lume Mato Grosso
Revista nº. 38 • Ano 5 • Novembro/2019
Santo Antônio de Leverger Berço da industrialização em Mato Grosso. Pag. 20
HOSPITAL MUNICIPAL DE CUIABÁ KREYÒL- UMA LÍNGUA DE RESISTÊNCIA E SOBREVIVÊNCIA GUERRA DO PARAGUAI PRIMÓRDIOS DO BEISEBOL LICÍNIO VENEZA LINDINALVA RODRIGUES
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TONS DE MATO GROSSO FLOR DO MANDACARU NO CERRADO MATOGROSSENSE DE SANTO ANTONIO DE LEVERGER
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C A RTA D O E D I TO R
JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral
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esde o surgimento da revista impressa no Brasil em 1812, essa mídia tradicional sofreu diversas transformações ao longo do tempo. Com o advento da internet, as mudanças foram ainda mais drásticas: surgiu uma necessidade de se acessar as notícias de forma imediata, fazendo com que as revistas que permaneciam somente no meio impresso ficassem para trás. Para se adaptar aos moldes dos dias atuais, os veículos procuraram se reinventar ao criar setores para publicar conteúdo na internet, assim expandindo a marca para atingir mais pessoas. Questionados, alguns jornalistas se pronunciaram sobre esse assunto. Marcos Coronato, editor executivo da revista Época, relatou a preocupação do veículo em fazer com que as matérias do site tenham o maior “ciclo de vida” possível, exaltando a figura do editor que proporciona um olhar mais experien-
te e pode tornar a publicação mais interessante para dessa forma atrair mais leitores. Na Veja a situação é bem parecida. Daniel Bergamasco, editor online, revelou que há alguns anos o veículo investiu na plataforma online, e isso permitiu algumas mudanças na redação: intercâmbio entre editores e união dos jornalistas, deixaram de existir papéis definidos. Daniel acredita que a versão online ainda não conseguiu se igualar a edição impressa quando se trata de impacto, na medida em que as revistas causam um efeito nostálgico e forte ao se abrir, por exemplo, uma foto que ocupa uma página inteira. É algo que captura a atenção do leitor de uma maneira que os sites não conseguem fazer. A revista impressa é desenvolvida considerando que o leitor terá um tempo maior dedicado ao texto, desta forma a produção de conteúdo é mais aprofundada. Entretanto, as chamadas “pau-
tas quentes” podem não resistir até o final de semana (quando a revista é veiculada), valorizando a necessidade do site. Giovana Romani, editora sênior da revista Glamour, acredita na exclusividade da revista impressa, já que existe uma curadoria limitada para a veiculação. A principal diferença apontada por Giovana está na questão do título, o online exige “sujeito, predicado, ação e informação relevante”, em contrapartida a revista é mais fluida. Para mim não ocorrerá o fim da revista impressa, mas sim uma depuração daquilo que temos em nosso mercado, tanto no Estado, quanto no país afora. Os editores e jornalistas migrarão, em sua maioria, para sites. Ficarão os que tem proposta editorial que atinja os objetivos do leitor, especialmente daquele mais exigente e que busca qualidade. Estamos buscando encontrar o caminho certo para nossa LUME MATO GROSSO
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EXPEDIENTE
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PESCUMA MORAIS Diretor de Expansão e de Projetos Especiais ELEONOR CRISTINA FERREIRA Diretora Comercial JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral MARIA RITA UEMURA Jornalista Responsável JOÃO GUILHERME O. V. FERREIRA Revisão AMÉRICO CORRÊA, ANA CAROLINA H. BRAGANÇA, ANNA MARIA RIBEIRO, ANTÔNIO P. PACHECO, BENEDITO PEDRO DORILEO, BETH MADUREIRA, CARLOS FERREIRA, CECÍLIA KAWALL, DANIELLE TAVARES, DIEGO DA SILVA BARROS, DILVA FRAZÃO, EDUARDO MAHON, ELIETH GRIPP, ENIEL GOCHETTE, EVELYN RIBEIRO, FELIPE CHAVES, JOSANE SALLES, JOSÉ EDUCARDO RIBEIRO, JULIANA RODRIGUES, LUCIENE CARVALHO, MARCO POLO DANTAS, MILTON PEREIRA DE PINHO - GUAPO, NIGEL BUCKMASTER, PAULO PITALUGA COSTA E SILVA, RAFAEL LIRA,, ROSE DOMINGUES, VALÉRIA CARVALHO, WLADIMIR TADEU BAPTISTA SOARES, YAN CARLOS NOGUEIRA, WELLER MARCOS DA SILVA, UBIRATÃ NASCENTES ALVES Colaboradores ANDREY ROMEU, ANTÔNIO CARLOS FERREIRA (BANAVITA), CECÍLIA KAWALL, CHICO VALDINEI, EDUARDO ANDRADE, HEITOR
MAGNO, HENRIQUE SANTIAN, JOSÉ MEDEIROS, JOYCE CORRÊA, JÚLIO ROCHA, LUIS ALVES, LUIS GOMES, MAIKE BUENO, MARCELA BONFIM, MARCOS BERGAMASCO, MARCOS LOPES, MÁRIO FRIEDLANDER, RAI REIS Fotos OS ARTIGOS ASSINADOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES. LUME - MATO GROSSO é uma publicação mensal da EDITORA MEMÓRIA BRASILEIRA Distribuição Exclusiva no Brasil RUA PROFESSORA AMÉLIA MUNIZ, 107, CIDADE ALTA, CUIABÁ, MT, 78.030-445 (65) 3054-1847 | 36371774 99284-0228 | 9925-8248 Contato WWW.FACEBOOK.COM/REVISTALUMEMT Lume-line REVISTALUMEMT@GMAIL.COM Cartas, matérias e sugestões de pauta MEMORIABRASILEIRA13@GMAIL.COM Para anunciar ROSELI MENDES CARNAÍBA Projeto Gráfico/Diagramação RIO CUIABÁ E O MORRO DE SANTO ANTÔNIO AO FUNDO FOTO: MÁRIO FRIEDLANDER Capa
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SUMÁRIO
8. SAÚDE
10. 12. 16. SOCIEDADE
PERSONALIDADE
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SUSTENTABILIDADE
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18. 42. 54. TURISMO
NOVEMBROS DE NOSSA HISTÓRIA
RAÍZES
58. 60. 64. 66. RAÍZES
CULINÁRIA
COTIDIANO
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SAÚDE
Hospital Municipal de Cuiabá 8
DA REDAÇÃO
FOTOS JÚLIO ROCHA
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inauguração do Hospital Municipal de Cuiabá (HMC) no dia 18 de novembro de 2019, uma segunda feira, em cerimônia presidida pelo prefeito da capital, Emanuel Pinheiro, reuniu o governador Mauro Mendes (DEM) e 5 ex-governadores de Mato Grosso. Júlio Campos (DEM), Carlos Bezerra (MDB), Jayme Campos (DEM), Blairo Maggi (PP) e Pedro Taques (PSDB). Dos últimos, faltou apenas Silval Barbosa. O ato foi bastante prestigiado. Líderes nacionais do MDB, partido do prefeito cuiabano, se fizeram presentes, como o
presidente da legenda, deputado Baleia, e o governador do DF, Ibaneis Rocha, assim como dezenas de prefeitos, vereadores e deputados. O prefeito fez discurso emocionado e lembrou dessa data histórica do início do funcionamento pleno do novo hospital 40 anos depois da Capital ter inaugurado o 1º pronto-socorro, em 1979. Na última etapa foi entregue a urgência e emergência do hospital, que passará a funcionar com 6 salas cirúrgicas, CME e 13 leitos de recuperação pós-anestésico. O novo Pronto Socorro tem uma área de 22 mil metros quadrados, 315
leitos e recebeu um investimento de quase R$ 100 milhões. Em 2018, a unidade recebeu do governo federal recursos no valor de R$ 69,9 milhões para aquisição de equipamentos e materiais permanentes. Em pleno funcionamento o hospital oferta, por mês, 6.112 consultas eletivas, 8.150 atendimentos de urgência e Emergência (consultas), 823 procedimentos de urgência e emergência (cirúrgicos e clínicos) ambulatoriais; 25.026 procedimentos de diagnósticos clínicos; 1.035 internações hospitalares/mês e 1.761 diárias de UTIs Intensivas e semi-intensivas.
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SOCIEDADE
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APDM Recebe Certificado de Responsabilidade Social
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TEXTO REDAÇÃO FOTOS JÚLIO ROCHA
Assembleia Legislativa de Mato Grosso realizou sessão solene para entrega dos Certifi-cados de Responsabilidade Social no mês de novembro. Esta é a 14ª edição da concessão do selo criado pela Assembleia Legislativa em 2002, por meio da Lei nº 7.687. Cinquenta e cinco empresas, Organizações Sociais e cooperativas, da capital e do interior, foram aprovadas para receber o certificado. O coordenador da Comissão Mista de Res-ponsabilidade Social de Mato Grosso, Sérgio Ricardo Inui (Fiemt), explica que para serem certificadas, as instituições tiveram de enviar um relatório social dentro do prazo estabe-lecido em edital para então ser verificado se as ações presentes no balanço realmente são realizadas e se as empresas cumprem todos os requisitos exigidos. A Presidente da Associação para Desenvolvimento Social dos Municípios, Tayane
Castro esteve presente na solenidade e recebeu, pela Associação, o Certificado pelos dez anos de contribuição onde através do balanço social, foram apresentadas informações dos rele-vantes trabalhos sociais desenvolvidos nos Municípios sejam na capacitação dos técnicos das secretárias de assistência social, campanhas e em especial o fortalecimento dos Fun-dos Municipais da Infância e Adolescência. Receberam homenagens também, às funcionárias da APDM Leticia de Arruda Monteiro Albuquerque, Assistente Social e Fatima Dragoni, contadora, por relevantes contribui-ções em prol da difusão da Responsabilidade Social. A sessão solene foi presidida pelo presidente da Assembleia, deputado estadual Eduardo Botelho (DEM) e pelo deputado Wilson Santos (PSDB) com a presença de inúmeros ho-menageados e autoridades políticas.
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PERSONALIDADE
Moacyr Freitas
O genial Moacyr das artes plásticas, da construção e da vida POR BEATRIZ SATURNINO
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Terminal Rodoviário de Cuiabá projetado pelo arquiteto Moacyr Freitas
minal Rodoviário de Cuiabá - Engenheiro Cássio Veiga de Sá, a avenida perimetral Miguel Sutil, dentre outros projetos importantes. Moacyr Freitas é pioneiro em quadrinhos em Mato Grosso e considerado um dos melhores desenhistas do Estado.Ele lê a história e interpreta em desenho. Hoje está na última fase, das quatro etapas de sua vida, assim como define,em que se empenha no estudo bíblico e já produziu um total de 881 gravuras em quatro meses. Começou a leitura para detalhar e desenhar o Novo Testamento pelo evangelista São Mateus até São João. E agora está em Atos dos apóstolos com textos curtos em cada quadrinho. “Estou estudando a espiritualidade para procurar saber
a vida verdadeira. Sou uma pessoa tranquila, com saúde, vivendo com a minha família. Tenho satisfação de ter recebido uma educação que me mostrou o caminho para a compreensão da vida neste mundo. Entendo que aqui estou como os demais humanos, como corpo terrestre visível para viver um determinado tempo, porém sei que minha vida verdadeira está na invisibilidade”, diz. “Vivo neste corpo terreno para me preparar para a verdadeira vida na eternidade. Um dia vou deixá-lo, terminado o meu tempo, para viver na morada do meu pai, meu Deus, que me colocou neste mundo para ser submetido á prova de ser digno de viver com ele na sua morada. Morada da felicidade eterna”, continua. Cuiabano, nascido no bairro Porto, Moacyr é filho de pai piauiense, tenente do exército, que veio para Cuiabá a trabalho e aqui se casou com sua mãe e teve três filhos.
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le faz valer o dia, o enérgico arquiteto, quadrinhista, desenhista, pintor e escritor Moacyr Freitas é um incansável projetista, um exímio pesquisador, idealizador que construiu e realizou sonhos e feitos importantes para Mato Grosso e sua vida pessoal. Coleciona 41 anos como professor titular fundador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), onde lecionou na faculdade de Engenharia Civil. Sem descuidar da arquitetura e urbanismo, em Cuiabá, idealizou o Centro Político Administrativo, o Te r-
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PERSONALIDADE
Cabanagem, no Pará, desenho de Moacyr Freitas
No livro “... e o tempo passou” Moa explicou detalhes e até desenhou aqueles saudosos acontecimentos que desfilavam em seu espaço inesquecível que viveu ali na simples casa do Porto, com os irmãos Josias, José Maria e familiares. No tempo em que pouco entendia deste mundo complicado, quando não havia mesmo nada que o preocupasse. Então percorreu seus primeiros anos de existência, foi até os seus 15 anos ou pouco mais. Numa despretensiosa contribuição aos estudiosos de Cuiabá, por meio de lembranças da década de 1930 em diante. “Meu pai tinha ido embora... viajou – falavam assim. A fotografia sempre esteve presente num porta-retratos sobre o móvel, ao lado do antigo relógio despertador.”, descreve no livro, que foi o primeiro dos sete que produziu. Na época, em 1995, foi datilografado com a ajuda da filha Janini. Neste ano ele já era membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT), onde ingressou, em 1991, mesmo ano que se aposentou na UFMT. Foi quando mergulhou no processo de pesquisa histórica e também começou a pintar em acrílico sobre tela, a partir de uma “receita” passo a passo por um livro da editora Ediouro.
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Dentre suas telas, sessenta delas (60cmX80cm) , advindas de um projeto cultural feito com o historiador Paulo Pitaluga, foram doadas para o Museu Histórico de Mato Grosso, onde só faltou o período Republicano do Estado. Em 2000, produziu trinta telas sobre o período Colonial e, em 2002, mais outras trinta do período Provinciano. Qual o Estado que tem a história contada em telas? Somente Mato Grosso. Suas pesquisas como membro do IHGMT também resultaram num trabalho de gravuras, além de textos e desenhos em livros e duas maquetes: um bonde a tração animal de Cuiabá e o primeiro hidroavião, um D.W.34, que transportava quatro pessoas, e que desceu no Rio Cuiabá. Não fosse arquiteto Moacyr conta que seria médico, pois foi a primeira idéia quando estudava para vestibular no curso Galote, no Rio de Janeiro. Mas no meio do caminho mudou para arquitetura, pois não podia se dedicar somente aos estudos, tinha que trabalhar. Porém, desenhava como ninguém. Então veio para Cuiabá com o estilo moderno de construção, formado pela Faculdade Nacional de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Brasil, em 1961. Período em que Brasília estava sendo construída.
em escolas de segundo grau, além de desenho geométrico, desenho básico, desenho técnico e geometria descritiva na UFMT. Foi da comissão de notáveis que escolheu o melhor lugar para o estádio Verdão, como é conhecido, ou José Fragelli, e sua opinião sugerida foi aceita onde está agora a Arena Pantanal. No momento sua genialidade está concentrada nas gravuras que retira das histórias da Bíblia, que herdou de seu sogro, um sacerdote. Portanto, bem antiga, com uma linguagem mais profunda e original. E suas assinaturas foram reduzidas para a letra M, conta Moacyr, pela praticidade mesmo. Tem um blog administrado pelo neto Thiago, de 14 anos, que o ajuda na produção da página na internet, quando vai a sua casa, no bairro Goiabeiras. O sorridente e carismático Moacyr é modesto, porém um homem verdadeiramente comprometido com a história de Mato Grosso. É daqueles cuiabanos apaixonados e que soube utilizar bem os dons que a vida lhe deu.
