UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Universidade Federal de Mato Grosso
REITORA
SECRETARIA DE TECNOLOGIA DE INFORMAÇÃO
SUPERVISOR DO CINECLUBE COXIPONÉS
Myrian Thereza de Moura Serra
Eunice Pereira dos Santos Nunes
Diego Baraldi
VICE-REITOR
SECRETARIA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
SUPERVISOR DO TEATRO UNIVERSITÁRIO
Evandro Aparecido Soares da Silva
Irene de Mello
Amauri Saturnino da Silva
PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO
SECRETARIA DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL
PRODUTORES CULTURAIS
Bruno César Souza Moraes
Alexandre Martins dos Anjos
Leonardo Santiago Thelma Saddi
PRÓ-REITORA DE PLANEJAMENTO
SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA
Tereza Christina Mertens Aguiar Veloso
Adriano Aparecido de Oliveira
PRÓ-REITOR DE CULTURA, EXTENSÃO E VIVÊNCIA
COORDENADORA DE CULTURA E VIVÊNCIA
Ilma Vanete Pairague
Fernando Tadeu de Miranda Borges
Thania Monteiro de Arruda
Rayra Costa - Estagiária
PRÓ-REITORA DE PÓS GRADUAÇÃO
GERENTE DE PROJETOS CULTURAIS
Ozerina Victor de Oliveira
Maurício José Mota
PRÓ-REITORA DE ENSINO E GRADUAÇÃO
SUPERVISORA DO MACP
Lisiane Pereira de Jesus
Sílvia Aragão
PRÓ-REITORA DE PESQUISA
SUPERVISORA DO CORAL UFMT
Patrícia Silva Osório
Naíse Santana
EQUIPE COORDENAÇÃO DE CULTURA E VIVÊNCIA Fran Lima
Yael Costa Bognar - Estagiária COORDENADORA DE EXTENSÃO Sandra Jung de Mattos SUPERVISORA DE EXTENSÃO Michelli Sampaio Tunes Porto GERENTE DE PROJETOS ESPORTIVOS E DE LAZER Elisama Santos da Silva PRÓ-REITORA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL
REGÊNCIA CORAL UFMT
Erivã Garcia Velasco
Dorit Kolling
SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO E DE MULTIMEIOS
SUPERVISOR DA ORQUESTRA SINFÔNICA DA UFMT
Maria Selma Alves
Edson Vieira de Assunção
SECRETARIA DE GESTÃO DE PESSOAS
REGÊNCIA ORQUESTRA SINFÔNICA UFMT
Domingos Sálvio Sant’ana
Fabricio Carvalho
CHEFE DE SECRETARIA DA PRÓ-REITORIA DE CULTURA, EXTENSÃO E VIVÊNCIA Marcela Izumi Nakao
Da sonoridade à cor | O que sabemos de João Pedro Arruda? Exposição in memoriam - 10 de julho à 31 de agosto de 2019 - Integra a agenda Cuiabá Tricentenária da UFMT
REITORA
CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Myrian Thereza de Moura Serra
Maurício Mota
VICE-REITOR
REVISÃO
Evandro Aparecido Soares da Silva
Fernando Tadeu de Miranda Borges
PRÓ-REITOR DE CULTURA, EXTENSÃO E VIVÊNCIA Fernando Tadeu de Miranda Borges COORDENADORA DE CULTURA E VIVÊNCIA
Thania Arruda FOTOGRAFIA DAS OBRAS Fred Gustavos
Thania Monteiro de Arruda
IMAGENS ADICIONAIS / CÂMERA E EDIÇÃO
SUPERVISORA DO MACP
João Pedro Giorgetta Regis
Sílvia Aragão
EQUIPE DISCENTE
SUPERVISOR DO CINECLUBE COXIPONÉS
Fred Gustavo Silva (Administração de Empresas)
Diego Baraldi
João Pedro Giorgetta Regis (Comunicação Social - Radialismo)
SUPERVISOR DA ORQUESTRA SINFÔNICA DA UFMT
Amanda Alves Homem (Arquitetura e Urbanismo)
Edson Vieira de Assunção
Kalylla Marina Souza Ribeiro (Arquitetura e Urbanismo)
GERENTE DE PROJETOS CULTURAIS
Lucas Luan dos Santos (Arquitetura e Urbanismo)
Maurício Mota
Matheus Ferreira Cruz (Arquitetura e Urbanismo)
CURADORIA / EXPOGRAFIA / MONTAGEM
Caio José Oliveira Carneiro (Arquitetura e Urbanismo)
Jeff Keese
Matheus Clemente Moraes Costa (Arquitetura e Urbanismo)
Luiz Marchetti Ruth Albernaz Rubens Florêncio Thania Arruda PROJETO GRÁFICO CATÁLOGO
Andrés França Bazán (Arquitetura e Urbanismo) EQUIPE COORDENAÇÃO DE CULTURA E VIVÊNCIA Leonardo Alexandre Santiago Fran Lima
Maurício Mota Ruth Albernaz Thania Arruda Realização:
APRESENTAÇÃO Martha Arruda * Rio de Janeiro, primavera de 2012 Um termo que os que conheceram de perto Martha e João Pedro
Um dia me falou que escrevia um livro e se acaso partisse antes de
repetiam era “são carne e unha” ou “de tão parecidos acho que as
mim que o divulgasse. Mais tarde entregou-me um calhamaço de
impressões digitais dos dois devem ser iguais”.
