Revista Lume 44

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lume Mato Grosso

Antônio Arcênio da Silva

Os 111 anos de vida de um vaqueiro, capataz e tropeiro, de Mato Grosso. Pag. 36

PERSONALIDADE: DEISE E KAKÁ ALVES DECIFRE A CUIABÁ DE PAUL CLEMENCE A LEI ALDIR BLANC O ARTISTA OLÍMPIO BEZERRA PREPARA EXPOSIÇÃO VIOLETA PARRA EM AMERICANIDADE

ISSN 2447-6838

Revista nº. 44 • Ano 6 • Dezembro/2020

................. R$13,00

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C A RTA D O E D I TO R

JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral

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esde o surgimento da revista impressa no Brasil em 1812, essa mídia tradicional sofreu diversas transformações ao longo do tempo. Com o advento da internet, as mudanças foram ainda mais drásticas: surgiu uma necessidade de se acessar as notícias de forma imediata, fazendo com que as revistas que permaneciam somente no meio impresso ficassem para trás. Para se adaptar aos moldes dos dias atuais, os veículos procuraram se reinventar ao criar setores para publicar conteúdo na internet, assim expandindo a marca para atingir mais pessoas. Questionados, alguns jornalistas se pronunciaram sobre esse assunto. Marcos Coronato, editor executivo da revista Época, relatou a preocupação do veículo em fazer com que as matérias do site tenham o maior “ciclo de vida” possível, exaltando a figura do editor que proporciona um olhar mais experien-

te e pode tornar a publicação mais interessante para dessa forma atrair mais leitores. Na Veja a situação é bem parecida. Daniel Bergamasco, editor online, revelou que há alguns anos o veículo investiu na plataforma online, e isso permitiu algumas mudanças na redação: intercâmbio entre editores e união dos jornalistas, deixaram de existir papéis definidos. Daniel acredita que a versão online ainda não conseguiu se igualar a edição impressa quando se trata de impacto, na medida em que as revistas causam um efeito nostálgico e forte ao se abrir, por exemplo, uma foto que ocupa uma página inteira. É algo que captura a atenção do leitor de uma maneira que os sites não conseguem fazer. A revista impressa é desenvolvida considerando que o leitor terá um tempo maior dedicado ao texto, desta forma a produção de conteúdo é mais aprofundada. Entretanto, as chamadas “pau-

tas quentes” podem não resistir até o final de semana (quando a revista é veiculada), valorizando a necessidade do site. Giovana Romani, editora sênior da revista Glamour, acredita na exclusividade da revista impressa, já que existe uma curadoria limitada para a veiculação. A principal diferença apontada por Giovana está na questão do título, o online exige “sujeito, predicado, ação e informação relevante”, em contrapartida a revista é mais fluida. Para mim não ocorrerá o fim da revista impressa, mas sim uma depuração daquilo que temos em nosso mercado, tanto no Estado, quanto no país afora. Os editores e jornalistas migrarão, em sua maioria, para sites. Ficarão os que tem proposta editorial que atinja os objetivos do leitor, especialmente daquele mais exigente e que busca qualidade. Estamos buscando encontrar o caminho certo para nossa LUME MATO GROSSO


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EXPEDIENTE

lume Mato Grosso

PESCUMA MORAIS Diretor de Expansão e de Projetos Especiais ELEONOR CRISTINA FERREIRA Diretora Comercial JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral MARIA RITA UEMURA Jornalista Responsável JOÃO GUILHERME O. V. FERREIRA Revisão AMÉRICO CORRÊA, ANA CAROLINA H. BRAGANÇA, ANNA MARIA RIBEIRO, ANTÔNIO P. PACHECO, BENEDITO PEDRO DORILEO, CARLOS FERREIRA, CECÍLIA KAWALL, DIEGO DA SILVA BARROS, DILVA FRAZÃO, EDUARDO MAHON, ELIETH GRIPP, ENIEL GOCHETTE, EVELYN RIBEIRO, HENRIQUE SANTIAN, JOSANE SALLES, JULIANA RODRIGUES, LUCIENE CARVALHO, MARCO POLO DANTAS, MILTON PEREIRA DE PINHO - GUAPO, NIGEL BUCKMASTER, PAULO PITALUGA COSTA E SILVA, RAFAEL LIRA, REGINA DELIBERAI, ROSE DOMINGUES, THAYS OLIVEIRA SILVA, VALÉRIA CARVALHO, WLADIMIR TADEU BAPTISTA SOARES, YAN CARLOS NOGUEIRA Colaboradores AFRANIO ESTEVÃO CORRÊA, ANDREY ROMEU, ANTÔNIO CARLOS FERREIRA (BANAVITA), CECÍLIA KAWALL, CHICO VALDINEI, EDUARDO ANDRADE, HEITOR MAGNO,

HENRIQUE SANTIAN, JOSÉ MEDEIROS, JOYCE CORRÊA, JÚLIO ROCHA, LUIS ALVES, LUIS GOMES, MAIKE BUENO, MARCELA BONFIM, MARCOS BERGAMASCO, MARCOS LOPES, MÁRIO FRIEDLANDER, RAI REIS Fotos OS ARTIGOS ASSINADOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES. LUME - MATO GROSSO é uma publicação mensal da EDITORA MEMÓRIA BRASILEIRA Distribuição Exclusiva no Brasil RUA PROFESSORA AMÉLIA MUNIZ, 107, CIDADE ALTA, CUIABÁ, MT, 78.030-445 (65) 3054-1847 | 36371774 99284-0228 | 9925-8248 Contato WWW.FACEBOOK.COM/REVISTALUMEMT Lume-line REVISTALUMEMT@GMAIL.COM Cartas, matérias e sugestões de pauta MEMORIABRASILEIRA13@GMAIL.COM Para anunciar ROSELI MENDES CARNAÍBA Projeto Gráfico/Diagramação ANTÔNIO ARCÊNIO DA SILVA, FOTO: JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Capa


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SUMÁRIO

52. CULINÁRIA

54. RAÍZES


RAÍZES

60.

FOTOGRAFIA

61. SEGREDOS DA FLORESTA

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58.


PERSONALIDADE

Deise e Kaká Um “case” de sucesso

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reportagem da revista LUME – MT, entrevistou, no começo de dezembro de 2020, o casal Deise e Kaká Alves, de Cuiabá, com foco nas questões socioeconômicas nacionais e de Mato Grosso, e, nas atividades sociais por eles desenvolvidas.

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dos mais conceituados bancos do país, o Itaú. Em Uberlândia (MG), foi bancária por quatro anos. Depois se casou e, em seguida, foi transferida de agência bancária para a cidade de Cuiabá, onde se formou em Administração de Empresas e desenvolveu intensa rede de amizades na sociedade local, e, em paralelo, envolveu-se em atividades sociais com pessoas e famílias menos favorecidas pela sorte. O casal Deise e Kaká atua em conjunto nos negócios da família, que tem como foco principal o Posto Bom Clima, localizado em ponto estratégico da avenida República do Líbano, saída para a cidade de Chapada dos Guimarães e distrito da Guia, em Cuiabá. Não perdem o sono em dividir rigidamente seu foco, priorizando a empresa e sua família e, sim, às vezes, as linhas ficam confusas. Porém, para eles, seu grande negócio é sua família e vice-versa. O importante é valorizar e nutrir ambos. Como bons empreendedores aprenderam que não podem fazer tudo sozinhos e optaram por se concentrar no que fazem melhor e contrataram pessoas para ajuda-los na administração de seus negócios. Montaram um time e tanto. Vamos dividir esta entrevista especial em duas partes, começando com Kaká Alves:

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Em nosso mundo atual, as pessoas parecem estar cada vez mais perdidas e desconectadas de si mesmas. Isso faz com que percam de vista a essência de quem realmente são. Esse não é, por via de regra, o caso de Deise e Kaká, os pais de Maria Júlia, uma jovem estudante cuiabana que sabe muito bem o que quer para sua vida. Desde a adolescência Kaká Alves demonstrou sua personalidade empreendedora. Iniciou-se em negócios de combustíveis aos 14 anos de idade, no Posto 80, em Comendador Gomes, entre Frutal e Prata, no Triângulo Mineiro, ramo empresarial que aprimorou e desempenha até os dias de hoje. Ali, naquela pequena cidade, descobriu-se competitivo e com grande desejo de realizações. Mais tarde, além de empresário de sucesso, estudou e formou-se em Direito, tendo alcançado, com louvor, o posto de Mestre Venerável, em Loja Maçônica na cidade Chapada dos Guimarães. Deise Alves é daquelas pessoas que não deixa qualquer palavra, de qualquer pessoa, a atingir. Não chora pelo que não vale a pena, descarta falsidade, e é de lutar por causas ditas perdidas e sempre sai vencedora. A responsabilidade bateu cedo à porta de Deise Alves que, jovem ainda, tornou-se funcionária de um

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O SENHOR ACREDITA QUE O PERÍODO EM QUE GANHAMOS MUITA EXPERIÊNCIA E CONHECIMENTO É O MAIS DIFÍCIL DA VIDA DE ALGUÉM? »»Sou um eterno aprendiz, muita gente sabe exatamente do que estou falando, por isso, considero indispensável a um homem reconhecer o uso que deve fazer de seu próprio conhecimento das coisas e da vida. Sou devoto de Nossa Senhora da Abadia e cumpridor de minhas promessas, compreendi, desde muito cedo, que aprender uma profissão e melhorar como ser humano, a cada dia que passa, só nos engrandece. O trabalho sempre fez parte de minha vida, desde pequeno, trabalhei

na terra capinando, catando e raleando algodão, enfrentando as dificuldades de se laborar na lavoura, acordando pela madrugada e levando, numa mão a enxada e na outra a marmita, que era o meu alimento de um dia inteiro. Voltava para casa com as mãos calejadas e o suor escorrendo, mas sempre esperançoso de que um dia venceria na vida, pelos meus próprios méritos. Pela mesma porta que eu entrava em minha casa, no final do dia, trazendo o pó do sertão na testa, eu saía, toda noite, de banho tomado e roupa trocada. A enxada eu substituía pelo caderno e pelo lápis. Ia estudar à noite. Sempre dei valor nos estudos e, mesmo na dificuldade, nunca

deixei de estudar. Da lavoura, ainda na adolescência, passei a atuar num posto de gasolina, que era negócio de família. Com o tempo, sempre busquei saber sobre coisas que ocorriam em meu entorno, e fui crescendo empresarialmente. Sempre participei de cursos de formação, os mais diversos possíveis, desde que contribuíssem para o meu crescimento e conhecimento. Um dos diplomas mais importantes para minha vida profissional foi adquirida com o curso de Direito. O fato de ser advogado, mesmo sem exercer a profissão na sua plenitude, para mim, tem muita importância, pois me ajuda na compreensão de inúmeras atividades correlatas.


