de.lovely • ano um • número um • junho de dois mil e sete
de•lovely ano um • número um • junho de dois mil e sete
Tempo Aproveite esse bem escasso do seu modo
Cotidiano A Belém revelada do alto dos edifícios
Cláudio Barradas O papa do teatro paraense fala sobre palcos e Igreja
Imagens do além? Ficção e realidade na fotografia de espíritos
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índice
Capa foto Renato Chalu • figurino Diogo Carneiro modelo Ana Margarida Pugliesi
CL
Á
Per UDI fi O B e b l com asta este ARR nte tre AD per p doi s sa olêmi sonag AS e c cer dóc o que m ma ios: se d rcan t ser ato ivide e e re npad re.
MODA
64
40
Um galpão abandonado e tomado pela natureza é palco de nosso ensaio de moda com sobreposições de roupas leves que destacam a feminilidade.
O VELH
, um ANO empo t M o , O acom atualid TEMP lação
re sos da lia sua precio as pessoas Qual is a m s o n m e er co dos b os sab io. m o F ? de elóg mor o c m da
LESTE EUROPEU
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Casal escolhe um roteiro de viagem nada convencional para a lua-de-mel, passando por cidades como Praga, Viena e Budapeste.
AINDA NESTA EDIÇÃO: • Entrevista: BADI ASSAD 08 • Especial: QUEM É MORTO SEMPRE APARECE 12 • Cotidiano: BELÉM DAS ALTURAS 20 • Beleza: PÉ, MEU QUERIDO PÉ 74 • ENSAIO 24 • MÚSICA 25 • LITERATURA 30 • PORTFÓLIO 58 • PAPO DE MESA 62 e 70 • GULA 72 • CINEMA 73 • TECNOLOGIA 79 GADGETS 80 • QUADRINHOS 82 E 84 •
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de•lovely ano um número um junho de dois mil e sete
Realização Publicarte Editora Conselho editorial de.lovely André Leal Moreira, Fabrício de Paula, Janjo Proença, Edyr Augusto Proença, Juan Diego Correa, Márcia Ledo e João Carlos Braga Coordenação Fabrício de Paula Edição Esperança Bessa Produção Juliana Oliveira e Aline Monteiro Diretor de arte André Loreto Design Priscila Vasconcelos, Gil Yonezawa Ilustrador Leandro Bender Reportagem Aline Monteiro, Caco Ishak, Juliana Oliveira, Leonardo Aquino e Tylon Maués Fotografia Alan Soares, Dirceu Maués, Jaime Sousa, Mari Chiba, Renato Chalu, Francisco Del-Tetto (acervo) e Rodrigo Aguilera (acervo) Colunistas Bruno Lobato, Dênis Paes Barreto, Edyr Augusto Proença, Gustavo Rodrigues, Janjo Proença, Marcelo Damaso, Palmério Dória, Pedro Galvão e Saulo Sisnando Revisão José Rangel Tiragem 5 mil Gráfica Santa Marta Comercial Fabíola Rodrigues e Sâmia Homci comercial@editorapublicarte.com.br f: (91) 4005-6868 Agradecimentos coletivo Caixa de Criadores, Natalina Mendes, Francisco Macêdo, Dona Suely, Seu Carlos, Seu Luiz, Ariane Mathne/Crowne Plaza e Paloma Pamplona (moda e drops) Fale conosco (91) 4005-6868 / 4005-6878 redacao@editorapublicarte.com.br Roxy de.lovely é uma publicação trimestral da Publicarte Editora para o Roxy Bar. Os textos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião da revista. É proibida a reprodução total ou parcial de textos, fotos e ilustrações, por qualquer meio, sem autorização.
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editorial
O PRAZER DE ESTAR LÁ E O PRAZER DE LER
Meus amigos, é com imenso prazer que apresento a vocês o primeiro número da de.lovely, a revista do Roxy Bar, idealizada pelos amigos da Publicarte, a partir do ambiente, do público, da atmosfera do Roxy, enfim, do slogan “o prazer de estar lá”. O Roxy é uma boa idéia. Quando eu e João Carlos Braga olhamos para trás, nos impressionamos com o tempo que passou. Tudo o que queríamos era nos divertir, fazer um lugar onde pudéssemos nos reunir com os amigos, jogar conversa fora e comer pratos simples, mas gostosos. Até hoje o espírito é o mesmo. No Roxy, chegamos, lemos o cardápio e pedimos sempre o mesmo prato. Chamamos os garçons pelos nomes. Acenamos para as outras mesas. No Roxy, aproveitamos para exercitar paixões como videoclipes, grafismo e Marilyn Monroe. O prazer de estar lá. Esse prazer, essa disposição pela novidade, bem viver, amizade, alto astral, está em de.lovely, que foi discutida longamente com André Moreira e sua equipe, formada por jovens talentosos e curiosos. Eles, que também são clientes do Roxy, compraram a idéia e o resultado está neste primeiro número. O prazer de estar lá e o prazer de ler. Boa leitura. Janjo Proença
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06
nossa equipe
expediente
Editorial editor-chefe Fabrício de Paula
Arte
editora
Esperança Bessa
diretor de arte André de Loreto Melo
produção
designers
reportagem
Priscila Vasconcelos Gil Yonezawa
Juliana Oliveira Aline Monteiro
Aline Monteiro Caco Ishak Leonardo Aquino Tylon Maués
Ilustrador Leandro Bender
Colunistas Bruno Lobato Dênis Paes Barreto, Edyr Augusto Proença, Gustavo Rodrigues Janjo Proença Marcelo Damaso Palmério Dória Pedro Galvão Saulo Sisnando
fotógrafos Alan Soares Dirceu Maués Jaime Souza Mari Chiba Renato Chalu
fale com a gente
revisor Fabrício de Paula José Rangel
redacao@editorapublicarte.com.br
da redação
´´´´ o nosso tempo dedicado a voce
A de.lovely é uma revista para quem tem todo o estilo Roxy de ser:
Indo na contramão do senso comum, apresentamos um jeito dife-
vive num ritmo diferente, curte cada minuto do dia, conhece os praze-
rente de ver a moda, exibimos as criações dos novos designers locais,
res de ser feliz. Daí surgiu a idéia de fazer a reportagem principal deste
e oferecemos até um ângulo inusitado para observar coisas tão fami-
primeiro número sobre a relação das pessoas com o tempo, essa coisi-
liares, como o paraensíssimo edifício Manoel Pinto da Silva, na Belém
nha tão preciosa que falta para uns e sobra para poucos privilegiados.
vista do alto dos espigões. Também colocamos foco sobre os tão mal-
A capa é inspirada nesta matéria. Enquanto as pessoas correm de
tratados pés, objeto de desprezo para uns, e de desejo para outros.
um lado para outro, na rotina estressante do dia-a-dia, há quem prefira
Conhecemos um pouco mais do talento de Badi Assad, violonista
fazer sua própria história, ter seu ritmo, saber que passo está dando e
e cantora brasileira reconhecida no exterior e ainda restrista a poucos
para onde quer ir. Por isso, se destaca em meio à multidão.
ouvidos no país onde nasceu. Da mesma forma nos deliciamos com
Esse é o estilo Roxy - o saber viver bem, e com prazer. E é isso que
o padre-ator (ou seria ator-padre?) Cláudio Barradas, que, modesto
tentamos traduzir em toda a revista, com matérias diferenciadas, le-
como a Bíblia manda, não admite ser reconhecido como um dos maio-
ves, divertidas, com apuro visual em cada detalhe, tudo para você,
res nomes do teatro nesse Estado. Agora dividimos esse prato com
leitor, ter prazer em folhear todas as páginas.
você. Sirva-se à vontade. Esperança Bessa
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ra o
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entrevista
08
texto Aline Monteiro foto Fernando Velazquez/divulgação design Gil Yonezawa
Musa musical
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Badi Assad não é um nome di-
lança discos pelas gravadoras
fícil de se pronunciar em terras
internacionais. Faz o que cha-
estrangeiras. Ao contrário, a
ma de “música universal bra-
cantora, violonista e composi-
sileira”. Um conceito que Badi
tora brasileira, que começou a
percebe
chamar a atenção do resto do
land”, seu mais recente CD,
mundo nos anos 80, fez car-
ambíguo como o País das Ma-
reira no exterior, encadeando
ravilhas de Alice, capaz de unir
discos aclamados pela crítica
– com coerência – Billy Blanco a
internacional, como o elogiado
Asian Dub Foundation.
“Chamaleon”.
claro
em
“Wonder-
Às vésperas do nascimento
Foi alçada ao posto de musa
da primeira filha, Sofia, ela tem
por resumir em si suavidade e
motivos de sobra para come-
virtuosismo. Por conta do su-
morar. Este ano, aproveitan-
cesso além de nossas frontei-
do a festa dos 60 anos de ca-
ras, com discos vendidos no
samento dos pais, Badi sobe
Brasil a preço de importados,
ao palco com eles, os irmãos
aqui Badi Assad é vista por
Sérgio e Odair (o Duo Assad) e
muitos como gringa.
os sobrinhos, todos músicos,
Ela está de volta ao Brasil há
para shows em família que vão
seis anos, mas continua sendo
render um DVD. De São Paulo,
uma artista do mundo - ainda
a diva concedeu esta entrevis-
passa metade do ano lá fora e
de.lovely. ta exclusiva à de.lovely
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Você voltou a morar no Brasil depois de ter um nome constituído lá fora. Mas a carreira continua entre o nosso país e o exterior. Como tem sido administrar isso?
Era um desejo antigo o de ser mãe? Era o desejo de alguns anos e agora deu certo. Já sofri um aborto. Mas agora vingou a bichinha. Está aqui, bem.
Voltei em 2001 e considero que a minha carreira começou aqui nessa época, porque todos os discos precedentes não chegaram a ser distribuídos aqui. Lancei o “Verde” e agora o “Wonderland”, com os quais tive oportunidade de divulgar
Como foi inverter o processo e lançar seus últimos discos primeiro no Brasil antes de divulgá-lo em outros países? A gravadora não é daqui. Acabei assinando contrato com
mesmo o trabalho. Durante
os
uma na Alemanha, mas fiz ques-
últimos
tão de inserir uma cláusula para
dois ou três anos tenho
que os lançamentos fossem fei-
ido duas vezes por ano à
tos primeiro no Brasil. Aqui são
Europa e duas vezes aos
distribuídos pela Universal.
Estados Unidos. Ou seja,
Tem suas vantagens, porque
estou fora metade do ano.
sou uma artista do mundo pela
Com o nascimento da So-
Universal. Mas não sou uma
fia, queria fortalecer mais
artista brasileira para a grava-
a carreira aqui para não
dora. Meu primeiro disco aqui,
precisar viajar tanto.
“Verde”, foi considerado pela Universal brasileira como um
Como você encara o
disco importado.
fato de ter feito sucesso no exterior e ainda não
É meio louco isso...
ser tão conhecida no pró-
É muito louco, porque o pre-
prio país?
ço do meu disco foi de CD im-
Meu trabalho faz par-
portado, caríssimo. O brasileiro
te de um nicho que não
não tem grana. Então fiquei, no
encontra
facilmente
nas rádios brasileiras. São poucas com um perfil para tocar músicos como eu ou até mais conhecidos, como Lenine. A mídia
“
brasileira televisiva é uma máfia.
primeiro disco, restrita a uma
Meu trabalho faz parte de um nicho que não se encontra facilmente nas rádios brasileiras
São poucos artistas que entram. Para furar esse cerco, tem muita
“
se
elite que tem poder aquisitivo para comprar um disco que saiu a R$ 46. Acho um absurdo! Mas a gente discutiu muito e conseguiu que o “Wonderland” chegasse mais competitivo no mercado brasileiro, tanto que as vendagens foram melhores.
politicagem em volta. Não é só talento e potencial do artista. Também lá fora, para que um número maior de pessoas co-
Você tem essa experiência múltipla com a música, violão,
nheça o seu trabalho, você tem que contar com a sorte de estar
voz, corpo, tudo conectado, o que acabou formando a identi-
no lugar certo, na hora certa. O trabalho vai sendo reconhecido
dade do seu trabalho. Como essas experiências foram se inte-
pelo próprio trabalho e isso no Brasil é mais lento. Acho que
grando e transformando você no que é hoje?
tenho muita consciência disso, o que me deixa mais tranqüila.
Tudo veio no seu tempo. Comecei com música erudita e com o tempo fui percebendo que não era o meu universo, mes-
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Isso de alguma maneira te angustia?
mo na música instrumental. Descobri que tinha uma voz e que
Não chega a ser angústia... É lógico que meu sonho aqui no
gostava de usá-la, mas desde o começo ela surgiu percussiva-
Brasil não é vender milhões de cópias, mas sim ter minha car-
mente, mais como um instrumento do que cantando, o que foi
reira solidificada, o Brasil saber que eu existo. É ser considera-
entrando aos poucos no trabalho.
da, é as pessoas lembrarem que eu existo quando mencionam
Esses dois últimos discos são de canções. Como sempre
cantoras brasileiras. Acho que esse processo está acontecendo.
tive caráter de solista, isso possibilitou essa multiplicidade dos
Agora para dizer a verdade, com o nascimento da Sofia o foco
meus talentos. Consegui aglomerar essa voz a esse violão e
mudou. Isso deixou de ser tão importante.
aí fui estudar percussão. A mão esquerda faz uma coisa, eu
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consigo cantar outra, a mão direita faz uma terceira coisa, e sei lá, posso sair sapateando. É uma coisa meio do universo do baterista, que tem essa independência motora. Nunca imaginei fazer isso, as coisas foram surgindo. E como você desenvolveu sua técnica vocal capaz de fazer ritmo e melodia ao mesmo tempo? Ah, foi sempre na minha piração de estar fazendo um trabalho solo. Um dia eu descobri que era possível fazer as duas coisas juntas. Mas sempre foi uma pesquisa muito minha, solitária, de ter tido influências e inspiração de outros artistas, tipo
“
Bob Mcferrin, Stenio Mendes Nogueira, que é filho do Pauli-
Meu primeiro disco aqui, Verde, foi considerado pela Universal brasileira como um disco importado
nho Nogueira e dá uns workshops de técnica vocal. E tiveram grupos que me influenciaram que não têm nada a ver com a voz, tipo o Uakti. Só que eu tentava imitar os instrumentos do grupo com a voz e assim vieram outros sons, fui ouvir os pigmeus cantarem... Fui ouvindo coisas novas e ingerindo. O resultado está aí.
