Revista Lume - Edição Nº 54 - Março/2022

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lume Mato Grosso

A Fé de Francisca

Fotos, filme e álbum musical para seguir sendo abençoado por vó Francisca. Pag. 24

PERSONALIDADE: PAULO SERGIO ROUANET O DOUTOR FERNANDO CORRÊA DA COSTA THIAGO DE MELLO MEMÓRIA: TEOCLES MACIEL LITERAMÉRICA

ISSN 2447-6838

Revista nº. 54 • Ano 8 • Março/2022

................. R$13,00

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A BENZEDEIRA VÓ FRANCISCA. FOTO: HENRIQUE SANTIAN



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C A RTA D O E D I TO R

JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral

A

frase “não existe almoço grátis” tem sua autoria frequente e erroneamente atribuída ao prêmio Nobel de Economia Milton Friedman. De fato, ele popularizou a frase, mas frisou que não a inventou. Sua origem remonta, provavelmente, ao século 19, nos Estados Unidos. Diz-se que a expressão faz referência ao fato de os saloons da época servirem “almoço grátis”, desde que o cliente comprasse bebidas. Ou seja, grátis coisa nenhuma! A frase acabou se tornando um dito popular quando se quer dizer que tudo na vida tem um preço, ainda que oculto e pouco óbvio. Faço alusão à frase “não existe almoço grátis”, tão utilizada nos últimos tempos, na política atual, o que a torna, para o povo brasileiro, ludibriado e comprado nas urnas, bem verdadeira. Tornou-se um indicativo, nos últimos tempos, de que não há ações políticas desinteressadas, mesmo as mais prosaicas. O que dizermos, então, quando nos deparávamos, até poucos anos atrás, com doações milionárias de empresas privadas em campanhas eleitorais? Os custos das campanhas subiam ano a ano, bem mais do que a inflação oficial e, grande parte desses recursos, obtidos através de doações de empresas eram utilizados para aliciar eleitores, comprometendo de forma efetiva a independência dos

eleitos. São muitos os fatos na política local e nacional que dão aval à essa frase. Em 11 de fevereiro de 2015, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, se referiu a esse dito para mostrar como funcionam as indicações políticas para cargos de governo. No funcionalismo público mato-grossense o que mais se vê são indicações políticas de pessoas inabilitadas e descompromissadas com a vida pública e seus objetivos finais, que é o de atender a sociedade, que é a mantenedora do Estado, pois é quem paga os impostos. Por conta de contínua insatisfação com os serviços prestados pelo funcionalismo público, de forma geral, em todos os setores de prefeituras, Estado e União, avança a passos largos a proposta que acaba com a estabilidade no serviço público para servidores com baixo desempenho nas atividades desenvolvidas. Com as novas regras eleitorais esperamos pela diminuição da fatídica compra de votos, hábito ancestral em Mato Grosso, tanto de políticos quanto de eleitores. Alguns se salvam, mas são poucos. Esperamos que nas eleições deste ano o comportamento dos cidadãos seja mais cívico, elegendo candidatos que não estejam ligados à corrupção, o verdadeiro câncer da nação. E o tal do “almoço grátis”, nem pensar! Boa leitura a todos!


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EXPEDIENTE

lume Mato Grosso

PESCUMA MORAIS Diretor de Expansão e de Projetos Especiais ELEONOR CRISTINA FERREIRA Diretora Comercial JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral MARIA RITA UEMURA Jornalista Responsável JOÃO GUILHERME O. V. FERREIRA Revisão

LUIS GOMES, RAI REIS, MAIKE BUENO, MARCOS BERGAMASCO, MARCOS LOPES, MÁRIO FRIEDLANDER, MOISÉS INÁCIO DE SOUZA, SAMUEL MELIN Fotos OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO SÃO DE RESPONSABILIDADE DE LUME MATO GROSSO, E SIM DE SEUS AUTORES. LUME - MATO GROSSO é uma publicação mensal da EDITORA MEMÓRIA BRASILEIRA Distribuição Exclusiva no Brasil

ANDRÉIA KRUGER, ANNA MARIA RIBEIRO, CARLOS FERREIRA, CARLOS GOMES DE CARVALHO, CECÍLIA KAWALL, DIEGO DA SILVA BARROS, EDUARDO MAHON, ELIETH GRIPP, ENIEL GOCHETTE, EVELYN RIBEIRO, FELIPE DE ALBUQUERQUE, HENRIQUE SANTIAN, JOSANE SALES, JUDI OLLI, JULIANA RODRIGUES, JÚNIOR CÉSAR GOMES GUIMÃES, KALLITA DOS ANJOS MORAES, KEILA GUIMARÃES, LUCIENE CARVALHO, MILTON PEREIRA DE PINHO - GUAPO, RAFAEL LIRA, ROSARIO CASALENUOVO, ROSE DOMINGUES, THAYS OLIVEIRA SILVA, VALÉRIA CARVALHO, WLADIMIR TADEU BAPTISTA SOARES, YAN CARLOS NOGUEIRA Colaboradores

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ANDREY ROMEU, ANTÔNIO CARLOS FERREIRA (BANAVITA), CECÍLIA KAWALL, CHICO VALDINEI, EDUARDO ANDRADE, HEITOR MAGNO, HENRIQUE SANTIAN, JOSÉ MEDEIROS, JOYCE CORRÊA, JÚLIO ROCHA, LAÉRCIO MIRANDA, LUIS ALVES,

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VÓ FRANCISCA FOTO: HENRIQUE SANTIAN Capa


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SUMÁRIO

42.

CULTURA

44. ERVAS MEDICINAIS

52. 48. GENTE

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MARÇOS DE NOSSA HISTÓRIA


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54.

RETRATO EM PRETO E BRANCO

56. MEMÓRIA

60. 65. EDUCAÇÃO

AMERICANIDADE

66.

LITERATURA

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PERSONALIDADE

ESCRITOR PAULO SÉRGIO ROUANET, DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

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ELAINE THOMÉ PARIZZI É Advogada, Escritora, Palestrante, especialista em Gestão, planejamento e gestão Cultural (UNIC/PUC MG) e em Gestión y Políticas Culturales (Fundació Universitat de Girona), em Direito e Processo do Trabalho (ESUD), Direito Civil (FMPRS), Projetos Culturais (FGV). Dire-toraproprietária da Qualithy Assessoria e Projetos e Presidente do IQDInstituto Qualithy de Desenvolvimento, atuante em MT desde 1999.

A Breve História No Tempo De Uma Lei De Incentivo A Cultura

N

POR ELAINE THOMÉ PARIZZI

unca ouvimos falar tanto de Cultura como nos últimos 2 anos! Tivemos retrocesso e entendo que tenhamos chegado às décadas de 60 e 70 onde a cultura aparecia como algo caro e marginal e todos os economistas que falavam sobre isso, agradavam. Em 80 isso mudou, e por causa da crise da Grã-Bretanha, a forma que Manchester enfrentou uma crise, foi por meio da construção de um Centro Cul-

tural, que aumentou significantemente a economia local. Após este fato, o turismo cultural passou a se prestigiar, além dos monumentos históricos, também dos grandes festivais. Ainda hoje a Europa tem na Cultura uma das suas maiores economias, onde os gastos governamentais em Cultura nos Países Europeus, fica numa baixa margem, entre 3 e 31%. Aqui no Brasil, não passa de 1% (do orçamento total da união com a Cultura).

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Sabíamos que a tendência natural deste baixo índice de gastos privados na Cultura, começaria a mudar, a partir de 87, com os Fóruns Mundiais, onde a Cultura, juntamente com a Economia, o Social e o Meio Ambiente, entraria em debate como um 4º pilar de sustentabilidade para o Mundo, principalmente com a era das indústrias criativas. Assim, entendeu-se claramente que a Cultura é muito importante para o desenvolvimento socio-econômico de qualquer local, visando inclusive com isso, resolver problemáticas de desenvolvimento humano, já que desenvolvimento na acepção da palavra é o bem-estar, bem viver, decidir livremente, estando diretamente ligado à qualidade de vida. Partindo deste entendimento, em 1991, o secretário de cultura da Presidência da República do governo Fernando Collor de Mello, w, enviou ao Congresso, uma lei de sua autoria, que e instituía o Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC, estabelecendo, as políticas públicas para a cultura nacional. Lei esta, que ficou conhecida, por lei Rouanet em sua homenagem. Ao longo de sua existência, o projeto idealizado pelo Secretário Sérgio Paulo Rouanet, injetou, mesmo que de forma indireta, por meio da renúncia fiscal, R$ 8 bilhões na cultura brasilei-

ra, e sendo a lei responsável pela retomada da produção cultural após a extinção do Ministério da Cultura – que havia virado secretaria no governo de Fernando Collor e depois voltou a ser criado. A Lei foi responsável também pela geração de empreendimentos como o Museu do Futebol e o Museu da Língua Portuguesa; pela realização de festas populares, como o carnaval; pela ampliação de eventos, como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo; e, principalmente, pela sobrevivência financeira de milhares de produtores e artistas. Com a lei Rouanet, reconhecidamente importante pelos produtores e gestores culturais, já que motivou e ainda motiva, as empresas e cidadãos a investirem em cultura proporcionando o benefício no recolhimento do imposto de renda, estimulando às pessoas físicas e à iniciativa privada, no sentido de patrocinar projetos culturais, já que o patrocínio, além de fomentar a cultura, valoriza a marca das empresas junto ao público, tornou-se a forma mais eficaz no fomento para cultura brasileira. Com a Lei Rouanet em andamento, o então Ministério da Cultura entendeu que era hora de progredir, e “captando” o recado dos estudiosos da época, iniciou estudos e debates para que estudássemos a Cultura visando suas interfaces e estudando possibilidades de

tê-la como uma grande fonte do setor econômico nacional, inclusive com dados no PIB brasileiro. Foram anos de estudo com agentes, produtores, artistas e gestores, realizando grandes fóruns segmentais, grandes seminários temáticos, finalizando nas grandes Conferências da Cultura, A 1ª Conferência Nacional de Cultura, realizada em 2005, contou com a participação de cerca de 60 mil pessoas, de 1.190 cidades e 17 estados, a 2ª Conferência Nacional de Cultura, realizada em 2010, contou com 220 mil participantes, envolvendo todos os estados, o Distrito Federal e 57% das cidades brasileiras. A 3ª Conferência Nacional de Cultura, realizada em 2013, contou com a participação de representantes dos 26 estados e do Distrito Federal. O Nordeste foi a região que mais enviou representantes para o evento: 31% do total, seguida do Sudeste, com 22%, Centro-Oeste, com 21%, Sul (12%) e Norte (9%). Nascia então um dos mais interessantes estudos sobre o PIB da Cultura e sua geração de emprego e renda, sendo que um dos resultados, entre vários outros, deste grande estudo, foi a aprovação governamental do SNC, que descentraliza os recursos federais para todos os Estados e Municípios do País. O Ministério da Cultura estava com sua missão institucional de fomento e geração de emprego e ren-


mais de 10 anos de estudo, juntamente com o Sistema Nacional de Cultura, e todo o avanço alcançado para sensibilizar o patrocinador a investir em cultura, não foi entendido pelo atual governo, que ao invés de entender que Cultura é um investimento, tratou o setor como um custo. Em 2018, tudo o que tínhamos conseguido de avanço na Cultura, “desmoronou”. Houve extinção do Ministério. Virando a Cultura, uma Secretaria Especial dentro de outro Ministério... Cortou todos os gastos possíveis para a cadeia produtiva da Cultura. Tentou minimizar com a Lei Aldir Blanc (politizada e com requisitos ao extremo). E descentralizou os valores da Lei Rouanet. Tanto que, os números da Cultura em 2021, com rela-

ção a Lei Rouanet, que está prestes a completar 31 anos de existência, são claramente insignificantes perante os valores da LOA, e foi o menor desde que foi criada, sendo o valor total aprovado num total R$ 2,2 bilhões, entretanto, o total captado foi de R$ 1,9 bilhão, segundo dados do Salic. Ou seja, o valor captado em 2021, foi bem menor que todos os outros anos de existência da Lei. Além deste triste dado sobre os valores da Lei Rouanet, especificamente no ano de 2021, tivemos outro grande problema na política pública do incentivo da Secretaria Especial de Cultura Federal, o aumento na concentração de dinheiro por projeto cultural, ou seja, concentração de dinheiro gasto, num menor número de projetos da lei de incentivo.