PARTICIPANDO DA VIDA ECONÔMICA E POLÍTICA DE CUIABÁ E MATO GROSSO. »»Desde os primeiros tempos de Mato Grosso fui fiel contribuinte às questões ligadas à classe empresarial, política, social e religiosa. Atuei em diversas frentes de ações sociais junto com minha esposa, Deise Alves. Nossa religiosidade e formação católica nos impeliu sempre estarmos unidos em torno de nossos santos de devoção. Por exemplo, Deise, minha esposa, foi Imperatriz do Senhor Divino, em festejo na catedral

de Cuiabá, em 2006. Nessa mesma tradicional festa cristã eu participei como o Capitão-do-Mastro, fato que muito nos alegrou. Exerci minha cidadania atuando, por anos a fio, como Presidente de seção de mesa receptora de votos, em inúmeras eleições, de vereador a presidente da República. Por conta de nossa inserção na sociedade, de forma em geral, acabei sendo agraciado com diversos títulos e moções de aplausos. Me orgulha muito os títulos de Cidadão Mato-Grossense, oferecido pela Assembleia Legislativa do Estado, e, de Cuiabano, pela Câmara Municipal da capital. O SENHOR É PIONEIRO NA PRODUÇÃO DE BIODIESEL EM MATO GROSSO? COMO FOI ISSO? »»Participei da criação de uma das primeiras usinas de biodiesel em Mato Grosso, instalada no distrito industrial de Várzea Grande, no ano de 2005. Isso era uma grande novidade para a época. Para testar o resultado e qualidade de nosso produto, no qual acreditávamos, e muito, fizemos uma viagem de carro, usando como combustível, o biodiesel, que nós havíamos industrializado. O trecho escolhido para o teste foi de Cuiabá até a praia de Maresias, localizada no município de São Sebastião, no estado de São Paulo. Fomos em duas caminhonetes e o resultado foi excelente para os nossos propósitos de divulgação do biodiesel,

que estava renascendo em Mato Grosso. Quando turistas e moradores do Balneário de Maresias ficaram sabendo da forma como havíamos chegado até o litoral paulista, numa viagem de dois mil quilômetros, usando aquele tipo de combustível, fora dos padrões normais, até então, não acreditaram, ficamos famosos por isso, naquele lugar.

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O QUE MOTIVOU A SUA VINDA PARA MATO GROSSO? »»Eu pertenço à uma família que atua no mercado de comércio de combustíveis em Minas Gerais. Esse é o negócio de tios, primos e alguns amigos há muito tempo lá nas Gerais. Eu mesmo me iniciei nesta atividade quando tinha 14 anos de idade e, aos 17, fui emancipado pelo meu pai para entrar no ramo como empresário. Sempre fui precoce nas atividades comerciais, tendo aprendido muito nessa profissão por conta disso. No entanto, eu sempre quis ter meu próprio negócio, administrar à minha maneira, pois, eu tinha conhecimento e queria colocar minhas ideias em prática, queria deixar de ser apenas mais um naquele grande grupo familiar. Eu queria atuar sozinho, num lugar distante da família e numa capital de estado.

COMO SE DEU A OPÇÃO POR CUIABÁ? »»No começo eu estava em dúvida sobre vir para Cuiabá ou Palmas, capital do Tocantins, que estava em fase de implantação de várias atividades empresariais, ainda. A minha vinda para Cuiabá foi estimulada pelo empresário Reinaldo Queiroz, representante da Nestlé, no Triângulo Mineiro, que é um grande irmão que tenho em Minas Gerais. Reinaldo me trouxe a Cuiabá com o seguinte argumento: “Kaká, até para pedir esmola você pode ir para uma cidade maior, não mexe com cidade pequena não”, ele se referia a Palmas, que ainda estava no começo. Veja o tanto que Reinaldo era amigo, viemos com sua caminhonete e até o combustível foi ele que pagou, sem o menor interesse comercial, pura amizade mesmo. Passamos a escolher possibilidades de negócios e ele, metódico e criterioso, analisava cada um dos lugares que visitávamos. Ficamos por aqui, em pesquisas, durante uma semana.

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ENCONTRARAM UM LUGAR ADEQUADO PARA INICIAREM-SE NO RAMO POSTOS DE COMBUSTÍVEIS AQUI NO CENTRO OESTE? »»Sim, tínhamos que dar sequência aos nossos objetivos de vida, independentemente do que fosse apresentado. A companhia São Paulo me ofereceu um posto de combustíveis em Várzea Grande, próximo ao Trevo do Lagarto, num lugar de poucas belezas, sem energia elétrica, entorno precário e com entrada de terra. Para se ter ideia, nem o bairro São Mateus existia, ainda. Eu topei a proposta da companhia e disse prá mim mesmo: “Vou encarar esse desafio”. Arranjei um caminhãozinho para o transporte de combustíveis, de Paulínia para Várzea Grande. Pelo tamanho diminuto, em relação aos outros, geralmente carretas, fui motivo de brincadeiras, mas, ao final das contas, com muita dedicação e trabalho, as coisas deram certo para nós. COMO SE DESENVOLVEU ESSA ATIVIDADE? O SENHOR CRESCEU NO RAMO? »»As coisas foram bem em Várzea Grande. Dei ao meu estabelecimento o nome de Posto Uberlândia, homenagem à minha terra natal. Acabei ficando por muitos anos na Cidade Industrial. Com o tempo eu fui conhecendo melhor o mercado regional, as pessoas e as oportunidades. Passei a

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negociar com outras companhias e consegui outros postos de combustíveis, inclusive em Chapada dos Guimarães. No Posto da Prainha montei o meu escritório de trabalho, ali era o meu QG. Não demorou e, além dos postos, vi oportunidade de atuar no ramo de transporte e distribuição de combustíveis, de certa forma isso foi facilitado pelo conhecimento e amizades que desenvolvi em Paulínia, no estado de São Paulo. A DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS PASSOU A SER PRIORIDADE EM SEUS NEGÓCIOS? DAVA PARA CONCILIAR COM OUTRAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS? »»Chegamos a ter em torno de vinte postos de combustíveis em Mato Grosso. Íamos muito bem obrigado nessa atividade. Uma distribuidora, em especial, a Ello´s, com o nome sugerido pelos amigos Pescuma e Henrique, me deixou feliz no início, ao criá-la, no entanto, com o passar dos tempos as coisas não saíram como eu havia planejado. Uma negociata de propósitos escusos me tirou da sociedade dessa empresa, que se mostrara competitiva e lucrativa. É uma demanda que foi judicializada e está nas prateleiras forenses até a data de hoje. Por dois anos eu lutei e gastei muito dinheiro para retomar esse meu negócio. O esforço não teve o resultado esperado, apesar de muito di-

nheiro investido com advogados notáveis, de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Com isso, sem efetivamente ter o olhar administrativo devido, nos postos de combustíveis, fui vendendo-os, um a um, quase todos. Precisava de caixa para pagar advogados e dinheiro, para pagamentos de folhas e de fornecedores. Foi um descalabro, acabei ficando sem capital de giro. E O BOM CLIMA, NÃO ENTROU NA LISTA DE VENDAGEM DE SEUS POSTOS DE COMBUSTÍVEIS? »»Pois é, dessa leva esse foi o único que não vendemos. Não por falta de interessados, mas porque houve uma combinação de fatores positivos que impediram essa tomada de decisão. Nessa época, em torno de 2007, eu pedi que Deise, minha esposa, me ajudasse no posto Bom Clima, o único que ainda não havia sido vendido. A Deise saiu do banco, onde ocupava cargo de gerência, assumiu a administração do posto e, em poucos meses apresentou um resultado financeiro excepcional. Esse posto é um marco em nossa vida, foi uma retomada em nossos negócios. Ali naquele posto a minha mãe tocava a loja de conveniência e minha esposa o comandava, e, por ser excelente administradora, fez a diferença, por isso, não o vendemos.


OUTRO FATOR POSITIVO NO BOM CLIMA É O DE SER RECORDISTA DE VENDAS DA SHELL, COMO SE DEU ISSO EM PLENA PANDEMIA? »»Graças a Deus nós sempre vendemos combustíveis muito bem. O recorde de vendas do Bom Clima foi no mês abril de 2016, com a venda de 1 milhão de litros. No início da pandemia, em março de 2021, as vendas caíram assustadoramente para 40% da média mensal. Com o passar dos meses pandêmicos as vendas foram aumentando, isso ocorreu pela diminuição dos números da pandemia. Os meses de outubro e novembro de 2020 foram excepcionais, retomando os números alcançados em 2016, com vendas superiores a 1 milhão de litros, ou seja, a economia girou muito forte neste final de ano em Mato Grosso. Essas vendas acima da média foram traduzidas em prêmios que ganhei Shell, a empresa com a qual temos negócios: foram troféus e viagens, inclusive uma para a cidade de Praga, na Tchecoslováquia. QUAL É A SUA PARTICIPAÇÃO E ATIVIDADE COM O SINDICATO DA CATEGORIA DE COMBUSTÍVEIS, O SINDIPETRÓLEO, DE MATO GROSSO? »»Pelo fato de estar inserido de corpo e alma no negócio de compra, venda e distribuição de combustíveis e atividades correlatas, conheço todas as esquinas e meandros desse sistema. A mi-

nha ligação com o Sindipetróleo vem desde o período em que eu possuía posto de combustível em Minas Gerais. Em um determinado período de nossas atividades me senti no dever de opinar de forma mais determinante sobre os destinos da instituição que rege este setor, em Mato Grosso, que é o Sindipetróleo-MT. Por não encontrar espaço político, reunimos um grupo expressivo e montamos uma chapa alternativa para concorrermos na eleição de 2018. Ao final, não disputamos e houve uma composição na formação da diretoria, na qual assumi o posto de 1º Secretário da instituição. Foi uma chapa de consenso, para manter o bom entendimento sobre os destinos do sindicato até o ano de 2024.

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O BOM CLIMA NÃO APENAS UM POSTO DE VENDA DE COMBUSTÍVEIS, TORNOU-SE UM LOCAL ONDE ENCONTRA-SE DE TUDO UM POUCO. ISSO FOI PLANEJADO? »»Acredito que um dos fatores importantes para o Bom Clima ter um afluxo imenso de pessoas é a sua localização e o bom astral que domina o lugar. Inicialmente tínhamos apenas a venda de combustíveis e a loja de conveniência. Posteriormente foi instalado um restaurante/ bar; um salão de barbearia e corte de cabelos, uma loja vende e conserta telefones celulares e correlatos; uma loja que vende Açaí; uma loja da churrascaria Boi-Grill, que já é um sucesso; temos a nova conveniência, que é a Select; além disso estamos disponibilizando espaço para um sushi bar e outro para a Drogasil, no ramo da saúde. Está em fase final a construção de mais cinco salas, das quais algumas já estão reservadas, uma delas é para um consultório dentário. Será verdadeiramente um pequeno shopping a céu aberto em Cuiabá. Importante nesse contexto é o nosso reconhecimento ao trabalho desenvolvido pelo Cleudisson Chaves – o Keké, que é o meu braço direito e principal executivo de nossa empresa. Sua dedicação e empenho ao bom desenvolvimento dos trabalhos são de extrema importância para toda a nossa família.

