Revista ZYG

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ZYG360.com rede cultura de comunicação em revista

publicação trimestral da fundação de telecomunicação do pará - ano I - nº 4 - novembro de 2008

Novo Transmissor

População da Grande Belém tem acesso à nova imagem da TV Cultura do Pará

Mês da Consciência Negra Profissionais e especialistas debatem o mercado de trabalho para a raça negra

Aniversário especial Programação diversificada comemora mais um ano da Rádio Cultura FM



A TV pública mais perto da população A Revista ZYG360.com chega à quarta edição, a última de 2008. Muitas foram as conquistas para a Rede Cultura de Comunicação neste ano, e muitos são os desafios que o próximo ano nos reserva. A matéria especial desta edição trata de uma das conquistas deste ano que está encerrando que mais orgulha os profissionais que fazem a TV, a Rádio e o Portal Cultura. Trata-se da melhoria da qualidade do sinal de transmissão da TV Cultura para a Região Metropolitana de Belém, com a chegada e início de operação do novo transmissor, dez vezes mais potente que o anterior, além da expansão das retransmissoras para 21 municípios do Estado, além de outros 22 até o final do ano. Esta nova etapa já pode ser vivenciada por milhares de paraenses que antes não tinham acesso à programação da TV Cultura e que agora contam com um sinal de qualidade e uma nova opção de programas, além daqueles oferecidos pelas TV’s comerciais abertas. Uma das características que diferenciam o perfil da TV pública das demais é justamente o conteúdo voltado para temas como educação, cultura e cidadania. Exemplo disso é o investimento feito na chamada “Interprogramação”, que, veiculada nos intervalos oferece informações rápidas e fáceis de assimilar pelos telespectadores de qualquer idade. Além de dar detalhes sobre a produção dos “interprogramas”, a Revista ZYG360.com traz, ainda, outras discussões importantes para os profissionais que atuam na área da Comunicação, sejam eles jornalistas, publicitários, relações públicas, entre outros. Aproveitando as comemorações do mês da Consciência Negra, abordamos a situação desses profissionais no competitivo mercado de trabalho. As novidades e projetos da Rede Cultura de Comunicação também são destaque em matérias sobre o DOCTV 4, a importância do veículo Rádio, além das matérias que abrem uma série sobre a história dos programas que marcam a trajetória da Rede, como o Brasileiríssimo e o Catalendas. Esta edição é, portanto, um resumo do que melhor aconteceu em 2008. E 2009 já começará com muito trabalho. A Fundação de Telecomunicações do Pará terá participação marcante no Fórum Social Mundial, que acontece em janeiro e continuará com o projeto de expansão de suas retransmissoras. A meta é chegar a 78 municípios até o final de 2009. Que assim como em 2008, nossos projetos e objetivos se concretizem e que tenhamos saúde e disposição para melhorar ainda mais a qualidade da programação da TV pública, que é patrimônio do povo paraense. A todos, um Feliz Natal, boas festas e um abençoado 2009!

Regina Lima

Presidente da Fundação de Telecomunicações do Pará


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índice

cidadania

06 Presidente da Funtelpa Regina Lúcia Alves de Lima

Aproveitar os intervalos comerciais para veicular mensagens educativas, culturais ou de cidadania: a Rede Cultura descobriu que produzir para este espaço pode ser tão ou mais interessante que investir unicamente na programação regular. Caros leitores, com vocês: Interprogramação...

profissão

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Novembro é o mês da Consciência Negra. Nele, discussões são travadas sobre a participação do negro na sociedade, seus direitos e conquistas. Apesar de ainda estar longe do ideal, a presença de representantes da raça nos meios de comunicação cresce a cada ano. Prova de que talento não tem cor.

rádio

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Vinte e três anos após a sua criação, a Rádio Cultura FM comemora mais um aniversário fazendo o que a notablizou junto aos ouvintes: produzindo programas com conteúdo e muita qualidade. Atingindo 12 municípios, a Rádio não se cansa de promover educação, informação e cultura regionais.

especial

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No dia 1º de agosto, a Região Metropolitana de Belém começou a receber os primeiros sinais do novo transmissor da TV Cultura do Pará. Sinônimo de programação antenada com o interesse público, qualidade de imagem e som chegando para um número muito maior de telespectadores.

foto capa Luiza Cavalcante

doc tv história rádio perfil história tv serviço artigo I artigo II

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Diretor de TV Dimitri Maracajá Diretor de Rádio Antonio Carlos de Jesus dos Santos Diretor de Multimídia Marcos Francisco Urupá de Lima Diretor Administrativo Financeiro Valdemir Chaves de Sousa Diretor Técnico José Gonçalves Ferreira Neto Reportagens e textos Ana Paula Bicalho (estagiária) Brenda Maciel (estagiária) Gabriel Jordy (estagiário) Marly Quadros - MTB 1490-PA Renata Biondi - MTB 1675-PA Fotografias Luiza Cavalcante (Double M Comunicação) Leonardo Barreto (estagiário) Funtelpa / Agência Pará Colaboradores Vivienne Cerdeira (estagiária de Projetos) Editora Responsável Marly Quadros - MTB 1490-PA Edição e diagramação Double M Comunicação Revisão Marly Quadros e Renata Biondi Impressão Santa Marta FUNDAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÕES DO PARÁ Avenida Almirante Barroso 735 Belém CEP 66093-020 TEL 55 91 4005-7759 ISSN 1982-5633 www.portalcultura.com.br CONTATO COM A REVISTA ZYG360.COM: comunicacaofuntelpa@gmail.com Novembro de 2008. Publicação trimestral da Fundação de Telecomunicações do Pará. Os conteúdos assinados desta revista são de inteira responsabilidade dos seus autores. Distribuição dirigida. Tiragem: 3.000 exemplares.



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Um minuto da sua atenção...

foto divulgação

Interprogramação: intervalos viram atração na Televisão Brasileira

Sérgio Bastos (sentado) e a equipe responsável pelas animações do “Belém Tem Disso” e “Contos da Amazônia”

Aproveitar os intervalos comerciais para veicular mensagens educativas, culturais ou de cidadania não é exatamente uma novidade na TV brasileira, mas as emissoras públicas e educativas, como é o caso da Rede Cultura de Comunicação, descobriram que produzir para este espaço pode ser tão ou até mais interessante que investir unicamente na programação regular. Esses pequenos “programas” saem mais baratos, já que são rápidos – cada edição dura no máximo 30 ou 60 segundos – possuem formato livre e podem ser inseridos em praticamente qualquer horário na grade de programação das emissoras. No Pará, pelo menos três experiências muito bem-sucedidas estão atualmente no ar. Com temas diferenciados, o “Belém Tem Disso” e “Contos da Amazônia”, duas séries de animação, dividem espaço com o “Vídeo Verso”, de poesia e literatura. Os trabalhos agradam ao público e conquistam até fãs. Os formatos diferenciados e as idéias criativas, que muitas

vezes prestam serviços de utilidade pública, estão entre as justificativas para se investir nesse tipo de programação. Segundo a presidente da Funtelpa, Regina Lima, como a TV pública não busca, antes de tudo, o lado comercial, a lógica das emissoras passa a ser transformar aquilo que a financia, que é o dinheiro público, em coisas de interesse do público. “Ao não nos pautarmos pela lógica comercial e não podendo ter propagandas de cunho comercial, somente institucional, há que se abrir um nicho dentro deste mercado para que as empresas entendam que elas também se divulgam através dessa linha institucional e com campanhas de caráter preventivo, educativo. Aquilo que a gente já faz nos programas, como atrativo no intervalo entre um programa e outro. Temos, por exemplo, o ‘ E eu com isso?’, que é um fragmento dentro de uma política cidadã, que mostra como se prevenir dentro de várias situações, incluindo o caráter educativo”, relata.


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A transformação da idéia em animação começa nos traços de Sérgio Bastos, que saem do papel e ganham vida na tela do computador

Belém Tem Disso Uma das experiências mais bem sucedidas da Rede Cultura de Comunicação do Pará, quando se fala em Interprogramação, é a “Belém Tem Disso”, série que retrata o cotidiano da capital paraense em animações de 30 segundos que já conquistaram o público paraense e também fazem sucesso fora do Estado. A “Belém Tem Disso” surgiu há pouco mais de cinco anos, como uma campanha publicitária para lançar um programa de TV, criada pelo publicitário e artista plástico Sérgio Bastos. A idéia foi, logo depois, transportada para as páginas de jornal e, em 2007, chegou à televisão. “Tive a idéia de fazer uma coluna que mostrasse o dia-a-dia da cidade, a partir de uma ótica não turística, com um pouco do dia-a-dia das pessoas da cidade, o lado certo, o lado errado, o lado pitoresco. Um ano depois que a coluna foi pro jornal, tive a idéia de transformar isso em animação. Chamei o Marcos Daibes, um amigo roteirista, e a gente desenvolveu um piloto. Mas não conseguimos viabilizar o projeto por falta de patrocínio”, relembra. Ano passado, o projeto foi apresentado à presidente da Funtelpa, Regina Lima, que resolveu apostar na idéia. Sérgio montou, então, uma pequena equipe, formada também por Marcus e por Alexandre Coelho, que faz as animações, além de outras duas pessoas de uma produtora, responsáveis pela sonorização. “É muito interessante você ver o seu desenho, uma idéia estática, se transformar numa animação. E todo mundo gosta. No começo de cada mês a gente escolhe dois desenhos. Então a gente procura mesclar um pouco de cultura popular, coisas inusitadas, como o carro-som chamando as pessoas pra festa, mas também passar um pouco de educação”, comenta. Entre as animações mais famosas estão justamente aquelas que chamam atenção da sociedade para temas importantes,

como a educação no trânsito. Na “Belém Tem disso”, uma delas reproduz uma cena comum em Belém: pessoas atravessando a pista fora da passarela. “Essa da passarela é uma coisa muito séria, porque muita gente morre por causa disso. Assim como tem uma ciclovia na Avenida Almirante Barroso, mas as pessoas continuam andando de bicicleta no meio dos carros. São coisas que tocam. A animação tem essa vantagem, por ser uma coisa bem direta.” As animações foram tão bem aceitas que já chegaram à 24ª edição. O diretor e roteirista do projeto, Marcos Daibes, diz que o principal diferencial da animação para TV é a instantaneidade com que chega ao público. “O trabalho é super gratificante. Com o cinema demoramos quatro anos para fazer um filme de 12 minutos. Com a animação, em um mês temos dois episódios e o público já entra em contato e as pessoas estão gostando. É um sonho realizado trabalhar com animação. O audiovisual, de uma maneira geral, é fantástico para narrar coisas que não são exploradas. A gente vai chegar a um público nunca antes atingido com um projeto de animação feito aqui, contando as nossas histórias.” O animador Alexandre Coelho, que é responsável pela passagem do desenho de Sérgio para as telas das TV’s paraenses, relata que a computação gráfica é uma grande aliada da série. Num dos episódios mais famosos foi usada inclusive uma técnica mais apurada, chamada de rotoscopia. “Na animação do brega, a gente filmou um casal de amigos dançando. As imagens foram transformadas em ‘frames’. Como isso funciona: no computador você divide o vídeo em figuras e vai imprimindo, com isso fica muito mais realista o movimento. É uma coisa difícil de fazer”, conta, entusiasmado. Há, ainda, a possibilidade de o projeto paraense ganhar edições nacionais. Durante o último encontro da Associação Bra-


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A aceitação do “Belém tem disso” foi tão grande que a TV Cultura pensa em lançar um projeto similar para veiculação em todo o país