papéis e destacou “é minha vida, Martha, não deixe à toa, guarde
Vivemos muito unidos! Houve até o caso de uma garota vizinha de
tudo com carinho!”
rua querer me bater e ele colocar-se à frente e dizer “para bater nela
Guardei tudo e inúmeras vezes li e reli, com lágrimas nos olhos. Em
tem que bater primeiro em mim!”
conversa com o mano Hélio Mário e o primo João Mário, certo dia,
Meu irmão me ensinou a amar a natureza. Pegava-me pelas mãos e me levava a olhar demoradamente para a nova orquídea da sua
mostrei meus guardados, pedi ajuda para revisão, diagramação e a possibilidade de vê-lo transformado em um livro.
coleção que acabara de brotar. Explicava-me sobre as cores, a beleza
A
diferente entre uma e outra, a miríade de cores existentes. Nos
acontecimentos, notadamente quando exalta a natureza, sua recusa
dias de chuva, chamava-me para tomar banho de chuva no meio
em deixar a sua casa com quintal de muitas árvores e morar em
do quintal. Acostumados ao calor cuiabano, dávamos muito valor
outra vazia de verde e frutas.
à chuva, aos piqueniques nas águas do Coxipó, do Bandeira e de Santo Antônio de Leverger.
sensibilidade
de
Joãozinho
é
demonstrada
em
vários
Ao contar sobre sua viagem a Paris, o embarque no navio e o desembarque, o encantamento com o Sena, a procura de um local
Desenhava à carvão sobre o chão da cozinha e me perguntava se havia
para morar, a entrega de seus quadros na escola de Artes Plásticas
gostado. Importava-lhe a minha opinião, se não gostasse apagava
de Paris, o encontro com Jacques que o aceitou como companheiro
tudo com um pedaço de pano e refazia o desenho. Beleza, meu
de quarto e amigo, a amizade com a família do colega, os passeios
irmão! Seus olhos brilhavam e sorríamos juntos. Se eu sofresse uma
feitos nas cidades francesas e a admiração pela “Mãe Amor e
injustiça qualquer, abraçava-me e consolava-me. Era um verdadeiro
Coragem” que conseguiu através do contato com a mulher do
irmão! Porém, um irmão com alma de artista, sensível, emotivo, que
Ministro da Educação e Cultura uma bolsa de estudos por três anos
nas horas vagas ligava o rádio para ouvir músicas clássicas. Quando
na França, é de muita beleza e emoção!
Evita Peron morreu Joãozinho (como o chamávamos) chorou e o dia todo ouviu músicas de Bach, seu clássico preferido.
O salto dado do Brasil à França incorre em novas descobertas e conhece a brutalidade do ser humano, porque no fundo era de uma
Ele me transmitiu muitas das amarguras de sua vivência e também
timidez inimaginável, que escondia. Sofreu! Da timidez estranha
suas grandes alegrias. Guardávamos nossos segredos! Um simples
de sua alma torna-se solitário, como se tivesse duas epidermes
olhar dele era o suficiente para compreender as metáforas do seu
e a segunda o fizesse sofrer demasiadamente. Passou a viajar
mundo e mesmo as suas reticências.
constantemente e nunca dava adeus!
Já adultos íamos às festas juntos e ficávamos a conversar. Éramos
A estruturação de BUSTANGA, qualidades e defeitos fazem parte
companheiros! Nunca poderei esquecer a tristeza contida em
do amálgama que se fundamentou em sua vida. Pintava, expunha,
seus olhos quando resolvi mudar de Cuiabá para o Rio de Janeiro.
recebia encomenda de retratos, encontrava amigos novos e logo
Choramos juntos!
depois viajava para outras cidades. Conheceu cidades e pessoas!
