, organizados de forma atraente e direta, de acordo com a edição. Em seguida, o original dá lugar as fotocópias que serão dadas em troca de qualquer contribuição. A tiragem do Tralalá 21, de maio de 2009, é de 800 exemplares, mas já houve edição em que foram feitas mais de 1.100 cópias. Todas foram vendidas. Leicam mantém um preciso registro dos dias trabalhados, exemplares vendidos e valor arrecadado. De abril de 2006 até outubro de 2007 foram 7.609 exemplares em 204 dias de trabalho. Quanto ao lucro, ele prefere não divulgar por medo da Receita Federal, mas já chegou a ganhar até R$400 em 12 dias. O jeito incisivo com que Leicam aborda as pessoas é uma performance cênica, onde a linguagem, o corpo e o discurso são usados de modo a chamar a atenção das pessoas para sua questão. “Minha abordagem é muito intensa, por isso canso muito”, explica. A preferência pelo calçadão da Felipe Schmidt, local de maior trânsito de pessoas da cidade, o faz conhecido de muitos. E também o faz visado, alguns o evitam, pois Leicam é um “péssimo fisionomista” e aborda a mesma pessoa mais de uma vez. Mas muitos também o apóiam e contribuem para sua causa, fazendo com que dia após dia ele esteja novamente nas ruas falando o que muitos não estão dispostos a ouvir.

A civilização está imbecilizada e só tem liberdade para escolher o que comprar


Florianópolis, novembro de 2009

CULTURA

Quatro

19

Literatura para botar o pé na estrada Flávio José Cardoso Jr.

Gênero que existe desde o século XV até hoje produz best-sellers e cativa leitores que buscam aventuras Thiago Verney

U

ma viagem ao desconhecido desvendada a cada palavra, frase, parágrafo. É assim que a chamada “literatura de viagem” exerce fascínio no público e excursiona lado a lado com disciplinas como história e antropologia, relatando desde a poética de navegação, observada no clássico Os Lusíadas de Luis Vaz de Camões, ou o autoconhecimento, como em Comer, rezar, amar, livro de Elizabeth Gilbert que já vendeu 4 milhões de exemplares. Embora tenha antecessores medievais, a “literatura de viagem” surgiu de fato na Europa no final do século XV e começo do XVI. A necessidade dos navegadores espanhóis e portugueses de registrarem rotas, condições atmosféricas e outros elementos para facilitar as excursões futuras ajudou a criar o gênero. No Brasil, o primeiro exemplo do tema é a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal D.Manuel I, em 1500, comunicando o “achamento” de novas terras na América do sul. O estilo “diário de bordo” de Caminha é um dos recursos narrativos mais utilizados para retratar uma jornada. Segundo o professor de pós-graduação em Literatura e pesquisador do gênero na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Stélio Furlan, estas notações descritivas foram os antecedentes desta litera-

Livro conta viagem de fusca de Vaz até EUA

tura que, com sucesso, são praticadas até hoje. O livro Mar sem fim, do navegador Amyr Klink, é um exemplo típico que narra desde o dia em que o aventureiro teve que deixar mulher e filhas na cidade de Paraty (RJ) até quando concluiu sua primeira volta ao mundo. “Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos”, registra em seu diário. O engenheiro-escritor e empreendedor de aventuras Roberto Böell Vaz, radicado em Florianópolis, segue a mesma linha de Klink, mas prefere conhecer humanos “aos pinguins observados pelo navegador”. Vaz já publicou dois livros: Na trilha das Américas e Conhecendo o velho mundo, que narra sua travessia na América e Europa dirigindo veículos inusitados, como um barco feito com garrafas plásticas. Esta aventura no litoral catarinense ele contará no próximo livro, já em produção. Vaz já foi inclusive de Florianópolis a Atlanta, nos EUA, dirigindo um Fusca 1975. Era pra ser uma picape com tração nas quatro

rodas, mas o orçamento da expedição caiu de US$150 mil para US$18 mil. Foram 40 mil quilômetros percorridos pelas três Américas em cinco meses de viagem, passando por 15 países diferentes, com o objetivo de assistir as Olimpíadas de Atlanta em 1996. Na trilha das Américas conta que o aventureiro suportou temperaturas extremas (7° negativos e os sufocantes 40°), que escapou do furacão Dolly que devastou boa parte do Golfo do México, e que presenciou uma explosão no Centennial Olympic Park de Atlanta que matou duas pessoas e deixou 110 feridas. “Apesar dos percalços, a forma como se deu a viagem me deixou muito próximo das pessoas normais, pois o que fiz é um objetivo que qualquer um pode sonhar e alcançar”, assegura Roberto Vaz. Essa proximidade com o leitor traz as “escritas-viagens” para o imaginário coletivo, até mesmo as ficcionais como a obraprima On the Road, de Jack Kerouac, cujo título no Brasil é Pé na Estrada. Publicado na década de 1950, o livro com traços autobiográficos mostra a história avessa ao american dream, onde dois jovens, Sal Paradise e Dean Moriaty, atravessam os Estados Unidos de costa a costa em busca de autoconhecimento. Foi um retrato do pós-guerra norte-americano e gerou tamanha identificação do público que influenciou no surgimento da geração beat e em alguns dos movimentos da contracultura. Segundo o pesquisador Stélio Furlan, desde a poética da navegação de Camões a José Saramago, sempre haverá um ponto de convergência: o relato de um deslocamento em uma escrita em trânsito, tecida ao ritmo do passeio atento. “Todas as formas de sociedade, compreendendo tribos e clãs, nações e nacionalidades, colônias e impérios trabalham e retrabalham a viagem, seja como modo de descobrir o ‘outro’, seja como modo de descobrir o ‘eu’”.