O SINDICATO TEM UMA “BRIGA” ANTIGA COM GOVERNOS DO ESTADO POR CONTA DE VALORES E IMPOSTOS COBRADOS, COM O QUAL A INSTITUIÇÃO NÃO CONCORDA, É ISSO? »»Sim, é isso. Mato Grosso é exportador de etanol e importador de outros produtos ligados á área petrolífera, notadamente a gasolina e diesel, sendo que 90% desse montante vem de Paulínia, do estado de São Paulo. Porém, a nossa carga tributária estadual é muito alta. Nossa instituição sempre está atenta a esses fatos e trabalha por sua diminuição, mas, entra governo e sai governo e nada muda e nosso imposto

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continua mais alto que o de Goiás e Mato Grosso do Sul. Os caminhões que entram carregados, em nosso território, fazem o devido abastecimento de combustível nesses estados, ou seja, entram e saem e não abastecem em nossos postos, isso contribui para que o custo de nosso combustível fique mais caro. E OS GOVERNOS NÃO NEGOCIAM, QUAL É A SUA OPINIÃO? »»É tudo questão de ponto de vista. Fizemos uma proposta para o governo baixasse o valor dos impostos. Isto feito, garantiríamos a mesma receita para o governo. Ou seja, o governo não perde dinheiro. A nossa lógica é que, se baixar o valor do imposto, a categoria vende mais combustível, o que é mais interessante para os donos dos postos. O SENHOR ACREDITA QUE EXISTE CARTEL NA VENDA DE COMBUSTÍVEIS EM MATO GROSSO? »»De forma alguma, isso é lenda. Tudo é questão de mercado, quem determina alta ou baixa nos preços de combustíveis é a Petrobras. Na verdade, é uma forma vesga do consumidor enxergar preços semelhantes em bombas de combustíveis nos postos de gasolina. Ocorre que o valor que pagamos pela nossa “matéria prima”, que é basicamente o etanol, gasolina e diesel, é o mesmo para cada uma das empresas, sem dife-

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renciação. O imposto cobrado pelos governos é o mesmo para cada um dos postos de combustível, sem distinção. O que ocorre de diferença, em valores, em alguns casos, é que uma ou outra empresa tem uma despesa menor, ou maior que o concorrente. É só isso, nada mais. Se algum posto vende seu produto mais caro que o seu concorrente, dificilmente ele consegue êxito, tem que se igualar em preços com os demais, senão, ele não vende mesmo. Portanto, eu afirmo: Não existe cartel de combustível em Mato Grosso, isso é especulação. O SENHOR É A FAVOR DO TABELAMENTO DO PREÇO DE COMBUSTÍVEL NA BOMBA? »»Eu acho que funcionaria bem. Penso, também, que é desejo de muitos revendedores. É uma situação que na prática ainda não sei como seria, merece estudos. Para o revendedor seria bom e prático, veja

bem, o produto é um só, o custo é um só. Ademais, os postos de revenda de combustíveis, não lucram apenas com suas vendas, existem outros serviços, isso vai muito da criatividade e investimento dos empresários do setor. QUAL SUA OPINIÃO SOBRE A EVOLUÇÃO DA ECONOMIA EM NOSSO ESTADO? »»Trata-se de um estado extremamente rico em recursos minerais e em produção advinda do agronegócio. Ainda é uma terra de oportunidades, especialmente pela sua dimensão territorial e espaços ainda a serem ocupados. Importante elegermos sempre políticos comprometidos com o desenvolvimento de nossa terra. Não vejo arranhuras na economia regional por conta de política de Estado. O agronegócio segura qualquer onda ruim na economia. Isso eleva a


lumeMatoGrosso nossa autoestima e nos faz sentir orgulho em ser mato-grossense. Veja bem como nosso Estado nesse período de pandemia, se compararmos Mato Grosso com outros estados da federação vamos chegar a conclusão de que estamos numa “quase” ilha de prosperidade. Muitos estados se afundaram em dívidas e problemas de toda ordem para manterem-se firmes neste ano pandêmico. Mato Grosso quase não teve crise, foi menor o impacto em relação aos demais. Infelizmente, tivemos muitas perdas, de vidas e de negócios, mas, por aqui, o choque foi menor. A POLÍTICA NACIONAL VAI BEM? QUAL É SEU CONCEITO SOBRE O GOVERNO DO PRESIDENTE JAIR MESSIAS? »»O governo Bolsonaro começou muito bem, especialmente, pelo fato de não ceder à sanha partidária na divisão ministerial, como era praxe em outros governos, sendo, obviamente, mais

fácil de administrar o país. Uma das falhas que considero grave no governo federal é referente às escolhas de seus Ministros de Estado. Salvo algumas exceções, todos são pouco produtivos. Outra coisa, não gostei da iniciativa do governo Bolsonaro em permitir que norte-americanos entrem em nosso país sem visto, apenas com a sua identidade. Nós, brasileiros, quando visitamos os Estados Unidos, somos humilhados por sermos latinos. Quem disser o contrário está mentindo, assim é que é, infelizmente. Nesse caso, acho que ele “abriu as pernas”, não precisávamos disso, o tratamento tem que ser igual, tanto para americanos no Brasil, ou vice-versa. Mesmo assim, avalio o governo federal de forma positiva. O SENHOR PERTENCE À MAÇONARIA DESDE QUANDO? COMO FOI SUA ASCENÇÃO DENTRO DE SUA LOJA?

»»Entrei para a Maçonaria em 2004, na Loja Luz da Chapada. Posteriormente passei a frequentar a Loja Poeta Fernando Pessoa, à qual dedico parte significativa de minhas atenções, por entender o significado e a importância das virtudes cardeais maçônicos. Com o tempo e estudos ascendi ao cargo de Venerável Mestre, eleito regularmente para presidir a minha Loja. Em seguida, participei de rito especial e recebi o título de Mestre Instalado. Por ter sentimento de orgulho e alegria entre os meus irmãos, optei por um casamento maçônico. Foi o meu terceiro casamento, primeiro no cartório, segundo na igreja e, finalmente, na Maçonaria. Atualmente ocupo o honroso cargo de deputado estadual dentro dos preceitos maçônicos.

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O SENHOR GOSTA DE PESCARIAS, ESPORTES E DE MÚSICA. FALE SOBRE SEU TIME DE CORAÇÃO, O FLAMENGO, E AS AMIZADES MUSICAIS, ESPECIALMENTE COM ZEZÉ DI CAMARGO. »»Sou torcedor do Flamengo. Gosto de futebol e acompanho meu time de coração, desde sempre. Com o Zezé di Camargo tenho uma amizade bastante antiga, de quase trinta anos. Conversamos pela primeira vez em Uberlândia, por conta de amigos comuns. A partir daí desenvolvemos um companheirismo muito bom e saudável. O tempo passou, vim para Cuiabá e nos afastamos, por causa dos muitos compromissos de cada um. Certo diz o nosso amigo comum, Pescuma, estava fazendo um show com o Zezé di Camargo no antigo estádio Verdão, no término da apresentação ele veio ao meu encontro e falou: “Ué mineirinho, que você tá fazendo aqui? ”. Depois desse reencontro, nossa amizade se fortaleceu e passamos a nos ver e falar com frequência. Zezé gosta muito de Cuiabá e sempre que pode estar por aqui, tem muitos amigos, um deles é o Pescuma, que é nosso irmão. Então, já viu, não é? Nossos encontros são de muita música e alegria. Outra coisa baca-

na que aconteceu por conta dessa amizade é a chamada Pescaria do Zezé. Participo, há cerca de quinze anos, pelo menos, com um grupo de amigos dessa pescaria, que é feita no Pantanal de Corumbá, no estado de Mato Grosso do Sul. Todos os anos, entre janeiro e fevereiro, lá vamos nós rumo ao Pantanal para pescar. É um período em que encontramos bons amigos e nos divertimos muito. Tudo começou com a organização dessa pescaria com o Sílvio Luciano, antigo empresário de Zezé di Camargo. Com o seu falecimento, há pelo menos quatro anos, eu passei a ser o organizador dessa diversão que se tornou um grande evento. Eu e nosso dileto amigo Pescuma participamos de todas, sem falhar em nenhuma edição dessa pescaria. É um momento também de conhecermos pessoas, pois sempre ocorrem novos convidados, notadamente artistas do meio musical sertanejo, a exemplo do Paraná (dupla Chico Rey e Paraná), Guilherme e Santiago, João Bosco e Vinícius, Ataíde e Alexandre, César Menotti e Fabiano, dentre tantos outros. Por conta dessas novas amizades fui padrinho de casamento do Santiago, da dupla Guilherme e Santiago, de quem fiquei muito amigo, de casa mesmo.

PARA FINALIZAR, NA NOVA FASE QUE SE INICIOU EM 2007, COMO ESTÃO OS PLANOS E INVESTIMENTOS PARA O ANO DE 2021? »»O nosso negócio é esse mesmo, ligado ao setor de comércio de combustíveis. Como todo empresário competitivo, temos necessidades de realizações e de enfrentamento dos desafios. Operar novos negócios sempre estão em nossos planos. Por enquanto, contamos com o Posto Bom Clima, que é o nosso talismã. Mas temos outros investimentos, a exemplo do Posto 10, na avenida Rubens de Mendonça, o Posto Estrela da Guia, no distrito da Guia, e o Planalto Ipiranga, em Várzea Grande. Temos também o quinto posto, o Santa Helena, na avenida Miguel Sutil, em funcionamento desde dezembro de 2020. Nesse 2021, quero continuar com propósitos de crescimento e busca de soluções modernas e inovadoras para as nossas questões de gestão. Torço para que a pandemia seja controlada, para que não tenhamos mais perdas de vidas e de divisas. Agradeço a Nossa Senhora da Abadia pelas bênçãos neste 2020 e que 2021 seja transformador e que gozemos de muita saúde, felicidade e dinheiro no bolso.


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A VIDA É O QUE FAZEMOS DELA. AS VIAGENS SÃO OS VIAJANTES. O QUE VEMOS NÃO É O QUE VEMOS, SENÃO O QUE SOMOS. COMO DEISE ALVES ENXERGA A VIDA? »»Sou devota de N. S. de Fátima, com infinita crença em Deus. Me vejo uma pessoa compreensiva e ciente de que o futuro, o qual não temo, está nas mãos do Universo e que nada irá mudar esta situação. Não ligo muito para a opinião dos outros, no entanto, aceito críticas produtivas, que me fazem evoluir, qualquer outra não é capaz de colocar-me para baixo, pois sou guiada pelo que está dentro do meu coração. Sou uma mulher realizada e feliz, que sempre deu muito valor e importância ao à minha família e ao trabalho. Atuei como funcionária do Banco Itaú por muito tempo, primeiramente foi em Uberlândia (MG), onde comecei em 1993, e permaneci por quatro anos e, depois, em Cuiabá, para onde fui transferida, de agência bancária, após o meu casamento com o Kaká, em 1995. Dessa época tenho boas lembranças, pois sempre levei o meu trabalho muito a sério. Tenho o meu jeito de ser e de ver as coisas, e, sempre nos momentos mais complicados da vida busco manter a minha essência e alegria de viver. Nos primeiros meses de meu trabalho bancário, em Cuiabá, ouvi de alguns clientes a frase: “Deise, você não tem nenhum problema, não é mesmo? Nunca vejo você de mau-humor! ”. Eu sorria e respondia que sim, todos temos problemas, mas que, a forma de enxergá-los é diferente, de pessoa a pessoa. Se estou triste me pergunto, porque estou triste? Olho para trás e para os lados e constato que tem gente em situações dificílimas. Dias atrás me dirigi à minha filha e meu pai, postados em volta à mesa de refeições: “Gente, olha essa mesa, somos afortunados e abençoados por Deus, estamos comendo o que a gente quer, até para o trabalho, adequo os meus horários”, por conta disso, afirmo que somos muito bem-aventurados. Vejo as coisas dessa forma, penso que temos que abrir portas para viver o presente de forma muito mais intensa, e, que, nossa crença divina também faz com que compreendamos que nossas ações de agora terão consequências no futuro.


É DIFÍCIL CONCILIAR ATIVIDADES EMPRESARIAIS, SOCIAIS, FAMILIARES E AINDA SER MÃE? »»Para a minha filha, Maria Júlia, sempre gostei de mostrar as verdadeiras faces da vida através de exemplos. Penso que funciona, por isso é que somos duas ótimas amigas. Um exemplo disso é que quando ela alcançou a idade de poder sair de casa à noite, para a diversão de jovens amigas e amigos, selecionei reportagens de pessoas envolvidas com problemas de drogas, bebidas e lhe mostrava: “Olha aqui, veja isso, o absurdo daquilo”. Enfim, queria que ela visse, e ela viu, um pouco do lado obscuro da vida através de imagens publicadas pela mídia convencional. Ciente de que ela tinha que viver a sua vida dentro de sua cronologia, sempre a apoiava em seus projetos, certamente, com os devidos aconselhamentos. Certo dia ela chegou em mim, e, agradecida, me disse: “Mãe, eu tenho uma coisa para te falar, obrigada por não ter deixado eu pular as minhas fases”. A SENHORA APRECIA FAZER AÇÕES SOCIAIS, PORQUÊ? »»Sempre fui muito ligada à minha mãe. Uma pessoa espetacular, um exemplo para toda a família e de amor ao próximo. Ela, que nos deixou há cerca de dois anos, me ensinou a importância do amor em nossas vidas, isso sempre calou fundo em meu jeito sensível de ser e

de ver as coisas. Sabe, não tenho muito o que contar. As questões relacionadas à caridade acontecem sem que eu as planeje, no entanto, tornaram-se realidade em nossas vidas. Em questões de ações sociais, eu vejo isso como uma espécie de compensação natural; minha com meus semelhantes. Deus é, e, sempre foi, tão maravilhoso comigo, que me vejo impelida a agir em prol de pessoas menos favorecidas pela sorte e pelas bênçãos divinas. Eu não vim ao mundo para ser uma árvore. Sou Deise Alves, uma pessoa alegre e feliz, abençoada por Deus, de atitude, ciente de suas responsabilidades diante do quadro social que nos é apresentado no cenário mundial. Porém, não me considero boazinha, eu sou justa. Quando estou em processo de ajuda a alguém e sinto abuso ou desdém por parte dessa pessoa, eu paro. Não penso duas vezes para tomar essa atitude. Porém, por minha fé e crença em Deus, me sinto venturosa e as coisas sempre tem um bom encaminhamento. COMO É O ENCAMINHAMENTO DE SUAS CAMPANHAS SOCIAIS EM BUSCA DE APOIO INSTITUCIONAL? »»Eu não falo para as pessoas o que eu vou fazer. Me organizo para proceder a certa demanda e busco ajuda de amigos empresários, somente essas pessoas é que acabam sabendo desse propósito.