A série “Contos da Amazônia” trata de ecologia e tem como principais personagens moradores da região e contos e lendas da Amazônia

sileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), realizado em julho, em Belém, Regina Lima apresentou a série “Belém Tem Disso” e anunciou que a TV Brasil estuda a possibilidade de criar uma série parecida sobre as regiões brasileiras, com know-how dos profissionais paraenses. Sérgio Bastos está animado com a possibilidade. “Estamos fazendo reuniões para saber como vamos tocar o projeto, porque não poderemos fazer uma coisa igual ao ‘Belém Tem Disso’. Teremos que fazer uma pesquisa grande para entrar em cada Estado. Criar situações para que uma pessoa do Rio Grande do Sul entenda uma animação, por exemplo, sobre Recife e vice-versa.” Regina Lima afirma que, em princípio, a idéia é que o “Brasil Tem Disso” entre no ar pela TV Brasil a partir de janeiro do ano que vem. “É legal porque a TV Cultura do Pará cada vez mais se mostra lá fora como uma TV que tem uma capacidade de criação e produção. É claro que precisamos nos preparar tecnologicamente e profissionalmente. Mas de qualquer maneira estamos mostrando para as outras TV’s que podemos disputar em igualdade de condições com aquilo que está sendo feito lá fora. Nós começamos agora, mas a idéia é encorpar essa política de interprogramação para que não tenhamos muita repetição e possamos dar uma certa regularidade na produção.” Contos da Amazônia Ao lado da equipe, Sérgio comemora, também, o nascimento de outra série: a “Contos da Amazônia”, que começou a ser veiculada no mês de setembro e trata sobre ecologia. “Eu queria fazer uma coisa que fosse a nossa visão das coisas, nós nos dando bem. Por isso, as personagens da Amazônia resol-

vem os seus problemas sem a ajuda de alguém de fora, como é geralmente a lógica de todas essas histórias, dos filmes americanos.” As personagens principais, então, serão os moradores da região e os contos e lendas da Amazônia, como o Curupira, a Iara. “A idéia do Contos é mostrar, principalmente para as crianças, o que está acontecendo de errado. Para nós o importante é a conscientização, e quando a TV aposta nisso ela está criando um espaço novo. Eu espero que no futuro outros artistas possam mostrar o seu trabalho. Estive numa escola semana passada e conversei com crianças de 6, 7 anos, e uma boa parte delas já tinha visto as animações. Eu acho fundamental.” Marcos, por sua vez, explica que as duas séries passam por processos de criação bem diferentes. “No ‘Belém Tem Disso’ é como se fossem fotografias de Belém, um instantâneo da cidade, como se ela fosse a protagonista da história. No ‘Contos’ é diferente, as personagens têm uma participação muito mais importante, mais efetiva. As personagens do Belém não têm rosto, porque não é necessário. Eles são a população da cidade, a coletividade. No contos não, você precisa da personagem e com personalidade forte. A história tem que ter começo, meio e fim”, explica. A informação é confirmada pelo animador. Para Alexandre, o prazer da equipe em retratar os contos da Amazônia na tela tem um sabor especial. “A gente está fazendo uma coisa com um ritmo mais animado. Eu tenho mais liberdade de criação no traço. O cenário também tem uma cara, uma personalidade. Gostei muito de um personagem, que é o caçador, que foi o que mais exigiu até agora.”


foto Leonardo Barreto / Funtelpa

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Guaracy Júnior, idealizador e diretor do “Vídeo Verso” acredita que o formato simples do interprograma é uma das responsáveis pelo sucesso

Vídeo Verso A poesia e a literatura paraenses também ganharam espaço privilegiado na programação da TV Cultura, graças ao “Vídeo Verso”, interprogramação que resgata e divulga a obra dos escritores do passado e do presente. Este quadro tem um conceito bem simples. Com um minuto de duração, é composto por uma trilha envolvente com poesia de caráter universal. “Temos desde autores que já morreram, como Tavernard, Ruy Barata, e também novos poetas que estão surgindo aí. A proposta é mostrar o bom trabalho de poesia que se faz no Estado”, explica Guaracy Brito Júnior, idealizador e diretor do interprograma. Num primeiro momento, o “Vídeo Verso” está dando destaque para a poesia paraense, mas a proposta é que no ano que vem abra espaço para as criações de outros poetas e escritores brasileiros. Para Guaracy, um dos motivos do sucesso do interprograma é o formato simples. “A gente trabalha com o poema lido pela Linda Ribeiro, com suporte de imagens do arquivo da TV Cultura. Não saímos para produzir, não gravamos nada, não entrevistamos ninguém. A gente vê o poema, pensa um pouco nele, vai atrás dessa imagem no arquivo. Normalmente os temas são voltados para a realidade amazônica, mas às vezes tem alguma coisa urbana também”, explica. Até agora já foram produzidas inserções com 15 poetas, incluindo trechos, um poema inteiro ou, ainda, partes de prosa romântica, desde que tenha uma linguagem poética. “O pro-

grama foi evoluindo. No começo era mais duro, tinha uma tela, onde aparecia o poema, um papel sempre do lado. Depois resolvemos tirar isso e aproveitar a imagem pura com caracteres mais discretos, porque a imagem e a poesia é que é o forte. A legenda é só para dar um reforço visual e até auditivo.” O “Vídeo Verso” segue uma das premissas da TV pública brasileira, ele não é feito para tentar agradar a todos os telespectadores, mas acaba chamando atenção de quem assiste TV. “Se tem alguém prestando atenção é para essa pessoa. Não é para um público amplo. Eu acho que mesmo a programação da TV, que se propõe pública e agora pretende atingir um público maior, mesmo assim, a poesia não é para um público amplo. Não dá para dizer: ‘Isso vai ser um sucesso de audiência’, mas eu acho que a pessoa que entra em contato, observa, se encanta pela poesia e pelo trabalho mesmo no vídeo. Ela se cativa. Se conseguirmos formatos interessantes seremos capazes de botar qualquer tipo de material cultural no ar e chamar atenção das pessoas”. A experiência com o “Vídeo Verso” iniciou em 2007. Todo dia, dentro da programação, são incluídos os poemas, especialmente à noite. A escolha do que será animado, explica Guaracy, conta com a colaboração de pessoas das áreas de literatura e educação. “Elas vão me indicando os poetas. São colaboradores que estão antenados tanto com os poetas antigos quanto com os novos. A intenção é manter um padrão literário para o trabalho.”


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Talento não tem cor

foto Luiza Cavalcante

Mercado de Comunicação se abre para os profissionais negros

Ana Paula Bicalho aposta que não terá dificuldades no mercado de trabalho

Novembro é o mês da Consciência Negra. Desde a abolição da escravatura muito já se avançou nas conquistas para a raça negra no Brasil. A discussão mais recente se refere à adoção de cotas nas universidades públicas. Nos meios de comunicação, especialmente na publicidade, a presença do negro já é bem mais freqüente, seja na frente ou atrás das câmeras; no entanto, não na mesma proporção da representatividade da raça na miscigenada população brasileira. De acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 69,4% da população se declara parda, outros 23,6% brancos, 6,2% negros e 0,5% amarelos. Se levarmos em consideração que muitos negros preferem se enquadrar na definição de pardo, a população de pele branca perde a hegemonia entre os brasileiros. O Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) lançou estudo sobre desigualdades raciais, racismo e políticas públicas, aproveitando a comemoração dos 120 anos da abolição da escravatura. O estudo mostra a evolução das condições de vida de negros e brancos nas últimas quatro décadas e a evolução do quadro demográfico, educacional, no mercado de trabalho e nas condições de pobreza e desigualdades. De acordo com o documento, a população negra deve alcançar a maioria entre os brasileiros. Entretanto, permanece a desigualdade no acesso a bens, a serviços e a direitos fundamentais, como educação. Pesquisadores que acompanham a questão nos Meios de Comunicação, como o professor Carlos Medeiros, que é graduado em Comunicação e Editoração (ECO/UFRJ), mestre em Ciências Jurídicas e Sociais (UFF) e doutorando em Ciências Sociais (UERJ), afirmam que é possível distinguir uma linha histórica da ascensão do negro nas profissões do meio, mas que, entretanto, ainda não apresenta a evolução ideal. “Podemos perceber dois momentos em que ocorre essa inclusão. O primeiro no início dos anos 70, como reflexo da onda ‘Black is Beautiful’ - que, por sinal, alguns consideram o slogan publicitário mais bem sucedido de todos os tempos. O outro na segunda metade da década de 90, tendo como marco o lançamento da revista ‘Raça’. O sucesso dessa publicação mostrou que havia negros em condição de consumir produtos destinados à classe média”, revela. Autor de “Na lei e na raça. Legislação e Relações Raciais, Brasil - Estados Unidos” (Rio de Janeiro: DP&A, 2004) e co-autor de “Racismo, preconceito e intolerância” (São Paulo: Atual, 2002, 5a ed. 2008), Carlos é também militante do Movimento Negro, portanto, acompanha de perto as discussões referentes ao mercado de trabalho para os profissionais negros. Ele


foto Luiza Cavalcante

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Carlos Correia afirma que o talento vence qualquer barreira, mas reconhece que é um dos poucos negros a chefiar equipes na profissão

lembra, ainda, que o negro demorou para ser aceito até como consumidor. A onda de produtos específicos para a raça negra é ainda muito recente. “Nos Estados Unidos, por exemplo, foi necessária uma campanha de conscientização dos anunciantes e das agências de publicidade para que eles percebessem que havia negros de classe média. No caso brasileiro, o surgimento de Raça (a revista) cumpriu, de certa forma, esse papel, ainda mais que foi alicerçado pela famosa pesquisa da Grottera mostrando a existência de 14 milhões de negros de classe média”, completa. Não existem, porém, estudos conhecidos que demonstrem qual a participação do negro em cargos de chefia, em altos postos em agências de publicidade, jornais, TV’s e outros veículos de Comunicação. Os negros sempre estiveram associados a atividades de entretenimento, como o esporte ou a música, que acabavam sendo praticamente seus únicos canais de ascensão social. A partir de determinado momento, isso começou a ser explorado pela publicidade, como demostra Livio Sansone no artigo intitulado “A produção de uma cultura negra”. Ele explica que, ao mesmo tempo em que utilizam a imagem de atletas negros para venderem seus produtos, Nike, Adidas e outras grandes marcas fornecem em troca uma imagem positiva, um espelho que os jovens negros de décadas atrás simplesmente não tinham. “Hoje em dia, curiosamente, usam-se modelos ne-

gros associados a produtos de alta tecnologia – computadores, celulares, IPods. A explicação é que a imagem negra se associa à modernidade pela via da diversidade. Mas a estética negra ‘aceitável’ continua sendo uma estética mulata. As exceções se vinculam ao exótico”, complementa Carlos. O pesquisador avalia, ainda, que o campo da comunicação é fundamental para a compreensão do real papel do negro na sociedade hoje. “Infelizmente, estamos longe de uma representação minimamente proporcional no campo da mídia. E não se deve esquecer a forma parcial e por vezes desonesta como eles tratam questões como a ação afirmativa, lutando – felizmente em vão até agora – para criar um clima desfavorável à adoção desse tipo de política. A constatação é de que, nessa área, não temos praticamente nenhum poder”, finaliza. Imagem A visão da jornalista Joseti Marques, Mestre e Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro é a mesma. Em sua tese de doutorado ela abordou a questão e foi mais além, afirmando que o perfil do negro retratado na propaganda está longe de apresentar a realidade do negro no Brasil. Na verdade, assegura a pesquisadora, o negro ainda não se vê nas propagandas. “A publicidade, geralmente, trabalha com a ilusão e não tem o compromisso de espelhar a


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A Benetton foi uma das primeiras a investir em campanhas publicitárias “multiraciais”

realidade ou de trabalhar por mudanças sociais. Se há uma recomendação, ou imposição, de se mostrar a diversidade racial nas peças publicitárias, isso será feito dentro de padrões discursivos e estéticos comuns à publicidade. A publicidade atende a uma lógica de mercado, e se hoje o padrão de consumo dos negros é mais alto, o mercado os verá como um nicho de oportunidade e a publicidade vai refletir isso de maneira glamourosa, mesmo que a realidade seja muito diferente”. A pesquisadora cita como fonte de prova de sua afirmação, os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o Índice de Desenvolvimento Humano-IDH de brancos e negros no período de 1991 a 2000, que mostra a imensa disparidade entre brancos e negros em todos os itens – renda, longevidade e educação. “É uma desigualdade histórica que se repete a cada nova pesquisa. No entanto, percebe-se uma ligeira melhoria no nível de renda”. Os dados citados pela jornalista são: em 1991 o índice de renda do negro ficava em 0,584; em 2000 passou para 0,623. O índice de renda dos brancos no mesmo período era de 0,734 e passou para 0,776. “Isso em um país que hoje chegou à conclusão, não sem muita discussão, que tem maioria negra”, complementa. Ela afirma, também, que ao contrário do que tem se dito nas matérias jornalísticas sobre o assunto, a mídia ainda não sabe como referir o negro em seu discurso. “Mas é importante que descubra e que leve a questão a sério. A mídia é um megafone mágico, que tem o poder de construir crenças e realidades, portanto deve ter e ser cobrada de um compromisso social com essa e outras questões sociais prementes”. Futuro De acordo com a tese de doutorado da pesquisadora, a ideologia, relacionada a qualquer aspecto da vida e da experiência, só é efetiva quando se naturaliza e já não nos damos conta

de estarmos repetindo e atualizando idéias e conceitos antigos. “Quando uma pessoa, branca ou negra, se refere a um amigo negro apontando de maneira depreciativa, por “brincadeira” ou “piada”, suas características físicas, seu biotipo, não quer dizer que ela seja racista, mas estará ajudando a atualizar e preservar uma ideologia que é racista e que certamente remonta a um passado que ela não consegue alcançar pela memória”. A receita para mudar essa realidade, 120 anos depois da abolição da escravatura, ainda não é muito clara. “Os caminhos devem ser muitos e certamente há muita gente séria dedicada a resolver a questão. Quanto a minha área de atuação, acho que os discursos que circulam na sociedade através dos aparatos midiáticos têm um grande poder, tanto para atualizar e promover a manutenção de ideologias indesejáveis, quanto para promover mudanças sociais. Às instituições de ensino da Comunicação cabe outra importante parcela de responsabilidade, porque são elas que formam os profissionais que dirão para toda a sociedade quem afinal de contas somos nós – negros, com certeza; brancos, também. Mas racistas, não”, finaliza. Experiências O jornalista e escritor Carlos Correia Santos tem 15 anos de atuação no mercado de trabalho da Comunicação. Ele já passou por assessoria de imprensa, foi repórter de TV, jornal impresso e produtor de conteúdo de portal. Atualmente é editor de Cultura de um grande jornal impresso de Belém. Carlos acredita que o mercado hoje está mais aberto para a comunidade negra do que na época em que iniciou a carreira; no entanto, afirma que sua determinação em seguir na profissão foi crucial para que não sentisse tanta dificuldade em conseguir atuar na área. “É óbvio que a sociedade avançou, que a questão do preconceito já não é mais como era antigamente. Pelo meu caso o que posso dizer é que o mercado de trabalho valida o talento. Eu realmente nunca


