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lume Mato Grosso

Revista nº. 37 • Ano 5 • Outubro/2019

Ilustres Inquilinos Residência Oficial dos Governadores de Mato Grosso. Pag. 24

PERSONALIDADE - IVENS CUIABANO SCAFF A HORA DO BASTA DOENÇAS CONTAGIOSAS DOM AQUINO LIMA BARRETO

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URUTAU, AVE TÍPICA DO CERRADO, NO PERÍODO PÓS QUEIMADAS EM MATO GROSSO.



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C A RTA D O E D I TO R

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JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral

esde o surgimento da revista impressa no Brasil em 1812, essa mídia tradicional sofreu diversas transformações ao longo do tempo. Com o advento da internet, as mudanças foram ainda mais drásticas: surgiu uma necessidade de se acessar as notícias de forma imediata, fazendo com que as revistas que permaneciam somente no meio impresso ficassem para trás. Para se adaptar aos moldes dos dias atuais, os veículos procuraram se reinventar ao criar setores para publicar conteúdo na internet, assim expandindo a marca para atingir mais pessoas. Questionados, alguns jornalistas se pronunciaram sobre esse assunto. Marcos Coronato, editor executivo da revista Época, relatou a preocupação do veículo em fazer com que as matérias do site tenham o maior “ciclo de vida” possível, exaltando a figura do editor que proporciona um olhar mais experiente e pode tornar a publicação mais interessante para dessa forma atrair mais leitores. Na Veja a situação é bem parecida. Daniel Bergamasco, editor online, revelou que há alguns anos o veículo investiu na plataforma online, e isso permitiu algumas mudanças na redação: intercâmbio entre editores e união dos jornalistas, deixaram de existir papéis definidos. Daniel acredita que a versão online ainda não conseguiu se igualar a edição impressa quando se trata de impacto, na medida em que as revistas causam um efeito nostálgico e forte ao se abrir, por exemplo, uma foto que ocupa uma página inteira. É algo que captura a atenção do leitor de uma maneira que os sites não conseguem fazer. A revista impressa é desenvolvida considerando que o leitor terá um tempo maior dedicado ao texto, desta forma a produção de conteúdo é mais aprofundada. Entretanto, as chamadas

“pautas quentes” podem não resistir até o final de semana (quando a revista é veiculada), valorizando a necessidade do site. Já na Elle, segundo Pedro Camargo, repórter online da revista, o cenário é bem diferente: encontra-se uma clara divisão entre o impresso e digital, apesar de existir uma política de integração na editora Abril. Ainda assim, a equipe colabora com a produção de conteúdo mesmo não havendo uma responsabilidade dividida. Quanto às diferenças, Pedro afirma que independentemente da versão, existe um trabalho jornalístico adequado. A questão neste ponto são as demandas, a revista exige prazos, já que veicula uma vez por mês, no site a necessidade é de publicar as notícias em tempo real, “ter uma visão ampla do que está acontecendo”. A marca ganhou recentemente um site próprio (antigamente o M de Mulher representava a maioria das revistas da editora) e vem se destacando por abordar assuntos como diversidade e direitos humanos. Giovana Romani, editora sênior da revista Glamour, acredita na exclusividade da revista impressa, já que existe uma curadoria limitada para a veiculação. A principal diferença apontada por Giovana está na questão do título, o online exige “sujeito, predicado, ação e informação relevante”, em contrapartida a revista é mais fluida. Para mim não ocorrerá o fim da revista impressa, mas sim uma depuração daquilo que temos em nosso mercado, tanto no Estado, quanto no país afora. Os editores e jornalistas migrarão, em sua maioria, para sites. Ficarão os que tem proposta editorial que atinja os objetivos do leitor, especialmente daquele mais exigente e que busca qualidade. Estamos buscando encontrar o caminho certo para nossa revista.


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EXPEDIENTE

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PESCUMA MORAIS Diretor de Expansão e de Projetos Especiais ELEONOR CRISTINA FERREIRA Diretora Comercial JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral MARIA RITA UEMURA Jornalista Responsável JOÃO GUILHERME O. V. FERREIRA Revisão AMÉRICO CORRÊA, ANA CAROLINA H. BRAGANÇA, ANNA MARIA RIBEIRO, ANTÔNIO P. PACHECO, BENEDITO PEDRO DORILEO, BETH MADUREIRA, CARLOS FERREIRA, CECÍLIA KAWALL, DANIELLE TAVARES, DIEGO DA SILVA BARROS, DILVA FRAZÃO, EDUARDO MAHON, ELIETH GRIPP, ENIEL GOCHETTE, EVELYN RIBEIRO, FELIPE CHAVES, JOSANE SALLES, JOSÉ EDUCARDO RIBEIRO, JULIANA RODRIGUES, LUCIENE CARVALHO, MARCO POLO DANTAS, MILTON PEREIRA DE PINHO - GUAPO, NIGEL BUCKMASTER, PAULO PITALUGA COSTA E SILVA, RAFAEL LIRA, , ROSE DOMINGUES, VALÉRIA CARVALHO, WLADIMIR TADEU BAPTISTA SOARES, YAN CARLOS NOGUEIRA, WELLER MARCOS DA SILVA, UBIRATÃ NASCENTES ALVES Colaboradores ANDREY ROMEU, ANTÔNIO CARLOS FERREIRA (BANAVITA), CECÍLIA KAWALL, CHICO VALDINEI, EDUARDO ANDRADE, HEITOR

MAGNO, HENRIQUE SANTIAN, JOSÉ MEDEIROS, JOYCE CORRÊA, JÚLIO ROCHA, LUIS ALVES, LUIS GOMES, MAIKE BUENO, MARCELA BONFIM, MARCOS BERGAMASCO, MARCOS LOPES, MÁRIO FRIEDLANDER, RAI REIS Fotos OS ARTIGOS ASSINADOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES. LUME - MATO GROSSO é uma publicação mensal da EDITORA MEMÓRIA BRASILEIRA Distribuição Exclusiva no Brasil RUA PROFESSORA AMÉLIA MUNIZ, 107, CIDADE ALTA, CUIABÁ, MT, 78.030-445 (65) 3054-1847 | 36371774 99284-0228 | 9925-8248 Contato WWW.FACEBOOK.COM/REVISTALUMEMT Lume-line REVISTALUMEMT@GMAIL.COM Cartas, matérias e sugestões de pauta MEMORIABRASILEIRA13@GMAIL.COM Para anunciar ROSELI MENDES CARNAÍBA Projeto Gráfico/Diagramação CASA OFICIAL DOS GOVERNADORES DE MATO GROSSO FOTO: JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Capa


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SUMÁRIO

10. ENTREVISTA

18. ECONOMIA

50. 32. MEMÓRIA

MEMÓRIA

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58. MITOLOGIA

66. ÚLTIMA PÁGINA

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PERSONALIDADE

Ivens Cuiabano Scaff Médico infectologista, clínico geral, escritor, Professor, verseiro e poeta dos bons

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Além de escritor consagrado, que lhe valeu a entrada para a Academia Mato-Grossense de Letras, também atuou em diversas áreas do setor cultural, tanto em Cuiabá, quanto no âmbito estadual, tendo sido Coordenador de Cultura da UFMT, Conselheiro Estadual de Cultura, Conselheiro Editorial da revista VÔTE, entre outras atuações. Ivens Scaff foi best seller na Literamérica, feira literária que ocorreu em Cuiabá em 2006, quando fez parte de produção literária com tiragem de 200.000 exemplares, distribuídos para todo o Estado e para os frequentadores do evento totalmente dedicado à divulgação da literatura mato-grossense e sul-americana. Por sua destacada atuação, tanto na medicina quanto na área cultural, foi condecorado pelo governo de Mato Grosso com a medalha da Ordem do Mérito, Grau Cavaleiro, além de ter recebido inúmeras outras homenagens, condecorações e prêmios. Entre as inúmeras já obras publicadas, se destacam os títulos “Uma maneira simples de voar” e “O menino órfão e o menino rei”, na categoria infantil e, na poesia realçamos os títulos “Mil mangueiras” e “Kyvaverá”. Os dois primeiros “Uma Maneira Simples de Voar” e “O menino órfão e o menino rei”, traçam histórias com contrapontos e metáforas que apontam o imaginário das crianças com as realidades e ficções apropriadas. O seu estilo revela a competência da narrativa e a função da mensagem. Ivens Scaff acrescenta modelos novos na escritura infanto-juvenil. “Mil mangueiras” e “Kyvaverá” são as obras poéticas que nasceram para marcar, como seu, o chão cuiabano recheado da arte de poetar. Na linguagem poética a busca e o encontro pela identidade cultural da cuiabania ampliada até os paredões chapadenses.

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ara o poeta Ivens, o gosto pela literatura vem de infância, por influência de seus pais, que sempre enxergaram no binômio livro/leitura a porta de entrada do conhecimento e da sabedoria para o querido filho. Daí a paixão pelas letras. Cuiabano até no sobrenome, veio ao mundo em 30 de junho de 1951, sendo a sua infância vivida no bairro do Porto, na capital de Mato Grosso. Dali, daquele espaço que foi referência da Cuiabá de outrora, viu, sem se dar conta das quantas vezes, sentado na barranca do Rio Cuiabá, o vai-e-vem das antigas lanchas e vapores que singravam as águas do histórico rio. A escolaridade inicial foi realizada nas melhores escolas cuiabanas e continuada nos colégios do Rio de Janeiro. Cursou medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo feito, com destaque, residência médica no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, e, na sequência, cursos de pós-graduação na área da saúde, na Universidade Federal de Mato Grosso. Ao par de suas atividades médicas, atuou como professor na Universidade Federal de Mato Grosso e na Universidade de Cuiabá - UNIC, sempre com especial dedicação. A medicina caiu-lhe como uma luva, certamente por ser poeta ajudou muito, é um homem muito sensível às causas sociais. Dentro da área médica, Ivens Scaff, que é dedicado pesquisador, possui notório conhecimento técnico e científico na medicina, pois sua atualização acadêmica é constante. Ele é daqueles profissionais da saúde em que se pode confiar, pois sabe-se que isso é um elemento essencial na relação médico e paciente. É médico reconhecido nos vários hospitais onde atuou e atua, com destaque no Ambulatório de DST/AIDS/Hepatites (CERMAC-SEC de SAÚDE/MT).

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A Mítica Fronteira Oeste do Brasil

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POR JOAO CARLOS VICENTE FERREIRA

e hoje vivemos de costas para os países da América do Sul, outro panorama se verificava antes da conquista e ocupação do oeste brasileiro, pelos paulistas e portugueses. As fronteiras fixas entre povos e idiomas não existiam, podendo se observar até um sustentável intercâmbio. Segundo relatos tratava-se de um corredor cultural, utilizado pelos povos que habitavam terras de Mato Grosso, desde o imenso Planalto dos Parecis chegando até o Altiplano boliviano. Possivelmente funciona-

va nos moldes do “Caminho de Peabiru”, estrada interoceânica, de vários ramais, construída pelo povo inca em parceria com outras nações, em solo brasileiro. Para falar sobre este assunto que envolve de forma direta os povos indígenas, espaços sagrados, projetos estruturantes e, também, a política contemporânea, convidamos o professor José Eduardo Fernandes Moreira da Costa, indigenista lotado na Funai, geógrafo com especialização em Antropologia Social e mestre em Geografia Cultural.

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EM SEU LIVRO “A COROA DO MUNDO”, PUBLICADO EM 2006, VOCÊ ABORDA TEMAS DA MITOLOGIA INDÍGENA REGIONAL ISSO TEVE INFLUÊNCIA NA OCUPAÇÃO DA REGIÃO OESTE BRASILEIRA, TANTO POR ESPANHÓIS, QUANTO PORTUGUESES, A PARTIR DO SÉCULOXVI? Sim, mas não os mitos indígenas e sim aqueles criados pelos europeus. São dois os mitos que impulsionaram o andar de viajantes e exploradores espanhóis e portugueses nos primeiros tempos de ocupação na América do Sul e, consequentemente, na região que hoje compõe o território de Mato Grosso. Primeiro é o mito Ilha Brasil, advinda dos escritos de Jaime Cortesão. Trata-se da trajetória oblíqua dos rios Guaporé e Paraguai, se fechando num continente e contribuindo para a formação das bacias hidrográficas da Amazônia e do Prata: são dois pantanais enormes, que formam, por dádiva divina, quase um continente. E, no meio disso tudo, no telhado do mundo, que compreende território de Rondônia e Mato Grosso, na Serra do Norte, temos a ocupação de inúmeros povos indígenas, dos mais diferentes idiomas, inclusive o tupi, um dos mais antigos do continente, visto que a língua tupi não é concentrada numa única região. O segundo mito é o Eldorado, que é a eterna busca por enormes riquezas fá-

ceis, que atrai e impulsiona pessoas até os dias de hoje. Num primeiro momento o mito Eldorado foi decantado através do Caminho de Peabiru, sendo que pelos índios carijó e guarani descobriu-se, ainda no século XVII, muita prata e ouro. Peabiru era um caminho interoceânico que ia dar nos Andes, lá nos nossos irmãos do frio. Os espanhóis se valeram dessa trilha milenar, subiram o Rio Paraguai e vieram atrás do ouro que teria na nossa região. Registram-se, ainda, outros dois mitos fortes: os Martírios, na região do Planalto Central e Orucumacuam, na divisa do atual estado de Rondônia, nos dois lados do Rio Guaporé. Santa Cruz de la Sierra nasce neste ímpeto. O COMEÇO DA CONQUISTA DO ESTE BRASILEIRO DEU-SE POR CUIABÁ, COM O PROPÓSITO DE CAPTURAR ÍNDIOS PARA ESCRAVIZÁ-LOS. VOCÊ ACREDITA QUE A PREIA INDÍGENA, NO OESTE, TINHA OS MESMOS PROPÓSITOS SOROCABANOS? Os bandeirantes se locomoviam em demandas homéricas atrás do ouro. Aqui na região centro oeste o negócio não era e nunca foi a preia indígena para negociar na feira de Sorocaba, que abastecia os mercados das Minas Gerais e do nordeste, com plantações de cana. A preia era apenas o mote oficial. Era impensável aprisionar indígenas na região de Cuiabá e levá-los, aos mi-

lhares, em toscas embarcações, sem víveres necessários e sem equipamentos e equipes de segurança e de infraestrutura. O grande negócio sempre foi o ouro e o alargamento de fronteiras. Então, todo esse sentimento de brasilidade que possuímos foi construído pela ocupação do interior da nação. Por conta disso cito Vila Bela, Ouro Preto e a Serra Dourada, de Goiás, como pontos importantes para fortalecer esse sentimento de brasilidade. Eram os tropeiros, as comidas e o modo de vida interiorana. QUAL SUA OPINIÃO SOBRE A FORMAÇÃO DA FRONTEIRA OESTE BRASILEIRA. A partir de Mato Grosso é que se desenhou a fronteira oeste da nação. A nossa brasilidade se mistura com a própria história de Mato Grosso. A identidade se dá através do outro, de sinais diacríticos. Qual a diferença do brasileiro com o boliviano? Isso só vai se dar através das fronteiras. Mato Grosso tem uma contribuição enorme para esse sentimento de ocupação. COMO SE DESENHOU ESSE MAPA E A SUA GEOGRAFIA? Vila Bela da Santíssima Trindade é a chave do sertão. É o colchete, porque é ali que se fecha a porteira da imensa região centro oeste brasileira. Vila Bela é fantástica, porque está na cabeceira dos dois grandes divisores de água das Amé-


