Por que os implantes dentáriosnão sofrem rejeição?

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Explicações e Aplicações

Por que os implantes dentários não sofrem rejeição? Alberto Consolaro*

Os implantes dentários são colocados na intimidade de nossos tecidos, em meio a um

físicas, químicas e biológicas representadas pelos tegumentos, como a pele e mucosas.

turbilhão de eventos biológicos, representado

Imediatamente após a entrada de qualquer

pela inflamação induzida pelos procedimentos

material em nossos tecidos conjuntivos, algu-

cirúrgicos. No entanto, os tecidos “aceitam” os

mas células morrem, fibras são dilaceradas e o

implantes dentários, mas, ao contrário, com ou-

gel representado pela matriz extracelular é dis-

tros materiais sólidos também colocados em

solvido. Dessa forma, inevitavelmente, teremos

nosso corpo, os tecidos reagem de forma dife-

no local proteínas livres, lipídios soltos, carboi-

rente, promovendo respostas inflamatória e/ou

dratos, íons, peptídios e aminoácidos distribuí-

imunológica ao seu redor!

dos aleatoriamente.

• Por que essa diferença de reação frente

Em nosso organismo, não temos proteí-

aos vários materiais sólidos colocados em nos-

nas livres nos tecidos. Apenas as temos, nessa

sos tecidos?

forma, no sangue, como parte do plasma. Em

• Por que não é correto afirmar que os implantes dentários podem ser rejeitados?

nossos tecidos conjuntivos, temos “sensores” que captam a presença de proteínas livres e

Para responder esses questionamentos, pre-

são muito importantes, pois proteínas livres nos

cisamos visitar os conceitos de inflamação para,

tecidos são um sinal de agressão tecidual. Es-

depois, compreender o que ocorre ao redor dos

ses sensores são células que residem no tecido

implantes dentários inseridos em nossos ossos.

conjuntivo, conhecidas como mastócitos, localizadas principalmente nos espaços subepiteliais,

O primeiro momento da entrada de

perivasculares e perineurais. Em cada mm3 de

partículas em nossos tecidos

tecido conjuntivo na mucosa bucal temos, em média, 20.000 mastócitos. Quando os mastócitos encontram as proteínas livres, eles degranulam e liberam milhões de moléculas de histamina, que interagem com

Quando uma partícula, um objeto, uma bactéria ou qualquer outro material entra no nosso organismo e ganha o acesso ao nosso meio interno, isso significa que ultrapassou as barreiras

* Professor titular em Patologia da FOB-USP e da pós-graduação da FORP-USP.

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receptores na superfície vascular externa das células endoteliais. A histamina promove a contração dos citoesqueletos endoteliais, reduzindo o volume dessas células. Os vasos sanguíneos da região ficarão mais permeáveis, pois, com a contração das células endoteliais, suas junções intercelulares aumentarão de calibre. Não importa o tamanho ou a natureza do agressor, com a geração de proteínas livres no tecido conjuntivo haverá a saída/exsudação de substâncias plasmáticas e a infiltração de células sanguíneas para o local. O exsudato e o infiltrado inflamatórios irão promover a defesa do organismo, por atuarem contra o agressor. Inflamação instalada: a sua evolução

As primeiras células sanguíneas que chegam no local são os neutrófilos, os leucócitos polimorfonucleares programados para interagir e destruir quase exclusivamente bactérias do tipo estafilococos e estreptococos. O seu lema:

granulação. A reconstrução tecidual está a caminho. Essa evolução da inflamação aguda é denominada resolução do processo. 2. Os neutrófilos não interagiram com o agressor e deixam a área, dando lugar a uma grande concentração de macrófagos, depois de 48-72h. Os macrófagos são mais resistentes, persistentes e de longa vida. Enquanto o agressor estiver no local, eles também estarão. Eles advêm dos macrófagos residentes do próprio conjuntivo local e do sangue, onde circulam na forma de monócitos. Quando envelhecem em um processo inflamatório, fusionam-se com outros macrófagos jovens para formarem células gigantes multinucleadas inflamatórias e prolongam suas vidas. Essas concentrações mais ou menos organizadas de macrófagos são denominadas granulomas e significam: persistência do agente agressor (Fig. 1, 4). Essa evolução da inflamação aguda é denominada cronificação do processo (Fig. 6).

matar ou morrer. Concentram-se em grande número em até 24 a 72 horas, aproximadamente.