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O lançamento da revista “Raça”, na metade dos anos 90, foi um marco no mercado e mostrou que havia negros em condição de consumir produtos voltados para a classe média

passei por um problema. Só não trabalhei em rádio, mas em quase todos os veículos, inclusive repórter de TV, do programa Cultura Pai D’égua. Eu sou privilegiado por estar numa geração, num momento histórico muito mais aberto”, comenta. Ele diz que hoje é mais fácil encontrar pessoas negras assumindo cargos de chefia, mas reconhece que há 10 anos a realidade era bem mais difícil. “Isso não era realmente viável. Porque o modo com que as pessoas lidavam com a questão racial realmente era outra. Eu já gerenciei equipes dentro do jornalismo e nas minhas outras áreas de atuação.” Carlos lembra, no entanto, que mesmo conseguindo se destacar no competitivo mundo da mídia, não escapou de passar por situações de preconceito. “Eu tive que entrevistar um famoso maestro já falecido. Trabalhava num jornal que não me dava identificação e ao chegar à portaria do edifício onde morava o maestro, o porteiro não acreditou que eu fosse jornalista. Acho que ele se baseou na questão racial e me tratou muito mal. Chegou a dizer que se não tivesse identificação teria que entrar pela área de serviço”. O jornalista acredita que situações como essa nos dias de hoje não acontecem mais. No entanto, ao ser perguntado se chegou a presenciar situações parecidas com outros colegas, ele se deu conta de que poucas vezes dividiu o local de trabalho com pessoas da mesma raça. “Não posso responder por uma questão muito engraçada. Estou na redação, giro o pescoço e não vejo outro colega negro, porque nunca tive o prazer de trabalhar com outro. Mesmo assim, acho que a opressão social pode até existir, mas cabe ao profissional não se importar com isso, não se intimidar. Eu nunca me importei com isso. Eu também era o único negro no colégio particular onde estudei. Acho que a questão é muito mais econômica do que racial”, defende. Carlos afirma, ainda, que cabe ao próprio profissional abrir as portas que ainda estão fechadas, especialmente no meio onde

a dificuldade de acesso e ascensão é mais difícil, no caso as emissoras de Televisão. “Eu não vou dizer que não há abertura para o negro na TV, o que eu acho é que o negro teme bater na TV, como eu fiz e consegui. Eu fui durante três anos repórter de TV. Acho que falta auto-estima. Acho que é muito a letra da música do Chico César: alma não tem cor. Jornalista precisa de alma de jornalista”, completa. A opinião de que a busca e o talento estão hoje acima da raça a que o profissional pertence parece ser maioria também entre os jovens negros que optam pelo curso de Comunicação Social. É o caso, por exemplo, de Ana Paula Bicalho, que cursa o sexto semestre em uma das universidades particulares do Estado. “Eu escolhi o curso porque me identifico, gosto de comunicação. Não acredito que tenha prevalência de pessoas brancas só na Comunicação. A gente percebe o mesmo em todas as áreas do ensino superior. Acaba sendo uma questão social, histórica, que não mudou” afirma. Assim como Carlos Correia, ela também acredita que não terá problemas para atuar na área e diz que a competência é o que vai definir seu futuro na profissão. “Acredito que vai ser a mesma coisa, não vou sofrer preconceito nenhum. O que importa é a habilidade da pessoa, o que eu vou apresentar para o contratador. Essa questão do racismo é indiferente para mim, passei a ignorar. Quando era mais jovem fazia mais essa observação, hoje em dia não”, afirma Ana Paula, que assim como Carlos Correia, pretende se especializar em produção e jornalismo cultural. E, caso encontre alguma pedra no caminho, a jovem demonstra confiança para encarar os desafios. “Caso aconteça eu vou estudar e correr atrás. Estudar, me especializar, mostrar o diferencial. Acho que, a partir do momento que a pessoa sentir o preconceito, sentir-se excluída, tem que correr atrás, se especializar, mostrar que é melhor.”


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Agora é valendo

foto Renata Biondi / Funtelpa

Vencedores do DOCTV IV começam a rodar os documentários

Edilson Sousa e Regina Lima: qualidade é a tônica dos trabalhos produzidos

O Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro – DOCTV IV iniciou uma nova etapa no último mês de outubro. Agora, os roteiros premiados durante a fase de seleção dos projetos, que encerrou no mês de agosto, partem para a produção dos documentários. A idéia vai sair do papel e se materializar em 54 documentários, espalhados pelo Brasil inteiro, dois deles rodados em território paraense. O contrato de patrocínio que garantiu a primeira parte dos recursos para o início dos trabalhos foi assinado oficialmente no dia 11 de agosto, pela presidente da Fundação de Telecomunicações do Pará (Funtelpa), Regina Lima, e o presidente do Banco do Estado do Pará (Banpará), Edílson Rodrigues de Sousa. O patrocínio, no valor de R$ 60 mil, faz parte da primeira cota do total de R$ 110 mil que correspondem ao valor de co-patrocínio dos documentários. No dia 8 de Outubro, foi a vez dos diretores dos projetos premiados assinarem o documento, durante reunião com a presidente da Funtelpa. Os realizadores de “Meninos da Banda”, Bernadete Mello, e “Profissão: escravo”, Walério Duarte, já participaram das oficinas para “Desenvolvimento de Projetos” e de “Desenho Criativo de Produção”, realizadas em Brasília, para aperfeiçoamento dos documentários. Walério Duarte, que começará a rodar ainda em novembro, afirmou que esse período de formação e discussão dos roteiros foi fundamental para que pudesse aperfeiçoar o projeto original. “Profissão, Escravo” aborda a jornada de 16 homens de São João da Ponta, cidade do interior do Pará, escravizados em 1974. Esses homens foram recrutados por um “gato” (pessoa que arregimenta mão-de-obra escrava), para trabalhar em uma fazenda. Ali, descobriram a terrível realidade do trabalho escravo e organizaram uma fuga. Após mais de um mês andando pela mata cerrada, 12 completaram o caminho de volta; três desapareceram misteriosamente e um morreu. “Se tem uma coisa muito positiva que a gente vai levar para qualquer edital que a gente participar é o que aprendeu nessas oficinas. Eu vou contar a história como se fosse uma saga. Se a gente for pegar hoje pessoas que foram libertadas vai ver que as similaridades são bastante expressivas. Embora tenha acontecido há mais de 30 anos, não é um fato isolado e nem raro, continua acontecendo até hoje”, relata o diretor. Walério também afirmou que o modelo de incentivo aos


foto Leonardo Barreto / Funtelpa

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A presidente da Funtelpa, Regina Lima (ao centro), com os vencedores do DOCTV IV e os representantes das produtoras que participarão das filmagens

realizadores independentes propiciado pelo DOCTV é fundamental para o desenvolvimento profissional do audiovisual do país. “O DOCTV é uma coisa bem minuciosa. O roteiro de ficção tem uma fórmula que dá para desenvolver com leitura. O documentário é uma coisa de prática mesmo, de educação audiovisual, de assistir filmes, perceber a abordagem, totalmente diferente.” Bandas de Música O segundo projeto de documentário selecionado no Pará trata de um tema bem menos árido que a questão do trabalho escravo, mas não menos importante. O projeto de Bernadete Mello aborda a história das bandas de música de Vigia, município no nordeste do Estado, através das duas mais tradicionais, a “31 de Agosto”, fundada em 1876, e a “União Vigiense”, criada em 1916, assim como as duas mais recentes, uma dela integrada unicamente por mulheres. “O que me interessa de forma particular é a questão da tradição, da memória, e foi quando surgiu a oportunidade do DOCTV, Depois dessas duas oficinas que fizemos em Brasília houve toda uma necessidade de amadurecer e em alguns pontos até reescrever esse projeto, tanto que o título ainda é ‘Meninos da Banda’, mas de fato se desenha a possibilidade de falarmos dos meninos através das meninas. Inclusive, a gente quer mostrar como a comunidade recebe uma proposta como essa. Como os ex-integrantes, que nem tocam

mais, percebem esta inserção feminina, porque muda tudo, muda repertório, atualiza-se tudo.” A equipe de “Meninos da Banda” começou as filmagens antes mesmo de receber a primeira cota de patrocínio. Eles registraram o aniversário de 132 anos da 31 de Agosto, e a participação dos grupos no Dia da Raça e durante a programação do Círio de Vigia, em setembro passado. A presidente da Funtelpa, Regina Lima, está entusiasmada com o bom desempenho do Pará. “Inegavelmente são produtos de muita qualidade. Todos os documentários que saem desse processo feito no Estado têm sido altamente elogiados, pela extrema qualidade de imagens, sonoridade, de trilha, de conteúdo e enredo. Essa é a lógica do DOCTV, não é só a do fazer, mas sobretudo dar oportunidade para que se faça com qualidade. Ações como essa têm um caráter muito mais social do que do ponto de vista financeiro ou da própria grade de programação. As TV’s são um instrumento para se dar oportunidade aos produtores das mais diferentes localidades desse país, de produzir e refletir a realidade de cada localidade” O DOCTV IV é uma iniciativa da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, em parceria com a Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (ABEPEC), Funtelpa e a Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas (ABDeC). O patrocínio é do Banco do Estado do Pará (Banpará).


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23 anos de bons serviços

foto Renata Biondi / Funtelpa

Rádio Cultura FM faz aniversário e comemora junto aos ouvintes

A Rádio Cultura é reconhecida pela programação de qualidade e valorização da produção dos artistas locais

Sexta-feira, 11 de outubro de 1985: entra no ar a Rádio Cultura FM. Diferente do que se especula até os dias de hoje no Pará, a criação da Cultura 93,7 FM não veio para extinguir a Rádio Cultura Ondas Tropicais (OT), mas sim para somar e atender a uma maior demanda de ouvintes. Pela característica que é peculiar à emissão de ondas de rádio via ondas tropicais, o sinal gerado na capital paraense não retorna para o ponto de emissão. Observando a necessidade em atender a uma parcela mais significativa da população paraense é que foi lançado o projeto de pôr no ar, simultaneamente, a Rádio Cultura nas duas freqüências, OT e FM. Inicialmente com programações e objetivos completamente distintos e independentes, as Rádios Cultura FM e OT coexistiram até que, no final de 1995, os conteúdos da programação começaram a se fundir e as duas rádios andavam de mãos dadas. Em princípio, a proposta de integração parecia ser construtiva, porém, os anos seguintes contam uma história

diferente, tanto que em abril de 1998 a Rádio Cultura Ondas Tropicais foi extinta. Passados 23 anos de sua criação, a Rádio Cultura FM evoluiu em muitos aspectos: alcance e qualidade do sinal, investimentos na capacitação técnica dos operadores, repórteres e produtores, para levar aos ouvintes notícias e programas com qualidade técnica e de conteúdo, ocupando cada vez mais os espaços não atingidos pelas emissoras comerciais. A Rádio Cultura FM, através da Rede Cultura de Rádio, cobre 12 municípios do Estado do Pará, firma-se como um veículo de comunicação voltado para a promoção da educação, da informação e da cultura regional. Por sua característica não-hegemônica e não-comercial, sua programação é aberta e plural, contando com 32 programas produzidos localmente. E para comemorar seu 23º aniversário em grande estilo, a Rádio Cultura FM preparou uma programação muito especial para seus ouvintes. Foram cinco dias de intensa e diferenciada


foto Renata Biondi / Funtelpa

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foto Funtelpa

Verbeno Júnior é quase um arquivo vivo da história da Rádio. Abaixo, os preparativos para mais um programa.