Carta de Pero Vaz de Caminha é considerada primeiro diário de bordo no país

Dois motoqueiros cruzam os Estados Unidos em busca de liberdade. Ao som de Born to be wild, na contagiante interpretação de Steppenwolf, Billy (encarnado pelo ator Dennis Hopper) e Wyatt (Peter Fonda) fazem da estrada um símbolo da juventude americana dos anos 1960. Mais do que viajantes, a dupla do enredo cinematográfico de Sem destino tornou-se uma clássica referência ao movimento de contracultura hippie, e é um dos destaques quando se fala de road movie. Mas que gênero é este? Para o professor e pesquisador de Literatura e Cinema na UFSC Jair Tadeu da Fonseca, road movies têm o deslocamento dos personagens como elemento fundamental da trama. Por isso, já existiam títulos assim antes mesmo da criação desse rótulo. Basta lembrar, por exemplo, o western de John Ford, No tempo das diligências (1939), que conta a história de uma caravana atravessando o Velho Oeste até ser surpreendida por índios Apaches. Mesmo recente, o rótulo já tem espaço para diferentes ângulos e abordagens, lembra Fonseca. O político Weekend à francesa, de Jean-Luc Godard (1967), além de ser uma

Divulgação

Road movies fazem da jornada uma reflexão

O clássico Sem Destino é símbolo da juventude

revolução no plano-sequência da época, pois utilizou em uma cena um longo travelling lateral sem cortes acompanhando um congestionamento na autoestrada francesa, foi uma quebra na narrativa tradicional do cinema. O enredo começa com a viagem de um casal que irá para a casa dos pais da moça. Até aí, tudo bem. Entretanto, no caminho eles se deparam com situações e pessoas cada vez mais surreais, como carros incendiados, cadáveres jogados na estrada, figuras históricas revivi-

das e alguns terroristas canibais. No final, não concluem o passeio conturbado, mas o filme é apontado pela crítica como uma metáfora que remete o fim da civilização como a conhecemos, devido a hábitos consumistas gerados por uma educação capitalista. Nesta direção, há o nacional Bang bang (1971), de Andrea Tonacci, e No decorrer do tempo (1976), do alemão Win Wenders, apontados como os favoritos de Fonseca. Atualmente, o brasileiro Walter Salles se destaca no cenário road, com obras como Central do Brasil (1999) e Diários de motocicleta (2004). Agora, o diretor está envolvido na adaptação para o cinema do livro On the road, de Jack Kerouac. Road movies têm como característica um apelo alegórico que atrai o público justamente por essa identificação com o tema: o deslocamento retratado nas obras reflete a observação da vida de uma forma mais livre em relação ao passado ou futuro. Mesmo cercado de imprevistos, esse olhar remete à importância do caminho e não das chegadas ou partidas. O viés pode até ser simples, mas queira ou não, realizar uma longa jornada “sem destino” sempre percorrerá o imaginário coletivo. (T.V.)

4

O provérbio “quem vê cara, não vê coração” pode ser uma metáfora para uma matéria em uma mancha gráfica de jornal. Bastidores em: http://migre.me/bEox


20 Quatro

CULTURA

Florianópolis, novembro de 2009

Rosielle Machado

Banda de Florianópolis estreia com 14 shows nos EUA e Canadá e quer mais em 2010

Toronto Nova York

Nova Jersey Boston

Austin Athens Washington DC Filadélfia Florianópolis

4

Suspeitei que minha audição estava em jogo ao vê-los colocando protetores de ouvido enquanto ajeitavam os instrumentos. Bastidores em: http://migre.me/bADZ

C

om pouco mais de um ano de vida, a banda de Florianópolis Cassim e Barbaria já percorreu 11 mil quilômetros em uma van pelos Estados Unidos e Canadá, participou de quatro festivais de música norteamericanos e concluiu que empresas aéreas são igualmente estressantes em qualquer lugar do mundo. Ainda não têm 20 toalhas brancas e um camarim com foie grás e Johnny Walker na geladeira, mas carregam a experiência de ter feito a primeira turnê internacional antes mesmo da nacional, o privilégio do contato com bandas do mundo inteiro e o orgulho de quem resume os 14 shows e as 150 horas de viagem com uma expressão bastante sucinta: “foi do caralho”. A banda já nasceu como um projeto viajante. Diferente de outros grupos de Florianópolis que costumam se destacar principalmente na cena musical da própria cidade ou no eixo Rio-São Paulo, Cassim e Barbaria pretendia, desde o início, levar a bandeira de Santa Catarina mundo afora. Hoje, tem no currículo uma recente viagem ao Canadá para apresentações nos festivais Pop Montreal e Indie Week Canada, onde tocaram em outubro, e shows no Canadian Music Festival e no South by Southwest, em março deste ano. Para 2010, já planejam uma segunda aventura musical pelo lado de lá do Equador, ancorados na experiência de ter programado uma turnê inteira por conta própria, sem empresário, produtor ou assessoria de imprensa. O primeiro convite para tocar nos Estados Unidos veio com a banda ainda engatinhando, em novembro do ano passado. Inicialmente pensada como um projeto solo de Cassiano Fagundes, então membro da curitibana Bad Folks, logo ficou claro que os demais músicos não poderiam ser utilizados como meros instrumentistas de apoio. “Seria desperdício de talento”, diz Cassiano. Feita a constatação, decidiram chamar o baterista Guilherme Zimmer, que já tocava em outras bandas, para se unir a Cassiano, Eduardo “Xuxu”, Heron Stradioto e Márcio Leonardo. “E eu, sabiamente, não aceitei”, brinca Zimmer, “mas quando me convidaram para ir com eles para o festival, resolvi reconsiderar. Achei que a banda poderia chegar a algum lugar”. Chegaram, três meses depois, a Nova York, onde iniciaram uma turnê que passou por Toronto, no Canadá, e pelos estados americanos de Massachusetts, Geórgia, Washington, Pensilvânia e Texas, onde participaram do festival South by Southwest, em Austin. Barbaria na estrada - A preparação para a viagem foi intensa. Além de ensaiar, precisavam rearranjar as músicas para deixá-las com uma identidade que refletisse cada um dos integrantes. Às composições de Cassiano, todas em inglês, acrescentaram-se noises improvisados em um sintetizador por Zimmer, que passou também a controlar uma segunda bateria. Após muitas noites no estúdio que utilizam para ensaios e gravações no Rio Tavares, em Florianópolis, Cassim e Barbaria conseguiu se tornar o que é hoje: uma banda com duas baterias e influências do rock progressivo alemão dos anos 70, da psicodelia dos anos 60 e de experimentalismos. Mas não por muito tempo. A vontade de inovar, somada à saída do baixista e do baterista, faz com que a banda queira, mais uma vez, se reinventar. No novo álbum, que será gravado em dezembro e janeiro, pre-