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Logo em 1970 idealizou o plano do CPA, oferecido ao governador de Mato Grosso, José Fragelli, que acatou o projeto e encaminhou ao engenheiro Satiro Moreira de Castilho, diretor de obras do Estado do governo. Moacyr também foi responsável pela abertura da avenida perimetral Miguel Sutil e outras vias, como plano emergencial do sistema viário de Cuiabá, no mandato do prefeito Vicente Emílio Vuolo. E depois permaneceu na prefeitura por 11 anos, onde projetou a praça Santos Dumont, na avenida Getúlio Vargas, que na verdade era chamado de Bosque Municipal. Nele continha um mini lago e um coreto a céu aberto. Enquanto esteve a serviço do Estado desenvolveu o projeto do terminal rodoviário de Cuiabá, estruturado em concreto, com grandes vãos livres e ampla circulação de ar, próprio ao clima quente da cidade. O projeto foi citado na imprensa nacional como o melhor terminal rodoviário da América Latina, por ser arrojado e moderno. Como professor deu aulas de desenho
À esquerda Praça Santos Dumont, à direita trecho da Av. Miguel Sutil, ambas projetos originais do arq. Moacyr Freitas
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S U S T E N TA B I L I DA D E
Desastres Ambientais A responsabilidade penal da pessoa jurídica
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POR LOYUÁ RIBEIRO FERNANDES MOREIRA DA COSTA
ão muitos os desastres ecológicos causados pelo homem em nosso planeta. No Brasil, podem ser citados o incêndio na Vila Socó (1984), a contaminação pelo material radioativo Césio 137,em Goiânia (1987), o vazamento de óleo em Araucária (2000), o rompimento da barragem em Mirai (2007), o incêndio no Terminal Alemoa (2015), o rompimento da barragem em Mariana (2015). A lista é
extensa e trágica e os danos não se resumem aos ocasionados nos acidentes em si. Isso porque eles atingem direta e indiretamente o meio ambiente, resultando em recorrentes desastres naturais e mudanças climáticas. Portanto, os danos são muitos e podem atingir todo o mundo. Diante de uma catástrofe ambiental decorrente de ação ou omissão de uma ou mais pessoas jurídicas,é comum a respon-
sabilização civil e administrativa, como a condenação ao pagamento de indenizações às vítimas e de multas ambientais. No entanto, uma indagação mostra-se pertinente: pode a pessoa jurídica também ser condenada penalmente por danos decorridos de desastres ambientais? Quando fala-se em responsabilidade penal, o que vem à mente são penas privativas de liberdade. Nesse sentido, a conclusão que se
um ente coletivo é incapaz de delinquir, dentre outros motivos, porque não possui vontade e ação, por ser um ser abstrato, cuja existência se funda em decisões de representantes, pessoas naturais. Dessa forma, a falta de vontade própria impossibilitaria a culpabilidade e individualização da pena, princípios estes essenciais à imputação de um crime. Ainda assim, o entendimento majoritário é de que a pessoa jurídica não é mera ficção, embora possua realidade peculiar diversa das pessoas físicas. Como se posicionam nossos tribunais? Ambas as últimas instâncias entendem pela responsabilidade penal da pessoa jurídica. Os julgados do STJ (Superior Tribunal de Justiça), entretanto,utilizaram-se da teoria da dupla imputação, o que significa que para que a pessoa jurídica seja condenada, é necessária a concomitante condenação de pessoa natural que atua em nome ou em benefício do ente coletivo. O STF (Supremo Tribunal Federal) possui julgados no mesmo sentido. No entanto, o último deles a esse respeito (RE nº 548.181/PR, acerca do vazamento de óleo em Araucária ocorrido em 2000, envolvendo a Petrobras, julgado em 06/08/2013), considerou a teoria utilizada pelo STJ inconstitucional. Isso porque o art. 225, §3º da CF/88, não condiciona a
responsabilização da pessoa jurídica à condenação de uma pessoa natural. Caso esse entendimento do STF venha a ser consolidado, será um avanço no combate aos crimes contra o meio ambiente, uma vez que a teoria aplicada pelo STJ dificulta a responsabilização penal ambiental das pessoas jurídicas. Isso se mostra de suma importância, pois o crime ambiental é principalmente corporativo, podendo repercutir, inclusive, no combate a crimes de ordem econômica, financeira e tributária. O planeta Terra chegou a uma situação em que toda pegada humana sobre ela gera consequências devastadoras e transfronteiriças. A Carta Magna reflete essa preocupação ao aderir diversos tratados internacionais que versam sobre o tema.Todo meio de conscientização da humanidade quanto à necessidade de uso racional e harmônico dos recursos naturais, não os esgotando nem lhe causando danos, mostra-se primordial à sobrevivência intra e intergeracional. A responsabilização da pessoa jurídica em âmbito penal a obriga a atuar dentro desses limites, observando sua função socioambiental. As ações de nossa sociedade devem condizer a um meio ambiente sadio e justo,de forma que nos atentemos aos sinais da natureza, como cidadãos de um único mundo.
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chega é que um ente coletivo não pode vir a ser “preso” e que, portanto, não poderia responsabilizar-se nessa seara. No entanto, é importante esclarecer que existem outras modalidades de sanção além da acima citada, como a restritiva de direitos, multas e prestação de serviços à comunidade, todas de natureza penal. A maioria dos países adota a responsabilidade penal da pessoa jurídica. No Brasil também é possível. Segundo o art. 225, §3º da Constituição Federal, de 1988: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” A Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) dispõe que: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. “ Embora a legislação brasileira possibilite a responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica, trazendo, inclusive, as penas a ela aplicáveis (arts. 21 a 24 da Lei nº 9.605/98), existem divergências doutrinárias. Muitas delas afirmam que
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TURISMO
Turismo Arqueológico
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que é turismo arqueológico ou arqueoturismo? Essas expressões soam estranhas à maioria da população matogrossense e brasileira, pois não se constitui em prática comum por estas bandas de nosso continente. O turismo arqueológico está inserido dentro do turismo cultural e mostra a possi-
bilidade de visitações aos sítios arqueológicos. Em cada ruína ou inscrição há uma história de civilizações e povos a resgatar. Em locais como Machu Picchu, Coliseu, Muralhas da China e as Pirâmides do Egito é freqüente o turismo arqueológico. Os sítios arqueoturísticos permitem a instrução pública “in loco”, possibilitando ao indivíduo observar as eta-
pas de um passado remoto dentro do seu contexto original e ao mesmo tempo, essa atividade turística dinamiza esses espaços anteriormente restritos aos arqueólogos e pesquisadores afins. Em Mato Grosso temos estrutura para a prática de turismo arqueológico ou arqueoturismo? Não, não temos. Sítios arqueológicos existem aos borbotões em
Mato Grosso, como forma de testemunho de ocupação deste imenso território, por inúmeros povos, há milhares de anos. Há que se voltar os olhos para essa possibilidade e investir. Só isso. Seriam os nossos sítios arqueológicos locais adequados para visitação turística? (...)”se significa alguma coisa, é uma prática aventureira que deve ser levada a cabo no
ta prática consolidada no arqueoturismo. Falamos aqui apenas de “potencial”. O arqueoturismo, ao ser implantado em nosso Estado tornar-se-á instrumento de compreensão entre povos, permitindo que culturas milenares sejam conhecidas pela sociedade que hoje habita esta terra, contribuindo para o enriquecimento da visão de mundo e facilitando a identificação das pessoas com seu passado. A materialização dessa prática na sociedade matogrossense, enfatizando a dinâmica e os impactos decorrentes da relação entre turismo e patrimônio, a partir da utilização de parâmetros da sustentabilidade, ampliará a oferta de produtos turísticos. Não podemos esquecer que “...a complementaridade dos componentes do produto turístico que os relaciona e os torna interdependentes, situa-se no fato de que o turista necessita de serviços conjuntos de novos empreendedores. Ele utiliza os meios de transporte, alojamentos, restaurantes, equipamentos de recreação e entretenimento de um mesmo núcleo receptor. A falta de um deles ou o mau funcionamento podem refletir negativamente sobre os demais e às vezes, até inviabilizar a presença de turistas. O turista precisará de toda a cadeia turística para a realização de uma viagem sem maiores problemas.” (CAVALCANTI; NEVES, 2006).
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Egito ou em qualquer outro lugar, mas não no Brasil, já que nos faltam pirâmides e outras ruínas interessantes” Funari (1994, p.24). Ledo engano do pesquisador, ainda que nossos sítios arqueológicos não tenham a grandiosidade nem as características monumentais da Antiguidade clássica, temos testemunhos que demonstram nossa diversidade cultural de sociedades remotas que têm sido permanente objeto de pesquisa de arqueólogos e estudiosos da vida de civilizações anteriores. Os benefícios do turismo arqueológico ou arqueoturismo vêm em dados internacionais concretos. As visitações nas ruínas maias de Xunantunich, em Belize, receberam no ano de 2009, quase 30 mil turistas, em excursões de um dia. No Canadá, no Parque Nacional Fathom Five, mais de 10 mil mergulhadores por ano têm à sua disposição mais de 25 embarcações naufragadas. Desta forma essa modalidade de turismo credencia-se como a que mais cresce na indústria de viagem, não se limitando mais essa atividade a locais como a Grécia, Egito, países ibéricos e do Mar Adriático. É neste contexto que o turismo arqueológico pode se destacar, aparecendo como instrumento capaz de proteger, promover e potencializar o Patrimônio Arqueológico, além de despertar o fator econômico. Atualmente Mato Grosso não apresen-
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R E P O RTAG E M ESPECIAL
Santo Antônio de Leverger Berço da industrialização em Mato Grosso
Com forte tradição na economia e cultura, imenso potencial turístico a ser explorado, mas sem ter muito o que comemorar em sua recente história política, Leverger deve tornar à luz e se reconduzir ao seu antigo esplendor. Foto: Mário Friedlander
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ximadamente seis meses secos. Define-se por xeromorfas as plantas que possuem adaptações, estruturais ou funcionais, que impedem a perda de água por evaporação, como folhas coriáceas e pilosas, tortuosidade, sub desenvolvido, tanto no tronco como nos galhos e número reduzido de folhas em algumas espécies.