Trocávamos cartas de profundo valor, pois nelas contava-me tudo o que se passava em seu cotidiano.
Vivia e tinha percepção nítida das circunstâncias que o faria feliz ou triste.
01
Apesar de algumas decepções, nada teme! Prossegue e ensinanos sua lição profunda da vida, conhecer a beleza que nasce na escuridão. Deu seus pulos no escuro... Bustanga sente necessidade de amar o BELO e ensina o humanismo enraizado em seu coração. Sabe que não é fácil conviver com jovens e aconselha-os a entender seus pais, mudar suas concepções de vida para ser felizes. Repugna-se com a homofobia de muitos sobre sua condição de ser e chora muito ao se recolher para dormir. Sabe o que é ser gay! Nunca esqueceu suas raízes e sempre esteve ligado à sua gente. Podemos observar que levou terra da sua Cuiabá ao se mudar dali para o Sul, frio e casmurro, tão diverso de seu povo acolhedor, alegre e quente como o sol de Mato Grosso. Faz alusões aos rios, às árvores do Cerrado, aos pássaros que gorjeiam nas árvores tortas do Cerrado. Bustanga, pseudônimo criado pelos apelidos carinhosos dados aos irmãos e amigos, não esconde o João Pedro de Arruda. Inicialmente, pintor da natureza, retratista e finalmente surrealista. Hoje, uma doença o faz viver entre névoas e cerrações escuras, mas aquilo que deixou escrito nas muitas laudas e em muitos corações jamais será esquecido! Não pode vencer os preconceitos e as tantas perseguições sofridas, mas seus quadros e seu jeito verdadeiro de ser nunca morrerão! É um artista! * Irmã mais nova do artista (1938 - 2017)
> Fotos do artista com Martha Arruda, acervo familiar.
02
PENEIRA DE ESTRELAS João Pedro Arruda * Cuiabá, 26 de agosto de 1991 21:45 hs Já falei agora contigo pelo telefone, e já sei que você recebeu a carta
passeios sozinho pelo Jardim Alencastro, como um bailarino feliz,
com as fotos de mamãe. Sinto um vazio tão grande, que tenho que
a sobrevoar as árvores, os arbustos, as roseiras, os bancos, e numa
dialogar com alguém; porque isso me restabelece um certo sentido
das árvores ia ver as orquídeas... Seu perfume! Me fazia entrar em
de aproximação, quase que em torno daquela que tanto fez para
êxtase... Era feliz demais. Voltava para casa, ao amanhecer, porém
ESTAR presente junto de nós todos... Quer desde os tempos da
com uma doce emoção de VIDA. Era muito bonito mesmo. Depois
Barão de Melgaço, naquela imensa casa, à sombra das mangueiras,
de ter percorrido a rua do Meio, o jardim, a praça... Sentir, perceber,
abíos, goiabeiras, cajueiros... Sem falar na beleza das rosas brancas,
sonhar... Era imensamente feliz.
que ficava alí junto ao parapeito, do alto da casa... Me lembro, nitidamente, numa noite de luar, Cuiabá 1943 por lá, eu com oito
Cuiabá daqueles tempos era uma festa para os nossos olhos, era
anos, deitado alí na calçada do jardim, a observar o céu estrelado...
doce viver aqui, era romântico, era poético, era intensamente forte.
Na época, a cidade pequena, sem luz, o céu parecia uma peneira de estrelas a brilhar intensamente... Era meu sonho, até dormir alí. E, era
A minha infantil comunicação e diálogo com a natureza, era tão
apenas um menininho magro, feio e narigudo...
grande e tão linda, como é hoje na minha idade... E, já se passaram tantos anos...
Nessa época, me lembro das festas de final de ano, no Natal, quando íamos em família inteira, os filhos de Nilo, para a casa dos nossos
Lá distante, e neste momento, como ontem... Agora mesmo...
avós... Era a grande festa, em que iríamos receber algum presente. Era lindo, porque as tardes em dezembro na Cuiabá dos anos 40, o
Porém, a imagem mais distante mesmo, é meio vaga, porém uma
sol morria e o tapete verde dos nossos campos de rua, dos brejos,
cena disso ainda marca na minha mente. O rio Cuiabá, a canoa
onde floriam os lírios, tudo parecia verde, até o céu... Uma estranha
cortando as águas límpidas, e os peixinhos nadando na sombra
beleza, que invadia super forte o meu mais profundo interior. E, a
da canoa, e os cânticos evangélicos entoados por pessoas. Só uma
imagem da mamãe me marcava tanto e após as festas eu sempre
coisa ficou gravada na minha mente, a água, os peixes e a atmosfera
guardava alguns salgadinhos, doces e balas, para trazer para mamãe.