Divulgação

Cassim e Barbaria, rock pra viagem

Durante primeira turnê, grupo com dois bateristas viajou 11.000 km de van, sem nenhum luxo

tendem utilizar uma maior quantidade de improvisos que deixem o som cada vez mais experimental. Quanto a substitutos para os que abandonaram o barco, já têm em mente o nome do colega e guitarrista Gabriel Orlandi e, para cumprir a agenda até o fim do ano, contam com “Amexa” e “Cachorro” para as apresentações em Cuiabá, Natal, João Pessoa e Goiás. Até lá, ensaiam exaustivamente com os dois suplentes para os shows que, se não saírem totalmente sincronizados, serão pelo menos gastronomicamente fartos. No final de outubro, às vésperas de viajar para o festival Calango, em Cuiabá (MT), já planejavam experimentar a típica farofa de banana da cidade. Na turnê de março, estavam igualmente empolgados para degustar todas as possibilidades dos restaurantes americanos. “A gente comia o dia inteiro, toda hora e as coisas mais bizarras”, lembra Zimmer, “na verdade é meio que o objetivo da viagem, a banda é só desculpa”, brinca. Além da expansão de horizontes gastronômicos, as viagens trouxeram, principalmente, aprendizado. “A gente aqui faz uma ideia muito glamourizada de um festival, e não é assim”, diz Xuxu. Para os músicos, o mais difícil não é ser chamado para tocar nestes eventos, mas conseguir se destacar entre as quase duas mil bandas que querem, claro, aparecer. Nesse ponto, o fato de serem brasileiros ajuda, ao mesmo tempo em que aumenta a pressão. “O pessoal acha muito massa o fato de ser uma banda brasileira, mas se você não faz um show maravilhoso as críticas são ‘ah, eu esperava mais da terra dos Mutantes e da Tropicália’”, diz Zimmer. Diferente do Brasil, um festival norteamericano é mais uma grande convenção da indústria musical do que um evento de entretenimento. Por isso, apesar de o maior público internacional da banda até agora ter sido de 200 pessoas em um bar da Filadélfia, o grupo não reclama de não ter atingido número semelhante nos festivais que participou. Em eventos no qual toda a cidade é mobilizada para shows que acontecem simultaneamente, a qualquer hora do dia, em qualquer lugar - desde a rua

até casas noturnas, restaurantes e, surpreendentemente, igrejas - ter 30 pessoas na plateia é motivo de comemoração. Além disso, o escasso público de alguns shows é compensado pela intensa troca de experiências com outras bandas e pelo contato com gravadoras, produtores e organizadores desses grandes “carnavais do rock”, como define Cassiano. A experiência internacional também os inspirou a importar para o Brasil formatos diferenciados de se “consumir música”, seguindo o modelo dos festivais internacionais em que, junto com apresentações por toda a cidade, acontecem conferências e exposições. Outra ideia que pretendem trazer para Florianópolis é a de que nem sempre os shows precisam estar vinculados a cerveja e festa. “Não que a gente não curta isso, mas é improdutivo. Aqui, por exemplo, é impossível começar a tocar antes da meia-noite”, critica Zimmer. Durante a turnê americana, a banda se surpreendeu por constatar que as apresentações nos bares começavam às 21h. No público, viam pessoas engravatadas que haviam saído do trabalho e, como se fossem ao cinema ou ao teatro, iam escutar música. “Apesar de menor, achamos o público de lá mais interessado que o do Brasil”, diz Xuxu. Para se dedicar à Cassim e Barbaria e aos projetos de impulsionar a cena musical de Florianópolis, Xuxu e Zimmer já deixaram de lado seus empregos de arquiteto e gerente de tecnologia da informação. Cassiano segue atuando como redator e, junto com os dois colegas, aguarda o fim do ano para fazer aquilo que chamam de fechar para balanço. Os três ainda não sabem exatamente o roteiro das viagens de 2010, mas estudam a possibilidade de incluírem a Argentina - e seu dulce de leche - na programação. Sem planos definidos, só sabem que pretendem continuar a ser uma banda que viaja. Não simpáticos a empresas aéreas, certamente ainda vão reclamar muitas vezes da taxa de excesso de bagagem que uma banda com guitarras, baixo, equipamento de som, sintetizador, amplificador e não uma, mas duas baterias, é obrigada a pagar nos aeroportos.