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COMO SE DEU SUA ENTRADA NO MEIO EMPRESARIAL? »»Em 2007, deixei o banco em que atuava como gerente e passei a trabalhar no posto Bom Clima, de nossa propriedade. Era um desejo antigo, pois tinha acumulado experiência na área administrativa, além do que, havia me formado em administração de empresas. Tinha tudo para dar certo. Em três meses tivemos mudanças significativas nos aspectos financeiros e administrativos. Passamos a vender mais, além do que, conseguimos colocar em ordem a documentação da empresa. Esse foi um momento especial e marcante em nossas vidas. Foi uma virada de mesa e vimos nossas capacidades de desenvolver e gerenciar a nossa empresa, com empenho especial, perseverança, paixão, espírito de aventura, além da capacidade técnica e gerencial. Éramos a empresa; trabalhando mais horas, tirando menos férias e não deixando problemas na empresa no final do dia. Com o tempo eu diminuí o ritmo de trabalho no posto e me dediquei mais à família e às atividades sociais. Nos anos de 2018 e 2019 permaneci em São Paulo, com nossa filha, Maria Júlia. Neste 2020, em Cuiabá, por conta da pandemia e, especialmente pela administração das lojas de conveniências dos postos Camisa 10 e do Bom Clima.

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COMO ESSE DESEJO DE AJUDAR PESSOAS COMEÇOU? »»Isso é um processo natural dentro de mim. Quero frisar que sempre tive apoio de meu marido Kaká nessas ações. Afirmo, também, que contribuir com a vida do próximo nem sempre é lhe oferecer uma cesta básica de alimentos ou mesmo brinquedos a seus filhos em épocas de Natal ou Páscoa. Existem as mais variadas formas de você melhorar a vida das pessoas. Vou relatar um caso de ajuda a um ser humano nos meus primeiros tempos de vida em Cuiabá. COMO OCORRERAM AS AÇÕES EM CUIABÁ? »»Em 2 de junho de 1997, fui transferida de Uberlândia para Cuiabá, pelo banco Itaú. Numa agencia bancária, quando chega algum funcionário de fora, sempre tem aquela coisa de ciúmes. Comigo não foi diferente. Nessa agencia tinha uma colega com característica bem austera. Vi que circulava prá lá e prá cá com exames e radiografias médicas embaixo do braço. Como sou desinibida, via ali uma oportunidade de quebrar o gelo estabelecido e perguntei do que se tratava aquele volume de exames e, de pronto, me apresentei para leva-los a um médico conhecido para uma análise mais acurada. Na verdade, eu não conhecia médico algum na cidade, pois tinha recém-chegado em Cuiabá.

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Após intensa busca descobri um excelente profissional em São José do Rio Preto (SP), ao qual enviei, via fax, os exames médicos dessa colega. Após análise, o médico me disse o seguinte: “Deise, eu preciso que a sua amiga venha para cá hoje. Ela está fazendo o tratamento de forma errada. A questão de saúde dela é grave, diminuição de plaquetas e evolução para um quadro que inspira muitos cuidados, é imperativo que ela venha”. Eu me perguntei, e agora? Naquele período ela mal dialogava comigo! Não tive dúvidas, conversei com o gerente do banco e com o marido dessa colega sobre a gravidade do caso. Resumindo, ela foi a São José, fez o tratamento necessário, que incluiu uma cirurgia na medula. Ao final de todos os procedimentos médicos constatamos que sua recuperação foi um sucesso. Ao voltar para Cuiabá ela agradeceu a minha intervenção nesse processo o que, de fato, fortaleceu a nossa amizade. Muito gratificante. E NA EMPRESA DA FAMÍLIA, COMO OCORREM ESSAS AÇÕES SOCIAIS? »»Sempre estivemos ao lado de nossos colaboradores em suas necessidades. Um caso que me recordo, em nossos negócios, é de uma funcionária que apresentou problemas na visão. Nesse tempo eu tinha um vizinho oftalmologista e lhe pedi que analisasse os exames de

nossa colaboradora. A sua resposta foi de que o tratamento estava sendo feito de forma equivocada, com possibilidades de danos irreversíveis à sua visão. A pedido do oftalmologista minha colaboradora parou o tratamento, sendo encaminhada para diferentes exames e procedimentos. Até então ela já havia perdido 30% da sua vista, porém, o novo tratamento permitiu-lhe garantir boa qualidade do restante de sua visão. E assim as coisas vão acontecendo. As nossas ações voltadas ao social são abrangentes e buscamos atender todas as necessidades, a exemplo de conseguirmos roupas para recém-nascidos, cadeiras de roda, muletas, material escolar e alimentos. Eu não tenho a condição financeira de resolver a vida de todo mundo, no entanto, eu recorro às amizades construídas ao longo dos tempos e tudo acaba se resolvendo com louvor. Eu atuo, na verdade, como uma espécie de elo de ligação entre a “causa”, das pessoas necessitadas, e grupos de amigos e de empresários. Essas pessoas sempre querem ajudar, participar de eventos sociais e filantrópicos, no entanto, nem sempre sabem como, não conhecem os caminhos. Então, eu me vejo nessa condição e faço essa ponte, unindo partes com objetivos convergentes.


de toda garotada. Tínhamos em mãos “vouchers” doados pelo casal de empresários Rafael Baggio e Linda Mutran. Foi uma tarde e tanto, com alimentação e brincadeira à vontade para todas as crianças. Um fato em especial me chamou a atenção; um garotinho estava num canto, não queria brincar e nem comer nada. Perguntei à funcionária do presídio, que nos acompanhava, e ela me disse: “Eu não sei exatamente o que ocorre com essa criança. Tudo que oferecemos ele não quer, não vai a lugar nenhum, sempre quieto”. Eu resolvi ir até essa criança, não me esqueço desse dia, foi aí que percebi que ele conversava em espanhol, não era brasileiro, não sei exatamente de que país era. Aí então, eu comecei a puxar conversa com ele em espanhol. Perguntei se ele queria comer um salgadinho: “acepta comer um bocadillo ?”, ele entendeu e aceitou. Em seguida perguntei se queria brincar e ele me respondeu que sim. Por fim, se enturmou e foi um dos últimos a deixar os brinquedos. Sabe, por isso que digo, caridade não é só dar dinheiro, qualquer coisa que façamos é importante, veja bem, levarmos essas criancinhas que moram junto com as suas mães, dentro de presídios, praticamente enjaulados, teve para eles muito valor. Temos que tentar entender as pessoas, que ás vezes são brutas e arredias. Simples

assim, é fazer como eu fiz, de forma carinhosa, para entender aquela criança, aquele dia, naquele shopping. AS CARTAS DE CRIANÇAS PARA O PAPAI NOEL SÃO EMOCIONANTES E VOCÊS FIZERAM SONHOS VIRAREM REALIDADE. COMO FOI INICIADA ESSA ATIVIDADE EM VÁRZEA »»Eu e Kaká temos uma chácara localizada em um bairro distante da área central de Várzea Grande. Em certo dia, olhei no entorno do lugar e me questionei: “Puxa vida, estou aqui me divertindo, no bairro deles”. Andei pelas imediações e verifiquei que não havia infraestrutura de lazer e de coisa alguma, nem ao menos uma praça pública. Me vi impelida a fazer algo pelas crianças que circulavam pelas ruas e vielas do bairro, separado de outro, por apenas um minúsculo riacho. Procurei por duas pessoas que, de certa forma, representavam os bairros e lhes expus um plano para melhorar o Natal daquela garotada. A ideia era recolher cartas escritas pelas crianças com pedidos de presentes ao Papai Noel. Dezenas e dezenas de cartas foram escritas e entregues a mim. A esta altura eu já havia composto um grupo de apoio a este projeto. Um caminhão cheio de presentes e, em paralelo, guloseimas distribuídas à garotada, os quais eram chamados pe-

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A SENHORA PARTICIPOU DE ATIVIDADES SOCIAIS EM PRESÍDIOS FEMININOS, DE QUE FORMA ISSO OCORREU? QUAL A IMPORTÂNCIA DE SE FAZER ISSO? »»O trabalho social que desenvolvi em presídios sempre visou dar conforto às crianças, filhas e filhos de mulheres envolvidas em questões de tráfico de drogas. Essas mulheres são chamadas de “mulas”, e são usadas para o transporte de ilícitos, e, quando são aprisionadas, deixam suas vidas para trás, incluindo a de seus filhos, que ficam à mercê da sorte. No entanto, essa não foi uma ação isolada, visitei os presídios em companhia de Ana Emília Sotero, que ocupava um cargo de destaque no governo estadual. Numa dessas visitas com Ana Emília também levei algumas amigas e Maria Júlia, minha filha, que na época tinha 10 anos de idade. Achei importante ela acompanhar e conhecer de perto um pouco da realidade dentro dos muros de um presídio. Um de nossos propósitos foi levar para essas mães roupas, produtos de beleza e de higiene. Elas ficaram muito felizes por essa iniciativa. No entanto, queríamos mais e, com a autorização da direção do presídio, com intervenção de Ana Emília Sotero, convidamos e levamos aproximadamente 20 crianças, filhas dessas presidiárias, a um passeio no Shopping Três Américas, mais especificamente no Planet Park, sonho

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los nomes e, o respectivo pedido de presente sendo atendido e entregue pelo Papai Noel, que naquele ano foi representado pelo querido amigo Tony Motran. Por três longos anos esse evento foi um sucesso e tanto, depois passamos a fazê-lo em Cuiabá. E A HISTÓRIA DA PRAÇA, COMO FOI? »»Bem, a história da praça foi uma decepção. Eu me esforcei para que a prefeitura de Várzea Grande declarasse o espaço, onde fazíamos a distribuição dos presentes, uma praça pública. Conversamos com autoridades que aderiram à proposta, sendo definida a necessidade de um abaixo assinado reivindicatório, com os nomes de moradores e seus respectivos CPFs. O projeto era bom, mas não vingou. Os próprios moradores não aderiram da forma adequada ao projeto, pois não forneceram lista de moradores e os números de documentos necessários para alavancar o projeto da praça. O motivo fui saber tempos depois. Estavam mais interessados em ocupar o espaço da possível praça pública para grilagem e especulação imobiliária. E PORQUE O ANONIMATO NESSAS AÇÕES SOCIAIS? »»Não faço ações sociais com o intuito de aparecer ou ganhar destaque, não é esse o meu objetivo, penso que a

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sociedade melhoraria muito se as pessoas aceitassem, de fato, a existência do outro. Sempre busco agir com ética e não vejo necessidade de quem foi ajudado saber a origem desse benefício. Porquê saber? Não muda nada, quando você dedica seu tempo a alguém que precisa de um ombro amigo, como foi no caso das mães presidiárias; quando você compartilha seu conhecimento e relacionamento social com grupos de pessoas carentes, como foi em festas de finais de ano, enfim, é gratificante. Me sinto bem, sem alardes sobre nosso trabalho social. O objetivo é fazer o bem ao nosso próximo, fato que me traz muita alegria e deixa meu coração limpo e leve de felicidade verdadeira. COM O TEMPO NÃO APENAS AS CRIANÇAS, MAS, TAMBÉM, AS FAMÍLIAS PASSARAM A SEREM ATENDIDAS POR SEU PROJETO SOCIAL, COMO SE DEU ISSO? »»Certa manhã acordei e ouvi a voz de meu coração que pedia que esse trabalho não fosse apenas às crianças, mas, também, para as famílias. Foquei minhas ações no antigo distrito da Guia, buscando ajuda do padre Wagner, pároco local. Atendendo o meu pedido de beneficiar famílias no final do ano, especialmente nos pontos mais vulneráveis daquela sociedade. Fizemos um trabalho maravilhoso e o resultado foi além do esperado.