Granulomas (inflamação crônica)

Depois desse período de tempo, a inflamação terá duas evoluções: 1. O infiltrado de neutrófilos e o exsudato com suas substâncias/mediadores destroem e controlam o agressor. No local, a inflamação evolui para o reparo, com formação de tecido de granulação para gerar um novo tecido conjuntivo. Os macrófagos substituem os neutrófilos vencedores e predominam na região depois de 48-72h de inflamação. Eles promovem a limpeza e seus mediadores liberados induzem a proliferação e síntese celular no tecido de

e os materiais sólidos inseridos em nossos tecidos

Os granulomas representam a cronificação do processo inflamatório, pois a fase aguda não conseguiu resolver a agressão e evoluir para o reparo. Em todas as agressões teciduais nos conjuntivos ocorre a fase aguda da inflamação; ela pode ser subclínica, mais curta e assintomática, mas sempre se instalará nos momentos iniciais da inflamação, em 24-48h (Fig. 6). Quando os materiais sólidos e sem contaminação entram ou são colocados em nossos

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monócitos 3 e macrófagos teciduais

agressão

1 E

N

M

M

2 inflamação aguda 24-72h

F

6 renovação lenta via monócitos

CG

4 resistência e persistência do agressor, mas sem poder imunogênico (sem proteínas)

5 predominância de macrófagos para controlar o agressor e circunscrição fibroblástica

GRANULOMA DE CORPO ESTRANHO

Figura 1 - Processo de formação do granuloma do tipo corpo estranho, induzido por um espinho vegetal (E) não contaminado por microrganismos. Cada etapa está sequencialmente numerada de 1 a 6 (N = neutrófilo; M = macrófago; CG = célula gigante do tipo corpo estranho; F = fibroblasto).

tecidos conjuntivos, os neutrófilos não conseguem interagir, fagocitar, dissolver, etc. Depois de 24-48h, cedem lugar aos macrófagos, para que interajam ou tentem, ininterruptamente, interagir com esses materiais, formando granulomas ao seu redor (Fig. 1, 4). Alguns granulomas podem até conseguir fagocitar e destruir alguns materiais, mas, na maioFigura 2 - Exemplo de Granuloma do Tipo Corpo Estranho (setas) induzido pela hidroxiapatita de corais (*). Não há integração com o tecido ósseo onde foi implantado, pois as características físico-químicas da sua superfície interagem de alguma forma com os macrófagos sem que ocorra a evolução para a reparação (H.E. 25X).

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ria das situações, eles persistem e insistem sem sucesso em eliminar o agressor, mas não desistem. Os macrófagos velhos se unem aos jovens, para prolongar sua vida e função, na forma de células gigantes multinucleadas inflamatórias.

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monócitos e macrófagos teciduais

3 1 agressão

2 inflamação aguda 24-72h N

CG

M

B

associação com a 4 resposta imunoló- L gica

CE M

F

L

5 resistência e persistência do agressor, mas com poder imunogênico (com proteínas)

6 predominância de macrófagos com linfócitos e resposta imunológica simultânea para controlar o agressor

7 renovação rápida via monócitos

GRANULOMA IMUNOGÊNICO

Figura 3 - Processo de formação do granuloma imunogênico induzido por bacilos da tuberculose (B). As etapas estão sequencialmente numeradas de 1 a 7. A renovação dos macrófagos, necessariamente, é mais rápida do que nos granulomas do tipo corpo estranho, pois a morte celular é maior (N = neutrófilo; M = macrófago; CE = célula epitelioide; L = linfócitos; CG = célula gigante de Langhans; F = fibroblasto).

Os granulomas podem persistir em torno de materiais sólidos em nossos tecidos por longos anos ou por toda a vida. Ao seu redor, os macrófagos

linfócitos

induzem os fibroblastos a produzirem fibras colágenas para ajudar na circunscrição do processo

macrófágos

e isolamento do material ao resto do organismo.

macrófagos epitelioides Figura 4 - Granuloma imunogênico da tuberculose, o mais típico e organizado: no centro com macrófagos e células epitelioides mais próximas do cinturão de linfócitos. Perifericamente, há uma tentativa de circunscrição representada pela organização capsular do tecido conjuntivo vizinho (CGMI = célula gigante multinucleada inflamatória de Langhans) (H.E. 25X).

CGMI circunscrição fibrosa

tecido conjuntivo

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Por que os implantes dentários não sofrem rejeição?

Materiais sólidos agridem nossos

Os tipos de granulomas e os tipos de

tecidos? Por quÊ?

agentes indutores

Sim!