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da para cadeia produtiva da Cultura, cumprida - com uma lei importante e eficaz e dados técnicos sobre a área cultural, já mapeados. Em meados de 2017, a Lei Rouanet que tem por base a captação de recursos para área cultural com percentual disponível de 6% do IRPF para pessoas físicas e 4% de IRPJ para pessoas jurídicas, ainda que relativamente pequeno comparado aos percentuais de outras áreas e segmentos, teve seu ápice, visto que, permitiu que fossem investidos em cultura, segundo o então MinC (Ministério da Cultura) mais de R$ 1,1 bilhão. A cultura estava sendo vista. A cultura estava sendo reconhecida no País! No entanto, infelizmente, tudo o que realizamos de estudos culturais nestes

O CASAL BARBARA FREITAG E SERGIO PAULO ROUANET

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Segundo dados do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura, algumas instituições, mesmo que na IN da Lei haja limites de captação para microempreendedores, (R$ 1 milhão), alguns, sozinhos captaram quase metade do teto consentido pelo governo, para captação em 2021. Ao todo, 22 projetos de mais de R$ 10 milhões foram aprovados. Juntos, esses projetos somam R$ 533 milhões, sendo as 03 maiores: a fundação de Apoio à Universidade de São Paulo, a Fusp, captou, R$ 73,4 milhões, o instituto Inhotim captou R$ 44,5 milhões, e a Fundação CSN, captou R$ 42,8 milhões. Além destes 22 projetos, teve mais 242 projetos de mais de R$ 1 milhão que foram aprovados pela atual gestão. Esse grupo de projetos representou, ao todo, R$ 1,3 bilhão na Rouanet. É mais da metade do total aprovado para a lei em 2021. E para piorar ainda mais os números da cultura, no ano que se inicia, a recente INSTRUÇÃO NORMATIVA SECULT/MTUR Nº 1, DE 4 DE FEVEREIRO DE 2022, que estabelece procedimentos para apresentação, recebimento, análise, homologação, execução, acompanhamento, prestação de contas e avaliação de resultados de projetos culturais financiados por meio do mecanismo de Incentivo Fiscal do Programa

Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), nos causou ainda mais decepção. Para demonstrar o porquê da decepção, segue dados informativos, que foram alterados da IN nº 1/2021, retirados do próprio texto da lei cultural de 2022: Para iniciar as alterações, “menorizando” as ações do segmento cultural, a nova IN nº 1/2022, estabelece, redução de 50% no limite para captação de recursos pela lei. Quais sejam: Para projetos tidos como dentro da normalidade, o teto cai de R$ 1 milhão para R$ 500 mil. Para projetos mais singulares, tais como desfiles festivos, eventos literários, exposições de artes e festivais, o valor fica limitado a R$ 4 milhões. E para projetos específicos, geralmente projetos de continuidade, tais como concertos sinfônicos, datas comemorativas nacionais, educativos, capacitação cultural, inclusão da pessoa com deficiência, museus e memória, óperas, Bienais, teatros musicais e projetos de internacionalização da cultura o valor máximo fica em R$ 6 milhões. Outra alteração da IN de 2022, e talvez uma das principais mudanças é a alteração na classificação das áreas culturais contempladas pela Rouanet, com uma divisão que inclui arte sacra e belas artes, como categorias distintas, e ainda, com subdivisões por

setor, tais como: arte contemporânea, audiovisual, patrimônio material e imaterial e museus e memória. Primeiramente, arte é arte, que na acepção da palavra quer dizer: Arte: habilidade ou disposição dirigida para a execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional. 2- conjunto de meios e procedimentos através dos quais é possível a obtenção de finalidades práticas ou a produção de objetos; técnica. Portanto, seja ela sacra ou contemporânea, não haveria de se incluir especificamente, porque já existe, e já está contemplada no todo. Ademais utilizar o termo “belas artes”, conceito que apareceu no final do século XVIII, com o surgimento, na Europa, das Academias de Arte, e se consolidou no século XIX, durante o período Neoclássico, quando as academias se transformaram em Escolas de Belas Artes, e aqui no Brasil, quando Pedro Augusto Cardim (filho do artista português, João Pedro Gomes Cardim) participou ativamente da vida artístico-cultural de São Paulo, em homenagem a seu pai, fundou em 23 de setembro de 1925 com o nome de Academia de Belas Artes de São Paulo. Talvez por isso quando falamos de escola de Belas Artes, ligamos o nome à história da cidade


culturais que tiverem dinheiro da Lei Rouanet, precisarão de aprovação prévia da pasta da Secretaria Especial de Cultura do Ministério do turismo”. Na verdade, parece uma medida dirigida, no entanto estará prejudicando a todos os estados municípios do País. Lamentável! Outra alteração, que para alguns estados, foi a melhor alteração da lei, é a obrigação dirigida aos patrocinadores/incentivadores, já que os obriga a investir 10% em projetos de proponentes que não obtiveram patrocínio anteriormente, quando o patrocínio for acima de R$ 1 milhão de reais, condicionados a projetos de capacitação cultural, acervo museológico público, patrimônios imateriais registrados e patrimônios materiais tombados, e de museus e bibliotecas públicas em regiões com menor potencial de captação, cumulando com a proibição de aportes financeiros, por mais de dois anos consecutivos em projetos de um mesmo proponente e seus integrantes de conselhos e atos constitutivos (sob pena de inabilitação do proponente), com ressalva a Planos Anuais de Atividades ligados a setores de museus públicos, patrimônio material e imaterial e ações formativas de cultura. Mais uma alteração que é limitante são os valores para divulgação, incluindo assessorias de comunica-

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de São Paulo. Neste sentido, nominar um segmento cultural de “Belas Artes”, nos parece que houve uma volta no tempo... Continuando com as alterações da lei seguimos com outra redução que nos parece, atingirá, principalmente grandes espetáculos, pois, o percentual de diminuição é gritante. Estamos falando dos caches artísticos que com a nova lei diminuíram 93% (noventa e três por cento), no caso de artistas solo, e 93,4% para músicos. Ou seja, três mil reais para artistas ou modelos, três mil e quinhentos para músicos e para maestros quinze mil reais, quando apresentarem-se com orquestras. Também houve redução no limite de valores para aluguel de teatros, ficando o teto em dez mil reais, sendo que, com a inflação que estamos vivenciando um aluguel de salas de espetáculos fica em torno de 12 a 18 mil reais, conforme a capacidade física de cada espaço. Ou seja, produções teatrais estarão estagnadas pois não se pode pagar para trabalhar. Outra medida que nos parece inusitada e que prejudicará as propostas culturais envolvem estados e municípios, visto que, conforme o Art. artigo 55 da nova IN de 2022, “todas as inciativas culturais, sejam elas: inauguração, abertura ou lançamento de programas, projetos e ações

Arte: habilidade ou disposição dirigida para a execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional; conjunto de meios e procedimentos através dos quais é possível a obtenção de finalidades práticas ou a produção de objetos; técnica.

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ção que ficou limitado em 20% para projetos de “tipicidade normal”; 10%, para projetos de “tipicidade singular”; 5%, para de “tipicidade especial”; e 10%, para projetos de “tipicidade específica” até o valor de R$ 500 mil. Quanto ao prazo de captação, que é a grande dificuldade que a grande maioria que aprova um projeto na lei Rouanet, ficou limitado a 24 meses, com prorrogações, sendo que na outra IN o prazo era de 36 meses. Este prazo poderá dificultar bastante, principalmente, projetos que não tem apelo comercial, e que geralmente conseguem captar valores pequenos, ano a ano em pequenas empresas regionais, e esta diminuição de 12 meses poderá contribuir com a maior dificuldade de captação de recursos, para a total execução do projeto. E para finalizar as alterações da IN Nº 1 de 20220 da SECULT/MTUR, temos a impossibilidade de execução do projeto, caso for necessário alterar quaisquer itens de planilha ou quaisquer remanejamentos de valores entre itens de despesa, sendo que, aprovando o projeto, sua planilha, não poderá ser alterada, ou seja, os orçamentos que foram orçados durante o desenvolvimento da proposta, após aprovados, ficarão fixos durante um ano. Entendemos que as novas regras não atendem

as práticas de mercado, principalmente com inflação, onde O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação do país, encerrou 2021 a 10,06%. O resultado ficou acima do teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 5,25%, e é o maior em seis anos. Nesta esteira, a intenção do governo federal de simplificar o processo, desburocratizando e expandindo o setor cultural, gerando mais emprego e renda, não nos parece salutar para os agentes culturais, visto que, a Lei Rouanet, principal mecanismo de fomento à Cultura no Brasil e impulsionador da produção das atividades criativas, com as novas regras, limita e prejudica demasiadamente o setor, que vive um dos piores momentos, desde que a Lei foi criada em 1991. Pelo exposto, nós “pobres mortais”, ainda não conseguimos entender a real política pública de cultura do atual governo, que pelo visto, nos vem à mente a frase: “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”! E ainda estamos tentando entender, o porquê da extinção do Ministério da Cultura, o porquê da concentração de recursos da lei para poucos beneficiados, e porque o entendimento de que a Cultura não é necessária na nossa Pátria! Neste sentido, sem ministério da cultura, e com

a política de incentivo sendo tratada como se fosse uma área que não gera frutos e só gera despesas, retornamos à década de 60, 70, quando tínhamos, pelos economistas da época, a mesma visão tida pelo atual governo do Brasil. E é claro, não desfazendo do Turismo, que em nosso País deveria ser, melhor aproveitado, como um setor econômico mais eficiente e eficaz, mas, sinceramente, nunca ouvimos dizer, em local algum, que turismo gera cultura, cria, tem incentivos fiscais, tem identidade, diversidade, faz parte do desenvolvimento humano ou algo parecido, porém a Cultura, além de ser criativa, possuir várias formas de fomento, possuir diversidade múltipla, ser a identidade de um povo e ser cientificamente comprovado, que faz parte do desenvolvimento humano, gera muito turismo, seja ele patrimonial, rural, cientifico, e até mesmo natural. Sabemos sim que para promover-se e evidenciar o turismo local, o segmento utiliza-se de várias ações e segmentos culturais, sejam eles: a gastronomia, as apresentações da Cultura Popular, os Patrimônios Históricos, e nosso patrimônio natural. Sendo que, exemplificando, na cadeia produtiva de cultura, o pequeno valor destinado a um projeto de um Festival, por exemplo, tem-se valores


quem investiu como para quem se beneficiou com o entretenimento e lazer local. Nesta esteira, a inversão que houve no Brasil de colocar a Cultura “dentro” do Turismo, lhe tirando a competência de Ministério, foi um flagrante equívoco! Entretanto, se tivéssemos um governo que entendesse um pouco mais sobre o real significado da Cultura, que ela está no coração, no cerne de uma sociedade, e é fundamental, constitucionalmente falando, teríamos certamente números mais interessantes, com valores agregados, principalmente no desenvolvimento econômico cultural, seja ele local, estadual ou nacional. Concluindo, entendemos que o Governo facilitador é aquele que não dirige a Cultura e sim facilita, inova, dá condições, principalmente aos produtores, gestores e

agentes que realmente entendem da área, estudam, se especializam, e tem capacidade de assumirem responsabilidades, para que encontrem o fluxo do desenvolvimento econômico da Cultura, porque, Cultura não se faz da noite para o dia. Cultura é antropológica. Simplesmente existe, sem necessitar de outras áreas para ser reconhecida. Ela deveria ter uma chance para provar que pode ser além de simplesmente uma Secretaria. Pois, Ela é, um verdadeiro sistema de geração de emprego e renda, onde a economia gerada é o multiplicador do desenvolvimento local, senão a Europa não teria mais de 120 milhões de turistas anuais que vão buscar, por meio da Cultura, entretenimento e lazer, sendo a área, a 1ª economia daquele continente.