A SENHORA FEZ UMA PARCERIA VITORIOSA COM O CANTOR ZEZÉ DI CAMARGO, NA QUAL CONSEGUIRAM UMA CASA PARA UM DEFICIENTE FÍSICO, COMO ISSO ACONTECEU? »»Foram várias as ocasiões em que desenvolvemos ações sociais em parceria. O primeiro grande evento que eu fiz com o Zezé, não fui eu que pedi para ele me ajudar. Foi ao contrário, ele chegou em mim, em certo dia que estava em Cuiabá, e ele me falou: “Deise, você me ajuda a fazer algum evento, para que eu consiga comprar uma casa para um jovem cadeirante, o Danilo Henrique, que me segue em redes sociais há tempos? Eu sei de suas necessidades e quero ajuda-lo ”. Eu respondi ao Zezé de forma afirmativa. Ele viajou, foi embora para seus compromissos e eu comecei a pensar as formas de efetivar aquele pedido de ajuda. Como ele havia dito que viria para cantar, inclusive, sem almejar nenhum centavo de lucro, apenas para fazer uma ação social. Chamei algumas amigas e disse: “Meninas, vamos fazer um chá beneficente para atender essa demanda? ”. A procura para esse


ço por uma amiga que disse: “Deise, olha isso, não era isso que você queria? Uma casa cheia de amigos e colaboradores, olha o sucesso dessa festa? ”. De fato, tudo ficou muito bonito, a festa foi maravilhosa, linda e inesquecível, especialmente por termos atingido o nosso objetivo que foi o de comprar a casa para Danilo Henrique. QUAL FOI A REAÇÃO DO ZEZÉ? »»Ele ficou impressionado e feliz com tudo o que viu e pelo resultado eficaz do evento. Chamou o nosso amigo comum, Pescuma, e, ainda, o Henrique e o Claudinho para cantarem juntos, subiram ao palco e deram aquele show. Zezé ficou emocionado e dias depois, de tudo realizado, me telefonou e brincou: “Deise, você é especial mesmo, não quer trabalhar comigo? ”, por certo, ele não encontrava a palavra certa para agradecer pelo bom resultado daquele evento, que se tornou inesquecível em sua vida. Percebendo que novas possibilidades semelhantes poderiam surgir, aproveitei o momento

e pedi ao Zezé que, caso tivéssemos uma demanda maior, poderíamos contar com sua participação. Ele respondeu que sim.

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comparecimento especial de Zezé di Camargo ao evento mexeu com as pessoas e a busca dos procedimentos à adesão foi crescendo e não podia ser mais um chá, apenas. Mudamos para um jantar e pensamos num lugar que abarcasse toda aquela demanda. Procurei pelo buffet da Leila Malouf onde fomos muito bem atendidos. Leila se prontificou a participar do nosso propósito baixando os custos de infraestrutura do evento; para nossa sorte no dia anterior havia ocorrido um evento grandioso e parte da decoração, de uma festa de casamento, produzida pelo estrelado decorador Célio Corrêa, ainda estava lá. Pedimos, e, para nossa alegria, ele permitiu que ficassem todos os lustres e arranjos para o nosso evento. O evento transcorreu da melhor forma possível. E m certo momento fui p u xado pelo bra-

A SENHORA REALIZOU UM TRABALHO SOCIAL NO LAR ABADIA, QUE ABRIGA MENINAS QUE NECESSITAM DE APOIO EM TODOS OS NÍVEIS? »»Sim. Fizemos ali um trabalho gratificante. Tudo começou em 2016, quando recebi convite de uma amiga para visitarmos e levarmos cestas básicas para o Lar Abadia, que fica numa bela e antiga casa colonial, às margens do rio Bento Gomes e entremeio às cidades de N. S. do Livramento e Poconé, no km 42, da rodovia MT-060. Nesse lugar moram jovens moças com faixa etária de 7 a 16 anos de idade, em situação de abandono e miséria, violência doméstica ou sexual. O grupo diretivo daquela instituição não obtinha o devido olhar e nem apoio de autoridades ligadas às políticas sociais. Por isso é que sempre recorriam a pedidos de apoios de empresários e filantro-

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pos. Ao sairmos daquele lugar, de beleza plástica infinda, mas, poucas alegrias para as suas internas, cheguei em Cuiabá e passei a imaginar formas de contribuir com a vida daquelas pessoas, tanto os dirigentes, quanto as internas. Pensei em algo maior para favorecer a vida daquelas meninas. Na hora me lembrei de fazer um evento com a presença de Zezé de Camargo. E ELE PARTICIPOU? Desde o primeiro momento confirmou a sua presença e, com isso, conseguimos reeditar a festa feita no Leila Malouf, para o nosso amigo Danilo, que ganhou uma casa. Nesse dia tivemos muitas adesões e apoio financeiros. Zezé iria apenas ser uma presença vip, no entanto, subiu ao palco, com os seus amigos Pescuma, Henrique e Claudinho e deram um show espetacular, para deleite do público presente. Outro fator positivo nesse evento foi a presença do cantor Guilherme, da dupla Guilherme e Santiago, que estava de passagem por Cuiabá e, para nossa felicidade, participou da festa, de forma gratuita, cantando os seus sucessos.

»»Sim.

O RESULTADO FOI O ESPERADO? »»Sem dúvida alguma. Com os recursos obtidos reformamos todo o lar; corredores, quartos, cozinha e

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tudo o mais. Lençóis foram doados pela empresa Tecelagem Avenida. No momento da reforma ainda tivemos o luxo de perguntar às meninas a cor da tinta que queriam em seus quartos: Rosa-Pink foi a mais pedida. Atendemos esse pedido com um arranjo de cores em todas as paredes, além de providenciarmos pintura nos beliches, que foram pintados de cor branca. Porém, ao final de todo o processo de fechamento de contas, pagamentos e encaminhamentos derradeiros tivemos que enfrentar dissabores. ENTÃO, OCORREU UM CERTO DESENCANTO? »»Ainda estávamos comemorando o resultado fantástico da ação social feita no Lar Abadia quando fomos informados de que, o Ministério Público Estadual, baseado em denúncia anônima, nos acusava de ganho financeiro nesse trabalho social. Oras, isso foi ridículo. Embora na correria, eu havia pego notas fiscais e comprovantes de todos os investimentos e pagamentos. Informei-os de que havíamos gasto dinheiro, e não havia lucro nisso, porque o objetivo era social. Para aumentar a minha decepção com esse caso, o MPE foi atrás do Zezé di Camargo, em São Paulo, que teve que constituir advogado para se defender de injúrias e acusações torpes. Também foram ao Lar Abadia, enfim, uma tristeza.

OCORRERAM DESCONTINUIDADES NOS PROJETOS? »»Pois é, são as energias negativas que pairaram sobre nossas cabeças para nos pôr à prova. Fiquei um bom tempo, mais de um ano, sem querer ouvir falar em ação social. Depois, vi que aquilo não poderia prevalecer sobre tantos trabalhos bonitos e de bons resultados que tivemos ao longo de nossas vidas, apesar de ter tido o caso de uma “amiga” que quis nivelar por baixo nosso trabalho no Lar Abadia. Tratei as maledicências como um contratempo, apenas. Tive paciência, resiliência e ouvi de minha filha, Maria Júlia, num momento em que estava muito triste, que ela não entendia como eu agia assim, porém lembrava-se de uma frase minha: “A vida é um espelho, tudo que você faz de bom, ou de ruim, um dia volta”. E isso é uma realidade, pedi que ela tivesse paciência. O tempo passou, o vento ruim diminuiu sua força e eu voltei renovada, continuando a fazer o meu trabalho social. AS AÇÕES CONTINUARAM, POSTERIORMENTE? »»Sim. No entanto, continuo a não saber explicar como se iniciam e como terminam. É a benção de Deus mesmo. De repente, juntam-se as peças do tabuleiro e as coisas acontecem. De repente, uma amiga telefona e diz ter arranjado uma cadeira de rodas, o que fazer? Ah, na mesma hora te-


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lefono à paróquia: “Padre, eu tenho uma cadeira de rodas”. Ele sempre tem alguém necessitado de uma ajuda dessa. Sabe de uma coisa, sou muito abençoada. Me vejo inclinada ao agradecimento divino. Tenho que fazer alguma coisa, e isso se transforma nesse tipo de ação social que desenvolvo. Importante frisar que, quando digo que desenvolvo, é que apenas lidero um processo. No entanto, são muitas pessoas envolvidas: amigas, amigos, empresários e instituições. O meu marido Kaká é parceiro de primeira hora. Gosta disso, faz com amor e carinho. Se envolve. E SOBRE 2020, O QUE DIZER?

»»Foi um ano atípico. Sobre essa pandemia,

apesar das perdas de tantas vidas, empregos e dificuldades em negócios, eu tive tantas bênçãos, ajudas, enfim. Analisando melhor, vi que foram infindas as bênçãos. Nesse período pandêmico tantas pessoas me ajudaram e outras tantas eu ajudei a encontrar caminhos. Em conversa com alguns de nossos funcionários das lojas de conveniências, busquei fazer com que enxergassem da melhor forma possível o sentido da vida, especialmente o profissional. A grande maioria é de jovens, pela minha experiência, os fiz compreender como foi bom terem conseguido um emprego nessa época de tanta provação. Dividi com eles também a minha alegria de ter conseguido abrir uma loja nesse período pandêmico, de extrema dificuldade para todos, onde fechar comércios tem sido a tônica nossa de cada dia.

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Decifre a Cuiabá De Paul Clemence POR JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA FOTOS PAUL CLEMENCE

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cidade de Cuiabá, capital de Mato Grosso é mesmo uma cidade enigmática e, ainda, cheia de mistérios e lendas contadas pelos mais antigos. A Cuiabá do ouro se tornou, no século XXI, uma metrópole que se ombreia às mais progressistas capitais do país. No entanto, resquícios de um passado de glória, somados em trezentos anos de história, sobrevivem e estão aí para quem quiser conferir.

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2016, nos Estados Unidos, quando foi inquirido a responder sobre o porquê que as pessoas gostam de olhar para fotografia de arquitetura, Paul respondeu: “Acho que todos nós tentamos saber de onde estamos vindo, onde pertencemos, como nos situamos. Quando você vê uma foto de um prédio ou uma sala de estar, é algo reconhecível e lhe dá uma sensação de lugar, mesmo que não seja o seu lugar. Quando você vê uma foto de um prédio, uma cidade ou um lugar onde não há pessoas, você pode criar sua própria narrativa. Pode ser uma experiência muito abstrata, mas é algo com o qual você pode se relacionar. Você pode projetar qualquer coisa nele. Imagens de arquitetura são muito abertas à interpreta-

ção. Há espaço para criar sua própria história”. Em Cuiabá, Paul sentiuse à vontade e andou pelas ruas, becos e vielas da velha cidade do ouro e registrou fotografias significativas de nossa história, mas, que, ao olhar disperso ou pouco atento das pessoas dificilmente identificáveis, especialmente pela abordagem e captura de imagens singulares. Por conta do talento de Paul Clemence e suas imagens sui generis de Cuiabá, a revista LUME MATO GROSSO optou por não criar legendas para as imagens publicadas nesta edição e sim numerá-las, simplesmente. Ao final da reportagem mostramos os números e as respectivas legendas. A ideia é saber se realmente o leitor conhece Cuiabá.