FOTO JÚLIO ROCHA
assim como também o Cerrado, com seus galhos retorcidos e rios de águas cristalinas e, de quebra, contribui com a nascente de um dos mais importantes rios da bacia da Amazônia matogrossense, o Rio das Mortes, que deságua no Rio Araguaia. De intensa vocação faunística, o bioma Cerrado é uma vegetação xeromorfa, de clima estacional, de apro-
O bioma Pantanal é uma planície periodicamente inundável, cujo fenômeno é regulado pelas cheias e vazantes da Bacia do Rio Paraguai. Nestes ciclos das águas, estas invadem os campos, tomando quase que todas as suas terras. Nesta estação, as plantas se reproduzem e criam toda vegetação exuberante que marca com beleza este
oásis biológico, de água, luz e terra. Na vazante do Pantanal suas terras ainda mais ricas e férteis, são invadidas pelos pássaros que buscam suas lagoas para pesca e alimentos necessários, este fato transforma a região num imenso viveiro natural. Durante o estio anual, as águas correm entre os barrancos que margeiam os rios, transformando na estação de chuvas, quando alagam campos e matas, formando as baías e lagoas, que constituem o principal biótipo dos peixes pantaneiros. Na época de enchente/ cheia, que começa em outubro e termina em abril, os peixes vão para as lagoas do Pantanal, verdadeiros lares de alimentação, retornando aos rios durante a vazante/ seca, que compreende os meses de abril a outubro. A grande característica da fauna pantaneira é o domínio populacional de um número relativamente pequeno de espécies de vertebrados de médio e grande porte, que são favorecidos pelo regime hídrico da região. A área é, também, bastante importante nas rotas de migração de várias espécies de aves não-residentes, proporcionando alimentação e refúgio sazonais. Concentra-se a fauna mamífera nas regiões onde o sal é encontrado e renovado. PRIMÓRDIOS DE SUA HISTÓRIA O solo santo-antoniense foi ocupado ancestralmente pelo povo indígena bororo, que possui remanes
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A NATUREZA Encravado na região sul de Mato Grosso, Santo Antônio de Leverger possui notáveis características geográficas, representadas por dois importantes ecossistemas, o Pantanal e o Cerrado. Seu extenso território, cortado pelo Rio Cuiabá, ocupa significativa parte do Pantanal com sua flora e fauna peculiares,
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R E P O RTAG E M ESPECIAL
FOTO MÁRIO FRIEDLANDER
centes na Área Indígena Tereza Cristina, localizada no extremo sul do município. Registra-se, portanto, que parte da numerosa e histórica nação bororo compõe a formação étnica local, acrescida de brancos paulistas, portugueses e afro-descendentes. A história de Santo Antônio de Leverger é bela e singular, e é bem melhor contada por sua gente, que a conhece em todos os seus pormenores, pois há várias gerações se entrelaçam em casamentos, batizados e inumeráveis festejos. Desde os tempos do antigo “Rio Abaixo” a cidade sempre esteve ligada aos fatos históricos de Cuiabá. Por séculos, para se chegar à capital de Mato Grosso tinha-se primeiro que passar por Santo Antônio. O único caminho era pelas águas do histórico Rio Cuiabá e
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FOTO JCVF
só bem mais tarde é que formaram vias terrestres. Os registros históricos que nos levam à origem da cidade de Santo Antônio de Leverger vêm de uma monção paulista, em tempos de cheia do rio, que subia o Cuiabá, em demanda às minas de ouro descobertas por Miguel Sutil. A monção, que pela manhã, a duras penas vencia as águas barrentas do rio, havia sido vítima de ataque de índios paiaguá, que provocaram naufrágios de algumas embarcações e terrível matança de monçoeiros. Os batelões sobrados da refrega penetraram certo entardecer por uma boca de água remansosa, à beira do sangradouro para o pernoite, nas imediações do que é hoje a cidade de Santo Antônio de Leverger. Os paulistas, refeitos na manhã seguinte, aprontam-se novamente para a labuta da viagem,
quando um dos batelões fica preso, como se estivesse encalhado num banco de areia. Mesmo à força do remo e de zinga, os paulistas não conseguiram arrastar o batelão. A superstição toma conta dos rudes canoeiros. Por sugestão de um deles, desembarcam a imagem de Santo Antônio, que transportavam. O resultado não se fez esperar, pois o batelão se soltou e os paulistas puderam seguir viagem. Outra monção passou por aquele lugar e quis levar a imagem de Santo Antônio. O fenômeno de impedimento de viagem se repetiu. Os paulistas levantaram, então, uma primitiva capela, que não mais existe. Era uma capela sóbria e elegantemente original. O povoado se consolidou e, em 26 de agosto de 1835, por lei municipal, foi criado o distrito de Santo Antônio do Rio Abaixo. A
lumeMatoGrosso FOTO MÁRIO FRIEDLANDER
emancipação ocorreu em 4 de julho de 1890, pelo Decreto nº 22, com território desmembrado de Cuiabá. Em 30 de março de 1900, foi criada a Comarca e em 25 de setembro de 1929, ocorre a elevação à categoria de cidade. Pela Lei nº 132, de 30 de setembro de 1948, a antiga Santo Antônio do Rio Abaixo passou à denominação de Santo Antônio de Leverger. O NOME DA CIDADE A denominação é homenagem ao santo padroeiro, Santo Antônio e ao Almirante Augusto Leverger - o Barão de Melgalço. Leverger nasceu na França e se destacou como militar, político, pesquisador, historiador e herói brasileiro por ter atuado na Guerra do Paraguai. Governou a Província de Mato Grosso em seis ocasiões, escreveu vários
livros e se tornou referência histórica e cultural de Mato Grosso. É uma honra para a cidade referenciar o nome de Leverger em sua nomenclatura, no entanto, pouco ou quase nada existe para lembrar quem foi verdadeiramente a razão da toponímia local. AS USINAS DO RIO ABAIXO O período mais importante da história sócio econômica e política da cidade deu-se com a instalação de usinas de açúcar nas margens do Rio Cuiabá, em terras de Santo Antônio de Leverger, a partir do século XIX. Os usineiros, dos quais muitos se tornaram coronéis, tornaram-se os árbitros nas soluções de questões sociais e políticas em Mato Grosso. A usina era um setor industrial verdadeiramente organizado. O usineiro fazia-se valer de seu poderio
econômico e do contingente humano que liderava. De 1896 a 1906 as Usinas Conceição e Itaici apareceram como protagonistas na política de Mato Grosso. Também fizeram história e muito contribuíram com a vida econômica e política do lugar as usinas do Aricá, Maravilha, Tamandaré, São Miguel, São Sebastião e tantas outras, menores. Sobressaiu-se a figura de Antônio Paes de Barros - Totó Paes, de ancestral família matogrossense. Empreendedor, Totó Paes é chamado de “Pai da Indústria de Mato Grosso”, por sua ousadia na construção da Usina Itaici, em 1896. O equipamento da usina foi importado da Alemanha e a construção do prédio principal e os de apoio obedeceram a criterioso projeto arquitetônico. Foram construídas casas para todos os
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R E P O RTAG E M ESPECIAL empregados, assim como farmácia, escola, padaria, armazém e foi em Itaici que pela primeira vez na história de Mato Grosso ocorreu iluminação elétrica. A usina tinha moeda própria e incentivava os filhos dos funcionários com aulas de música e ofícios. Também destacou-se a Banda de Música da
lítica com a queda da produção. A decadência das usinas deveu-se a vários fatores. O Estado Novo, sob Getúlio Vargas, interferiu na produção da indústria açucareira, mas também colaborou para sua derrocada a relação entre usineiros e fornecedores, a comercialização, novas técnicas de produção
Óleo sobre tela de Sati, Antonio Paes de Barros - Totó Paes, o Senhor de Itaici
usina, que promovia alegres retretas com participação de grande número de espectadores. Por sua veia política, foi presidente do Estado de Mato Grosso, governando de 1903 até 1906, tendo sido ótimo governante. A partir de 1930, os usineiros perderam a força po-
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e, principalmente, com relação aos trabalhadores. Nessa ocasião o Estado, sob determinação do Interventor Antonino Menna Gonçalves, passou a reprimir os usineiros que se valiam, ainda, de trabalhos escravos, pois grande parte desses trabalhadores oriundos de sen-
zalas, mesmo sabedores de suas cidadanias conquistadas em 1888, não as exerciam, de fato e de direito. POLÍTICA CONTEMPORÂNEA A história política de Santo Antônio sempre foi complexa. Em algumas ocasiões levanta-se o pendão da revolta e, em outras, a sociedade comporta-se dócil aos acenos, apupos e promessas feitas pelos donos do poder de plantão. Há bom tempo o povo santo-antoniense não tem obtido êxito em suas apostas políticas. A cidade, os distritos, vilarejos e caminhos merecem, pelo simples fato de serem cidadãos contribuintes e pagarem impostos, um tratamento melhor do que tem se observado nas últimas décadas. Com escândalos políticos frequentes a cidade não se torna atraente para investimentos e acaba girando em torno de si mesmo, sem perspectivas concretas de futuro, numa dependência total de recursos de fundos da União e do Estado, sem contar a usual inadimplência fiscal com os órgãos de governo. A receita financeira do município poderia e deveria ser robusta, para que investimentos em áreas de infra estrutura, saúde, educação e segurança fossem a contento da sociedade. Não é isso que se verifica. Ocorre que os propósitos políticos e de crescimento, dito e redito em altos brados, em palanques de campanha, em períodos eleitoreiros, não são sérios.
com centenas de propriedades se dedicando à esta atividade, onde a produtividade é alta devido aos cuidados e equipamentos utilizados pelos pecuaristas, sempre se valendo de profissionais especializados que acompanham o desenvolvimento dos rebanhos com vacinas e indicativos da ade-
ECONOMIA Destaca-se a pecuária de corte pelo sistema de cria, recria e engorda. A agricultura é de subsistência na serra abaixo e no Pantanal. Na serra acima ocorre produção de grãos. O extrativismo mineral é praticado no leito do Rio Cuiabá e em fortuitas lavras auríferas. Turismo histórico, cultural e ecológico. Pesca. Indústria e Comércio. PECUÁRIA Fator importante na área econômica do município é a pecuária calcada no sistema de cria, recria e corte, que ocorre tanto em terra firme quanto em extensas áreas do Pantanal de Mato Grosso. Destaca-se, também, na pecuária, a produção leiteira,
do em grande parte dessas pastagens nativas. Este sistema se provou auto-sustentável e sem danos maiores para a fauna.
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Para reverter este quadro é preciso levar esta cidade, com imenso potencial na economia, com dignidade e autoridade moral, sobrepujando perigos e demonstrando seu valor a todo Mato Grosso. Importante papel deve desempenhar a sociedade local, notadamente aquela isenta de comprometimento nas urnas, cobrando bons resultados dos políticos nos quais votaram. É necessário enfrentar o desafio de transformação com a serenidade dos bravos, olhando sempre para o dia de amanhã, só assim é que Santo Antônio de Leverger poderá aspirar a um futuro promissor, cheio de esperanças e justificado orgulho de sua história.
AGRICULTURA A agricultura em Santo Antônio de Leverger se concentra no sistema de subsistência, mas também se
FOTO VALDECI QUEIROZ
quada alimentação. O resultado é sempre positivo. Verifica-se que o solo do município é rico em forrageiras naturais, sendo bem aproveitado por pecuaristas na região pantaneira. Essa atividade tem se mantido há séculos, através de um sistema de baixa produtividade por hectare, dependen-
destaca com culturas de hortaliças e grãos. O setor de agricultura familiar e de subsistência se vale das pequenas extensões e dispersas manchas de terras de boa qualidade, que permitem lavoura de bons resultados. Ali se planta mandioca, abacaxi, quiabo, milho, banana e prolife
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R E P O RTAG E M ESPECIAL ram hortaliças à base de hidropônicas, tendo como mercado preferencial a cidade de Cuiabá. Para a capital, o grande mercado consumidor, também é direcionada a produção, em notável ascensão, de ovinos, caprinos, suínos, aves e piscicultura. A produção de soja e milho em lavoura mecanizada é atividade pouco conhecida e divulgada em Leverger, pois se desenvolve na região chamada serra acima, imediações da Serra de São Vicente, divisa com o município de Campo Verde. A produção de grãos, que destaca a economia de Mato Grosso no cenário nacional, também tem seu quinhão em Santo Antônio, que acaba não participando de forma adequada deste lucrativo negócio, deixando, a exemplo do que acontece com Chapada dos Guimarães, todos os louros e lucros para o município de Campo Verde, que armazeFOTO MÁRIO FRIEDLANDER
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na, industrializa e comercializa os grãos produzidos em solo levergense. O pior de tudo é que além de não obter lucro financeiro com a produção de grãos da serra acima, Santo Antônio fica com a parte ruim do negócio: resíduos de agrotóxicos. Com a expansão agrícola implantada nas áreas mais altas do município, ocorre a necessidade do uso de pesticidas e herbicidas nas lavouras, estes, com as chuvas, descem serra abaixo e passam a se agregar na cadeia alimentar, além de provocar a mortandade de peixes. EXTRATIVISMO MINERAL O extrativismo mineral é atividade que se desenvolve de forma legal e na clandestinidade, em Santo Antônio de Leverger. O extrativismo mineral legal é praticado por empresas que industrializam e comercializam água mineral.
Também é legal a extração de areia do Rio Cuiabá, no entanto, esta atividade não traz lucro financeiro e nem social ao município, apenas prejuízos ambientais, culturais e de saúde. Na clandestinidade atuam garimpeiros em busca de ouro, em várias partes do município, usando equipamentos de detecção de minérios e, em muitas ocasiões se utilizam de tratores de esteira para promoverem garimpagem mais proveitosa, causando, no entanto, danos irreparáveis ao meio ambiente. De vez em quando ocorrem ações de repressão às atividades extrativistas, tanto legais, quanto ilegais. Mas é de vez em quando mesmo. TURISMO O turismo expande-se através do Rio Cuiabá, Pantanal e no próprio sítio urbano, onde se destaca o Carnaval de Rua de Leverger, famoso
Morro Santo Antônio
lumeMatoGrosso Vista aérea de Santo Antônio Foto: Mário Friedlander
por nomes atípicos de seus blocos. Há que se destacar a intensa atividade comercial que se desenvolve ao longo das ruas e avenidas que cruzam a cidade, no sentido Cuiabá/Barão de Melgaço, onde pescadores e turistas se abastecem de alimentos, bebidas e material para pesca, notadamente em finais de semanas e feriados prolongados. O turismo santo-antoniense enquanto matéria prima existe e é de valor inestimável. É necessária a orquestração entre atores públicos e privados para a estruturação e promoção da oferta dos territórios na construção do produto turístico. Os roteiros turísticos existentes são de beleza ímpar e, deve-se, objetivar, através de ação conjunta, harmônica e bem coordenada, elevar o turismo santo-antoniense à sua posição de justiça, de forma a contribuir
com o processo de desenvolvimento econômico local e de Mato Grosso. O produto turístico principal é a beleza natural do município, da qual Santo Antônio de Leverger foi prodigamente contemplado, notadamente com o Pantanal, com sua exuberante fauna e flora, de beleza ímpar, um dos últimos santuários ecológicos do planeta, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Natural da Humanidade. Além da fascinante Serra de São Vicente, com suas fantásticas fontes termais, rios, morros e o Cerrado com flora e fauna exuberantes. Com infra estrutura em crescimento, o município quer se firmar como pólo convergente de diversas práticas de turismo, a saber: TURISMO HISTÓRICO Interessante ponto de visitação são as ruínas da Usina do Itaici, inaugurada em
1896. Se localiza na margem direita do Cuiabá, pouco abaixo da barra do Rio Aricá. O patrimônio arquitetônico do sítio urbano ainda guarda alguns bons exemplares de casas de adobe ou taipa socada, no entanto, as mais antigas foram demolidas. Outro ponto de interesse histórico é o distrito de Mimoso, antiga povoação em que nasceu Cândido Mariano da Silva Rondon - o Marechal Rondon. TURISMO ECOLÓGICO O município possui imenso potencial para a exploração do turismo ecológico, são picos, morros, vales, rios e riachos, lagos, lagoas, baías, praias de rio, serras e montanhas, planaltos, planícies, terras insulares, parques e reservas da flora e da fauna e o Pantanal. TURISMO DE AVENTURA A cidade oferece o Morro
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R E P O RTAG E M ESPECIAL Santo Antônio, localizado entre as cidades de Santo Antônio de Leverger e Cuiabá, como opção ao turismo de aventura. É ponto bastante utilizado aos praticantes do vôo de para-pentium. Outra modalidade utilizada no morro é a caminhada, sendo que a recompensa é grande, pois a visão que se tem do alto do monte é espetacular. Vê-se a Chapada dos Guimarães, a planície pantaneira, as cidades de Santo Antônio, Várzea Grande e Cuiabá. Essa modalidade atrai os praticantes da Bike, que pedalam no entorno do Morro Santo Antônio e comunidades adjacentes. Um dos pontos altos de modalidade esportiva é a prova de aventura TOROARI, promovida pela empresa ULTRA MACHO e realizada no entorno do Morro Santo Antônio. TURISMO DE SAÚDE E CONTEMPLAÇÃO Distante 86 km de Cuiabá, por asfalto, situa-se o Complexo Turístico das Águas Quentes, que oferece ampla área de lazer, invejável clima de montanha, cachoeiras, passeios a cavalo, piscinas térmicas e caminhadas ecológicas. Tudo isto dentro do Parque Florestal do Estado. As águas termais da Serra de São Vicente contam com boa infra-estrutura para o turismo, tendo sido edificado no local o Balneário de Águas Quentes, implantado dentro de um Parque Florestal de cerca de 1.500ha. A vazão total
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diária de onze fontes chega a 1.440m3, sendo classificadas como quentes, segundo Kent, mesotermais, conforme Castany e, balnealogicamente, consideradas hipotônicas. Como possuem temperaturas entre 31,6ºC e 41,6ºC, as fontes são denominadas hipertermais e, pelas características físico-químicas, oligominerais radioativas na fonte. TURISMO DE PESCA O Rio Cuiabá que banha o território da sede municipal recebe anualmente milhares de turistas e adeptos da pesca para consumo. Além do Cuiabá, outro rio que é paraíso de pescadores é o São Lourenço, rico em peixes, mas carente de boa infra-estrutura de apoio ao turismo. O Pantanal é outro destinado bastante procurado para a prática da pesca, sendo que o município possui boa rede de hotéis e pousadas nesta imensa região. CULTURA Santo Antônio de leverger espelha uma síntese cultural de vários grupos étnicos, responsáveis pela própria característica racial de seu povo. Dentro desta ótica evidencia-se a inclusão do branco, do índio e do negro nos diversos segmentos culturais do município, quer na cultura popular, literatura, artes plásticas, artes cênicas, música, artesanato, ou mesmo nos saborosos pratos da tradicional culinária levergense.