programação. Com a participação de cantores da terra, artistas locais e entrevistados especiais, a inovação não ficou por conta apenas da programação musical. A produção do programa “Fonograma” levou toda a estrutura – técnica, operacional e de pessoal – para gerar a transmissão, ao vivo, de fora dos estúdios da Funtelpa, no Instituto de Artes do Pará (IAP). “Desta forma foi possível abrir espaços para novas experimentações e também de mostrar à comunidade como são os bastidores de um programa de rádio”, afirma Antônio Carlos, diretor da Rádio Cultura FM. No já tradicional noticiário “Jornal da Manhã” – programa este que perdura desde o período das ondas tropicais –, foram entrevistados ex-gestores da Fundação de Telecomunicações do Pará, ex-diretores da Rádio Cultura, além da atual administração da Funtelpa e Rádio Cultura, que contaram como a Rádio iniciou no Estado e fizeram uma avaliação da situação atual. Orlando Carneiro, primeiro presidente da Funtelpa, atravessou toda a fase de implantação da Fundação, desde a concessão do canal de Ondas Tropicais, conquista do então governador do Pará, Fernando Guilhon, passando pela implantação das ondas tropicais, realizada por Raul Navegantes, no início de 77. “A Rádio Cultura é uma emissora pública, e por isso, tem por obrigação formar papéis sociais e novos públicos, valorizando e dando oportunidade a novos talentos da música e cultura que não encontram espaço em outras emissoras. Ela é um canal aberto à coletividade”, defende Orlando. O ex-presidente, que ficou na gestão entre os anos de 1977 e 1987, relembra ainda da sobrevivência da Cultura FM no mercado radiofônico, hoje demasiadamente comercial. “Sem ter o esquema comercial na sua proposta, a emissora pública pode ficar repetindo algumas

experiências. Já na rádio comercial se um programa não tem retorno de audiência satisfatório, ele sai do ar”, completa. Para Augusto Pinheiro, gerente da discoteca da Rádio Cultura FM, a rádio não é apenas um veículo de comunicação, mas uma prestadora de serviços e auxiliadora na formação do cidadão-ouvinte. “Vejo as emissoras da Funtelpa como uma empresa completa. Mesmo tendo passado por tão diferentes tipos e visões administrativas, ela nunca saiu daquilo que tem de ser. Investimentos em uma administração, retrações em outra, porém, vinte e três anos passados, a importância da rádio educativa do Pará se manteve”, diz Augusto, servidor da Funtelpa há 29 anos. O saudosismo da Rádio Cultura OT e as ilusões e desilusões vividas ao longo dos 29 anos de serviços prestados para a Fundação fizeram despertar em Verbeno Júnior, pseudônimo de Augusto Pinheiro nas rádios, um olhar crítico sobre como se fazia rádio antigamente em comparação aos dias atuais. “Sou da época em que o locutor puxava o “r” e impostava a voz. Hoje em dia qualquer picareta fala em rádio e fala qualquer coisa. Hoje você não escuta mais melodia e poesia, só escuta besteira e barulho. Então a Rádio Cultura tem o objetivo de não encher a programação com besteirol.” O atual momento pelo qual a Rádio Cultura FM passa, com programas inovadores, dando espaço para novas expressões culturais que não têm espaço nas emissoras comerciais, faz com que a rádio educativa do Pará se destaque como celeiro de novos artistas. “Fiquei muito feliz em poder ouvir músicas e apresentações feitas por artistas de municípios do interior do Estado, como de Breves, Marapanim e Abaetetuba na Cultura FM. Me orgulha muito ver que, apesar das mudanças de gestões, a Cultura não perdeu seu perfil, seu propósito. Estão to-


foto Funtelpa

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foto Luiza Cavalcante

Jornal da Manhã, Fonograma e Clube do Samba estão entre os programas da Rádio com produção diferenciada.

Foram anos de informação, de prestação de serviços, valorização da cultura local e companhia ao ouvinte

dos de parabéns”, diz Orlando Carneiro. Além do “Jornal da Manhã” e “Fonograma”, os programas “Clube do Samba”, “Bossa Nova, Novas Bossas” ganharam produção diferenciada, para as comemorações do aniversário. Já no sábado, 11 de outubro, os ouvintes foram presenteados com um pout pourri dos programas “Estação Turismo”, “Alta Fidelidade”, “Timbres”, “Visagem”, “Canta Pará”, “Feira do Som” e “Rotatividade”. Uma semana de programação especial para celebrar 23 anos de história, comemorações, mudanças

políticas e de gestão, perdas e ganhos, avanços tecnológicos. Mais que tudo isso, foram anos de informação, de prestação de serviços, de valorização das manifestações da cultura local, de companhia ao ouvinte fiel e ao casual, enfim, 23 anos de vida. “Recebemos uma cartinha de um ribeirinho do interior do Estado agradecendo à Rádio Cultura OT por ter estado com ele [ouvinte] no dia de ano novo. Não apenas por ter estado com o ouvinte, mas por ter sido a única companhia dele durante a passagem de ano”, relembra, emocionado, Orlando Carneiro.

AM, FM, OT... hein? Entenda os sistemas de transmissão Sistema AM - Amplitude Modulada A radiodifusão de AM pode ser dividida conforme os diversos comprimentos de ondas. Os tipos mais comuns e utilizados entre outros são: Ondas Médias - OM Ondas Tropicais - OT Ondas Curtas - OC Ondas Tropicais – OT: As emissoras caracterizadas como Ondas Tropicais são as que operam na faixa compreendida entre 2.300 a 5.600 Khz. Este sistema não opera nos Estados do Sul, visto ser um sistema destinado às regiões tropicais, pois com médias potências é possível se obter grandes áreas de cobertura.

Sistema de FM - Freqüência Modulada O sistema de FM não possui subdivisão, visto que opera uma faixa de onda apenas, ou seja, de 88 a 108 Mhz. Por ser um sistema que modula em freqüência, possui a capacidade de transmitir em alta fidelidade. O sinal das emissoras de FM é transmitido em linha reta, e por esta razão a altura da antena é o fator mais importante; o alcance, devido à difração na atmosfera, resulta como se a terra tivesse cerca de 4/3 do seu diâmetro. Devido à largura do canal de uma emissora de FM é possível transmitir em estéreo com excelente separação entre os canais. Fonte: Ministério das Comunicações


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Mais brasileiro impossível

foto Leonardo Barreto / Funtelpa

Brasileiríssimo completa duas décadas de história e música

Luiz Andrade é a voz que apresenta o melhor do chorinho para ouvintes de todo o Estado. Tradição, boa música e qualidade: o tripé do Brasileiríssimo.

Um espaço dedicado exclusivamente a uma das formas de expressão artísticas mais brasileiras: o choro. Um dos raros programas que, com uma forte bagagem histórica, se mantém vivo em pleno século XXI apresentando o que há de mais genuíno e autêntico na música nacional. Estamos falando do programa Brasileiríssimo, que é, sem dúvida alguma, o programa mais antigo e tradicional da Rádio Cultura FM. A história desse programa muitas vezes se confunde com a própria história da emissora. Quando o programa foi ao ar pela primeira vez, no dia 11 de outubro de 1985, surgia a Rádio Cultura FM, inaugurando uma nova era em sua história, época esta em que a emissora iniciou a produção de programas, desta vez com uma nova proposta: a valorização da música brasileira. E para cumprir essa nova missão, nada mais coerente do que se colocar ao ar uma atração que represente um verdadeiro retrato da música nacional. O programa Brasileiríssimo trouxe para a nova proposta da emissora uma identidade no universo da cultura brasileira, entrando em cena justamente quando a Rádio Cultura FM buscava consagrar sua imagem como emissora pública e educativa. Nesse contexto histórico, o então diretor da Rádio, Francisco Cézar, resolveu chamar para integrar a equipe de produção

da estação novos idealizadores de programas, formado principalmente por um corpo de músicos regionais e que tinham uma forte ligação com o mundo da Música Popular Brasileira. Entre esses novos integrantes da equipe de produtores estava o músico paraense Yuri Guedelha, que idealizou os moldes do programa. “Naquela época, a Rádio Cultura estava começando e por isso estava em fase de experimentação. Com isso, cada programador ficou com um programa. Eu fiquei com o Brasileiríssimo, pois além de ser um assunto que eu gostava muito, percebi que existia certa carência aqui na região de programas voltados para esse ritmo”, conta Yuri Guedelha, que é professor de música na Universidade Federal do Pará, além de ser flautista, saxofonista, cantor, regente, arranjador e compositor. Nascia assim, com uma hora de duração e veiculação diária em horário nobre (de 18h às 19h) o primeiro programa da nova era da Rádio Cultura FM, com o objetivo principal de valorizar o artista e a Música Popular Brasileira. Sua estréia foi cercada de grande sucesso e repercussão, encantando a todos que apreciavam a música brasileira de primeira qualidade. “Na época muita gente ligava para elogiar o programa. Nós recebíamos muita audiência dos taxistas, porque pegava todo mundo na praça. Isso era uma novidade na época”, relembra Yuri Guedelha.


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O sucesso não veio à toa, e sim como fruto de muita vontade e dedicação por parte de toda a equipe. “Nós éramos muito exigentes com a elaboração do programa. Principalmente porque eu conhecia o assunto e sabia fazer comentários sobre as músicas”, conta Yuri. A preocupação com a qualidade das composições tocadas no programa também fazia parte da rotina e era controlada com muito cuidado por ele. “Eu fazia questão de levar meus próprios vinis para tocar no programa. Separava os melhores intérpretes e isso fazia a grande diferença. Só bons músicos eram tocados” diz. Em 1995 o Brasileiríssimo, que encerrava a programação da emissora, mudou de horário, passou a ser o primeiro da grade (de 6h às 7h). “A gente percebeu que não fazia mais sentido a veiculação no horário da tarde. Pois os ouvintes são pessoas mais velhas, que dormem cedo e acordam cedo”, diz Beto Fares, produtor executivo da Rádio. Três anos depois, pela primeira vez em sua história, o programa passou a ter um apresentador fixo. Luiz Andrade entrava para fazer parte dessa história já consagrada pelo público, colocando sua identidade no programa, mas sem deixar de conservar sua verdadeira essência. “Quando eu entrei no programa, comecei a bolar novas coisas e dar minha cara para ele”, diz Luiz Andrade, que atualmente é o responsável pela atração. “Eu a concebo, crio, escrevo, produzo e apresento”, completa. Hoje em dia, misturando tradição, boa música e autenticidade, o programa Brasileiríssimo é um dos mais respeitados dentro e fora da emissora. O público também faz parte do coro reconhecendo o sucesso e participando ativamente do programa. “Recebo muitas ligações de ouvintes. Eles ligam de todos os cantos da cidade, seja da periferia, do centro... no interior do Estado ele também é muito prestigiado. Em Abaetetuba tem a Dona Luzia e o seu Luiz, que ligam quase todos os dias para saber como eu estou e pedir para mandar beijos para eles”, conta o apresentador. Na cidade não é diferente, Dona Ester e Seu Nélson Gonçalves, do bairro do Umarizal, são ouvintes assíduos da atração e confessam que ouvem há tanto tempo que já nem lembram mais a data certa em que escutaram o programa pela primeira vez. “Eu só sei que a gente ouve todos os dias. Meu marido e eu adoramos. Quando acordamos, ligamos logo a rádio para ouvi-lo”, conta Dona Ester. Para Luiz Andrade, a audiência e reconhecimento dos ouvintes é o maior presente que ele pode receber como prêmio por tanta dedicação. “Eu me dedico totalmente a ele. E saber que tenho um público fiel há tanto tempo é motivo de muito orgulho”, finaliza.


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Um amante da Amazônia foto Leonardo Barreto / Funtelpa

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Manuel Dutra é jornalista desde 1972 e um dos profissionais que mais conhece a Amazônia. Ele estudou na Universidade Católica de Pernambuco e seu primeiro trabalho como jornalista no Pará teve como palco a cidade de Santarém, onde é nascido. Hoje, Dutra, como é conhecido, é professor aposentado da Universidade Federal do Pará, mas ainda atua em outras instituições, além de ser colaborador no Jornal Público, com uma coluna aos domingos, do blog do colega e conterrâneo Jeso Carneiro e do site “Ethos”, de responsabilidade social. No início de 2009, Manuel lançará o livro “A natureza da mídia”, que apresenta sua tese de doutorado. Mas foi com o “O Ramal dos Doidos – O interior da Amazônia visto por um repórter”, uma coletânea de 55 reportagens sobre a região que o jornalista realizou durante os oito anos em que trabalhou no interior, que ele demonstrou toda a ligação com a realidade do povo amazônida e, consequentemente, mostrou a realidade crua ainda distante dos grandes centros. Em entrevista à revista ZYG360.com, Dutra fala um pouco sobre sua carreira e como anda a comunicação em Belém nos dias de hoje. Relembra com carinho seu início de carreira na Rádio Rural de Santarém e ainda opina sobre os rumos do jornalismo investigativo no Pará.