SE ELES DESCIAM, OS POVOS INDÍGENAS DE MATO GROSSO SUBIAM? EXISTIU UM CORREDOR CULTURAL ENTRE O PLANALTO DOS PARECIS E OS ANDES? Certamente. Um índio pareci, Daniel Cabixi, me falou com bastante propriedade, advinda de conhecimentos ancestrais, dentro da oralidade, da existência desse corredor cultural entre povos daqui e do Altiplano. Encontramos povos muito próximos dos aimarás e quéchuas, até na região que divide Brasil e Bolívia, atualmente. O próprio pareci, se você observar, o idioma é muito parecido com dos saraveca, que fazem parte dos chiquitanos nos dias de hoje. Esse povo vivia na região de fronteira, tanto em solo matogrossense quanto boliviano. Os pareci eram a continuidade desse povo, os saraveca. E, certamente, por uma língua tão próxima, quase irmã, é que nos leva a essa conclusão. Dados historiográficos de per-

sonalidades como Paul Rivet comprovam essa proximidade, visto que as línguas aruaques são semelhantes. Pareci é aruaque. Saraveca é aruaque. Paiconecas, mochos e diversos outros povos são aruaques, daí você caminha para consolidar esse corredor cultural ancestral através da língua, do idioma, que é o maior patrimônio de um povo. EXISTEM FORMAS DE IDENTIFICAR A EXISTÊNCIA DESSE CORREDOR CULTURAL? Futuras escavações arqueológicas poderão elucidar à luz científica tais afirmações, de que existiu sim, um corredor cultural entre os povos que ocupavam a região de Tiwanaku, no altiplano boliviano (sítio arqueológico dos mais antigos das Américas) até o Planalto dos Parecis. Não existe (ainda) um estudo e nem pesquisa nesse sentido. A quem interessa saber se existiu esse corredor cultural? Acredito que num primeiro momento somente para a sociedade acadêmica e certos segmentos da sociedade. A questão é que informações importantes às vezes não são socializadas e, a cada dia que passa, estamos buscando mais sentidos em nossas vidas. Certamente esse corredor cultural pode ser estudado e os resultados aplicados em projetos estruturantes com amplas possibilidades de êxito na área sócio econômica entre o Brasil e países andi-

nos. Entre os parecis existe o jogo de futebol de cabeça, que também é praticado por diversos povos desse possível corredor cultural. Os próprios chiquitanos tinham um jogo de futebol de cabeça, ainda conservado por alguns grupos na Bolívia. OS CHIQUITANOS ERAM PARTE DESSE CORREDOR CULTURAL? Sim, sempre fizeram parte das atividades de intercâmbio entre os povos que habitavam essa imensa territorialidade. Atualmente os chiquitanos são aproximadamente 150 comunidades, com aproximadamente 60 mil falantes na Bolívia e culturalmente muito próximo de nós. Em território brasileiro temos mais de 4 mil chiquitanos distribuídos em áreas dos municípios de Vila Bela, Porto Esperidião e Pontes e Lacerda. Hoje vivemos com as costas viradas para esse mundo chiquitano. As pessoas comentam que os chiquitanos são bolivianos, no entanto, a franja dessa história está dentro do território que se convencionou chamar de Mato Grosso. O centro nacional de arqueologia procedeu escavações em pontos da divisa Brasil/ Bolívia, com objetivo de determinar datação de ocupação dos chiquitanos. Muitos não entendem como a ciência pode ajudar nesse propósito, mas existem muitos sítios arqueológicos, muito antigos, notadamente na região do Portal do Encan

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ricas, a Platina e a Amazônica. É a porta de entrada do sul americanismo. Os Andes funcionam como um paredão. Uma grande muralha. É pelas frestas deste grande muro que se atravessa os Andes. Então são rotas de migrações naturais, desde os tempos dos grandes impérios e no início da colonização espanhola. Os aimarás, do império incaico, desciam até a região do Guaporé.

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tado, que comprova a antiguidade de sua ocupação. Não foram recolhidos, ainda, materiais para serem pesquisados sob resultados do Carbono 14, mas a equipe que trabalhou nessa operação é experiente e fizeram crer na real antiguidade da ocupação dos chiquitanos nesta vasta região do oeste matogrossense. O QUE É O PORTAL DO ENCANTADO? Trata-se de ponto histórico e sagrado para os chiquitanos, fisicamente é semelhante aos portais reverenciados pelos povos incaicos, a exemplo do Portal do Sol, de Tiwanaku. O Portal do Encantado, localizado na Serra de Santa Bárbara, noroeste matogrossense, é um conjunto harmônico de pedras, como se fosse construído pela mão do homem, no entanto, é de pedra natural. O Portal do Encantado também dá nome à área indígena do povo chiquitano, em terras de Mato Grosso. Esse corredor cultural, antes largamente utilizado pelos povos ancestrais, e hoje apenas imaginário, passa por este ponto. Esta imensa região também é área de tensão ecológica, de recursos genéticos e de sementes, possuindo patrimônio incalculável. Culturalmente é muito interessante, visto ser área de movimentação mais antiga que a ocupação lusitana matogrossense. Esse portal não fica distante da Missão

de São Rafael, e se mostra como área com imenso potencial turístico. O portal, em determinada hora do dia e de acordo com o posicionamento do sol, se projeta no paredão da montanha em forma de uma grande porta, sendo ponto sagrado e de grande respeito ao povo chiquitano. A exemplo do povo inca, que tinha bastante respeito pela natureza, desenha-se a historicidade dos chiquitanos nessa região do Portal do Encantado, graças a sua beleza e forma natural. AS MISSÕES JESUÍTICAS ESPANHOLAS INFLUENCIARAM A CONCEPÇÃO DE CRENÇA ESPIRITUAL DOS CHIQUITANOS? A tríade Pai, Filho e Espírito Santo, na concepção da cosmovisão cristã não imputa sua propriedade, visto que esta composição será encontrada em outras culturas americanas, dentre elas a dos chiquitanos. Os nomes são diferentes, mas as funções são semelhantes, ou seja, Pai, Filho e Espírito Santo. De acordo com o padre Caballero, em depoimento no ano de 1706, foi registrado a existência de uma deusa entre os chiquitanos que tinha a mesma representação de uma Nossa Senhora para os católicos: a deusa Quipozi. No entanto, não se tratava de uma imagem e sim de uma mulher casta e especialmente preparada para aquela função, que dentre outras coi-

sas promovia a interlocução entre os chiquitanos e o Filho de Deus, correlato a Jesus. A Nossa Senhora dos chiquitanos é diferente. Interagia, cantava, falava. Existiam casas, espaços somente para isso. Ocorria a incorporação mediúnica. Registra-se que esta prática é anterior a ocupação jesuítica. É pré-colombiana. Importante explicar que a denominação chiquitano envolve vários grupos, com dialetos semelhantes. Um amálgama cultural. O CHIQUITANO SE SENTE UM ESTRANHO EM SEU TERRITÓRIO DE ORIGEM, NO CASO O OESTE DE MATO GROSSO? Não. Não se sente como um estranho, mas com medo, especialmente pela rejeição. Todos possuem documentos, votam, são cidadãos, mas sentem-se inseguros. Era comum sofrerem, serem perseguidos e serem surrados na região de fronteira. Apanhavam e serviam de mão de obra escrava em abertura de fazendas, não somente por serem chiquitanos, mas por serem os donos originais dessas terras. Uma eterna briga fundiária, pois enquanto a terra não tinha valor pecuniário tudo estava bem, mas quando se iniciou o processo de valorização e busca por espaços para criação de gado a coisa mudou completamente. Tradicionalmente os índios sempre foram taxados de imun-


PORQUE VOCÊ DIZ QUE OS CHIQUITANOS SÃO INVISÍVEIS? Por não quase não serem referência bibliográfica em arquivos e livros. Afirmo que são invisíveis porque não se encontra muita coisa sobre esse povo nos livros de história. Especialmente no século XX, período áureo da época da seringa, ocasião em que chiquitanos foram recrutados ou escravizados para trabalharem na coleta do látex. É estranho o pouco que se fala deles. É por isso que os chamo, eventualmente de invisíveis (notadamente em livros de história). QUAL A RELAÇÃO DOS CHIQUITANOS COM A CIDADE DE VILA BELA? A cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade - a Chave do Sertão - tem esse nome graças à genialidade dos portugueses, mestres em geopolítica. Até pouco tempo atrás a cidade era um espaço eminentemente negro, desde o êxodo de brancos que se deu por conta da queda do poder político e financeiro de Vila Bela. Na verdade, os chiquitanos sempre estiveram por ali, especialmente na margem esquerda do Guaporé, hoje Bairro Aeroporto, ou em chácaras, afastadas da cidade. Eles se concentram neste bairro que é ocupa-

do por não índios e índios, mas com presença marcante de chiquitanos, congregando 150 famílias em torno de uma associação organizada de moradores. EXISTEM ÁREAS CHIQUITANAS DEMARCADAS? Não existe nenhuma área indígena chiquitana demarcada, muito menos homologada. A demarcação é etapa de um processo. Primeiramente vem o reconhecimento étnico, que já aconteceu, com dados e informações do período pré-colombiano. Posteriormente vem o processo de identificação, que é feito por um grupo de técnicos e estudiosos que se debruçam em cima de evidências e emitem pareceres. De três projetos de demarcação, apenas um chegou ao processo de identificação, que é o Portal do Encantado, com área delimitada, as outras ainda não foram. Depois de todas as etapas abre-se um processo administrativo para verificação de contestações. Nesse caso, o próprio Estado contestou, o que eu considero um paradoxo, porque a identificação ocorreu com recursos do Prodeagro. Então, o próprio Estado, compõe um grupo técnico, onde existe uma programação contratual, com um banco de dados, e existia a proposta de regularização da terra chiquitana. Um contrato de caráter internacional, se compromissando a identificar essas terras

indígenas em Mato Grosso. Financiado e pago isso com recursos do Prodeagro e nem foi dinheiro da Funai, e depois o Estado entrou, quando acabou o interesse político e cessou o recurso financeiro, com a contestação da demarcação. Então note-se que não é sério. O Estado não é sério. Inclusive o atual governador Pedro Taques, enquanto Procurador da República, na época, há mais de dez anos, em 2003, nos ajudou muito nisso. Taques como Procurador Federal beneficiou muito o povo chiquitano. Espero que o governador, pelo seu histórico, possa resolver essa situação, ou contribuir para sua resolução. Não se justifica duas posturas. Como é que o governo do Estado assume um compromisso internacional e depois, por questões políticas, muda a regra do jogo. QUAL É A SITUAÇÃO DE LEGALIDADE DA T. I. PORTAL DO ENCANTADO? A Terra Indígena Portal do Encantado é declarada, mas não demarcada. A maior parte dessas terras (T.I.) pertencem à União. São terras com títulos dominiais e não terras devolutas. No entanto, mesmo sendo pertencente à União corre o risco de serem griladas pelos fazendeiros, pois no governo do presidente Lula foi produzida a famosa “MP do Grilo”, que depois virou lei e que por ser em área de fronteira, de interesse nacional, inicialmente

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dos, bandidos, ladrões, especialmente quando ocupam regiões fronteiriças.