“
É mais do que sabida a relação da sua família com música, seus pais, irmãos, sobrinhos, todos instrumentistas destacados. Mas qual é a relação dos Assad com a música enquanto elemento de prazer, de ligação emocional entre vocês? Muito grande. Quando nasci, tudo já existia. Meus irmãos já tocavam violão, meu pai já tocava bandolim. Foi sempre muito natural ter música ao meu redor. A minha relação com o instrumento violão aconteceu muito em função, é obvio, dos meus irmãos tocarem. Curiosamente comecei a tocar aos 14 anos, não era nenhuma criança. Mas isso aconteceu porque durante toda a minha infância o violão pertencia a eles, ao universo deles. Eu nem pensava em fazer música, queria ser bailarina. Comecei a tocar quando a gente se mudou do Rio de Janeiro, onde meus irmãos estavam estudando, de volta para o interior de São Paulo. Meu pai ficou sem ter com quem tocar e me fez o convite. Aceitei de imediato, porque era uma oportunidade de eu me aproximar do meu pai. Eu via o quanto havia de proximidade, de respeito, entre ele e meus irmãos por conta da música. Quando essa oferta veio pro meu lado eu nem pensei duas vezes e disse “eu quero!”. Lógico que depois a gente descobriu que eu tinha talento, porque também podia não ter. Com um ano de violão já estava ganhando concurso. Mas a música sempre foi um elemento orgânico e de união dentro da minha casa. Sempre tem música na casa dos meus pais, tem gente indo lá tocar, aluno para quem meu pai está dando aula. Minha mãe está sempre desencavando uma música da infância dela que a gente não conhecia. Ela já tem 76 anos e ainda canta músicas que nunca ouvimos. É um acervo vivo. Você tem esse misto de suavidade e ao mesmo tempo o virtuosismo que leva muitas vezes ao comentário de que nunca
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discografia básica
1994 Solo - Chesky Records
Primeiro disco lançado no extese viu uma mulher tocando violão como você. Um contras-
rior, levou a revista Guitar Player
te que às vezes vira quase fetiche entre os fãs do sexo mas-
a considerar Badi (junto a Charlie
culino. Você tem noção desse posto de musa?
Hunter, Ben Harper e Tom Mo-
Não (risos). Sabe o que pode ser? As pessoas fazem uma
rello) como um dos dez jovens ta-
imagem de que sou super assediada, mas não sou. Ou pelo
lentos que mais revolucionariam o
menos não me sinto. Eu acho que eu sou tão normal! (risos).
uso das guitarras nos anos 90.
Não sei o que acontece, mas não sinto isso. Ou talvez esteja muito ignorante nesse sentido. Você não esconde que tem uma preocupação de buscar
1997 Echoes of Brazil - Chesky Records
sua espiritualidade e também qualidade de vida. De que
Produzido por Sérgio Assad, disco
forma consegue equilíbrio?
totalmente instrumental composto
Quando comecei a tocar, vivia pela carreira. Tudo o que
como um tributo à música brasi-
eu fazia, até ginástica, era pela Badi no palco. Não tinha
leira, incluindo criações de Baden
muita consciência de que vivia para a Badi e pouco para a
Powell, Paulinho Nogueira, Egber-
Mariângela – esse é meu nome de batismo. Quando pergun-
to Gismonti, Luiz Bonfá, Garoto e
tavam se eu tinha uma missão, achava que era a Badi. Até
Laurindo de Almeida.
que acordei e percebi que era a Mariângela. Se ela estiver bem, a Badi também vai estar. Essa busca começou meio cedo, quando eu troquei os clubes do Rio onde ia dançar John Travolta pelos passeios na
1998 Chameleon – Polygram
cachoeira no interior. Aos 15, comecei a ler livros de macro-
Aclamado pela crítica internacio-
biótica, livros tipo “Suggar Blues”, não queria mais comer
nal, esse disco é quase todo forma-
açúcar. Fiquei amiga de pessoas um pouco mais velhas que
do por parcerias com o guitarrista
já eram alternativas e comecei a entrar em contato com essa
americano Jeff Young. O álbum
parte mais sensitiva. Mas isso só foi aflorar mesmo quando
vendeu tão bem que a música “Wa-
estava com 20 e poucos anos.
ves” chegou a bater Madonna nas paradas da Espanha.
Houve um gatilho que desencadeou isso? Recebi um convite pra representar o Brasil num concurso de violão no Chile. Pouco antes, tinha descoberto que
2004 Verde - Deutsch Grammophon
a música erudita não era pra mim, que era uma coisa dos
Primeiro disco depois da volta ao
meus irmãos e estava fazendo cursos de teatro, dança, canto
Brasil, com a leitura dela para mú-
e tocando meu violão, tentando descobrir a minha história.
sicas de U2, Björk, Luiz Gonzaga
Chegou o telegrama, parei todos os cursos e fui estudar para
Adoniran Barbosa e Vinícius de
o concurso. Não era o que meu coração queria. Como não
Moraes. Produzido por Rodolfo
tive coragem de parar, meu corpo fez isso. Dez ou 15 dias
Stroeter, tem participação de Naná
antes de viajar, sofri um acidente e machuquei a mão. Aí comecei a acordar para a Mariângela.
Vasconcelos, Cordel do Fogo En-
2006
cantado e Toquinho.
Hoje o que dá chão à Mariângela? Viver um dia após o outro, ter a consciência de que todas minhas atitudes afetam a todos e essa coisa muito básica de fazer ao outro aquilo que você acredita para você mesmo, sempre desenvolvendo o respeito, o entendimento do que está a seu redor, para que interaja com o mundo sem uma cobrança, com uma mente mais aberta e o máximo possível ouvindo o coração e a intuição.
Wonderland – Deutsch Grammophon / Universal Music De Billy Blanco a Lenine e Bráulio Tavares, passando por Tori Amos e Asian Dub Foundation, em canções com temas pungentes contrapostos à leveza musical. Tem arranjos de Sérgio e Clarice Assad e produção de Jacques Morelenbaum. veja mais em www.badiassad.com
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texto Tylon Maués reproduções Mário Ramires design Gil Yonezawa
especial
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Quem é morto sempr e apare ce Máquina fotográfica em mãos, todos a postos para a pose e, quando a imagem é revelada - hoje se diz quando ela é vista no computador - eis que aparece uma surpresa. Um componente a mais, algo ou alguém que não estava lá. Não é um caso raro, muito menos isolado. A tentativa de captar imagens de espíritos por meio de máquinas
fotográficas
tem
sido
uma constante na história da investigação do mundo espiritual e científico. Só é preciso ver o que está além da imagem real.
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Existem fotos clássicas a esse respeito, como a do lorde escocês Combermere. Em 1891, no mesmo momento em que Combermere era enterrado, uma foto da biblioteca de sua mansão registrava um vulto, sugerindo a imagem de um homem de idade. Não é que era o próprio lorde que aparecia na foto? Pelo menos foi o que afirmaram os parentes do falecido. Como num enredo de filme barato, nem o próprio morto compareceu ao enterro. Mas não são apenas nas charnecas esfumaçadas da Grã Bretanha que os desmortos dão as caras. Eles deram o ar da graça em Belém no início do século passado. Em 1921, o então advogado e futuro desembargador Nogueira de Faria lançou “O Trabalho dos Mortos (O Livro do João)”, livro de título assustador em que eram relatadas as experiências mediúnicas da família de Eurípedes Prado, “guarda-livros da firma Albuquerque & Cia., desta praça, e cavalheiro muito conceituado nesta Capital”, tal como explica a reportagem de 20 de maio de 1920 da Folha do Norte. Os fenômenos de materialização captados pela família Eurípedes Prado foram fotografados pelo maestro Ettore Bosio, que hoje dá nome ao auditório do Conservatório Carlos Gomes e que era fotógrafo amador. Mesmo sem um embasamento científico, a obra é considerada pelos espíritas o primeiro documento de prestígio do fenômeno no Brasil. A publicação ganhou o país, quase que exclusivamente entre os praticantes da doutrina. Mórbida fama Os médiuns da família Prado ficaram famosos na época por conta das fotos que mostravam vários espíritos materializados. Observadas agora e não só por céticos, as imagens parecem, até certo ponto, patéticas montagens ou possuidoras de problemas técnicos, mas não na década de 20 do século passado, quando metiam medo mesmo. Ficaram célebres por isso.
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O fotógrafo e artista-plástico paulista Mário Ramiro estudou em 1991, na Alemanha, a técnica fotográfica Schlieren, que permite registrar as emanações de calor em volta de corpos quentes. Lá se aprofundou nas pesquisas sobre a fotografia e conheceu os muitos estudos que já haviam sido realizados não só na Alemanha, mas também na França, nos EUA e no Canadá sobre o registro do invisível. Ao retornar ao Brasil, percebeu que aqui ainda não havia sido feito nenhum trabalho sobre esse universo chamado da “Fotografia dos Espíritos no Brasil”. Foi então que chegou ao trabalho do maestro. “A minha tese é a de que essas fotografias, produzidas no contexto do espiritismo ou ainda da chamada parapsicologia (hoje conhecida como “psi”), apresentam uma gramática visual, uma composição fotográfica muito semelhante à chamada ‘Fotografia encenada’ (em inglês staged photography), uma estética artística que esteve muito em voga ao longo dos anos 80 do último século e que foi, em grande parte, responsável pela conquista definitiva do estudo da fotografia como arte”, explica Ramiro. Perguntado sobre a veracidade do que as fotos relatavam, ele tangencia. Prefere lembrar do interesse puramente científico que o levou à obra. “Eu não tenho nenhuma experiência pessoal nesse campo e não estou interessado em discutir se tais registros de fenômenos são ou não ‘verdadeiros’”. Pelo sim, pelo não, é sempre bom se precaver contra os que podem puxar seu pé à noite. Os fenômenos na casa dos Prados foram amplamente relatados pelos jornais mais importantes da época, a “Folha do Norte” e “O Estado do Pará”. Foram referendados pelos órgãos de imprensa, apesar de nem um nem o outro se dar ao trabalho de ouvir o outro lado, o da ciência. As fraudes sempre estiveram sob a ferrenha ótica do Espiritismo, doutrina que tem um pé fortemente fincado na legitimação científica e que analisa o tema com seriedade. Até hoje a quantidade de espíritas dedicados a provar que tais fenômenos são verdadeiros é praticamente igual a que caça charlatões. Mas, assim como a História só é contada por quem vence, as versões sobre esses fenômenos são díspares. Os espíritas são capazes de apostar duas reencarnações seguidas que são verdadeiros. Os céticos olham e afirmam que soam tão falsos quanto um manual para entendimento da psiquê feminina. Fraudes despropositais Mas, esse controle se faz necessário porque uma fraude pode acontecer propositalmente ou não. No caso das imagens que mal aparecem, simples borrões, a explicação mais aceita é a de que se trata do excesso de tempo de exposição das chapas à luz. É bom lembrar que no começo do século XX o tempo gasto para
“
A quantidade de espíritas dedicados a provar que tais fenômenos são verdadeiros é praticamente igual a que caça charlatões
“
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tirar uma foto era muito maior que hoje. Quanto mais o obturador (que regula o tempo da entrada da luz) e o diafragma (que regula o tamanho da abertura da entrada de luz) ficarem abertos, maior será a chance de uma pessoa que não está no foco sair borrada. Já a aparição de um corpo estranho pode ser explicada pela reutilização de uma mesma chapa ou negativo. Ou seja, é muito mais fácil não acreditar. As fotografias de fantasmas são consideradas por alguns
“
pesquisadores parapsíquicos como uma fonte confiável de informação e contato com outras dimensões. A maioria es-
As fraudes existem, isso é fato, mas fato é fato e enquanto o homem enxergar apenas o corpo, não verá a alma
“
Heitor Lacerda, espírita
magadora dos cientistas simplesmente ignora tal fenômeno. É justamente nesse critério que está o x da questão. “Não havia técnicas suficientes pra manipulações das fotos na época. As fraudes existem, isso é fato, mas fato é fato e enquanto o homem enxergar apenas o corpo, não verá a alma”, comenta Heitor Lacerda, terceiro vice-presidente da União Espírita Paraense. Fantasmas tecnológicos Hoje tais fraudes são facilmente feitas e, da mesma forma, desmontadas. Os recursos à mão são enormes e acessíveis até para quem não é profissional da área de fotografia ou da arte de falar com os mortos. Curiosamente a quantidade de materializações registradas sofreu uma diminuição considerável junto com essa expansão tecnológica. Desde o ano passado, por exemplo, o inglês Richard Wiseman, da Universidade de Heartfordshire, encabeça uma força-tarefa científica para tentar desvendar os mistérios que cercam fotografias que há décadas desafiam os céticos. Considerado o “inimigo número um dos fantasmas”, tornou-se célebre após coordenar, em 2003, uma pesquisa que derrubou a aura fantasmagórica dos sempre sombrios castelos bretões, casos do de Hampton Court (Inglaterra) e South Bridge Vaults (Escócia). A materialização, segundo a doutrina espírita, se dá com a união de dois componentes do espírito, a alma e o perispírito (o terceiro é o corpo). É um fenômeno material, como é classificado o espírito, que estaria numa freqüência diferente da nossa e que por isso precisa de um receptáculo humano - os médiuns - para aparecer (ver quadro na página seguinte). “O corpo é um escafandro abafador dos poderes do espírito. Nos sonhos fazemos coisas impossíveis ao corpo, como voar. É o espírito em ação”, explica Lacerda, sem querer colocando mais lenha na fogueira dos que olham a doutrina como um viés de enredo de ficção científica.
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Realidade ou ficção? Foto com sobreposição de imagens sugere a presença de várias “dimensões”. A criação é de Renato Chalu.
Ilustre fotógrafo O maestro italiano Ettore Bosio nasceu em Veneto e Fantasmas existem
estudou em Bolonha. Come-
Tecnicamente os “fantasmas”
çou a carreira artística aos 22
são ectoplasmas, uma subs-
anos e cedo deixou a Itália.
tância amorfa e vaporosa com
Ao mudar-se para o Brasil
tendência à solidificação e que,
primeiro viveu em São Pau-
por influência de um campo or-
lo e no Rio de Janeiro antes
ganizador específico - a mente
de vir a Belém. Além de re-
dos encarnados (vivos) e desen-
gente era também composi-
carnados (mortos) -, pode tomar
tor. Misturou a forte forma-
diversas formas. Podendo ser fo-
ção de música européia que
tografado, tem cor branco-acin-
possuía com ritmos emer-
zentada. Pode ser desde uma né-
gentes do Brasil, tanto que
voa transparente até uma forma
formulou composições para
tangível. O ectoplasma é doado
pastorinhas e teatrinhos de
pelo médium depois da molda-
revista de Nazaré.
gem pelo processo de condensa-
Foi no Brasil e mais espe-
ção e, posteriormente, retorna à
cificamente no Pará que passou a fotografar, primeiro por dile-
sua fonte (o médium) por meca-
tantismo e depois com uma prática mais apurada. Por conta dis-
nismo inverso.
so e pelo prestígio que tinha na sociedade belenense da época foi chamado para registrar e referendar os casos da casa dos Prado. Bosio foi um dos professores do maestro paraense Waldemar Henrique, a quem influenciou decisivamente no uso de ritmos africanos e indígenas em composições eruditas.
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moda drops
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Night
party part artylife
design Gil Yonezawa
AFTER
Luxo e luxúria. A noite é território de quem sabe aproveitar bem a vida e gosta de se diver-
tir. Esteja pronto para arrasar e transformar raros momentos em algo inesquecível.
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Vestido paetê e casaco chantum Le Lis Blanc, sapato e bolsa Be ini, acessórios Visão Acessórios. Na página ao lado: look Aramis.
direção/prod.: gil yonezawa fotos: alan soares assistente: carol gama stylist: diogo carneiro make up/hair: plínio palha modelos: letícia nassar alberto farid locação: crowne plaza
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cotidiano
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Belém das
ALTURAS texto Caco Ishak foto Jaime Sousa design Priscila Vasconcelos
Viver no chão não é tarefa das mais fáceis por aqui. Belém das calçadas desniveladas, do cheiro indisciplinado que brota das ruas após a chuva, da poluição sonora e visual. Audição, olfato, tato... tudo quanto é sentido junto quando explorar a cidade é antes uma aventura sensorial do que mera necessidade. Que o diga o paladar com a boca cheia de sal do suor escorrido testa abaixo ao meio-dia. No entanto, há pessoas a quem é permitido desligar as demais funções do corpo, recostar-se num canto e se deixar flanar apenas com os olhos. Para estes, o caos sonoro do asfalto chega aos ouvidos como lounge music das mais suaves, os odores já não assustam – o vento levou, foram junto com o calor. E o passeio pela cidade se torna um colírio de novas perspectivas do alto de seus espigões de vinte e tantos andares.