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Quando o senhor começou no jornalismo? Qual foi sua primeira atividade no ramo? Manuel Dutra: Eu comecei como repórter, trabalhava na Rádio Rural de Santarém. Nesse período eu já fazia o curso de jornalismo em Recife e, como era uma época de grandes agitações, o governo militar baixava o AI-5 (que revogou os dispositivos constitucionais de 67, além de reforçar os poderes do regime militar), a censura vinha com muita força e eu era membro do diretório acadêmico do curso de jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco. Eu estava de férias em Santarém e não houve ambiente para retornar, então resolvi ficar o ano de 69 aqui e comecei a trabalhar como repórter. Quando retornei pra Recife trabalhei no Diário de Pernambuco e na Agência Nacional, que era a antiga Agência de Notícias do Governo Federal. Em 1972 eu me formei, voltei para Santarém e continuei meu trabalho na Rádio Rural. Depois passei a ser correspondente do jornal O Liberal e do Estado de São Paulo e por pouco tempo colaborei com a Província do Pará. Qual a sua avaliação sobre o jornalismo que é feito hoje no Pará. O senhor vê muita diferença no jornalismo da época em que começou e hoje? A diferença é mais na forma dos textos, tanto faz se você fala de texto para impresso, como de televisão ou de rádio. É mais quanto à forma, na verdade, já a essência não. Eu acho até que na época que a gente começou houve um boom do jornalismo na Amazônia, porque era um momento em que a região estava sendo redescoberta pelo Brasil, pelo mundo, as questões ambientais estavam recomeçando a ser faladas, os problemas indígenas, as rodovias, a integração nacional dos governos militares. O Lúcio Flávio Pinto tinha retornado de São Paulo e nós formamos um grupo em torno dele. Tinha aqui em Belém um escritório de representação do Estado de

São Paulo e a gente se reunia de vez em quando. Eles tinham correspondentes em Santarém, Marabá, Acre, Manaus, então tinha uma animação porque nós éramos um grupo de jovens e a gente, já naquele tempo, se inspirava no trabalho do Lúcio Flávio. Tínhamos a orientação dele, já que fazíamos parte do mesmo jornal e fizemos inúmeras grandes reportagens sobre os mais variados assuntos que diziam respeito àquele momento que a Amazônia vivia. Então, nesse sentido, foi muito estimulante naquele momento fazer jornalismo e era uma época em que tínhamos muito mais espaço nos jornais impressos. Foi a época em que o jornalismo em Belém tornou-se uma referência. Uma época em que se vendia muito jornal. Então essa é a grande diferença. E como os veículos de comunicação se comportaram em relação ao período histórico? As grandes matérias eram estimuladas ou inibidas? Havia investimento nesse tipo de reportagem. Nós andamos essa região inteira, Sul e Sudeste do Pará, Marajó, pelo meio das matas nos rios. O Jornal Estado de São Paulo, por algum tempo, investiu. O Liberal também investia. Então, tudo isso ajudou toda uma geração de jornalistas a escrever muitas coisas. Quanto mais os jornais foram se modificando tecnologicamente, foram minguando os recursos para reportagem, parece até certo contraste, quanto maior era a dificuldade do ponto de vista da tecnologia, mais a gente produzia. Por exemplo, eu fiz muita reportagem com máquina fotográfica sem muito recurso e era foto de capa do jornal. Nós mandávamos as matérias por telex, mas nem sempre achávamos o equipamento, então passávamos por telefone, ditava mesmo. Numa época de grandes dificuldades tecnológicas, não conhecíamos o que existe hoje, mas os investimentos permitiam que virássemos essa região de ponta cabeça, então, acompanhamos grandes momentos e essas coisas sobre as quais até hoje ainda o Lúcio escreve.

O livro “Ramal dos Doidos - o interior da Amazônia visto por um repórter” reuniu uma série de reportagens produzidas pelo jornalista durante quase duas décadas


foto Leonardo Barreto / Funtelpa

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Fale sobre o livro que o senhor está lançando. A tese de doutorado que estou lançando agora pela editora Annablume se chama “A natureza da mídia”. O projeto deve ficar pronto agora no início de 2009. O primeiro livro que eu lancei foi “O Ramal dos Doidos – O interior da Amazônia visto por um repórter”, uma coletânea com 55 reportagens que fiz durante esses 18 anos que trabalhei no interior. Depois eu publiquei uma monografia e um livro sobre as questões do garimpo, com alguns outros pesquisadores. Esta foi a minha tese de mestrado, que saiu com título de “Pará dividido”, publicada em 1998, mesmo ano do “Ramal dos Doidos”. E sobre sua carreira como pesquisador, como o senhor atua pesquisando? Eu fiquei no dia-a-dia do jornalismo até 1997. Nesse momento eu já era funcionário da Universidade Federal do Pará, desde 1992, já acumulava meu trabalho como roteirista de rádio no Departamento de Comunicação e trabalhava no Liberal, ora como repórter, ora como editor. Em 1994 fui para o NAEA (Núcleo de Altos Estudos da Amazônia), iniciei mestrado em Ciência Política. Em 1992 fiz especialização em Educação Ambiental. Aí, aos poucos, fui entrando na vida acadêmica. Ainda continuava no Liberal, mas foi ficando muito difícil conciliar, então consegui

uma licença de um ano para concluir o mestrado. Em 96 fiz concurso para o quadro permanente do UFPA e em 1999 iniciei o doutorado. A Rede Cultura está expandindo as torres de transmissão da TV, para alcançar todo o Estado e, consequentemente, os moradores de todas as regiões do Pará. O que o senhor acha da iniciativa? Qualquer iniciativa nesse sentido é positiva. Belém tem que ocupar seu lugar como cidade-líder da região, porque foi aqui que a Amazônia enquanto conceito nasceu, e isso está se perdendo por irresponsabilidade de determinados grupos culturais e econômicos. Eu sempre vejo Belém um tanto alheia ao interior do Estado. E o interior está mudando de forma tão rápida que as pessoas não estão se dando conta, estão se tornando núcleos urbanos de tamanho físico. Você tem centros culturais como Marabá, Santarém, uma Parauapebas nascente, pequena, mas uma microrregião com vida própria. Então uma iniciativa como a Cultura esta fazendo é interessante para tornarmo-nos conhecidos. Por exemplo, mostrar mais reportagens sobre coisas que temos em outros municípios, mas não apenas o emergente, o factual. É mostrar a cultura que existe nesses interiores. Afinal, Belém tem uma mostra de um pouco de todos os interiores do Estado.

“Belém tem que ocupar seu lugar como cidade-líder da região amazônica”



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Investimento na qualidade

TV Cultura faz história ao inaugurar novo transmissor

foto Leonardo Barreto / Funtelpa

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No dia 1º de agosto deste ano, a Região Metropolitana de Belém começou a receber os primeiros sinais do novo transmissor da TV Cultura do Pará, que, com capacidade 10 vezes maior do que o equipamento substituído, mudou definitivamente a relação que os telespectadores tinham com a emissora pública de televisão. Com sinal melhor, o que significa mais nitidez e alcance de áreas aonde a imagem e o som da emissora não chegavam, a Fundação de Telecomunicações do Pará (Funtelpa), dá um importante passo para a garantia do acesso da população à programação de cunho educativo e cultural de qualidade. E isso já começa a ser atestado pelos moradores de diversos bairros de Belém. É o caso das famílias das irmãs Vânia Lobo, de 42 anos, e Dinalva Leite, de 36, que moram em uma grande casa no bairro do Benguí. Vânia é mãe de dois filhos (Diego e Bruno). Já Dinalva é casada com o padeiro Márcio Leite, 38 anos, com o qual tem um filho (Maurício). Na casa convive ainda a estudante Rebeca, de 8 anos, sobrinha de Dinalva e Vânia, que passa os dias com as irmãs enquanto os pais estão no trabalho. Na grande família do bairro do Benguí todos assistem a programação da TV Cultura desde que o sinal melhorou. Os homens não perdem as transmissões dos campeonatos de futebol. “Durante os jogos da terceira divisão na Cultura, a gente se reunia para torcer pelo nosso time. Era uma gritaria... uma farra muito boa”, diz Márcio. “Quando tem um jogo desses na Cultura é muito engraçado... aqui na rua some todo mundo. A gente só ouve os gritos e os fogos de artifício”, completa Diego. Em outros tempos seria impossível eles assistirem a um campeonato como esse pela televisão. “A imagem da TV Cultura aqui era muito ruim, aí a gente não conseguia assistir quase nada. Mas de uns tempos para cá melhorou muito”, conta Márcio. Vânia também ficou muito feliz com a melhoria do sinal. “Antes a gente queria assistir os programas musicais, mas a imagem aqui em casa só era um chuvisco. Muito ruim. A gente não conseguia enxergar quase nada. Algumas vezes a nossa


foto Leonardo Barreto / Funtelpa

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No Bengui, a família das irmãs Vânia Lobo e Dinalva Leite tem agora a possibilidade de acompanhar, com qualidade, a programação da Rede Cultura

cunhada, que mora aqui no Benguí e tem antena externa, ligava avisando que a Gláfira (cantora paraense e parente das irmãs) estava cantando em algum programa da TV Cultura. A gente corria para a casa dela para assistir”. Vânia também revela que gosta de assistir os programas infantis da TV Cultura com o filho mais novo e a sobrinha, para relembrar de sua infância. “Gosto de assistir Vila Sésamo, que passava quando eu era criança. Eu assistia quando a televisão ainda era em preto e branco. Os desenhos da Cultura são aqueles desenhos inocentes da minha infância, que as crianças podem assistir e que nós mães podemos ficar tranqüilas, pois sabemos que estão ensinando coisa boa para os nossos filhos”, afirma Vânia. As Crianças Rebeca, por exemplo, é telespectadora assídua. Ela lista, empolgada, os programas favoritos. “Gosto do Mona Vampiro, Dim no Mundo da Lua, Vila Sésamo, Cocoricó, Elmo, Rá-Ti-

Bum, A Turma do Pererê e do Catalendas também. É legal também o da Menina dos Cabelos Dourados”, conta Rebeca, com um fôlego invejável. Apesar de pequena, Rebeca também lembra dos tempos em que o sinal era ruim na casa das tias. “Antes eu só assistia em casa. Aqui, a gente tinha que ficar mexendo a antena da TV de um lado para o outro”. E quando indagada porque gosta tanto dos programas da TV Cultura, Rebeca afirma, categórica. “Eu gosto porque são historinhas legais, que não têm monstro e nem luta. Eu detesto desenho que tem monstro. Eu tenho medo”. O adolescente Maurício também gosta de assistir os programas infantis da TV Cultura. “Quando estou enjoado de assistir corrida, novela, futebol, jornal, eu mudo para a Cultura para assistir um desenho. Gosto do Rá-Tim-Bum, Garibaldo...”, Dinalva interrompe o filho e complementa. “Eu gosto que ele assista alguns programas importantes para a idade dele, abordando temas como a sexualidade, por exemplo”. Vânia lembra do dia em que percebeu que o sinal da TV


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A governadora do Estado, Ana Júlia Carepa, descerrou a placa de inauguração do novo transmissor e ressaltou a importância da iniciativa para os paraenses

foto Agência Pará

A expansão do sinal da Rede Cultura vai auxiliar a integração dos municípios

Cultura estava pegando bem em sua casa. “A minha sobrinha que mora aqui ao lado chegou e começou a mudar a televisão de canal. Quando colocou no dois ela falou: Olha... essa não é a Cultura? Por que na tua casa a Cultura pega bem e lá em casa não?” Aí eu respondi. “Égua! É a primeira vez que estou vendo que pega bem”, contou. Desde esse dia, então, a família começou a assistir em casa a programação da emissora. “Eu gosto de assistir principalmente os programas de música, que mostram as bandas musicais e carimbó. É legal ver coisas boas e que estão perto da gente. Parece que a gente está perto da televisão também. Outros canais mostram só coisas ruins da gente, principalmente do nosso bairro, só violência, morte, assalto”. Marambaia A sensação da família do Benguí com a nova imagem da TV Cultura é compartilhada por moradores de outros bairros, como a de Rosa Tembra, de 43 anos, no bairro da Marambaia. Mãe de quatro jovens, sendo que apenas o caçula Ian Tembra, de 16 anos, mora com ela e o marido, Rosa conta que os dois gostam de assistir a programação da TV Cultura. O adolescente, assim como os homens da casa do Benguí, não perde os


foto Agência Pará

foto Leonardo Barreto / Funtelpa

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Rosa Tembra e o filho Ian, moradores da Marambaia, dividem a preferência entre programas jornalísticos e as transmissões de futebol

“Essa é a oportunidade da sociedade escolher o que quer ver, de optar”

campeonatos de futebol transmitidos pela emissora. Já Rosa é fã de vários programas da TV Cultura. “Gosto de assistir o Brasil da Amazônia, o Sem Censura, o Jornal Cultura, Varadouro e todos os programas que mostram o carimbó”, diz. Ian se diverte com a mãe. “Quando passa carimbó ou algum grupo cantando essas músicas animadas que ela gosta, ela aumenta o volume da TV e fica dançando aqui na sala”, brinca. A dona de casa não perde o rebolado e ainda completa. “É verdade. Quando está passando carimbó eu mando o Ian arredar os sofás e começo a dançar. Mas eu também adoro os programas que mostram o interior do estado. Outro dia estava passando o Marajó. Eu chamo logo meus vizinhos, que são de Cachoeira do Arari, para assistir. É uma coisa linda, né? Eu fico babando quando vejo aquelas imagens maravilhosas. Dá uma vontade imensa de estar lá naquele paraíso”. Perguntada se já tinha percebido alguma melhoria na qualidade da imagem em sua casa, Rosa responde que já havia notado que a imagem da TV Cultura melhorou muito. “Por isso que eles estão anunciando toda hora alguma coisa referente à antena”, lembra. “A imagem da Cultura está linda agora. Aí passando esses programas que mostram essas imagens lindas, a televisão fica mais bonita ainda”.