“A gente aqui faz uma ideia muito glamourizada de um festival, e não é bem assim”


SAÚDE

Florianópolis, novembro de 2009

Quatro

21

Fila Zero ainda não diminuiu espera Débora Puel

Desde fevereiro, número dos que aguardam transplante de córneas no estado subiu de 900 para 1.354 Suélen Ramos

E

m fevereiro de 2009, o Governo de Santa Catarina lançou o programa Fila Zero de Córnea, que previa aumentar o número de doações, credenciando bancos de tecido ocular e criando duas novas equipes de transplantes. Além disso, seriam feitos exames para estabelecer a posição dos pacientes em fila, de acordo com a gravidade de cada caso. Mesmo com 260 transplantes de córneas feitos, de fevereiro a setembro, a fila não diminuiu, pelo contrário, aumentou. Quando o programa foi lançado, 900 pessoas esperavam por córneas e, até setembro deste ano, havia 1.354 pacientes na fila, segundo a Central de Captação, Notificação e Distribuição de Órgãos e Tecidos de Santa Catarina (SC Transplantes). O coordenador da SC Transplantes, Joel de Andrade, explica que o Fila Zero foi criado no início do ano, mas para ser colocado em prática é preciso organizar modelos de gestão do programa, para aumentar a captação e, consequentemente, os transplantes. “Além disso, a fila de pacientes que necessitam de córneas tem

Joel Andrade garante que até junho de 2010 todos serão atendidos

mais pessoas do que deve, está inchada. É necessário organizar a fila, revisando quem são esses pacientes, pois alguns deles podem até nem estarem vivos”. Várias reuniões foram feitas este ano para decidir como o programa vai funcionar, explica o médico coordenador da SC Transplantes. “Foram incluídos no Fila Zero, para fazerem transplantes de córneas, o Hospital Municipal São José, em Joinville, o Hospital Governador Celso Ramos, em Florianópolis, e o Hospital Regional de São José, que também foi credenciado como

Locais credenciados em SC Blumenau Botelho Oftalmoclínica Ltda Clínica de Olho Dr. Roberto Von Hertwig Clínica Médica Oftalmológica Blumenau SS Sociedade Divina Providência Hospital Santa Isabel Chapecó Associação Hospitalar Lenoir Vargas Ferreira – Hospital Regional de Chapecó Criciúma: Hospital São José Florianópolis Centro Integrado de Oftalmologia- CIOFT Centro Oftalmológico de Diagnose e Terapêutica S\C Ltda. – CODT Hospital Governador Celso Ramos Instituto de Visão Rayes S\C Ltda Joaçaba Hospital Universitário Santa Terezinha Joinville Hospital Municipal São José de Joinville Instituto de Olhos Sadalla Amin Ghanem S\C Ltda. São José Hospital Regional São José Dr. Homero de Miranda Gomes Videira Hospital Santa Maria Ltda.

banco de olhos, assim como o Hospital Uniclínicas Unimed, em Chapecó”. Nos dias 28 e 29 de outubro deste ano, 31 pessoas foram treinadas para retirada de córneas, para reforçarem os transplantes do tecido. Desde 2005, com intenso trabalho nos transplantes de órgãos, a SC Transplantes ganhou visibilidade no estado e no país, o que, segundo Joel de Andrade, foi essencial para que tivessem a estrutura que tem hoje e a atenção do governo. Agora, com o Fila Zero, a intenção é que Santa Catarina também seja referência no transplante de tecidos, principalmente, as córneas, que têm hoje a maior fila de espera. “As córneas foram escolhidas para um programa como esse porque a fila está enorme e temos a possibilidade de zerá-la se concentrarmos nosso trabalho nesse projeto. É uma vergonha a situação como está”. Santa Catarina tem 20 clínicas e hospitais que transplantam órgãos e tecidos, todas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e 15 destes fazem transplantes de córneas. Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), há 378 equipes cadastradas para transplantarem córneas no país, sendo que 155 foram ativas de janeiro a junho de 2009 e fizeram 6.526 transplantes do tecido. De janeiro a setembro deste ano, foram feitos, em Santa Catarina, 614 transplantes de órgãos e tecidos, grande maioria no Hospital Santa Isabel, em Blumenau. A espera por córneas é a única fila indiana no sistema de transplantes, ou seja, os pacientes são atendidos pela ordem de chegada. “O caso das córneas é diferente dos outros órgãos porque não há risco de morte. Só passamos na frente crianças (estas têm prioridade para qualquer tipo de trans-

plante) e pessoas que correm o risco de perder o olho”, explica Joel de Andrade. Já as filas de fígado, pulmão e coração, por exemplo, são divididas em quatro, uma para cada tipo de sangue: A, B, O e AB. Além dessa divisão, a fila para transplante de fígado é por gravidade de caso, já os transplantes de coração e pulmão são feitos de acordo com o peso e o tamanho dos doadores e receptores, ou seja, o biótipo do doador deve ser semelhante ao do receptor. Enfermeira da SC Transplantes há 10 anos, Silvana Zanette diz que por mais que o paciente que precisa de uma nova córnea tenha dificuldades de visão, ele consegue esperar na fila sem maiores problemas. “Já os que precisam de transplante de fígado, coração e pulmão, dependendo da gravidade, podem morrer, caso esperem por muito tempo”. O coordenador da SC Transplantes diz que o andamento da fila também é influenciado pelas condições dos hospitais credenciados para transplantar. “Muitas vezes, chega a hora do paciente receber o órgão ou tecido, o médico é avisado, mas não há leitos no hospital onde o paciente está cadastrado ou faltam anestesistas”, explica. “Esse tipo de problema não pode acontecer, pois nada adianta termos uma estrutura