Essas três raças juntas formam a essência da história e tradição do povo de Leverger que têm na alma a alegria de viver e a ousadia de sempre buscar novos desafios. Hoje ainda presenciamos as influências dos primeiros habitantes deste lugar, caboclo na arte, na música, na dança, na culinária, no patrimônio histórico e, até mesmo nos gestos mais simples, explicitados pelo culto à fé, nas inúmeras festas de santos espalhadas por todos os rincões do município. Leverger é terra do cururu, do siriri, da viola-de-cocho, do ganzá, do boi-à-serra, do rasqueado, do lambadão e da alegria de viver. RONDON Cândido Mariano da Silva Rondon é um dos mais importantes nomes da historiografia do Brasil. Nascido na localidade de Mimoso, em 1865, às margens do Pantanal, é ganhador de diversos prêmios internacionais e ficou famoso por defender a causa indígena, quando celebrizou a seguinte frase: “Morrer se preciso for, matar nunca”. Em 2015, o governo de Mato Grosso instituiu o “Ano de Rondon”, com intensas comemorações pelos 150 anos de seu nascimento e anunciou a conclusão das obras do Memorial Rondon, iniciadas há 15 anos atrás e inconclusas. A memória histórica de Rondon só vai continuar viva se as pessoas e as instituições se unirem em torno desse ideal.
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FOTOS JULIO ROCHA
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HUMANIDADE
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FOTO DIVULGAÇÃO
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RAFAEL ALEXANDRE LIRA É professor, tradutor de crioulo, ex-missionário religioso e viveu, por quase um ano, no Haiti
Kreyòl Uma língua de resistência e sobrevivência
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POR RAFAEL ALEXANDRE LIRA
u sinto orgulho por dominar fluentemente uma língua que nasceu em um contexto de sobrevivência e resistência do povo haitiano. Descendentes de negros africanos e indígenas escravizados pelos franceses no período colonial, tal população desde seus primórdios demonstra uma linda lição de busca por independência diante de um sistema desumano. Em um contexto de exploração terrível, nasce então uma língua que serviria para unir povos de diferentes etnias e regiões da África a fim de organizarem-se para libertar a si mesmos da escravização europeia, conquistando assim sua independência: o kreyòl ayisyen (crioulo haitiano). Fruto de uma junção de diferentes línguas étnicas africanas, do francês e, um pouco, do inglês e do espanhol, o crioulo haitiano se tornou a língua comum falada por aqueles que estavam sendo escravizados. Foi graças à essa forma de se comunicar, a qual os franceses não conseguiam compreender mesmo sendo semelhante ao seu próprio idioma, que o país tornou-se a primeira República Negra da América, derrotando o exército mais temido da época, o de Napoleão Bonaparte. Crioulo é símbolo de liberdade, resistência, força e unidade. A língua haitiana é um patrimônio do seu povo!
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HISTÓRIA
Guerra do Paraguai Patrimônio tosquiado e vilipêndio
POR JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA
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Guerra da tríplice aliança ainda apresenta cicatrizes abertas para o povo paraguaio que nunca conseguiu se recuperar completamente de toda a destruição provocada pelo armistício. Esse triste episódio da história brasileira tem uma ligação intrínseca com Mato Grosso por ter-se iniciado, de forma oficial, com a prisão, em 12 de novembro de 1864, em
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FOTOS DIVULGAÇÃO
território paraguaio, de Frederico Carneiro de Campos, recém eleito presidente da província matogrossense, em viagem do Rio de Janeiro à Cuiabá, onde viria tomar posse. Mato Grosso sofreu em demasia com essa guerra, notadamente com a invasão de seu território e o flagelo de epidemia que dizimou milhares de homens, mulheres e crianças. Naquela época Cuiabá possuía 12 mil ha-
bitantes e metade da população morreu de varíola trazida por soldados vindos de campos de batalha à Capital. Correntes históricas, tanto do Paraguai como também de outros países sul americanos, a exemplo do Brasil, dão como motivação para esse armistício interesses escusos de norte americanos e ingleses, que fortaleceram financeiramente e incentivaram o eixo Brasil, Argentina e Uru-
ção bélica constituída pelas potências não se deveu tão somente ao real progresso financeiro, político, social e militar do Paraguai, mas sim pelo temor do que essa situação poderia representar no sul de nosso continente. Por conta disso trataram de desmantelar toda e qualquer possibilidade de reação do país guarani que viu o purgatório em vida, sentindo-se tomado de amargura e sobressaltos. Para compreendermos como o povo paraguaio não se rendeu e atendeu ao chamamento da defesa do solo pátrio, há que se destacar o seu extremado sentimento de nacionalismo, mesmo tendo sido esbulhado e espoliado em seu próprio território, suportando todo tipo de humilhação e condição de penúria imposta pelo vencedor ao vencido. O guerreiro paraguaio, mesmo em sabida desvantagem, afrontou a morte de cabeça erguida e peito descoberto, face a face, frente a frente, arca por arca. Desde sempre o povo paraguaio ama sua terra, sua cultura e seus costumes. Por séculos de história paraguaia, os jesuítas, que ali se estabeleceram ainda no século XVI, protagonizaram inserção de valores, costumes de fé e hábitos de cultivar a terra na gente paraguaia que os repas-
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Rendição de Uruguaiana Tela de Victor Meirelles
queles tempos. Certamente as respostas, às perguntas, enigmas e porquês dessa guerra morreu com López, em Cerro Corá, naquele 1º de março de 1870. Esse armistício esquartejou a nação e a população paraguaia, reduzindo-a, de Estado livre e soberano à condição de párias sul-americanos por décadas a fio. O país ainda busca acertar seu conta corrente com a história há pelo menos um século e meio, motivado por sua inestimável perda. Por conta do determinismo de sua gente o Paraguai conseguiu, apesar de imensas adversidades, preservar notável conjunto de bens culturais e, especialmente seus valores. Se possível fosse determinar as verdadeiras causas dessa guerra pouca coisa seria atribuído ao Paraguai. No entanto, foi sua gente que sofreu a derrota e suas nefastas consequências, chegando a tirar conclusões como a do escritor uruguaio Eduardo Galeano: “Paraguai foi exterminado. O único país hispano-americano deveras livre foi paradoxalmente assassinado em nome da liberdade”. Até os dias de hoje a gente paraguaia, a quem a natureza concedeu grandes privilégios, não aceita o resultado dessa guerra, pois se concluiu que a movimenta-
Os homens eram preparados para serem agricultores e não guerreiros
guai, outras não, inclusive algumas paraguaias. Historiadores diversos acusam Solano López de querer ter sido o Napoleão das Américas, por influência advinda de seu comportamento e desejo em imitar Bonaparte, obtido durante o período em que morou na França e conheceu outros países europeus e a histórias, então recentes, dos feitos napoleônicos, ainda frescos na memória daquela gente, na-
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HISTÓRIA
FOTOS ARQUIVO NACIONAL
saram aos seus filhos e netos. Os homens eram preparados para serem agricultores e não guerreiros. Se utilizavam de arados e da força dos animais, onde cultivavam o tabaco, o milho, a mandioca e desenvolviam modesta pecuária. Dedicavam-se à preparação da erva mate para uso próprio e seu comércio. Dessa forja nacionalista surgiu o paraguaio. Com seu peculiar modo de se vestir, seus costumes, seu hábito de utilizar de forma característica a erva mate e sua mania de nominar lugares mesclando o guarani e o espanhol. Essa gente sempre fomentou belos contos e cantos, angariando simpatias alhures. No entanto, em largo espaço de sua história, entre gestos de deboche e gargalhadas de escárnio foi imolado de justiça por conveniências políticas de plantão de seus vizinhos do Prata. Ao deixarem em escombros o Paraguai no pós guerra, tanto brasileiros quanto argentinos pilharam cidades, lugares e retiraram quase todo o sol de entendimento que ainda iluminava os poucos corações que restaram daquele morticínio.
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Com a debilitação do povo e da nação paraguaia, com soldados meninos, descalços e famintos a manusear fuzis, desapareceu uma das poucas repúblicas sólidas e progressistas da América do Sul, consolidada em meados do século XIX, sob Francia e depois pelos López. Por seu estilo, o presidente paraguaio Solano López foi acusado de colocar a paz sul-americana em perigo e, sem rima e sem causa aparentemente justificada, objetivou-se matar a afronta de Solano López, aplicando-lhe a Solução Final. Foi verdadeiramente este o objetivo final da Guerra da Tríplice Aliança. Há tempos se verifica que na América do Sul o risco à democracia sempre foi um dos pretextos mais usuais para se extirpar regimes que os imperialistas não tem sob controle. Contemporaneamente ocorre algo similar em países como a Venezuela, Bolívia e Equador, além de outros países da Europa, África e Ásia. A questão não é quem são, mas a serviço de quem. Quem são os iluminados da vez? No período que antecedeu a Guerra do Paraguai,
entre o México e a Argentina surgiram repúblicas que não possuíam espírito revolucionário, mas compreendiam que a destruição do Paraguai seria o começo da desintegração de seus propósitos nacionalistas e progressistas. Em 1970, quando eu morava na cidade de Dourados, hoje Mato Grosso do Sul, em uma manhã qualquer do começo do mês de março, toda a cidade foi acordada, às 5 da manhã, por laudativo foguetório que exprimia o gozo da alma de quem os soltava. Saímos à rua para saber o que acontecia. Eram famílias de paraguaios que moravam na cidade há tempos. Congratulavam-se e riam, às gargalhadas. Tratava-se de uma data especial para eles, março de 1970, centenário do final da guerra. Segundo alguns registros históricos, notadamente paraguaios, ao término do armistício havia se dado um Tratado de Paz, onde os vencedores haviam feito a divisão dos bens que lhes convieram e ainda aplicaram honorável multa de guerra ao Paraguai. A parte brasileira dessa dívida foi perdoada no governo de Getúlio Vargas.
lumeMatoGrosso Naqueles tempos não haviam fronteiras bem definidas entre o Brasil e o Paraguai, e em várias regiões hoje brasileiras falava-se apenas o espanhol e guarani. Essas vilas, cidadelas, estâncias e grandes extensões eram tidas como territórios paraguaios. No Tratado de Paz, que a rigor não existe, ficando somente no imaginário da população guarani, tais territórios, mesmo ocupados por brasileiros, seriam devolvidos aos paraguaios, incluindo-se o que era a extensa região da cidade de Dourados. Daí o pitoresco divertimento. A cidade viveu um dia de bastante apreensão por parte dos que não sabiam o motivo da festança. Alguns aceitaram, outros não. Este foi, sem dúvida, mais um grande golpe sofrido pelos nacionalistas paraguaios, que sentiram-se ludibriados pelos cem longos anos de espera pela devolução de parte do solo pátrio. O Paraguai busca se reabilitar e se recuperar desta tragédia Pode e deve seguir o exemplo do que aconteceu com o Japão e a Alemanha, no pós guerra, que tiveram destroçados seus territó-
rios e dignidades, sendo hoje parte do grupo dos países mais ricos do mundo. Em relação ao espólio havido no pós guerra, aos poucos muita coisa está voltando a quem de direito. O presidente da República, João Batista Figueiredo (1980-1984), procedeu a restituição da espada que Solano López tinha em mãos no momento de sua morte. Nesta mesma linha de recomposição histórica a Biblioteca Nacional do Brasil, após proceder à elaboração de cópias e digitalização de documentos históricos, levados por militares brasileiros à época do final da guerra, de Assunção ao Rio de Janeiro e pertencentes à Coleção Rio Branco, devolveu os originais para seu local de origem, possibilitando que a população e pesquisadores paraguaios tenham acesso aos documentos originais de sua própria história, notadamente o de 1844, que declarava a soberania paraguaia: o “Ato de Reconhecimento da Independência e Soberania da República do Paraguai”. Em Montevidéu foi feita uma estátua em homenagem
ao “El Mariscal López” a cavalo. O presidente Juan Domingos Perón procedeu à devolução de relíquias e tesouros tomados por pilhagem ao Paraguai. A presidente Cristina Kirchner mandou que fosse batizado um regimento do Exército argentino com o nome de Francisco Solano López. Com o saque e vilipêndio a honra e dignidade paraguaia foi atingida e sua gente pede para sua completa reabilitação a devolução do “Canhão Cristiano” ou “Canhão Cristão”. Trata-se de uma peça de bronze de mais de dez toneladas, fundida em 1867, tendo sido usados como matéria prima os sinos da catedral de Assunção. Esse canhão foi confiscado pelos brasileiros e se encontra em exposição no Museu Histórico do Rio de Janeiro desde o fim da guerra. Existem negociações em curso para a devolução dessa peça histórica que simboliza a luta e o sacrifício feito pelo povo paraguaio em uma guerra absurda e injusta que quase dizimou o país. Para o Brasil o “Canhão Cristão” não passa de um troféu de guerra, mas existe orgulho nisso?
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HISTÓRIA
Cronologia da Guerra do Paraguai
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Francisco Solano López, Presidente do Paraguai
1811 »» 15 de maio - Independência do Paraguai é proclamada. 1844 »» 14 de março - Início do governo de Carlos Antônio López, no Paraguai. Em setembro do mesmo ano o Brasil reconhece a independência do Paraguai e, a Argentina, oito anos depois. 1860 »» Bernardo Berro é eleito presidente do Uruguai. Adota posição mais dura com relação à penetração brasileira através do Rio Grande do Sul. 1862 »» Francisco Solano López assume a Presidência do Paraguai, depois da morte de seu pai, Carlos Antônio López. O general Bartolomé Mitre, governador de Buenos Aires, se torna o primeiro presidente constitucional de uma Argentina unida. 1863 »» Abril - O general uruguaio Ve-
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nâncio Flores, do Partido Colorado, apoiado por Mitre e pelos liberais brasileiros do Rio Grande do Sul, invade o Uruguai. Julho - Missão uruguaia em Assunção tenta aliança com López contra a Argentina e o Brasil. Em seguida o Paraguai alerta a Argentina sobre a necessidade de preservação da independência uruguaia para não haver quebra do equilíbrio de poder na região do Prata.
1864 »» Fevereiro- Mobilização militar geral no Paraguai. »» Março - O presidente Bernardo Berro renuncia no Uruguai e entrega o Poder Executivo para Atanásio Aguirre, presidente do Senado. O Brasil envia representante ao Uruguai, que vivia uma guerra civil, para discutir as ameaças sofridas por cidadãos brasileiros em território uruguaio. »» 30 de agosto - Paraguai dá ultimato ao Brasil para que não intervenha no Uruguai. »» 16 de outubro - Tropas brasileiras invadem o Uruguai em apoio a Venâncio Flores. Marinha do Brasil bloqueia Montevidéu. Paraguai considera a agressão como um ato de guerra. »» 12 de novembro - Paraguai toma o navio a vapor brasileiro Marquês de Olinda em Assunção. O navio transportava o novo governador da província de Mato Grosso. O Brasil responde cortando relações diplomáticas com o Paraguai. »» 13 de dezembro - O Paraguai formalmente declara guerra ao Brasil e inicia a invasão de Mato Grosso.