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fotógrafo norte-americano Paul Clemence, com raízes brasileiras, esteve em Cuiabá, em meados de 2018 para desenvolver um trabalho a convite de uma instituição de ensino – o ICE – Instituto Cuiabano de Educação, dirigido pelo professor Edu Arruda, um aficionado pela cultura e história cuiabana e mato-grossense. Nas horas de folga de seu trabalho, em Mato Grosso, o premiado artista Paul Clemence, conhecido por sua fotografia de arquitetura estilizada, que captura forma e geometria, luz e sombra, textura e padrão, fez o que mais aprecia: fotografar intervenções arquitetônicas que ocorrem ao longo dos tempos em quaisquer lugares que seja. Numa entrevista em

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LEGENDA: 1 – Igreja Nossa Senhora do Bom Despacho; 2 – Ponte de Ferro do Coxipó; 3 – Santa Casa de Misericórdia; 4 – Thesouro do Estado; 5 – Igreja Nossa Senhora da Boa Morte; 6 – Igreja Nossa Senhora da Boa Morte; 7 – Casa Barão de Melgaço; 8 – Cine Teatro Cuiabá; 9 – Obelisco do Centro Geodésico da América do Sul; 10 – Auditório do Liceu Cuiabano; 11 - Obelisco do Centro Geodésico da América do Sul; 12 – Igreja de São Gonçalo.


documentação mais completa desse projeto icônico do mestre alemão da arquitetura moderna e uma seleção dessas fotos é parte dos Mies van der Rohe Arquivos alojados pelo MoMa-NY. Quer sejam suas fotos ou seus textos, ele é publicado com frequência por revistas e sites de arte, arquitetura, viagem e lifestyles, como Archdaily, Architizer, Metropolis, Modern Magazine e Casa Vogue Brasil. Seu photo-blog no Facebook, “ARCHI-PHOTO”, rapidamente se tornou um grande sucesso e hoje é uma plataforma e comunidade global com perto de um milhão seguidores aficionados por fotografia, arquitetura, design e arte. Nascido nos EUA, mas criado em Niterói, ele hoje vive e trabalha em Nova Iorque.

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PAUL CLEMENCE »»O artista Paul Clemence é um premiado fotógrafo e flimmaker, cujo trabalho explora a conexão entre o mundo da arte e arquitetura. Com seu forma abstrata de expressar a arquitetura, ele exibe seu trabalho regularmente no circuito internacional de artes plásticas, com fotos em formatos tradicionais em preto e branco ou intervenções arquitetônicas e murais fotográfico de grande escala, participando em eventos culturais importantes, como a Bienal de Arquitetura de Veneza, ArtBasel / Design Miami e Fuorisalone de Milão. Seu trabalho faz parte de coleções públicas e privadas ao redor do mundo. Seu livro “Mies van der Rohe’s Farnsworth House” permanece até hoje a foto

Imagens de arquitetura são muito abertas à interpretação. Há espaço para criar sua própria história. PAUL CLEMENCE

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AntĂ´nio ArcĂŞnio da Silva Os 111 anos de vida de um vaqueiro, capataz e tropeiro, de Mato Grosso

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documento de identidade de Antônio Arcênio da Silva aponta a data de nascimento: 14 de dezembro de 1909, ou seja, esse homem tem 111 anos de idade. A mesma C. I., também revela que ele é filho de Maria da Conceição Silva, nascido em Cáceres, porém, em conversa com nossa reportagem, no começo deste dezembro de 2020, em plena era pandêmica do coronavírus, ele disse ter nascido nas Flexas. A Flexas que seo Arcênio se refere é uma antiga fazenda no Alto Pantanal mato-grossense, implantada à margem direita do rio Cuiabá, pouco abaixo da sede do município de Barão de Melgaço. Nessa fazenda foi construída uma das mais importantes usinas de aguardente e açúcar da baixada cuiabana a Usina Flexas. No começo do século XX, essa usina era extremamente ativa, empregava muita gente, sendo que a maioria dos funcionários dessa indústria eram filhos de ex-escravos de origem africana e ribeirinhos cafuzos e mulatos.

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lumeMatoGrosso SR. ARCENIO SILVA E ESPOSA, MARIA CATARINA PEREIRA (D. FIA), EM MORRINHOS, LEVERGER, 20-11-2020

Morador do distrito de Morrinho, em Santo Antônio de Leverger (MT), Antônio Arcênio é um dos homens mais velhos de Mato Grosso, certamente. A Revista Lume Mato Grosso visitou a comunidade onde ele mora com filhos, netos e a sua esposa, Maria Catarina Pereira, que o considera atribulado com a vida e trabalho, apesar de sua longevidade e atual estado de saúde. Seo Arcênio é um homem saudável e até pouco tempo atrás, coisa de um ano, teve um acidente doméstico e fraturou a Pelve. Até então capinava diariamente e, corria o trecho, entre a sua casa, no Morrinho, e uma pequena propriedade agrícola da família, a chácara da Rocinha. Era comum vê-lo caminhando ou em alguma atividade. Certamente essa

forma de ser e de viver lhe fez muito bem ao longo dos tempos, permitindo-lhe chegar nessa idade. Segundo dona Maria Catarina, a quem seo Arcênio chama de “Fia”, de forma carinhosa, ele começou a se esquecer de uma coisa ou de outra: “Isso foi depois que ele caiu e se machucou”. Ela relatou que seo Arcênio teve três casamentos; o primeiro foi com dona Leomita, o segundo com Maria Aparecida e o último e mais duradouro, cerca de 54 anos de união, com dona Maria Catarina, com quem casou-se em 1963, quando ela tinha 16 anos e morava no sítio de seu avô, na região do Saloba, em Cáceres, onde seo Arcênio era o capataz e já tinha 54 anos de idade. Por sua longevidade e pelos três casamentos, seo Arcênio é pai de trinta e três filhos, e possui dezenas de netos e bisnetos.

Seo Arcênio lembra que foi criado pela sua avó Luíza e se recorda da sua profissão: “Sempre fui um homem do campo, trabalhei de capataz, tropeiro e de vaqueiro por esse Mato Grosso afora. Também andei em muita comitiva que ia de Cáceres, para Vila Bela, levar boiada” – afirma o velho tropeiro. Até o dia em que caiu e teve um trauma na região da Pelve, seo Arcênio era dono de uma saúde quase perfeita, sem necessitar da ajuda de óculos e, ainda, com grande parte de dentição natural. Nunca foi de tomar remédios alopáticos, apreciando o raizame, talvez por isso nunca dispensa o bom guaraná ralado, bebida matinal de sua preferência. É de beber comedidamente, com preferência para o vinho. Sua alimentação sempre foi de pratos fortes e de muita sustança, a exemplo do mocotó, cabeça de boi

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R E P O RTAG E M ESPECIAL

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do Morrinho, se deveu a um convite, feito por um parente, há cerca de trinta anos atrás. Veio, viu e ficou. Sua vizinhança lhe é muito querida. Uma vizinha e amiga da família, a estudante de farmácia dona Roseli, dividiu com seo Arcênio, por muitos anos, a companhia e o carinho de um pequeno cachorro, que ora ficava na casa de um, e ora na de outra. Chamavase Jumentinho o cãozinho, tendo ganho esse apelido do esposo de dona Roseli, pela feiura do animal: “Era orelhudo, rabudo, cabeçudinho, esticado e troncho. Feio mesmo, mas era muito querido por todos nós”. Esse cachorro acompanhava, todos os dias, seo Arcênio em sua lida diária de capina, na chácara da Rocinha; ao chegarem à roça, arranjava logo uma sombra para se deitar, mas sempre perto do velho amigo. A rotina nunca mudara, de manhã

lá iam os dois em direção ao pé do Morro de Santo Antônio, voltavam à tarde e, nessa hora, Jumentinho já enveredava em direção da casa de dona Roseli, onde ia dormir. Assim foi por muitos anos. Há cerca de três anos, aproximadamente, Jumentinho foi picado por uma cobra. Ninguém viu o ofídio, devia ser venenoso. Jumentinho amuou e não teve remédio que lhe reanimasse, nem mesmo o receitado, obtido pelo marido de dona Roseli, em Leverger. Na terceira manhã após o incidente com a cobra, Jumentinho deixou a casa de dona Roseli e foi ter o seu último encontro com seo Arcênio. Ali ficou pouco tempo, mesmo em dificuldades voltou à casa de dona Roseli e, em poucos minutos, deitado sobre um tapete, deu o seu último suspiro. Deu tempo de visitar o seu bom amigo de caminhadas e lhe dizer adeus.

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e costela com mandioca. Também aprecia MariaIsabel, prato típico advindo do tropeirismo, exatamente uma das profissões desse homem que sempre tem muita história para contar e é querido de toda a comunidade onde mora. Quem o via há pouco tempo atrás não lhe dava os 111 anos de idade que carrega nas costas. Sua fisionomia é agradável, possui poucos cabelos brancos e quase zero de gordura na barriga. Ou seja, seo Arcênio traz em seu gene, a famosa “barriga de tanquinho”. Pelo incidente, é obrigado a permanecer deitado ou, então, sentado; achou uma confortável posição em cima de um colchão que dá frente para o campinho de futebol da sua comunidade. Nesse lugar sempre acontece alguma coisa diferente que acaba lhe distraindo. Ou é uma brincadeira de futebol, uma correria de meninos ou, então, o vai-e-vem das pessoas que moram no lugar e se deslocam até a “venda do Baiano”, o comerciante mais “forte” da comunidade. Chegar aos 100 anos de idade não é para qualquer um. Ainda mais passar desse estágio de vida. Cuidar bem de seo Arcênio acaba sendo uma grande responsabilidade de toda a família, especialmente de sua esposa, Maria Catarina – a Fia. A vinda de seo Arcênio e família, para a região

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C U LT U R A

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A Lei Aldir Blanc POR JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA

2020 foi um ano para não ser esquecido tão cedo. A pandemia do novo coronavírus transformou planos e metas, exigindo adaptabilidade de todos às novas perspectivas sociais e econômicas causadas pela doença. Com as mudanças repentinas, é comum ter a sensação de tempo perdido, potencializada com a chegada de final de ano. No entanto, esperar pela chegada da vacina e prender-se ao passado recente pode afetar o proveito do ano vindouro. As produções artísticas, em todos os seus níveis e segmentos, foram prejudicadas pela pandemia. A arte ficou em seu casulo, restrito aos recantos familiares, destinada à germinação. O alento nacional foi a criação da lei nº 14.017, da deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ), e a sua sanção, feita sem pestanejos pelo presidente Jair Bolsonaro (Sem partido), que permitiu à classe artística o acesso a recursos financeiros em todos os recantos do Brasil. Tais recursos deveriam ser exclusivamente para os artistas que sofreram com o

impacto com as medidas de distanciamento pandêmico. Ao todo R$ 3 bilhões foram distribuídos para estados e municípios, que realizaram a sua distribuição. Do total geral, R$ 1,5 bilhão foi repassado, em parcela única, aos estados e R$ 1,5 bilhão, aos municípios. A Secretaria de Cultura de Mato Grosso ficou com um valor de R$ 52 milhões para distribuir à classe artística do estado. Montou uma operação de guerra em seu prédio para analisar mais de 1800 projetos enviados por artistas de todos os recantos do estado. Muitos foram contemplados, outros não. O fato é que muito dinheiro vai girar na praça entre os meses de janeiro e abril de 2021, prazo dado para execução e prestação de contas dos projetos que foram contemplados. Esperam-se novos editais para 2021, que essa seja uma prática perene. Por esse bom desempenho, estão de parabéns todos os conselheiros de cultura do Estado, os funcionários da Secretaria, o secretário de Cultura, Esporte e Lazer, Alberto Machado, o Beto Dois a Um e o adjunto de Cultura, Paulo Traven.