Os materiais sem componente proteico em

Mesmo quando estão livres de contaminação

sua composição, inseridos e implantados em nos-

microbiana, muitos materiais particulados – como

so organismo, induzirão a formação de granulo-

metais, cones de guta-percha, cimentos obtura-

mas, quase exclusivamente de macrófagos. Esses

dores, fios de seda, algodão e nylon –, além de

materiais que assim se comportam são denomi-

outros, agridem os tecidos durante a sua inserção

nados corpos estranhos e o granuloma classifica-

ou implantação nos tecidos conjuntivos, pois al-

do como do tipo corpo estranho (Fig. 1, 2).

gumas células são dilaceradas, fibras rompidas e a matriz extracelular desorganizada.

No entanto, alguns agressores que adentram em nossos tecidos conjuntivos não interagem

Os materiais particulados também têm poten-

com os neutrófilos, e vice-versa, ainda que nos

cial agressivo, pela composição química de suas

primeiros momentos da inflamação ou fase agu-

superfícies, liberando ou não substâncias tóxicas

da. Muitos desses agressores contêm proteínas

e agressivas aos nossos tecidos, mas apenas ao

em sua composição. Ao entrar em nossos teci-

seu redor, promovendo uma constante inflama-

dos, os macrófagos residentes em quase todos

ção periférica. Outros materiais apresentam as-

os locais do nosso corpo fagocitam partes des-

pereza em sua superfície e margens cortantes

ses agressores e reconhecem que têm proteínas

que, durante a movimentação normal dos tecidos,

estranhas, também conhecidas como antígenos.

acabam dilacerando os tecidos vizinhos. A falta

Como proteínas estranhas são reconhecidas

de integração das células e tecidos vizinhos com

todas aquelas que não temos “registradas” em

as partículas dos materiais as torna muito mó-

nossa memória biológica, visto que, durante a

veis e de difícil acomodação físico-química. Nesse

vida intrauterina, todas as proteínas que entra-

contexto, os granulomas, como aglomerado de

ram em nossa composição foram “catalogadas”

macrófagos e células derivadas e associadas, ate-

como próprias.

nuam, até fisicamente, essa interface com o res-

Esse reconhecimento e processamento

tante do organismo, justificando o estímulo dos

proteico é realizado pelos macrófagos, tam-

macrófagos aos fibroblastos vizinhos para que

bém conhecidos como células apresentadoras

produzam colágeno que os delimite, circunscreva

de antígenos ou APCs. Uma vez identificadas e

e isole do organismo.

processadas no seu interior, os macrófagos ex-

Em suma, as características físico-químicas

teriorizam-nas em sua superfície externa, para

das superfícies dos materiais sólidos inseridos

apresentá-las aos linfócitos. Assim estimulados,

em nosso organismo são determinantes no tipo

os linfócitos coordenam uma sinfonia biológi-

de interação, interface e integração com os te-

ca conhecida como resposta imunológica, que

cidos vizinhos.

visa eliminar o agressor que contenha aquelas

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proteínas estranhas, ou melhor, aqueles antí-

dentário, visto que não têm proteínas. Ao mesmo

genos.

tempo, a superfície implantar dentária não libera

Os granulomas induzidos por agentes que

qualquer agente agressor, tóxico ou lesivo aos

contenham proteínas estranhas não têm apenas

tecidos vizinhos. As células osteoprogenitoras, os

macrófagos entre as suas células, mas também

osteoblastos jovens e outras células envolvidas

linfócitos, pois, ao mesmo tempo, ocorre, junto a

no reparo peri-implantar não só ancoram-se na

essa inflamação crônica, uma resposta imunoló-

superfície implantar como também depositam

gica simultânea. Por essa razão, esses granulo-

sobre ela a matriz extracelular e óssea, integran-

mas são denominados imunogênicos ou imuno-

do-se estrutural e bioquimicamente. A osteoin-

granulomas (Fig. 3, 4).

tegracão ocorre em função das características

Em síntese, temos granulomas do tipo corpo estranho e granulomas imunogênicos, ou seja,

físico-químicas da superfície dos implantes dentários (Fig. 5).

temos indutores de inflamação crônica que são

Os implantes dentários per si não induzem

corpos estranhos, e temos indutores que são an-

resposta inflamatória do tipo granuloma do tipo

tígenos e, simultaneamente, também promovem

corpo estranho, como também não induzem

uma resposta imunológica.