QUALIDADE O início de operação do novo transmissor da TV Cultura foi marcado por uma grande festa, no Hangar – Centro de Convenções e Feiras da Amazônia, e uma programação especial durante todo o dia. O evento coincidiu, ainda, com o encerramento da reunião da Associação das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), que aconteceu no mesmo espaço e da qual a Funtelpa foi a anfitriã. A governadora Ana Júlia Carepa foi quem descerrou a placa inaugural do equipamento, que possui 44 Kilowats de potência. O dia contou, ainda, com um show especial da cantora Lia Sophia, também no Hangar, oferecido aos funcionários da Fundação. “Vivemos um momento histórico para a TV pública do Pará e do Brasil. Com o investimento que estamos fazendo na Funtelpa, não apenas com a expansão do sinal, atingindo já 21 municípios no Pará hoje e, diga-se de passagem, de todas as regiões do Estado, mas também a compra do transmissor e infra-estrutura necessária para instalar esse novo equipamento, o povo de Belém, da Região Metropolitana, essas três milhões de pessoas terão também direito a um sinal, imagem, e som de qualidade”, afirmou a governadora durante a inauguração.


foto Elcimar Neves

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A festa de lançamento do novo transmissor aconteceu no Hangar

foto Luiza Cavalcante

Áudio e imagem de qualidade marcam a nova fase da TV Cultura do Pará A Funtelpa está investindo não só na qualidade da transmissão, mas também em novos conteúdos e programas da Rede Cultura de Comunicação

Ana Júlia também afirmou que a expansão da TV Cultura para o interior do Estado tem papel fundamental na integração dos municípios. “Sabemos que algumas regiões falam em separação do Estado, mas bem menos do que há alguns anos. Por isso investimos, só neste momento, sete milhões de reais, sem contar com os recursos que vamos investir nessa segunda etapa de expansão da TV para o interior, que vai atingir até o final do ano 60 municípios. E sem contar com os recursos também para que a TV cultura possa se instalar num prédio adequado, porque não é só a TV, é um sistema de comunicação: TV, Rádio e Portal também. Essa é uma forma de garantir a integração do Estado. O Pará não conhece o Pará e estamos levando a cultura das diversas regiões para que todo o povo paraense conheça a realidade do Pará”. A presidente da Funtelpa, Regina Lima, completou as informações repassadas pela governadora. “Essa é a oportunidade que a gente está dando para a sociedade, de escolher o que ela quer ver, de optar. Mas uma coisa é certa, que na hora que a pessoa quiser ver a Cultura terá um áudio e uma imagem

de qualidade. Ela terá uma informação de qualidade é fará seu juízo de valor. Isso também muda a postura dos profissionais, dentro da TV. Enquanto ela ia só para Belém, e muito mal, agora o nosso compromisso aumentou. Além de chegar em 21 municípios terei o compromisso de produzir com mais qualidade e com um cuidado muito grande. Vamos trabalhar para mostrar que temos conteúdos excelentes na TV e agora é a possibilidade da população assistir”, comenta. Regina também afirma que a TV vai investir mais na programação, possivelmente criando “faixas” direcionadas de programação para cada tipo de público, como infantil, jovem, turismo, programação regional etc. “Talvez agora possamos dimensionar melhor o que as pessoas acham do conteúdo que está sendo produzido. Além disso, temos inclusive alguns programas da TV Cultura que já entram na rede das TV’s públicas, a TV Brasil, criada recentemente. O Catalendas, por exemplo, está em todas as emissoras. O Sementes, o Brasil da Amazônia, são oferecidos em pacotes, exibidos em outras emissoras”.


foto Eunice Pinto

foto Funtelpa

foto Eunice Pinto

A festa de lançamento do novo transmissor da TV Cultura do Pará foi prestigiada pela maioria dos participantes do Encontro da Abepec, realizado no período de 30 de julho a 1º de agosto. Entre as iniciativas aprovadas pelos gestores das emissoras públicas e educativas associadas estão a formatação de um Instituto das TV’s Públicas, a realização do II Fórum Nacional do setor e a divulgação de uma moção de apoio à realização da I Conferência Nacional de Comunicação, que está sendo discutida por diversas entidades da sociedade civil, legislativo e executivo federal. A seguir, o pensamento dos representantes de diversos Estados sobre a iniciativa do Pará em investir na qualidade da programação e na expansão do sinal:

Antônio Achiles Presidente da Abepec Para nós, da Abepec, o que está acontecendo com a TV Cultura do Pará é motivo de celebração, porque não é só a TV do Pará que sofre esse impacto positivo, é a TV pública brasileira. Neste caso, o Pará certamente vai sentir o que é ter uma televisão integradora, na medida em que ela vai ampliando o sinal. A tecnologia vem ajudar a resolver muitas questões. O Pará vai se enxergar como um todo, mais fortemente, e vai se refletir, vai ver sua cultura no ar. Nas emissoras comerciais entra apenas a produção de baixo custo ou que dê lucro e quase tudo é produzido fora de cada Estado brasileiro, sem qualquer compromisso com a cultura, com a realidade, com a cidadania.

Tainá Pires Presidente da TV Aldeia – Acre Acho o exemplo do Pará parecido com o do Acre, pois a gente também tem uma geografia que distancia as pessoas. Então, a logística é muito cara para se chegar até os lugares e acaba que o único meio de comunicação, mais rápido, é o rádio, mas falta a imagem. Então, com essa integração através das TV’s, você consegue chegar às localidades mais longínquas e mostrar os outros lugares que tem dentro do mesmo Estado. Então o Pará está de parabéns.

Tereza Cruvinel Presidente da Empresa Brasil de Comunicação Eu louvo muito a TV Cultura do Pará. Acho que a governadora Ana Júlia também merece cumprimentos pela iniciativa de disponibilizar recursos e a direção da Funtelpa de realizar essa ampliação da difusão do sinal. A maioria das chamadas TV’s públicas, estaduais, educativas, hoje, pelo sucateamento a que foram condenadas, cobrem apenas as capitais ou a Região Metropolitana. E isso é um empecilho ao cumprimento do direito à informação. Para a formação da Rede Pública de TV, por exemplo, é muito importante, para que o direito à informação seja levado a cada cidadão, a cada paraense, a cada baiano, gaúcho, ou seja, a cada brasileiro.

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Catalendas

o imaginário amazônico e o universo infantil

O programa Catalendas chega ao décimo aniversário como uma referência para crianças de todas as idades, dentro do Pará e no país inteiro

O primeiro programa de ficção infantil da televisão paraense completará, em 2009, dez anos de existência e já entrou para a história da televisão paraense, seja pela magia de encantar adultos e crianças, contando, de forma lúdica, as lendas e histórias que marcam o imaginário popular amazônico, ou pelo fato de ser o primeiro transmitido via rede nacional, para outros Estados do país. O Catalendas foi criado em 1999 e usa a linguagem do teatro de bonecos para resgatar as narrativas orais e difundir os conhecimentos que valorizam a cultura popular, transmitindo informações sobre a preservação da natureza. A Rede Pública de Televisão vêm trabalhando firmemente para o fortalecimento de uma rede nacional, formada por 20 emissoras educativas estaduais, que retransmitem uma programação de qualidade e contribuem com suas produções regionais de caráter educativo e cultural. Com isso, a produção do Catalendas vem recebendo, no último ano, importância ainda maior neste cenário. O Catalendas é produzido pela TV Cultura do Pará em par-

ceria com a Companhia In Bust de teatro com bonecos. A ex-diretora da TV, Sonia Freitas, assistiu ao espetáculo “Fio de pão – A lenda da cobra Norato”, montado da companhia, e achou interessante a idéia dos bonecos. A partir daí muitas discussões começaram para idealizar o programa, que levou aproximadamente dois anos para ter seu primeiro episódio no ar: “O Curupira”. Hoje, o Catalendas é reconhecido nacionalmente pela Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec) e exibido em todas as emissoras que integram a Associação pelo canal Rá-Tim-Bum. Hoje o programa é feito com cinco pessoas no estúdio e mais três na produção. Para manipular cada boneco são necessárias duas pessoas. David Matos é responsável pela voz do Preguinho e é auxiliado por Aline Chaves na manipulação. Já a Dona Preguiça ganha vida pela voz de Adriana Alves, que tem o auxilio de Paulo Nascimento para manipular o boneco. Uma trilha especial também foi composta para o programa pelo compositor paraense Fábio Cavalcante. Tudo isso ajuda


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Para manipular cada boneco é necessária a participação de dois profissionais, que trabalham para levar ao público um pouco dos encantos da Amazônia

a criar uma atmosfera única, que foi totalmente assimilada por crianças e adultos de todas as idades. Os produtores utilizam recursos naturais da Amazônia para criar uma estética original ao programa, como plantas típicas da região, o que faz de cada episódio uma curiosa surpresa. O programa, que dura 15 minutos, vai ao ar às terças-feiras, às 17h30. O Catalendas é apresentado por duas personagens típicas da floresta: Dona Preguiça, a contadora de estórias, que representa a sabedoria, e o Macaco Preguinho, um macaquinho que faz o papel do telespectador-alvo, crianças de 4 a 12 anos. Para o diretor do programa, Roger Paes, desde que surgiu, o projeto marcou a programação da Rede Cultura e extrapolou a dimensão da tela da TV. Os bonecos, estojos, cataventos (símbolo do programa) e outros objetos com a marca do programa são o carro-chefe de vendas na “Lojinha”, espaço aberto pela Funtelpa para comercializar souvenirs e produtos direcionados para os programas produzidos pela Rede Cultura de Comunicação. Os contos e as lendas são vividos por bonecos confeccionados e manipulados com diversas técnicas, sempre com um acabamento impecável. A estética artesanal fascina as crianças, que têm suas fantasias e criatividades estimuladas. Desde 2002, os episódios passaram a ser produzidos com tecnologia digital, melhorando a qualidade das imagens. Segundo Roger, ao longo dos anos o sucesso do programa

aumentou e surgiu a necessidade de criar um espaço de referência do seriado. Assim, foi inaugurada a Casa do Catalendas, um lugar onde o público entra em contato com todo o universo criativo do programa. A Casa, que funcionou até o ano passado em dois endereços, o último na Estação das Docas, está passando por reformulações e voltará a encantar o público em breve. “O Catalendas educa e diverte, provando que a nossa cultura está repleta de aventuras e personagens capazes de fascinar crianças e adultos.” O Programa já teve mais de 50 episódios, sendo que recentemente outros 11 inéditos começaram a ser transmitidos. Além disso, a Funtelpa criou, este ano, o projeto “Catalendas Licenciamentos”, para difundir o conteúdo da programação infantil da TV Cultura. Os produtos inspirados nas histórias do programa incluem, também, material didático produzido por meio de convênio com a Secretaria de Educação do Estado, e que será distribuído para as escolas públicas do Estado, além de material escolar diverso, brinquedos, gibis, vestuário, cosméticos etc. A idéia vai mais adiante e prevê também a participação das personagens do programa em projetos de diversas áreas, desenvolvidos por empresas públicas ou privadas, como, por exemplo, campanha de vacinação, o programa de educação patrimonial do Estado e as comemorações de datas importantes, como o Dia das Crianças, Natal etc.