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É Belém vista por um outro ângulo, admi-
morar no edifício, logo no começo, época em
conhecido pelos suicídios. “Só tendo algum
rada de cima, o que, para certas pessoas, não
que figuras conhecidas da sociedade paraen-
problema mental. Não dá pra se atirar daqui
é novidade faz tempo. É o caso de Dona Júlia
se habitaram seus cômodos: “Era o máximo,
com uma vista dessa”, analisa.
Vallinoto, por exemplo, vizinha há mais de 40
uma coisa mesmo, todo mundo se ‘achava’.
anos das 189 outras famílias que residem no
Tínhamos uma vista mais bonita, pois não
Edifício Manoel Pinto da Silva, nosso primei-
existiam tantos prédios na frente. Na Trans-
Para o bem de todos os passantes e a saúde
ro arranha-céu. Aos 73 anos, encara a visão de
ladação, dava pra ver todos os fogos. Hoje em
mental dos servidores do Instituto Médico Le-
seu 14º andar como o mantra diário que entoa
dia, perdemos um pouco essa visão, embora
gal, todavia, há quem simplesmente se recon-
através das lentes de seus óculos, ocasião em
continue muito bela. É um prédio antigo, mas
forte ao vislumbrar a movimentação das mas-
que fica “horas esquecida, contemplando a
não tenho a intenção de sair daqui”.
sas em solo firme. É o caso do médico Mauro
Para sonhar
baía, o Theatro da Paz”, principalmente após
Faz certo, Dona Júlia. O velho Manoel pode
Pantoja, 47, morador do 15º andar num bairro
as seis da tarde, “quando as luzes se acendem
ter perdido um tanto de seu glamour, é verda-
nobre. Criado em casa, sempre gostou de altu-
e tudo se transforma”.
de, mas o visual permanece o mesmo. Lá es-
ra e mora em apartamento há 20 anos. Nunca
Dona Júlia já teve a oportunidade de subir
tão o Ver-o-Peso e suas embarcações, as ruelas
abaixo do 10º andar. Dependendo do momen-
ao 25º andar e confirma que, da cobertura, é
da Cidade Velha, as prostitutas da Riachuelo
to em que se encontra emocionalmente, Mau-
possível se observar a cidade quase que em
e o Bar do Parque, tradicional ponto para uma
ro se deixa levar pela imaginação enquanto
sua totalidade. Dos apartamentos mais bai-
gelada no fim do expediente. Bem lembrada,
observa o formigueiro de gente que vai e vem
xos, porém, a história é outra de uns tempos
também, Nossa Senhora de Nazaré abrindo
sob sua vista, fazendo Cooper ou passeando
pra cá. Os anos foram passando e a expansão
alas para Eloi Iglesias e as Filhas da Chiquita.
com os filhos na Praça Batista Campos.
imobiliária mudou o panorama. É com pe-
Difícil de imaginar, portanto, o que se passa
“Cada vez mais, nosso tempo está reduzi-
sar na voz que recorda a maravilha que era
na cabeça de uns que se jogam do prédio já
do em termos de parar em casa. Então, sem-
Júlia Vallinoto fica “horas esquecida, contemplando a baía, o Theatro da Paz”, principalmente após as seis da tarde, “quando as luzes se acendem e tudo se transforma”.
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“
É uma emoção muito grande ver a cidade de cima, ver coisas bonitas que as pessoas lá embaixo não conseguem ver
“
Sílvio Evangelista Lopes, operário.
pre entre uma correria e outra, é bom relaxar,
em Ananindeua, rumo à labuta. Operário da
emoção muito grande ver a cidade de cima,
recordar sobre o passado. Às vezes, acordo
construção civil desde os 18 anos, Sílvio acu-
ver coisas bonitas que as pessoas lá embaixo
cedo e venho pra sacada. Assisto ao pôr-do-
mula vários prédios em seu currículo. Lem-
não conseguem ver. Daqui, eu consigo enxer-
sol praticamente todos os dias daqui de cima.
bra-se, com uma risada, de quando as edifica-
gar o rio todinho, por exemplo. Vejo os aviões
Vejo uma cidade que cresceu muito nesses úl-
ções não passavam dos 12 andares. De lá para
pousarem no aeroporto. Eu me sinto feliz por
timos vinte anos. Belém, hoje, está desenvol-
cá, esse número de andares triplicou.
ver algo novo, que ainda não tinha visto”.
vida, com suas avenidas e praças mais bem
Ele garante que não sente medo algum ao
É, de fato, uma senhora vista, cheia de
iluminadas, as ruas mais bem asfaltadas. A ar-
ficar no 36º andar de uma obra em andamen-
descobertas a cada esquina. De lá do alto, as
quitetura dos prédios também traz um certo
to. Mas isso, ele deixa para os novatos, como
distâncias parecem diminuir – as físicas, pelo
tipo de beleza. Fui criado em uma época em
uma iniciação. “Quando os mais novos che-
menos. Do bairro de Val-de-Cans para o Ver-
que o contato direto com a rua era muito bom.
gam pra trabalhar pela primeira vez, com 18,
o-Peso é um pulo. Mas não se engane. Trata-se
Atualmente, já não é mais assim. Por questões
19 anos, ficam um pouco nervosos. Com o
de uma Belém rica em sinuosidades, onde as
até de segurança, é melhor morar em aparta-
tempo, vão se adaptando. Uma vez, um rapaz
retas se curvam e as curvas formam um labi-
mento”, avalia.
foi logo tendo cara branca, ficou bastante ame-
rinto de anseios na mente do observador.
drontado. Nessas horas, não dá pra olhar pra Nas alturas
baixo. Tem que se concentrar no trabalho”.
“A natureza é muito boa para Belém, ajuda no clima da cidade. Já a construção dos
Por outro lado, há quem acorde cedo, antes
Católico praticante, Sílvio se sente realiza-
prédios é um outro tipo de beleza. De cima,
do sol raiar, e encare a altura de forma com-
do por aperfeiçoar o mundo que, acredita, fora
é uma visão muito bonita, de verdade”, arre-
pletamente diferente. Faz 23 anos, a rotina de
feito por uma entidade superior. Mais reali-
mata Sílvio Lopes ao final do breve passeio,
“seu” Sílvio Evangelista Lopes é a mesma:
zado, ainda, por ter o privilégio de poder ver
preparando-se para encarar uma nova aven-
sai ainda com o galo cantando de sua casa
esse mundo todo de onde trabalha: “É uma
tura em terra firme.
Há 18 anos o operário Sílvio Evangelista Lopes vê a cidade de cima dos prédios que constrói
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Ensaio
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manoel
pinto
texto Juliana Oliveira foto Francisco Del Tetto Jr. design Priscila Vasconcelos
MANOEL PINTO
Desnaturalizar o olhar. Surpreender-se com paisagens que vemos to-
“Eu me considero um desenhista
dos os dias e de repente redescobri-
e trabalho com geometria, sou es-
las. Foi com esse estranhamento que
cultor também, só que o desenho é
o artista plástico Francisco Del-Tetto
mais pessoal, a escultura objetiva a
Júnior fez sua primeira incursão foto-
beleza acima de tudo e é a fotografia
gráfica originando a exposição “Aves-
que permite ‘revelar’ um objeto, mes-
so”. A mostra trazia ângulos pouco
mo subjetivamente”, conta Del-Tetto,
convencionais do histórico prédio Ma-
que por mais de uma vez se deliciou,
noel Pinto da Silva, o primeiro arra-
durante as exposições (em 2005 no
nha-céu de Belém.
bar Pimenta Café, e em 2006 na ga-
Acostumado com pesquisa das formas
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memória afetiva da cidade.
geométricas
aplicadas
ao
leria Theodoro Braga), com a surpre-
de-
sa dos espectadores que julgavam
senho e à escultura, principalmente
conhecer tão bem a locação e não a
utilizando ferro como matéria-prima
reconheciam nas fotos, mesmo não
de obras em grandes dimensões, o
havendo nenhum tipo de intervenção
artista plástico buscou na fotografia
sobre elas. Apenas o seu desnuda-
o caminho para “revelar” um ícone da
mento, indo além do que é aparente.
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Marcelo Damaso jornalista e produtor cultural
literatura
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De cão morto a sem dono
O tom de fúria e rebeldia da obra de Salinger é
jovens que, diferente de sua turma, esperam por
contra um mundo injusto aos seus anseios. Já o
uma situação financeira estável para, aí sim, ar-
de Galera é apenas contra si mesmo, ou a algo
riscar os próprios rabos em uma independência
que ainda não descobriu direito.
ou vida a dois.
Recomendado por dois escritores que tenho
(E esse texto não é sobre o Dapieve)
entre meus 10 favoritos, João Gilberto Noll e
Com um pouco mais de coragem do que
Marçal Aquino, o livro de Galera assumiu pro-
seus contemporâneos, um cara de vinte e pou-
porções que talvez nem mesmo o escritor tenha
cos anos, lá em Porto Alegre, saiu da casa dos
imaginado. Foi através de Marçal Aquino que o
pais após concluir o curso de Letras, alugou
livro foi parar nas mãos de Beto Brant, que três
um apartamento pequeno, adotou um cão de
meses depois ligou para Galera e fez a proposta
rua por uma estranha compaixão e tratou de
de ser seu novo longa-metragem. Atualmente, o
manter um romance doentil com uma modelo
escritor (que assim como seu personagem é tra-
que insistia em ficar com ele. Esse “cara” (sem
dutor) vive em São Paulo, já traduziu obras de
nome) é o personagem principal do livro
Robert Crumb e está em seu terceiro livro a ser
“Até o dia em que o cão morreu”, de Daniel
lançado pela editora Companhia das Letras.
Galera, que acaba de virar longa-metragem nas
Se Daniel Galera usou referências próprias
mãos do talentoso Beto Brant (diretor de “O In-
para compor o protagonista de seu primeiro
vasor”, “Matadores”, “Ação entre amigos” e do
romance, com certeza a despretensão foi uma
curioso “Crime delicado”).
estratégia sob medida. Sua carreira caminha em
A geração de Galera – que posso estender à minha – é o que se pode chamar de adoles-
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anos e continua odiando diversas
entre o final dos anos 70 e início dos 80) como
J.D. Salinger consagrou-se com o ro-
mas com suas devidas diferenças de geração. coisas, entre elas dar entrevista e
field, de “O apanhador no campo de centeio”,
mo”, ele caracteriza a minha geração (nascidos
ter contato com qualquer fã de sua
Dapieve, “De cada amor tu herdarás só o cinis-
mance “O apanhador no campo de
próxima do personagem é com Holden Caul-
centeio”, que publicou aos 32 anos,
alguém ao seu lado. A referência literária mais
No primeiro romance do jornalista Arthur
cultuada obra. Desde 1965 que não
tas realizações) a se lamentar?
publica um trabalho novo e nunca,
sua saúde, prosperidade, família e o futuro com
em 1951, e que narra o fim de sema-
cão morreu”: um cara tá pouco se lixando para
dificuldades financeiras (mas também sem tan-
na, em Nova York, de um moleque
uma pessoa de vinte e tantos anos, sem tantas
jamais, autorizou a adaptação de
sim é a voz narrativa de “Até o dia em que o
um de seus livros para o cinema. O
com a comodidade de uma alma cansada. As-
mente um fracasso, mas perto disso. O que leva
de 17 anos que odeia tudo e todos
novo, o sentimento é de desânimo - não exata-
– exceto sua irmãzinha Phoebe. Je-
da juventude e a vontade de abraçar o mundo
escritor odeia a sétima arte.
cência prolongada, que mistura a inquietação
rome David Salinger hoje tem 88
Ao entrar no quarto, sentar na poltrona ainda com a roupa do trabalho e escolher um CD
marcelo.damaso@gmail.com
passos bem dados e o futuro já pode ser algo precioso a se preocupar.
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comportamento
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os texto Leonardo Aquino foto Renato Chalu design Priscila Vasconcel
Dez minutos para ler esta reportagem até o final. Alguns centésimos de segundo para virar a página. Os mesmos centésimos que fazem a diferença entre um recordista mundial e um atleta fracassado. Uma hora de descanso entre o almoço e a jornada vespertina de trabalho árduo. Num intervalo igual, um executivo de uma multinacional fecha um negócio bilionário do outro lado do mundo. Seja qual for a atividade, o estilo de vida, a idade, estamos sempre apegados a essas unidades de tempo: a carga horária de trabalho, a duração de uma atividade física cotidiana, a hora certa de tomar um remédio...
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Imagem comum do cotidiano: pessoas andando apressadas, para vencer a batalha contra o relógio e dar conta das tarefas do dia.
Uma das mais famosas máximas do capitalismo diz que
tor paraense Vicente Franz Cecim. “O tempo sempre foi
“tempo é dinheiro”. E não faltam exemplos práticos disso.
diferente em todos os tempos que o homem conviveu com
Estacionar por até quatro horas num shopping de Belém
ele. Por um lado, sempre houve um tempo falso – o tempo
custa R$ 2,50. Alugar um carro popular com quilometra-
psicológico, que, se alimentando das nossas emoções – via
gem livre lhe tira cerca de R$ 90 do bolso por dia. Já uma
recordações, apegos, temores, ansiedades – acaba com a
inserção local de 30 segundos no intervalo do “Fantástico”,
gente. Por outro lado, sempre há o tempo verdadeiro, fac-
da Rede Globo, não sai por menos de R$ 5 mil.
tual”, explica o poeta paraense.
O tempo que nos serviria para viver no pleno sentido da
Na prática, Cecim adota uma postura semelhante à do
palavra hoje virou mercadoria, e das mais preciosas. Quem
próprio discurso para construir a relação que tem com os
tem, aproveita. Quem não tem, lamenta. Poucos conse-
ponteiros. “Tento viver distinguindo o tempo psicológico
guem subverter este dogma. Se nem todo homem conse-
do factual, usando a bússola em vez de ser usado por ela.
gue se relacionar de forma saudável com o tempo que tem,
Mas é uma navegação muito difícil”, confessa. Uma difi-
talvez a culpa esteja na nossa própria condição de animal
culdade que não é à toa, segundo o próprio Cecim.
racional.
“O desastre é que o homem ocidental tem uma vocação
Segundo o filósofo francês Henri Bergson, a inteligência
dolorosa, grotesca, para se tornar escravo de suas inven-
humana divide o tempo em partes iguais e fixas – segun-
ções. Começamos a criar relógios para medir o tempo, ago-
dos, minutos, horas. Isso faz com que deixemos de viven-
ra são eles que nos medem. Um dia sem relógios no pulso é
ciar a passagem de um momento a outro.
um dia que transmite uma rara sensação de liberdade e le-
O ponto de vista de Bergson é parecido com o do escri-
veza, para quem vive submetido ao seu relógio”, desafia.
Todos os dias acontecem mais de 40 mil tempestades na Terra. Ou seja, até o fim de uma aula de 50 minutos, já terão acontecido pelo menos 30 tempestades.