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agregados, gerando emprego e renda para todas as interfaces beneficiadas com aquela ação cultural. Portanto, seguindo o exemplo, num evento, não podemos ver somente os valores incentivados para a ação cultural, especificamente, e sim o retorno, o impacto positivo, que este evento causa no local onde acontece, na cadeia produtiva e todas suas interfaces (hotéis, restaurantes, gráficas, comércio, prestadores de serviços). Há retorno inclusive para os cofres públicos. Há sempre uma “recuperação” do valor investido no segmento cultural. Todavia, ao invés de entender que, no exemplo de um evento, o mesmo é um custo, tem-se que entender que ele é um investimento com retorno certo, e além de tudo, institucional tanto para

GILBERTO GIL, FABIO SZWARCWALD E SÉRGIO PAULO. FOTO: CRISTINA GRANATO

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HISTÓRIA

O CASAL MARIA ELISA BOCAYUVA E FERNANDO CORRÊA DA COSTA, AO LADO DE PEDRO PEDROSSIAN, DURANTE TRANSMISSÃO DE CARGO DE GOVERNADOR, EM 1966

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UBIRATÃ NASCENTES ALVES É membro da Academia Mato-Grossense de Letras - Cadeira nº 1. ubirata100@gmail.com

O Doutor Fernando Corrêa Da Costa

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POR UBIRATÃ NASCENTES ALVES

ocaremos nesta oportunidade, um grandioso homem público voltado para atender o povo, corria em suas veias o sangue bom de um médico determinado e a tradição política da sua família. Vejamos que através sua genealogia, surge como genitor nada menos que Pedro Celestino Corrêa da Costa governador de Mato Grosso por 2 vêzes e ainda igualmente, senador em 2 oportunidades, cujo nome empresta a uma das ruas centrais de Cuiabá, iniciando na Catedral e Praça Alencastro. Retroagindo aos idos tempos da Regência – 1830, o bisavô Antônio Corrêa da Costa que estudou em Coimbra, dirigiu a Província; em dias mais atuais o sobrinho José Fragelli, Deputado Federal e governador 1971/6, a presente Ministra da Agricultura Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, é neta. Tecido as exordiais apresentações, temos a registrar seu nascimento em agosto 29 de 1903, cuiabano de tchapa e cruz, filho do já citado Pedro Celestino e Sra. Corina Novis Corrêa da Costa. Válido afastar confusões e discernir, era primo de Mário Corrêa da Costa, “1º Homem da Energia”. Necessário registrar haver realizado os estudos fundamentais no celebrado Liceu Cuiabano, sendo credenciado a galgar medicina na respeitável Faculdade Federal da Praia Vermelha – RJ, finda o curso em 1926 aos 23 anos, volta a Cuiabá, ano seguinte muda para o sul e inicia carreira ! Havia feito estágio de ci-

rurgia em Buenos Aires, credenciado inicia os trabalhos em Campo Grande, na Santa Casa de Misericórdia, ainda na direção de um Ford Bigode atendia toda aquela população. Casou-se com a Sra. Maria Elisa Bocayúva Corrêa da Costa, esta neta de Quintino Bocayúva, o 1º Ministro das Relações Exteriores 1889/91, sendo seus filhos: Fernando Augusto e Teresa Luíza. Definitivamente ser um Corrêa da Costa contribuía para impulsionar uma carreira política, contudo, além disso, possuía também habilidades pessoais, que o tornaram um político vencedor. A primeira delas, era o fato de ser reconhecido com um bom médico, vários relatos informam sua competência em certeiros diagnósticos. Segunda e marcante capacidade provinha da memória de fisionomista previlegiado, pois registrava fácil o nome dos pacientes, não havendo lugar onde não encontrasse um conhecido, quase sempre um grato cliente. Conforme historiadores, nunca tirava férias, sempre à disposição com seu Ford para atender as pessoas onde estivessem, ricos e pobres; em 1950 já tinha realizado mais de quatro mil operações. Fernando era um símbolo de altruísmo, sobretudo, atendia e fazia as cirurgias gratuitamente, gerando sempre uma agradecida clientela. Bom exemplo dessa sua peculiariedade, um cidadão confessa: “Sou getulista mas não sou ingrato! ... graças a Deus e a ele, estou bom. Como negar o meu voto a esse homem ?

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HISTÓRIA

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Ele vai ter o voto de todos os meus e dos meus amigos …” Fernando Corrêa não ficava no pedestal de ilustre mato-grossense, de conceituado médico formado no Rio de Janeiro, lembrava dos clientes fazendo-os perceber serem pessoas importantes. Ademais, nesse tempo nem a educação ou saúde eram gratuitas e abrangentes, o cidadão comum infelizmente dependia em grande parte da boa vontade dos caciques políticos, uma vez que não estavam sujeitos ao direito à saúde ou educação. Resultado, a postura do médico gerou lealdades. Havia outra notável faceta, era carismático, obtinha facilmente e de modo natural que as pessoas lhe atendessem a vontade sem relutância, como veremos até mesmo contra os próprios desígnios. Diferentemente de Mário que rompeu com o tio Celestino, dividiu sua família e resumiu-se, enquanto Fernando é transformado no legítimo herdeiro do legado de seu pai um respeitado líder, sendo considerado “o guia dos mato-grossenses”, este impulsiona em definitivo a carreira do filho. O ingresso na vida política decorreu em consequência de sua boa fama como profissional, em 1946 com o restabelecimento da democracia, a convite dos advogados Wilson Martins e José Fragelli, ingressou na UDN e logo obtendo consagradora vitória para prefeito de Campo Grande em 1947, entra em exercício do cargo em 1º de dezembro desse ano, ficando até 30 de Janeiro de 1951. Nesses idos lecionou na Faculdade Mato-Grossense de Odontologia e Farmácia daquela cidade, escolas embrionárias que mais tarde darão origem à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Enquanto a gestão de Fernando, deu “energia ao desenvolvimento” da Cidade Morena, Pedro Celestino a seu turno firmou posição contra a Primeira República, carreando votos para Aliança Liberal, fato lembrado por Vargas quando demonstrou apreço por seu filho na campanha de 1950. Sem enfrentar muita dificuldade em 03 de outubro de 1950 elege-se governador

do Estado, sua administração promoveu seguimento à política de colonização iniciada por seu antecessor criando núcleos rurais, instalou a Secretaria de Educação, Cultura e Saúde ainda a Faculdade de Direito de Mato Grosso. Determinou a criação do Banco do Estado de Mato Grosso em julho de 1951, mais tarde efetivada, em outubro de 1953 instituiu o Tribunal de Contas. O contrato de exploração das jazidas de manganês e ferro de Urucum - Corumbá, celebrado em dezembro de 1953 na Capital, foi revisto e assumiu a Sociedade Brasileira de Mineração, previa a extração mínima anual de 50 mil toneladas. Incrementou abertura de novas estradas, eregiu as sedes dos colégios estaduais de Campo Grande e Corumbá, ainda mais escolas em diversos municípios. Estabeleceu a assistência dentária escolar, criou postos de saúde em vários locais, ambulatórios de saúde mental nas Cidades Morena e Branca. Instalou uma fábrica de pasteurização de leite e seus derivados, ainda a usina hidrelétrica Casca II, esta possuíndo a quádrupla capacidade da anterior, indo prover definitivamente Cuiabá, inaugurada em dezembro de 1954, além d’outras realizações. Havendo governado o Estado até 31 de Janeiro de 1956, sucedeu-o João Ponce de Arruda e mostrando aprovação, elege-se desta feita senador por Mato Grosso sempre sob a sigla da UDN. Inicia o mandato em fevereiro de 59, depois em outubro de 1960, foi de novo eleito governador, empossado na cadeira em janeiro de 1961, desta feita é vice-governador o nobre José Garcia Neto. Novo surto de progresso invade o Estado neste segundo mandato, tal como a criação da Associação de Crédito e Assistência Rural de Mato Grosso - ACARMAT, a Companhia Agrícola de Mato Grosso - CAMAT e a Companhia de Armazéns e Silos CASEMAT, a efetivação do Banco do Estado – BEMAT, e a construção da usina central açucareira de Jaciara. No setor cultural, criou a Fundação do Ensino Primário -


cretário da mesa diretora dessa Casa. Foi observador do Senado no Congresso Parlamentar Latino-Americano em 1971, participou das comissões de Valorização da Amazônia, de Relações Exteriores e do Distrito Federal, suplente na de Agricultura e presidiu a Comissão de Saúde do Senado, onde permaneceu até janeiro de 1975. Quando por fim afastou-se das atividades políticas, vindo a dedicar-se às atividades agropecuárias. Merece fazer registro das obras que veio a publicar, denotando a silenciosa verve do escritor nos deixando um legado da sua intelectualidade : “O Ensino no Estado de Mato Grosso” - 1963, “Getúlio Vargas no Ministério da Agricultura” 1941, “A Vida Administrativa de São Paulo” - 1944. Por todos seus méritos a Marinha do Brasil, houve por bem conceder-lhe … a Medalha Tamandaré. Hoje seu nome tem solene marca na artéria que interliga a parte central da cidade ao distrito do Coxipó, só uns poucos saberão quem foi tal personagem e feitos na história do Estado Colosso. Curiosamente na Capital Sulista, pai e filho se encontram ad eternum na esquina que os imortaliza. Existiram no tempo que os homens entravam na política num desafio altruísta de poder para servir e não servir-se dele visando a locupletar seus interesses nada republicanos, espúrios e à subtração. O Dr. Fernando Corrêa da Costa, apesar de ser um homem de boas posses, viu-se obrigado a vender fazendas, até mesmo a chácara em Campo Grande, finalizando seus dias limitado, mas com honra. Possui um curriculum invejável, prefeito da Cidade Morena, 2 vezes Senador e 2 vezes Governador, marcando com glória o nome na história do Estado indiviso, cabendo aos pósteros aprender a lição. Cerrou por definitivo os olhos em dezembro 10 de 1987, na Capital do Sul onde descansa esse talentoso e amigo médico que a tantos serviu nas frias madrugadas, independente de pratas.

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FUNDEPRIM, na fusão do Centro do Magistério Primário com o Centro de Pesquisas e Pedagogia; ainda gerou o Instituto de Previdência de Mato Grosso - IPEMAT. A energia elétrica uma atenção constante, durante sua gestão foram iniciadas as obras da usina de Urubupungá em Três Lagoas, através consórcio entre vários Estados da bacia do rio Paraná, surgindo uma empresa de economia mista Centrais Elétricas do Urubupungá S/A – CELUSA. Aqui pontuando seu forte carisma ao fazer as pessoas aceitarem até mesmo contra suas vontades, ao indicar independente de consultar Demosthenes Martins, de início para Secretário de Estado sem informar, pois sendo do Sul haveria o percalço da mudança, depois para alto cargo na CELUSA. Na questão pessoal a liderança se destaca ao encetar parcerias políticas com outros governadores. Por sua iniciativa reuniu os estados com abrangência na bacia do rio Paraná para tratar problemas comuns, formaram a Comissão Interestadual da Bacia do Paraná; Mato Grosso queria construção da ponte sobre o referido rio e ferrovia para Cuiabá, logrando pelo menos a primeira concretizada. Juntamente com o governador do Paraná Nei Braga no dia 30 de março 1964, seguem o movimento político-militar que em 31 desse mês, depõe João Goulart e assume uma junta militar. Logo o Congresso Nacional no dia 11 de abril, elege Presidente o Gal. Humberto Castelo Branco. Corrêa da Costa foi mantido no governo pelo novo poder instituído e com a posterior instauração do bipartidarismo, filiou-se à Aliança Renovadora Nacional - Arena, esta de orientação governista. Com o término de seu mandato que propiciou avanços nas ações do Estado, em 31 janeiro de 1966 entrega o governo ao grande Pedro Pedrossian, o qual foi eleito do ano anterior em 03 de outubro. Torna a candidatar-se ao Senado Federal em uma sublegendas da Arena, mandato iniciado em fevereiro de 1967, vindo em 1970 a ser eleito primeiro-se-

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Faz Escuro, Mas Eu Canto

Ou a trajetória de um homem coerente

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POR CARLOS GOMES DE CARVALHO

im, mesmo sob um céu que escurecia a cada dia que mais parecia noite, um punhado de homens e mulheres alimentavam o sentimento e a ideia de resistir, de erguer um Não. Um não majestoso contra a escuridão. Eram dias sombrios e entre aqueles que ergueram a voz como expressão da dignidade estava um intelectual,

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poeta amazonense residente no Rio e já relativamente conhecido. Com seus poemas de expressões fortes, cadentes, vivas, ergueu-se, ao lado de Ferreira Gullar [1930 – 2016], de Moacyr Félix [1926 – 2005], de Eduardo Alves da Costa [1936], entre alguns que agora cito, en pasant, recorrendo a uma memória que, fugaz, recua aos primórdios dos anos

sessenta quando o imberbe secundarista começava o seu encantamento com a poesia. Existiam outros, sim, claro que existiam como a história nos anos posteriores nos mostraria, mas é desses que agora recordo, como contemporâneos de Thiago e componentes da resistência que encontrava na poesia também um instrumento de combate.


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CARLOS GOMES DE CARVALHO Publicou, entre outros os livros de poesias A Arquitetura do Homem, Hematopoemas, Pássaros Sonhadores.