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iriam ser destinados os espaços às estradas e ao aparelhamento de segurança. Essa MP dava possibilidade de transformar essas terras em propriedades privadas. Num segundo momento às terras indígenas e quilombolas e, posteriormente, à particulares. Aí é que mora o perigo. Existe hoje no Ministério Público Federal projetos que visam resguardar esse patrimônio em benefício dos índios, visto que é área fronteiriça ao Parque Estadual de Santa Bárbara, uma região espetacular e dos pontos mais altos do Planalto Central, naquilo que denominamos de “colchete”, entre as divisas dos municípios de Vila Bela, Porto Esperidião e Pontes e Lacerda. Os conflitos fundiários que vivemos no país são por falta de seriedade e postura de Estado, não de governo. Tem muito mais postura de poder e de governo do que de Estado. EXISTE IDENTIFICAÇÃO CULTURAL DE CHIQUITANOS E A SOCIEDADE QUE HABITA A REGIÃO DE FRONTEIRA, ALÉM DO IDIOMA ARUAQUE, DOS PARECIS? No começo do ano 2000, eu estava pesquisando na Bolívia, região de fronteira e, em certa ocasião estava sentado num banco, numa aldeiazinha chiquitana, numa festa de casamento e se ouvia música regional boliviana. Muitos convidados se faziam presentes, mas todos estavam acomodados, sentados, somente

ouvindo a música, de repente, ouviu-se no salão o rasqueado cuiabano. Foi o suficiente para todos se levantarem e passassem a dançar aquela música, aliás, muito apreciada naquela região fronteiriça. Ali vi a identificação daquela gente com Mato Grosso. Naquele “limpa banco”. E parece que isso não é reconhecido, me parece discriminação, que vem apenas de uma elite. É POSSÍVEL DEFINIR ESSE SENTIMENTO DE DISCRIMINAÇÃO? Sobre essa discriminação é difícil definir. O governo de Mato Grosso já se valeu dessa gente em várias ocasiões, lembremo-nos da fundação de Cáceres. Também no período da borracha foi mão de obra farta. Ocorre que os chiquitanos são uma população pendular, com parentes do lado de cá e do lado de lá (da fronteira). Depende das políticas de perseguição adotada, por um ou outro país, aí ela pendula (a sociedade chiquitana). Por ser fronteira existe a discriminação. Nasceu no Brasil é brasileiro, mas se casa na Bolívia e daí? Antes de serem bolivianos eles são chiquitanos. Aí voltam para o Brasil, mas não podem. Oras, temos que perder essa mania de que a fronteira divide. ENTÃO A FRONTEIRA NÃO DIVIDE? Fizemos um grande trabalho para eliminar essa

segregação. O movimento que essa sociedade possui é o de caminhar. O caminhar deles é tão necessário como respirar. Então temos que rever conceitos, a Bolívia é, na verdade, a nossa grande porta de entrada cultural e econômica. No entanto, não a utilizamos. Pensemos numa cidade com 2 milhões de habitantes (Santa Cruz de la Sierra e entorno), com acesso quase todo asfaltado, há poucas centenas de quilômetros de distância e enorme mercado consumidor. E nós não temos negócios com essa gente! Estamos de costas viradas para esse enorme potencial econômico e cultural. Isso deveria ser prioridade, mas não é. Não se pode abrir mão de um patrimônio desses, o que eu sinto é que Mato Grosso não possui projetos estruturantes. Deveria ter, mas não tem. COMO O PORTAL DO ENCANTADO, EXISTEM OUTROS PONTOS SAGRADOS? Sim, vários, de povos que habitam o oeste matogrossense, a exemplo dos nambiquára. O povo nambiquára é o mais antigo na imensa região oeste, com aproximadamente 14 mil anos de ocupação deste espaço. São dados científicos, confirmados por notáveis arqueólogos (Aguedon, Müller), em escavações, ao longo das últimas décadas. Muito ainda está por ser descoberto, pois


APESAR DA RIQUEZA CULTURAL OS POVOS INDÍGENAS AINDA SÃO DESRESPEITADOS EM SEUS DIREITOS? Em muitos casos sim. Tem uma coisa que nós aprendemos com os povos indígenas: conhecer para respeitar. Tudo que se desconhece, se tem medo, é do nosso próprio instinto de sobrevivência. Narciso acha feio o que não é espelho. Mas, se conhecer, vai dissipar esse medo. E a própria questão de justiça, em relação à terra, ela vem naturalmente, vem por gravidade. Vou dar um exemplo: Estamos promovendo nova identificação da Terra Indígena Tereza Cristina,

do povo bororo. Isso se dá pelo fato do rito processual ter sido contestado por não índios que ocupam parte daquelas terras, dizendo, inclusive, que não observamos a lei. Paramos tudo o que estávamos fazendo. Sabemos que vivemos hoje sob o manto da justiça. Graças a Deus. Daí o reestudo, vamos colocar os pingos nos “is”. Em 1909, essa reserva convivia com uma colônia militar. Essa área teve demarcação posterior, com ajuda do SPI, mas naquela época oferecia, através de recursos governamentais ferramentas, roupas e cachaça. O uso da cachaça era para “quebrar” a rotina, falar que isso não ocorreu é negação à história. Com fatos como esses percebe-se que o governo não é sério. Recentemente descobrimos um documento da década de 1960, lembrando que naquele período era o Estado quem demarcava a terra, atribuição atual da União. Nesse documento o governador de Mato Grosso, o qual não acho necessário citar o nome, promove, por Decreto, a troca de 35 mil hectares de terras, pertencentes à Área Indígena Tereza Cristina, por um trator, algumas ferramentas e poucas cabeças de gado, destinados aos índios daquela reserva. Os 35 mil hectares foram destinados aos fazendeiros que se avizinhavam da área indígena. Isso não é falta de respeito?

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grande parte de seu território sagrado está intocado e guardado pelos nambiquára. Vamos chegar até os dias atuais e abrir o leque da história e abordar os pontos sagrados das cavernas nambiquáras, representado pelo “Abrigo do Sol” que é único nas Américas. Eles têm uma visão daquilo de forma metafísica. Para os nambiquára esse abrigo guarda os espíritos mais antigos da humanidade, visto que eles se consideram os seres humanos mais antigos do nosso atual ciclo de vida. Se para nós, maioria de cristãos, o mundo já acabou com o dilúvio, para os nambiquára isso já ocorreu em três ocasiões. O primeiro foi na Escuridão, o segundo o Céu desabou e o terceiro foi pelo Dilúvio.

Meu avô participou da construção da Igreja do Rosário e sempre contava para mim e para meus primos como ele se sentia orgulhoso. MARINALVA ROSA

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D E S E N V O LV I M E N T O REGIONAL

Diamantes e O estado de Mato Grosso tem potencial para se destaca no cenário nacional como um dos principais produtores de bens minerais, notadamente o diamante, além de pedras coradas

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amor do ser humano pelos diamantes e pedras preciosas começou na Índia, onde os diamantes eram garimpados em rios e nascentes. Alguns historiadores acreditam que os diamantes eram comercializados na Índia desde o ano 4 a. C. Os diamantes brasileiros foram inicialmente encontrados nas peneiras dos garimpeiros de ouro que os prospectavam em pequenos rios e riachos. Com uma produção cres-

cente, o Brasil dominou o mercado de diamantes por mais de 150 anos. Com a mudança das fontes de suprimento o mercado de diamantes também evoluiu. A história da indústria de diamantes moderna realmente começa no continente Africano, com a descoberta, em 1866, de diamantes em Kimberley, na África do Sul. Vinte e dois anos depois destas descobertas o empreendedor Cecil Rhodes criou a De Beers Consolidated Mines Limited.


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Pedras Coradas SIGNO DA FORTUNA A descoberta do ouro na Vila de Cuiabá, por várias levas de paulistas, liderados por Pascoal Moreira Cabral, a partir de 1719, marcou o inicio da atividade mineral no Estado, não demorou e muito diamante foi encontrado em Alto Paraguai Diamantino. Em diferentes ciclos, a atividade mineral vem contribuindo sobremaneira para o desenvolvimento social e econômico de várias cidades matogrossenses. No começo do século XX ocorreram investidas no leste, sul, centro norte e centro sul de Mato Grosso. Na região de Paranatinga foram encontradas gemas de alto

valor e qualidade nas primeiras décadas do século XX. O feito é atribuído à garimpeiros que ampliaram seus raios de ação na região de Chapada dos Guimarães, onde ricos monchões foram explorados ainda no século XVIII. Paranatinga é uma cidade que pode-se afirmar nasceu sob o signo do diamante, tendo sua gente histórias fantásticas sobre o tema, envolvendo personagens que ainda nos dias de hoje são lembrados e quase alçados ao posto de mitos. Contemporaneamente novas lavras e garimpeiros estão atuando em antigos depósitos aluvionais remexidos e cheios de histórias. Uma das regiões geográ-

ficas mais importantes de Mato Grosso sobre extração e comércio de diamantes é o leste, que abrange extensa área, indo de Barra do Garças até Alto Araguaia, passando pelos garimpos de Poxoréo, Dom Aquino, Tesouro, Guiratinga e Itiquira. Nesse imenso quadrilátero muitas famílias ainda vivem da cata de diamantes, atividade herdada de seus ancestrais, mormente baianos ou maranhenses, quando não goianos e mineiros. Muita história existe prá contar os feitos e agruras de muita gente que ali fincou raízes ainda nos primeiros dias do século XX. Tem muito garimpeiro que ainda se lembra das refregas ocor ri-

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D E S E N V O LV I M E N T O REGIONAL

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TESOUROS OCULTOS Além do ouro e diamantes, há no Estado, outras preciosidades denominadas “Pedras Coradas”. Muitas dessas pedras são de alto valor comercial, mas não são vistas como prioridade, até porque muita gente, tanto na área empresarial, quanto de governo, nem sabe que as mesmas existem, aos borbotões, em solo matogrossense. Pedras coradas como a granada, o zircão, o diopsídio, o cristal de rocha, o quartzo rutilado, o quartzo fumê, o quartzo fumê opa-

co, com característica de ônix, o quartzo esverdeado com características de prasiolita, a ametista, o quartzo rosa, a ágata, a turmalina, a opala e outras, ocorrem em várias regiões do Estado. A granada, o zircão e o diopsídio, em geral, são encontrados associados ao diamante, nos aluviões que drenam os corpos kimberliticos nas regiões de Paranatinga e de Juína. O cristal de rocha e o quartzo rutilado são encontrados e extraídos em inúmeras frentes de lavra, em coberturas elúvio/coluvionares, associadas às alterações de veios de quartzo primários, em vários municípios da Baixada Cuiabana. Secundariamente, registra-se a ocorrência de quartzo fumê no município de Nova Brasilândia, além de cristais de rocha encaixad o s

nos metassedimentos do Grupo Cuiabá. O quartzo de coloração fumê opaco, com características de ônix, ocorrem associados à zona de falha conhecida como São Manuel, no Município de Planalto da Serra. Na região noroeste do Estado estão as ametistas, que ocorrem sob a forma de druzas, em veios hidrotermais, cortando rochas graníticas, no município de Aripuanã e nas proximidades da Vila Novo Horizonte, no município de Castanheira. No extremo nordeste do Estado, no município de Vila Rica, ocorrem druzas de ametista associadas a veios pegmatíticos. A ametista também é encontrada nos metassedimentos cisalhados e silicificados da Formação Morro Cristalino, no município de Pontes e Lacerda.

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das entre Morbeck e Carvalhinho, uma história a ser contada de forma mais clara, pois os personagens clamam por essa justiça. Enfim, Mato Grosso das muitas histórias tem no diamante uma de suas fatias mais gloriosas de nossa historiografia. É importante que gerações de matogrossenses conheçam melhor esse recorte de nossa história e passe a valorizar mais nossos feitos executados por pessoas que na ânsia de encontrar riquezas nas gemas contribuíram para fazer um Mato Grosso fantástico e maravilhoso do século XXI. Posteriormente, inúmeros novos corpos kimberliticos encaixados em falhas paralelas ao lineamento de azimute 125º foram descobertos cortando os sedimentos da Bacia Sedimentar dos Parecis na região de Juína e na região de Paranatinga.

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D E S E N V O LV I M E N T O REGIONAL Nas proximidades da sede do município Rondolândia ocorrem depósitos de quartzo rosa encaixado em rochas graníticas. As ágatas são comuns em aluviões recentes e terraços diamantíferos, principalmente nas regiões do Araguaia, leste e sudeste do Estado. As turmalinas são encontradas nas proximidades da Vila Nova

União, município de Cotriguaçu, em veios pegmatíticos encaixado no Granito São Pedro. As opalas da região noroeste do Estado, estão associadas a zona de venulação, em fraturas de cizalhamento, que interceptam tufos, ou sedimentos tufáceos, pertencentes ao Grupo Roosevelt. A identificação dessas jazidas e sua consequente ca-

talogação é feita com maestria e competência por geólogos e técnicos da Metamat, instituição governamental que há anos é responsável pelo setor, possuindo o conhecimento técnico necessário para oferecer ao próprio governo de Mato Grosso opções que, devidamente organizadas e estruturadas, se transformem em rendimentos econômicos.

PRODUÇÃO OFICIAL DE DIAMANTES EM MATO GROSSO E NO BRASIL PERÍODO 2010/2013 (EM QUILATES)

2010

2011

2012

2013

BR

24.760,00

45.526,09

49.234,00

49.166,23

MT

11.909,56

35.510,35

45.787,62

43.266,28

48,10%

78,10%

93,00%

88,00%

60.000,00 50.000,00 40.000,00 BR

30.000,00

MT 20.000,00 10.000,00 0,00

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2010

2011

2012

Fonte: DNPM - Adaptação METAMAT

2013


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Fonte: DNPM - Adaptação METAMAT

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R E P O RTAG E M ESPECIAL

Ilustres Inquilinos Residência Oficial dos Governadores de Mato Grosso

Em 45 Anos de Existência Muitas Decisões e Fatos Políticos Sobre a História de Mato Grosso Aconteceram Dentro Deste Casarão

D

POR JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA

e 1941 até 1986, o Palacete construído no governo de JúlioStrubing Müller, localizado na Rua Barão de Melgaço, área central de Cuiabá, serviu de residência oficial para as famílias de treze governadores de Mato Grosso. Após o governo de Júlio José de Campos, seu último ocupante, em 1986, foi transformado em museu para abrigar a história dos governantes de Mato Grosso. A idéia foi ótima, afinal de contas, iria abrigar móveis, pratarias, obras de arte e presentes oficiais e objetos de uso pessoal dos governantes, desde os Capitães Generais. No entanto, o museu foi desativado no governo

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posterior, com seu acervo sendo transferido para o Museu Histórico de Mato Grosso.O imóvel, que é tombado pelo Patrimônio Artístico e Histórico de Mato Grosso através do Decreto Governamental nº 2.012, de 6 de maio de 1986, também serviu de sede da Secretaria Estadual de Cultura, da MT Fomento e, por último, do Museu de Artes de Mato Grosso, inaugurado em 2014. Novos planos para a sua ocupação estão em andamento por parte do governo estadual, no entanto, nosso objetivo, com esta reportagem, é mostrar os nomese um pouco dos feitos de seus ocupantes, ao longo de quatro décadas e meia de sua história.


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R E P O RTAG E M ESPECIAL GOVERNO JÚLIO STRUBING MÜLLER Júlio Müller, sua esposa Maria de Arruda Müller e familiares, foram os primeiros moradores da Residência dos Governadores, tendo governado de 13/09/1937 até 29/10/1945. Nesse períodoregistrou-se notável fase de progresso e observou-se período de paz. A imprensa não sofria censura e recebia apoio do governo.Müller centralizou a administração na Secretaria Geral, ponto onde se desenrolavam as ações políticas, econômicas e administrativas, verificando-se melhoria de receita e diminuição de despesas. A economia girava em torno da pecuária, erva-mate, borracha, castanha e madeira em estado bruto. O principal comprador no Brasil era São Paulo e no exterior a Argentina, Alemanha e Inglaterra.Seu governo se destacou na educação e cultura de Mato Grosso. Reaparelhou o sistema, criando novas unidades educacionais ou reformando as já exis-

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tentes.Foi um governo que construiu importantes obras, a exemplo da Residência Oficial dos Governadores(em 1941), Clube Feminino (em 1941), Secretaria Geral (em 1942), Tribunal de Justiça (em 1942),Cine Teatro Cuiabá (1942), Estação de Tratamento de Água (1942), Abrigo Bom Jesus (1942), Colégio Estadual de Mato Grosso (1944), Usina de Pasteurização de Leite (1944) e Hospital Geral (em 1944).Müller também se destacou como propulsor do progresso em todo o interior, construindo escolas, abrindo estradas, organizando a Saúde Pública, enfim, inaugurando obras de infraestrutura.No governo Müller, através do Decreto Federal, nº 5.812, de 13 de setembro de 1943, foram criados os territórios federais de Ponta Porã e Guaporé (hoje Estado de Rondônia). A 18 de outubro de 1946, o território federal de Ponta Porã voltou a fazer parte do Estado de Mato Grosso.

posse como Chefe de Estado, proferiu interessante discurso, sendo que parte dele serviu de manchete do jornal O Estado de Mato Grosso,no dia seguinte, onde se lia em letras garrafais: “Governarei equidistante dos Partidos, os olhos fitos na lei, no direito e na justiça”.