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“
“
A pontualidade é uma questão de respeito para com o outro Édson Franco, reitor da Unama
Colecionando horas Relógios, essas algemas que nos aprisionam à nossa própria racionalidade e nos condicionam à escravidão do tic-tac. Objetos que são vistos de outra maneira pelo médico Valdenor Godinho: como peças de coleção. Nas paredes da casa onde mora, são 55 deles. E já foram muito mais. O hobby começou há 10 anos, motivado por uma lembrança da infância. “Meu pai era marceneiro. Ele construía e reformava aqueles relógios de parede americanos. Lembro que não usava prego para reformá-los, era tudo encaixado com muito cuidado. Eu ficava fascinado com aquilo”, recorda. Mas se engana quem pensa que essa fixação por relógios esconde uma relação rígida com as horas. “Você sabe que eu nunca tinha pensado em relacionar uma coisa com a outra?”, surpreende-se o doutor Valdenor com o tema principal da entrevista. Na verdade, refletir sobre o próprio tempo foi um ponto-chave na sua vida. “Depois que nasceram meus primeiros três filhos, tive que batalhar muito para sustentá-los. Tinha consultório próprio, trabalhava na área de gestão no serviço público e às vezes tirava plantões nos fins de semana. Durante doze anos, meu ritmo de vida foi assim. E me senti um pouco ausente da criação deles”, desabafa. A mudança definitiva surgiu com o nascimento de Gabriel, o temporão, há 4 anos. “Hoje trabalho um pouco menos durante a semana, nos fins de semana eu me apago de tudo, me afasto da profissão e cuido do meu filho. Quero ter com ele uma relação mais presente do que a que tive com os outros três”, conta. Numa época em que o trabalho é mais fim do que meio, a família acaba penalizada pela falta de tempo.
O médico Valdenor Godinho reduziu sua coleção de relógios para 55 exemplares. Ele nunca pensou em sua relação com o tempo.
Um exemplo um pouco diferente desta mesma constatação é a vida de Rui Paiva, que tenta dividir as 24 horas do dia entre atividades bem distintas: advogado da prefeitura de Belém, professor de redação e baterista da banda de rock Álibi de Orfeu. Como se tanta coisa já não fosse suficiente, Rui encontra tempo para fazer musculação (de 1h30 a duas horas por dia) e ainda faz mapa astral nas horas vagas.
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9 segundos e 77 centésimos é o tem po que o jamaicano Asafa Powell, o homem mais rápido do mundo, demora par a percorrer 100 metros rasos.
“Todo mundo cobra um pouco da minha atenção, né? Pai, irmãos, esposa... Se eu não soubesse dialogar, teria problemas de verdade”, conta Rui, que tem uma visão
exposto ao tempo
otimista sobre a própria rotina movimentada. “Meu tempo nunca é apertado. Sempre sobra um pouco. É preciso saber administrá-lo”. A arte do tempo E se administrar o tempo é uma arte, o professor Édson Franco, reitor da Universidade da Amazônia, é um virtuoso. Cada um dos muitos compromissos diários tem que ser anotado previamente numa agenda, daquelas em que em duas páginas você enxerga a semana inteira. “Eu falo com você hoje pensando daqui a sete dias”, explica. E cada atraso é quase um motivo de autoindulgência. Todo mundo que o conhece, sabe: colações de grau dos quais ele participa não podem começar um
Perceber que a seqüência cotidiana, segura e racional de tarefas é
minutinho sequer depois da hora marcada. “A pontuali-
apenas um momento transitório pode ser um desafio, já que nem
dade é uma questão de respeito para com o outro”.
todos se permitem repensar o tempo, ou o modo como se apropriam dele. Foi em busca de entender essa relação que os artistas plásticos Armando Sobral e Alberto Bitar produziram as obras que integram a exposição “Tempo”.
Qual seria o segredo de uma relação saudável com a rotina? O professor Édson diz que aprendeu não apenas com a própria vivência, mas também com livros sobre gerenciamento do tempo. “Disciplina, em primeiro lugar. Depois, é importante você não querer fazer tudo ao
A mostra exibiu colagens de diversos trabalhos dos dois. Entre as
mesmo tempo”, ensina. O único deslize aparente fica
fotografias de Alberto encontram-se trabalhos das séries “Enquan-
por conta das poucas horas de sono: de meia-noite às 5 e
to Chove”, “Quase todos os dias”, “Paisagem urbana em três atos”
meia da manhã. Mas de uma forma ou de outra, elas são
e outras. De Armando os expectadores puderam acompanhar a ge-
compensadas. “Assisto a muitas palestras sempre. Dá
nealogia que o artista faz de seu processo artístico apresentado em
pra tirar uns cochilos durante algumas”, brinca o reitor.
32 obras distribuídas em imagens, desenhos e litografias.
Uma jornada tão planejada e religiosamente seguida acaba tirando do cotidiano um elemento que, para muita gente, é essencial no tempero da vida: o fator surpresa. Mas, como o respeito à agenda é algo sagrado para
“
“
o professor, esse salzinho nem faz falta. “Não gosto de
O tempo factual paga muito pouco - não vale a pena. E o tempo psicológico nada paga - só pratica extorsões
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Vicente Cecim, escritor
imprevistos. Eles me incomodam muito”, conta. Exemplos como este são exceções no dia de hoje. E essa falta de respeito com a organização da própria agenda abre um lucrativo nicho de mercado. Empresas são criadas para prestar consultoria sobre gestão de tempo a pessoas e a outras companhias.
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Para o escritor Vicente Cecim, criamos relógios para medir o tempo. “Agora são os relógios que nos medem.”
Uma delas é a Tríade do Tempo, que afirma dispor de uma das maiores bases estatísticas sobre gestão de tempo e produtividade. O dado mais impactante é: apenas um terço das horas dos trabalhadores no Brasil é utilizado com atividades realmente importantes para a vida profissional ou pessoal. Falta de tempo para planos pessoais, reuniões improdutivas, distrações no escritório... Seja qual for o fato, a origem do problema é uma só. A falta de foco. “O cérebro é facilmente atraído por acontecimentos ao seu redor. Basta alguém no escritório iniciar uma música, um falatório ou alguma novidade e pronto, era essa a desculpa que você precisava para fugir da atividade por algo mais interessante”, explica Christian Barbosa, autor do livro que dá nome à empresa e principal palestrante da Tríade do Tempo. O conferencista enumera algumas das principais dicas para tornar o tempo mais produtivo por meio da ampliação do foco. Mas há quem diga, baseado na própria vivência, que a grande chave para o sucesso nessa relação é simplesmente valorizar o tempo. Seja qual for o seu conceito de valor ou quanto o tempo custar para você. É mais ou menos como filosofa o escritor Vicente Franz Cecim: “O tempo factual paga muito pouco – não vale a pena. E o tempo psicológico nada paga – só pratica extorsões”.
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Para aproveitar o tempo 1) Liste todas as atividades do seu dia, ordene de acordo com a prioridade de cada uma e respeite essa ordem. 2) Se precisar de atenção especial em alguma tarefa, desprenda-se de tudo. Desligue celular e televisão, desconecte o MSN e o e-mail, feche a porta e recomende que ninguém lhe interrompa. 3) Crie uma espécie de ritual para atrair a concentração: um determinado tipo de música ou exercício de relaxamento antes do trabalho pode ajudar. 4) Respire profundamente algumas vezes. Você diminui a ansiedade e deixa a mente fluir mais naturalmente.
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musica
Númerose outras Mágicos superstições idiotas daquela estante daquela livraria.
Putz, mas como eu gosto dessas trapaças! Princi-
Meus genes paternos carregados de cepticismo e
palmente teorias divertidas sem a mínima função
alguma terapia me livraram do mal, amém. Mas o
prática a não ser criar a ilusão de que isso tudo faz
nome da banda ficou. Mesmo depois de eu ter saí-
sentido. Boto maior fé na Era de Aquários desde
do. E voltou agora, no mesmo momento em que eu
que eu não tenha que ficar discutindo horóscopo.
redescubro o disco “The Magic Numbers”, há tanto
Se a parada envolve números então...
na prateleira, e me encho de vontade de escrever
Foi o Paulo Roffé, baixista-tecladista-backing vo-
algo sobre ele na minha primeira “crônica” (?!) aqui na de.lovely, a revista do Roxy. Mas, peraí, nosso primeiro show como 11:11ORG
tava viciado em Lost e eu nem sabia do que se trata-
foi NO ROXY! Cacete, cabôco, me ajuda. Isso não
va. “Égua, my son, o senhor vai pirar muito!”. Acre-
pode estar acontecendo de novo...
ditei e a parada se confirmou. Nada de fantástico aí, a não ser pelo fato de, nesse mesmo dia, eu ter ga-
“The Magic Numbers” – The Magic Numbers
nhado o CD do The Magic Numbers (disco que não
Duas duplas de irmãos se juntam em Londres
dei nenhuma bola na época). E de ter participado
para um disco pop. Não é um disco de sertanejo
com ele da primeira formação da 11:11ORG.
ainda que o som folk do The Magic Numbers atice a piada infame. A banda de Romeo Studart mantém semelhanças com o The Mamas And The Papas
queria tocar umas coisas mais Portishead e Massi-
que vão além do figurino XL: as melodias delicadas
ve Attack, fazia umas versões mais eletrônicas pra
e harmonias leves são tão irresistíveis quanto a ban-
músicas do Lou Reed e – tá, ok! – a gente tocava
da que marcou a década de 60.
hop mas a gente curtia).
Meu amigo Marcelo Damaso me disse que certa vez, depois de sair pilhadíssimo de mais um dia na
Eu dei o nome 11:11ORG por, depois de dois
editoria de um caderno polícia de um jornal local,
anos vendo esses números repetidos em tudo quan-
quase chora de alívio assistindo a um filme da Meg
to é canto, ter topado com um livro homônimo cujo
Ryan acompanhado por sua namorada. Músicas
texto da contracapa começava assim: “Se você vê
como “Love Is Just A Game”, “Forever Lost” ou
constantemente os números 11:11, não se preocu-
“Long Legs” funcionam exatamente assim, como
pe”. Não se preocupe?! Tá lôco? Na mesma hora
uma boa comédia romântica, para fazer rir e chorar.
pude imaginar o Aldous Huxley vestido de Sílvio
E isso, pra mim, é um puta mérito.
Santos dizendo “Aê... Pode abrir as Portas da Per-
Eu li uma porrada de críticas classificando esse
cepçãooooo!”. Claro que comprei. Claro que li. E
disco como pop descartável. Bem, pode até ser, mas
quase engoli a idéia – mesmo a parada sendo uma
até agora não joguei o maldito no lixo.
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mano negra
Beck (que não tem nada a ver com as paradas trip-
A grande banda de Manu Chao! No início dos 90 o Mano Negra fazia toda a mistureba de The Clash, dub, música latina, etc. características do cara, só que de maneira mais nervosa. Baixe: “Mala Vida” e “Señor Matanza”.
Bem, na época o som era diferente do que eles fazem hoje; a nossa idéia era mais trip hop. A gente
beck
números 4, 8, 15, 16, 23, 42 há um ano e tal. Ele já
“The Information”, disco do final de 2006, retoma o som que o Beck deixou no “Odelay”, clássico de 1996. Baixe: “Cellphone’s Dead” e “Where It’s At”.
cals-programações da 11:11ORG, quem me disse os
Lou Reed
forçada de barra esotérica digna de qualquer livro
“Transformer” é um disco indispensável em uma prateleira rock que se preze. Baixe: “Satellite of Love” e “Walk On The Wild Side” .
Coincidências, déjá vu, Lost..., truques sem-vergonhas dos nossos neurônios com a dita Realidade.
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moda
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LIBERDADE
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g design Gil Yonezawa
A natureza toma de volta o que um dia foi extraído dela. O concreto não é limite para o avanço do que já foi território livre do que brota do chão. Tudo se sobrepõe, tudo se completa, tudo se preenche... O sólido corrói, a delicadeza impera absoluta, o céu é um objetivo a alcançar. A liberdade não tem barreiras.
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Vestido com capuz e saia-tela Fernando Hage, blusa Mariabel茅m, saia usada como vestido Loramoara e acess贸rios Diogo Carneiro
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Camisa Eubelém, vestido tafetá Mariabelém, saia balonê Algaranhar, vestido vinho e acessórios acervo. Na página ao lado, camisa rosa Eubelém, vestido balonê e galocha Fernando Hage, e camiseta acervo.
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Acima, vestido Coronel Mostarda, casaco e acessórios acervo. Ao lado, blazer Sambacriôla, blusa Loramoara, bermuda Mariabelém, acessórios acervo. Abaixo, camisa Fernando Hage, vestido Mariabelém, acessórios acervo.
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Camisa preta e xadrez Eubelém, camisa militar Coronel Mostarda, cordão “Enforcados” by Diogo Carneiro, sandália Melissa, saia tule e faixa acervo.
Camisa branca Emiliah, macacão xadrez e chapéu acervo.
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Blusa Mariabel茅m, vestido vintage e colar de fios Sambacri么la, acess贸rios Diogo Carneiro, galochas Fernando Hage.
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Calça xadrez Coronel Mostarda, blusa Emiliah, acessórios by Diogo Carneiro e camisa acervo. Na página ao lado: blusa Eubelém, vestido de tule neon e galochas Fernando Hage, cinto Soujackye, saia acervo
direção: Gil Yonezawa foto: Alan Soares styling: Diogo Carneiro e Fernando Hage produção de moda: Jackye Carvalho assistente de produção: Flor Di Maria make up / hair: Plínio Palha modelos: Camila D’Macêdo Camila Campos Fernanda Mendes Narumi Itai Stephany Priscila
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todo romantismo roteiro
do Leste
# Rodrigo
# Marina
texto Aline Monteiro foto Rodrigo Aguilera design AndrĂŠ Loreto
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Se você diz a todo mundo que conhece
pública Tcheca e da Hungria, a história se
a Europa porque já viajou a Londres e Pa-
mostra aos olhos atentos como um palimp-
ris, está na hora de reavaliar o comentário.
sesto, mesclando arquitetura e tradições do
Mais ao Leste do continente, cidades antes
medievo às particularidades de sua história
alinhadas ao regime comunista e, por conta
recente no pós-guerra e aos novos hábitos
disso, fora dos principais roteiros turísticos
culturais incorporados com a chegada do
por um longo tempo, chamam cada vez mais
capitalismo por aqueles lados de lá.
a atenção dos visitantes e apresentam uma face diferente do Velho Mundo.
Com casacos bem escolhidos para enfrentar o inverno leve deste ano – com tempera-
Em sua quarta viagem à Europa, o empre-
tura média de 2 graus centígrados – e com as
sário Rodrigo Aguilera convenceu a esposa
vacinas contra gripe em dia para não perder
Marina a fazer um roteiro diferente na lua-
nem um dia da viagem de um mês, o casal
de-mel, começando por Praga e passando
seguiu um roteiro de românticas viagens de
por Budapeste e Viena, além de Salzburg,
trem, passagens por cafés e restaurantes
Paris, Toulosse e Barcelona. Em cidades
famosos, salas de concerto e, claro, muitas
como Praga e Budapeste, capitais da Re-
caminhadas de mãos dadas. Siga a trilha.