A voz do amazonense expressava uma poética telúrica em poemas que conduzia o sangue ancestral, que estava na mais pura e legitima tradição da pátria. Seus poemas transportavam a angústia, mas traziam também uma esperança nova e reluzente. “Faz escuro, mas eu canto / porque a manhã vai chegar. / Vem ver comigo, companheiro, / a cor do mundo mudar.” E muitos e tantos fizeram desses versos o hino mais intenso a empolgar mentes e corações. Então Thiago de Mello passou a ser um poeta mais querido entre tantos. Muito embora até àqueles anos não estivesse, por assim dizer, na primeira linha da poética nacional, seus versos incandescentes passaram a ser copiados em cadernos de tarefas escolares, alguns deles amanheciam nos muros e os quadros negros escolares apareciam com palavras deles retiradas, nos pátios das escolas eram recitados em pequenos grupos e nos bares da boemia estudantil ditos em meia voz, quando havia desconhecidos nas mesas próximas: “Deixa eu dizer teu nome, Liberdade / irmã do povo, noiva dos rebeldes

/ companheira dos homens, Liberdade. / teu nome em minha pátria é uma palavra / que amanhece de luto nas paredes. / Deixa eu cantar teu nome, Liberdade, / que estou cantando em nome do meu povo”. Thiago havia sido adido cultural em alguns países vizinhos, Peru, Bolívia e Chile. Morava em Santiago quando, numa tarde, o senador Salvador Allende lhe dá notícia de que militares haviam deposto o presidente Goulart. [Nove anos depois seria a vez de Allende sofrer o terrível golpe]. Então retorna ao Brasil. Em 17 de novembro de 1965 na Praia do Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro, um grupo de artistas e intelectuais se encontra em frente ao então Hotel Glória. Ali iriam se reunir os chanceleres de todos os países da América para o encontro da Organização dos Estados Americanos – OEA. Cobriam o acontecimento repórteres e fotógrafos dos principais jornais e revistas do Continente. A abertura solene seria feita pelo presidente da República, general Castello Branco. Quando ele desce do carro, aquele pequeno grupo começa a

gritar “Abaixo a Ditadura” e erguem cartazes com “Viva a liberdade”, “Bienvenidos a nuestra dictadura”, “OEA queremos Liberdade”. Eram somente nove os manifestantes: os escritores e jornalistas Antônio Callado, Márcio Moreira Alves e Carlos Heitor Cony; os cineastas Glauber Rocha, Márcio Carneiro e Joaquim Pedro de Andrade; o diretor de teatro Flávio Rangel, o embaixador Jayme de Azevedo Rodrigues, que acabava de ser afastado do Itamaraty e o poeta Thiago de Mello. Não tardou, e a segurança presidencial partiu para cima deles. No tumulto que se seguiu, Thiago conseguiu escapar e os demais foram presos. Recolhidos na carceragem do Batalhão da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, viram o objetivo do protesto ser alcançado quando a imprensa, ainda livre da censura mais pesada, começou a noticiar a repercussão internacional do acontecimento. Intelectuais de renome, o filosofo Jean Paul Sartre, os romancistas Simone de Beauvoir e Alberto Moravia e os cineastas Luís Buñuel, Píer Paolo Pasolini e Jean-

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-Luc Godard de imediato se manifestaram. Nas semanas seguintes outros nomes de relevo a esses se juntariam. Nesse entretempo ocorre um fato, no mínimo curioso e cômico. Mello, que estava escondido, espontaneamente se entrega. No Inquérito Policial-Militar, instaurado para ouvir os perigosos “subversivos” presos, ao lhe ser perguntado porque voluntariamente se entregara, Thiago responde que “sentiu uma ternura humana muito grande” pelos amigos presos. Andrada Serpa, o coronel que presidia o inquérito, considerou aquela expressão desapropriada “por ser muito poética” e de imediato determinou ao escrivão que a retirasse e em seu lugar colocasse “relações fraternais”, mais adequada, considerou o militar. O protesto, que ficou conhecido como os “Oito do Glória”, foi uma das primeiras manifestações públicas contra o regime militar. O habeas corpus ainda valia e, solto um mês e meio depois, saíram da cadeia. Logo, logo, o poeta ficou sob o visor e não somente dos censores. No seu encalço estava a polícia política. A coisa só iria se agravar cada vez mais. Para todos e para a cultura em especial. O poeta sentiu a barrar pesar. Em sua ficha no SNI estava a anotação de que ele promovia “a desmoralização da Revolução

de 31 de Março”, e, além do mais, registrava que ele tinha “grande penetração no meio universitário” e possuía “vocação boêmia” [curiosamente a mesma acusação que foi feita a Vinicius de Moraes, como um dos motivos para afastá-lo da carreira diplomática]. Nesse tempo de incertezas quanto ao futuro, Thiago escreve aquele que é talvez o seu poema mais pungente e de luminosa inspiração e que tornar-se-ia o mais famoso: “Os Estatutos do Homem”, que tem como subtítulo “Ato Institucional Permanente”. Integrando o livro “Faz escuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar”, por ele o poeta ousadamente decreta: “Fica proibido o uso da palavra liberdade / a qual será suprimida dos dicionários / e do pântano enganoso das bocas. / A partir deste instante / a liberdade será algo vivo e transparente / como um fogo ou um rio / e a sua morada será sempre o coração do homem”. O livro, cujo título é retirado de um verso do poema “Madrugada camponesa”, foi publicado nesse mesmo ano de 1965 pela Civilização Brasileira, na época uma das mais importantes editoras do país, e teve uma versão musical, com o disco “Manhã de Liberdade”, em parceria com o sambista Mansueto Menezes e interpretação de Nara Leão. O cerco se fechava e em

1969 Thiago parte para o exilio. Sai clandestinamente do país. O Chile, terra de poetas, lhe era um país amado, onde tinha muitos amigos e encontraria velhos companheiros agora exilados. Reencontra-se com um querido amigo, do qual se torna hóspede por meses. Pablo Neruda [1904 – 1973], já então tido como um dos poetas mais importantes da América e que alguns anos depois receberia o Prêmio Nobel de Literatura [1971], o acolheu com grande regozijo. Durante os vários meses em que conviveram ambos traduziram as respectivas poesias. Veio o general Pinochet e Thiago foge para a Argentina. O grande poeta chileno lhe dedicou um poema de despedida [Thiago y Santiago] em que constrói uma bela aliteração: -Thiago, A Santiago, como un vago mago, / has encantado en canto y poesía. / Sin San, has hecho de Santiago, Thiago,/ un volantin de tu pajarería. [...]. Te irás, hermano, com la que elegistes./ Tendrás razón, pero estaremos tristes, / que hará Santiago sin Thiago de Chile. – Depois Thiago, quase sempre com a ajuda do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR, irá perambular por diversos países - Argentina, [onde escapou do terceiro golpe de Estado], Alemanha, França e Portugal. Em 1975, em pleno


a ecologia, a defesa dos indígenas, a luta pela proteção das florestas e dos rios. “Amazonas: Pátria da água” retrata a história do povo ribeirinho, dos índios, a devastação da floresta, a invasão e a ganancia do grande capital por toda a extensão do rio Amazonas. Os cantos, as estórias, as angústias e os sofrimentos dessa gente, mas também aponta o horizonte da esperança. Thiago cantou a floresta, o rio, celebrou os índios, o amor e a Liberdade. Dizer que Thiago é um ícone regional, como agora andei lendo, não é lhe fazer justiça. Thiago de Mello nos deixa um exemplo de sua militância como intelectual, como um homem enfrentando os desafios e as responsabilidades de seu tempo. Para ele, o compromisso da arte não é apenas com o estético, mas com a ética, com o social, com os valores humanos. Em entrevista de 2009 declarava: “O compromisso essencial da arte é com a beleza, estamos de acordo. Mas acho que a poesia, além da finalidade estética, deve ter uma utilidade ética. Estou dizendo que a Poesia deve servir à Vida, da qual ela nasce”. Em um evento realizado na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, em comemoração aos seus 90 anos, o poeta declarava: “Como quem reparte pão, como quem reparte estrelas, como quem reparte flores, eu reparto

meu canto de amor. Com uma estrofe apenas, eu me despeço - para permanecer com vocês. Me despeço para permanecer”. Sim, poetas como Thiago de Mello partem, mas permanecem, seja me permitido esse aparente paradoxo. Quando o país vive uma situação quase surreal em que a ciência é atacada e sofre uma diuturna campanha de escarnio e desprezo, quando o pensamento racional é agredido, quando a cultura é chutada diariamente e está sujeita a solertes garras para desmoralizá-la e se multiplicam as tentativas de derruir conquistas históricas sobre os próprios escombros, em que existe real orquestração para a destruição de leis ambientais já consolidadas, em que parece existir plano articulado para o ataque sem tréguas às florestas e aos rios, aos bens ambientais e aos ecossistemas e a certeza que, sem dúvida, tudo isso trará como corolário consequente o colocar na berlinda os direitos humanos fundamentais, ora, diante desse quadro quase irreal mas cruel é impositivo lembrar Thiago de Mello com uma canção imorredoura, pois nos resta, ainda uma vez mais, celebrar “Os Estatutos do Homem”, começando assim: Artigo 1. Fica decretado que agora vale a verdade/ Agora vale a vida/ E de mãos dadas/ Marcharemos todos pela vida verdadeira”.

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regime militar, a Associação Paulista dos Críticos de Arte concedeu-lhe um prêmio por “Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida”, que contribuiu para torná-lo internacionalmente conhecido como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos. Em 1977 retorna ao Brasil e é preso. Responde a longos interrogatórios e é liberado. O DOI – CODI registra em sua ficha que se tratava de um “delinquente confesso”. Nesse entretempo, Thiago já se tornara poeta consagrado e suas muitas obras estavam traduzidas em mais de trinta idiomas. Em 2006, em homenagem aos seus 80 anos, foi lançado o cd “A Criação do Mundo”, contendo os poemas que produziu durante os 56 anos dedicados à poesia e que foram por ele declamados. “Notícias da visitação que fiz no verão de 1953 ao Rio Amazonas e seus barrancos”, publicado em 2020, é o seu último livro. O primeiro, “Silêncio e Palavra” é de 1951. Um tanto marcado pela desilusão com os rumos políticos do país, volta a viver na Amazonia, recolhendo-se à sua Barreirinha natal [30/03/1926] e posteriormente a Manaus, onde acaba de falecer aos 95 anos, neste 14 de janeiro. Nesse período, o poeta que colocara a sua voz a serviço de outras grandes causas, abraça decisivamente

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uitos trabalhos artísticos se tornam imprescindíveis para narrar sua essência, e tornar visíveis diferentes realidades por meio da arte da fotografia documental e do audiovisual é uma dádiva. Esse é o caminho percorrido pelo multiartista mato-grossense Henrique Santian, que desde o ano de 2017 vem produzindo e realizando diversas homenagens à parteira, raizeira e benzedeira centenária, Francisca Correa da Costa de 108 anos. Em 2021 Santian foi selecionado no edital da lei Aldir Blanc, recebendo o prêmio de primeiro lugar com o projeto “A Fé de Francisca”, promovendo uma das maiores homenagens já realizadas até hoje. Com o mérito foi possível realizar o projeto transmídia, reunindo fotografia, cinema, instalação, performance, música, dança e intervenção urbana, que empregou mais de 59 pessoas direta e indiretamente no projeto, dentre eles familiares de Francisca, artistas amigos para homenagem em vida aos 108 anos de Francisca. Uma das grandes conquistas, foi o prêmio de 20 mil reais entregue a Francisca, e o reconhecimento como Mestra da Cultura 2021, realizado pela Secel-MT, da Lei Aldir Blanc.


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PRIMEIRO O AFETO, DEPOIS O REGISTRO Fruto de uma relação singular e intuitiva, reunida de afeto e trabalho, Santian vem documentando artisticamente há 7 anos a vida de Francisca, em registros fotográficos, vídeos e áudios. Durante este tempo, grande parte se fez por respeito, no afeto dessa amizade o tempo trouxe o merecimento de iniciar este trabalho. Foi depois de algum tempo que Francisca disse que sim, que preto velho autorizou esse trabalho, iniciando toda essa convergência de leveza, amor, fé, cultura e sincretismos que se misturam de forma livre e espontânea abrindo caminhos para um trabalho potente que homenageia Francisca em vida. A amizade entre Santian e vó Francisca já era longa, quando surgiu a proposta de documentá-la no próprio cotidiano. E não partiu dele a ideia, ele não queria

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ser invasivo… Surgiu das conversas sobre perdas inevitáveis, à medida que os anos iam passando. “Com o passar de muito tempo, suponho que uns cinco anos de amizade [...], tudo surgiu quando a Francisca começou a perder muita amiga [...] e teve uma época que ela só falava de morte”, contou Henrique. Seguiu explicando que ela começou a dizer às amigas como queria seu velório e ela mesma sugeriu: “Henrique está aqui. Henrique pode fazer a filmagem pra ficar registrado disso que eu estou falando pra ninguém fazer errado”. Vó Francisca, à época, “exigiu” que o próprio velório fosse em casa, muito singelo, bem distante das pompas de uma figura pública chapadense. Tempos depois, a “autorização” veio. “Tinham os dias que eu ia lá pra cuidar da Chica. Ficar com ela, passar o dia


lá. Francisca sempre ficava nesse transe de incorporação, de comunicação com a ‘turma toda’. Aí ela estava falando com o Preto Velho [...] e começou a falar umas coisas que eu não estava entendendo direito: ‘está bom, então esse trabalho está feito, muito obrigada por essa autorização, Henrique vai fazer esse registro’. Aí eu falei: ‘Chica com quem você estava falando?’. Ela falou: ‘Preto Véio, meu filho, Preto Véio. Pai Joaquim abençoou você pra fazer esse trabalho’”. E Henrique ia visitá-la, levava os equipamentos e registrava quando sentia que era o momento. Inicialmente, apenas fotografias. Depois, pequenas cenas do cotidiano. “Eu falei: ‘Francisca, estou com meu equipamento no carro, se você autorizar, eu posso fazer uns registros seus’. E foi assim que nasceu, a partir dessa amizade, desse

afeto, desse carinho, que a gente tinha um pelo outro. [...] Eu ficava na casa dela conversando por horas e começava a fotografá-la na natureza dela. Ficava ali, como se eu não existisse. [...] Sempre fui fotógrafo documentarista. Então, meu papel é traduzir a realidade da pessoa sem nenhuma interferência de direção. [...] Como Francisca falava muitas coisas interessantes que na fotografia não tem como traduzir de forma literal, eu comecei a fazer uns takes curtos. E ela falava, o tempo todo, pérolas e pérolas”. Esses registros, essa amizade, essa admiração e tanto aprendizado geraram uma exposição fotográfica em 2018; um curta documentário (11 minutos), disponibilizado virtualmente em março de 2020, no comecinho da pandemia; tal projeto transmídia em 2021/2022; gerará um longa metragem e muitas memórias.