1865 »» 7 de janeiro - O governo brasileiro cria os corpos de voluntários da pátria. São prometidas recompensas para quem se voluntariar à luta. No mesmo mês, a Argentina não dá permissão para que tropas paraguaias cruzem seu território de Misiones para atacar o Rio Grande do Sul. »» Fevereiro - Tropas brasileiras tomam Montevidéu. Colorados ganham a Guerra Civil uruguaia. »» 18 de março - Paraguai declara guerra à Argentina e invade a província de Corrientes. »» 1º de maio - Assinatura do Tratado da Tríplice Aliança entre Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai. Seus objetivos são a derrubada de Solano López, a livre navegação dos rios da bacia do Prata e uma cláusula secreta - a anexação de parte do território em disputa com o Paraguai por Argentina e Brasil. »» Maio/junho - Exército paraguaio invade o Rio Grande do Sul, em São Borja. »» 11 de junho - Batalha naval do Riachuelo. Esquadra paraguaia ataca a brasileira, mas é derrotada. Com isso, o Paraguai torna-se bloqueado, incapaz de receber armas e auxílio do exterior. »» 5 de agosto - Tropas paraguaias capturam Uruguaiana (RS). No mesmo mês, Mitre é escolhido comandante-em-chefe das forças aliadas. »» Setembro - A casa bancária Rothschilds empresta 7 milhões de libras esterlinas ao Brasil. »» 14 de setembro - Estigarribia
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1866 »» 24 de maio - Forças aliadas invadem o Paraguai e ocorre a Batalha de Tuiuti, que é considerada a mais importante e uma das mais sangrentas da guerra. »» 22 de setembro - Batalha de Curupaiti se torna a maior derrota aliada da guerra. Tropas são massacradas ao atacarem de peito aberto as trincheiras paraguaias. »» Outubro - Duque de Caxias assume o comando das forças brasileiras de terra e mar. O Decreto nº 3.725-A, do Império do Brasil, liberta escravos que servissem no exército contra o Paraguai. 1867 »» Maio/junho - Fracassa expedição brasileira em Mato Grosso, no episódio conhecido como a Retirada da Laguna. »» 22 de julho - Forças aliadas, sob comando temporário de Caxias enquanto Mitre está na Argentina, iniciam manobra para flanquear a fortaleza paraguaia de Humaitá, que bloqueia o acesso rio acima. 1868 »» 13 de janeiro - Caxias substitui Mitre como comandante aliado. Neste momento,
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a maior parte das tropas da aliança é brasileira, com contingentes simbólicos argentinos e uruguaios. 18 de fevereiro - Couraçados brasileiros forçam a passagem rio acima por Humaitá. 19 de fevereiro - Rebelião no Uruguai liderada pelo ex-presidente Bernardo Berro. Flores é assassinado, mas a revolta fracassa e Berro também é morto. 22 de fevereiro - Navios brasileiros bombardeiam Assunção e, no mês seguinte, López foge para o norte do Paraguai. 12 de junho - Eleições na Argentina. O aliado de Mitre, Rufino Elizalde, é derrotado por Domingo Faustino Sarmiento, que faz campanha contra a guerra. 16 de julho - Assume gabinete conservador no Brasil, liderado pelo Visconde de Itaboraí. 5 de agosto - Aliados ocu pam Humaitá. Nos meses subsequentes Caxias vence os paraguaios em uma série de batalhas conhecidas: Dezembrada, Itororó, Avaí, Lomas Valentinas, Angostura. López consegue escapar do cerco em Lomas Valentinas.
1869 »» 1º de janeiro - Tropas brasileiras invadem e saqueiam Assunção. A capital paraguaia é ocupada por Caxias, que considera a guerra terminada e se retira do teatro de operações. »» 15 de abril - O Conde d’Eu, genro de Dom Pedro 2º, se torna novo comandante-em-chefe das forças brasileiras e manda destruir a Fundição de
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Ibicuí, fabricante de armas do exército paraguaio. 11 de junho - Governo provisório paraguaio assume em Assunção e, na sequência, as forças aliadas tomam a capital provisória de López, Peribebuí. 16 de agosto - Batalha de Acosta-Ñu, nesta data 20 mil soldados da Tríplice Aliança enfrentaram e venceram as tropas formadas por 6 mil paraguaios, em sua maioria idosos e crianças. Em homenagem às vítimas, 16 de agosto se tornou o Dia das Crianças no Paraguai.
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se rende ao Imperador Dom Pedro 2º (foi sua única visita aos campos de batalha), Mitre e Flores, em Uruguaiana. Setembro/novembro - Forças paraguaias se retiram ao longo do rio Paraná e iniciam fase defensiva da guerra, mas ainda mantém ocupado território em Mato Grosso.
1870 »» 1º de março - Em Cerro Corá, o presidente Solano López é ferido com um golpe de lança pelo brasileiro José Francisco Lacerda, o Chico Diabo, e foi atingido por um tiro de fuzil. A morte de López encerra a guerra. »» Julho - Eleições para Assembléia Constituinte no Paraguai. Constituição promulgada em novembro. 1872 »» 9 de janeiro - Tratado de paz cede ao Brasil o território paraguaio entre os rios Apa e Branco, em Mato Grosso do Sul. 1876 »» Fevereiro - Tratado de paz cede para à Argentina os territórios em litígio das Misiones, entre os rios Bermejo e Pilcomayo. »» 22 de junho - Saem os últimos soldados de ocupação brasileiros do Paraguai. Em 1879, sairão os últimos soldados de ocupação argentinos.
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ESPORTE
Primórdios do Beisebol em Mato Grosso
A história da colonização japonesa e a do beisebol, no estado de Mato Grosso, tem a mesma origem nos primeiros migrantes que aqui se estabeleceram no início da década de 1950
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FOTOS, ARQUIVO E TEXTO FÁBIO SATORU SASAKI
m 1953 chegaram a primeiras levas, vindos inicialmente do interior do estado de São Paulo e, posteriormente, diretamente do Japão. Chegaram à região do Rio Ferro, distante cerca de 500 km de Cuiabá, ao norte, quase chegando no estado do Amazonas, vislumbraram a densa vegetação e pensaram, aqui é terra fértil !
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As estradas praticamente não haviam, tiveram que abri-las, atravessar rios sobre balsas, improvisaram pontes, desmataram com as “mãos”, utilizando no início machado, marretas e serras. Construíram suas casas com essa madeira, os telhados eram uma atração a parte, feitos de tábuas de madeira, mas todos unidos em um sonho: o de ganhar dinheiro e retornar a terra natal.
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ESPORTE
A terra na verdade era muito ácida, e dali não produzia o necessário para sua subsistência “não dava arroz, feijão, legumes”, criávamos galinhas e porcos, alimentando-os com feijão guandu, única coisa que dava naquele solo. Nós também comíamos esse feijão; a mesma coisa que os animais comiam nós também tivemos que comer, além de termos que comer animais silvestres, a exemplo de macacos, sapos, minhocas e ratos. Quem não conseguiu comer, foram os primeiros a morrer de fome de desnutrição. A distância até Cuiabá era um empecilho, apenas uma vez por mês o caminhão da empresa ia buscar mantimentos, gastamos todo o dinheiro fazendo compras, pois da terra nada tirávamos.
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A plantação de seringueira foi bem, mas para obter lucros com a colheita levava cerca de sete, oito anos para a primeira sangria e dez para ter retorno comercial. Experimentaram o plantio da pimenta do reino e conseguiram uma boa colheita, no entanto, devido a super produção dos países asiáticos, ocorreu desvalorização do produto e um saco de pimenta do reino não valia mais nada. Ainda tinha o custo de levá-la até o porto de Santos, não compensava. Preferiram queimar. Por causa a falta de conhecimento do solo, da distância, as dificuldades com as doenças tropicais, a resistência foi sendo minada e a esperança se acabou. Os imigrantes que vieram para nosso estado deixaram um grande legado: abriram es-
tradas onde até então não havia nada. Desses locais surgiram cidades como Sinop e Feliz Natal. Hoje a culinária japonesa é muito bem representada nos restaurantes japoneses com seus Sushis e outros pratos. Nas feiras de gastronomia com o Yakisoba, nos esportes com o Judô, o Karatê, o Karaokê e o Beisebol. PRIMEIRAS TACADAS Falando sobre o beisebol, esta modalidade esportiva chegou a Mato Grosso com estes imigrantes. Se tornou popular, pois naqueles tempos, em fins de semana, os trabalhadores da roça vinham para a sede (Kaikan) praticar os mais variados esportes, dentre eles o beisebol. Era forma de descontrair dos longos períodos de servi-
lumeMatoGrosso ço pesado a se que impunham os desbravadores. Em meados de 1955, com o pátio da sede pronta, foram realizavam as primeiras partidas de beisebol em solo matogrossense, como forma de reunir as famílias, naquele longínquo sertão. Segundo as entrevistas feitas aos descendentes, as primeiras partidas entre as localidades seriam do inicio da década de 1960. Disputaram torneios as cidades de Cuiabá, Cáceres, Jurigue e Rio Ferro, tendo o registro em foto de um torneio de 1964. Os anos seguintes foram comuns estes torneios, geralmente acontecendo de uma a duas vezes ao ano, até no início da década de 1990, onde com a era “dekassegui”. Nessa ocasião muitos seguiram o caminho inverso de seus antepassados, indo
trabalhar no Japão. Não só em Mato Grosso como em outras regiões do país, as associações de beisebol perderam membros e algumas até pararam por completo suas atividades. Com a estagnação da economia japonesa em meados do ano 2000, sucessivas crises econômicas, fizeram que uma grande leva desses emigrantes retornassem ao país, reiniciando as atividades nas suas associações. Nos dias atuais a Associação Nipo de Cuiabá e Várzea Grande, possui diversas atividades não somente voltadas aos membros da associação, mas aberta a comunidade Brasileira, visto que hoje os praticantes de Beisebol, Kendô, Taiko, possuem grande quantidade de não descendentes.
O beisebol, com o apoio da Federação Mato-grossense de beisebol e softbol, desenvolve com apoio do Governo japonês, a prática desse esporte com aulas gratuitas. Existe um voluntário japonês enviado somente para ensinar a prática do beisebol aos Brasileiros.
SERVIÇO: As aulas não são cobradas e, quem se interessar, deverá procurar a associação de Várzea Grande, situada na Rua Castro Alves, esquina com Castelo Branco, no Bairro Cristo Rei, levando apenas um par de tênis e boné, pois o restante dos materiais são fornecidos pela própria instituição.
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NOVEMBROS DE NOSSA HISTÓRIA DIA 1/1943 Nasce em Poconé o magistrado e escritor Leopoldino Marques do Amaral, falecido no Paraguai, em 7 de novembro de 1999, vítima de crime envolto em mistério e não solucionado.
DIA 5/1891
»» Falece Antônio Augusto
Ramiro de Carvalho. Patrono da Cadeira nº 16, da AML. Poeta, atuou na vida pública e na política. Era monarquista e suas poesias, de muita qualidade, eram tidas como satíricas e combativas.
»» Nasce em Cuiabá o sertanista, militar, geógrafo, matemático e historiador Francisco Antônio Pimenta Bueno. Escreveu e publicou vários livros, dentre História da Província de Mato-Grosso, que não foi impresso, tendo seus originais tomado rumo incerto. Foi membro do IHGB. É nome de cidade em Rondônia. DIA 11/1929
Falece Antônio Lopes Molon, colonizador de Mirassol d´Oeste, oeste de MT.
»» Falece o major Otávio Pitaluga, militar, político, sertanista e jornalista. Membro da Comissão Rondon, Pitaluga traçou o projeto da cidade de Rondonópolis. Colaborou em vários jornais de Cuiabá e foi membro do IHGMT.
DIA 7/1911
DIA 11/1966
DIA 6/1962
»» Morre Generoso Paes Leme de Souza Ponce, influente político da história de MT. Em 1894 foi eleito senador e, em 1907, presidente do Estado. DIA 10/1836
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»» Falece Manuel Balbino de Carvalho - o Carvalhinho, protagonista de homéricas batalhas, na década de 1920, nos garimpos de diamantes do leste de MT e adversário do engenheiro José Morbeck, de quem havia sido compadre. Depois da vida errante de guerrilhas dedicou-se à política e comércio em Goiás.
DIA 12/1864
»» Aprisionado no Paraguai, por ordem de Solano López, em viagem pelo Rio Paraguai, nas imediações de Assunção, com destino à MT, o militar e político Frederico Carneiro de Campos, presidente recém nomeado da Província matogrossense.
DIA 12/1892
»» Nasce Ignácio de Siqueira - o Mestre Inácio, músico que é mito na cultura de MT. O rasqueado cuiabano tomou forma sob sua batuta, sendo que a famosa Banda do Mestre Inácio existiu até 1981.
DIA 12/1895
»» Nasce em Cuiabá o violonista e compositor Levino Albano Conceição. Cego desde os 6 anos de idade, foi compositor sublime e tornou-se atemporal, sendo considerado um dos maiores violonistas do Brasil.
DIA 13/2014
»» Falece o poeta cuiabano Manoel de Barros, em Campo Grande/MS. Barros tornouse um dos mais importantes nomes da literatura nacional das últimas décadas, sendo indicado, em 2013, para o prêmio Nobel de Literatura. DIA 14/1895
»» Nasce Zulmira Canavarros, uma das personalidades mais importantes da cultura cuiabana. Ajudou na criação do Clube Feminino, do Mixto Esporte Clube e da rádio A Voz d´Oeste. Seu nome está ligado à popularização do rasqueado cuiabano.
dos jardins da Praça da República, no centro de Cuiabá.
João Carlos Augusto d’Oeynhausen de Gravenberg, tendo fundado a Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá.
DIA 16/1726
DIA 19/1911
»» Inauguração solene
»» Falece no Rio de Janeiro o médico, político, empresário e banqueiro Joaquim Duarte Murtinho.
DIA 20/1926
Chegada de Rodrigo César de Menezes, governador de SP, às Minas do Cuiabá, com objetivos de organizar cobrança de impostos e dar consistente vida política à nascente povoação.
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DIA 15/1928
»» Batalha entre a Coluna Prestes e moradores de Barra do Bugres. O enfrentamento resultou numa carnificina, com a morte de 15 barra-bugrenses, que lutaram bravamente, mas estavam sem armamento adequado e não possuíam prática de guerrilha.
DIA 21/1866
DIA 17/1900
DIA 23/1830
»»Chega em Cuiabá o fran-
cês Augusto João Manoel Leverger - o Barão de Melgaço. Em 23 de novembro de 1930, centenário de sua chegada, por interferência de intelectuais e políticos, liderados por Antonino Menna Gonçalves e Virgílio Corrêa Filho, ocorreu a destinação à sede definitiva do IHGMT e AML do antigo casarão em que residiu o Barão de Melgaço. DIA 25/2002
»» Falece no Rio de Janeiro o magistrado, historiador, poeta e literato António de Arruda, da AML e do IHGMT. Presidiu a AML e o TJMT.