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a g a r P
Depois de tomarem um avião de Fortaleza até Lisboa, Rodrigo e Marina chegaram até Praga de trem. O sistema ferroviário europeu foi, aliás, o responsável pela maior parte dos deslocamentos da viagem. “Tendo em mãos o roteiro de trens com horário de chegadas e saídas, tudo é mais fácil. É rápido e não tem muita burocracia”, diz Rodrigo. Praga é para lá de movimentada. Desde a queda do regime comunista, tornou-se um importante centro turístico e recebe visitantes durante o ano todo. Ao adentrar a cidade, seu centro antigo pontuado por prédios seculares (a cidade escapou dos bombardeios durante a Segunda Guerra), entrecortado por ruelas estreitas, é fácil perceber por que foi declarada pela Unesco como patrimônio da humanidade. “É como uma aula de história in loco. Tudo é sempre recortado pela memória”, observa Rodrigo, com as memórias ainda frescas em sua lembrança. Um dos pontos inevitáveis no roteiro é a Ponte Carlos, construída no século XIV sobre o rio Vltava e que liga as partes velha e nova da cidade. “A ponte é sempre cheia de artistas e músicos e também tem os shows tradicionais de marionetes”. É na praça da cidade velha, sempre tomada por apresentações culturais, que estão algumas das imagens referenciais de Praga, como o Palácio Kinský, atual sede do governo tcheco, a Catedral de São Vito e o Relógio Astronômico, além de cafés e restaurantes. “Lá, assim como em Budapeste e em Viena, você tem a sensação de que não é preciso ter dinheiro para ter qualidade de vida. Tudo é muito organizado, bem sinalizado, dá para caminhar pela cidade sem problemas. A cultura é muito importante para eles. Tem sempre gente na rua distribuindo panfletos de concertos por todos os lados”. Para outros deleites, os dois indicam restaurantes típicos e uma passada pelas cervejarias tradicionais. Não se enganem: são os tchecos e não os alemães os maiores consumidores mundiais de cerveja. A média é de mais de 160 litros por habitante ao ano. “É a terra das cervejas Bohemia e Pilsen”, destaca Rodrigo. Sim, não pense que não se falaria dele – Praga é, afinal, a cidade de Franz Ka a. Além da casa em que o escritor morou, o casal indica o Café Ka a, local mais recente que ganhou esse nome por estar situado no bairro onde o escritor transitava.
“
“
É como uma aula de história in loco. Tudo é sempre recortado pela memória
A arquitetura gótica da Catedral de São Vito se impõe no cenário da praça antiga.
primavera A praça central de Praga foi palco de uma das cenas chocantes da história recente, quando, em 16 de janeiro de 1969, o estudante Jan Palach ateou fogo ao próprio corpo, em protesto contra o retorno da influência soviética e do regime stalinista. O episódio encerrou a Primavera de Praga, movimento de intelectuais reformistas do Partido Comunista tcheco na tentativa de implantar um socialismo não autoritário e que respeitasse as liberdades individuais. O movimento acabou em conflitos armados entre manifestantes e soldados soviéticos.
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e t s e p Buda
“Sempre tive curiosidade de conhecer a Hungria. Estudei piano, então imagina o que foi para mim conhecer a casa de Lizst, um grande virtuoso do instrumento”, declara Rodrigo Aguilera sobre sua passagem por Budapeste, cidade que tem hoje cerca de 1,8 milhão de habitantes entre duas partes bem distintas, Buda e Peste, divididas pelo rio Danúbio. Para o empresário, o charme desses locais está em conhecer um lado peculiar da Europa - que acabou ocultado aos olhos externos por um bom tempo em função do alinhamento com a política socialista - tudo isso sem deixar de perceber as marcas deixadas ao longo da história. “Esses lugares têm uma espécie de tempo particular dentro do tempo. A gente consegue ver como era, talvez, na Cortina de Ferro, consegue ter um dejá vù daquele modo de viver ali”. Assim como Praga, Budapeste também tem uma noite movimentada, com muitas boates e clubes de música eletrônica. Como a viagem em questão era uma lua-de-mel, Rodrigo e Marina se arriscaram num roteiro boêmio mais sutil, especialmen-
“
“
Esses lugares têm uma espécie de tempo particular dentro do tempo
Cortada pelo Danúbio, Budapeste tem uma noite movimentada e vários cafés ao longo do rio.
te pelos cafés espalhados pela cidade ao longo do rio Danúbio. “Um café que é interessante visitar é o New York Palace, que fica num palácio antigo que foi transformado em restaurante”. Outra atração muito procurada na capital húngara são as fontes de banhos termais, com águas naturais quentes. “Exis-
A cidade apresenta um lado peculiar da Europa e cenários marcados pela era comunista.
tem mais de 20 ou 30 saunas em Budapeste, que são muito freqüentadas, e estabelecidas em termas naturais”, explica Rodrigo. Entre as mais famosas, estão as termas do hotel Gellert, em Buda, com serviço de banhos, saunas e massagens, e as do hotel Széchenyi, em Peste. “O legal de viajar é que você sai da sua zona de conforto e precisa se adaptar. A gente sempre volta de uma viagem como essa cheio de idéias, mais tolerante para algumas coisas e para outras nem tanto”, finaliza Rodrigo.
capital do sexo Um dos negócios que afloraram na Hungria com a chegada do ca-
gador de squash Kovi, que realiza pelo menos 20 filmes por ano. A
pitalismo foi a pornografia. Budapeste é considerada o centro atual
Hungria é conhecida por render beldades desinibidas para filmes
da indústria de cinema pornô, não só produzindo vídeos em larga
de sexo explícito. Caso de Ilona Staller, a Cicciolina, que ganhou
escala, como exportando atrizes para as produções americanas. A
fama mundial no final da década de 80 ao se eleger para o parla-
pioneira foi a produtora LuxxVideo, criada pelo ex-fotógrafo e jo-
mento italiano às custas dos seus seios.
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Viena
O Palácio Schönbrum, residência de verão da família imperial austríaca.
Terra natal de Strauss e Mozart e pouso final de Schubert, Brahms e Beethoven, Viena era o centro da música erudita nos séculos 18 e 19 e até hoje mantém essa aura. Foi exatamente isso que levou Rodrigo, ex-estudante de piano, e a esposa Marina até a cidade. “Lá você pega um táxi e o motorista está escutando música clássica. É natural para eles”, avalia o empresário. Claro que o casal não perdeu a chance de visitar a Haus der Musik, um museu interativo dedicado à história do som e da música e estabelecido num prédio com vários andares no primeiro distrito de Viena. “Lá se pode conhecer a um pouco da vida de grandes compositores e até reger a Filarmônica de Viena, através de um programa de computador, e sair com o seu CD gravado para levar de recordação”. Na casa de Mozart, os recitais de grupos de câmara têm músicos vestidos a caráter.
Eles também cumpriram uma noite de concertos na casa onde Mozart morou e que hoje serve de palco para apresentações musicais. “Tem uma sala pequena, coisa de 20 lugares, onde há apresentações de grupos de câmara, que vestem roupas de época. Assistimos a um concerto de um quarteto de cordas”. Com a alma alimentada pela boa música, o roteiro de Viena
No diva O pai da psicanálise Sigmund Freud é tcheco, nascido em Pribor, mas viveu e desenvolveu boa parte de seu trabalho em Viena, até fugir da perseguição nazista rumo à Inglaterra. O
ainda inclui excelentes restaurantes para aqueles que apreciam os prazeres da boa mesa. No roteiro de Rodrigo e Marina, o destaque foi para o Zum Weissen Rauchfangkehrer. Se não conseguir pronunciar o nome, leve uma cola em papel. “É um dos restaurantes mais antigos de Viena, fica no ponto zero da cida-
apartamento onde morou e atendia aos pacientes, no número
de. Tem serviço de cozinha internacional e uma carta de vinhos
19 da rua Berggasse, abriga hoje um museu. No local, é comum
muito boa. Fala-se sempre dos vinhos franceses, mas entre os
encontrar à venda camisetas com a frase “Analise-me”.
austríacos há vinhos excelentes”, garante Rodrigo.
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Rathausplatz, praça em frente à prefeitura de Viena onde é habitual patinar no inverno.
A arquitetura da cidade merece olhares atentos. Um dos pontos destacados é o Schönbrum Palace, a residência de verão da família imperial austríaca, com seus mais de 1,5 mil cômodos que já serviram de palco para Mozart, aos seis anos de idade. “É muito mais bonito que o Palácio de Versailles”. Mas nem tudo é sobriedade. Um toque divertido a esse roteiro pode ser tomar parte nos city tours oferecidos para conhecer as locações de “A Noviça Rebelde” (“The Sound of Music”, 1965). Para quem não lembra, a saga da família de cantores Von Trapp, inspirada em história real, se passa na capital austríaca. “Fizemos um passeio de ônibus pelos pontos mostrados no filme, junto com turistas americanos, irlandeses e japoneses. Você vai escutando as músicas do filme no ônibus e tem lojas de suvenires pelo caminho”, diverte-se o empresário, que terá muitas histórias boas para contar dessa lua-de-mel inesquecível para filhos, netos, bisnetos...
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Construída no século XIV, a Ponte Carlos une as partes nova e velha da cidade.
Relógio astronônico, uma das atrações de Praga
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Vista de detalhe do Palácio Schömbrunn, em Viena
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A r n t ov e a
portifolio
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Fernando Pessoa costumava dizer que a beleza da arte estava em sua inutilidade. Exagero niilista do escritor português? Pode ser. Múltipla, a arte não tem função especifica, a não ser a pura expressão humana. Pode ser provocação, pode ser a experiência do belo, pode ser deleite. Nesta seção, o espaço está aberto para jovens artistas que dialogam com novos e velhos suportes, tecnologias, temas e conceitos. Nas próximas páginas, fotografias, desenhos e ilustrações de três nomes de uma novíssima geração saída dos cursos de design e comunicação da cidade. Conheça um pouco do que a garotada de Belém anda fazendo. Rápido, antes que eles fiquem famosos.
texto Fabrício De Paula
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design Gil Yonezawa
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>> Diana Figueroa // deeeana@hotmail.com
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>> Livando Malcher // livando_di@yahoo.com.br
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>> Eduardo Maroja // stumail@gmail.com
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Pedro Galvão publicitário
papo de mesa
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O dia em que comi a Jane Fonda Pra falar a verdade, eu nem estava com tanta fome assim. Seriam dez e meia de uma dessas noi-
pedrogalvao@galvaopropaganda.com.br
vos (não, em sips, que rimam com lips) de atordoante feminilidade.
tes de chuvinha ranzinza, quando pisei num dos
Do outro lado da mesa, siderado, eu a comia
pratos mais atraentes do Roxy: o luminoso com o
com os olhos e outros sentidos. Imaginava os
logotipo, na calçada, frente à porta.
músculos tersos do abdômen, os seios clean, o
Procurei mesa discreta, pedi um Jack Daniel’s,
púbis redolente, os glúteos espantosamente lights
escolhi um prato que tivesse um mínimo de coe-
porém amaciados por uma quase imperceptível
rência cardiovascular, aspirei longamente o per-
camada de gordura. Um prato, perdoem a vulga-
fume do velho Jack e bebi com uma unção que
ridade, que combinasse uma salada de finos legu-
deixaria Johnnie Walker enciumado.
mes e o cheiro mais secreto da amarugem de um
Lembro-me nitidamente de ter observado duas
filezinho de peixe, pura volúpia.
coisas. A primeira foi o meu amigo Chembra um
- Am I diet?, ela perguntou.
pouco adiante, barbudo e solitário, olhando com
- Como?
fixidez assassina alguma coisa a sua frente.
- Eu sou diet?
A segunda, os preços do menu do Roxy que,
Mas antes que eu respondesse yes or no, chegou
na opinião dos meus amigos Lula Vieira e João
o Palmério Dória, jogando charme e pedindo um
Daniel Tikhomiroff, aquele um gurmão (que vem
scotch. Depois de dez minutos de conversa bri-
a ser um híbrido de gourmet e glutão), este um
lhante, algumas estrelas da galáxia baixaram so-
cosmopolita, são “ridiculamente baixos”.
bre a mesa. E as últimas imagens que me ficaram
De repente, uma aparição assomou a minha
do meu amigo nessa noite foram de absoluta per-
frente. Ali estava ela, linda e vegetariana, olhos
plexidade: ele indeciso entre Madonna e Cláudia
azuis faiscando, lábios entreabertos num sorriso
Cardinale jovem. Benza Deus.
arrasador: Jane Fonda.
Porque ali ficamos os dois, eu e Jane, meu pei-
- Oh, God!, exclamei imbecilmente enquanto
xão, minha paixão, em absorto colóquio de aman-
deixava cair o queixo e uma torrada com mantei-
tes. Jamais me esquecerei da última rodelinha de
ga. Ela sorriu me gozando.
palmito que colhi, com os lábios, do seu umbigo
- Bu ered toast, when dropped, always lands but-
de sonho.
ter-side down. Traduza que o garçon não entendeu
Deixei a conta, ridiculamente barata, para o Pal-
nada. E traduzi para um garçon embasbacado:
mério. E, enquanto saíamos Roxy afora, eu e ela,
torrada, quando cai, cai sempre com a manteiga
docemente enlaçados, ainda famintos de comer e
pra baixo.
ser comidos, deu para ouvir o grito de palmerina
- Isso me lembra, disse Jane, um anúncio da
vingança, num inglês que ele nunca falou:
Beck’s Bier de uns cinco anos atrás. Percebi a in-
- Hey, Jane, he’s a fucking fagot!
sinuação da cerveja, mas sugeri champagne, que
Son of a bitch.
veio em flautas elegantes e que ela tomou em sor-
“Peixe Jane Fonda” é um dos cinematográficos pratos do Roxy. Puro êxtase. Publiquei esta crônica num jogo americano do Roxy provavelmente em 1993.
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perfil
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O
A P PA
texto Aline Monteiro foto Dirceu Maués design Priscila Vasconcelos
21h15 de uma noite de quinta-feira chuvosa e deserta. O padre Cláudio Barradas abre a sala da casa paroquial da igreja do Jesus Ressuscitado, bairro da Marambaia, com um tom de irritação na voz. Quase uma hora de atraso – “Você só pode ser paraense!”. Peço desculpas: o tempo ruim, o transporte... Cinco minutos depois, é só vir a pergunta sobre sua mais nova empreitada como ator para que o tom se torne deiferente e as palavras se espraiem pelo vento com a segurança de um orador experiente e a vivacidade de um apaixonado pelo que faz. Algo parece não combinar no cenário. Não fosse o ambiente da igreja e o crucifixo pendurado ao pescoço sobre a camisa de malha de lembrança de Roma, talvez pouco identificasse a figura de Barradas com a de um padre. Em três horas de conversa, encadeiam-se tiradas mordazes, pontuadas, vez ou outra, por um palavrão, junto a um olhar sempre provocador. Como as contrariedades estão no âmago do que é humano, o padre, o homem, o escritor, o ator se mesclam e se acomodam, cada qual em seu lugar.
Ele está acostumado, mas nega o rótulo
agradar a todos, viro camaleão”, dispara.
saiu aos 20, com sede de respirar o mundo.
de polêmico. “Você acha mesmo que eu sou
Nascido em Belém, Cláudio Barradas
“Eu queria ser padre quando garoto, influ-
polêmico? Eu fazia teatro em igreja e o pes-
cresceu na casa da dona Flor (apelido da
ência dos padres do Colégio Nazaré, onde
soal de esquerda me tinha como reacioná-
pianista Margarida Costa de Carvalho),
estudei, e dos padres barnabitas da Basílica,
rio. Algumas altas cúpulas da Igreja acha-
onde a mãe dele trabalhava. Ambiente ar-
onde eu cantava - tinha uma voz belíssima
vam que eu era perigoso. Lembrando de
tístico que já aguçava sua sensibilidade.
quando criança. Saí aos 20 numa crise bru-
um poema do Jacques Prévert, ‘sou como
Mas foi a Igreja quem o ganhou primeiro.
tal”. A crise, diz, não tinha relação direta
sou, merda para os outros’. Se for procurar
Aos 13, entrou para o seminário, de onde só
com o desejo de fazer teatro.