qualquer resposta imunológica associada ao granuloma imunogênico. Em outras palavras, o

E os implantes dentários agridem

implante dentário não representa um corpo es-

nossos tecidos?

tranho, nem mesmo um antígeno, mas sim um

Os implantes dentários per si não agridem

corpo inerte (Fig. 5, 6).

os tecidos, mas as manobras cirúrgicas para sua colocação sim! No entanto, depois de 24-48h, a

Os implantes dentários podem induzir

reparação dos tecidos peri-implantares está em

rejeição ou imunorrejeição?

andamento, pois os neutrófilos não interagem

Não!

com os implantes e desaparecem, para dar lugar

Os implantes dentários não agridem os teci-

aos macrófagos (Fig. 6).

dos e nem promovem respostas imunológicas.

Os macrófagos, quando chegam nos tecidos

A rejeição ou imunorrejeição apenas ocorre com

peri-implantares, depois da fase aguda pós-cirúr-

materiais ou produtos que tenham componentes

gica de 24-48h, iniciam o processo de limpeza

proteicos estruturais, não observados nos im-

da área e liberação de mediadores para promo-

plantes dentários.

ver o reparo, com reconstrução do tecido con-

Quando um implante apresenta-se com

juntivo ósseo, juntamente com os mediadores

mobilidade excessiva, inflamação periférica,

liberados pelas plaquetas.

supuração, sinusite associada, fístulas e outros

Os macrófagos, bem como os linfócitos, não

processos que caracterizam o fracasso do pro-

reconhecem qualquer componente do implante

cedimento, deve-se buscar razões de ordens

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osso

implante dentário

osso

A

tecido ósseo normal

MO

MO

tecido ósseo normal

B

C

Figura 5 - Ao redor do implante dentário, após a fase aguda da inflamação – em 24-72h –, inicia-se o processo de reparo para a reconstrução do tecido ósseo, como se nota em A. O tecido ósseo neoformado, após algumas semanas, caracteriza-se por células e matriz óssea depositada sobre a superfície implantar (setas em B e C) com morfologia normal, inclusive com espaços medulares (MO). Destaca-se a relação direta (setas) do tecido ósseo normal com o implante, sem interposição de macrófagos, granulomas ou outras células e tecidos (H.E. A = 10X, B e C = 25X).

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antígenos

corpo estranho

corpo inerte

INFLAMAÇÃO AGUDA evoluções

cronificação

cronificação

resolução

Granuloma Imunogênico (ex: bacilo da tuberculose)

Granuloma Tipo Corpo Estranho (ex: hidroxiapatita)

Tecido de Granulação

Reparação envolvendo o corpo inerte (ex: implante dentário)

Figura 6 - Esquema das evoluções da inflamação aguda quando corpos sólidos entram nos tecidos conjuntivos sem contaminação de bactérias estafilococos e estreptococos após o período de 48-72h. Cada evolução depende da composição e das características superficiais dos corpos sólidos.

local e sistêmica do paciente, causas relaciona-

Consideração final

das ao planejamento ou de ordem técnica/ci-

Os implantes dentários, por si só, não indu-

rúrgica, ou descuidos na higiene e manutenção

zem resposta inflamatória aguda. Essa ocorre

por parte do paciente, mas não deve-se atribuir

ao seu redor, em função dos procedimentos ci-

como causa desse insucesso a imunorrejeição,

rúrgicos e eventual entrada de bactérias. Após

ou simplesmente rejeição, do implante por parte

24-72h, nos tecidos peri-implantares, está se

do organismo.

iniciando a reparação para a reconstrução óssea.

A imunorrejeição ou rejeição não oferece a mínima fundamentação biológica para ser utilizada como causa de insucesso de implantes dentários. O termo rejeição vem do latim rejectio e significa: resposta imunológica a um órgão ou tecido incompatível transplantado, geralmente homólogo. Ou significa, ainda: a falha do transplante ou enxerto em “pegar”, resultando em sua necrose.

As características físico-químicas da superfície dos implantes dentários permitem que as células e tecidos se ancorem na sua estrutura e depositem matriz que os osteointegram funcionalmente (Fig. 5). Não há indução para granuloma do tipo corpo estranho, e nem resposta imunológica associada a granuloma imunogênico. O implante dentário comporta-se biologicamente como corpo inerte e isso permite a sua osteointegração.

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Endereço para correspondência Alberto Consolaro E-mail: alberto@fob.usp.br

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