daquele dia. Devia ter no máximo 4 anos, pelo que me informei com
Ela, ao nos receber de volta, parecia interessada em algum petisco
mamãe e pelos dados que ela me deu. Isso foi na época que ela saía
gostoso... Era emocionante poder lhe dar algo para comer. Isso era
com os crentes em visita aos ribeirinhos do Cuiabá... [...]
o Natal para mim. [...] Eu me sentia melhor na intimidade do mais humilde, do mais doce, do mais diretamente doce...
Na época dos doces de caju na chácara de João Bento, ou Oder, foi interessante. Poético, apesar que já era diferente para mim... Já havia
Já na rua 13 de junho, anos 1947, 48... por lá, era minha responsabilidade
a interferência do amor, na figura de algumas meninas. Já na época
comprar carne, e muito cedinho, pulava da rede, armada naquele
da livraria... já entendia mais das coisas. Me parecia lindo o amor e o
quarto grande e aberto, da nossa modesta casa dos filhos, e de tantos
interesse pelas garotinhas vizinhas. Misturado com a figura de um
alegres felizes filhos de Dona Iza. Lá ia eu, todo feliz, comentando
menino loirinho chamado Benjamim, mesclado com a igreja, os
sozinho e em voz alta ou baixa sobre a beleza do lugar, do morro de
cultos, os domingos pela manhã, a macarronada de nosso almoço,
André Avelino, das palmeiras do jardim ou da praça, dos primeiros
um outro tempo MAIOR.
raios de sol lá no horizonte... Do vento fresco da madrugada, dos
--------------- Nestes dias o que me impressiona mais, é o céu. As tardes, depois das 17 hs. O céu fica muito rosado, e o lilás toma conta do horizonte, das casas, dos tetos das casas pobres dos bairros onde moro. O céu sempre triste... E, nesse momento sinto uma profunda dor. Não dóe nada. Porém, fere as cordas do meu coração... Parece um vazio tão grande. Volto ao quarto, parece que o telefone vai tocar, devo ouvir sua voz... É ela. Porém o telefone não grita... e nem voz alguma ouço. Fico decepcionado. Há em mim uma estranha sensação do UNIVERSO. Da imensidão de tudo, do outro lado da terra... lá distante... Vejo as minhas árvores, olho para o alto... Venho molhar as plantas... Nem sei definir exatamente o que sinto. Sinto falta, muita falta dela. Nem volto à casa da Martha, só para não ter que não vê-la lá... Está vazio... No seu quartinho... Sua cama branca... O lençol... Não vem ao meu encontro... Não me beija... Já não poderei ouvir o seu riso e sua gargalhada... Isso dóe muito. Não somente a presença física, porém a alma que a envolvia PRESENTE e franca. Isso me dóe profundo na alma. Quando saio de carro, volto meus olhos para o lado, o lugar dela, vazio... é um soco que bate no meu rosto. Tem dia, não consigo, grito: “mãe mãe bravíssima mãe.” O silêncio me torce, me cala... A nossa união era tão linda. Era paz e amor. Era vida. E esta vida tem que ter um fim na Terra... É natural. Porém, é difícil aceitar.
> Fotos do artista com Martha Arruda, acervo familiar.
Com um abraço e um beijo do irmão
* Carta de João Pedro à sua irmã Dely, com pequenas supressões textuais mantendo a ortografia vigente à época.