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o produtor do disco, Paulo Monarco. Dá também para ser “benzido” por vó Francisca em duas faixas musicais. A galeria fotográfica digital tem curadoria de Oswaldo de Carvalho Junior, que selecionou mais de 30 fotografias, parte de acervo e parte inéditas. Após a exibição no pré-lançamento presencial no Espaço Aldeia Velha, entre os dias 20 e 23 de janeiro, o documentário-videoarte seguirá resguardado, para participar de mostras e festivais. Em breve, será transformado em longa-metragem (de 1h a 1h15), para ser exibido em uma TV aberta, com a qual o diretor audiovisual Henrique Santian está negociando. O idealizador ainda fará um lançamento oficial e está aguardando o momento adequado para ter um número maior de pessoas. “Vai ser divulgado ainda. Todo mundo vai ficar sabendo, porque vai ser um grande evento”, contou Santian. Henrique está em paz. Sabe que a amiga centenária cumpriu a missão dela e, aos olhos dele, ela esperava esse trabalho documental nascer para se despedir. Tudo sobre o projeto transmídia “A Fé de Francisca” pode ser acessado em www.santian.com.br ou nas redes sociais pelo perfil @afedefrancisca.

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MESTRA DA CULTURA Vó Francisca partiu pouco menos de um mês após ter sido homenageada “mestra da cultura mato-grossense”. Título inconteste oficializado mediante aprovação do projeto transmídia “A Fé de Francisca”, proposto pelo fotógrafo documentarista e diretor audiovisual Henrique Santian, no edital “Conexão Mestre da Cultura”, realizado pela Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel/MT), com recursos da Lei Aldir Blanc. Em quatro dias festivos, no Espaço Aldeia Velha - espaço cultural em Chapada dos Guimarães, foram pré-lançados o álbum musical autoral, com 14 faixas gravadas por artistas mato-grossenses ou outros com alguma relação com a homenageada; um documentário de média-metragem (47 minutos); uma exposição fotográfica virtual - com os registros de Henrique Santian; e uma intervenção urbana, por meio de colagem de cartazes divulgando o pré-lançamento e de lambe-lambes. Os dois cartazes foram montados por André Gorayeb, com arte de Mavi e Paty Wolff, a partir de fotografias de Santian. O álbum musical foi formado por nomes como Vera Capilé, Deize Águena, Rogê Além, Estela Ceregatti, Luciana Bonfim e

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lumeMatoGrosso A VÓ FRANCISCA Francisca Correia da Costa, 108 anos, a Vó Francisca, nasceu na região de Lixeira, Lagoinha de Baixo, zona rural de Chapada dos Guimarães. Descobriu ainda menina seus dons espirituais aos seus 11 anos de idade. Filha de mãe benzedeira, começou seus trabalhos em casa, sem que Dona Maria soubesse, levando crianças que acompanhavam os pais nas visitas para o quarto e benzendo-as de quebranto, arca caída, espinhela.... Obedecia a algo que lhe vinha intuitivamente. Parteira, ajudou mães a trazerem seus filhos ao mundo até alcançar os 80 anos, quando sentiu que as forças para essa empreitada já não eram suficientes. Os trabalhos de cura, contudo, continuaram. Desde que se mudou para o perímetro urbano de Chapada dos Guimarães, há algumas décadas, atendia durante a sema-

na, de manhã e à tarde. De uma religiosidade que transcende barreiras. Seus primeiros passos foram na umbanda, deu passe em centro espírita, e frequenta a igreja católica sempre que pode. Mesmo em idade avançada, já chegou a atender 50 pessoas em um único dia e sempre sem cobrar nada em troca. Vivia do auxílio da família, dos amigos e das contribuições que lhe fazem os mais caridosos dentre os que atende. O cansaço físico e a tristeza da perda de pessoas próximas, algo previsível para alguém que atinge idade tão avançada, fizeram com que diversas vezes Francisca tentasse desistir. Mas ela dizia que era incapaz de parar. “Eles não deixam”. Os espíritos, guias de luz, continuam guiando-a em suas preces, as mãos enrugadas juntas em oração constante. E lá se foram 108 anos.... Obrigado, Vó!

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“Um Domingo Cuiabano” POR TEOCLES MACIEL

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banda em acordes inflamados e melodiosos sacudia o tempo cuiabano agitando o ambiente e enfeitando o antigo e sedutor jardim. Os sons e cores faziam agradar a todos pela gostosa musicalidade impregnando os ares de intensa emoção. A garo-tada a seguir a banda marchava também no compasso da ale-gria extrovertida e feliz e no descompasso inquietante da flo-rescência da vida. Na verdade era só algazarra, gritos e asso-vios intermitentes e em profusão num corre, corre, brincadeira de pegador e cantigas de roda entremeado sempre pelos sons vindo do vetusto Coreto. Tudo fazia parte de uma grande or-questração vibrante de sinfonia e a compor um dos mais lindos hinos de tributo à vida em sonetos de simplicidade e amor. O jardim como um leque aconchegante fazia os nossos domingos por demais saudáveis. Vivíamos, em torno de sonhos que aca-lentávamos, no desassombro da vitalidade juvenil. Naquele jar-dim entre olhares marotos e juras de amor cheio de emoção e encanto sentíamos de pertinho a felicidade. Tratava-se de um mavioso e sublime ponto de encontro que hoje faz as nossas lá-grimas chorarem pelas saudosas lembranças advindas da janela do tempo. Naquela ambiência festiva ao longe ouvíamos vindo da velha Catedral, a voz mansa e terna da professora Oló, a in-fundir com perseverança na consciência da mocidade as fortes razões pelo culto ao sagrado Bom Jesus num catecismo que transformava-se, acima de tudo, em uma lição prática de bon-dade e desprendimento. Neste instante ouvíamos também o bimbalhar dos sinos do carrilhão da torre da Matriz que mar-cava pelo forte ressoar a acendrada religiosidade do povo cuia-bano que assiduamente assistia atento o longo sermão do Padre Osvaldo Venturuso. Sermão este que sempre retardava àqueles que buscavam desfrutar dos prazeres e alegria do sedutor jar-dim e que insofregos contavam os minutos para o término da demorada liturgias. Hoje lembramos com tanta saudade, sau-dade doída de tudo que vem à memória e, em especial pelas cantigas de roda “se esta rua fosse minha eu mandava ladri-lhar”, “passa meu bom barqueiro dá licença para eu passar...” E nestas cantigas que hoje tanto cortam o coração, reservamos no relicário dos sentimentos, vivas e doces lembranças de Preta que ontem brincava de roda animando a garotada e agora brinca e acalenta os sonhos de todos os anjos do céu. Vivíamos a Cuiabá gostosa de viver. Na verdade era um tempo bonito, um mundo encantado onde os costumes, as crenças, as artes e a cul-tura, acompanhada pelo peculiar falar cuiabano salpicava de grandeza e graça o jeito lindo do povo. Tratava-se dos tempos dourados, marcados pelas inteligências que pululavam a flux por entre os casarios, ruas e becos, e que hoje fazem parte do repositório das nossas lembranças. A banda despedia-se indi-cando o avançado da hora e o fim daqueles momentos de inde-lével e singular alegria.

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VISÃO PANORÂMICA DO PAVILHÃO DE STANDS DA LITERAMÉRICA 2006

ABERTURA DA LITERÁMERICA 2006, NO PALÁCIO ITAMARATY, EM BRASÍLIA

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Literamérica A DA REDAÇÃO

literatura sempre esteve presente nas atividades da produtora cultural Cristina Ferreira, coordenadora da Literamérica – Feira Sul Americana do Livro, a maior e mais importante feira de livros da história cultural de Mato Grosso, ocorrida entre os anos de 2005 e 2006, em Cuiabá.

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FOTO DIVULGAÇÃO


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C U LT U R A

LANÇAMENTO DO CARTÃO TELEFÔNICO LITERAMÉRICA, OCORRIDO NO PALÁCIO PAIAGUÁS, EM 2006

Com o advento da Lei Aldir Blanc, em 2020, Cristina viu a oportunidade de produzir um vídeo-documentário sobre esse relevante tema. Elaborou um projeto, encaminhou à Secretaria de Cultura e foi aprovado. Com base em rico acervo e arquivo sobre esse evento cercou-se de profissionais competentes e produziu um documentário de 20 minutos sobre a Feira. O objetivo desse documentário é permitir que novas gerações tenham conhecimento deste feito fantástico, ocorrido em Mato Grosso há mais de 15 anos. A primeira edição da Literamérica deu-se entre os dias 20 e 25 de setembro de 2005, tendo ido muito além dos limites geográficos de Cuiabá, penetrando em todo o Centro-Oeste, com repercussão dentro e fora do Brasil. A segunda edição foi um ano depois. Como foi amplamente divulgada, a Literamérica, nas edições de 2005 e 2006, foi promoção do Governo do Estado de

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Mato Grosso, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e com o apoio da Associação dos Amigos do Livro Mato-Grossense. A sua principal meta era fomentar a leitura, tornando o acesso ao livro mais democrático, além de buscar apoiar a criação e a produção literária. Com essa Feira, não resta dúvida, foi implantado um marco histórico no setor cultural do Estado, justamente por inserir Mato Grosso num circuito que, hoje, infelizmente, está restrito aos grandes centros brasileiros. Com a Literamérica, o Estado, que produz artes e literatura em grande quantidade, teve a chance de assumir, definitivamente, a condição de propulsor de uma cultura extremamente rica, que cada vez mais ganha espaço e se projeta de uma maneira muito particular no cenário brasileiro. Foi uma ocasião ímpar para a troca de experiências e busca de mecanismos que estimularam a produção literária de todos os países participantes.


SAGUÃO DE ENTRADA DA LITERAMÉRICA-2005, DESTACANDO HOMENAGEADOS.

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Por reunir, durante seis dias, no Centro de Eventos do Pantanal, em Cuiabá, embaixadores de nove países sul-americanos, os adidos culturais de Portugal e Espanha, o embaixador da Itália, escritores dos treze países da América do Sul e ainda de Portugal, e mais editores, livreiros e produtores culturais brasileiros e de todo o continente sul-americano, a Literamérica simplesmente transformou Cuiabá numa referência cultural e política do Brasil e do livro na América do Sul. Por ocasião do lançamento da Literamérica 2006, que aconteceu no Itamaraty, a Assessora de Relações Internacionais do então Ministério da Cultura, Nazaré Pedrosa, disse o seguinte: “Mato Grosso, pelo viés da Cultura, conseguiu fazer aquilo que o Governo Federal vem tentando há muito tempo, a integração sul-americana.”