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Muito mais conteúdo

foto Luiza Cavalcante

Banco de Informações é a mais nova ferramenta da Funtelpa

Com o material fornecido pelo banco de informações, o trabalho de produtores e repórteres da Rede Cultura ganhou ainda mais em termos de qualidade

Todo veículo de comunicação é quase como uma grande biblioteca, pois registra os principais acontecimentos da vida da população onde atua e, conseqüentemente, da história de seu país. A Fundação de Telecomunicações do Pará, em mais de 30 anos de existência, vem acumulando um verdadeiro manancial de informações e criou, recentemente, uma ferramenta que passa a disponibilizar esses dados aos profissionais que integram a Rede Cultura. Trata-se do Banco de Informações, um sistema informatizado interno, acessível a todos os funcionários dos veículos (Rádio, TV e Portal) da Rede Cultura de Comunicação. O Banco de Informações nasceu de uma vontade de democratizar a informação e celebrar toda a riqueza e diversidade cultural de um Estado com dimensões territoriais tão imensas como Pará, colocando à disposição da equipe de produtores de programas da Rede Pública temas de grande importância para o povo paraense, voltados para assuntos relacionados principalmente à Amazônia e ao Estado do Pará, mas sem deixar de contextualizá-los com o cenário mundial. O sistema já está pronto, com uma estrutura personalizada e desenvolvida internamente pela Gerência de Tecnologia da Informação da Funtelpa. Ele entrou no ar em agosto de 2007,

disponibilizando conteúdo de qualidade proposto pela assessoria da presidência da Rede Cultura de Comunicação. O objetivo principal desse canal de comunicação é ajudar na confecção de pautas para os programas, com informações que ampliam a visão dos produtores, dando a eles uma oportunidade de ter um maior domínio da diversidade de informações que compõem a sociedade paraense, para que as questões abordadas na programação da Rede Cultura de Comunicação possam esclarecer a população com informações de qualidade sobre tudo o que está acontecendo no Estado e no Brasil, trazendo ainda aspectos e visões diferenciados das tradicionais pautas jornalísticas exibidas em outras empresas de telecomunicações. Como funciona No Banco de Informações da Rede Cultura de Comunicação, são encontradas dezenas de artigos, imagens e arquivos dos mais variados assuntos sobre a Amazônia e o Estado do Pará, coletados por Rosane Brito, assessora da presidência da Funtelpa e uma das mais renomadas pesquisadoras do Estado do Pará sobre as questões referentes à Amazônia. “A idéia é que o banco possa produzir um conteúdo que vá refletir na


As informações fornecidas pelo Banco possibilitam um trabalho mais acurado aos profissionais da Cultura

foto Luiza Cavalcante

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Juliana Maués, Rosane Brito e Hellen Pacheco são as responsáveis pelo banco

programação uma noção expressiva da realidade do Estado como um todo”, diz Rosane Brito. Essas informações são coletadas de duas formas: através de pesquisas feitas em sítios confiáveis na internet, como do governo federal, estadual e prefeituras, além de sítios de movimentos sociais que já estejam consolidados e que tenham credibilidade, além de instituições de pesquisa que possuam um importante acervo de temas ligados à produção científica e tecnológica. A outra forma é por meio de pesquisas feitas pela própria equipe do Banco, através de entrevistas realizadas com pessoas de referência do assunto em questão. “Nós temos no banco um grande acervo de material que foi coletado através de longas entrevistas, e que depois transformamos em matérias”, conta Rosane. As informações disponibilizadas no Banco também estabelecem relações democráticas, oferecendo maior acessibilidade à participação da população, dando voz e vez para que ela reflita o que está acontecendo na realidade de cada região do Estado, mostrando seus valores, necessidades e desejos. Nesse sentido, o Banco promove uma interação com diversos segmentos da sociedade, dos mais longínquos lugares da Amazônia, como pesquisadores, pintores, artistas, escritores, enfim, todas as pessoas que detêm informações interessantes e importantes para a sociedade, e que tenham interesse de divulgar. “As pessoas de fora não só podem como mandam material para divulgação, sejam em forma de documento, folder, oficio, livro, relatório, CD, DVD, isto é, das mais diversas formas. Nós, então, damos um tratamento nesse material, para poder disponibilizar no banco essas informações”, explica Rosane. Em um segundo momento, depois de coletado o material, ele é editado pela equipe do Banco para depois ser disponibi-

lizado na Rede. Desta forma, todo o conteúdo proposto por Rosane através do Banco pode ser acessado por todas as equipes de produção dos programas através de uma senha e login criado pela Gerência de Tecnologia da Informação. As equipes dos programas também podem levantar temas e solicitar ao Banco uma complementação de pesquisa; nesse caso o banco fornece informações que já possui em seu acervo ou vai atrás de novas fontes. “Nossa intenção é contribuir com a produção de programas da Rede Cultura de Comunicação para que a programação da emissora possa cada vez mais colocar no ar uma informação de qualidade, rica e variada”, afirma a pesquisadora. A estrutura Pela variedade e abrangência de assuntos, aliadas a uma gama de informações das mais diversas áreas do conhecimento, o Banco foi dividido em categorias e sub-categorias, de acordo com cada tema, para que possa facilitar a navegação do usuário. E para melhor aproveitamento do sistema, o Banco oferece também outros serviços como salas de chat, e-mail, agenda de eventos, calendários e armazenamento de arquivos virtuais. Na sessão Agenda de eventos o usuário tem acesso a uma lista com uma programação cultural sobre tudo o que está acontecendo no Estado. Já a sessão Categoria disponibiliza uma série de artigos, que estão organizados por diversas áreas, como Programação da Rede Cultura do Pará, Agricultura, Amazônia, Animais Silvestres, Artes, Bairros de Belém, Círio de Nazaré, Cidadania, Meio Ambiente etc. A escolha e seleção dos temas propostos cabem aos produtores dos programas, que analisam e destinam à atração da qual são responsáveis.


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Uma história impressa os jornais paraenses, 1822-1922 parte 1

Em tempo de internet e globalização parece esquisitice de antiquário falar no velho hábito de ler jornais, principalmente quando o tema versa sobre aquela velha gazeta diária que o ávido leitor recebia todas as manhãs do jornaleiro. Se isto parece coisa do arco da velha, causará maior estranheza saber que nem sempre as notícias chegaram por esse mesmo percurso às casas dos interessados. A leitura calma, numa varanda iluminada pelo sol da manhã, onde se entrecruzam tempos distintos, ditados por diferentes relógios é principalmente nos dias de hoje, apenas uma bela metáfora no insight do poeta. A imprensa possui uma longa história, longuíssima mesmo. No encalço dessa trajetória residiram, evidentemente, as antigas necessidades de informação e, ao mesmo tempo, de divulgação dos debates e das polêmicas que as notícias suscitavam. Para traçar uma história da imprensa no Pará, poderia aqui ficar repetindo algumas notas sobre a movimentada história que deu origem ao aparecimento de O Paraense, nosso primeiro jornal, totalmente composto e impresso em tipografia própria, aqui em Belém, por obra e graça de seu editor Felippe Patroni, em 1822 – trajetória amplamente estudada nas últimas décadas1. Poderia, ainda, relembrar os esforços pioneiros que, no princípio deste século, puseram-se a investigar e catalogar os jornais, as revistas e outras publicações periódicas que existiram no Pará desde o tempo de Patroni, com a clara perspectiva de elaborar bons roteiros informativos, recheados de extensas listagens, fundamentais para qualquer pesquisa histórica que viesse a se apoiar em tais fontes. Preferi, no entanto, optar por discutir aqui a existência e proliferação de uma incrível multiplicidade de jornais no Pará, especialmente na virada do século XIX, durante o auge da comercialização da borracha no mercado internacional. A partir disto enfatizarei algumas das maneiras como

os historiadores vêm utilizando-se dessas várias informações, veiculadas em antigas gazetas e folhetos, para a constituição de uma história da Amazônia, sob diferentes perspectivas. Antes de qualquer coisa é importantíssimo se ter em conta que cada publicação tem sua história com significados e sentidos próprios, gestados na redação da velha tipografia e no diálogo de seus editores com a sociedade da qual fazia parte. Mas esse diálogo foi, via de regra, muito tenso. No correr do século XIX, vários governos, políticos e grupos sociais tentaram conter o desenvolvimento da imprensa local, justamente porque a informação e a polêmica dificultavam o exercício do poder. Foi assim que a história da imprensa na Amazônia esteve muito relacionada, desde seus inícios, com os conflitos entre os proprietários de folhas e a engenhosidade dos legisladores, que não cansavam de criar regulamentos e dispositivos destinados a limitar a liberdade da imprensa e entravar a difusão dos noticiários. Felizmente, no entanto, a eficácia do controle e da repressão nem sempre conseguiu sucesso. Ao lado disso, a existência da diferente partida e tendência política serviu de estímulo ao embate de idéias, posicionamentos políticos e projetos sociais muito diversos. Um momento exemplar disto ocorreu durante a Cabanagem, na década de 1830, época em que as tensões sociais estiveram muito acirradas em toda a província e as gazetas foram porta-vozes desses mesmos conflitos e de muitos outros. Havia o jornal Correio Official Paraense, de propriedade do presidente de província Bernardo Lobo de Sousa e redigido pelo cônego Gaspar de Siqueira Queirós. Do outro lado, havia o jornal Sentinella Maranhense na Guarita do Pará, sob a responsabilidade de Camilo José Moreira Jacarecanga e redigido pelo célebre panfletário maranhense Vicente Ferreira

1 – Cf. Geraldo Mártires Coelho, Anarquistas, demagogos & dissidentes: a imprensa liberal no Pará de 1822. Belém, Cejup, 1993.


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“A imprensa modificou-se talvez no mesmo compasso que as elites políticas na reorganização da província no pós-Cabanagem”

Aldrin Moura de Figueiredo Doutor em História. Professor e pesquisador do Departamento de História da Universidade Federal do Pará.

Lavor Papagaio. As severas críticas dirigidas por este jornal ao presidente Lobo de Souza, ocasionaram sua suspensão já na edição do seu segundo exemplar, mas consta que foi decisiva a sua contribuição para a agitação política que deu contornos ao movimento cabano. Para se ter uma idéia do impacto deste jornal, basta lembrar o dístico que o matutino trazia no alto de sua folha de rosto, ao lado da divisa: “Campeão dedicado das liberdades pátrias, paladino sincero dos direitos do povo”, os versos seguintes: Sem rei existe um povo Sem povo não há nação Os brasileiros só querem Federal Constituição”2 Lembre-se que nesta época, por volta das décadas de 1820 e 1830, os jornais possuíam uma feição muito diversa da que têm hoje. Magda Ricci, que tem especializado-se no tema, afirma que tais panfletos eram, antes de tudo, folhas volantes, de não mais de quatro ou cinco páginas do tamanho de um pequeno caderno, mandadas imprimir na forma de libelos políticos desta ou daquela facção, de modo análogo ao que ocorria noutras partes do país3. Não havia espaço nem interesse para as informações sobre comércio, indústria e para as amenidades que se tornaram comuns nos jornais da segunda metade do século XIX. O que existia, em suma, era uma outra idéia de jornal, com uma lógica muito própria, baseada principalmente nos debates da política. Mas, apesar dessa disposição de luta, o jornal era, nas primeiras décadas do século passado, um produto raro e caro, limitado à reduzida elite local e à diminuta parcela de letrados, o que não impedia que as notícias veiculadas de boca em boca chegassem a lugares e ouvidos aparentemente

inatingíveis. A imprensa modificou-se talvez no mesmo compasso que as elites políticas durante o processo de reorganização da província no pós-Cabanagem, um período histórico extremamente negligenciado pelos historiadores do passado e que atualmente tem encontrado alento em novas pesquisas, como a que está sendo desenvolvida por Claudia Fuller, acerca das Companhias de Trabalhadores, nos meados do século XIX4. Dito isto é importante salientar também que o desenvolvimento e a ampliação do mercado da imprensa modificaram inteiramente o processo de circulação dos jornais no Pará, especialmente a partir da década de 1870. Os redatores e tipógrafos viram o consumo das gazetas se estenderem a novas camadas sociais no âmbito dos pequenos comerciantes e, logo em seguida, a uma apreciável parcela do povo das cidades – fosse na capital Belém ou noutras cidades do interior, especialmente Vigia, Cametá, Bragança e Santarém. O leitor de hoje poderá levar um susto, pois nessa época chegaram a circular mais de 300 jornais na capital e interior, entre diários, semanários e pequenos panfletos de reduzidíssima tiragem. Segundo Remijio de Bellido, entre 1822 e 1908, portanto, em menos de um século, circularam no Pará cerca de 730 jornais, dos quais 722 foram impressos em português, quatro em espanhol, três em italiano e apenas um em francês. Embora atualmente o historiador tenha acesso a uma pequena parcela dessas publicações, é possível concluir sem maiores dificuldades sobre a importância que a sociedade do passado deu à informação e aos debates veiculados na imprensa. Vale notar, também, que havia uma ampla relação de contato e diálogo entre o interior da província e a capital que, na maioria das vezes, era estabelecida pela relações políticas e partidárias,

2 – Sentinella Maranhense na Guarita do Pará. Belém, 1 de outubro de 1834, p.1. 3 – Magda Ricci, “História amotinada: memórias da Cabanagem”. Cadernos do CFCH. v.12, n.1-2. Belém, 1993, pp.13-28; idem, “Do sentido aos significados da Cabanagem: percursos historiográficos”. Anais do Arquivo Público do Pará. Belém 3(2): 2001. 4 – Cláudia Maria Fuller, Os Corpos de trabalhadores: política de controle social no Grão-Pará. Belém: Laboratório de História- UFPA, 1999 (Fascículos LH, 1).