O TEMPO DO MUNDO EM CORES Myrian Thereza de Moura Serra *
No mundo em que pensamos que possuímos tudo ou quase tudo, falta algo às vezes difícil de dizer com todas as letras: tempo! Tempo para desfrutar dos sons, das cores, de sentir os perfumes, os gostos, os toques... Tempo para ouvir a natureza, contemplar os pássaros cantando, meditar sobre o verdadeiro sentido da vida e compreender os silêncios. A exposição Da sonoridade à cor | O que sabemos de João Pedro Arruda? leva-nos a uma viagem de (re)descoberta dos rios de águas doces, rasas e profundas, que existem nas matas do cerrado-amazônico-pantaneiro. Trata-se de uma odisséia maravilhosa, e que recomendamos, conhecer a exposição das obras de João Pedro Arruda no Museu de Arte e de Cultura Popular da Universidade Federal de Mato Grosso, na Cuiabá de 300 anos. O grupo de curadores estrelado por Luiz Marchetti, Jeff Keese, Ruth Albernaz, Thania Arruda e Rubens Florêncio (recém-formado Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal de Mato Grosso), cuidou da sensibilidade artística da exposição, que tem como tema central a vida e a obra de João Pedro de Arruda Neto, um artista multifacetado que, por sua pluralidade, tornou-se singular no cenário da cultura nacional e internacional. João Pedro Arruda andou pelos mais diversos cantos com sua imaginação, e com seu doce olhar de cuiabano, eternizou em cores os tempos do mundo existentes dentro de um mesmo tempo, para mostrar que a vida somente tem sentido quando vivida na sua plenitude e de forma compartilhada. Esta exposição, portanto, é a oportunidade de apreciar um pouco mais de perto a trajetória encantada de João Pedro Arruda, sentir seu perfume e vibrar com as cores alegres e tropicais desta nossa América do Sul. * Reitora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
> Sem Título [ mista sobre papel, 70 x 50 cm, 1993 ]
06 DA SONORIDADE À COR | O QUE SABEMOS DE JOÃO PEDRO ARRUDA? Jeff Keese *
Será que realmente não sabemos nada além daquilo que vivemos?
impecável exposição retrospectiva realizada no Instituto Tomie Ohtake em São Paulo. Poderíamos supor que os dois alunos
Ou será que sabemos, mas não aceitamos?
conviveram em meio às orientações do mestre.
No início do processo da organização desta exposição foi necessário redescobrir aquilo que não víamos ou não conhecíamos, mas que foi vivido por João Pedro de Arruda Neto.
As pequenas telas de paisagens (feitas de memória e saudade) dos arredores de Cuiabá, bem como, as vistas da flora paranaense onde vivia fazem direta correlação com esta formação que ele teve
Esta “redescoberta” acontece por termos em mãos uma forte e nova
em Curitiba. Foi em 1957 que ele decidiu, corajosamente, se lançar
sequência de trabalhos nunca exibidos, de uma fase mais tardia e
para o maior desafio de liberdade quando, aos 22 anos, tomou a
madura do artista. Obras que representam um novo discurso que
decisão de viajar para a França na terceira classe de um navio rumo
nos conta outras histórias, uma outra vivência.
à Paris. Foi aceito como aluno da Escola Nacional de Belas Artes. Ser
Com uma intensa e vasta produção, além de uma busca constante por novos olhares e observações furtivas, João Pedro via na estrada e nas suas viagens os caminhos para esta liberdade e também por experiências.
aceito nesta escola, mesmo com sua formação restrita, revelou que seu olhar estava pronto e em sincronia com seus novos desafios de aprendizado. Umas das fotos de registro desta sua passagem pela França se destaca como um símbolo deste processo, pois na imagem ele está segurando uma tela, porém não vemos a pintura,
A exposição está estruturada em 3 momentos.
mas sim o verso, o chassi, numa sutil demonstração daquilo que ele
O primeiro apresenta telas com uma sensível escolha de cores,
ainda iria revelar.
característica de suas observações da produção artística brasileira
Já o segundo momento da exposição é aquele que mais se
do fim dos anos 1950. Nele, vemos formas, planos cromáticos e
destacou na atuação do artista, que são os retratos, porém sem
geometrias estruturando os retratos desse período, com destaque
a geometrização inicial, e onde a estrutura dos traços se faz por
para seu autorretrato e para o retrato de seu pai. Infelizmente, para
contornos pretos marcados e interferências cromáticas variadas,
este momento não contamos com um retrato da mãe, presença
mas que são drasticamente limpas e claras, fortalecendo o olhar
influente e marcante em sua formação.
e as formas dos retratados. Foi com estes trabalhos que ele teve
Observamos
que,
tanto
pelos
difíceis
momentos
que
se
apresentaram para toda a família quando do afastamento dos pais, quanto pela forçosa mudança para Curitiba em 1950, a presença da figura materna se fez fundamental.
sua maior produção e encomendas, pintando retratos para as mais destacadas famílias de Mato Grosso, caracterizando-se como símbolo de referência social. João Pedro foi o responsável por centenas de retratos que demarcaram a visualidade destas famílias mato-grossenses. Só podemos entender o processo e a produção
É observado em cartas, relatos e depoimentos o quanto este
do artista se observarmos o quão influente ele foi neste momento,
momento de mudança de cidade marcou João Pedro, o que o
tanto que ainda podemos fazer paralelos com a produção de outros
motivou para que, já na capital paranaense, entrasse em contato
famosos retratistas brasileiros, como Darcy Penteado, que também
pela primeira vez com uma formação de ateliê. Foi quando
utilizava do traço preto e da limpeza na composição dos retratos
recebeu orientações do artista e professor Guido Viaro, figura de
da sociedade paulistana dos anos 60 e 70. Abrimos, assim, um
referência para outros artistas como Miguel Bakun (1909-1963),
processo para pesquisa, levantamento e registros desta produção
que recentemente teve sua produção exposta em uma grande e
dos retratos.