GOVERNO OLEGÁRIO MOREIRA DE BARROS Não afeito às lides políticas, mas homem de pulso firme e determinado, o desembargador Olegário Moreira de Barros esteve à frente do governo, como Interventor Federal, de 30/10/1945 até 06/08/1946. Administrou obras pré-existentes e as finanças públicas de forma honrada.O segundo morador oficial da Residência dos Governadores, ao tomar

GOVERNO ARNALDO ESTEVÃO DE FIGUEIREDO Arnaldo Estevão, do PSD, tomou posse em 08/04/1947, e teve como principal mérito o começo do desenvolvimento da região norte do Estado. Desbravar as terras férteis tornou-se seu grande objetivo. Onde eram matas virgens nasceram sítios, fazendas, cidades. Governou com acerto e honestidade. Promoveu a extinção progressiva dos latifúndios, para con-

GOVERNO JOSÉ MARCELO MOREIRA O terceiro ocupante da Residência dos Governadores foi nomeado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra. O Interventor José Marcelo Moreira governou de 19/08/1946 até 08/04/1947. Foi um período curto para grandes procedimentos administrativos, não lhe sendo permitindo alçar vôos maiores. A exemplo de seu antecessor buscou cuidar das finanças e preparar o governo para o próximo governador, eleito pelo voto direto e com perspectivas de governar de forma constitucional. José Marcelo Moreira foi o último Interventor Federal em Mato Grosso.


dicionar o uso da propriedade ao bem-estar social.A par desta assistência o Estado procedeu no levantamento de todas as áreas reservadas à colonização, demarcou lotes e prosseguiu distribuindo terras de acordo com o grau de ocupação que elas apresentavam. No setor educacional de 236 escolas isoladas, em 1947, subiram para 705, em 1950. Aumentou o corpo docente primário de 479 vagas, em 1947, para 1.136, no começo de 1950. O Ensino Secundário também mereceu atenção especial, assim como o Ensino Normal. Criou a Comissão de Estradas e Rodagens, dando nova vida ao transporte e comunicação, ligando cidades com mais fluidez e rapidez. Na saúde verificou-se aumento de todos os serviços, com novos postos de saúde nos municípios e serviço ambulante de assistência médica à população rural.Renunciou ao governo em 02/07/1950, para disputar o Senado Federal. GOVERNO JARY GOMES Com a renúncia de Arnaldo Estevão, assumiu o gover-

sar de ter muito prestígio e possuir imensa liderança, optando pela família e pela vida literária. Jary Gomes governou Mato Grosso por 7 meses, de 2 de julho de 1950 até 31 de janeiro de 1951. GOVERNO FERNANDO CORRÊA DA COSTA (1º) Fernando Corrêa da Costa foi eleito pela UDN, em eleiçõesdiretas. Em seu primeiro mandato prosseguiu a política de colonização iniciada no governo de seu antecessor. Instalou a Secretaria de Educação, Cultura e Saúde. Idealizou a Conferência

dos governadores dos estados da Bacia do Rio Paraná. Criou a Faculdade de Direito de Cuiabá. Construiu a Usina Hidrelétrica nº 2 do Rio da Casca, inaugurada a 12/12/1954. Fundou o Tribunal de Contas do Estado e o Bemat. Além de rodovias que estimulavam ainda mais a circulação de passageiros e mercadorias no estado, estão também entre suas obras a construção dos edifícios dos colégios estaduais de Corumbá e Campo Grande. Criou também o Serviço de Assistência Rural, uma Usina de Pasteurização de Leite e produtos derivados.Em 1952, foi realizada uma excursão à Vila Bela da Santíssima Trindade, para comemorar os seus 200 anos de fundação.Em mensagem à Assembleia Legislativa, na abertura da sessão legislativa de 1951, Corrêa da Costa afirmou que o setor de ensino público requeria imediata estruturação, pela decadência em que jazia, especialmente pela ausência de diretrizes pedagógicas.Corrêa da Costa administrou de 31/01/1951 até 30/01/1956. GOVERNO JOÃO PONCE DE ARRUDA João Ponce de Arruda governou Mato Grosso de 31/01/1956 até 30/01/1961. Seu governo se alicerçou em três pontos capitais: Estradas, Escolas e Energia. Deu atenção à manutenção e abertura de estradas, inclusive as federais. Executou planos de demarcações e as

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no o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Jary Gomes, de acordo com o artigo 2º das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta Magna de 1947, que autorizava o presidente do legislativo assumir o governo, pois de acordo com este artigo, não haveria vice-governador. Jary Gomes era médico, poeta e político nascido em Corumbá. Não era um amante da política e, por conta disso, desistiu da política logo cedo, ape-

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R E P O RTAG E M ESPECIAL reformou todos os serviços, em todos os escalões, desde a Diretoria Geral até os Distritos Sanitários, Postos e Ambulatórios. Criou a CEMAT - Centrais Elétricas de Mato Grosso e promoveu a construção da Hidrelétrica do Mimoso.É de seu governo a proposta de demolição do antigo Palácio Alencastro e construção de um prédio para abrigar a sede do governo estadual, hoje prefeitura de Cuiabá.

sentamento de colonos em várias regiões, pondo fim às disputas entre eles próprios. Criou os seguintes núcleos de colonização: Rio Taquari, em Coxim (hoje MS); Jamacá, em Chapada dos Guimarães; Ribeirão da Ponte, em Cuiabá; Couto Magalhães, em Ponte Branca e Mutum, em Poxoréo.Fez construir 4.600 km de novas rodovias; 1.401 metros lineares de pontes; no setor educacional foram inaugurados 8 colégios estaduais, 2 escolas normais, 15 grupos escolares, 2 escolas modelos, 30 escolas reunidas, 7 cursos de admissão, 722 escolas rurais mistas, 2 cursos científicos noturnos, 1 escola técnica de comércio e uma Faculdade de Direito.Com relação à saúde,

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GOVERNO FERNANDO CORRÊA DA COSTA (2º) Fernando Corrêa da Costa, da UDN, assumiu mandato de governador em 30/01/1961, tendo como vice o engenheiro civil, José Garcia Neto, indo até 31/01/1966. Seu governo continuou de forma intensa a política de valorização agrícola, a ponto de já no 4º ano de governo ter distribuído 3.000 títulos de terras, medidos e demarcados, realizando profundas transformações no setor agrícola matogrossense. Fundou a Casemat. Multiplicaram-se as colônias agrícolas em Porto XV, Aquidauana, Ponta Porã, Cáceres, Poconé, Jaciara e, em outras cidades.Segundo dados oficiais o governodestinava 33% da renda tributária à educação. Despendeu grandes preocupações tocante à energia elétrica, com enormes investimentos no setor. Criou o Ipemat, no sentido de assegurar a Previdência Social e de saúde do funcionário público estadual.

GOVERNO PEDRO PEDROSSIAN Pedrossian teve como vice Lenine Póvoas e governou de 31/01/1966 até 30/01/1971. Para dar agilidade à administração desdobrou o número de secretarias estaduais, criando o projeto NOVO MATO GROSSO. Enfrentou processo de impecheament, liderado pela política tradicional. Venceu obstáculos e fez um dos melhores governos que Mato Grosso assistiu. Criou a Sanemat e deu impulso à política de habitação construindo 1818 casas em diversos pontos do estado. No setor de saúde fez construir 52 hospitais, entre 1966 e 1970. Promoveu concurso público na área da educação. Construiu a “nova’ ponte Júlio Müller, sobre o Rio Cuiabá; uma moderna estação para abastecimento d´água; reaparelhou os hospitais dos tuberculosos e o Adauto Botelho; ampliou a produção de energia elétrica; criou o Centro Educacional de Cuiabá; reorganizou o Corpo de Bombeiros; construiu o Laboratório de Solo; criou a Escola para Recuperação de Crianças Excepcionais; prosseguiu com a construção da Usina Hidrelétrica nº 3 do Rio da Casca; urbanizou a Praça do Rosário; concluiu o prédio da maternidade do Hospital Geral; iniciou a abertura da Avenida Prainha; deu subvenções para construção da Catedral de Cuiabá, Santa Casa de Misericórdia e Abrigo dos Velhos; cons-


truiu o Palácio Filinto Müller; criou a Rádio Patrulha e modernizou a PM; fez o Cais Flutuante; criou o Instituto de Ciências e Letras Faculdade de Filosofia,em Cuiabá, além de centenas de obras no interior. Durante seu governo foi criada a UFMT. GOVERNO JOSÉ MANOEL FONTANILHAS FRAGELLI Sendo vice o médico cuiabano José Monteiro de Figueiredo, o governador Fragelli buscou promover a recuperação financeira do estado. Implantou plano de implantação de rodovias vicinais, construindo estradas nas zonas de produção agrícola. Em Cuiabá construiu a Escola Presidente Médici e o Ginásio Polivalente e muitas unidades de ensino no interior. Idealizou e iniciou a construção do Centro Político e Administrativo - CPA, uma das obras mais importantes das últimas décadas. É utilizado de forma eficaz até os dias de hoje, no entanto, quase nenhum

funcionário público estadual que ali trabalha sabe que foi o idealizador daquele complexo. Fragelli também fez construir o Estádio do Verdão, depois desnecessariamente derrubado para compor novo estádio. A partir de 1973, efetuou trabalho de recuperação do patrimônio e documentos históricos. Apoiou programa de pesquisas arqueológicas, com descoberta dos seguintes sítios: Barranco Vermelho, Fazenda Murtinho, Fazenda Santo Antônio, João Quirino e Morro do Meio. Em seu governo foi criado a FEBEMAT - Fundação do Bem Estar do Menor.

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GOVERNO JOSÉ GARCIA NETO Tendo como vice Cássio Leite de Barros, Garcia Neto governou de 13/03/1975 até 14/08/1978, quando renunciou para disputar o Senado Federal. Foi um governo de grandes realizações, imprimindo-se um sentido social, multiplicando-se os postos de saúde e melhorando o sistema de água tratada, sem contar investimentos na área educacional. Ocorreu nesse período a criação do Estado de Mato Grosso do Sul. Esse fato ocorreu à sua revelia, tendo sido iniciativa do governo Geisel. Garcia Neto promoveu intensos investimentos na área de saúde. No setor educacional ampliou o número de salas de aula. Instalou curso de Agronomia, em Dourados e construiu o hospital universitário, em Cuiabá. Na área da cultura criou a Fundação Cultural, fazendo funcionar o Ateliê Livre e o Salão Jovem Arte. Promoveu publicação de obras literárias e exibição de peças teatrais. Tombou o prédio do Seminário da Conceição e Igreja NS do Bom Despacho. Instalou o Museu de História Natural. Criou a PROSOL, para assistência social em geral e, através desta instituição foram criadas a “Casa do Artesão” em Cuiabá, Corumbá, Dourados, Rondonópolis e Campo Grande. Também foi criada o CEPROMAT, dando maior agilidade e eficiência aos cálculos orçamentários do governo. Foi

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R E P O RTAG E M ESPECIAL a partir dessa data que uma nova história de Mato Grosso passou a ser construída em nossa terra.

um dos governos que mais se preocupou com a cultura matogrossense. GOVERNO CÁSSIO LEITE DE BARROS Leite de Barros governou de 14/08/1978 até 15/03/1979. Com a situação do Estado agravada pela divisão territorial o governante fez o possível para conduzir da melhor forma possível a máquina administrativa. Ao final de seu curto mandato, assim se expressou nas páginas do jornal O Estado de Mato Grosso (...) “Ao me despedir de Mato Grosso, espero que o Tribunal da história se lembre da boa intenção do seu governador em luta pelos direitos do povo matogrossense, permitindo superar os obstáculos provenientes do desmembramento do estado”. Cássio Leite de Barros governou sob clima de expectativa das novas experiências que já haviam sido plantadas no germe da divisão de Mato Grosso. Esse fato foi sem dúvida um divisor de águas, mas foi

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GOVERNO FREDERICO CAMPOS Frederico Campos governou, junto com seu vice, José Vilanova Torres, de 15/03/1979 até 15/03/1983. Campos se propôs governar preservando a memória matogrossense e, ao mesmo tempo, implantar notável desenvolvimento tecnológico, convivendo lado a lado, em harmonia, respeitando os valores éticos de nossa cultura. Conseguiu. Intensificou projetos de implantação de rodovias nas zonas rurais para escoamento de produção. Levou imagem de TV para quase todas as localidades. Intensificou programas e projetos de saneamento básico. Criou a Secretaria de Promoção Social (centros sociais urbanos, centros comunitários, módulos esportivos e centros sociais rurais) e deu continuidade à PROSOL, no campo da assistência social. Seu programa de habitação foi um sucesso, com total de

12.402 habitações construídas. Criou-se 20 novos municípios. Levou o sistema de telefonia DDD e DDI a várias localidades. Melhorou a qualidade do ensino, fez construir 99 unidades escolares, criando 114.720 novas vagas. Implantou o Prodasec, para populações carentes e o Pronasec, com finalidade de integrar educação, trabalho e cultura. Implantou o projeto Carga Pesada (pavimentação de rodovias alimentadoras); Integração (construção de 80 pontes) e Nova Fronteira (integração da região centro ao norte/noroeste, por rodovia de 1.012km). Deu continuidade aos projetos hidrelétricos e estabeleceu programas de mini-usinas e usinas hidrelétricas. GOVERNO JÚLIO JOSÉ DE CAMPOS Com Wilmar Peres de Faria na vice, Júlio Campos governou Mato Grosso de 15/03/1983 até 15/05/1986. Foram prioridade em seu governo três pontos estruturais: Energia, Estradas e Educação. No setor de energia conseguiu recursos para


lumeMatoGrosso o Linhão Cachoeira Dourada, sendo construídas 23 subestações de transmissões. Deu início à construção das usinas de Primavera do Leste, Braço Norte, Juína, Aripuanã, Apiacás e Caiabis. Construiu a Usina de Culuene, inaugurou Usina São Domingos, em Torixoréu. No setor educacional construiu-se 618 salas de aula, reformou 504 e outras 147 foram ampliadas. Efetivou através de concurso público 8.563 professores. No setor de estradas pavimentou 2.544 km de rodovias; construiu 1.400 km de estradas vicinais pelo Polonoroeste; implantou o Programa Nova Fronteira da Rodovia, com 1.025 km de extensão, na região norte e noroeste. Pelo programa Carga Pesada concluiu 800 km dos 1.215 km previstos. Deixou em construção pontes de concreto e aço, pelo Projeto Integração, que totalizou 4.462 metros de pontes definitivas. Construiu o edifício

do Dermat, no CPA. Duplicou a Avenida Fernando Corrêa, em Cuiabá e também a Ponte Júlio Müller. Construiu o Trevo do Lagarto, o contorno rodoviário Cuiabá - Várzea Grande e parte do sistema viário do CPA. Criou a Secom - Secretaria de Comunicação Social e o Fundepan, para preservação do Pantanal. Buscou preservar a memória histórica através de inúmeros tombamentos de imóveis, formação de cursos e grupos folclóricos. Criou o Balcão do Povo, espécie de repositório das reivindicações, sugestões e críticas ao governo. Criou o Pró-Município e diversos outros programas especiais, visando promover o municipalismo. Um dos últimos projetos de sua gestão foi o tombamento da Residência dos Governadores, transformando-a em Museu. Com este ato, Júlio Campos passou a ser o último governador a morar na residência oficial.