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“Foi uma crise espiritual mesmo. Não que-
que eu procurava fazer tudo bem feito. Quan-
ria nem pensar em Deus, queria romper as
do disse que sairia do seminário, ele chorou.
Pulmões cheios de ar, ele partiu para a pro-
amarras. E foi o que fiz durante muitos anos.
Me disse: então vá ser médico. Mandou eu me
dução e fez parte da criação de vários grupos
Me afastei completamente da Igreja. No co-
despedir do padre reitor e, quando cheguei lá,
pela cidade, inclusive do núcleo do Norte Te-
meço, gostava do seminário, porque gosto do
“
atro Escola, germe da atual Escola de Teatro
tocando órgão no seminário. Mas no último ano sentia aquele espaço irrespirável. Tanto que fugia à noite para o telhado”. A decisão inevitável da saída veio quando Dom Mário de Miranda Villas-Boas, então arcebispo de Belém e seu mentor, tinha se decidido a mandá-lo estudar em Roma, uma honra para poucos seminaristas. “Dom Mário gostava de mim acho que por-
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Lembrando de um poema do Jacques Prévert, ‘sou como sou, merda para os outros’. Se for procurar agradar a todos, viro camaleão
“
silêncio. Quando tinha férias, passava o dia
me disseram que já sabiam que eu estava em crise. Como já sabiam e não fizeram nada?”
Surge a estrela
da Universidade Federal do Pará. “Sou igual a esses tarados que vão fazendo filho por aí. Fui criando grupos em toda a cidade”. Oportunidades de deixar o Pará até surgiram, mas ele não foi. Não por apego demasiado à terra natal. Afinal, Barradas diz que não é de alimentar saudades – “Carro de recémcasado é que carrega latas”. “Só para você ter uma idéia, em 1967 ganhei bolsa para estágio no Teatro Popular do
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Sesi em São Paulo. Desembarquei às 17 ho-
termina antes das 20h15. Vi recentemente
ras e às 18 já era paulista. Me hospedei numa
um espetáculo da Wlad (Lima, atriz e dire-
De volta à igreja, Cláudio Barradas não
casa de quartos lá na Barão de Tatuí, onde
tora) no porão da casa dela. Mas não tenho
abandonou seu ponto de vista crítico. “Mon-
ficavam seis pessoas em cada quarto. Tinha
visto o suficiente para falar da qualidade”.
tamos por lá o ‘Auto da Compadecida’, do
mas sem voltar a ser católico praticante.”
um homem de cor, paraense, que toda vez
O que o faz levantar a bandeira é a ne-
Ariano Suassuna, que faz uma crítica a Nos-
que eu chegava, dizia ‘e aí, Pará! E o Círio?
cessidade de abrir os teatros para os espe-
sa Senhora, tem fala que diz ‘nunca pensei
E o tacacá?’ Eu lá queria saber disso? Chega-
táculos locais. “Sempre achei que os grupos
que essa daí também aceitasse pagamento’,
va às duas da madrugada, só para escapar
de Belém deveriam ter o seu espaço. Sonhei
se referindo ao pagamento de promessas.
dele. Por sorte, durou pouco”.
em construir um teatro de arena. Todos os
Dom Alberto Ramos (então arcebispo de
Em uma época, Cláudio também desan-
teatros também deveriam ter pautas para os
Belém) me chamou atenção, dizia que não
dou a escrever a vários artistas buscando
grupos locais. Hoje não é como quando eu
entendia como eu, um ex-seminarista, era
chance de trabalho. “A Maria Della Costa
comecei, mas ainda há um preconceito con-
capaz de montar uma peça daquelas em
respondeu. Disse que não prometia nada,
tra os grupos da terra. O que posso dizer é
plena quaresma”, lembra, com saudades
tunidades de estudar e de trabalhar no Rio, em São Paulo, em Roma. Não fui. Talvez porque eu tivesse que ficar aqui. Herdei a cabeça dura de nordestina da minha mãe”. Um ícone Ficou e se tornou nome referencial do
“
Pedi autorização para Dom Orani para fazer essa peça, porque tem sexo, trepada, palavrão. Ele disse: vá, você está no seu mundo
teatro paraense – e até mesmo da pouca
“
mas disse ‘venha’. Não fui. Tive várias opor-
daquela época. “Eu achava que ele gostava de mim. Me ofereceu o ministério de leitor, que é o primeiro passo para ser padre, e eu aceitei. Depois, o ministério de acólito. Aí o monsenhor Nelson disse ‘demos o pontapé, o resto é com você’. Fui ordenado diácono por Dom Alberto. Dom Vicente disse que queria me ordenar padre em um ano. Eu disse que
história do cinema local, tendo atuado nos
que não vejo os teatros sendo ocupados por
não, que estudaria mais um ano de teologia
filmes de Líbero Luxardo. Mas exceto o de
espetáculos nossos. E olha que agora temos
moral, pelo menos”, recorda.
“incentivador do teatro”, Cláudio Barradas
várias salas”.
recusa qualquer outro título. “Embora eu não queira, tem gente que
Como padre, ele mantém clara a diferença entre o homem Cláudio e sua função
De volta
enquanto guardião da doutrina católica. “Nem sempre o que penso é o que a Igreja
me encara como um ícone. Ao final de um
A reaproximação com a Igreja não foi
dos ensaios dessa peça com a Zê Charone,
algo planejado. Cláudio Barradas ainda era
ela disse que estava com a mão fria, nervosa.
o responsável pelo Teatro do Serviço Social
Ele dá indicações disso, mas ao contrário
Eu disse ‘que besteira!’. Teve gente que me
da Indústria (Sesi), onde ficou por qua-
do que se poderia supor, mantém um dis-
chamou de papa, pioneiro do teatro paraen-
tro anos e montou quatro peças, quando o
curso moderado. Diz, por exemplo, que é a
se. Que nada! Houve muita gente boa antes
monsenhor Nelson Soares o chamou para
favor de que os padres escolham se querem
e muitos virão depois. Ninguém faz falta”.
fazer teatro na Igreja de Sant’Ana.
se casar ou não. Mas que, ao ingressarem na
pensa”, afirma.
Ele preferiu nunca ter assumido o teatro
“Ele era meu amigo da época em que eu
vida religiosa, sabem de antemão o que es-
enquanto profissão. “Assim, tudo o que fiz
cantava no coro. Quando foi para a Sé, me
tão aceitando. “O celibato é difícil, não resta
fui eu que escolhi. Se não prestou, a culpa
levou para lá também. Estavam precisando
dúvida. Mas o vejo também como um gesto
é minha”, provoca. Mas não tece muitos co-
do naipe de tenores do coro da Sé. Quando
profético da união com Deus. No céu nin-
mentários sobre a produção paraense atual.
vi, tinha me tornado a Gata Borralheira de
guém tem mulher ou marido”.
“Não tenho visto muita coisa, até porque os
lá. Ajudava os acólitos, coordenava a cate-
A Igreja Católica deveria assumir uma
horários não permitem, já que a missa não
quese, montei uma via-sacra. Fui ajudando,
posição mais progressista? Ele acredita
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Ensaio Aos 77 anos, Barradas está prestes a voltar aos palcos fora do ambiente da igreja. Cláudio Barradas volta aos palcos em breve num espetáculo do grupo Cuíra. Para compor o papel , pediu permissão ao arcebispo Dom Orani João Tempesta
Ensaia o papel principal da nova produção do grupo Cuíra, com texto de Edyr Augusto Proença e direção de Oriana Bitar. Diz que não pode falar muito sobre o personagem, a diretora não aprovaria, quer causar impacto. Mas não demora muito a analisar o perfil desse homem a quem dará corpo, uma figura de meia idade, em crise, que se apaixona por uma moça bem mais jovem.
que tudo está onde deveria estar. “Há coi-
aposentadoria. Dom Orani foi ver a peça,
sas que a Igreja não pode mudar. A moral
levado pelo bispo de Castanhal Dom Carlos
não muda de acordo com a época. O que o
Verzeletti, um homem que gosta muito de
(Tempesta, arcebispo de Belém) para fazer
papa Bento XVI afirmou agora sobre o ca-
arte. É um espetáculo onde eu pulo, dan-
essa peça, porque tem sexo, trepada, pala-
samento não é dele, é da Igreja, que nunca
ço, canto, rolo. O arcebispo disse que não
vrão. Ele disse: vá, você está no seu mun-
aceitou a vida a dois fora do matrimônio.
ia atender ao meu pedido, porque eu ainda
do”, revela. A peça, “Abraço”, era um texto
Ele foi chamado de perseguidor de teólogos
tinha muito gás”.
por conta de sua passagem pelo Santo Ofí-
O padre Cláudio esconde mal um certo
cio. Mas fez o que a função exigia, que era
desapontamento com a decisão do arcebis-
de defesa da doutrina. Qualquer um, até
po. Explica que gostaria de ter mais tempo
o Leonardo Boff (teólogo), faria o mesmo
para a leitura, a escrita e o teatro.
“Pedi autorização para Dom Orani
que Barradas conhecia há tempos. “O Edyr tinha me dado um livro quando nos encontramos num debate sobre teatro, dizendo que tinha um texto que queria
nessa função. Qualquer igreja evangélica
“Fiquei pensando que trabalhei 15 anos
que eu interpretasse. Passou tempo e nada.
que quiser seguir a Bíblia, não vai aceitar
pela Igreja sem nunca tirar férias, que esse
Agora recebi o convite e estamos ensaian-
o homossexualismo. A Igreja não é contra
seria o momento em que eu poderia me
do. Estou estudando porque tem uns bifes
as pessoas, é contra determinadas práticas.
dedicar às minhas três paixões. Sou escri-
Igrejas que casam pessoas do mesmo sexo
tor, mas nunca publiquei nada, primeiro
deveriam rasgar a Bíblia. A questão é que
porque tenho senso do ridículo. Segundo,
querem mais fiéis para conseguir mais dí-
porque talvez sejam coisas que não ficariam
zimos”.
bem para um padre”, pondera.
homéricos, que é como a gente chama no teatro as falas dos atores”. Cláudio atualmente trabalha na adaptação de textos dos evangelhos para novelas
O conflito existe, ele não nega. “Como
de rádio, no que ele chama de “audiodra-
Carreiras
padre, vou ter que limitar meu campo de
mas”, e também aguarda oportunidade de voltar ao teatro como diretor.
É assim que as duas carreiras de Bar-
ação. Existem assuntos que não posso to-
radas, por vezes conflitantes, também se
car. Como escritor, não estou nem aí”. Tudo
aproximam. Foi uma peça de teatro, monta-
continua engavetado, esperando um tempo
da na Paróquia do Jesus Ressuscitado, que
mais ameno, depois da aposentadoria.
acabou fazendo com que ele permanecesse
“Meu plano é escrever pela manhã, ler
“Gostaria de fazer ‘Rei Lear’ antes de morrer. Não porque seja um grande papel, mas porque me encanta. Também queria
à tarde e fazer teatro à noite. Tem um poe-
montar ‘As três irmãs’, do Tchecov. Outra
“Montamos ‘O Boi e o Burro’, da Maria
ma do Drummond em que ele fala sobre a
coisa é um livro da Lindanor Celina onde
Clara Machado. Eu estava dirigindo, mas
mãe, que mãe é tempo sem hora. Padre é a
uma mulher se apaixona por um padre,
ninguém conseguiu fazer o boi, então en-
mesma coisa. Sem contar que só sei escre-
que queria transformar em espetáculo, as-
trei no elenco. Gosto muito desse espetácu-
ver criando um ritual. Por isso agora só es-
lo, sobretudo porque parte dele é criada em
crevo coisas curtas. Tenho uma gaveta cheia
cena. Eu tinha feito 75 anos e, como todos
de coisas para retrabalhar. Penso que arte é
os padres que completam essa idade, fiz
tanto conteúdo quanto forma. Não basta o
um documento colocando meu ministério
que você diz, por isso é que gosto de Gui-
e o ‘Cântico dos Cânticos’, como um espe-
à disposição, uma espécie de pedido de
marães Rosa, de Haroldo Maranhão”.
táculo erótico lírico”.
mais tempo na Igreja.
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sim como alguns textos do Haroldo Maranhão. Também gostaria de adaptar o ‘Livro de Jó’, mas não sei como, porque é enorme,
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Palmério Dória jornalista
papo de mesa
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palmeriodoria@gmail.com
Chega de prazer
Pelo telefone, Janjo Proença me pede matéria “sobre
Tem o Janjo das rádios, dos estúdios, restaurantes,
prazer” para a sua nova revista, que já traz prazer no
das boates, revistas, da conversa jogada fora nos bares
nome, de.lovely, clara referência a Cole Porter, que in-
da vida, que é o único sentido da conversa, segundo o
centivava essa saudável prática, em letra, música e dan-
Jaguar, conversador nato. Dá até vontade de perguntar:
ça, até entre as pulgas.
esse cara não tem fazer? Tem, sim, senhor. Outra das
Para falar a verdade, não agüento mais essa obsessão do Janjo. Ele só pensa nisso. Prazer no almoço, prazer
mídia, se você prefere – é a corrupção de maiores.
no jantar, prazer na merenda escolar. Não lembro de ter
Agora dá pra contar. O que passou é passado. Você
falado com ele a respeito de qualquer outra coisa nessas
já participou de uma suruba gastronômica? Então, pra
décadas de camaradagem.
fechar a rosca, vou lhe contar uma entre mim, o Pedro
Não é que o Janjo bote prazer no meio da conversa. Ele bota no princípio, no meio e no fim. Para ele os fins -
Galvão e o Euclides Bandeira - que Deus e Mata Hari o tenham -, sob o patrocínio dele, o Janjo.
- tudo pelo prazer! -, justificam os meios e os princípios.
A surpresa vem nas inacreditáveis parceiras, que vão
Sempre em generosa quantidade, seguindo o princípio
aumentar a gula de uns e outros. Eu, por exemplo, comi
marxista de que quantidade acrescenta qualidade.
a carne macia da Cláudia Cardinale (quando jovem) e a
Arthur Clarke, o autor de “2001: Uma odisséia no
magreza lipídica da Madonna. O Pedro Galvão fez um
espaço”, na apresentação de outro livro não tão famoso
frango assado com ninguém menos que Jane Fonda. E
quanto aquele, “Perfil do futuro”, diz que política, eco-
saiu por aí gritando: “A Jane é Fonda! A Jane é Fonda”.
nomia e finanças não serão preocupações de homens
E, finalmente, o Euclides Bandeira, para honrar a pala-
maduros nas sociedades do futuro, já que estão relacio-
vra suruba, preferiu Vincent Price, o rei dos vampiros
nadas com o poder, coisa de gente imatura. Nessa visão
(só mesmo o Chembra...).
otimista, da qual compartilho, Arthur Clarke vislumbra
Não, não adianta. Não vou contar que Janjo, numa
um mundo cheio de Janjos, transformando a rosetagem
tramóia com Nelson Maués, me obrigou a ficar uma se-
em admirável modo de vida.
mana na companhia das estonteantes Núbia Ólive (en-
Normalmente, só queremos distância das pessoas
tão apenas Núbia de Oliveira) e Márcia Carvalho, por
que dão tudo de si. Mas, quando isso é voltado para a
conta da escolha na Zepelim de uma certinha Garota
diversão e arte, sem qualquer sombra de missionaris-
Sexy, que recaiu sobre uma pérola negra chamada Fran-
mo, tudo muda de figura. Devoto do balacobaco, Jan-
ci Mourão. Tampouco que naquela big party despontava
jo tem fiéis seguidores, entre os quais me incluo. Mas
o irresistível charme da futura styled Tatiane Blanco.
quem é mesmo o Janjo?