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C U LT U R A

Aluízio Leite participa de audiência pública sobre construção do Plano Municipal de Cultura O Plano Municipal de Cultura é parte integrante do Sistema Nacional de Cultura TEXTO EMILY MAGALHÃES

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FOTO DAVI VALLE

secretário municipal de Cultura, Esporte e Lazer, Aluízio Leite, participou na tarde desta sexta-feira (25), da audiência pública para as tratativas da construção do Plano Municipal de Cultura, reforçando o compromisso da gestão Emanuel Pinheiro com a valorização de políticas públicas voltadas à cultura cuiabana. A reunião, realizada no plenário da Câmara Municipal de Cuiabá, foi reivindicada pelos vereadores Mário Nadaf, Robinson Cireia e Edna Sampaio.


ra. Por exigência de vários segmentos que caminharam sem esse planejamento, por determinação, vontade e compromisso do prefeito Emanuel e do secretário Aluízio, o plano será construído com a participação direta da população. Nosso papel enquanto vereadores é proporcionar esse debate, por isso tomei a iniciativa de propor essa audi-ência juntamente com o Robinson e Edna”, pontuou Mário Nadaf. “Ainda com todas as adversidades, tivemos recentemente a aprovação pelo Senado a Lei Aldir Blanc II que vai injetar R$ 3 bilhões aos estados e municípios, para que possa desenvolver suas políticas de arte e cultura. Cuiabá é uma cidade extremamente rica e que guarda as suas tradições, como Siriri e Cururu, além de outras artes emergentes que precisam ser incluídas. Então, a arte é algo extremamente importante e é o que nos define como pessoas. Muito importante e histórico esse momento, fico muito feliz com a disposição do secretário Aluízio e do Poder Executivo para atender o nosso chamamento para construirmos um projeto de política pública no campo da cultura, essa demanda tão necessária e urgente”, acrescentou Edna Sampaio.

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O Plano Municipal de Cultura é parte integrante do Sistema Nacional de Cultura (SNC), um ins-trumento de gestão compartilhada de políticas públicas de cultura entre os entes federados e a sociedade civil, que tem como principal objetivo fortalecer as políticas culturais da União, Esta-dos, Distrito Federal e municípios. O Plano deve ser construído democraticamente, com partici-pação da sociedade civil por meio de audiências públicas, fóruns, conferências e outros instru-mentos onde artistas, entidades socioculturais e os profissionais da cultura possam se expres-sar. O secretário Aluízio Leite reforça que o Plano Municipal de Cultura representa um momento de grande riqueza na construção dos pilares norteadores da gestão de políticas públicas de cultura em Cuiabá. “Já estamos dando os primeiros passos nesse sentido, construindo um termo de referência que está sendo submetido à Procuradoria Geral do Município para que possamos lançar o Chamamento Público com o objetivo de contratar a instituição que capitaneará o pro-cesso de ouvidoria, consultas, debates, seminários e conferências para legitimação da construção do nosso plano, com ampla participação da sociedade. A meta da atual gestão municipal é deixar um legado nesse momento em que Cuiabá completa 303 anos e o Plano Municipal de Cultura que esperamos construir com todos será o nosso grande presente para nossa cidade”, destacou o secretário. Requerentes da audiência pública, os vereadores Mario Nadaf e Edna Sampaio, também desta-cam a importância da construção do Plano Municipal de Cultura para toda a classe cultural de Cuiabá. “Essa é uma audiência pública importantíssima, há mais de 300 anos nós temos a existência des-sa cidade e de forma inédita será construída coletivamente o plano que atenda a todos os interes-ses dos segmentos culturais. Importante, porque o objeto desse pleito é a criação desse instru-mento tão necessário para a nossa cultu-

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E RVA S M E D I C I N A I S

CELÓSIA, POPULARMENTE CONHECIDA COMO CRISTA DE GALO

Ervas Medicinais e a Ancestralidade POR EDUARDO VINÍCIUS ROCHA PIRES

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uem nunca tomou aquele chazinho de Boldo para ressaca ou problemas no fígado, ou então usou aquela tintura de Arnica para dores musculares? Já pensou em trocar aquele remédio para dor de cabeça por água de coco com folha de gengibre? Já tomou aquele chá de sucupira pra dor de garganta?


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EDUARDO VINÍCIUS ROCHA PIRES É geógrafo, professor, cozinheiro vegano, pesquisador em etnobotânica e entusiasta no resgate dos saberes populares, das plantas medicinais e alimentícias

Se você acha que essas atividades são recentes, da época de nossas avós e bisavós, está enganado. Na China, existem registros de cultivo de plantas medicinais que datam de 3.000 a.C.; os egípcios, assírios e hebreus também as cultivavam em 2.300 a.C. – e com elas produziam vermífugos, purgantes, cosméticos, diuréticos e produtos líquidos e gomas para embalsamar múmias. As precisas descrições das plantas e seus benefícios são encontradas nos livros dos templos egípcios: no Livro dos Mortos em forma de receitas para embalsamento de cadáveres e no Livro dos Vivos com descrições de propriedades e emprego de plantas para o tratamento de várias doenças. O uso de plantas medicinais é uma prática antiga da humanidade e, ainda hoje, para muitos grupos étnicos e comunidades simbolizam a única forma de tratamento e cura de doenças e esse conhecimento a respeito de plantas medicinais é o resultado da relação das comunidades humanas com o seu ecossistema e o seu ambiente cultural em função do tempo.

A disseminação desses conhecimentos é predominantemente de maneira informal por meio da medicina popular, que é fundamentada em um corpo de conhecimento transmitido pelas famílias e vizinhos de maneira prática, oral e gestual, não se comunicando tanto com a instituição médica. Esses conhecimentos tradicionais são, na maior parte das vezes, produzidos coletivamente, transmitidos e disseminados oralmente. Desse modo, a proteção dos direitos das comunidades sobre seus conhecimentos requer criatividade. Como as próprias comunidades reco-

nhecem, os saberes tradicionais não têm dono, têm herdeiros. Foi então que em meados de 2001, foi sancionada uma Medida Provisória 2.186-16/01 que reconhece os direitos das comunidades locais e indígenas de decidir sobre a utilização dos seus conhecimentos. Esse direito, ainda pouco reconhecido, é mais fácil de ser exercido e respeitado quando os conhecimentos ainda estão sob a guarda das comunidades e essas, por sua vez, conhecem seus direitos. Foi então que começaram a surgir, no Brasil e em outros países no

TANCHAGEM. REMÉDIO SAGRADO PARA O CICLO PRÉ MENSTRUAL. CONTRA CÓLICA.

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PA R A Q UA N D O C ÊE DFIOC RI N A I S E R V AVSOM mundo, conferências, reuniões, congressos juntamente com comunidades indígenas e diversas outras comunidades tradicionais para que todos entendessem sobre seus direitos e que os conhecimentos sobre a medicina popular não se perdesse. A Organização Mundial de Saúde refere-se às plantas medicinais como “espécies vegetais a partir das quais produtos de interesse terapêutico podem ser

BOLDO CHILENO

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obtidos e usados na espécie humana como medicamento”. Portanto, são plantas que produzem substâncias químicas farmacológicas ativas para o organismo humano e que administradas amenizam algum mal. Partindo dessa afirmativa da OMS, entendemos que o Brasil tem em mãos a oportunidade para o estabelecimento de um modelo de desenvolvimento próprio e autônomo, na área de saúde e uso de

plantas medicinais e fitoterápicos. Esse modelo deve primar pelos princípios de segurança, qualidade e eficácia na saúde pública e pelos compromissos internacionais assumidos no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica, reconhecida pela ONU e na qual o Brasil é signatário junto com outros 188 países, conciliando desenvolvimento sócio-econômico e conservação ambiental.


A partir da aprovação do Decreto, estabeleceu-se a validação e garantias de uso, eficácia e qualidade de produtos e remédios referendados pela tradição, a nossa famosa medicina ancestral. Estabeleceu-se também que o incentivo, apoio e fomento ao aprimoramento técnico e sanitário de seus agentes, processos e equipamentos, deverão propiciar a inserção dos detentores desses saberes e de seus produtos no Serviço Único de Saúde – SUS e nos demais mercados. Imaginem que maravilha: o nosso conhecimento tradicional da medicina ancestral, antes quase perdido devido à evolução da indústria farmacêutica, agora passa a ser resgatado e respeitado pela ciência e, por meio de uma Política Pública pode ser repassado para agentes de saúde do SUS. Poderá também ser criada uma Farmacopéia Brasileira, à luz de identificar e/ou propor o estudo de plantas medicinais para a elaboração de novos fitoterápicos e a consequente inclusão dos mesmos no SUS, valorizando a biodiversidade brasileira. Para nós, pesquisadores e “agentes do resgate” da medicina ancestral à partir de nosso ecossistema, é um ato de persistência continuar observando e absorvendo as culturas tradicionais para que nada disso se perca, pois ela nos en-

sina a nos comunicar com nosso próprio corpo. O saber e a cultura popular são a base para o uso sustentável do ecossistema e para a promoção da saúde, e precisam ser valorizados e disseminados, estabelecendo, ao mesmo tempo, um diálogo com o conhecimento científico, baseado no respeito mútuo. Fazer o resgate histórico- cultural, fomentar a valorização, o registro, a preservação e a disseminação do saber dos conhecedores tradicionais e da cultura popular, evitando o monopólio do conhecimento é, acima de tudo, um ato de amor pelas pessoas, pela natureza também, mas, sobretudo pelas pessoas. Raizeiros, Raizeiras, Pajés, Benzedeiras, Parteiras, Xamãs e todos que nos passam conhecimentos ancestrais diariamente sobre as plantas que curam, ensinam à diminuirmos o nosso olhar para as prateleiras e olharmos mais para nosso quintal. Nosso remédio pode estar na nossa calçada e podemos até plantá-los e, assim, nos integrar com a natureza e as nossas raízes.

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Foi à partir disso que em 2006 foi aprovada a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, publicada por meio do Decreto Nº 5.813, de 22 de junho de 2006, que objetiva ‘Garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional.

Os usos de plantas medicinais são resultantes de pesquisas populares realizadas por raizeiras e raizeiros e não são recomendados para a auto-medicação sem prévia consulta.

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GENTE

A Fábrica de Panelas

TEXTO JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA FOTOS JONNY GORDEZZA

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um dos pontos mais aprazíveis da grande Cuiabá, nas bordas do Morro Santo Antônio, fomos visitar o senhor Paulo César de Farias, um mineiro de fala baixa e mansa, de olhar cativante e sorridente que fabrica panelas de alumínio e churrasqueiras portáteis. Paulinho, como é conhecido na região da antiga Estrada da Fazenda Velha, que entremeia a Rodovia Palmiro Paes de Barros e a comunidade da Bocaina, em estrada de terra, mora numa chácara de sua propriedade, junto com sua esposa, dona Zélia, que faz iguarias com seu fogão a lenha e sua destreza culinária. Paulinho, nascido a 2 de março de 1969, em Patos de Minas, no seio de uma grande família de onze irmãos, muitos dos quais moram em Mato Grosso, veio para esse Estado, ainda jovem, no ano de 1986.


lumeMatoGrosso Desde cedo aprendeu a fabricar panelas de alumínio, e, quando perguntado o porque dessa profissão disse: “necessidade e meu primeiro serviço”. Paulinho conta que seu primeiro patrão foi o Sr. João, do qual não se recorda o sobrenome: “Ele fabricava panelas na Cohab Cristo Rei e nessa época eu tinha dezesseis anos”. Discorrendo sobre a viabilidade econômica e matéria prima o industrial artesanal disse que: “A matéria prima usada para a fabricação de panelas é o

alumínio mole, e para churrasqueiras é o alumínio duro. A matéria prima existe aos borbotões, resta ter o capital para que isso se traduza em realidade, fazer é fácil, temos o conhecimento para isso. Nos falta, quase sempre, é recurso para dar prosseguimento ao processo de produção e venda, tanto no atacado, quanto no varejo”. Entre uma leva de fabricação de panelas ou de churrasqueiras, Paulinho intercala suas atividades comerciais com outros negócios. Carismático e bom

vendedor, por vezes se dispõe a negociar roupas e mercadorias, as mais diversas possíveis: “É como se fosse um mascate mesmo. Nossa clientela principal são os moradores de sítios e fazendas no interior do Estado. Saímos por todo canto, do Pantanal até as bordas das serras de Rosário Oeste”. Esse negócio, o de venda de mercadorias, Paulinho desenvolve com seu irmão Carlinhos: “Funciona bem, as pessoas pagam direitinho. São poucos os dissabores”. – arremata Paulinho.

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P A RGAE NQTUEA N D O VOCE FOR

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na saída do alumínio, sabendo assim que a forma foi toda preenchida. Espera-se por alguns minutos e pronto. Está fundida a peça, que, posteriormente, passa por um processo de limpeza e acabamento. FALTA INVESTIMENTOS O fabricante de panelas, Paulo César de Farias, já perdeu a conta dos milhares de peças que conseguiu fabricar e vender por esse Brasil afora: “Já vendi panelas para vários Estados brasileiros, mas acredito que um grande mercado ainda é Mato Grosso e Rondônia”. A forma de fabricar ele tem, no entanto, reclama da falta de investimentos e oportunidades nesse ramo da artesania: “Meu conhecimento já está mais do que comprovado, mas as linhas de financiamento para esse tipo de negócio não estão ao nosso alcance. Difícil mesmo, poderíamos estar empregando pessoas e tendo um lucro maior”. Outra dificuldade encontrada por Paulinho é na mão-de-obra especializada para a fabricação de panelas e churrasqueiras: “pouca gente sabe trabalhar nisso aqui, já ensinei muita gente, mas a maioria não tem vontade de prosseguir ou de trabalhar”. Trata-se de um trabalho “pesado”, que exige dedicação, força física e expertise.