Está lá, para quem quiser ver e experimentar sentir o que pensavam os homens que os fabricaram e os assentaram em corredores e com eles decoraram salas, quartos e cozinhas de suas casas

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MEMÓRIA

“Vermelho Bom, Só Batom”

A história que não deve ser esquecida

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POR YAN CARLOS NOGUEIRA*


FOTO: FNDC - FÓRUM NACIONAL PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

N

ão é difícil para a população brasileira entender que estamos vivendo um dos períodos mais conturbados da história do Brasil no século XXI. Nos mais diversos meios de comunicação, diariamente vemos notícias e imagens perturbadoras sobre o país. Tais mensagens, em sua maioria, informam sobre a calamidade do serviço público de saúde, crimes de diversas naturezas, denúncias e crise política e econômica nacional. Quem nunca ouviu fa-

lar do golpe civil-militar de 1964? As torturas talvez sejam os relatos mais comuns sobre o período. Mas, como ocorreu o golpe? Porque muitos foram torturados? E mais, sobre qual justificativa? (e há justificativa para tortura?). Não é pretensão deste artigo fazer uma análise sufocante de 64, mas averiguar alguns fatos e buscar, no meu entender, uma forma simplificada, especialmente ao público do ensino fundamental e médio, dos pontos relevantes da década do golpe.

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Em 1960 a constituição vigente era de 1946. A legislação previa eleições tanto para presidente como para vice. Não que o vice fosse nomeado por ficar em segundo lugar, eram ambos eleitos separadamente. Venceu para a Presidência da República um demagogo chamado Jânio Quadros, que fizera campanha ao lado de uma vassoura. Tivera apoio de uma grande elite conservadora religiosa e de partidos direitistas como a UDN, (União Democrática Nacional) de Carlos Lacerda, sendo um sucesso de votos: cerca de 5,6 milhões, o maior número obtido até então. O vice de sua chapa, Milton Campos, decaiu sobre a popularidade do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), nomeando João Goulart como Vice-Presidente. Inesperadamente, 7 meses depois Quadros renunciou. Estava prestes a estourar uma das maiores bolhas ferventes na política nacional. Segundo a Carta Magna de 46, o Vice-Presidente deveria receber o cargo. Jango (como era popularmente chamado João Goulart) se encontrava na China quando soube do ocorrido e pretendia voltar para sua posse presidencial, no entanto, no Brasil, os ministros militares e forças conspiratórias de direita não queriam que isso viesse a proceder. Desta maneira, essas mesmas forças pressionaram o Congresso Nacional a votar pelo Im

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MEMÓRIA

JANGO GOULART COM SUA ESPOSA, DONA MARIA TEREZA, EM DISCURSO

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gaúcho. A Emenda Constitucional n° 4, que instituía o Parlamentarismo, foi aprovada por 233 votos contra 55, no dia 2 do mesmo mês. Uma nota escrita por João Goulart, agora Presidente, demonstrou seu respeito pela população brasileira e se propôs a respeitar a Constituição. No final do texto, lia-se: “que Deus me ilumine, que o povo me ajude e que as armas não falem.” As águas estavam, por fim, se abaixando, mas haveria de rolar muitas tempestades neste mar. Goulart representava, para a sociedade burguesa e religiosa, “um perigo vermelho”. A imagem fora vendida pelos grandes latifundiários, donos de grandes empresas e integrantes da alta classe religiosa que entendia o Comunismo, ou o Socialismo, como um sinônimo de ateísmo e perversão. Hoje se sabe que houve uma “mão norte-americana” para difundir uma iconografia sombria de Goulart. Depois que os Estados Unidos perderam Cuba para a bandeira “Comunista”, seu presidente John Kennedy não iria aceitar, de maneira nenhuma, outro regime que não tivesse como base econômica o sistema capitalista na América Latina ou no Ocidente. O Brasil é o maior país do continente Sul-americano e nesta época já se encontrava industrializado, caso não fosse estava a caminho de ser. Um dos vários artifícios dos Estados Unidos da

América foi o de enviar dinheiro para o IPES e o IBAD, ambos os institutos financiados por grandes empresários para espalhar a ideia de que o marxismo era perigoso para a democracia, família e preceitos religiosos. Em 1962, esses institutos também tinham como objetivo difundir cartazes, panfletos e propagandas para eleger candidatos contrários ao governo nas eleições para governadores, senadores e deputados. Deu errado. Joao Goulart estava se impondo para efetivar as reformas de base, sobretudo a polêmica reforma agrária. Em maio de 1963, foi instalado na Câmara dos Deputados uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os institutos. Por meio de um decreto João Goulart derrubou o IBAD, mas o IPES acabou absolvido. No entanto, outros meios de comunicações continuaram a fazer uma propaganda antigovernamental. O jornal “O globo” foi um dos mais veementes precursores deste objetivo sendo contra o 13° salário, lei assinada pelo presidente do Brasil em 13 de julho de 1962, criada devido ao movimento sindical da época. Atualmente, é verídico afirmar que “O Globo” apoiou o golpe de 64. Terminado o ano de 1962, o ano seguinte seria decisivo para o quadro político brasileiro. Goulart encontrou uma brecha para usar a seu favor. A Emenda

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peachment de Jango, o que obviamente não aconteceu. Durante a ausência de Goulart, Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara dos Deputados, tomou posse interinamente. Nesta avalanche de agosto de 61, iniciou-se no Rio Grande do Sul um movimento pela legalidade democrática em apoio a Goulart, liderado pelo seu cunhado Leonel Brizola, que era até aquele momento Governador do estado. No dia 27, a junta militar ordenara que o General Machado Lopes, Comandante do III Exército, fosse até ao Palácio Piratini, no Rio Grande do Sul, para depor Brizola a base de tiro. Caso o governador viesse a resistir dever-se-ia bombardear o recinto com tanques de guerra. Nas negociações que antecederam o mês de agosto, os militares propuseram a implantação de um regime parlamentarista, o que na realidade transferia o poder para um Primeiro Ministro. Tancredo Neves, do PSD (Partido Social Democrático) foi o encarregado de levar a proposta para Goulart que estava em Montevidéu, no Uruguai (Jango fez diversas rotas para dar tempo a crise antes de voltar ao Brasil). Mesmo a contragosto, João Goulart aceitou o pedido mediante ao receio de uma guerra civil iminente que poderia eclodir caso negasse. No dia 1º de setembro Goulart pousara em Porto Alegre, quando foi recebido pela grande alegria do povo

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MEMÓRIA Constitucional n°4 previa a realização de um plebiscito no início de 1965, visando a objetividade em decidir sobre o sistema Parlamentarista. Todavia, em 15 de setembro foi aprovada sua antecipação para o dia 6 de janeiro de 1963. O sistema Presidencial fora escolhido e vencera com 82%. Jango agora estava conquistando seus poderes presidenciais. 1964 entra para ser um ano de revolução e de realização das reformas de base. A agrária, mais polêmica, consistia em dividir terras de forma “justa”. O problema era que a Constituição previa a desapropriação de terras com indenização e previamente em dinheiro, o que não iria acontecer, pois o país estava atolado de dívidas, a economia nacional indo ao buraco e o Planto Trienal, de Celso Furtado, para melhorar a inflação no Brasil, se tornara um tremendo fracasso e uma frustração. Outra ação política foi polêmica foi a eleitoral, que visava a extensão do direito

de voto aos analfabetos, e a legalização do PCB (Partido Comunista do Brasil). Em 64, os partidos de esquerda tomaram um caráter de radicalização impressionante. Talvez tenham se encorajados e se sentiram seguros para avançar sobre as forças de direitas militares e conservadoras. Mas é preciso analisar melhor. Alguns historiadores afirmam que a esquerda daria um golpe de estado para realizar seus planos reformistas e instituir o marxismo no Brasil. De fato, isso é um ponto a ser estudado com maior cautela. Porém é difícil afirmar se haveria um golpe de esquerda, pois os rumos poderiam ser outros em diversos momentos. No dia 13 de março, houve o Comício da Central do Brasil, ao lado do Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro. No evento João Goulart discursou em praça pública, diretamente ao povo, quando se comprometeu a aceitar o apoio da ala esquerda e do PCB, que era clandestino. A UNE (União Nacional dos Estudantes) se LEONEL BRIZOLA

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fazia presente, juntamente com órgãos sindicais como o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e movimentos de esquerda. O “show” obteve cerca de 200 mil pessoas em apoio ao governo e às reformas de base. O presidente nesse instante baixou dois decretos: desapropriação de terras numa faixa de dez quilômetros às margens de ferrovias e rodovias, além de barragens, e transferência para a União o controle de cinco refinarias de petróleo do país. Em resposta, a oposição organizou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Manifestações que ocorreram em diversas partes do país com a finalidade de protestar contra o marxismo e alertar contra a “ameaça comunista”. Grupos como a CAMDE (Campanha da Mulher pela Democracia) saíram de verde e amarelo pelas ruas do Brasil pedindo a deposição do presidente João Goulart. Uma grande massa de mulheres ecoando: “vermelho bom, só batom”, “um, dois, três Brizola no Xadrez”, “Ave Maria cheia de graça, fora Jango”. Como se não fosse o suficiente, no dia 25 de março, Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil se revoltam por direitos e melhorias. As manifestações pediam que nenhum integrante do movimento fosse punido pela hierarquia militar. Reuniram nomes de esquerda, como Leonel Brizola, na sede dos Sindicatos dos


lumeMatoGrosso JANIO QUADROS E CARLOS LACERDA SE CUMPRIMENTAM

Metalúrgicos da Guanabara para a reivindicação. Diante do vulcão aberto, o Ministro da Marinha ordenou que fuzileiros fossem até o local, mas ao invés de cumprir ordens aderiram ao movimento deixando as forças militares extremamente furiosas. No momento em que prisões e punições viriam a ser regidas, o presidente João Goulart interveio e proibiu todas as ordens de seu ministro. Um episódio triste e decisivo. Jango, certo ou errado, mexera com a hierarquia e na disciplina rígida militar. Os Marinheiros foram anistiados no dia 27 de março. Essa situação provocou nos militares conspiradores, políticos de direita, setores religiosos, civis conservadores e classe média alta a imagem de um presidente fraco e que implantaria no Brasil um sistema comunista e de uma ditadura do proletariado com base marxista. No dia 31 daquele mês eclodiu em Minas Gerais um levante para depor

Jango. Era preferível que um governo civil, no caso o do governador Magalhães Pinto, desse apoio ao levante. Liderado pelo general Mourão Filho, o movimento marchou em direção ao golpe de Estado, operação que ficou conhecida como “Popeye”. De encontro, os Estados Unidos enviaram ao Brasilum porta-aviões, seis contra-torpedos com 110 toneladas de munição, um porta-helicópteros, um posto de comando aerotransportado e quatro petroleiros que traziam 553 mil barris de combustível. Essa operação ficou conhecida como “Brother Sam” e dava apoio ao golpe. Diante às insubordinações, João Goulart vai para Brasília de onde deveria dar as ordens, o que não acontece. Acaba indo para o Rio Grande do Sul, onde Brizola planeja uma resistência ao golpe. Jango, por sua vez, prevê uma guerra civil e resolve não agir. Em Brasília, o Presidente do Senado,

Auro de Moura Andrade declara a vaga a Presidência da República sobre a justificativa de a nação estar acéfala, alegando que Goulart fugira do país. Daí em diante, os militares tomam o poder e logo nos primeiros dias do golpe já sãos casos de tortura e violência como o do comunista Gregório Bezerra que aos 64 anos foi amarrado a um jipe e conduzido pelas ruas de Recife. Ao todo meio milhão de brasileiros foram investigados, 50 mil presos, 11 mil acusados, 10 mil torturados, 5 mil condenados, 10 mil exilados e 4962 cassados. É preciso olhar para esse período e esperar que nunca mais se repita, pois absolutamente todas as atrocidades foram feitas, por incrível que pareça, em nome da democracia. * Yan Carlos Nogueira é graduando do Curso de Serviço Social do Univag Centro Universitário.