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ARTES PLÁSTICAS

Olímpio Bezerra Vai Expor Suas Lembranças Em 2021

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ARTES PLÁSTICAS

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artista plástico Olímpio Bezerra foi contemplado com aprovação do projeto cultural “Lembranças”, através da lei Aldir Blanc. Ficou feliz da vida. Essa lei tem muitos méritos, com os seus recursos sendo carreados para salvaguardar a vida de “artistas”, prejudicados pela pandemia. Esse foi o grande objetivo da proposta. Olímpio Bezerra é artista plástico há décadas, a primeira exposição aconteceu em 1977, com a participação no Salão de Embu (SP), onde recebeu menção honrosa. Autodidata, natural de Araçatuba (SP), currículo recheado de prêmios e medalhas. Suas telas integram acervos nos Estados Unidos, França, Grécia, Alemanha e Itália. No Salão Jovem Arte Mato-grossense teve diversas participações. Ele foi um dos organizadores do acervo do Museu Rondon de Araçatuba (SP). Na década de 1980 viajou com o cantor Belchior divulgando a ecologia no Rio Grande do Sul. Nesta década participou de eventos volta-

dos para a arte primitiva na Europa. Carro de boi ao tradicional casamento na fazenda, ou da Maria Fumaça, ao antigo ônibus da década de 1950 e 1960, as bicicletas coloridas e as cirandas. São telas em todos os formatos. E que evidenciam não só o interior de São Paulo, como também o interior de Mato Grosso, em imagens que espalham algria, e cores intensas. A crítica especializada diz que: “As obras de Bezerra fazem consigo pingos de crítica social e ironia de alguém que observa o processo de longe. No entanto, há um forte sentimento de nostalgia que torna seus trabalhos marcantes, sobretudo para aqueles que acreditam em arte brasileira. Sua mensagem artística é aquela de um homem que acredita na vida humana como ela é vivida. ” A última grande exposição de Olímpio Bezerra, um paulista cuiabanizado, foi na primavera de 2019, na Casa do Parque, sendo denominada “Pipa na Vila”.

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ARTES PLÁSTICAS

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infância na roça. Faço isso para me alegrar ou para contar aos meus filhos e netos as melhores aventuras, quase travessuras que, na maioria das vezes, aconteciam junto aos meus irmãos e primos o tempo ficava perdido no meio da mata e da terra, no pé da serra. Parte da minha infância foi na roça e as doces lembranças que trago comigo daqueles tempos são daquele período e lugar. O título dessa exposição é para lembrar o passado. Ah! As boas recordações também se acumularam no colo e no carinho da avó, de sua comida simples que impregnava aromas de um fogão a lenha, café no bule, bolo de milho ou fubá. Sem data definida, ainda, a exposição de Olímpio Bezerra deve ocorrer entre os meses de março ou abril.

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A exposição “Pipa na Vila” reúne 12 telas, 4 réguas e 25 objetos em madeira, todas obras utilizando a técnica de óleo sobre tela com inspiração na vida do campo. Com pintura artística na madeira, porta de armário, partes de cabeceira de cama e cabaças. Esse projeto, “Lembranças”, é importante porque contribui com o mundo da arte visto de um ângulo social e econômico ao mesmo tempo, visto que reciclar objetos de descarte em lixões é preservar o meio ambiente e, também, uma maneira de se revolver ao passado recente de nossas vidas, onde não perdíamos nada e nem jogávamos fora mobiliário que, em muitos casos, eram herança de família. Todo o mobiliário antigo que reciclamos nos remete aos tempos idos. Tenho o costume de sempre recordar de minha

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CULINÁRIA

Galinha Caipira Com Pequi

A chef de cozinha Edna Lara oferece, para a edição de dezembro da LUME Mato Grosso, a receita de Galinha Caipira com Pequi, um prato tipicamente regional, fácil de ser feito e bastante apreciado em restaurantes e lares de Mato Grosso

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dica vem especial. Também utilizado na fabricação de licores, o pequi apresenta-se carnudo e sua polpa é de coloração amarelo intenso, revelando-se no miolo do fruto um número excessivo de espinhos. O pequizeiro é da família das Caryocaraceae, espécie C. Brasiliense. Tem tronco tortuoso e pode chegar a até 10 m de altura. Prolifera em região do cerrado e suas flores são grandes, com botões rosados, que ao se abrirem deixam ver estames numerosos maiores do que as pétalas. O pequi está atrelado a um ditado popular utilizado, difundido há tempos, pelas pessoas do Vale do Rio Cuiabá: Pequi-Roído. É referência a indivíduo de vil comportamento. É compreensível, pois no pequi após ser comido, ou roído, como se diz, permanecem apenas espinhos.

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Receita de Edna Lara INGREDIENTES

»» 01 galinha caipira »» 01 cebola média picadinha »» 06 dentes de alho socados »» 02 tomates picados, sem sementes »» 01 pimentão picado, sem sementes »» 01 folha de louro »» 1/2 xícara (chá) de vinagre ou vinho branco seco (opcional) »» 12 pequis »» Sal e pimenta-do-reino a gosto »» 01 limão »» 01 maço de cheiro-verde picadinho

COMO FAZER

»» Em uma panela, coloque a água e o sal. Acrescente

»»

o pequi e deixe cozinhar até ficarem macios. Reserve. Tempere a galinha com sal, alho, pimenta-do-reino, folha de louro, limão, vinagre ou vinho branco seco. Deixe repousar por duas horas. Em uma panela grande com óleo, frite os pedaços de galinha e reserve. Retire o excesso de óleo e, na mesma panela, coloque a cebola, os tomates, o pimentão e a folha de louro. Refogue-os bem. Coloque os pedaços fritos na panela e deixe-os cozinhar em fogo brando. Coloque os pequis e deixe cozinhar mais um pouco. Desligue o fogo. Salpique cheiro-verde. A fruta nunca pode ser mordida, pois contém espinhos que podem causar graves ferimentos na cavidade bucal. Deve-se raspá-lo entre os dentes ou com uma faca.


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FOTOS LAÉRCIO MIRANDA

Edna Lara é gastrônoma e culinarista, formada pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. Autora de duas edições do livro “Diversidade da Gastronomia”. A segunda nas versões português e inglês

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RAĂ?ZES

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Religião

A Brasilidade em questão: uma visão do candomblé e a umbanda na sociedade POR MAURÍCIO VIEIRA

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FOTOS MARIA CAROL

rande parte das pessoas no Brasil simpatiza com o samba, carnaval, feijoada, acarajé, roda de capoeira e tantas outras expressões que contribuem com os traços que compõem a identidade do povo Brasileiro. Essas expressões demonstram a riqueza e a beleza, presentes em nossa diversidade cultural, que se originam das práticas ancestrais dos africanos que chegaram ao Brasil na condição de escravos. Hoje, estes traços culturais são conservados pelos Sagrados Terreiros de Candomblé e Umbanda que, em sua maioria, são formados por pessoas de variadas classes sociais; tanto homens quanto mulheres são os guardiões das expressões que compõem a pujança da cultura Brasileira.

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RAÍZES

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Vários Terreiros têm sido alvo de depredação e violência por pessoas que anonimamente invadem o espaço sagrado onde se pratica o culto e se cultiva a memória da nossa ancestralidade. O que leva tais pessoas a agirem desta forma? Uma resposta é possível: a falta de informação tem levado muitos ao erro. Outra pergunta pode ser feita sobre estas questões: o que representa um terreiro de Candomblé e/ou Umbanda e as manifestações das sagradas matrizes africanas? Já se passaram mais de dez anos da implementação da Lei Federal nº 10.639/03 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, obrigando a escola a inserir os conteúdos referentes à história e cultura africana e afro Brasileira. Ainda assim com o advento da Lei nº 10639/03, ao tratar questões referentes às religiões de matriz africana, imediatamente se constrói no imaginário coletivo situações diversas e inusitadas, que provocam a negação da possibilidade de aproximação destas religiões. Candomblé e Umbanda são religiões que trazem consigo sinais de ancestralidade e herança africana que reforçam o caráter religioso, e por esta herança africana são discriminadas da mesma maneira que ocorre no plano do preconceito racial. É necessário olhar o Terreiro como espaço educativo, considerando o conjunto de indivíduos, autônomos e independentes, que por uma série de ideais partilhados, por vontade própria obrigam-

se a aprender e trabalhar juntos, comprometendo-se e influenciando-se uns aos outros dentro de um processo de troca de conhecimento, sendo tudo conduzido de forma simples e dinâmica, porém através de uma beleza transcendental. As sagradas matrizes africanas são incompreendidas na sua forma litúrgica, que inclui a dança, comidas e suas vestes sagradas. O sagrado nas religiões de matriz africana se manifesta em espaços ecológicos que dão a dimensão da força da natureza presente no rito, sendo aquela representada pelos orixás: Iemanjá, Ogum, Exú, Oxum, Oxossi, Ossaim, Iansã, Xangô, Oxalá Oxumaré, Omulu entre outros. Tanto o sagrado feminino como também o sagrado masculino são representados e utilizam como campo energético mares, cachoeiras, matas e rios. O que temos acompanhado nas redes sociais e nos meios de imprensa sobre questões de “intolerância”, que prefiro denominar como violência contra Candomblé e Umbanda, é fruto de muitos anos de indiferença e invisibilidade. Hoje pessoas são impulsionadas a agirem de forma agressiva contra adeptos de religião de matriz africana, pelo simples fato de estarem na rua usando suas guias e sua roupa branca. Atitudes como estas revelam o perigo que há por trás de discursos ultraconservadores que pregam a existência de uma única verdade, violando a dignidade

da pessoa humana cujo direito à liberdade como princípio deveria ser garantido por um estado laico. É importante compreender que as diferenças, longe de serem motivos para discriminação e exclusão, devem ser motivos de riqueza, de aprendizagem de novos saberes, de troca de experiência que conduzem cada vez mais para a abertura e o acolhimento do ‘desconhecido’, do diferente, eliminando assim as barreiras que nos tornam intolerantes, que nos levam a ver no diferente um (a) inimigo (a) contra o (a) qual se deve lutar e manter distância. A lei nº 10.639/03 vem com a função de introduzir as reflexões em torno da história da cultura africana e afro Brasileira, tem como principal objetivo combater práticas racistas e discriminatórias também em relação às religiões de matriz africana, e este processo começa na escola, pois é ali que se começa a conhecer as noções de mundo e a partir daí compreender e respeitar a diversidade presente na sociedade. O encontro de religiões e de culturas é na verdade o encontro de pessoas religiosas que possuem saberes e culturas diferentes. Permitir o acolhimento do outro e da outra na sua alteridade, na sua diferença, faz acontecer um mundo onde os preconceitos e a discriminação sejam erradicados, na certeza de que ‘um outro mundo é possível’.


lumeMatoGrosso Imagens retiradas da Exposição “Oralidade, a História entre os lábios da Diáspora Afro-Brasileira no Cerrado.”

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RAÍZES

De Silvícolas a Indígenas Os índios na Constituição Federal de 1988 POR LOYUÁ RIBEIRO FERNANDES MOREIRA DA COSTA

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, apelidada de Carta Cidadã, sem dúvida, trouxe um considerável avanço na garantia de direitos dos povos indígenas. Quando se faz um percurso pelas Constituições Federais do Brasil, inclusa a de 1824, a Constituição Política do Império do Brasil, e as de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988, as republicanas, verificamse posicionamento ao reconhecimento dos povos indígenas como integrantes da sociedade nacional. Nas duas primeiras, 1824 e 1891, diante ao poder público, os índios permaneceram na invisibilidade. A de 1934, a de menor duração, clamou pela incorporação dos silvícolas à comunhão nacional e respeitou a posse de suas terras.