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A FÁBRICA É TOTALMENTE ARTESANAL A fundição caseira para se obter o resultado em forma de panelas e churrasqueiras, ou outro tipo de peça em alumínio, é um processo de fabricação de peças metálicas que consiste em encher com um metal liquido, a cavidade de um molde com o formato e medidas da peça a ser fabricada. A fundição é um dos processos mais antigos e versáteis do mundo, se comparados aos outros de fabricação de utensílios. A fundição tem sua principal vantagem obter de maneira econômica peças com geometrias complexas, é também um processo de fabricação inicial porque permite a obtenção de peças com formas praticamente definitivas. A fundição em terra suporta as altas temperaturas de fusão para produção de peças de alumínio. O alumínio é colocado para derreter dentro de recipiente a 800°C, o qual demora em média 40 min para ficar pronto. Enquanto isso as formas compactadas e moldadas na terra estão sendo feitas. É a forma para que a peça seja feita, podendo ser panelas ou churrasqueiras. Com a forma toda pronta, pega-se o alumínio já totalmente derretido e o despeja dentro do buraco, observando a outra extremidade

Meu conhecimento já está mais do que comprovado, mas as linhas de financiamento para esse tipo de negócio não estão ao nosso alcance. Difícil mesmo, poderíamos estar empregando pessoas e tendo um lucro maior. PAULO CÉSAR DE FARIAS – O PAULINHO

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MARÇOS DE NOSSA HISTÓRIA DIA 01

» 1444.

Nasce pintor italiano.

Botticelli,

» 1810. Nasce Frederic Chopin, músico polonês. » 1923. Morre Rui Barbosa, jurista, jornalista e político brasileiro. DIA 02 » 1983. Os Compact Discs (CDs) são lançados pela primeira vez nos USA e em outros mercados.

mato-grossense, de projeção nacional. Foi colega de Rui Barbosa, Quintino Bocaiuva, Benjamin Constant e Euclides da Cunha. » 1917. Morre Ferdinand von Zeppelin, inventor do dirigível que leva seu nome. DIA 09 » 1959. Ruth e Elliot Handler (fundadores da empresa Mattel) apresentam ao mundo o brinquedo que revolucionará a indústria e gerará inúmeras polêmicas. Eles são os “pais” de Barbie, uma boneca adulta de corpo perfeito, simboliza sucesso, beleza e juventude.

DIA 04 » 1877. Estréia Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky. » 1910. Nasce Tancredo Neves, político brasileiro.

DIA 15 » 1985. O primeiro domínio da Internet é registrado. DIA 17 » 2001. Nasce a bezerra Vitória, o primeiro animal clonado brasileiro. DIA 20 » 1899. Martha M. Place se torna a primeira mulher a ser executada na cadeira elétrica nos EUA. » 1941. O escritor Monteiro Lobato foi preso por criticar as torturas praticadas pelo Estado Novo.

DIA 10

papel-moeda é emitida pelo governo dos EUA.

DIA 06 » 2001. Morre Mário Covas, político brasileiro nascido em São Paulo.

DIA 11 » 2011. Ocorre sismo e a Tsunami de Sendai, no Japão, de 2011

DIA 07 » 2000. Californianos rejeitam o casamento gay em um plebiscito.

DIA 12 » 1572. Publicação de Os Lusíadas, poema épico do português Luís de Camões. » 1894. Inicia-se a venda de Coca-Cola em garrafas.

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DIA 14 » 1883. Morre Karl Marx, filósofo e economista alemão. » 1847. Nasce Castro Alves, poeta baiano.

» 1862. A primeira nota em

DIA 05 » 1953. Morre Joseph Stalin, ditador russo.

DIA 08 » 1861. Nasce Antônio Francisco de Azeredo, advogado, jornalista e político

DIA 13 » 1830. Nasce Antônio Conselheiro, líder espiritual de Canudos.

» 1969. O beatle John Lennon casa-se com a artista plástica japonesa Yoko Ono. DIA 22

» 1895. Os irmãos Lumiè-

re fazem a primeira apresentação pública do cinematógrafo. » 1994. Morre W. Lantz, desenhista criador do personagem Pica-Pau. » 2001. Morre William HanFOTOS DIVULGAÇÃO


DIA 23

» 1919.

Benito Mussolini funda o movimento fascista na Itália. DIA 24 » 1949. Pela primeira vez, um filme estrangeiro recebe um Oscar. Foi o britânico Hamlet, interpretado por Laurence Olivier. DIA 25 » 1901. O primeiro carro Mercedes aparece em um evento automobilístico em Nice, na França. DIA 26 » 1991. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai assinam o Tratado de Assunção, estabelecendo assim o MERCOSUL. DIA 27 » 1910. Nasce Manoel José de Arruda, dentista e político. Foi prefeito de Cuiabá, deputado estadual em 3 mandatos e presidiu o TCE/MT. DIA 30 » 1842. A primeira cirurgia usando anestesia é realizada pelo Dr. Crawford Long, na Georgia, USA. DIA 31 » 1931. Jogos de azar são legalizados em Nevada. » 1964. Um golpe de Estado no Brasil dá início a uma ditadura militar liderada por Castelo Branco.

O PERSONAGEM NOVE ANOS DE ELEIÇÃO DE JORGE MARIO BERGOGLIO, O 266º DA IGREJA CATÓLICA » 13-03-1913. Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, eleito papa em 13 de março de 2013, nasceu em Buenos Aires, capital da Argentina, a 17 de dezembro de 1936. Filho de emigrantes italianos, trabalhou como técnico químico antes de se decidir pelo sacerdócio. Sucedeu ao Papa Bento XVI, que abdicou ao papado, em 28 de fevereiro de 2013. É o primeiro papa latino-americano, em mais de 1200 anos. É também o primeiro papa jesuíta da história. Em fevereiro de 1998, Francisco tornou-se arcebispo de Buenos Aires, sendo elevado ao cardinalato três anos depois, com o título de Cardeal-presbítero de São Roberto Belarmino, por João Paulo II.

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na, da dupla de criadores de desenhos animados Hanna-Barbera.

O ACONTECIMENTO SETENTA E OITO ANOS DA CHEGADA DA EXPEDIÇÃO XINGU AO RIO DAS MORTES » 04-03-1944. Em 1943, formara-se no Rio de Janeiro a Expedição Xingu, destinada a estudar local adequado para sediar o governo federal, caso a segunda guerra mundial, em curso, exigisse essa estratégia política. Em dezembro daquele ano a Expedição partia de Barra do Garças dividida em duas frentes: a primeira em busca da barra do Rio das Mortes, descendo o Araguaia; e a outra deveria abrir uma picada em direção onde hoje está a sede do município de Nova Xavantina. Em 4 de março de 1944, o chefe da expedição, coronel Vanique, expedia informações ao ministro João Alberto anunciando a chegada da expedição ao Rio das Mortes, na altura da atual Nova Xavantina.

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R E T R ATO E M PRETO E BRANCO

Vera Iolanda Randazzo

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professora, escritora, historiadora e servidora pública Vera Randazzo, nasceu na cidade gaúcha de Caxias do Sul, a 21 de setembro de 1927). Passou a morar em Mato Grosso a partir de 1955. Foi sócia efetiva do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, da Academia Mato-Grossense de Letras, (2ª ocupante da Cadeira 19), dentre outras instituições. Sempre colaborou com os principais jornais de Mato Grosso. Implantou o atual Arquivo Público do Estado, organismo idealizado pelo Acadêmico Lenine de Campos Póvoas, que era Secretário

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de Administração do Estado, e onde ela foi sua primeira Diretora. Recebeu diversas homenagens, dentre as quais o nome da “Sala Vera Randazzo”, no Instituto Memória do Poder Legislativo de Mato Grosso. Escreveu os seguintes livros: Pagmejera, Pagmejera!; As cartas do grande chefe à sua esposa; Quando morreu Pascoal Moreira Cabral; Catálogo de Documentos Históricos de Mato Grosso; Catálogo da exposição de documentos históricos em homenagem a Diamantino (por ocasião do pentacentenário); Contribuição à história do Arquivo Público de Mato Grosso, e outros. Contribuiu com ar-

tigos nos jornais: O Estado de Mato Grosso, A Tribuna Liberal, O Social Democrata, Diário de Cuiabá, Correio da Imprensa, Revistas do IHGMT e da AML, dentre outros. A Academia Mato-Grossense de Letras fez publicar, coleção Obras Raras da Literatura Mato-Grossense, Vozes Femininas, v. 6, onde Vera Randazzo participou. Em reconhecimento ao seu trabalho e produção intelectual, foi admitida como sócia da Sociedade Amigos de Rondon, da Academia Paulistana de História. Era também membro da Ordem dos Bandeirantes de São Paulo. Faleceu em Cuiabá no dia 14 de fevereiro de 2019. FOTO DIVULGAÇÃO


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T UE R SM M MI Ó R IOA

Filinto Müller

A história que precisa ser revisada

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POR JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA

o começo deste mês de março visitei o casal de amigos Zita Müller e Zé Arruda, em Cuiabá. Na saída, após um bom café com chipas e uma conversa prá lá de gostosa, Zita me entregou cópia de uma carta escrita há mais de cinquenta anos e guardada no seio familiar por deferência a Filinto Müller, um dos mais ilustres membros dessa tradicional família mato-grossense. Essa carta foi escrita por Romário Paulino do Espírito Santo, amigo e admirador de Filinto Müller, notadamente pelo que este fi-

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zera pelos “filhos” de Mato Grosso na cidade do Rio de Janeiro. O destinatário era David Nasser, jornalista que se destacou nas décadas de 1950 até 1970, com artigos contundentes e ácidos direcionados a Filinto Müller, de quem era declaradamente um desafeto. A carta, escrita com veneranda paixão pelos feitos de Filinto, por ter sido testemunha ocular de fatos históricos, foi feita para tocar o coração do jornalista, se tocou, não sei, no entanto, ao escreve-la, Romário representou centenas de pessoas que foram recepcionadas, bem atendidas

e encaminhadas à vida, no Rio de Janeiro. Desses jovens muitos voltaram à sua terra e contribuíram para o seu crescimento, outros ficaram na então capital federal do país, à época. Muito ainda há de se falar sobre Filinto Müller, a história lhe deve a réplica. É comum vermos histórias e biografias sendo manchadas por atos impensados. E depois? Como ficam essas pessoas que tiveram dedos apontados para si? Se defenderam a tempo? Alguns não. Acredito que esse é o caso de Filinto, pois sua precoce morte o impediu desse feito.


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MEMÓRIA

A CARTA: “Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 1966 Meu caro David Nasser

Chamo-o de “caro” porque o respeito, pela sua figura de jornalista independente, útil à coletividade e, sobretudo, por considera-lo um homem sério. Você não me conhece, nem precisará conhecer-me, se não o desejar. Chamo-me Romário Paulino do Espírito Santo, de 52 anos, Delegado de Polícia aposentado e advogado militante. Prestei, também, durante 20 anos serviços à Mes-bla, como Superintendente de Pessoal e, agora, por estar doente, fui obrigado a afastar-me do serviço efetivo, passando, a Consultor Jurídico Trabalhista. Estou dando estes dados para você obter informações sobre a minha pessoa, se lhe interessar conhecer quem lhe escreve e o admira. Entretanto, como você, eu sou um homem e não posso mais omitir-me a respeito das injustiças que você faz a Filinto Müller. Estou certo de que você não está bem informado e eu lhe peço que me permita repor a verdade dos fatos. Conheci Filinto quando ele era Capitão, com 32 anos e eu um rapaz pobre, com 18 anos, lutando com dificuldades, apesar de já ser bacharel em Ciências e Letras. Vim de Mato Grosso para estudar e, para fazê-lo, fui até servente. Passei privações até que Filinto me acolheu, dando-me um emprego de investigador especial, mas dando-me, mais do que o emprego, a certeza de que eu já não estava só. Na Polícia, servi a Filinto com o maior entusiasmo, expondo inúmeras vezes a minha vida. Dei e levei tiros, especialmente na fase aguda do comunismo. Muitas vezes tivemos que agir com violência, reprimindo violência, mas jamais houve a covardia, a perversidade e crueldade que você insiste em imputar a Filinto. Isso representa uma contradição na sua vida de jornalista. Você diz tantas verdades, fica sabendo que isso é uma mentira. Fui testemunha ocular dos fatos. Filinto era Chefe de Polícia de uma Ditadura, era um homem forte, duro, mas era um homem de bem. Houve, é claro, alguns excessos de auxiliares, mas que ele reprimia, só não dando publicidade para não dar armas ao “inimigo”. Não houve o caso da cela mais húmida, nem a frase que você lhe atribui, “pode ir tratando do enterro”, dirigindo-se ao pai de Fournier. Não houve a sevícia à mulher de Berger, como nada teve Filinto com o ato da extradição da mulher de Prestes. Muita coisa eu lhe poderia contar se tempo houvesse de sua parte para ouvir-me.