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É Hora de Dar um Basta

Com violência sexual de crianças e adolescentes não se brinca

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POR TEREZINA FÁTIMA PAES DE ARRUDA*


lumeMatoGrosso FOTO: ARCS MANAWATU

“R

enda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.” Clarice Lispector

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Esta reflexão baseia-se no pressuposto de que crianças e adolescentes podem ter destinos diferentes se suas trajetórias de vida não forem marcadas por violências, sobretudo, pelo abuso sexual. Os pensamentos angustiados dos seres humanos que militam neste campo, no qual me incluo, voltam-se para alguns fatos cotidianos como: crianças e adolescentes convivendo nos dias de hoje com a influência da televisão e de novas tecnologias, com a violência juvenil, a violência

FOTO: JR MANUELIAN’S

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urbana e sexual, em uma sociedade em que a exclusão social atinge uma parcela significativa de brasileiros. Esta realidade remete às indagações: a sociedade sempre foi assim? Quando crianças e adolescentes deixarão de ser objeto para se tornarem sujeito de direitos? Quais foram os passos e entraves desse processo? O que a família, a sociedade e o Estado têm feito para protegê-las? Quais são as políticas de atenção social que protegem crianças e adolescentes?


do zero aos doze anos de idade, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/1990), pois considera-se como criança a pessoa com até doze anos incompletos, enquanto que entre os doze e dezoito anos encontra-se na adolescência. A infância é a fase da vivência e percepção do mundo, a partir do olhar, tocar, saborear sentir e agir. Tudo isso faz parte do universo infantil. Philippe Ariés, historiador francês, problematiza o conceito infância dizendo que na Idade Média, no início dos tempos modernos e por muito tempo ainda nas classes populares, as crianças misturavam-se com os adultos assim que eram capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas poucos anos – depois de um desmame tardio – ou seja, aproximadamente aos 7 anos de idade. A partir desse momento ingressavam imediatamente na grande comunidade dos homens, participando com seus amigos jovens ou velhos dos trabalhos e dos jogos de todos os dias. O movimento da vida coletiva arrastava em uma mesma torrente as idades e as condições sociais, sem deixar a ninguém o tempo da solidão e da intimidade. Dessa maneira, percebe-se que não havia distinção entre o mundo adulto e o infantil. As crianças viviam em meio ao universo adulto, cêntrico e falavam e se vestiam como os adultos. Além disso, todos os assuntos eram discutidos na sua frente, inclusive participavam de jogos sexuais. As crianças eram preparadas e transformadas em homens, sem passar pelas etapas da juventude. Hoje sabemos que a criança é um ser dotado de particularidades e cuidados especiais, principalmente um sujeito de direitos, historicamente adquiridos. Crianças e adolescentes tornam-se visíveis e tratadas de forma desrespeitosa. De acordo com o ECA, não mais se admite que crianças e adolescentes sejam vítimas de violência, negligência e opressão. A violência é uma forma de expressão das relações sociais e sua manifestação tem caráter plural com determinações variadas. Portanto, não é autoexplicável. Conceituar violência tem alto grau de dificuldade,

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São essas indagações que elenco e, por participar deste processo histórico, procuro olhar atenta-mente o passado para enxergar o hoje e fortalecer a luta pelos direitos humanos da criança e do adolescente, vítimas da violência sexual neste país. O interesse pessoal pelo tema vem da militância no movimento social de enfrentamento à violência sexual de crianças e adolescentes. A infância é um período de desenvolvimento que vai do nascimento, ou seja,

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FOTO: REPRODUÇÃO

pois existem inúmeras maneiras de defini-la. O historiador e sociólogo Yves Michaud, em produção literária de 1989, traz algumas definições, dentre elas o conceito etimológico: violência significa usar a agressividade de forma intencional e excessiva para ameaçar ou cometer algum ato. a violência se manifesta de diversas maneiras. A violência sexual ocorre desde muito tempo, numa relação de poder, ultrapassando os limites dos direitos humanos, legais, de poder e de regras sociais e familiares, sendo que a criança e o adolescente passam por um processo de desumanização, ou seja a criança torna-se um objeto para satisfazer o desejo do outro. Dentro deste contexto existem várias formas de expressão da violência: a intrafamiliar contra crianças e adolescentes, violência física, violência sexual, psicológica. Portanto, destaco, que a família apresenta-se como o primeiro grupo em que os seres humanos são inseridos e, por isso, representa o principal responsável pelo processo de socialização dos indivíduos. A violência praticada no

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meio familiar é denominada como violência doméstica. Assim, todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra criança e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vitima – implica, de um lado, numa transgressão de poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação o direito que criança e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Podemos fazer uma reflexão afirmando que o adulto, constantemente com suas atitudes, deprecia a criança, causa tortura psicológica e, muitas vezes, causa-lhes grande sofrimento mental. Com isso, construímos adultos medrosos, inseguros, agressivos, resultado dos tipos de violência sofridos na infância. A violência sexual é considerada um problema de saúde pública, que ocasiona sérios prejuízos para as vítimas, envolvendo aspectos psicológicos e sociais. O problema é agravado pelo medo e vergonha


lumeMatoGrosso FOTO: JENALYN VILAMARIN

das vítimas que, indefesas, sofrem abusos e violências por um longo tempo. Quando finalmente criam coragem de denunciar o abusador, padecem pela pressão da família e de pessoas próximas, que muitas vezes desacreditam em suas versões, e quando não acusam de terem “provocado” os abusos ou violências. Sabemos que somente através de denúncias que poderemos enfrentar o problema, pois a omissão, além de permitir a continuidade do abuso e a impunidade do agressor, favorece a perpetuação dos crimes e produz vítimas com perturbações de toda ordem que, futuramente hão de possuir e acarretar mais problemas para toda a sociedade. E por entendermos que este relevante tema deve ser debatido por toda a população, para que autoridades, educadores, religiosos, pais, médicos, assistentes sociais, psicólogos e outros estejam aptos a identificar os sinais e sintomas do abuso ou da agressão, com a finalidade de socorrer e tratar as vítima, bem como denunciar, responsabilizar e punir o abusador ou o agressor.

Muitas vezes a criança ou o adolescente não sabe ou não tem certeza de que estão sofrendo abuso ou violência sexual, pois na maior parte dos casos os abusadores são conhecidos das vítimas e se aproveitam desta proximidade para ganhar a confiança delas, fazendo brincadeiras, oferecendo doces, brinquedos, fazendo companhia, razão pela qual as vítimas possuem geralmente grande afeição pelo abusador, o que dificultam as denúncias. A implementação de políticas públicas de atendimento às vítimas, a realização de cursos periódicos de capacitação para todos os profissionais responsáveis pela atuação e atendimento à crianças vítimas de abuso e violência sexual são fundamentais. Para a defesa dos direitos da criança e do adolescente, o ECA pressupôs a necessidade de um conjunto de atores articulado sob a forma de um Sistema de Garantias dos Direitos, o qual é integrado por Conselhos, Poder Judiciário, Poder Executivo, dentre outros. Além disso, institui o Conselho Tutelar, Artigo 131, órgão que tem a função precípua

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EXPOSIÇÃO DE CARTAZES PRODUZIDOS POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE CENTROS SOCIOEDUCATIVOS EM BRASÍLIA FOTOS: SECRETARIA DOS DIREITOS HUMANOS

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jeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. No enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, são colocados grandes desafios para toda sociedade, principalmente no que diz respeito à consolidação do ECA. A violência contra crianças e adolescentes é uma das expressões da questão social que reforça a desigualdade social. Após a promulgação do ECA, crianças e adolescentes tornam-se sujeitos de direitos e deveres civis, humanos e sociais e passam a ser considerados cidadãos em desenvolvimento que têm direito à proteção e a segurança em seu universo. Precisamos refletir sobre a importância da família em seu contexto histórico para se entender os elementos que contribuíram para que se chegasse à situação de violência. A violência sexual desorganiza a vida das pessoas envolvidas, realidade ainda vivenciada em nossa sociedade. Por isso, se faz necessária a mobilização por parte do Estado, da sociedade e da família em garantir que os direitos estabelecidos sejam realmente efetivados a partir de serviços que busquem o atendimento a essas vítimas. Dessa maneira, busca-se superar a situação vivenciada, estabelecendo um trabalho articulado e multidisciplinar que garanta que essa criança ou adolescente seja atendido em todos os aspectos e meios que os envolvem, assim como a preocupação em restabelecer e fortalecer os vínculos familiares. Violência contra crianças e adolescentes é algo que merece uma maior atenção por parte de toda a sociedade. Trata-se da violação de direitos que sujeitos que se encontram em situação de pleno desenvolvimento. Com violência sexual de crianças e adolescentes não se brinca! (*) Terezina Fátima Paes de Arruda é Mestre em Serviço Social e Coordenadora do Curso de Serviço Social do Univag – Centro Universitário de Várzea Grande

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de zelar para que a criança e o adolescente não tenham seus direitos violados e, caso isso ocorra, que se disponha de mecanismos ágeis para os encaminhamentos das situações em que ocorreu a violação. Cabe ao Estado proporcionar Políticas Públicas de Atendimento às vítimas, com o objetivo de amparar as famílias que tiveram seus direitos violados. Como resultados, a potencialização de suas capacidades de proteção aos seus membros, fortalecimento da autoestima dos indivíduos e de suas famílias para que haja possibilidade de reinserção dos membros na sociedade para enfrentamento da realidade munida com seus direitos. Também propiciará a contribuição para o fortalecimento da família no desempenho de sua função protetivo, processar a inclusão das famílias nos sistemas de proteção social e nos serviços públicos, conforme necessidades, contribuir para restaurar e preservar a integridade e as condições de autonomia dos usuários. No Brasil, as ações de enfrentamento à violência sexual se intensificaram após a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069, criada em 13 de julho de 1990, dando mais visibilidade e fortalecendo ações sobre a violência sexual no âmbito doméstico. O ECA tem como base o princípio da propriedade absoluta às crianças e aos adolescentes. É considerada uma das mais avançadas do Brasil, pois trouxe uma nova referência da proteção integral, introduzindo na sociedade brasileira obrigações ao Estado e à sociedade civil, garantindo, assim, um novo trato de direitos e deveres às crianças e aos adolescentes. O ECA determina garantias contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Dispõe que o abuso sexual e violência em crianças e adolescentes devem ser de notificação obrigatória, havendo apuração de responsabilidade para aqueles que se omitirem, estando os mesmo sujeitos às penalidade legais. Em seu artigo nº 5, determina que nenhuma criança ou adolescente será ob-

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SAÚDE

Doenças Contagiosas ao Alcance de Todos

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Conversamos com o médico e escritor Ivens Cuiabano Scaff sobre doenças contagiosas, lobby da indústria farmacêutica e literatura


lumeMatoGrosso FOTOS: DIVULGAÇÃO

O SENHOR É MÉDICO E LECIONA INFECTOLOGIA EM UMA UNIVERSIDADE DE MATO GROSSO. COMO SE DEU O INTERESSE POR ESSA ÁREA DA CIÊNCIA QUE ABORDA DOENÇAS INFECIOSAS E PARASITÁRIAS? »»No meu tempo de faculdade, formei-me na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a matéria relacionada a infectologia se chamava Medicina Tropical e era focada em saúde pública, doenças endêmicas como Esquistossomose e Doença de Chagas e não havíamos experimentado os avanços na área de estatística, epidemiologia e informática e no conhecimento sobre os anti-

bióticos. Meus interesses na época eram Clinica Médica, Gastroenterologia e Endoscopia digestiva. Ao retornar a Cuiabá em 1976 os hospitais estavam repletos de casos de malária vindos do norte de Mato Grosso, fui então me aproximando da área da infectologia. Com o início da epidemia da AIDs na década de 1980, o atendimento no setor público aos pacientes HIV-soropositivos com o acompanhamento de alunos passou a ser minha principal atividade. O SENHOR ACREDITA QUE APARELHOS DE GINÁSTICA TODOS SUADOS TRANSMITEM DOENÇAS? E CORRIMÃO, MAÇANETA,

BARRAS DE SEGURANÇA DE ÔNIBUS, UTILIZADAS POR PASSAGEIROS? É PARANÓIA OU EXISTE FUNDAMENTO NESSE TEMOR? »»Não é paranóia. As mãos podem auxiliar na transmissão tanto de doenças que se transmitem por contato como por via aérea. Assim a Influenza (gripe clássica) como a H1N1 transmitidas por aerossóis também são veiculadas por contato com mãos contaminadas. Afecções intestinais sejam por vírus(rotavirus) como por bactérias(salmonelas) ou por mãos contaminadas por toxinas(toxinas estafilocócicas). As mãos também são importantíssimas na veiculação de bactérias (ás vezes multi-resistentes aos antibió

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SAÚDE

»»ticos)

nas infecções hospitalares. Entre as doenças sexualmente transmissíveis a sífilis na sua forma secundária(cutânea) e mesmo o HPV podem, mesmo que raramente, ser veiculadas pelas mãos. Lavar as mãos frequentemente com sabão comum (não existe vantagem em que seja anti-bacteriano) e/ou usar o álcool em gel podem fazer a diferença.