O terceiro recorte é aquele onde vemos uma mudança radical de seus temas e escolhas. São estes os trabalhos apresentados ao público pela primeira vez. Estão aí os desenhos com forte aplicação cromática, maior liberdade gestual e um apanhado de referências e evidências onde conflito, memórias e desnudamentos se fazem presentes. É nesta série de desenhos, realizados a partir de meados dos anos 80 até fim dos anos 90, que vemos uma abertura sem censura de seus desejos. Junto às figuras e corpos estão as flores do Pantanal, específicas das terras alagadas, das baías, vegetação do Cerrado e a presença da água, dos rios e dos banhos. Não vemos rostos das figuras, que não têm olhares para quem os observa: elas estão dissimuladas, protegidas. A exposição não tem a pretensão de ser uma retrospectiva conclusa de João Pedro, mas sim uma luz que quer revelar este multi artista, jornalista, fotógrafo e escritor. Deste modo, é o início de um processo maior de pesquisa e de revelações sobre sua vida e obra, que veremos cada vez mais limpas dos impedimentos que todos carregamos neste momento presente. Para João Pedro de Arruda o futuro está se abrindo, e basta olhar pelas frestas das portas entreabertas. * Arquiteto e Urbanista (FAU/USP) - Expógrafo | Curador Geral
> Autorretrato [ óleo sobre tela, 66 x 46 cm, 1965 ]
CONCERTO EM MEMÓRIA Luiz Marchetti *
Este documentário é feito de misturas. Um olhar no acervo, outro
ao abstrato/ estilos e potencialidades que Joao Pedro se permitiu,
na câmera, ouvidos bem abertos para a estória oral de irmãos,
desenvolvendo em largas séries. Com local, datas, dedicatórias e
parentes, artistas, amigos e músicos. Todos construindo argumentos,
riscos as capas de seus discos acompanham, conversam com esses
expandindo a silhueta que João Pedro autorretrata em suas
fluxos. É visível até nas obras. Em algumas pinturas materializa-se
composições. Convidados bem ‘à vontade’ para discutirem o criador
com nome escrito o coautor, o comparsa inspirando musicalmente
que viajava com duas malas. Uma com roupas, tintas e pincéis, e
assina o encontro sonoro/imagem: BACH.
outra – com música. Uma mala cheia de discos.
Como retratista em Cuiabá, João Pedro conquistou clientela e
Esta exposição reúne mais de 60 obras do artista revelando enorme
alterou o mercado, ao entrar pelas casas e preencher as paredes
acervo de trabalhos inéditos e um recorte musical, o repertório com
dos apartamentos e salas de muitas famílias com traços leves, olhos,
algumas trilhas que o inspiravam durante sua criação. João Pedro
queixos, cabelos, narinas, e alguns gravetos e folhas. Com esta linha
nasceu e viveu em diferentes momentos em Cuiabá, um apaixonado
de produção num longo período foi admirado dos bairros Coophema
pelas paisagens de Mato Grosso, em especial aquelas de passeios
ao Santa Rosa. Além de artista plástico, atuou como arte-educador,
com banhos de rio. Muitas destas cenas de lazer afloram em suas
fotógrafo, ilustrador e jornalista (imprimiu desenho manual nas
composições ao longo de sua produção. Interprete essas obras aqui e
páginas de sua coluna Linha Direta no jornal Estado de Mato Grosso).
agora, com melodias que seguramente soaram desde seus esboços!
Igualmente figuras de bustos, arabescos, bocas pop, rabiscos
Os estudos no Ateliê do artista Guido Viaro em Curitiba (1955) e na
inspirados em autorretrato, alusões às histórias em quadrinhos
Ècolle Nationale Supérieure des Beaux-Arts em Paris (1957) foram
podem aparecer numa mesma tela de Joao Pedro Arruda, e este
determinantes em sua iniciação. Voltou ao Brasil consciente sobre
documentário comemora o cruzamento de diferentes lembranças
diversos movimentos artísticos e a necessidade de amadurecimento
dos participantes. É a rima na intersecção da memória, da música e
na embrionária industria criativa local. A compreensão do desenho
as criações de João Pedro.
como elemento decorativo, o conhecimento e a execução de diferentes técnicas de pintura o levaram para diversas reinvenções.