»» Assume o governo de
MT, por Carta Imperial o militar, advogado e historiador José Vieira Couto de Magalhães, em plena Guerra do Paraguai. Instalação do Observatório Meteorológico Dom Bosco, fundado por salesianos.
DIA 18/1807
»» Assume o governo de MT o capitão general
DIA 22/1910
»» Morre o almirante João
Baptista das Neves, vítima de motim, a bordo do navio Minas Gerais, que se encontrava fundeado em águas cariocas.
DIA 26/1916
»» Criado o Grêmio Literário Júlia Lopes, para incremento de atividades literárias em geral e feminina de forma especial.
DIA 30/1966
»» Criada a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, sendo diretor do Escritório Regional de MT, o historiador Rubens de Mendonça.
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MEMÓRIA
Licínio Veneza Bruxo ou santo cuiabano?
Reminiscências de um paranormal que conseguia mudar o trajeto de uma procissão pela força de seu pensamento, que mandava pessoas em espírito para viagens instantâneas, de onde narravam tudo o que viam, que curava pessoas com o simples toque de suas mãos ou com água magnetizada, e que nunca cobrou nenhum centavo pelas curas que fazia, tendo uma vida reta e honesta e feliz.
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e estatura mediana, olhar profundo e enigmático, Licínio de Augusto Veneza, nascido na Fazenda Boa Vista, em Nossa Senhora do Livramento e criado em Cuiabá, desde muito jovem, entrou para a história como o mais espetacular paranormal que existiu em Mato Grosso. Licínio Veneza era maçom, tendo sido Venerável de sua loja, Grande Oriente do Brasil, em Cuiabá. Bacha-
relou-se em ciências e letras em 1905 e passou a trabalhar nos Correios e Telégrafos, onde permaneceu até sua aposentadoria, em 1941. Impoluto e religioso, Licínio Veneza levou a vida fazendo o bem, ajudando pessoas, curando doentes e se divertindo muito ao levar amigos a passear, em espírito, às vizinhanças, à países da Europa ou mesmo ajudando a encontrar animais perdidos de seus donos. Deta-
nal do século XIX. No entanto a biblioteca particular de Licínio possuía mais de 50 títulos sobre ciências ocultas, aos quais seguiu à risca em seus ensinamentos. Na realidade Licínio era uma pessoa aberta a todo tipo de conhecimento, e sabia desde muito cedo de seus dons e, por conta disso buscou ler e aprender para se conhecer melhor ao ponto de precisar dia e hora e sua morte. Segundo Afrânio Corrêa, dentre os feitos que celebrizaram Licínio de Augusto Veneza estava o de hipnotizar pessoas e multidões, ou mesmo de curá-las com o simples toque de suas mãos. Para Sebastião de Oliveira - o Dr. Paraná, pai do governador Dante de Oliveira, que testemunhou ser Licínio Veneza capaz de mudar o trajeto de uma procissão pela força de seu pensamento, disse que o poder de Licínio Veneza vinha da força magnética do seu pensamento que, concentrado em determinado tema podia modificar o comportamento da pessoa e que ele, Licínio pode ter sido um hipnotizador, um superdotado, um mago, um alquimista, um magnetizador, um santo, mas nunca um embusteiro. Possivelmente as décadas de 1920/30 foram as em que Licínio mais trabalhou para a cura de pessoas que o procuravam para receberem a água magnética por ele produzida. Licínio colocava a mão esquerda em baixo de um copo ou garrafa e a mão direita em
cima, por longos 10 minutos de extremada concentração. As pessoas bebiam dessa água e curas inexplicáveis se concretizavam através da água magnetizada. Um dos depoimentos mais contundentes sobre Licínio Veneza vem do sacerdote Firmo Pinto Duarte Filho, cacerense radicado em Cuiabá e filho da professora Maria Dimpina. Padre Firmo foi o último sacerdote a ser ordenado por Dom Aquino Corrêa. Para padre Firmo o Licínio Veneza era um santo, a quem se valia em suas orações para pedidos de ajuda: Ele tinha o dom da cura, pois bastava tocar em uma pessoa e ela estava curada - disse em depoimento à Afrânio Corrêa, afirmando que a igreja não condenava a prática do hipnotismo, desde que orientado para o bem das pessoas. Padre Firmo concordava que Licínio fora escolhido por Deus, que lhe dera o poder de curar pessoas, lembrando que já no leito de sua morte, Licínio Veneza recebeu a extrema unção das mãos do padre Mário Brandino, que havia sido enviado por Dom Aquino Corrêa para esse fim. Hoje, quase três quartos de século depois do passamento de Licínio Veneza ainda fica a pergunta no ar: Quem Era Licínio Veneza?, o jornalista Afrânio ajudou a desvendar um pouco de seus mistérios, mas ainda é pouco, precisamos cavoucar mais esta fantástica história.
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lhe importante de sua história é que não se valia de seus conhecimentos e dotes para auferir lucro financeiro. Infelizmente, Licínio não teve em seu período áureo de atividades espirituais e paranormais quem registrasse seus feitos, ficando apenas na memória oral sua fantástica trajetória de vida. Possivelmente isso se deveu ao temor que as pessoas, notadamente os jornalistas e intelectuais da época tinham em lidar com esse tema. Sempre foi tabu. Todos o conheciam, sabiam de seus dons espirituais de cura, se valiam deles, mas não falavam, não escreviam e nem gravaram imagens sobre tais fatos. Daí termos pouca coisa sobre essa figura singular de nossa história. Quem estudou, discutiu e pesquisou sobre Licínio foi o jornalista cuiabano Afrânio Estêvão Corrêa, que publicou, em 2002, pela Editora Buriti, o livro “Quem Era Licínio Veneza?”. Ali o autor, por capricho nas pesquisas e pelo texto acurado, deixou muitas respostas aos que apreciam este tema. Para uns, Licínio não passava de um bruxo, por suas curas milagrosas, seu hipnotismo por vezes brincalhão e seus poderes paranormais que afloravam com um simples toque de suas mãos. Os incrédulos também não admitiam seu gosto à literatura ocultista traduzidos em livros como Fenômenos Psíquicos Ocultos, de 1908, Dogma e Ritual da Alta Magia, de 1914 e Apparições, de fi-
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Lindinalva Rodrigues O Discurso de Posse da Imortal Acadêmica
A revista Lume MT publica, na íntegra, o discurso de Lindinalva Rodrigues, que tornou-se, no dia 12 de novembro de 2019, imortal acadêmica da Academia MatoGrossense de Letras. Foi uma festa lindíssima e inesquecível para quem ali esteve presente.
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As acadêmicas Marta Côcco e Luciene Carvalho introduziram a escritora Lindinalva Rodrigues à cerimônia de posse na Academia de Letras
O DISCURSO “Quantos caminhos tortuosos para chegar até aqui, nesse anoitecer tão sublime, as letras aqui me trouxeram e existe algo de mágico em um sonho que se realiza, uma energia, um silêncio, um perfume e um monte de palavras não ditas e desnecessárias. É um instante que, se pudesse ser congelado, transformar-se-ia em poema, uma epopeia de gente com gente e de um chorar de alegria só concretizado em poesia. Aqui estamos nós, todos quebrando de chiques, sorvendo as palavras, enquanto trago em mim carradas de alegria até na pituca. Com muita honra ocuparei a cadeira 37 dessa academia, cujo patrono é Antônio Vieira de Almeida, nascido em Cuiabá em 1873, seu pendor literário se manifestou ainda na juventude, tendo fundado, enquanto aluno do Liceu Cuiabano, o jornal: O Liceu, periódico de caráter estudantil. Vieira ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo e logo em seguida foi aprovado em concurso federal junto à Fazenda Pública e já domiciliado na cidade de Santos/SP, foi colabora-
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dor do jornal Diário de Santos, até que em 1903 voltou para Cuiabá, onde atuou no jornalismo e na política, sendo eleito Deputado Estadual em 1916, e aqui escreveu para diversos magazines, como O Estado, A Voz do Povo e O Debate, foi sucedido na cadeira pelo professor, educador, jornalista e servidor público Cesário Corrêa da Silva Prado, que posteriormente foi sobrevindo pelo escritor e cineasta Bernardo Elias Lahdo, último ocupante da cadeira. Essa noite tem um simbolismo especial para nós mulheres, pois esta casa me acolhe enquanto escritora, jurista, feminista e militante dos direitos humanos das mulheres, onde tomo posse pelas mãos de uma mulher, Sueli Batista, e sou recepcionada por outra grande humanista, a juíza Amini Haddad Campos. A sobrevivência das mulheres em um mundo tão fortemente marcado pelo masculino não é fácil, razão maior de nosso regozijo pelo sucesso de uma trajetória celebrada em um espaço historicamente tradicional e conservador como a Casa Barão de Melgaço.
lumeMatoGrosso Faço o registro de que a Academia Mato-grossense de Letras possui 40 patronos, todos homens e que em quase cem anos, ela já foi composta por 165 homens e 15 mulheres, eu sou a 15ª. Desde a Antiguidade Clássica, em Mato Grosso, no Brasil e no mundo, as mulheres sempre tiveram de quebrar paradigmas para assegurar não apenas seu espaço, mas suas vontades, direito ao corpo, a sexualidade e sobretudo a intelectualidade, razão pela qual, simbolicamente, invoco para estarem presentes conosco em energia e emoções, as combatentes : Hipácia; Joana d’Arc; Dandara; Maria Quitéria de Jesus; Olympe de Gouges; Nísia Floresta; Ada Lovelace; Pagu; Virginia Woolf; Simone de Beauvoir; Katherine Johnson; Coco Chanel; Bertha Lutz; Mietta Santiago; Celina Guimarães Viana; Carlota Pereira de Queirós; Laudelina de Campos Melo; Djamila Ribeiro; Lélia Gonzalez; Maria Dimpina; Tereza Lobo; Amélia de Arruda Lobo; Tereza Albues; Leila Diniz; Rose Marie Muraro; Judith Butler; Marilza Ribeiro; Shelma Lombardi de Kato; Silvia Guimarães; Maria da Penha Maia Fernan-
des; Marielle Franco e tantas outras de igual relevância, reconhecidas ou anônimas. Sabemos das dificuldades enfrentadas para o alcance simbólico dessa vitória que dedico a todas as mulheres, letradas ou não, vocês são guerreiras e estamos juntas tomando posse, sintam que eu sou vocês e vocês vestem comigo a pelerine. Todas as mulheres que como eu, o mundo não conseguiu enquadrar, mães de vários filhos com pais diferentes, mulheres de ação que não se conformaram com sua sina, aquelas que bailaram na noite escura da incerteza do dia seguinte, que lutaram por uma liberdade que não cabe nas palavras e trabalham diariamente para reafirmar uma competência absolutamente natural no âmbito masculino. Ocupar hoje este espaço de fala como uma mulher, celebrando todas as demais, com a experiência de quem foi a primeira representante do Ministério Público a aplicar a Lei Maria da Penha no Brasil, que há mais de treze anos permanece na função de combater as mazelas da violência doméstica é uma conquista histórica feminina.