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bre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Pela primeira vez na história das Constituições Federais, a União não determina incorporação dos índios à comunhão nacional. Não há dúvida de que a Constituição de 1988 está à frente das cartas constitucionais anteriores tanto em artigos reservados aos indígenas quanto em número de vezes que as palavras “índios” e “indígenas” inscrevem-se no referido instrumento normativo. Mais do que isso, percebe-se que, ao contrário aos objetivos do Serviço de Proteção ao Índio e da Fundação Nacional do Índio que determinaram integração do índio à sociedade Brasileira, reconhece os índios como integrantes na nação, respeitando sua autodeterminação. Outro ponto a ser destacado: a palavra “silvícola”, presente nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967foi substituída por “índios” e “indígenas”. No dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda, no verbete “silvícola”, lê-se: “que nasce ou vive nas selvas, selvagem, selvático”. Muito a refletir... É certo que a Constituição Federal de 1988 proporcionou significativo avanço aos direitos dos povos indígenas. Contudo, ainda existe um longo caminho a ser percorrido. Torna-se necessário fazer valer o respeito

aos direitos conquistados pelos indígenas, uma tarefa de todos os cidadãos. Não se pode esquecer que interesses econômicos, antagônicos às práticas socioculturais indígenas, atingem territórios, aldeias e comunidades, quando desconsideram a existência do diferente. Não se pode esquecer das PEC (Proposta de Emenda Constitucional) e das PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A exemplo, da PEC 215 que pode paralisar a regularização de territórios indígenas e quilombolas ao dar a palavra ao Congresso Nacional. Como desabafou um indígena da etnia Xerente, de Tocantins: “É PAC para um lado e PEC para outro, tá difícil para os povos indígenas”. Sem dúvida, a Constituição Cidadã trouxe um novo paradigma na relação do Estado, sociedades indígenas e sociedade não indígena. Por força do texto constitucional, os índios nascidos no Brasil são considerados cidadãos Brasileiros como todos os demais; são titulares de direitos e deveres inerentes à cidadania. Portanto, de “silvícola” a “índios” e “indígenas”, um reconhecimento que deve ser levado em consideração. Mas, todo cuidado é pouco porque Constituições Federais podem ser “emendadas”.

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Em 1937, chegou uma nova Carta Magna, apelidada de “polaca”, inspirada no ideário fascista. Nela, determinou-se respeito aos “silvícolas”e a posse permanente de suas terras. Na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, a União continuou com o propósito de incorporar os “silvícolas” à comunhão nacional, respeitando a posse das terras onde se achavam permanentemente localizados, sem que tivessem direito à transferência a outros. De caráter ditatorial, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, deu aos “silvícolas” três artigos que não trouxeram avanços, se comparada às anteriores. Já a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é a que mais reserva artigos aos indígenas. São, ao todo, 16 vezes que as palavras “índios” e “indígenas” aparecem na Carta Magna. Como as anteriores, a União, que deve legislar sobre as populações indígenas, reconhece “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” e tem o Congresso Nacional competência para autorizar a “exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais”. Em termos de reconhecimento de um país pluriétnico, são os Artigos 231e 232 e respectivos parágrafos que reconhecem “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários so-

Loyuá Ribeiro Fernandes Moreira da Costa é graduada em Direito pelo Univag Centro Universitário

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FOTOGRAFIA

A Técnica da Dupla Exposição e sua Arte na Revelação de uma Realidade Fotográfica A fotografia como uma forma de expressão artística

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uando a fotografia surgiu, houve muita discussão a respeito de considerá - la uma forma de manifestação artística ou não. O conceito de arte, no final do século XIX, estava ligado à criatividade, e isto implicava ao artista utilizar de meios mais tradicionais para obter uma obra de arte. Muitas das técnicas de edição que são usadas hoje como no Photoshop nasceram, bem antes do próprio software ser inventado, nos tempos em que só existia a fotografia analógica. É o caso, por exemplo, da dupla (ou múltipla) exposição, um resultado que

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POR HENRIQUE SANTIAN

começou como um defeito e acabou sendo adotado por muitos fotógrafos como recurso de arte. O QUE É A DUPLA EXPOSIÇÃO? É possível definir a dupla exposição como o efeito que acontece quando duas cenas diferentes são mostradas na mesma fotografia, isto é, são sobrepostas. Isso acontecia quando o filme não era girado corretamente e a câmera acabava realmente registrando duas fotos no mesmo espaço do negativo. Enquanto alguns podem imaginar isso como um problema, o resultado muitas vezes é tão bonito

que atualmente fotógrafos usam câmeras que fazem isso propositalmente, principalmente os adeptos da lomografia. A ideia não é mostrar uma cena nitidamente e sim mesclar vários elementos em uma “bagunça ordenada”.É possível fotografar a mesma pessoa duas e três vezes, uma cena de movimento, vários ângulos de um mesmo cenário e muito mais. Com a dupla (ou múltipla) exposição, não existem muitas regras e você pode criar cenas surreais e bastante descontraídas, bastando ter criatividade e muita determinação para aprender.


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S SE EGGRUE R DAONS ÇDAA F LO R E S TA

Banco Xinguano dos Mehinako A série de reportagens sobre o conhecimento e experiência de Léo Rocha, o índio branco do povo Yawalapiti, nas florestas do Xingu, nos mostra hoje, de maneira sucinta, a maneira que o povo Mehinako faz para fabricar bancos de madeira, tão apreciados por sua originalidade e praticidade

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ara fazer um banco xinguano é preciso entrar e ficar na mata por pelo menos uma semana. Primeiro o índio adentra a floresta procurando sua árvore. Roxinho, lixeira, piranheira. No facão e no machado ele a derruba com ajuda de parentes. Tronco pesado, impossível carregálo até a aldeia. É preciso dividir em partes. Uma árvore pode render muitos bancos, depende do tamanho do banco, tamanho da árvore. Se a peça for muito grande os primeiros entalhes precisam ser feitos ali mesmo no mato. Mais entalhe, menos madeira, mais leve pra car-

POR LETÍCIA BAETA

regar no ombro até a aldeia. Em casa, na oca, com calma e precisão o índio xinguano faz os acabamentos necessários, imprimindo na peça toda sua intimidade com o animal. Num rosto de madeira, a expressão certeira de um macaco ou o formato dos músculos da onça no seu caminhar. Por último a pintura. Jenipapo faz o preto, urucum o vermelho. O pincel: uma tala de buriti, da mesma maneira como pinta seu próprio corpo. Expressa nas cores traços da natureza: as ondas do rio, pele de cobra, casca de árvore. Incrusta na peça sua marca: o grafismo xinguano.

Por fim os olhos. Um pouco de cera de abelha preta serve como cola, e uma simples conta de caramujo, redondinha feita na faca, brilha os olhos do animal. Um acabamento sutil, mas fatal. Os olhos do banco de madeira brilham. As vezes, tamanha perfeição, parece que se mexem, sonho que andam por ai. Não sei se ganham vida... uma energia animal... Etnia: Mehinako Localização: Parque Indígena do Xingu – Mato Grosso População: 254 (Ipeax 2011) Tronco Linguístico: Aruak

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MEMÓRIA

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MÚSICA

FOTOS: DIVULGAÇÃO

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Nascida no Chile, em 1917, além de cantora era compositora, poeta, artesã, artista plástica e folclorista POR VANESSA MARTINA SILVA

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MÚSICA

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autora de Gracias a la Vida se suicidou, aos 49 anos, em sua casa em Santiago do Chile um ano após compor o hino que se eternizou e transcendeu o Chile, a América Latina a alcançou todo o mundo. Apesar da morte precoce, Violeta Parra deixou uma enorme contribuição à arte e à cultura chilena e latino-americana. Seus trabalhos foram a base para o desenvolvimento do movimento estético-musical-político chamado de Nova Canção Chilena, do qual fizeram parte também Victor Jara, Rolando Alarcón, e Patricio Manns, além dos grupos Inti-Ilimani e Quilapayún. Para criar seus recitais, Violeta Parra recolheu histórias e canções de várias localidades chilenas. Pode-se dizer que sua obra está dividida em dois momentos: a primeira desde 1954 que se dedica à recopilação do folclore, criando canções como La jardinera; La Juana Rosa; Me voy, me voy; Parabienes al revés. A segunda se dá a partir de sua segunda viagem a Paris. A partir de 1962 passa a aperfeiçoar sua poesia, seu canto até chegar à sua obra principal: Gracias a la Vida. Apesar de conhecida por suas músicas, seus

quadros contém um estilo pessoal muito característico — parecido com o naif — que representa o mesmo mundo de suas canções. Escreveu os livros Décimas – autobiografia em versos, um marco na literatura chilena. Em 1965, juntamente com seus filhos Ángel e Isabel Parra e os folcloristas Rolando Alarcón, Víctor Jara e Patricio Manns,

criou, próximo a Santiago, uma grande tenda cultural chamada de Comuna de la Reina. Parra alimentava o sonho de convertê-la em um centro de cultura folclórica e de referência para a cultura do Chile, mas não obteve o apoio que esperava para seu projeto. O grupo musical Inti-Illimani, um dos mais famosos fora do Chile, descreveu Parra da seguinte ma-

neira: “é a única pessoa, na história do Chile deste século, que soube valorar, colocar em sua justa dimensão o que é a arte dos camponeses do Chile. Antes de Violeta, conhecia-se como música camponesa aquela visão que a burguesia tem dos seus latifúndios. O riozinho perfumado, o arbusto chorão... Canções assim. Canções que não eram mais do que uma visão classista do que é o povo. Com Violeta, as coisas começam a se redimensionar, porque ela começa a entender o amor, a vida, as lutas... Tudo com um ponto distinto de vista de classe. Isso é o mais genial que tem Violeta, o que ela pode falar em canções como Gracias a la Vida ou Corazón Maldito, de problemas dos que têm cantado milhares de canções que se dizem populares, mas que não têm esse ângulo do povo que têm as canções de Violeta. Isso constituiu, para nós e para muitos outros, algo especial, uma grande descoberta. Era ter um padrão, uma escala de valores para saber distinguir o comercial do autêntico. Violeta Parra começou fazendo um amplo trabalho de pesquisa e, com


lumeMatoGrosso essa experiência adquirida, compôs suas primeiras canções. Parte de sua criação é dirigida para a luta social. Os problemas da miséria... Toda sua vida é um peregrinar constante, em meio a uma incompreensão oficial de todo o seu trabalho. Daí também a referência, em algumas de suas canções, ao problema da burocracia. Toma muitos exemplos que são parte do nosso sofrimento diário e faz canções. O ideal da integração latino-americana e a luta contra o imperialismo esteve presente em toda a sua obra. Suas canções mostravam as semelhanças dos processos históricos dos países da América Latina e, por conseguinte,

as semelhanças dos seus processos de lutas populares, sempre exaltando o antiimperialismo e a vida, o trabalho e a luta dos camponeses pobres, povos indígenas e estudantes. Seus trabalhos inspiraram muitos artistas que vieram depois dela. Pode-se dizer que sua maior contribuição é o entendimento

da música como uma ferramenta de denúncia, longe das trivialidades e versos fáceis, mas sem sacrificar a beleza, poesia e conteúdo. “A obrigação de cada artista é a de colocar seu poder criador a serviço dos homens. (…) Hoje a vida é mais dura e o sofrimento do povo não pode ficar desatendido pelo artista”.

CASA EM QUE NASCEU VIOLETA PARRA, EM SAN CARLOS, NO CHILE

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