* Cineasta - Equipe Curatorial | Centro Audiovisual Luiz Marchetti
De natureza morta a retratista/ de retratista ao surreal/ do figurativo O documentário da exposição homônima Da sonoridade à cor | O que sabemos de João Pedro Arruda? conta com os seguintes depoentes: •
Aline Figueiredo | Crítica de arte
•
Frederico Augusto Müller | Reitor da UFMT (1988 a 1992)
•
Edmundo Ponce de Arruda Junior | Sobrinho e Colecionador de arte
•
Claudia Vieira Müller | Prima
•
Nilo Ponce de Arruda Filho | Irmão do meio
•
Dalva de Barros | Artista plástica e professora de artes
•
Edmundo Ponce de Arruda | Irmão mais velho
•
Bia Spinelli | Amiga e Colecionadora de arte
•
Éde Canavarros de Arruda | Cunhada
•
Gonçalo Arruda | Artista plástico e ex aluno
•
Adelina de Arruda Winter | Irmã mais velha
•
Ivan Belém | Ator
•
Hélio Mário Ponce de Arruda | Irmão caçula
•
Vitória Basaia | Artista plástica e colega no Jornal O Estado de
•
Murilo Alves | Maestro da Orquestra Sinfônica CirandaMundo
•
João Mário de Arruda Adrião | Primo e Colecionador de arte
•
Marília Beatriz Figueiredo Leite | Poeta e dramaturga, imortal da
Mato Grosso •
Fabricio Carvalho | Maestro da Orquestra Sinfônica da UFMT
Academia Mato-grossense de Letras (AML) As trilhas musicais deste documentário fazem parte da coleção de vinil do artista. Na edição, o fundo sonoro é aleatório, não necessariamente indicado pelo/a depoente. As informações apresentadas nas declarações são de total responsabilidade dos depoentes.
> Parte do acervo do artista salvaguardado pelo irmĂŁo Nilo Ponce de Arruda.
TRILHA DOS SENTIDOS NA POÉTICA DE JOÃO PEDRO ARRUDA Ruth Albernaz * Rubens Florêncio **
Cultura e Arte são indissociáveis propulsoras de conhecimento, em diversas áreas que se entrecruzam para a constituição do tecido formativo dos cidadãos e da sociedade, ensinando-nos novas possibilidades de ver/rever/transver o mundo, passado/presente/futuro. Para ampliar perceptos e afetos, os museus devem propor uma ambiência viva de aprendizagem e ser instrumentos de educação permanente. É importante reforçar sua relação com as comunidades nas quais se inserem – essa tendência ao envolvimento tem sido muito virtuosa nas últimas décadas, em todo o país. Da sonoridade à cor | O que sabemos de João Pedro Arruda? Antes, desejamos refletir a respeito do aprender/ensinar com a exposição enquanto disparadora de processos pedagógicos na Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) que abriga o Museu de Arte e de Cultura Popular (MACP-UFMT). Inúmeras ligações permeiam essa trilha de construção coletiva pelo viés transdisciplinar. Que aprendizados teórico/prático na metodologia da exposição serão ofertados aos discentes envolvidos? Como a Arte pode afetar o público em sua máxima potência? Como a exposição pode contribuir com o fortalecimento da nossa cultura? Qual narrativa central proporcionaremos nesta exposição, conscientes de que a obra de Arruda tem conteúdo semântico para diversas exposições e narrativas? Cada trecho percorrido foi carregado de sentidos, para que pudéssemos abarcar curadoria, expografia, montagem e processo educativo de forma coerente de modo que a estrutura da narrativa sensibilize o visitante. João Pedro é um artista que nos aponta múltiplas trilhas interpretativas em seu trabalho, deslocando-nos do lugar-comum e nos presenteando com suas formas, cores e conteúdos narrativos densos, intensos e livres. Ao conhecermos sua obra, conheceremos mais a nós mesmos e a cultura mato-grossense transbordada por signos e símbolos ancorados no imaginário das paisagens naturais e das cidades experimentadas. * Doutora em Biodiversidade, pesquisadora em Cultura e Etnoecologia, artista visual | Equipe Curatorial ** Arquiteto e Urbanista - Expógrafo | Equipe Curatorial
> Sem Título [ mista sobre papel, 66 x 50 cm, 1993 ]
> Françoise et le jeune garçon [ mista sobre papel, 70 x 50 cm, 1993 ]
> Le adolescent mystherieu [ mista sobre papel, 70 x 50 cm, 1990 ]
> Le grand jour de fĂŞte [ mista sobre papel, 70 x 50 cm, 1990 ]
13 DOCES CASTELOS DE ALGODÃO COLORIDO Fernando Tadeu de Miranda Borges *
O artista plástico e retratista cuiabano João Pedro Arruda viveu
especial para dois de seus tecelões, que deixaram registrados em
para a arte, remou com seus pincéis coloridos nos subterrâneos dos
jornais impressões deliciosas sobre o modo de fazer e viver a cultura
universos e compreendeu o sentido da comunhão corpo-espírito.