QUAIS SÃO AS MAIORES INCIDÊNCIAS DE DOENÇAS CONTAGIOSAS EM MATO GROSSO? QUAL É A PORTA DE ENTRADA PARA ESSE TIPO DE CONTÁGIO? »»A tuberculose pulmonar que apresenta transmissão aérea e é bastante relacionada a baixa condição socioeconômica e ambientes

O MÉDICO E ESCRITOR IVENS SCAFF (AO CENTRO) DURANTE POSSE NA AML

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insalubres sejam favelas ou presídios. A vacina BCG e o descobrimento e tratamento precoce dos casos é a forma de enfrentamento.A hanseníase também é um problema importante em nosso estado. O contágio se dá pela convivência íntima e continua com os pacientes e o tratamento precoce é uma grande arma no combate a essa moléstia tanto individualmente como para barrar a disseminação. As viroses Dengue, ZiKa e H1N1 tem recentemente assolado o nosso estado. Já a Leptospirose, A Doença de Chagas e a Esquistossomose não tem entre nós a importância que tem em outras regiões do país.Continuam sendo diagnosticados novos casos de infecção pelo HIV ape-

sar de a informação sobre os modos de contágios estar em todas as mídias. Entre as viroses emergentes já foram identificados casos em Mato Grosso de Hantaviroses que são transmitidos através da urina de roedores (que vivem nas plantações muito próximas das residências) e que podem causar febre hemorrágica com acometimento pulmonar e renal. EXISTEM PROGRAMAS E/ OU POLÍTICAS PÚBLICAS DE GOVERNO QUE VISEM INIBIR EPIDEMIAS? CASO AFIRMATIVO, QUAIS SÃO? »»Temos vacinação em rede pública para hepatiteB, H1N1 e gripe clássica. Os bancos de sangue fazem triagem dos doadores para HIV, hepatites Be


O SENHOR É A FAVOR OU CONTRA A LIBERAÇÃO DA FOSFOETANOLA-MINA, DESENVOLVIDA POR PESQUISADORES DA USP? »»Uma substância passa por quatro fases antes de ser liberada como medicamento indicado para combater uma doença. Fase I: testagem em laboratório para avaliar a ação da resposta in vitro, fase II: aplicação da substância em pequenos grupos que não possuem a enfermidade com o objetivo de avaliar efeitos adversos, fase III: aplicação da substância em pequenos grupos de pacientes que apresentam a doença para aferir se os resultados in vitro se repetem in vivo, Fase III a aplicação da substância em grupos maiores de pessoas em vários países. Só após estes estudos mulicentricos a substância é liberada para uso. Mesmo assim a Talidomida foi liberada e em seguida proibida após se constatar que ela causava má formação nos fetos. Por outro lado o ácido Valpróico que tem o nome comercial de Depakeneseria capaz de eliminar o vírus HIV in vitro (fase I), já é usado em milhares de pacientes com disritmia cerebral sem grandes efeitos adversos (fase II), aguarda-se a fase III e a IV para ser usado como re-

médio para a cura definitiva da infecção pelo HIV. Quanto a Fosfoetanolamina os pesquisadores não cumpriram as etapas e estudos recentes mostram que ela falhou mesmo na fase I. O SENHOR ACREDITA QUE A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA FORMOU, AO LONGO DO SÉCULO PASSADO UM CARTEL DE LOBISTAS QUE SE INFILTROU EM TODOS OS SETORES DE NOSSA SOCIEDADE E CONTRUIU UM LABIRINTO DE MANIPULAÇÃO, ENGANO E CONTROLE , VISANDO TÃO SOMENTE GANHAR DINHEIRO COM AS DOENÇAS EM CURSO? »»Penso que uma descoberta de importância envolveria tantos pesquisadores que este segredo logo seria revelado, seria comprado por empresas concorrentes. QUAL É A OPINIÃO DO SENHOR SOBRE O FATO DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA, QUE FAZ MAIS DE UM TRILHÃO DE DÓLARES POR ANO COM A VENDA DE DROGAS PARA AS DOENÇAS ATUAIS, EM OBSTRUIR, SUPRIMIR E DESACREDITAR INFORMAÇÕES SOBRE A ERRADICAÇÃO DE DOENÇAS POR MEIOS NATURAIS? A CURA OU ERRADICAÇÃO DE UMA DOENÇA PODERIA LEVAR AO COLAPSO O MERCADO DESSA INDÚSTRIA? »»Por um lado temos os imensos interesses financei-

ros da indústria farmacêutica. Por outro a ingenuidade e desejo de acreditar em soluções mágicas frente a problemas de difícil solução que todos temos. Dos dois lados a ganância,a dos donos da indústria e dos espertos. O SENHOR É UM ESCRITOR CONSAGRADO EM MATO GROSSO E NO BRASIL, ACREDITA QUE A LITERATURA PODE CONTRIBUIR PARA MELHORAR A VIDA E A SAÚDE DAS PESSOAS? PORQUE? »»As doenças muitas vezes foram temas da literatura. A peste que acometeu o exército grego como castigo de Apolo na Ilíada de Homero. A hidra de sete cabeças dos pântanos de Lerna como alegoria da malária. A relação de cuidador e doente no A morte de Ivan Ilich. O sanatório de tuberculosos da A montanha Mágica de Tomas Mann. De novo a tuberculose em A dama das caméliase Floradas na Serra.A meticulosa descrição de uma enxaqueca em Médico de Homens e de Almas, biografia de Lucas, médico e evangelista.A fantástica descrição de um ataque de sezão em Sarapalha de Guimarães Rosa,Os estudos de Susan Sontag e Elizabeth Kobler-Ross.Mas acho que o principal papel da literatura, além do prazer de se escrever e ler, é possibilitar o desenvolvimento do pensamento crítico... e criativo.

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C, Sífílis (que vem aumentando entre nós).Penso que temos falhado quanto a palestras nas escolas.

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S EMGEUMRÓARNI Ç AA

O Negro na Conquista do Oeste*

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POR AFRÂNIO CORRÊA FOTO ALBERT HENSCHEL (1870)

negro, escravo e miserável, teve uma função de relevo na grande obra de colonização do Oeste. Foi o braço forte que suportou a carga de todos os serviços pesados. Marchando com a bandeira, preso a um serviço duríssimo, deu a sua vida na histórica marcha para o Oeste. Elemento servil, fora levado de S. Paulo, desde os primeiros desbravadores, para conduzir a pesada bagagem da bandeira. Só o negro suportava tal mister, porque era de fato um forte. Remando, enquanto navegavam; condu-

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zindo, por terra, sobre as costas, nas longas caminhadas, as dezenas de arrobas do equipamento material da bandeira; pegando em armas, nos combates, para defender os senhores contra o gentio paiaguá e guató – o negro foi o braço forte da penosa marcha para o Oeste, e sempre açoitado, espancado e chumbado como um animal rebelde. Importado e vendido como mercadoria, e, como tal, pagando impostos, o negro viveu em todas as épocas da conquista do Oeste como elemento precioso de trabalho.


pela pneumonia, porque dormia ao tempo, sob o vento frio que inesperadamente soprava por sobre os planaltos. Morria sofrendo e lamentava-se apenas a perda da mercadoria que se estragara ao tempo. E, quando, no desespero da sua dor, fugia das mãos do senhor, buscando um tratamento humano entre os seus de raça, no refúgio dos quilombos, eis que o negro – pobre negro! – iria viver sob ainda mais terrível tortura, escravizado pelos próprios chefes negros, da mais baixa brutalidade. Pela ordem régia de 7 de Março de 1741, era ordenado que o negro que fugisse do senhor fosse marcado a ferro com um “F” sobre uma das espáduas, cortando-lhe a orelha, “sem mais processo”, quando reincidisse. Ainda assim, porém, o negro fugia. Para onde? Quariteré, depois Vila Carlota, foi um célebre quilombo no Oeste, destruído à bala por Souza Coutinho, em 1779, e, finalmente, arrasado no governo de João de Albuquerque. Para ali, fugiram centenas de negros miseráveis, em busca de uma vida melhor. Mas, em Quariteré, mandava Teresa a Rainha-Negra. Na ocasião, essa “negra amazona” foi presa e tentaram levá-la para Vila Bela, mas, segundo cronistas, “morreu enfurecida, como Cleópatra.” Passam-se anos, e o cli-

ma de Vila Bela começa a hostilizar a população. O número dos que sucumbem cresce. Entre estes, dois capitães-generais morrem pela insalubridade da região. As vítimas aumentam. Mas, e os negros? São imunes. Resistem. E a população começa a diminuir, de ano para ano, enquanto os negros proliferam. E o tempo passa. Um século. Quase dois séculos. A Vila Bela de hoje, é uma pequena vila, quase todos negros, alguns brancos. Transitam e passeiam pelas ruas da antiga capital, entre as ruínas das suas igrejas, pelos solares dos seus feitores. Todos morreram ou se foram. E o negro lá ficou – livre, cidadão, eleitor, pobre, embora, porém livre, tendo como sua, só de negros, a pitoresca Vila Bela dos Capitães-Generais e fidalgos – símbolo do poderio português no Oeste, baluarte longínquo de um império fantástico, ruína memorável de uma época de açoites, torturas e enforcamentos. Destino...quem te entende?

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Nos trabalhos das lavras, o negro foi o braço que balançou a bateia, atento ao brilhar do ouro, rodante sobre a baeta. De tangas, ao relento tropical, trabalhando de sol a sol, fazia à noite os outros serviços de seu senhor, carregando-lhe água, buscando gêneros, conduzindo cargas, embarcando ouro! E, quando se cansava, era açoitado e espancado até um dia morrer magro e faminto, devorado pela tuberculose – mártir anônimo da conquista do Brasil. A revolta do negro contra os maus tratos teve a mais dura repressão. Rodrigo César, visitando Cuiabá no período em que começava a assinalar-se a sua decadência, ordenava o enforcamento de negros em praça pública a fim de intimidá-los a diminuir as fugas que, de dia para dia, aumentavam os quilombos. Desnutrido e miserável, mártir de todos os dias, o negro pagou com a dor, com o sangue, com a vida, com sofrimentos bárbaros, com as mais torpes torturas, os seus inestimáveis e imprescindíveis serviços prestados ao paulista e ao português. Foi o homem do trabalho, o braço que fez. No distrito de Matto Grosso, nos elevados planaltos dos Parecis, onde se situam os arraiais de São Francisco Xavier e Santana da Chapada, o negro morria ao desabrigo, vitimado

(*) Texto retirado do livro “O Paredão de Ouro”, de Afrânio Corrêa, escrito em 1943, de acordo com a visão e conhecimento histórico do autor, à época. Neste período a cidade de Vila Bela SS Trindade chamava-se Matto Grosso.

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Dom Aquino Corrêa O Governante Conciliador

FOTOS MUSEU HISTÓRICO DE MT E ARQUIVO DA CÚRIA

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m 1915 o engenheiro militar Caetano Manoel de Faria e Albuquerque assumiu o governo de Mato Grosso, porém, injunções políticas e interesses adversos dos partidos que dominavam a cena política, o Republicano e o Conservador, provocados por seus líderes, senador Azeredo e cel. Pedro Celestino, não lhe proporcionaram a necessária serenidade ao bom desempenho de seus propósitos, desembocando, em 1916, no fenômeno político denominado Caetanada. O Estado transformou-se num caos total, necessitando da interferência do governo federal.

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COMEMORAÇÕES DOS 200 ANOS DE CUIABÁ Por ocasião do bicentenário de Cuiabá, completado no dia 8 de abril de 1919, e por ser considerada a célula mater de Mato Grosso, por sua precedência, o Presidente de Mato Grosso, D. Aquino Corrêa, pretendeu fazer comemoração dessa data com pompa e circunstância. A memória histórica da cidade pedia isso, além de ter essa data perenizada por atos solenes e dísticos cívicos que eternizassem o evento. Em seu História de Mato Grosso, o historiador Virgílio Alves Corrêa Filho nos dá mais preciosas informações sobre essa comemoração: (...) As cerimônias do dia oito de abril, porém, em cujo plano se incluiu a inauguração do Instituto Histórico de Mato Grosso, interromperam-se, para continuarem a 30 de novembro, quando do porto desembarcou o Núncio Apostólico, D. Ângelo Scapardini, convidado de honra, que não pudera es-

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tar presente, como pretendia, em data anterior; (...) Teve, então, início aplaudido programa de inauguração do tráfego de automóveis, da nova Igreja Matriz de São Gonçalo, de melhoramentos na Santa Casa de Misericórdia, e no Campo de Demonstração; (...) Colocação da primeira placa da Avenida Presidente D. Aquino, por homenagem da Câmara Municipal, passeata escolar, abertura da exposição de quadros da vida rural de Campo Grande; (...) Instalação dos novos edifícios das oficinas e do Observatório Metereológico e Sismógrafo; (...) Até o dia 9 continuaram as festividades de que participou o povo cuiabano, que promoveu manifestação ao Núncio Apostólico, visitante insigne, e exaltou os folguedos folclóricos de rua então realizados (2012, p. 643). A programação foi intensa e pensada com certa antecedência, contemplando

melhorias urbanas, instalação de marco histórico, lançamento de livros de autores cuiabanos, que são referência até os dias de hoje, dentre atividades escolares, civis e militares. Ainda em março de 1918, nas dependências do salão nobre da Câmara Municipal de Cuiabá, foi constituída uma comissão para organizar a programação. Foi a mesma composta por ilustres personalidades daquele período, dentre os quais se nominam os desembargadores Luís da Costa Ribeiro e Antonio Fernando Trigo de Loureiro, o deputado federal Aníbal Benício de Toledo e o estadual Joaquim Gaudie de Aquino Corrêa; os capitães Carlos Gomes Borralho e Octávio Pitaluga, o coronel Júlio Müller, o tenente-coronel Firmo José Rodrigues, Américo Augusto Caldas, Antonio Fernandes de Souza, padre João Batista Couturen - diretor do Liceu Salesiano, os engenheiros civis Miguel Carmo de Oliveira Mello e Virgílio Alves Corrêa Filho, o professor Fernando Leite Campos - diretor da Biblioteca Estadual, o dr. João Barbosa de Faria e o professor Philogonio de Paula Corrêa. As propostas foram acatadas e se registra a inauguração de um obelisco comemorativo, colocado na praça principal do bairro do Porto e oferecido pela cidade de Corumbá aos cuiabanos; exposição de produtos do estado de Mato Grosso; publicação de um


blemas de Mato Grosso e mais ainda, pela fundação de duas instituições que desabrocharam, mercê seu carinhoso apoio; (...) O Instituto Histórico de Mato Grosso, inaugurado a 8 de abril de 1919, e o Centro Mato-Grossense de Letras, iniciado a 7 de setembro de 1921, com tamanha vitalidade que se transfigurou na atual Academia Mato-Grossense de Letras, não alcançariam a pujança, que os distinguiu, caso não os animasse o decisivo amparo presidencial, que de começo, lhe deu expressivas divisas (2012, p. 642). No dia 22 de janeiro de 1922, D. Francisco de Aquino Corrêa transmitiu a presidência do Estado ao seu sucessor, Coronel Pedro Celestino Corrêa da Costa. Consta que ao final de seu governo D. Aquino Corrêa não dispunha do mesmo prestígio político que possuía no começo de seu mandato, em seu crepúsculo mergulhado em acentuada crise de finanças. Para se ter uma ideia das questões políticas e seus desdobramentos, exatamente por ter influência na política ao longo dos tempos, o Arcebispo D. Aquino Corrêa, já afastado da vida pública, foi vítima de ignóbil atitude do deputado estadual Oliveira Melo, em sessão do dia 27 de setembro de 1929. O projeto de lei, que tinha a clara intenção de perturbar e magoar D. Aquino, está contido nos anais

da Assembleia Legislativa, tendo sido publicado pelo historiador Rubens de Mendonça, em seu livro História do Poder Legislativo de Mato Grosso (1974, pg. 182/183): (...) A Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso Decreta: (...) Art. 1º - Fica abolida a bandeira criada pelo Decreto nº 02, de 30 de janeiro de 1890, do Governo Provisório do Estado, com a denominação de “bandeira” particular do Estado Federal de Mato Grosso; (...) Art. 2º - O culto cívico em todo o território do Estado deverá ser feito em torno da Bandeira Nacional, como símbolo da Pátria Brasileira, bandeira instituída pelo decreto nº 4, de 19 de novembro de 1889, do Governo da República; (...) Art. 3º - O Hino Nacional será o hino oficial do Estado; (...) Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário; (...) Sala das Sessões da ALMT, em 27 de setembro de 1929. A. A. Oliveira Melo - Jayme de Vasconcelos - Emílio Amarante. Tal projeto foi convertido na Lei nº 1.406, de 8 de outubro de 1929, mas não prosperou. D. Aquino foi uma figura ilustre e reconhecidamente um grande mato-grossense com méritos. O Hino de Mato Grosso, de sua lavra, foi oficializado no governo Júlio Campos (1983-1986) e é entoado em todas as ocasiões cívicas do Estado.