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ocupações desse polivalente de carteirinha – ou multi-
Pra mim, chega!
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Rua João Balbi, 167 • 3º andar CEP: 66055-280 • f: (91) 4005-6868 redacao@editorapublicarte.com.br
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gula
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O prazer regado a vinho O sabor conhecido pelo paladar de todos que freqüentam o Roxy Bar agora será apurado por
Só evite servi-lo com sobremesas à base de chocolate e café.
uma carta de vinhos mais do que especial. Os clás-
Para dar suporte à essa nova carta de vinhos, o
sicos do cardápio serão harmonizados pelo som-
Roxy conta uma adega climatizada, e para come-
melier Fábio Sicilia com algumas das produções da
morar estão chegando novidades mais elaboradas
Expand, uma das maiores importadoras de vinhos
ao cardápio, como um carré de cordeiro com geléia
do Brasil, e que mantém em Belém cerca de 650 ró-
de hortelã e risoto de queijo brie, servido com Bar-
tulos. Um para cada gosto.
bera D’asti Prunoto, da região italiana do Piemonte,
Além de escolher as garrafas que serão ofereci-
conhecida pela tradição em pratos com essa caça.
das, Sicilia está treinando os garçons para que in-
Ou o risoto de camarão, servido com Soave Ale-
diquem o melhor rótulo para cada prato. Tudo do
grinni Branco, também da Itália, que, com o frescor
cardápio, da receita mais simples à mais elabora-
de um bom vinho branco de aroma forte, duplica
da, tem um vinho com o qual casará perfeitamente.
as sensações na harmonização com o marisco.
Até pratos regionais, como o exótico Filhote Dira
Outra combinação que tem tudo para ser su-
Paes (filhote com jambu e tucupi), terá um vinho
cesso de público e crítica é o filé alto ao molho de
harmonizado, no caso, Zuccardi Q Chardonay, que
ervas, acompanhado de um risoto de parmesão
devido sua maturidade resgata a sensação ácida do
gratinado, servido com Bordeaux de La Croix Du
tucupi e não conflita com o jambu.
Duc, francês, harmonizando através de sua elegân-
Um dos mais populares entre o público, o Filé
cia austera.
Sadam Hussein, encontrou seu parceiro ideal, o ar-
A carta de vinhos não esqueceu sequer a tão
gentino Altosur Malbec, que harmoniza com seu
brasileira feijoada, que passa a ser servida nos al-
resíduo de açúcar as guarnições, enquanto a ele-
moços de sábado no Roxy. Para acompanhar o bom
gância do seu Tanino combina perfeitamente com
e velho feijão preto, a recomendação da casa é o
a carne do prato. Quem estiver em dúvida, pode
Don Pascual Tannat, do Uruguai, uma uva bastan-
pedir sem titubear um Prosseco Col di Salici, da
te particular que casa perfeitamente com essa una-
Itália, que vai bem com todas as receitas do Roxy.
nimidade nacional.
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Saulo Sisnando advogado e escritor
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Amor e passagens aéreas
e esquecia as luzes do carro ligadas sempre
namorei um carioca. E, semanas atrás, apaixonei-me em Forta-
que estacionava, “por isso vou trocar meu
leza. Sim!, esta é a minha sina nesta vida.
carro por um Fiat”. Eu falava sobre literatura
Tento me consolar, pensando: “Já é tão difícil encontrar amores, seria certo não encará-los, só porque estão separa-
e o fazia rir. Enfim, só faltava o sexo! Aliás, eu estava depilada e com a melhor calcinha. Porém algo saiu errado e, depois da sor-
Quem sabe, ano que vem, não me apaixono por alguém de
veteria, ele rumou para me deixar em casa.
Macapá? Daqui a alguns anos, chego a Belém. Mas isto só
Quanto mais o carro se aproximava do des-
ocorrerá quando eu estiver com passagem marcada para Curi-
tino, mais meu coração batia desesperado.
tiba. Pois meu destino é correr doida pelo mundo (já disse a
Minhas mãos tremiam e nascia um medo de
cartomante!).
jamais vê-lo de novo. Ele parou em frente ao prédio e disse: “Você é linda, mas preciso ir”. Não entendi
um jeito único e tinha uma risada tão gostosa, capaz de encher
nada! Na minha cabeça surgiu uma centena
meus ouvidos. Depois de dois minutos de conversa, eu estava
de psicoses: estou gorda! Tenho mau-hálito!
certa: “Vou gastar uma fortuna com passagens aéreas”.
Ele não quer se envolver com uma mulher de
Podem me chamar de romântica burra, mas eu acredito em amores à distância. E acho que Hollywood tem culpa no
Belém! Ele me odeia! Ele me achou feia, tola e chata!
cartório! Não me refiro aos romances falsos da Julia Roberts.
Beijou-me e eu desci do carro. Fiquei ven-
Ela jamais me convenceu! Talvez porque o cabelo cacheado só
do as luzinhas do Gol branco sumindo na
caia bem nela ou porque nunca vimos prostitutas casando com
noite e meti minha mão na bolsa, segurando o
executivos.
celular, na esperança de que fosse tocar. Mas
Mas, de vez em quando, surge um filme como “Antes do
o celular ficou estático. Impassível. Alheio.
pôr-do-sol”, no qual somos convencidos da existência do
Sentei no sofá, sonhando ver o carro dan-
amor. Julie Delpy tem cabelos assanhados, é inteligente e sen-
do a volta no quarteirão. E lembrei da fala de
sível. Embora seja lindo de morrer, Ethan Hawke parece o nos-
Judy Dench, em “Shakespeare apaixonado”:
so vizinho.
“Esta história vai terminar como todas as ou-
Eu estava em Fortaleza, me sentindo a Julie Delpy. Pois tinha encontrado um homem lindo de papo maravilhoso. Mas,
tras histórias terminam, quando o amor é negado: com lágrimas e uma viagem!”.
obviamente, como o destino me odeia, tínhamos apenas dois
No dia seguinte, eu estava no aeroporto. Não chorava, em-
dias juntos. Ele beijava mansinho, alisava minha mão e dizia:
bora estivesse de óculos escuros. Quando aterrissamos em Be-
“Só vim a esta boate infernal para te conhecer”. Eu acreditei!
lém, a primeira coisa que fiz foi mandar uma mensagem.
Ele me ligou no outro dia e me convidou para ir ao cinema. Nem me lembro qual filme, pois, o que importava, era que ele
Antes do Pôr-do-Sol
Ele se chamava Rafael (nome fictício, óbvio!) e me foi apresentado por uma amiga. Era lindo, magrelo e alto. Mexia-se de
suas vidas em todos estes anos.
dos por passagens aéreas?”. E, cá entre nós, estou evoluindo.
shakespeare apaixonado
era bom de matemática, se achava narigudo
pessoas de outros Estados. Já tive um caso com um mineiro. Já
Nove anos depois Jesse e Celine se reencontram, nova-
ela falou aquilo, porque tenho a mania de me apaixonar por
Shakespeare (Joseph Fiennes) sofre um bloqueio que
ma refilmagem de “Antes do amanhecer”. Ele
mente por acaso. Ele agora está em Paris para promover
transformar nossa última noite numa legíti-
o impede de escrever sua mais nova peça, uma histó-
De imediato, comecei a achar que meu futuro era ser aeromoça ou uma motorista de caminhão. Depois, caiu a ficha:
seu novo livro e, após reencontrar Celine, passam algu-
Na saída, fomos a uma sorveteria charmosa, com uma música ambiente capaz de
ria de amor com fim trágico. Tudo muda quando ele
vida viajando, de cidade em cidade, perdida e doida”.
zia sentir completa.
mas horas juntos, quando discutem o que aconteceu em
de revelações, saí devastada. Ela me disse: “Você vai passar a
segurava a minha mão, me abraçava e me fa-
se apaixona por Lady Viola (Gwyneth Paltrow).
Adoro cartomante! Certa vez, fui me consultar com a melhor vidente no raio de três mil quilômetros. Após meia hora
cinema
saulosisnando@hotmail.com
Mas ele não me respondeu. Talvez não tivesse crédito... Tomara! *Saulo Sisnando como “Maria Eduarda”
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beleza
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Pé, MEU QUERIDO pé
texto Caco Ishak
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foto Mari Chiba
design Gil Yonezawa
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Imagine o quadro: vocês estão de namorico faz já alguns anos e ele te convidou, finalmente, para um jantar à luz de velas no restaurante mais badalado da cidade. Fez questão de armar toda uma cena e, ao estalar os dedos, violinos (vindos sabese lá de onde) começam a executar aquela música linda daquela comédia romântica a que vocês assistiram na primeira vez em que foram ao cinema juntos. Ele fica te olhando todo abestalhado e não muda a expressão, nem pisca, até levar a mão ao bolso da calça e pegar uma caixinha preta aveludada. A certeza de que é chegada a tão esperada hora só faz aumentar em seu peito, que já não suporta as palpitações. Então, parte para o ataque, estende a outra mão, agarra seu pé e a pede em casamento. Existem pessoas que têm horror ao pé, e outras que têm verdadeiro fetiche. Seja por saúde ou por estética, é bom cuidar dessa parte do corpo como ela merece.
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“Ainda não pedi o pé de ninguém em casamento. Mas já dei
Virilidade à parte, há aqueles que insistem em pegar uma
anel de dedo do pé pra namoradas”, confessa Ronaldo Pas-
contramão, para os quais pé é tudo igual, seja de homem ou de
sarinho, cineasta e, a exemplo de seu colega norte-americano
mulher. Caso do universitário Flávio Barbosa, que sente “um
Quentin Tarantino, podólatra assumido. “Gosto de pés femi-
misto de nojo e agonia”. “Quando alguém encosta com os pés
ninos antes mesmo de me entender por gente. Pés são zonas
em mim, finjo que não sinto nada. Mas trato logo de me afastar
erógenas poderosas”, garante.
deles. Não sei quando essa repulsa por pés começou. Sei que
Não adianta, portanto, ficar nessa de enrijecer o corpinho na
sempre faço associação de pés com sujeira, calos, mau cheiro,
academia ou sonhar em turbinar os air-bags, se os pés andam
suor, essas coisas. O que me incomoda não é a estética deles,
aos trancos e barrancos – o acidente é iminente; o estrago, inevi-
mas, sim, o que eles representam pra mim. Faço o possível pra
tável. Foi-se o tempo em que Carla Perez era rainha. O cetro de
que as pessoas não percebam que eu não gosto de pés, mas
outrora de Pamela Anderson só serve, agora, de bengala para
prefiro, sem hesitar, ficar longe deles”.
sustentar o peso das próteses. Uma Thurman já havia cantado a
A neura do moço é tanta, que nem mesmo objetos relacio-
bola em “Pulp Ficion”. Rose McGowan vem, em “Grindhouse”,
nados aos pés são de seu agrado: “Sapatos, meias, sandálias.
para confirmar: homem gosta mesmo é de pé.
Quando estão novos, não há problema. Mas quando esses obje-
“Não que eu troque a mulher pelos pés. Adoro o corpo fe-
tos entram em contato com os pés, quero distância”.
minino dos pés à cabeça e da cabeça aos pés. Acho estranho é
É de se esperar que tamanho desgosto já tenha lhe feito pas-
quem só gosta de peito e bunda e não aproveita as mãos, as per-
sar por alguma saia justa, como quando estava apaixonado por
nas, as costas, o colo da mulher. E os pés, acima de tudo”, expli-
uma namorada. “Depois de uma semana de namoro, alugamos
ca Ronaldo, sem receio de estar trocando os pés pelas mãos.
um filme e fomos para sua casa. No meio do filme, uma ami-
Mas o que seria um pé bem cuidado? Dentro dos padrões da
ga dela ligou e paramos de assitir. Ela, então, ficou deitada na
Podologia, técnica de tratamento cuja popularidade vem cres-
cama enquanto eu a olhava falar ao telefone. Do nada, ela es-
cendo, “seria aquele lisinho, sem calosidade nenhuma, com os
tende a perna e aperta o meu nariz com os dedos do pé. Não sei
dedos alinhados em ordem decrescente, que tenha o que cha-
como ficou minha cara nessa hora. Eu entendi o gesto... acho
mamos de arco plantar, sem pontos de apoio. As unhas devem
que ela queria que isso fosse romântico, mas não consegui dis-
ser todas quadradinhas, sem encravação”.
farçar. Foi horrível!”.
Quem explica é a podóloga Edy de Moraes, que, entre uma
Que não pensem, no entanto, que os apertos se restringem
dica e outra, segreda não serem as mulheres as únicas que bus-
aos que não curtem umas pegadas de quando em quando. A po-
cam o serviço. Muito pelo contrário, aliás: “A procura dos ho-
dolotria, por sua vez, pode acabar sendo uma senhora pedra no
mens por um podólogo está bem maior, em Belém, do que das
sapato para as vítimas dos aficionados. A bailarina e coreógrafa
mulheres. Os homens não gostam de expor isso. Então, procu-
Ana Unger que o diga: “Estávamos dançando em Santarém, eu
ram um lugar reservado pra cuidar de seus pés. Alguns vêm ar-
era jovem, e a pessoa que nos convidou para dançar, um senhor
rastados pelas esposas e acabam sendo mais fiéis ao tratamento
de idade, após o espetáculo, aproximou-se e me perguntou se
do que elas próprias. Já tivemos casos, porém, até de homens
eu podia lhe fazer um favor e se eu não ficaria assustada com o
que vieram escondidos de suas mulheres”.
pedido. Já estava ficando nervosa, porque não sabia o que ele
Ao que Ronaldo franze a testa, considerando o papo um tanto suspeito: “Cuido do meu pé por higiene. Só. Pé de homem é
queria. Após o susto inicial, descobri: me pediu pra que tirar as sapatilhas, pois nunca tinha visto um pé de bailarina”.
um horror, deveria ser chamado de outra coisa pra não confun-
Nada impede, porém, que a abordagem seja sutil e o resul-
dir com o pé feminino. Da minha parte, nunca teria chances com
tado acabe agradando. Ana conta sobre um episódio quando
uma mulher podólatra. Tenho pés de catador de caranguejo”.
estava em Londres experimentando sapatilhas que haviam
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acabado de chegar no mercado, chamadas turning point. O criador delas estava na loja “e ficou encantado com meus pés. Era sapatilhas feitas especialmente para quem tem esse colo do pé desenvolvido – pé forte, como chamamos. Ele quis fotografá-los para colocar em seu catálogo e acabei ganhando dois pares de presente”. Dançarina num dia, modelo fotográfica em outro. Uma correria só. A vida para quem depende dos pés como instrumento de trabalho tem desses percalços. Por vezes, a beleza do resto do corpo acaba ficando em segundo plano, desde que os pés estejam nos trinques. “Cuido dos meus pés regularmente, pois trabalho com eles. Tenho de estar preparada pra quando aparecer algum convite. Além da limpeza habitual, outros cuidados são necessários. Uso bastante sapato fechado, principalmente na hora da malhação. Então, tenho sempre o cuidado de usar um antimicótico, por exemplo. A maioria dos homens realmente olha pros pés das mulheres, sabe. Meu marido, pelo menos, elogia bastante os meus”, sorri a modelo de pés Sônia Vaz de Lins, timidamente, mostrando os seus, que se encaixam com perfeição no padrão estético defendido pela podologia. O mesmo não pode ser dito de todas as bailarinas, como revela Ana, uma exceção por ser apaixonada por seus pés: “Quando comecei a fazer balé profissionalmente, usando a sapatilha de ponta por muitas horas, os problemas começaram a aparecer. Calos, bolhas d’água, o pé vai tomando uma forma diferente, as calosidades surgem, os joanetes. Eu, graças a Deus, nunca tive tanto problema, porque comecei a cuidar desde cedo. Tive uma professora em Londres que dava aulas especiais sobre como cuidar dos pés. Eram exercícios pra compensar o excesso de peso que colocamos em suas pontas. Com isso, os problemas foram diminuindo. Adoro meus pés”. E então, aprendeu a lição? Se você é mulher, não se deixe pegar desprevenida. Na dúvida, bom mesmo é ouvir o que um homem tem a dizer sobre o assunto: “Há pés femininos pequenos e lindos e há pés femininos grandes e belos do mesmo tanto. Tamanho não é documento. O que mais me atrai é ver que a mulher cuida bem dos pés e sabe que são armas de sedução”. Quem diz é o Passarinho, dos mais entendidos.