“Há como zerar a fila que existe hoje. É uma vergonha a situação atual” referência no Brasil na captação e distribuição de órgãos e belas campanhas publicitárias se os hospitais não estão em condições de realizar os transplantes”. O Sistema Nacional de Transplantes controla as filas e fiscaliza as ações das CNCDOs, que são as centrais de captação e distribuição de órgãos de cada estado. Por isso, não é possível que o paciente esteja na fila à espera de um órgão ou tecido em mais de um estado. A enfermeira Silvana Zanette explica que a base de dados onde estão cadastrados doadores e receptores de órgãos e tecidos, utilizada por todas as CNCDOs, é monitorada pelo Sistema Nacional de Transplantes. “Nós inserimos as informações dos doadores no sistema e ele faz a busca de possíveis receptores, de acordo com as especificidades de cada transplante. O

sistema é seguro e cada funcionário que tem acesso a esse cadastro tem uma senha particular”. Estatísticas que atrapalhamAssim como qualquer transplante de órgãos, pode haver rejeição do paciente após receber a nova córnea, mesmo que todos os exames necessários para a comprovação da qualidade do tecido captado tenham sido feitos. Um desses exames é quanto à existência do vírus de hepatite B ou C. Joel de Andrade exemplifica: se há 60 mil mortes em Santa Catarina por ano, apenas 30 mil delas ocorrerão em lugares com estrutura médica para que sejam notificadas à Central de Transplantes. Destas, apenas 15 mil passarão pelo processo de captação, quando autorizado pelas famílias, devido à contaminação pelo vírus da hepatite. “Só no oeste de Santa Catarina, em torno de 50 a 70% da população tem o vírus tipo B ou C”. Os órgãos transplantados de pacientes falecidos são captados apenas em casos de morte encefálica, já a córnea pode ser aproveitada de qualquer paciente que não tenha sofrido lesões no tecido ocular. Nem todos os órgãos e tecidos são captados porque muitas mortes não são notificadas a tempo à SC Transplantes, e também porque o órgão ou tecido, muitas vezes, não é conservado devidamente até a chegada da equipe de captação. “O morto deve ser mantido em local com temperatura de no máximo 15 graus e o olho tapado com gaze umedecida”, explica Joel de Andrade. Depois de captadas, as córneas são imersas em um medicamento que as conserva por 14 dias até o transplante. O Fila Zero pretende colocar cada paciente em sua própria cidade. “O paciente de Joinville que precisa de córneas não será cadastrado no Hospital Celso Ramos, em Florianópolis, e sim no Hospital Regional São José, que também faz o transplante e fica na sua cidade”, afirma o coordenador dos transplantes em Santa Catarina. “Mas vamos encaminhar pacientes para os hospitais transplantadores de cada cidade só depois que zerarmos essa fila, que tem 1.354 pessoas, e isso será feito, no máximo até junho de 2010”.

4

Consegui muitas informações valiosas sobre o Fila Zero de Córnea e acredito que servirão como alerta aos que precisam. Bastidores em: http://migre.me/bAyt


22 Quatro

SAÚDE

Florianópolis, novembro de 2009

Caminhos da transfusão de sangue Coleta sanguínea leva de 5 a 10 minutos, mas trajetória percorrida até as veias do receptor final é longa Nayara D’Alama

A

nnelise Camilo Miranda, 32 anos, aguarda chamarem seu nome na sala de recepção do Centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina (Hemosc). Há cinco anos, ao seguir o exemplo de seu pai, a manicure começou a doar sangue e desde então pratica a ação regularmente: “Gosto muito de poder ajudar as pessoas. Comecei assim que tive a chance e agora doo sempre que possível”. O que Annelise e a maioria dos doadores não sabem é todo o percurso pelo qual seu sangue passa até ser transfundido para o receptor final. Os doadores têm aproximadamente 450 ml de sangue retirados para doação propriamente dita e outros 45 ml colhidos em três amostras para passar por testes laboratoriais de tipagem sanguínea, hematologia e sorologia. O primeiro exame apenas verifica qual é o grupo sanguíneo (A, B, AB ou O) e o fator Rh (positivo ou negativo) da amostra. O sangue que é encaminhado para o teste de hematologia é testado para examinar se há alterações em sua hemoglobina, a substância responsável por transportar o oxigênio pelo corpo. Em caso positivo, o sangue é descartado e o doador, encaminhado para tratamento. A terceira amostra vai para o Laboratório de Sorologia e passa por exames que identificam se há contaminação por alguma doença transmissível que impeça a transfusão. Esses testes são feitos por máquinas automatizadas que introduzem nas amostras substâncias que indicam a contaminação por hepatite, doença de Chagas, sífilis, AIDS, entre outras doenças. Os resultados, entretanto, não são 100% seguros devido a um período chamado “janela imunológica”. A chefe do setor de Captação do Hemosc, Roseli Sandrin, explica que após a contaminação por agentes infecciosos