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trabalho de propaganda do Estado; cunhagem de moedas comemorativas; festejos militares e escolares oficiais; além de muitas outras solenidades. A proposta foi acatada pelo presidente do Estado, D. Aquino Corrêa, um apoiador e incentivador da cultura e história de Mato Grosso. A cidade de Cuiabá recebeu inúmeras melhorias, a exemplo da instalação de luz elétrica e instalação de praças. Foram lançadas as seguintes obras: “Os predecessores dos Anhangueras e Pires de Campos”, de Antônio Corrêa da Costa; “Datas Matogrossenses”, de Estevão Corrêa; “Notícia Corográfica de MT”, de Virgílio Alves Corrêa Filho; “Terra Natal”, de Dom Aquino Corrêa; “Invasão Paraguaia”, de Antônio Fernandes de Souza, além de exposição cartográfica da Comissão Rondon e da Carta Geográfica feita por Francisco Jaguaribe Gomes de Mattos, e ainda publicação de artigos sobre a questão de divisas com Goiás. Quanto ao carinho e respeito que possuía pela historiografia e literatura mato-grossenses, o historiador Virgílio Alves Corrêa Filho, fez a seguinte anotação sobre D. Aquino e a criação das duas instituições culturais em seu livro História de Mato Grosso: (...) Fecundo influxo exerceu igualmente nos domínios intelectuais, mediante a publicação de obras atinentes aos pro-

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Ta len su A Montanha de Pedra Mitologia Indígena no Mês das Crianças

POR ANNA MARIA RIBEIRO COSTA ILUSTRAÇÕES LOYUÁ RIBEIRO

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o mês da criança, livros são sempre presentes bem vindos. Incentivá-las à leitura ou ler para elas, são atitudes cidadãs. Em meados de 2015, o Ministério da Cultura, durante o Seminário Internacional sobre Políticas Públicas do Livro e Regulação de Preços, anunciou mais um triste índice do Brasil: cada brasileiro lê 1,7 livro por ano. E, em virtude de o Brasil não atribuir o devido valor à leitura, levantou a bandeira para a criação de uma campanha para estimular a leitura semelhante a da contra a paralisia infantil. Por iniciativas de escolas, centros culturais e museus, muitas bandeiras têm sido levantadas. Mas, é preciso que ações mais pontuais sejam desenvolvidas no âmbito das escolas do ensino fundamental e médio, direcionadas à valorização mais efetiva dos professores e dos alunos de escolas públicas. Essas ações devem, especialmente, primar por uma gestão mais democrática que os conduzam ao exercício da cidadania e que todos possam contribuir efetivamente na construção de uma “cultura da paz”.

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Iniciativas de incentivo à leitura podem começar em casa. Como sugestão, para um Estado que possui o segundo maior número de etnias, ficando atrás somente do Amazonas, mitologia indígena, oriunda de narrativas orais, pode ser um excelente percurso para o conhecimento de povos que estão mais perto de nós do que imaginamos. Ainda desconhecidos e invisíveis, os indígenas vivem em um universo complexo, com culturas diferentes, criadas e recriadas a todo instante diante à história das relações estabelecidas entre os homens e meio ambiente. Com certeza, uma históira que foi e continua sendo drasticamente alterada pelo processo de colonização. No mês da criança, trazer vivências indígenas por meio de textos são caminhos para se criar o prazer da leitura, de forma que o livro faça parte de sua vida e que seus conteúdos expliquem porque os indígenas têm uma vida diferente da dos não indígenas. Mitos indígenas trazem verdades consideradas fundamentais para sua compreensão de mundo. Consistem em um conjunto de his-

tórias do início dos tempos, do tempo mítico, das origens, que aconteceram nos idos da ordenação do mundo. Cada povo indígena tem seu conjunto de histórias. O povo Nambiquara é formado por vários grupos. Vive em uma extensa região formada por três ecossistemas: cerrado – Chapada dos Parecis, mata – Vale do Guaporé e serra – Serra do Norte, a oeste de Mato Grosso e ao sul de Rondônia. Para além das diferenças encontradas na cobertura vegetal e no relevo, existem aquelas percebidas em suas autodenominações, em seus modos de falar e de viver de cada um deles. Esses grupos recebem um nome específico ligado a um hábito alimentar, ao ambiente em que vivem, a uma particularidade do corpo, a uma qualidade que se destaca às outras. No cerrado, na Chapada dos Parecis, na Terra Indígena Nambiquara, habitam os grupos Halotesu, que em sua língua significa aquele que vive no campo; os Wakalitesu, povo do jacaré; os Sawantesu, povo que vive na mata; e os Kithaulhu, povo da flor do marmelo. Acreditam os índios que em um tempo longínquo, que não dá para contar, um espírito malfeitor, possuidor de muita força e poderes sobrenaturais, começou a fazer buracos na terra ligando um rio a outro. As águas rapidamente iam se encontrando, formando um único rio, largo


tomou a frente, empunhando uma espada de madeira, com a ponta bem fina, própria para perfurar. Os animais que se aglomeraram ali resolveram se afastar um pouco, com medo do que pudesse acontecer. A andorinha-da-mata voou longe, longe, longe, para pegar embalo e conseguir uma velocidade estonteante. Direcionou seu vôo e com a espada perfurou a pedra que nem raio. E ela ficou rachada em duas partes. Os animais, que assistiam surpresos a tudo, viram gente sair da pedra. A andorinha-da-mata chamou um homem e uma mulher e indicou um lugar para o casal morar e formar uma família. Para outro casal, mostrou outra direção. E fez o mesmo com os demais que estavam ali próximos. Alguns índios preferiram ficar na grande montanha de pedra preta. É por isso que até hoje, os grupos Nambiquara preferem aldeias pequenas, abertas em diversas direções. Talensu? Continua a guardar gentes Nambiquara. Do lado de fora, escutam-se suas vozes.

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e profundo. Ao mesmo tempo, o céu caiu sobre o chão ficando os dias em trevas. Homens, mulheres e crianças morreram afogados e suas almas transformaram-se em anta. A salvo ficou Talensu, uma enorme montanha de pedra, onde em seu interior vivia um povo alegre que não conhecia doença alguma. Era imortal. Algum tempo depois, do lado de fora da montanha de pedra, o sol voltou a brilhar como antes. A lua apontava, clareando as noites. Próximo à grande pedra de cor preta, o macaco japuçá escutava vozes. Muito curioso, passava a maior parte de seu tempo a esperar que alguém resolvesse sair. Mas, isso nunca acontecia. Sol a sol, ali esperava insistentemente, chegando a ficar com pêlos das costas avermelhados. O japuça resolveu, então, pedir à cutia para roer a pedra, mas quebrou os dentes. Chamou a anta que, com sua força, tentou partir a pedra inutilmente. O tatu-canastra começou a furar a pedra com uma lixa e se machucou. O urubu dava vôos em direção à pedra, batendo com o bico, querendo perfurar a rocha. As tentativas foram em vão e já estavam desistindo quando a andorinha-da-mata se aproximou do alvoroço que se formava. Ao tomar conhecimento do assunto, e também curiosa em saber quem morava na imensa pedra preta,

ANNA MARIA RIBEIRO COSTA viveu entre o povo Nambiquara do Cerrado entre os anos de 1982 a 1988. Éhistoriadora, vicepresidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e Professora do Univag – Centro Universitário.

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Consciência Negra, Lima Barreto, Policarpo Quaresma e o Tupi-Guarani

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POR POR ANNA MARIA RIBEIRO (*)

m homenagem a Zumbi de Palmares, quando é celebrado o Dia da Consciência Negra, em todo 20 de Novembro, foi instituído em âmbito nacional pela Lei Nº 12.519, de 10.11.2011. A atenção de todos deve-se voltar às reflexões acerca da inserção dos afro-descendentes na sociedade brasileira, arraigada pelo preconceito e injustiça social, ainda

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que dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já tenham demonstrado no último censo populacional que pardos e pretos são predominantes na população brasileira. Pesquisas de diversos órgãos governamentais e não governamentais indicam que pardos e pretos são os que têm menor renda, maior desemprego, menor escolaridade e mais vulnerabilidade à violência. O mapa, a seguir, demonstra o Brasil em Estados, de acordo com porcentagem de pessoas pardas no ano de 2010.


LIMA BARRETO Um dos mais expressivos representantes da raça negra é Afonso Henriques de Lima Barreto, mais conhecido por Lima Barreto, um ícone da literatura brasileira. Falar de Lima Barreto é sempre importante, pois foi um escritor que combateu o preconceito e as desigualdades sociais. Filho de pais pobres e afro-descendentes, foi vítima do preconceito racial durante toda sua vida. Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, em 1881. Em 1903, iniciou sua carreira na Secretaria de Guerra, no setor burocrático. Ano que também se dá sua colaboração com a imprensa do Rio

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Publicado em 2004, um estudo de Sérgio Pena e Maria Cátira Bortolini concluiu que 86% da população brasileira, taxa que corresponde a 146 milhões de pessoas são possuidoras de mais de 10% de genes africanos. Os números estão assim distribuídos: 45% ou 77 milhões de brasileiros possuem 90% ou mais de genes africanos subsaarianos. Mais de 75% dos brancos do Norte, Nordeste ou Sudeste apresentam ancestralidade africana superior a 10%. Mesmo no Sul, com seu marcante histórico de imigração europeia, este valor é na ordem de 49%. Em comparação, nos Estados Unidos apenas 5% dos brancos apresentam genes africanos ou indígenas.

de Janeiro, publicando artigos e crônicas no Correio da Manhã e o Jornal do Commercio. Em 1907, passou a fazer parte do grupo de escritores e ilustradores colaboradores da Fon-fon, uma revista semanal que circulou na cidade do Rio de Janeiro entre 1907 a 1958. Junto aos seus amigos, fundou e dirigiu a revista Floreal, veículo por onde iniciou a publicação do folhetim “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, mais tarde publicado em livro. Na revista ABC, passou a ser colaborador, publicando textos com tendência socialista. Lima Barreto acreditava que o ato de escrever consistia em um caminho para censurar o mundo à sua volta, com vontade de provocar novas escolhas de práticas e costumes que privilegiavam certas classes sociais, grupos ou pessoas. Seu temperamento inquieto e inconfor-

mismo diante à mediocridade de seu tempo levaram-no ao alcoolismo; seu estado depressivo ao hospício. Lima Barreto produziu um significativo número de textos publicados em periódicos, romances, sátiras, contos, crônicas que ocupam um lugar especial na estante da literatura nacional. Seus ro-mances, principalmente “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, “Triste fim de Policarpo Quaresma” e “Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá” são escritos que apresentam fortes traços autobiográficos. Dentre estes, destaco “Triste fim de Policarpo Quaresma”, que tem como personagem central Policarpo Quaresma, um funcionário público que trabalha no Arsenal de Guerra e que sofre de “febre patriótica”, um exacerbado orgulho nacionalista. Dentre os desejos da persona-

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entre elas. É também falada na Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana Francesa, Paraguai, Peru e Venezuela. No romance, um estudioso do Tupi-guarani e entendedor da importância da língua para o Brasil e os brasileiros, Quaresma leva à Câmara sua petição: Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestadaao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escre-ver em geral, sobretudo no campo dasletras, se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperasdos proprietários da língua; sabendo além que, dentro do nosso país, os autores e escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma – usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro. O requerimento do bom e modesto “major” Quaresma foi “duramente dias de assunto de todas as palestras. Publicado nos jornais da cidade, com comentários facetos, não havia quem não fizesse uma pilhéria sobre ele, quem não ensaiasse um espírito à cus-

ta da lembrança de Quaresma”. No tumultuado início da República, Quaresma foi voluntário na Revolta da Armada por discordar das injustiças sofridas pelos prisioneiros. Condenado ao fuzilamento, não viu consolidado seu projeto de nação. Quaresma e Barreto acreditaram na construção de um Brasil melhor e combateram, cada qual ao seu modo, o preconceito racial e a discriminação social. Em 1917, Lima Barreto foi internado em um sanatório. Mas, como proclamou o “Cordel para Lima Barreto”, de Gustavo Dourado, professor, escritor, poeta e cordelista de Itibitá, Bahia, “não se cura a loucura de um gênio inspirado”. No Dia da Consciência Negra, a produção ficcional de Lima Barreto,que dá ouvidos as vozes das margens e dos desvalidos, pode ser um caminho para uma reflexão crítica sobre a trajetória histórica dos negros na sociedade brasileira. É também uma data importante para valorizar personagens negros e afro-descendentes. A experiência sofrida por Lima Barreto diante ao preconceito social e a discriminação racial e seu personagem Policarpo Quaresma, que pretendia lutar pela salvação do Brasil, faz com que nossos olhos se voltem para os dias de hoje. É preciso acreditar na construção de um Brasil melhor para todos. “Tupi, or not Tupi that is the question”.

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gem está o de resolver os problemas sociais do Brasil e o de eleger o Tupi-Guarani como língua oficial. Proferiu Quaresma: Demais, Senhores Congressistas, o tupi-guarani, língua originalíssima, aglutinante, é verdade, mas a que o polissintetismo dá múltiplas feições de riqueza, é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em relação com a nossa natureza e adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por sua criação de povos que aqui viveram e ainda vivem, portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para que tendemos, evitando-se dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais, oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal – controvérsias que tanto impedem o progresso da nossa cultura literária, científica e filosófica. O Tupi-guarani é uma das línguas mais importantes da América do Sul. Isso porque aglutina diversas idiomas indígenas, sendo o Guarani uma das mais representativas em termos numéricos. A língua portuguesa falada no Brasil possui um grande número de palavras Tupi-guarani. Com grande distribuição no território brasileiro, estende-se por 13 estados,com cerca de 20 línguas faladas e com pequena diferenciação

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