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PODOLOGIA Esperava para entrevistar a podóloga Edy de Moraes. Uma cliente aguardava sua vez para ser atendida. Quando foi chamada e informada sobre o preço do serviço, rodou a baiana. Deu as costas e foi embora indignada. Provavelmente, pensava em pagar o tanto que estava acostumada por uma serviço habitual de pedicure. Quem acaba escutando pela falta de conhecimento dos outros são as profissionais. Portanto, mulheres, não se confundam: pedicure é uma coisa, podóloga é outra. Edy explica: “A diferença entre a podologia e o trabalho de uma manicure está nos instrumentos que usamos e em nossa técnica. E, digamos assim, o nosso acabamento é melhor. Tanto que, principalmente os diabéticos vêm nos procurar pelo medo que têm das manicures”. “Tem uns clientes que chegam realmente assustados aqui. Uma, por exemplo, veio com uma unha infeccionada, fissuras muito profundas. Não conseguia deixar o pé em minha mão de jeito nenhum. Estava se tremendo toda, muito nervosa, porque viu a lâmina que eu usaria. Só depois que começamos, já com o dedo anestesiado, é que ela se acalmou e viu que não era nada daquilo. Tem que ter calma nessas horas, explicar o procedimento, tranqüilizar o cliente”. Quanto às profilaxias, são as mesmas de sempre: “O excesso de peso, o calçado inadequado, isso tudo acaba sendo prejudicial à saúde dos pés. O pé é o primeiro a reclamar do sobrepeso. A estética do pé está muito associada a sua saúde. A podologia acaba sendo um complemento da medicina”. Evitar pisar descalço em lugares úmidos e nunca colocar os pés em calçad o s úmidos são também boas dicas para um pé bonito. “Uma hidratação regular acaba sendo muito bom. E cuidado ao se cortar as unhas, pra evitar infecção”.
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Dênis Paes Barreto gerente executivo de telefonia móvel
Com ou sem licença, chegou a convergência
Há cinco anos falávamos em internet banda larga como o
suas contas bancárias, doidos que estão para nos tirar de den-
limite da transmissão de dados. Mal podíamos esperar para ter
tro das agências, cortar as despesas operacionais e fazer com
um modem ADSL em nossa casa plugado na velha e boa linha
que a gente se preocupe cada vez menos com quanto tem dis-
telefônica que o Graham Bell inventou no cada vez mais dis-
ponível para gastar. Se isso vai representar tarifas mais bai-
tante século XIX. Celular com transmissão de dados? Não vai
xas, só o tempo vai dizer.
passar de 14.4 kbps. “Pra quê mais?”, diziam os “visionários”.
Mas o que importa, pelo menos por enquanto, é que a con-
Hoje estamos à beira de uma nova revolução. Mas como?
vergência de mídia e meios chegou entrando sem bater e sem
A internet não tem nem dez anos e eu já tô aqui falando de
pedir licença. E por convergência entenda Voz sobre IP Mó-
mudança? Meu tio agora que comprou um PC! Mas é isso
vel, que nada mais é do que o seu Messenger ou o seu Google
mesmo. Prepare-se: o maior desafio não é saber como, mas
Talk dentro do celular. Mas não é só teclando. É conversando,
sim quando ela vai acontecer.
falando e usando vídeo pelo canal de dados em vez do canal
Não se preocupe, vai doer nada. Até porque, ela já está em
de voz do seu aparelho.
andamento sem que você nem ao menos se dê conta disso.
Convergência é RIM. E não é aquele órgão de onde o seu
Celular com tarifa de fixo quando você está na região onde
avô expeliu uma pedra ano passado. RIM é uma empresa
mora. Celular com transmissão de dados banda larga - Wi-Fi,
canadense que inventou um aparelho com um teclado que
EDGE, UMTS, HSPDA, Wi-MAX.
parece uma amora e que agora nos tira da cama de madru-
Não se preocupe com as siglas. Elas só servem para dizer que, daqui a uns cinco anos, a gente vai olhar para os celula-
gada para ler o e-mail que o chefe mandou do outro lado do mundo em tempo real.
res de hoje em dia como aquele moleque de 13 anos viciado
Do jeito que a coisa vai, é só uma questão de tempo para
em Playstation olharia o antiquado Atari 2.600 caso tivesse
você dar início à sua relação de amor e ódio com o Black-
que trocar uma partida de Winning Eleven por uma roda-
Berry, que no momento em que escrevo este texto já deve ter
da de Enduro ou Space Invaders. E nessa, meu amigo, muda
mais de oito milhões de usuários no mundo inteiro. Nessa o
tudo. Até mesmo a maneira como você vai se relacionar com
Bill Gates ainda está comendo poeira e não amoras.
o mundo. O que implica ter à mão o poder da mudança, da segurança da informação. Os bancos já perceberam isso há pelo menos uns sete anos e agora que amadureceram, implantaram o acesso móvel às
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tecnologia
denispb@gmail.com
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Convergência é isso: receber o convite para essa coluna por telefone, escrevê-la num celular Nokia E61 de dentro do avião, transmitir o e-mail por Wi-Fi e enviar para a redação da editora pelo BlackBerry.
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gadgets
gadgets
janjoproenca@gmail.com
sapatos com
Saiu a nova versão do D Snap, player da Panaso-
Não faltarão nerds e geeks interessados no Fre-
nic. Não tem memória interna, que é substituída
eeHand, uma espécie de bolso que fica preso na
por slots de cartões SD e SDHC, mas os fones con-
mão, e onde é possível guardar dinheiro, credit
tam com tecnologia de redução de ruídos e várias
cards, iPods e até seu smart phone. Custa apenas
opções de cores. A bateria de lítio não é removí-
US$22.
vel, mas dura até 80 horas. Também tem rádio FM e gravador de áudio.
Para curiosos ou nerds, desses que
pilhas AA. A luz simula uma Aurora Bo-
nem saem do quarto, é uma boa o Gen-
real na parede do quarto e vem até com
sun Kukan Aurora, projetor que mede
música new age para dar um clima. Custa
12x16x16 e funciona por 20 horas com três
US$61.
miolo_delovely006.indd 80
8/6/2007 18:54:09
Os dois bull terrier são as USB Mad Dogs Spe-
Não é pra todo mundo que invade as ruas da cidade na
akers, pequenas caixas de som USB, para funcio-
contramão com suas bikes, mas sobretudo para quem
nar no seu computador ou player com saída de
apenas passeia, a nova Trek Lime, com sistema de trans-
3.5mm. Dentro da boca de cada cachorro tem uma
missão automática na roda de trás, movido pelo gera-
caixa de som com potência de 2 watts. E vocês sa-
dor que fica na roda da frente. Há frescurinhas com seis
bem que os bull terrier são extremamente cabeçu-
opções de cores para a tampa da correia e um pequeno
dos. Custam US$26.
computador com as informações do percurso. E se quiser guardar seus gadgets, bote no assento.
Eu adoro amplificadores valvulados, e os mais Nessa época de You Tube, você sai na frente com este boné que esconde uma filmadora com microfone. O kit vem com um monitor para você conferir os flagras. A qualidade é boa, com resolução de 720x480 pixels, bateria com até 60 minutos, 4 GB de capacidade e memory card SD. Custa US$1.270.
legais que conheço são os da Fatman. E se eu já gostava da versão antiga, imagine então esta nova linha de amplificadores que tem ainda mais potência com o mesmo design retrô. O irmão caçula é o iTube 182, que se parece com o original mas tem sete válvulas e um aumento de potência de 13 a 18 watts por canal. O iTube 252 (foto) é o irmão do meio, com nove válvulas e 25 watts por canal. E o iTube 402 é o irmão maior, com sete válvulas e 40 watts por canal!
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fotonovela
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Oito da noite. O Roxy acaba de abrir. Fredo inicia sua busca
Encara o salão ainda vazio. Qual será o grande mistério do sucesSo do Roxy Bar? Como um cliente comum, lê todo o cardápio...
mas pede o prato de sempre...
Tudo isSo para distrair os garçons que fazem os pedidos.
Fredo aproveita para esgueirar-se Roxy adentro...
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Descobre uma escada em caracol..
quer dizer que o Roxy tem um segundo andar secreto...
Fredo está arRepiado. Há uma porta.
a
Sem fôlego, ouve uma voz calma, sensual e também autoritária
roteiro: Edyr Proença fotos: Jaime Sousa direção: Janjo Proença Fabrício de Paula diagramação e letras: André Loreto modelos: Gil Yonezawa Camila Yonezawa
i
Fredo, até que enfim você chegou...
Marilyn Monroe parece guardar o grande segredo
UAU! Fredo não consegue conter a exclamação diante do que vê, no teto!
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continua...
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Bruno Lobato ilustrador
quadrinhos
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brunopamplona@ig.com.br
Frank Miller, a lenda
É inegável que Frank Miller é uma lenda dos qua-
mais havia para ser dito sobre o herói. Só aceitou
drinhos. Para muitos é um ídolo, para outros, contro-
após muita insistência e uma proposta de 1 milhão
verso, mas a verdade é que inspirou toda uma gera-
de dólares feita pela DC.
ção de artistas e amantes de quadrinhos de qualidade.
Conta a lenda que o Sr. Miller teria finalizado to-
Comigo não foi diferente e Miller foi um marco na
das as três edições em uma só semana (mais de 70
minha compreensão e apreciação desse universo tão
páginas) usando somente sharpie pretas (canetinha
vasto, fazendo parte do meu DNA artístico.
hidrocor) e folhas de papel jornal grande, sem direito
Foi desenhando, e depois desenhando e roteiri-
a rascunho, lápis e borracha. Pegou o dinheiro, achou
zando “Demolidor, o Homem sem Medo”, que Mil-
graça e ainda disse: “Eu avisei!”. Alguns acharam ge-
ler trouxe consigo um toque inovador, um clima noir,
nial, anti-profissional, loucura. Para mim não passa
personagens mais profundos e complexos, tramas
de uma piada de Frank Miller.
psicológicas, uma narrativa e dinâmica visual cine-
Paralela e posteriormente à Marvel e DC, Miller
matográfica para um mundo cheio de super-heróis
participou de projetos na terceira maior companhia
de capa, repetitivos e desinteressantes.
de quadrinhos dos EUA, a Dark Horse, como rotei-
Por onde passou, revolucionou. Na Marvel fez com
rista para as series “Robocop”, “Big Guy and Rusty”,
que “Demolidor”, que corria risco de ser cancelado,
“Hard Boiled” e “Liberdade”, alcançando notorieda-
fosse considerado pela crítica a melhor publicação da
de mundial com “Sin City”, que se tornou filme de
companhia por dois anos consecutivos (elas foram
grande bilheteria.
publicadas no Brasil nos anos 80 e reeditadas pela
Toda desenhada em preto e branco a película tem
Panini há algum tempo). Foi roteirista desse título
pequenos detalhes em cor que realçam o incrível es-
por vários anos, e criou a inesquecível ninja Elektra,
tilo de alto contraste dos sete volumes da obra, que
que assim como Demolidor teve sua historia levada
só saiu do papel porque o diretor de cinema Robert
às telonas. Infelizmente ambas mal aproveitadas.
Rodríguez, declarado fã de Miller, garantiu que seria
Consolidando-se como um grande contador de
o mais fiel possível. Miller estava desapontado com o
histórias, pela Marvel desenhou uma minissérie do
cinema desde os filmes “Robocop I e II”, dos quais foi
Wolverine e uma graphic novel “Elektra Vive”, as
roteirista, mas teve seu trabalho mutilado e distorci-
duas excelentes. Trabalhou ao lado de Bill Sienkiewi-
do. “Sin City” despertou novamente o antigo desejo
cz, outra lenda, e juntos conceberam uma obra-pri-
de ter suas aventuras transportadas para o cinema,
ma: a minissérie novel “Elektra Assassina”.
sua outra grande paixão.
Entre 1986 e 1987, Miller foi contratado pela DC
Isso me leva à motivação inicial por trás desse
Comics, maior concorrente da Marvel, para escrever
texto: a adaptação de “Os 300 de Esparta”, lançada
e desenhar a obra cultuada e premiada, “Cavaleiro
em 1998 pela Dark Horse, pela dupla de longa data
das Trevas”, e ser o roteirista de “Batman: Ano Um”.
formada por Miller e sua esposa Lynn Varlley, e que
Fez também a minissérie “Ronin” em um estilo in-
chegou às telas pelas mãos do diretor Zack Snyder.
fluenciado por mestres do quadrinho japonês – re-
Saí do cinema e comecei a pensar em tudo que sabia e
ferência sempre presente em sua arte, assim como a
admirava sobre Miller. Tive a sensação de que muito
escola européia de quadrinhos.
o retorno do cavaleiro das trevas
mais virá e, de maneira particular, fiquei orgulhoso
Após uma longa espera de 15 anos, a continua-
em ver mais uma história oriunda do universo HQ
ção de “Batman” chega às bancas, pondo fim a uma
sendo adaptada com respeito por Hollywood. Nada
história que considero uma das mais interessantes
mal para um cara que saiu do interior dos EUA e só
no mundo dos quadrinhos. Miller achava que nada
queria contar histórias de detetive na cidade grande!
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os 300 de esparta
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Jo go americano Ele conta muito sobre o Roxy Bar. Está por baixo, mas sempre chama atenção. Às vezes, passa até despercebido, mas está por perto todo o tempo que você fica no restaurante. Há quem ensaie levá-lo pra casa. Disfarçadamente, perguntam se pode, ou desconversam, deixando-o pra trás. Pra acabar com essa agonia, decidimos dá-lo a você de presente, essa invenção janjiana que é a cara do Roxy. Artigo de colecionador, a partir de agora os jogos americanos fazem parte da de.lovely. A cada edição, um novo jogo. Com a diferença de que você poderá levar sem receio.
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de.lovely • ano um • número um • junho de dois mil e sete
de•lovely ano um • número um • junho de dois mil e sete
Tempo Aproveite esse bem escasso do seu modo
Cotidiano A Belém revelada do alto dos edifícios
Cláudio Barradas O papa do teatro paraense fala sobre palcos e Igreja
Imagens do além? Ficção e realidade na fotografia de espíritos
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