existe um tempo para o organismo criar anticorpos para os combater e, se a amostra é coletada neste período, os testes podem dar um “falso negativo”. O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), por exemplo, demora três semanas para ser indicado nesse teste. “Nestes casos não há como identificar o sangue contaminado. É um risco que corremos”. Roseli alerta que há casos de pessoas que fazem a doação com o propósito de verificarem se têm determinada doença e que isso pode levar à contaminação de receptores. Se uma amostra aponta resultado positivo ou inconclusivo para alguma das doenças, ou para o exame de hematologia, o Hemosc convoca o doador para recolher sangue para novo teste e, em caso de confirmação, a pessoa é encaminhada para tratamento. Dados do Hemosc indicam que cerca de 4% das amostras é infectada por alguma doença e, deste total, 2,5% é hepatite B, 0,8% sífilis e 0,05% HIV. O sangue que apresenta alguma alteração nos testes é descartado e incinerado. Separação de componentes - Ao mesmo tempo em que as amostras são analisadas, as bolsas de sangue são preparadas para terem os seus componentes separados. O primeiro processo retira as hemácias (células vermelhas) do plasma. O sangue é centrifugado por 10 minutos em alta velocidade, o que faz com que as hemácias se depositem no fundo da bolsa e o plasma com as plaquetas (parte líquida) fiquem na parte de cima. Após isso, acontece a separação das duas partes por uma prensa e o concentrado de hemácias e o plasma rico em plaquetas são pesados. Neste estágio, as hemácias estão prontas para serem transfundidas, mas o líquido é novamente centrifugado por 15 mi-

nutos para haver a separação das plaquetas do plasma. Com elas prontas para doação, o plasma é novamente dividido entre plasma normal e o chamado “crioprecipitado”, extração rica em substâncias de coagulação. As plaquetas são doadas a pessoas com leucemia e outros tipos de câncer, além daquelas submetidas à cirurgias cardíacas, enquanto o “crioprecipitado” é destinado a pacientes hemofílicos. Já o plasma normal é encaminhado para os que precisam de reposição hídrica, como vítimas de queimaduras. Assim, uma única doação pode salvar até quatro vidas. Depois da separação, os componentes sanguíneos são armazenados na sala de Hemocomponentes Bloqueados, onde ficam até que os resultados dos testes com as amostras estejam prontos. O plasma pode ser conservado em temperatura entre -30ºC e -50ºC por até dois anos, as hemácias duram até 45 dias entre 2ºC e 6ºC, e as plaquetas podem ser utilizadas em até 5 dias, mantidas em temperatura ambiente. Em geral, após 24 horas da coleta, os materiais são liberados. Como a manicure Annelise, outras 9 mil pessoas doam sangue mensalmente no Hemosc e nos outros hemocentros regionais espalhados pelo estado, número que representa 90% das doações realizadas em Santa Catarina. Os testes das amostras coletadas nos centros de Lages, Joaçaba, Chapecó, Criciúma e Joinville são feitos em Florianópolis. A distribuição do que é recolhido no Hemosc da capital depende da demanda dos hospitais, clínicas, ambulatórios, maternidades e agências transfusionais. O número de bolsas é enviado de acordo com os pedidos médicos. Também há envio de suprimentos entre os hemocentros, para

Por mês, quase 9 mil doadores procuram os hemocentros de todo o estado

Condições para a doação Quem pode doar? *Pessoas entre 18 e 65 anos *Pesar no mínimo 50 quilos *Não estar em jejum *Não ter comido alimentos gordurosos antes da doação *Não ter ingerido álcool nas últimas 12 horas *Ter repousado pelo menos 6 horas na última noite

Quem não pode doar? *Pessoas que já tiveram: hepatite B ou C ou doença de Chagas *Portadores de malária ou sífilis *Pessoas que tiveram febre ou gripe nos últimos sete dias *Grávidas *Quem teve contato sexual com parceiros múltiplos no último ano *Usuários de drogas Fonte: Centro de Hematologia e Hemoterapia de SC

que não falte material em nenhuma região. Durante o transporte para seu destino final, os componentes sanguíneos são mantidos em temperaturas específicas de armazenamento e estão prontos para a transfusão. Etapas da doação - Por uma questão de segurança de saúde, todo doador passa por uma pré-seleção para verificar se está apto a doar. Assim que chegou ao hemocentro, Annelise Camilo Miranda apresentou documento com foto, preencheu um cadastro com seus dados pessoais e recebeu uma ficha de triagem clínica com 46 questões. É perguntado se a pessoa repousou na última noite, se está em jejum ou ingeriu bebida alcoólica nas últimas 12 horas, se tem alguma tatuagem ou foi submetida a alguma cirurgia. O hemocentro ainda quer saber o número de parceiros sexuais do doador no último ano e se é portador de alguma doença. São avaliados também pressão arterial, temperatura, pulso, peso e altura, e é coletado sangue por um pequeno furo no dedo da mão para verificar incidência de anemia. Após esses procedimentos, Annelise passou ainda por uma entrevista, onde o atendente anali-

sou as respostas da ficha de triagem clínica. Se fosse percebido algum fator de impedimento para a doação, Annelise não iria adiante. Como nada de anormal foi encontrado, ela foi para a sala de coleta. O procedimento, que dura entre 5 e 10 minutos, é feito sob a supervisão de enfermeiro ou médico, e o material é descartável e encaminhado para incineração após o uso. Geralmente, 450 ml de sangue são retirados, mas a quantidade pode ser menor, de acordo com o peso do doador. Para se reidratar, a manicure recebeu lanche com pão, ovo, fruta, iogurte, suco ou café antes de deixar o Hemosc. É assim com todos os doadores. Após 40 dias, os iniciantes recebem suas carteirinhas de doador pelo correio. Segundo o procedimento padrão, homens estarão aptos a doar novamente após dois meses, e mulheres, três. Se quiser, a manicure Annelise pode ajudar a salvar vidas novamente no ano que vem.