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“Depois da década de 1870, proliferaram jornais de diferentes tendências políticas, órgãos de sociedades assistencialistas, clubes e sociedades secretas”

espelhadas nas extensas ligações familiares. Era comum, em algumas colunas das gazetas, a transcrição de cartas enviadas por leitores e colaboradores de paragens aparentemente recônditas. Muitas vezes o sujeito assinava e endereçava de sua residência no igarapé ou sítio tal. A imprensa foi, neste sentido, muito responsável para diminuir as excessivas distâncias, tão evidente e comuns na região amazônica. Nessa história da imprensa no Pará, há também que se levar em conta os avanços na técnica de impressão dos jornais durante os meados do século XIX. Parece, no entanto, que esse considerável progresso pouco importou, de fato, no aumento da circulação dos jornais, pois é um fato que as máquinas estiveram, quase sempre, à frente das reais necessidades de produção dos periódicos. O mais importante auxílio prestado nessa área pela indústria jornalística, diz respeito à maior possibilidade que os editores tiveram de possuir sua própria tipografia, com preços mais baixos. Não foi a toa que, depois da década de 1870, proliferaram jornais de diferentes tendências políticas, órgãos de sociedades assistencialistas, clubes e sociedades secretas. Vale lembrar, por exemplo, do jornal A Inquisição, lançado em 1870, para combater o clero católico e defender idéias maçônicas, sob a pena de um dos mais importantes polemistas da época – o Sr. Tito Franco de Almeida. Quase homônimo, foi lançado no ano seguinte O Santo Officio, que se anunciava como imparcial, crítico, recreativo e também contrário às idéias do clero católico. As respostas da Igreja vinham em alto e bom som. A Boa Nova, lançada em 1871, redigida pelos cônegos José Lourenço da Costa Aguiar, Luiz Barroso, José Andrade Pinheiro foi um dos mais influentes e combativos jornais da época, recheado pelo discurso conservador da Cúria local, presidida à época por uma grande liderança do clero brasileiro, o bispo D. Macedo Costa. Mas a hierarquia católica não estava unida sob as

mesmas premissas, e os jornais antigos estão aí para comprovar. Em 1872, foi lançado O Pelicano, que circulou até 1874 e acabou tornando-se o órgão oficial da maçonaria no Pará, apesar de redigido em grande parte por dois representantes do clero – padre Eutíquio Pereira da Rocha e cônego Ismael de Sena Nery. Esses jornais, endossando largas disputas, estiveram, juntamente com muitos outros, no epicentro das contendas políticas que deram força à chamada questão religiosa do fim do Império. Essas histórias, aparentemente perdidas num passado distante, voltaram com força total, transformando-se em elementos fundamentais no embate entre grupos políticos rivais. Além da simbologia da Inquisição, um outro termo muito utilizado, agora como metáfora, foi o de “jesuíta”, retirado da memória sobre a atuação dos antigos padres da Companhia de Jesus que haviam sido expulsos do Brasil ainda nos meados do século XVIII e que, mais de um século depois, transformou-se numa categoria de embate ferozmente manipulada nas contendas entre liberais e católicos, principalmente nas décadas de 1870 e 1880. no jornal O Liberal do Pará, como bem mostrou Raymundo Heraldo Maués num recente trabalho, o vocábulo jesuíta parecia como sinônimo de conservador, e uma figura como a de D. Macedo Costa, que nada tinha a ver com aqueles padres, era acusado de retomar as atitudes dos antigos inacianos, em pleno século XIX5. Rafael Chambouleyron, que há algum tempo vem se dedicando ao estudo da Companhia de Jesus no Pará do século XVII, insiste, com muita propriedade, que a imagem que temos dos jesuítas dos tempos coloniais devese muito ao que foi forjado pelos periódicos do século XIX6. Para se ter uma idéia disto, o próprio termo “jesuíta” era coisa raríssima nos manuscritos e outros documentos seiscentistas. Religião e imprensa parecem ter constituído, desse modo, um capítulo a parte no jornalismo do Pará.

5 – Raymundo Heraldo Maués, A categoria “jesuíta” no embate entre liberais e católicos no Pará do século XI, Belém: Laboratório de História-UFPA, 1997 (Páginas de História, v.1, n.1). 6 – Rafael Chambouleyron, “Violências sacrílegas: a Companhia de Jesus na Amazônia e o motim de 1661”. In: José Maia Bezerra Neto & Flávio dos Santos Gomes, Sob a linha do equador: história e história das sociedades amazônicas (livro no prelo). Cf. também, Aldrin Moura de Figueiredo, “Teias da memória: a Companhia de Jesus e a historiografia da Amazônia no século XIX”. Varia Historia. Belo Horizonte (23): 77-96, 2001.



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O papel do jornalista no processo eleitoral

Como refletir acerca do papel do jornalista em meio ao processo eleitoral? Em primeiro lugar não podemos começar a falar acerca disso sem considerar alguns aspectos essenciais, tais como: a sociedade contemporânea e nela o papel da mídia, em meio a isso o papel do jornalista e os dilemas éticos enfrentados pelo mesmo, em especial no campo da política e, finalmente, a tensão existente entre o papel e a pessoa do profissional de jornalismo. Com relação ao primeiro ponto é fato que o mundo moderno há séculos caminha orientado pelo cálculo e pela separação entre fins e meios. Essa conduta encontra sua conclusão lógica em uma sociedade que se imagina e que se constitui como competitiva, desigual, violenta e não-solidária. Enfim, ao longo desses séculos, a humanidade vem construindo uma cultura de violência, barbárie e perda do sentido da vida. Perdidos os laços de solidariedade que garantem a vida, a modernidade conferiu supremacia ao que se pode designar por ética da sobrevivência, marcada pela frieza, pela despersonalização e pela inumanidade que envolve todas as esferas da vida do homem contemporâneo, incluindo a esfera da política, marcada ela pela vilania e pela mentira desde sempre. Na relação da política com a comunicação, ainda no início do século XX, Walter Benjamin indicou, com o aparecimento da fotografia e do cinema, a emergência de uma “sociedade choqueiforme” advinda da profusão de imagens que conduziriam ao amortecimento e à ausência de reflexão por parte dos espectadores. A partir daquele momento as estrelas seriam o ditador e sua mis en scène. Após isso, a chamada “democratização da imagem” iria levar às últimas conseqüências a encenação na política . Estamos em pleno reino da “sociedade do espetáculo” como apontado por Guy Debord, a qual não será um simples conjunto de imagens, mas sim relações sociais

foto Leonardo Barreto / Funtelpa

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mediadas pelas imagens, o mais alto grau de coisificação jamais atingido na vida do homem. Neste processo a história e a memória são eliminadas e temos a emergência de um presente perpétuo, de uma atualidade que se auto-consome em cada matéria veiculada pelos meios midiáticos e pela cornucópia de signos, símbolos, imagens e sons. Um novo regime é instaurado para a verdade no qual o visível é igual ao real e este é igual à verdade, o que Paul Virilio iria chamar de “tirania vídeo-gráfica” e Régis Debray de “era da vídeo-esfera”. Enfim, em meio à profusão de signos, imagens, notícias etc, temos a ausência de reflexão e a morte do sentido. Sentido de nossas vidas e sentido de nossas ações. É neste mundo que o jornalista contemporâneo tem de se movimentar, enfrentando grandes desafios éticos. No campo político a escolha está em informar a verdade (esta mesma de difícil apreensão, dada a opacidade das decisões e informações na esfera pública) ou ingressar no que Hannah Arendt chamou de “mentira organizada”. O desafio mostrar-se-á mais agudo na medida em que o jornalista enfrentar esse dilema em meio aos processos eleitorais nas sociedades democráticas. Quais os limites entre a informação e a manipulação, entre a neutralidade e o atendimento aos interesses dos gestores ou proprietários dos meios de comunicação? Como se pode ver, a questão não se prende apenas à utilização dos meios midiáticos, mas à rede de relações que se configuram no espaço público envolvendo os proprietários, gestores e operadores daqueles meios. No caso do Brasil, acrescente-se ainda que a própria constituição do nosso espaço público é historicamente marcada por perversas alianças patrimoniais entre partidos, estado e estrutura empresarial (na qual se inscrevem as empresas de comunicação). Esse quadro produzirá inevitáveis tensões nos processos eleitorais em nível nacional e local e


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Kátia Mendonça é Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP (1988), com Doutorado em Ciência Política pela USP-Universidade de São Paulo (1997) e Pós-Doutorado em Ética pela Universidad Pontificia Comillas de Madrid (2007). Atua no campo do ensino, pesquisa e extensão nas áreas de ética, não-violência, cultura de paz, hermenêutica, sociologia do imaginário, sendo Professora Associada da UFPA - Universidade Federal do Pará, dos cursos de Graduação e de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

“A única saída para o jornalista é a reflexão acerca dos seus atos e sua conduta”

no campo de ação e da escolha do jornalista. Ressalte-se ainda que o padrão de campanhas eleitorais no mundo inteiro e no Brasil se orienta por um deslocamento dos conteúdos e das propostas efetivas dos candidatos para a estetização da política que se constrói sobre os anseios da imaginação social vigente nas sociedades democráticas. Deste modo os resultados eleitorais passam a depender mais dos estúdios de marketing que dirigem as campanhas do que das reais e efetivas propostas dos candidatos. Essas propostas e programas políticos são também obscurecidos pelas pesquisas eleitorais, elas mesmas elementos do espetáculo. Há ainda o fato de os próprios atores políticos (candidatos e suas respectivas equipes) atuarem no sentido da sedução e da simulação em relação aos jornalistas. Neste cenário a tensão entre papel e pessoa do jornalista é inevitável. Em termos éticos os jornalistas podem ser vistos como pessoas que têm decisões a tomar, escolhas a fazer diante do que se apresenta a elas. Pessoas que em sua maioria vivem, elas também, em ambientes profissionais de opressão, de nãoraro sofrimento psíquico, de relações intersubjetivas hostis e de “vidas danificadas”, para usar a expressão de Theodor Adorno. Encarar o problema dos limites e possibilidades das escolhas do jornalista apenas sob o viés de seu papel, se esquecendo que ele é uma pessoa, é reduzir o debate ao campo da moral ou da sociologia, e elidir a questão mais profunda de como esse profissional, que é uma pessoa, pode agir e se orientar em meio a um mundo como descrito acima. Quais a possibilidades e limites de escolha e de decisão ética dessas pessoas e profissionais diante de tudo o que foi acima descrito? Se reforçarmos que a cobertura de uma eleição nada tem a ver com a pessoa do jornalista, tentando ignorar essa tensão, continuaremos patinando em meio ao caos, pois não se trata

aqui simplesmente do campo da moral e das normas de conduta profissional do que se pode ou deve fazer, mas sim do campo da ética, das escolhas e percepções que orientam as condutas morais. E daí a única saída para o jornalista (válida para todos nós!) é a reflexão acerca dos seus atos, a autoconsciência acerca de sua conduta: quais os seus valores como cidadão; a que e a quem está servindo; se está, ou não, informando; se está, ou não, a serviço da manipulação; se está, ou não, sendo manipulado pelos atores políticos e como se comporta diante dos efeitos anestesiantes de seus discursos; se está, ou não, conseguindo tecer laços de solidariedade com os seus pares ou com as pessoas com quem lida no seu cotidiano; se está, ou não, utilizando os recursos tecnológicos à sua disposição para a manipulação e espetáculo. Enfim, trata-se de repensar suas práticas para corrigir seus excessos, repensar o caráter mesmo da chamada objetividade, percebendo o sentido de sua missão e agindo dentro de suas possibilidades, com o mínimo de consciência: consciência de si, das pessoas que o cercam e dos recursos tecnológicos que emprega e cujos resultados de utilização nunca são neutros. Neste mundo o desafio é como podemos tecer relações que ultrapassem o “vazio ético” no qual vivemos. Como podemos construir uma cultura e relações voltadas para o diálogo e para a solidariedade, seja na esfera política, seja na esfera do interhumano, pois uma informa a outra. Se tivermos coragem de pensar acerca disso, já daremos um primeiro passo e o profissional de jornalismo enquanto pessoa não pode se eximir dessa responsabilidade: as grandes mudanças começam em cada um, na contribuição que cada qual pode dar, na pequena gota de humanidade que podemos conferir aos nossos atos, mesmo diante dos limites impostos pela barbárie e pela inumanidade. Aí, nesta pequena gota, reside a esperança para estes tempos sombrios. E sem esperança não somos humanos.


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OlhandO pra essa imagem, quem pensaria numa palavra cOmO desenvOlvimentO?

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Nós, do Sistema Indústria, pensamos imediatamente nisso. Desenvolvimento pessoal, desenvolvimento integral, desenvolvimento estadual e nacional. Tudo isso, para nós, só existe quando o produto final é o bem-estar, a qualidade de vida, a felicidade. Por isso, fazemos tudo para que, dentro do sistema, as engrenagens se movam a favor do desenvolvimento integral de cada um. Treinamento e aperfeiçoamento pelo Senai. Esporte, cultura, lazer e assistência social pelo Sesi. Acesso ao mercado de trabalho e intercâmbio com a universidade pelo IEL. Organização e mobilização da classe empresarial pela Fiepa, visando o crescimento da indústria e o desenvolvimento do Estado. É assim, desenvolvendo peça por peça, que nós trabalhamos para construir uma sociedade que funciona em harmonia com o meio ambiente e em paz com todo o resto.



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