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O acadêmico Eduardo Mahon apõe a pelerine na novel acadêmica Lindinalva
Segundo o Atlas da Violência 2016, em 2014, treze mulheres foram assassinadas por dia no país, “no ano em que o Brasil comemorava a Copa do Mundo e se exibia como uma nação cordial e receptiva, 4.757 mulheres foram vítimas de morte por agressão.”[1] Ainda que a Lei Maria da Penha já contasse com 8 anos de vigência, a taxa de assassinato de mulheres cresceu 11,6% entre 2004 e 2014. Em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil e o Atlas de 2017 registrou que enquanto o número de mulheres não negras teve uma redução de 7,4% entre os anos de 2005 a 2015, o assassinato de mulheres negras aumentou 22% no mesmo período. Já no Atlas de 2018, encontramos a informação de que em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas. O Atlas da Violência de 2019, indicou o crescimento do assassinato de mulheres no Brasil em 2017, voltando-se ao patamar de 2014, com treze mulheres assassinadas por dia, com um total anual de 4.936
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mulheres vitimadas. Ressaltando que a taxa de assassinato de mulheres não negras cresceu 4,5% entre 2007 e 2017, enquanto a taxa de mulheres negras assassinadas subiu 29,9% na mesma época. A maioria desses crimes aconteceu dentro das residências das vítimas e o estudo constatou o aumento em 17,1% dos assassinatos ocorridos em casa. Concluindo-se que nos últimos dez anos a taxa de morte no interior dos domicílios, vitimando mulheres com o uso de armas de fogo, cresceu 29,8%, escancarando a situação de extrema vulnerabilidade das mulheres em seus próprios lares, que deveria ser um local de especial acolhimento e aconchego. Com esses dados estatísticos que falam por si, marcamos nosso lugar como o 5º país que mais comete feminicídios no mundo, esses crimes de ódio, cuja violência é comprimida atrás dos padrões sociais. No Brasil das disparidades, quem são os considerados iguais? Os sujeitos morais e políticos? São os homens brancos e
mulheres, tentando entender a causa de sujeição delas aos ditames masculinos, que desde sempre tentam calar sua voz através da intolerância e violência, enquanto elas lutam bravamente para corrigir essa rota de desigualdade, erigindo a paridade de gênero como um direito fundamental. Ainda habitamos em um tempo no qual as mulheres pelejam para viver em um mundo sem violência, e continuamos a ser vistas muitas vezes como um corpo, um corpo incompleto, convivendo com elementos misóginos contra nossa intelectualidade. As reivindicações das mulheres incomodam as estruturas criadas por uma visão patriarcal e machista. A pergunta: o que querem as mulheres? Marcou o século XX, tornando-se o nosso século, no qual conquistamos o direito a existência, enquanto o século XXI é caracterizado por nossas lutas por mais do que existir, onde buscamos o respeito ao nosso corpo, escolhas e desejos, contrariando a intolerância em relação ao feminino e ao feminismo, certas de que sermos livres é difícil, pois temos que acordar e pensar todos os dias o que queremos e permanecermos capazes de cunhar nossa própria história, perante esse novo horizonte descortinado. Nessa noite de verbalização de toda tirania e conquistas compartilhadas, venho representar as mulheres que não se adequaram às expectativas impostas pelos papéis sociais geradores de preconceito, violência e morte, que foram capazes de jogar tudo para o alto aos vinte, trinta, quarenta, cinquenta, sessenta anos, em qualquer tempo de suas vidas, para dançarem agarradas a si próprias, na certeza das incertezas. Não, eu nunca consegui ser invisível e silenciosa, tampouco pura, casta, comportada, previsível, boazinha, não aprendi a cozinhar, não me encaixei aos padrões de beleza, não me enxerguei como um ser incompleto em busca da cara metade, sempre com uma mania de pensar além da conta, vivi do amor exagerado que coloquei em minhas ações, no aprendizado dos tombos e no crescimento que a vida nos impõe para tentarmos melhorar não
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economicamente prósperos de uma sociedade que ainda opera a exclusão das mulheres da esfera pública e seu confinamento no âmbito privado, palco de suas agruras, visibilizadas pela violência doméstica, amparadas por normas de comportamento sexistas e etnocêntricas, que geram o silenciamento cultural e dificultam a entrada das mulheres na esfera pública e política. Estamos todas sujeitas aos estereótipos que nos limitam a determinados modelos com características incapacitantes para a vida pública, política e de ações decisórias relevantes, nos objetificando, retirando-nos a potência e muitas de nossas características humanas. Mulheres, gênero e raça são temas intersexuais proibidos em um Brasil socialmente racista e machista, marcado pela exclusão feminina, com políticas precárias que além de não abrangerem as mulheres, alcançam ainda menos as mulheres negras, comprimidas por múltiplas estruturas de dominação. A mulher bela, recatada e do lar é um símbolo da inaptidão para a vida pública, padrões internalizados e reproduzidos como forma de alienação e despotismo. Quando elas não se encaixam nos protótipos preordenados viram loucas, bruxas, histéricas, mal amadas e encalhadas, os estereótipos afetam mulheres diferentes de formas diversas, as mulheres negras nunca foram tratadas como frágeis, não são as rainhas do lar, nunca consistiram em rainhas de nada, a não ser no carnaval, de forma coisificada. Somos forçadas a conviver com a cegueira coletiva em relação aos nossos dramas, enquanto seguimos recebendo até 30% menos que os homens para executarmos as mesmas tarefas, todo esse desequilíbrio nos mostra a importância de falarmos de nós mesmas e não sermos faladas por outros, marcando a localização de nosso conhecimento, donde haveremos de gritar toda a desigualdade dessas relações dessemelhantes de domínio. Vivo há treze anos assistindo os homens empilharem os corpos sem vida das “suas”
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somente como profissionais, mas sobretudo enquanto seres humanos. Por isso as dores e alegrias de todas as mulheres estão vivas em meu coração e tomam posse agora comigo. É interessante, pois quando a mulher se mostra forte e decidida, as pessoas dizem que ela quer ser homem, como se as coisas importantes do universo não nos coubessem. Dedico essa conquista subversiva a todas as mulheres. Sim, a mulher pode! Butler menciona o pressuposto elementar de que todos nós, mulheres e homens somos seres de carência, que necessitam uns dos outros para viver bem, igualmente vulneráveis por não termos controle sobre circunstancia alguma e essa característica se agrava quando somos explorados e maltratados exatamente em razão dessa vulnerabilidade, gerando vidas precárias e dispensáveis. Rodrigo Ribeiro Alves Neto, ao escrever sobre o “Mundo e Alienação na Obra de Hannah Arendt”, define o que ela chamou de “Amor ao Mundo”, como aquilo que nos separa, enquanto seres humanos, de nossos interesses privados. Surge então a figura metafórica de uma mesa criada pelos homens, que ao mesmo tempo que os afastam, também os aproximam, sem contudo os fundir. Um espaço intermediário de artefatos e negócios humanos que os congrega, sem fazê-los colidir. Segundo a filósofa “o colapso do mundo” poderia, assim, ser formulado como a perda dessa “mesa” ou desse espaço que as pessoas
precisam intercalar, a fim de juntá-los, relacioná-los e distingui-los uns dos outros. Conviver significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os seres que nele habitam, como a mesa se introduz perante os que assentam ao seu redor, como um espaço de ação onde eu apareço aos outros ao mesmo tempo em que eles aparecem a mim e no qual todos cabemos. Os seres são humanos não somente por reproduzirem suas condições de índole biológica, mas por multiplicarem cultura em última instância. O mundo está entre os homens e mulheres que se sentam ao redor dessa mesa enquanto seres falantes e participativos, que ao agirem para transformar a si mesmos, também modificam o mundo, impedindo-nos de cairmos uns sobre os outros, enquanto criaturas singulares, numa atitude uníssona de respeito aos que estão conosco, aos que passaram e aos que ainda virão. Ao redor dessa mesa onde mulheres e homens se enxergam, eles se tornam atores e expectadores de alegrias e agoniais mútuas, permitindo uma convivência equânime, um falar entre si, e principalmente um agir em condições de isonomia. É preciso reivindicar aos humanos a coragem de cuidar da liberdade do mundo, da cultura, da literatura, da história, da poesia, do teatro, das músicas, de toda essa arte deixada e que também deixaremos para os que nos sucederem. “É tão bonito quando a gente sente que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá”[2] e as obras que me trouxeram Acadêmicos na posse de Lindinalva Rodrigues
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lumeMatoGrosso Lindinalva Rodrigues recebe o diploma de imortal acadêmica das mãos da presidente da AML, Sueli Batista
até aqui não são somente minhas, elas foram escritas por cada um dos meus, cada parágrafo, cada letra, por cada um dos Rodrigues aqui presentes, pai, mãe, padrinho, madrinha, irmãos, filho e filhas, sobrinhos e sobrinhas, cunhadas e cunhado, tias e tios, primos e primas, eu não teria conseguido sem o apoio, o amor e o incentivo de cada um de vocês, que amo, admiro, necessito e respeito. Lhes sou grata porque os vossos amores me conduziram a eternidade deste instante. Eis-me aqui confrades e confreiras, me apresento para servir e lutar pelos interesses genuínos da cultura de nosso Estado e da aproximação dela com a comunidade, e consignando derradeiramente a minha precípua causa, encerro com a sabedoria perspicaz de Eduardo Galeano: “Na selva do Alto Paraná, as borboletas mais lindas se salvam se exibindo. Abrem suas asas negras, alegradas por pinceladas vermelhas ou amarelas, e de flor em flor borboleteiam sem a menor preocupação. De-
pois de milhares de anos de experiência, seus inimigos aprenderam que essas borboletas têm veneno. As aranhas, as vespas, as lagartixas, as moscas e os morcegos olham de longe, mantendo prudente distância. No dia 25 de Novembro de 1960, três militantes contra a ditadura do generalíssimo Trujillo foram espancadas e atiradas num abismo na República Dominicana. Eram as irmãs Mirabal (Minerva, Patria e María Teresa). Eram as mais lindas, por isso chamadas de borboletas. Em memória delas e de sua beleza indevorável, cria-se a data de 25 de novembro como o Dia Mundial da não Violência contra a Mulher. Ou seja: contra a violência dos Trujillinhos que exercem a ditadura dentro de cada casa”.[3] Que nossa fala nunca se cale! Muito Obrigada. Cuiabá, 12 de Novembro de 2019 Lindinalva Correia Rodrigues Ocupante da Cadeira 37
[1] Atlas da Violência do IPEA do ano de 2016. [2] Gonzaguinha. Caminhos do coração. [3] Galeano, Eduardo. Os Filhos dos Dias. Porto Alegre: L&PM, 5ª Edição, 2017, p. 371.
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RAÍZES
Grupo Musical Cinco Morenos, precursor do rasqueado cuiabano, Cuiabá, MT, década de 60
Rasqueado Ímpeto da volta à vida
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POR BEATRIZ SATURNINO
asqueado é a poeira que criou o cuiabano urbano, marcou a virada do século e tornou-se a primeira expressão cultural da música mato-grossense escrita em partitura. Assim define o cantor, compositor e pesquisador Milton Pereira de Pinho, o Guapo, apaixonado por esta musicalidade que tem um jeito próprio de dançar, e que há anos desenvolve trabalho de manter ativo o envolvente rasqueado cuiabano. Segundo Guapo, o rasqueado originou-se primeiramente da polca paraguaia e do siriri, logo após a Guer-
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ra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai), num ímpeto de volta a vida entre os ex-prisioneiros de guerra, refugiados e os ribeirinhos na região, onde hoje é o município de Várzea Grande. A base rítmica e melódica dessas duas danças deu origem ao pré-rasqueado que recebe a influência no jeito de cantar do cururu, conservando a improvisação de verso. Ao longo de 40 anos recebeu influência do maxixe e do chorinho por causa das bandas marciais que surgiram, como a do Mestre Ignácio, nos anos 1920. Estes recebiam partituras do Rio
de Janeiro e mesclavam os arranjos dessas músicas na nova expressão local. Com isso desaparece os cantores de improvisação do pré-rasqueado para dar lugar ao instrumentista solo, tal como aconteceu com o maxixe e o chorinho. Era a época do surgimento também das grandes Big Band, aumentando assim a sua conotação de música urbana. Por isso não se encontram letras de rasqueado dessa época e sim partituras e, a música e a dança era chamada de “limpa banco”, pois não ficava uma pessoa se quer sentada, pois todos saíam a dançar.
lumeMatoGrosso Obviamente, mais tarde já foi batizada de “Rasqueado Cuiabano” pelo violinista Tote Garcia, líder do Conjunto Serenata, e as pianistas Zulmira Canavarros e Dunga Rodrigues, ainda nos anos 1940, sendo elas as primeiras mulheres a escreverem partituras de rasqueado para piano solo em Cuiabá. Paralelamente acontecia em Santo Antônio do Rio Abaixo (Leverger,) na Usina do Itaici, aulas com os mestres João Marinho da Fonseca e Francisco Ferreira Men-
des que ensinavam música na escola da usina. A partir da formação antropológica e cultural do povo cuiabano pode-se entender porque o Axé e o Reggae não pegaram de forma intensa ou permanente em Cuiabá, pois estas são danças soltas e individuais mais ligadas a cultura religiosa das aldeias nativas africana e, na Baixada Cuiabana houve pouco ou quase nenhuma influência do culto afro. O caráter festeiro foi marcando também pela cristan-
dade que forjou as centenas de festas de santos particulares ao longo de todo ano. A formação antropológica do povo cuiabano foi em maioria constituída de brancos, negros e índios, dando origem à gente hospitaleira e festeira. Vem do índio o costume da hospitalidade, que em tempos de clima muito quente buscam a beira dos rios para se banharem, pescarem e fazer comida. A característica dançante vem dos negros e com conotação vinda das colônias por-
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RAÍZES tuguesas católicas da África, no qual suscitou o costume do branco europeu da dança de par, influenciando assim o ímpeto anímico na formação do folclore e danças populares da terrinha. Sendo assim o aparecimento do rasqueado no final do século 19 e hoje com o lambadão que também é dança de par. Esta marca histórica da dança de par permanece como motivo condutor do jeito de dançar do povo cuiabano. O APARECIMENTO DO LAMBADÃO Corria o final do ano de 1997 e o projeto Rua do Rasqueado, criado pelo músico Guapo, havia resgatado a dança popular desde 1993, para o centro de Cuiabá. O rasqueado chegou ao seu auge com empreendimentos de grandes shows, como “Encantação Mato Grosso”, que teve quatro edições, “Rasque’ Art”, com duas edições, e a gravação do CD ao vivo feito pela gravadora Atração de São Paulo intitulado: “ A Grande Noite do Rasqueado Cuiabano”,
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que reuniu no palco do bairro CPA II, os maiores nomes do rasqueado da época, bem como um público expressivo. “Eu infelizmente não participei por que estava lançado meu 1º CD – Pantanal Preto e Branco em São Paulo. Tudo ia bem, as Rádios da Capital tocava rasqueado direto na programação, nas TVs tudo cheirava rasqueado, os artistas tinham trabalhos toda semana, tanto em Cuiabá como nas cidades da Baixada Cuiabana”, conta Guapo. Mas nos bastidores dos shows corria uma nova onda musical. As bandas ScortSom, os Maninhos e o cantor Chico Gil tocavam um ritmo mais acelerado e a melodia não tinha nada com a herança musical do siriri, do cururu e muito menos do velho rasqueado dos mestres Ignácio, Albertino, Agnello, entre outros. Estava nascendo o lambadão que havia sido trazido do Pará pelo cantor poconeano Chico Gil, quando começou a cantar a música “Ei Amigo!”. E que, depois de gravada vai se tornar o primeiro hit
da nova onda que ainda conservava o solo de guitarra do Mestre Vieira, um dos criadores da lambada, de Belém do Pará, junto ao cantor Pinduca. DO RASQUEADO A LAMBADINHA Por volta de 1997, quando começou o aparecimento do lambadão, o músico Guapo relata que a maioria das rádios da capital começou a cobrar propina dos artistas para executarem suas músicas e diz que cobram até hoje. Também, o público, os cantores e as bandas que já faziam celebração com o resgate do rasqueado nas noites cuiabanas começam a tocar mais o lambadão e menos rasqueado, surgindo grandes nomes de bandas tais como Estrela Dalva (Poconé), Os Maninhos (Cuiabá) e Stylo Pop Son (Nobres), que arrebanhavam multidões. Como o lambadão é uma dança muito rápida, difícil e cansativa, ao longo dos anos, os músicos começaram a suingar o rasqueado e misturar com o lambadão, dando origem à lambadinha, um jeito mais suave de dançar e que hoje é o mais executado nas noites cuiabanas.
lumeMatoGrosso Como é visto o lambadão e a lambadinha no âmbito nacional? Para Guapo, tanto o lambadão, quanto a lambadinha não são diferentes do sertanejo universitário, do pagode, do axé, do sertanejo dançante, do tecnobrega do Pará, tampouco do forró universitário. O que os dividem são as classes econômicas e sociais. “O aparecimento do lambadão e lambadinha foi mais uma resposta musical antropológica da juventude da capital e da Baixada diante da imposição que as rádios da capital, que recebem propina das agencias do Rio e São Paulo, tentando corromper as bandas daqui com essas músicas acimas citadas, vindas
de outra região do país. Querendo com isso fazer mercado no Estado, tal como o Funk”, opina o músico e pesquisador. Ele considera um ato heróico dos jovens cuiabanos de manterem a tradição, o qual tem um vínculo com as danças amazônicas, tal como o brega e o zouk, com costumes antropológicos muito parecidos, mas que não deixaram dominar o mercado local. Hoje a noite cuiabana é balançada pelo lambadão, rasqueado e lambadinha, sendo a lambadinha mais tocada “por que você pode dançar e namorar”, como disse ao músico Guapo, um dos frequentadores destas vertentes. As casas que “esquentam” as noites cuiabanas são inú-
meras, a exemplo da “Pirâmide”, no bairro Três Barras, “Casa dos Artistas”, “Giros”, no CPA3, “Reserva”, na Rodovia Emanuel Pinheiro, sentido Chapada dos Guimarães, e que funciona somente no fim de semana. Ainda tem o “Colônia”, no Jardim Industriário I, “Lua Morena”, na Estrada do Moinho e o “Top Fest”, na avenida Beira Rio. Em Várzea Grande tem o famoso “Galpão”, a mais antiga casa, no bairro Cristo Rei. Também a “Cabana do Dudu”, “Salão Dona Ana”, no Jardim Glória I, “Espaço de Evento do Carlinhos”, no Jardim Glória II, “Laço de Ouro”, no bairro da Manga, e “Espaço Robertão”, na Alameda Júlio Müller.