4

Entrei na sala de separação dos componentes, vi o processo acontecer e tirei algumas dúvidas com os funcionários. Bastidores em: http://migre.me/bAEI Arte Quatro

Como funcionam os tipos de sangue

Sistema ABO

O A A

AB Receptor universal

Doador universal

B B

O sangue O pode ser transfundido para todos, mas só recebe doações de si próprio porque ele possui anticorpos A e B, substâncias que destroem as células de sangue destes tipos. Sangues A e B têm anticorpos B e A, respectivamente, e isso impede doações entre si. Já o tipo AB não apresenta anticorpos, o que permite receber sangue de todos os tipos.

Disponibilidade no HEMOSC Fator RH

Rh+

Rh+

Rh-

Rh-

Pessoas que possuem o fator Rh em seu sangue apresentam Rh positivo, enquanto as que não, negativo. Se o receptor não o possui, ao ocorrer uma transfusão, ele formará anticorpos anti-Rh, o que o impedirá de receber futuras doações de sangue fator Rh+, sob risco de morte.

B-: 2,35%

A+: - 34,85%

B+: 8,78% O-: 7,33% A-: 5,85%

O+: 31,63%

AB+: 7,9% AB-: 1,31%

O gráfico ao lado mostra qual a disponibilidade no banco de sangue do HEMOSC no dia 1/10/2009 para cada tipo sanguíneo.


SAÚDE

Florianópolis, novembro de 2009

Quatro

23

Diego Vieira

Lei garante pagamento de diárias a pacientes em tratamento fora de seus municípios, mas a maioria passa dia por conta própria enquanto espera transporte de volta

Transporte de vidas para a capital

“Ambulancioterapia” faz com que pacientes passem por vários hospitais até encontrar atendimento

P

ara dona Marialva Gomes, moradora do município de Videira, que fica a 450 quilômetros e 5 horas de Florianópolis, o dia começou cedo. Ela já acordou ciente que enfrentaria um longo dia de “ambulancioterapia”, nome dado pela população ao trânsito contínuo de ambulâncias do interior do estado para a capital em busca de tratamento de saúde. Dona Marialva, 57 anos, reclamava há algumas semanas de dores nas costas que apareciam sem explicação e recorreu ao posto da cidade, mas não conseguiu marcar consulta. Decidiu tentar vir a Florianópolis em busca de ajuda em uma emergência. Às 10h da manhã, ela já havia percorrido dois hospitais na tentativa de atendimento e desistido pelo tamanho das filas. Decidiu-se por esperar no terceiro, a emergência do Hospital Universitário da UFSC (HU). Ali, teria companhia para esperar a carona de volta, às 18h, já que outros pacientes de Videira tinham consultas marcadas. Dona Marialva é mais uma dos 570 videirenses que conseguem atendimento todos os anos no HU. Para a assistente social do hospital Maria Aparecida Fagundes, as pessoas que vêm sem consulta marcada previamente nos postos de saúde tendem a passar mais dificuldades em busca da vaga. “As unidades de saúde nos municípios têm um sistema que dá acesso ao agendamento de consultas aqui em Florianópolis, mas as pessoas mal orientadas vêm sem

marcar e ficam batendo de porta em porta nos hospitais.” Outro grave problema registrado nos atendimentos fora do município é a carência financeira dos pacientes. Muitos marcam consulta para as 9h da manhã, mas o transporte só volta para buscálos no fim da tarde, e os usuários ficam sem ter o que comer. Maria Aparecida lembra que existe uma lei que regula o tratamento de saúde fora dos municípios (TFD) e garante o pagamento de diárias aos pacientes, “mas a maioria dos municípios não a cumpre, o que deixa as pessoas em situação precária aqui na capital”. Ainda assim, a espera pela van e a fome não são as únicas dificuldades. Há casos em que o paciente perde o horário do transporte e fica sem ter como voltar. A assistente social lembra-se de um paciente do oeste que ficou sem a carona de volta porque sua consulta demorou além do esperado. “Nesse dia, pedimos à Associação Amigos do HU que pagasse a passagem de volta, mas nem sempre eles têm condições”. Uma alternativa muito utilizada pelo serviço social do HU é a colocação dos pacientes em casas de apoio voluntárias. Amigos do HU - Criada em 2001, a Associação Amigos do HU (AAHU) é uma entidade sem fins lucrativos, que tem por objetivo dar assistência aos pacientes e acompanhantes durante a perma-

nência deles no hospital, e é formada exclusivamente por voluntários. Para o presidente da AAHU, Narciso Policarpo, a “ambulancioterapia” é uma prática desumana, mas não há como acabar com ela. “O governo não tem como interiorizar todos os serviços de saúde”. Para ele, o que pode ser feito é atenuar o problema deslocando serviços de média complexidade para as localidades mais distantes, deixando somente os casos mais graves para a região da capital. Para diminuir o sofrimento da espera, a AAHU está construindo, em parceria com a Receita Federal, uma sala de acolhimento aos pacientes, com televisor e poltronas para que eles se acomodem com mais conforto. A obra deve ficar pronta até fevereiro de 2010 e custará cerca de R$1 milhão. Atualmente, as pessoas aguardam o retorno para casa em alguns bancos e no gramado em frente ao HU. Telemedicina - Outra iniciativa para diminuir o fluxo de pacientes do interior para a capital é o projeto Telemedicina, uma parceria com o governo do estado que tem por objetivo realizar o máximo de procedimentos possível sem que o usuário precise deixar o município de origem. Através dele, já se pode realizar procedimentos como o eletrocardiograma e exames dermatológicos nos postos de saúde.O sistema básico que é instalado nas unidades de saúde locais custa me-