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Escreve-lhe, repito, para que o líder de uma geração de jornalistas não persista num erro e numa injustiça. Afianço-lhe, sob minha palavra de honra, que Filinto não sabe desta carta, não a autorizaria. Mas eu não preciso mais de Filinto, nem mesmo de sua autorização. Minha gratidão para com ele, que só acabará com a minha morte, entretanto, faz com que o respeite como a um pai, que o estime como a um irmão – também o defendo como a um filho. Sou um homem que nada mais deseja a não ser paz para dedicar à família o resto dos seus dias. Fui humilde a vida toda e quero morrer humildemente. Não quero sequer que esta transpire além de nós dois, porque eu já estarei em paz por ter tirado esse “osso que me atravessava a garganta há tantos anos”, e você poderá estar em paz se usar a coragem que possui para retificar um erro que vem cometendo reiteradamente. Estou diabético Nasser, pagando para não ter as preocupações que tive a vida inteira, mas não pude mais silenciar-me depois que li, como sempre faço, o seu último artigo de “O Cruzeiro”. Qualquer que seja a sua atitude, eu não mudarei em relação a você, que eu considero um baluarte da democracia. Continuarei a ouvir o Diário de um Repórter e a ler as suas brilhantes crônicas, mesmo quando injustas como a do caso em tela, talvez por ser baseada em informações errôneas. E perdoe-me “por ser longo, por não tive tempo de ser breve”, porém, como advogado, como cidadão e como mato-grossense, eu precisava defender esse homem que amparou uma geração de “bororos”, como eu, e que hoje ainda é um dos esteios da nacionalidade. Cordialmente,

Romário Paulino do Espírito Santo P.S. Assim, não concordo com todas as cousas que você escreve, mas defenderei até a morte o seu direito de escreve-las.”

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EDUCAÇÃO

Língua Portuguesa: 10 Palavras Portuguesas de Origem Russa A Língua Portuguesa sempre incorporou palavras de outros idiomas. Descubra 12 casos de palavras portuguesas de origem russa.

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COM VXMAG


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o longo dos séculos, a Língua Portuguesa adotou palavras de outros idiomas. No início, as palavras tinham origem sobretudo no latim e no grego. Mais tarde, o francês ganhou preponderância. Nos últimos tempos, foi a língua inglesa a ganhar terreno. No entanto, tempos houve em que a Língua Portuguesa incorporou palavras da Língua Russa. Apesar da distância física que separa Portugal da Rússia, o enorme potencial cultural do povo russo, especialmente durante os tempos da União Soviética, fez com que outros idiomas do mundo adoptassem palavras suas. A nossa lista possui apenas 12, mas serão mais embora as que não estão aqui listadas não tenham tradução oficial em português ou sejam apenas utilizadas em situações ou contextos especiais. É o caso das palavras Perestroika (reforma), Glasnot (transparência), Siloviki (homens que possuem armas), etc… Descubra algumas palavras portuguesas de origem russa.

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EDUCAÇÃO

1. VODKA

3. TUNDRA

» Vodca ou vodka (em russo: водка; em polaco: wódka) é uma popular bebida destilada, incolor, quase sem sabor e com um teor alcoólico entre 35 e 60%. A vodca é a bebida nacional da Polônia e da Rússia, O nome vodka (em português: vodca) é o diminutivo de água (“aguinha”) em várias línguas eslavas, contudo não se tem certeza da origem etimológica, que poderia ser apenas uma coincidência.

» Tundra é um bioma no qual a baixa temperatura e estações de crescimento curtas impedem o desenvolvimento de árvores. Existem três tipos de tundra: tundra árctica tundra alpina, e tundra antárctica. Numa tundra, a vegetação é composta por arbustos, ciperáceas, gramíneas, musgos e líquenes. Em algumas tundras existem árvores dispersas. O ecótono entre a tundra e a floresta é denominado linha de árvores. O termo “tundra” tem origem em russo: тундра, a partir do lapónico tūndâr (“terras altas”, “região montanhosa sem árvores”).

2. MAMUTE

4. TAIGA

» Do russo mammot, nome dado aos res-

tos mortais dos paquidermes encontrados desta espécie. No entanto, a origem da palavra mamute é confusa. Alguns etimologistas consideram que o termo tenha surgido a partir do francês mammuthus, que mais tarde foi incorporado ao dicionário espanhol na forma mamut. Outros estudiosos da raiz etimológica da palavra “mamute” acreditam que ambos os termos (russo e francês) derivaram da língua ostíaca, falada pelo povo ostíaco, que habitava a região da Sibéria Ocidental. A partir da língua espanhola, o termo “mamute” chegou ao português.

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» A taiga (do russo тайга́), também conhecida por floresta de coníferas, ou ainda floresta boreal, é um bioma predominante das regiões localizadas em elevadas latitudes cujo clima típico é o continental frio e polar, comumente encontrado no norte do Alasca, Canadá, sul da Groenlândia, parte da Noruega, Suécia, Finlândia, Sibéria e Japão. No Canadá, usa-se o termo floresta boreal para designar a parte meridional desse bioma, e o termo taiga é usado para designar as áreas menos arborizadas a sul da linha de vegetação arbórea do Ártico.


» Troika ou troica (em russo: тройка) é a palavra russa que designa um comité de três membros. A origem do termo vem da “troika” que em russo significa um carro conduzido por três cavalos alinhados lado a lado, ou mais frequentemente, um trenó puxado por cavalos. Em política, a palavra troika designa uma aliança de três personagens do mesmo nível e poder que se reúnem num esforço único para a gestão de uma entidade ou para completar uma missão, como o triunvirato de Roma. 6. BOLCHEVIQUE

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5. TROIKA

7. CZAR

» Tsar (ou Czar) é uma versão reduzida da

palavra latina caeser, introduzida ao vocabulário popular em 1547 por Ivan, o Terrível, e refere-se ao título oficial do monarca russo. No período entre os anos 1613 e 1917, a Rússia foi comandada pela Dinastia Romanov, e o primeiro czar chamava-se Mikhail Fiódorovitch. O último governante do país, Nikolai II, abdicou do trono em 1917 a favor do seu irmão mais novo Mikhail, que, mesmo seguindo o exemplo do Nikolai e recusando-se a ser o próximo monarca, é formalmente considerado o último czar russo. 8. BELUGA

» É o termo usado para se referir aos mem-

bros do Partido Comunista, o único existente na União Soviética. A palavra nasceu num dos congressos do Partido Social Democrata de Trabalhadores da Rússia, quando o grupo liderado por Vladimir Lenine recebeu a maioria de votos num dos principais assuntos discutidos. Apesar de o grupo não ter obtido o mesmo sucesso em outras votações, a palavra ganhou a popularidade e foi atribuída a todos os aliados do futuro líder soviético. Após a divisão do partido em “bolcheviques” (maioria) e “mencheviques” (minoria), o primeiro grupo ganhou maior apoio da população pela associação da palavra “maioria” com algo “melhor”.

» A Baleia Branca, ou Beluga, é um mamí-

fero marinho da ordem dos cetáceos. Habitando as águas frias do hemisfério Norte, as Belugas são encontradas em altas latitudes, em torno do círculo polar Ártico, distribuindo-se desde a costa da Groenlândia até à região da Noruega. Populações residentes

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EDUCAÇÃO

» destes mamíferos são observadas na cos-

ta do Alasca e Canadá, porém tratam-se de uma exceção, visto que esta espécie geralmente realiza migrações sazonais em grupos de 30 a 100 indivíduos. 9. COSSACO

o nome aldeão de Matriona, ou Matriochka, o seu diminutivo. É curioso que o seu protótipo foi um brinquedo desmontável japonês, que chegou à Rússia no final do século 19. Uma matriochka pode conter entre 3 a 24 bonecas. Ultimamente, ganharam popularidade como lembranças da Rússia bonecos representando figuras políticas. Por exemplo, dentro de Putin está Ieltsin, e dentro deste, Gorbatchov, seguido por Brejnev, Khruschov, Estaline e Lenine em miniatura. 11. GULAG

» A palavra “cossaco” vem do russo kazak. O termo é originário do turco e quer dizer “aventureiro” ou “homem livre”. Os cossacos são um povo proveniente das estepes da Europa oriental, ao norte do mar Negro e do mar Cáspio. Eles têm parentesco com o atual povo cazaque, que hoje vive no Cazaquistão, situado ao sul da Rússia. O termo “cossaco” também designa os soldados que serviam no exército do czar (imperador) da Rússia, principalmente na cavalaria. Os cossacos dividiam-se em dois principais grupos étnicos: os cossacos zaporojianos, que habitavam as estepes da Ucrânia; e os cossacos russos, das regiões fronteiriças do Principado de Moscóvia (sediado em Moscou). 10. MATRIOSCA

» Gulag é a abreviação para “Diretoria Geral de Campos de Prisioneiros”, criada na década de 1930. Lá, criminosos e presos políticos eram mantidos e usados para trabalhos pesados. Após o lançamento do livro “Arquipélago Gulag”, de Aleksandr Soljenítsin, a palavra transformou-se em sinónimo de repressões políticas, já que a maior parte das vítimas eram condenadas a até 25 anos de prisão por crimes não existentes. Muitas vezes, as penas incluíam “10 anos sem direito de correspondência com familiares” – o que, até certo ponto, também significava pena de morte em diversos casos. 12. COSMONAUTA

» Cosmonauta é uma adaptação da pala-

» A conhecida boneca de madeira, no interior da qual estão várias outras menores, tem

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vra russa kosmonavt, derivada das palavras gregas “kosmos” (“universo”) e “nautes” (“marinheiro”). Então, semanticamente falando, a única diferença entre um astronauta e um cosmonauta é que no primeiro caso a palavra considera as estrelas, e no segundo o universo. Por convenção, cosmonauta é o viajante espacial da Roscosmos (a agência espacial federal russa). FOTO DIVULGAÇÃO


A Busca Pelo Intercâmbio Cultural Entre Os Povos Da América Do Sul:

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AMERICANIDADE

Meira Delmar Voz feminina na poesia da América do Sul FOTO DIVULGAÇÃO

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entre os valores mais substanciosos da lírica feminina da América do Sul, encontramos os versos de Meira Delmar, poeta do

amor e da morte, sempre orientada por um ponto de vista feminino sobre estes temas, imprimindo em seus versos certo aspecto nostálgico, algo que não pode ser. Colombiana, grande amiga de Garcia Marquez, confessa que desde muito jovem foi leitora de outras autoras Sulamericanas como Mistral, Storni e Augustini, e que, de alguma forma elas podem ter lhe influenciado. Entretanto, sua lírica possui um acento reconhecidamente próprio, alcançado no próprio fazer poético, que tonifica e modula a sua voz, sem que esta seja devedora a nenhuma outra. No Brasil, ao que nos parece, apenas o livro “Mundo Mágico: Colômbia” Edições Bagaço, Pernambuco, 2007, uma antologia da lírica daquele país, organizado e prefaciado por Lucila Nogueira e Floriano Martins, possui poemas de Meira Delmar, o que é extremamente lamentável e prova a quase completa ignorância brasileira sobre a obra de poetas não apenas da Colômbia, mas de toda América do Sul.

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L I T E R AT U R A

Cuiabá dos Meus Amores POR BENEDICTO PINHEIRO DE CAMPOS

Cuiabá de meus amores, De Dom Aquino Corrêa, Do Carmindo de Campos, E de outros poetas sonhadores. Viver nesta cidade linda É sentir a vida, Comungando com a cuiabania, Os momentos de graça e alegria. Oh! Cuiabá bendita! Berço de heróis e boa comida Bendita seja a sua história No altar de nossas vidas. Longe, sinto muitas saudades Do cantar dos bem-te-vis Do luar e das lufadas No dançar dos siriris. Benedicto Pinheiro de Campos, Cuiabano, filho de Carmindo de Campos e Maria Pinheiro de Campos, professor titular da Universidade Federal de Mato Grosso UFMT, poeta, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.

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conheça a chapada dos guimarães nossas belezas naturais, nossa arte e nossa cultura.

centro cultural

casadirose.com.br (65)99941-6937 foto: rai reis

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