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RAĂ?ZES
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Ancestralidade e Encantamento
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POR MAURÍCIO VIEIRA
carnaval é sem dúvida uma das maiores manifestações culturais típicas do povo brasileiro que somam elementos importantes para o entendimento de sua constituição social e possui aspectos culturais, políticos e econômicos. Esta festividade transita nas diversas classes e grupos sociais e é reconhecido como produto social típico de determinada classe ou grupo. Com cores, brilhos, formas e ritmos concerne esta manifestação como expressão da pluralidade cultural que forma o povo brasileiro. O samba move o ritmo que contagia e impulsiona o folião. Grandes compositores negros, que somam uma lista considerável, contribuíram e as Escolas de Samba e os tradicionais blocos nas suas inúmeras formas jocosas são resultado da influencia do movimento das comunidades negras que se espalharam Brasil afora, inclusive em Cuiabá, sendo ressignificado com uma desempenho tipicamente regional. Ao tratar dos enredos das Escolas de Samba, é curioso que estes são veículos para preservar e fomentar valores de determinados grupos étnicos sociais quase sem-
FOTOS LUÍS ALVES
pre discriminados, mas que neste momento festivo ganham visibilidade. Este envolvimento de determinadas classes, como ocorre representa um modo de preservar e difundir a cultura afro brasileira, considerando que a letra expressa, um certo alcance ao universo afro. De tempos em tempos é possível perceber nos sambas enredos uma reverencia as Religiões Brasileiras de Matrizes Africana. O Axé (força vital) presente na festividade contagia a todos, pois esta energia esta concentrada nas matrizes afro brasileiras. A sonoridade do batuque dos Sagrados Terreiros invadem as passarelas do samba, fazendo ecoar o som que cotidianamente é abafado, porém neste período foliões de todos os cantos caem na folia e se dobram ao ritmo contagiante que provoca euforia, alegria e contentamento. Por meio destas manifestações, é possibilitado ao povo falar e agir conforme pensa e sente, porém por serem manifestações culturais, não são encaradas como atos políticos apesar da estar presente de maneira “latente”. Poucos ainda são os estudos que versam sobre
este assunto, principalmente quando analisados através de uma perspectiva social. É necessário o entendimento deste universo que geralmente está sendo deixado de lado, mas que de forma bastante consistente povoa o cotidiano de grande parte da população brasileira. A dimensão promovida neste tempo festivo que é o carnaval não pode ser ofuscada pelos desencontros dados aos excessos de uns e outros. A força da Ancestralidade brilha como sinal sagrado nos acordes sonoros da alegria envolvida. Deixar perder, ou até mesmo enfraquecer este momento cultural é sem duvida possibilitar o desfalecer o realce no rosto do brasileiro que entre as suas alegrias estão à capoeira, o carnaval e o futebol. Trata-se de uma festa onde entra para brincar quem tem condições para tal. O Carnaval é assim, sem fronteiras, sem diferenças, muita energia e multiplicidade de cores e formas. É como o mundo deveria ser não somente nestes dias de festa e sim necessariamente todos os dias. Como seria bom se fossemos eternos foliões! Axé!
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SCEOGTUI D RA I ANNÇOA
Compromisso com o Resgate da Cultura Tribal
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eo Rocha e sua esposa Flávia tinham acabado de abrir as portas do pequeno comércio de arte indígena quando souberam do encontro de lideranças de diversas aldeias que acontecia em Cuiabá, há exatamente um ano atrás. Sem saber ao certo como chegar e o que dizer, procuraram alguns indígenas, talvez antigos conhecidos, para falar: “abrimos uma loja e gostaríamos muito de comprar de vocês”.”Mas, do que vocês precisam?” - perguntou o curumim de etnia Mehinako. “Daquilo que vocês não fazem mais” - Leo Rocha respondeu. O curu-
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POR LETÍCIA BAETA
mim fez cara de bravo e deu um leve recuar. Como assim? O que não se faz mais, não existe mais! - curumim pensou na língua aruak. Então Leo arriscou: pau de fazer o fogo, você tem? Sem nada dizer, curumim respondeu negativa-mente com a cabeça. Depois disse que só dois senhores de muita idade ainda sabiam fazê-lo e, portanto, daquilo quase não se via na aldeia. - Então eu quero bastante desse - falou Leo Rocha.O curumim desconfiou. Era novo, não chegou a conhecer Leo na aldeia, mas o reconheceu da televisão. Depois de mais de um mês curumim voltou. Trazia
a encomenda. Loja pequena, ainda com pouco dinheiro, mas o casal comprou todos os 50 paus de fazer fogo que o curumim trouxe. Curumim aprendeu a fazer o que só dois velhinhos sabiam fazer. Curumim aprendeu para sempre o que só dois velhinhos sabiam fazer. Leo abriu um modesto sorriso e fechou os olhos. Consegui - pensou em silêncio, na língua aruak talvez. Sentiu que começava a retribuir por tudo o que viveu no Xingu. Naquele momento nascia Leo Rocha Arte Indígena.
as plantas do quintal, ela faz parte da história que ela mesma conta. Conversa sobre Leo Rocha, sobre os índios e nos apresenta todo esse universo tribal. UM COMPROMISSO COM O XINGU Na hora em que o curumim girou o corpo curvado de tanto peso nas costas, o saco cheio de pau de fazer fogo caiu e fez um estrondo seco no chão da loja. Pof - Uma leve poeira levantou. Quando isso aconteceu, estranho, Leonardo sentiu que dele saia também um peso das costas. Desde que começou, no final de 2011, as gravações da Discovery Chanel para o programa Desafio em Dose Dupla Brasil, Leo Rocha só pensava numa maneira de retribuir para os índios tudo o que com eles aprendera. A grande sacada, a bola da vez agora mostrada em rede mundial eram as técnicas de sobrevivência de conhecimentos indígenas. Raízes que curam, folhas e frutos silvestres comestíveis, construção de abrigos, fazer o fogo da maneira mais primitiva. Um conhecimento adquirido a partir de duas temporadas que Léo Rocha passou no Xingu - uma aos 11 anos e outra aos 17. E ele sentia
agora, mais do nunca, no compromisso de devolver e agradecer. Sim. Ele sentia, porque Leonardo é sentimento – no trabalho, no mato, com as pessoas, com as plantas, com a madeira. Não foi por acaso que eu fui parar no Xingu – ele pensava a todo momento. E como aquilo fez tanto sentido na sua vida, na sua criação, nos seus ofícios e saberes, no seu íntimo. Ate que ele foi pela terceira vez ao Xingu, em 2014 e, ao visitar os parentes, caiu no inevitável: “Leonardo, compra de mim”, “Leonardo compra minha esteira”, “Leonardo compra isso e aquilo”. Porque todo mundo queria ver aquele menino branco que morou ali quando pequeno. Todo mundo queria um pedacinho dele. E, não conseguindo dizer não pra um, não pra outro, voltou pra casa com um bocado de arte indígena. Comprar era o que ele podia fazer naquela hora, pra dar uma força. Mas, comprar assim não dava mais. Só havia uma alternativa pra continuar e poder um dia nunca dizer não: vender.
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UM PASSEIO PELA CULTURA INDÍGENA A Leo Rocha Arte Indígena se apresenta como um espaço cultural. Guarda um acervo de peças autênticas de mais de vinte etnias brasileiras. Remos, arcos, cestas, cabaças e bancos a beça. Sem contar os colares de caramujo, as pulseiras de tucum, as tiaras de algodão nativo, além de peças de coleção, como os colares de criança EnaweneNawe, feitos de tucum sextavado ou as perneiras femininas de látex. Um museu disfarçado. Uma aula de história, sem se cansar. Cada peça do acervo apresenta não só uma etiqueta com toda a sua referência: etnia, artesão, região, mas traz também histórias de índio e informações de cunho antropológico. “A ideia é que esse peça que sai hoje daqui vá para a casa de alguém que vai zelar pela nossa cultura material. Como se cada um abrigasse peças de um grande museu.Pode ser que amanha não se produza mais peças iguais a essas. Ao comprar a pessoa esta fazendo uma ação em favor da cultua indígena”, explica o casal.É nesse sentido que a loja pretende divulgar a arte dos povos tradicionais – mostrando, tocando, encantando - para engajar o branco nessa causa de índio: Resgatar a cultura. Avani, mãe do Leo, é quem nos recebe no espaço. Ela conhece as peças,
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CASA TRADICIONAL REFORMADA POR LÉO ROCHA Distante uns 100 metros do vuco-vuco da praça, é preciso explorar e descobrir esse espaço que abriga a Léo Rocha Arte Indígena. Uma casinha antiga de adobe, estreita e cumprida. De telhado baixinho, de barro também. Casinha de caboclo, sem corredor, onde um cômodo da no outro, que da no outro, que da no outro, ate que chega, enfim, num tradicional quintal de Chapada, farto de bananas, abacates, um pé de anis, inhames e um pé de mamão caipira daqueles vermelhos, de mais de vinte anos, alguns plantados por Léo ou pelos antigos donos.
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As janelas são feitas de Aroeira - madeira de reaproveitamento. Madeira dura, raramente usada para trabalhos como esses. As portas, pivotantes, sem dobradiça, são feitas de Teca. Nos caixilhos, entalhes de madrepérola, marchetaria e ate pó de ouro nos buraquinhos e falhas da madeira antiga– “defeitos especiais”, como Leo Rocha costuma dizer. Na porta de entrada, uma borboleta de concha em tons de rosa incrustada na madeira. Uma marcenaria diferente de tudo! “Eu aprendi a ser marceneiro brincando, fazendo meus brinquedos. Quando eu era criança minha mãe falou: você quer caminhãozinho? Então eu
vou levar você no cara que faz e você vai varrer a oficina dele e ajudar ele no que ele precisar, observar ele trabalhar pra aprender. E nessa de observar pra aprender e ela me estimulando, eu fui me interessado mais pela marcenaria. Quando tinha alguém que sabia, eu colava nele e aprendia aquilo ai outro e outro. Aprendi como funciona estrutura de telhado, duma casa e as relações da física na prática – vivendo, pegando, quebrando”, explica Leonardo. Leo Rocha possui uma relação muito intima no trabalho com a madeira. Ele é capaz de caminhar com você num assoalho de madeira e te dizer a idade que aquelas peças
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CULINÁRIA
POR BEATRIZ SATURNINO
FOTOS LAÉRCIO MIRANDA
Também é conhecido pelo nome de Ensopadão Cuiabano. Com qualquer nomenclatura o prato é gostoso, fácil e rápido de ser feito
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Cozidão enche os olhos e desperta o apetite. Ele traz o milho verde, a banana da terra, a batata doce, a batata inglesa, a cenoura, a carne bovina com costela e a ponta de peito. Também se acrescenta abóbora e mandioca. Para melhorar ainda mais você pode colocar folhas de repolho para encorpar o prato. A mandioca e quase todos os ingredientes são alimentos da cultura indígena, africana e espanhola. O Cozidão é um prato originado da herança cultural da época da escravidão e foi abraçado por nossos antepassados seguindo gerações. Não existe documentação oficial escrita, apenas a memória. Hoje já existe um documento registrado na culinária cuiabana. Edna Lara é gastrônoma e culinarista, formada pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. Autora de duas edições do livro “Diversidade da Gastronomia”. A segunda nas versões português e inglês
Receita de Edna Lara INGREDIENTES
»» 2 kg de carne bovina, ponta de peito »» 1 kg de costela bovina cortada mais ou menos em 5 cm
»» 1 kg de batata-inglesa (pequenas) »» 1 kg de batata-doce »» ½ kg de mandioca »» 1 abóbora de casca dura (cortada em cubos grandes)
»» 3 espigas de milho verde (cortadas ao meio) »» 3 bananas-da-terra (amarelas, mas não muito maduras)
»» 3 dentes de alho socados »» 2 cebolas médias picadas »» 2 pimentões verdes picados »» 2 colheres (sopa) de vinagre »» 3 cenouras (cortadas em cubos grandes) »» Sal e pimenta-do-reino a gosto »» Óleo »» Vinho branco seco (opcional) COMO FAZER
»» Lave e corte as carnes em pedaços grandes,
tempere com alho, sal, pimenta-do-reino e vinagre. Deixe repousar por duas horas no tempero. Leve uma panela grande ao fogo com óleo e frite todas as carnes. Pingue água quente aos poucos, até que elas estejam macias. Escorra o excesso de óleo e junte a cebola, o tomate, o pimentão e refogue. Cubra o suficiente com água, colocando primeiramente o milho verde e deixe cozinhar. Então coloque a batata, a mandioca e, por último, a banana-da-terra e a batata-doce. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto. Deixe cozinhar por mais 20 minutos. Depois de cozido, desligue o fogo e salpique cheiro-verde. É só servir e esperar elogios.
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Cozidão Cuiabano
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Ú LT I M A P Á G I N A
Balada Doce Em Tempo Ácido
POR CARLOS GOMES DE CARVALHO FOTO DIVULGAÇÃO
me deixa inquieto em seu vai-e-vem-vai são passos trôpegos de um bêbado ou de um hesitante filósofo? indago-me e ... para não submergir vou-venho-vou-e-venho
entre os escombros que de minhas mãos escapam surge o gosto térreo do vinho áspero nos destroços de construções vadias me detenho surpreendido entre dois caminhos - o encanto, a astúcia – esqueletos de vozes ocas cujos ecos são sangue sem luz dardejam expressões que como chuva gélida em minha face escorrem lembrando velha canção de amantes tristes um indeciso transeunte entre nós
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prossigo entre tantas máscaras entre tantos seres de frágil argila sob a luz devoradora de olhos inquietos a alimentar o lago ardente da imaginação cuja superfície, embora pelo vento ondulada, está calma e serena como o céu opaco e intangível onde brilha a luz oculta da canção de teus olhos despojados de ilusão e viageiro no deserto da linguagem dos gestos profundos.
CARLOS GOMES DE CARVALHO Autor dos livros de poemas: A Arquitetura do Homem, Hematopoemas, Pássaros Sonhadores.
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lumeMatoGrosso A Assembleia Legislativa comemora os 30 anos da Constituição Estadual atualizando esse documento que rege nossos direitos e deveres, regulamenta as ações do Estado e nos permite ser cidadãos participativos.
“O ESTADO ASSEGURARÁ ÀS PESSOAS PORTADORAS DE QUAISQUER DEFICIÊNCIAS INSTRUMENTOS PARA INSERÇÃO NA VIDA ECONÔMICA E SOCIAL E PARA O DESENVOLVIMENTO DE SUAS POTENCIALIDADES...”
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O QUE REGE A SUA VIDA CONSTITUI A DEMOCRACIA