“Os que vêm sem agendar ficam batendo de porta em porta para conseguir consulta”

nos de R$3 mil e é composto por um eletrocardiograma e uma máquina digital para fotografar as lesões dermatológicas. Os exames são realizados por um profissional da área da saúde e transmitidos para um especialista na capital, que emi- Até fevereiro, HU vai ter sala de acolhimento te o laudo técnico. Para Harley Miguel Wagner, um dos coordenadores do assistência, outro serviço ofereciprojeto, o sistema permite a reali- do é o da segunda opinião formazação de exames preventivos em tiva, que pode ser utilizado pelo pessoas que fazem parte do gru- profissional do interior em caso po de risco de algumas doenças. de dúvida no diagnóstico. Através “Conseguimos diminuir a fila de dele, pode-se consultar os exames espera e atender a uma demanda do paciente e realizar uma troca reprimida de exames preventivos de informações entre o profissioque antes competiam com os ca- nal local e um especialista. Desta sos de urgência.” O número de forma, o usuário tem outra opinião exames realizados aumentou mui- sem precisar deixar o município to, já que o município não depende de origem e, mais uma vez, evitar mais de cotas em clínicas privadas os transtornos da “ambulancioteou do transporte para a capital para rapia”. Porém, mesmo com todas prestar o serviço. essas iniciativas, todos os dias deO projeto pretende chegar, até o zenas de ambulâncias continuam final do ano, a mais de 200 muni- chegando ao HU. O que reforça cípios catarinenses, e, em 2009, já a necessidade de capacitação dos realizou mais de 220 mil exames, profissionais dos postos de saúde, sendo que desses, 180 mil foram maior investimento na regionalieletrocardiogramas, todos através zação do serviços e melhorias nas do Sistema Único de Saúde (SUS). condições de recepção aos pacienAlém da realização de exames, o tes na capital. Pessoas como dona Telemedicina trabalha com capa- Marialva aguardam a solução. citação à distância do pessoal de É incrível como as atendimento nos postos de saúde. pessoas temem repreTodas as semanas, são realizadas sálias das administrawebconferências direcionadas aos ções municipais e não profissionais, com temas que vão entendem que o tratadesde a prevenção à diabetes até mento é um direito. Bastidores em: ao diagnóstico de câncer de pele. http://migre.me/bA3n Ainda na área de capacitação e Cátia Santos

Diego Vieira

4


24 Quatro

Florianópolis, novembro de 2009

Quatro minutos TEXTOS CURTOS SOBRE TEMAS QUE SE ESTENDEM

A lama foi uma das protagonistas da competição. Com a chuva do fim de semana, além da água que os organizadores jogaram, a pista se transformou numa piscina

Tecnologia e lama em prova off-road Texto e Fotos Erich Casagrande

C

huva, barro e gasolina. Essas foram as palavras que marcaram a etapa Regional Sul da Baja SAE Brasil. A competição ocorre desde 2003 e pela primeira vez foi realizada na cidade de Horizontina (RS). No início de novembro, 13 equipes de estudantes de engenharia de 11 universidades do sul do país tiveram seu protótipos off-road desafiados. Além de apresentarem seus projetos aos juízes e realizarem as provas de segurança e conforto, os pequenos carros de rally tiveram que superar curvas fechadas, piscina de lama, saltos, costeletas e adversários em duas baterias de enduro. Eixos quebrados, motores fundidos, suspensões arruinadas e capotagens. As primeiras competições de baja começaram no início da década de 60 nos Estados Unidos. Na

época, aventureiros se reuniam para cruzar os 1.340 quilômetros de deserto entre o Oceano Pacífico e o Golfo do México em carros preparados para qualquer tipo de terreno. Atualmente, com o avanço da tecnologia, os bajas viraram protótipos de carros especialmente desenvolvidos para competições de rally. Alguns modelos podem ser vistos em competições como o Rally Dakar, por exemplo. Os “minibajas”, como também são conhecidos, são completamente projetados e construídos por estudantes. A ideia é desenvolver o conhecimento na área da construção automotiva, incentivado pela possibilidade de criar um projeto campeão. Na etapa de Horizontina, foram seis provas: segurança, apresentação, conforto, suspensão e tração, rampa e enduro de resistência. Ao final dos testes, venceu o protótipo ilhéu, da equipe da Universidade Federal de Santa Catarina.

Pilotos se reúnem antes da corrida para receber instruções dos fiscais

+

fotografava, quase fui atropelado por um dos pilotos. 4 Enquanto Bastidores em http://migre.me/bL1A

Protótipo não resiste ao duro teste e é retirado do circuito

“Minibajas” são completamente desenvolvidos por estudantes das universidades que participam do evento

Foco é desenvolver estudos na construção automotiva


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.