cuiabana: Martha Arruda (sua irmã) e José Jacintho de Siqueira
Com estilo próprio coloriu as alegrias e as dores dos tempos,
(Jejé de Oyá, seu amigo).
contemplou estrelas na plenitude do tudo ou nada ou do nada ou
Fui apresentado a João Pedro Arruda pelo saudoso amigo-
tudo, e cultivou ao longo dessa busca maravilhosa o sagrado dos
conterrâneo e colega de trabalho, Miguel Biancardini Neto, que
sonhos e da música.
mostrou-me serem os doces castelos de algodão colorido o
Nas telas, o sentimento passado do presente de um futuro presente,
verdadeiro significado do pulsar eterno da vida.
alojado na sutileza alegórica do carnaval desnudo em visibilidade e
Com a arte pulsando, João Pedro Arruda construiu seus doces
invisibilidade da natureza em brotação e desmanche, e num porvir
castelos de algodão colorido, conquistou a eternidade buscada, e
parecido com o piscar de vagalumes no calor das noites cuiabanas.
os trópicos aos sons de periquitos e beija-flores agradecem com
João Pedro Arruda produziu arte ao sabor da doçura do caju e do
esperanças reaquecidas pela linda exposição.
amargo-doce do tamarindo dos quintais da cidade de codinome “verde”, madura e florida nas tessituras das redes, com destaque
* Pró-Reitor de Cultura, Extensão e Vivência da UFMT
14
TODAS AS CORES SÃO ASAS TODAS AS ASAS SÃO MÚSICAS ... que nos transportam ao acervo emocional interior Thania Arruda *
Idealizar a exposição de um artista que está entre nós na imaginação
A memória é a argamassa desta construção, por todos os ângulos
e na obra produzida é um desafio surpreendentemente intenso,
especial e diferenciada, quer seja através da percepção aflorada nos
delicado e envolvente.
Juntar as peças do quebra cabeças e
interlocutores, que integram o documentário produzido por Luiz
reuni-las dentro do tempo/espaço possível com o distanciamento
Marchetti com participação destacada do acadêmico do Curso de
emocional necessário para que o fio condutor não se embaralhe
Radialismo - João Regis, como também pelos elementos autorais
com a percepção que os fatos vividos imprimiram na memória.
evidenciados na delicada e cuidadosa curadoria coordenada por
Reviver através de rastros, pegadas, vestígios, sutilezas escondidas
Jeff Keese, Ruth Albernaz e Rubens Florêncio, e assessorados pela
ou escandalosamente à vista em suas telas, cartas, desenhos, textos,
comprometida equipe multidisciplinar composta por estudantes
retratos e autorretratos, uma grande emoção. Ler nas entrelinhas,
dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo, Comunicação e Artes e
o material pesquisado, “quase” detetive para conseguir trazer em
Administração de Empresas. Integram também este corpo de
exposição - Da sonoridade à cor, e poder indagar: O que sabemos de
cores com asas musicais a sensibilidade dos gestores da UFMT aqui
João Pedro Arruda?
representados pela Reitora Myrian Serra e pelo Pró-Reitor de Cultura,
A proposta desta exposição, que traz um significativo recorte sobre
Extensão e Vivência, Fernando Tadeu de Miranda Borges.
a trajetória de vida e obra de João Pedro Arruda, nasceu junto com
João Pedro com certeza estaria eufórico com esta produção,
o falecimento da sua irmã, confidente, e parceira por toda vida -
envolvendo jovens e promissores talentos de diversas áreas de
Martha Arruda - fiel depositária de parte do acervo de desenhos e
formação, associando conhecimentos e transformando por algum
documentos inéditos apresentados nesta mostra oportunizada pela
tempo os salões do Museu de Arte e de Cultura Popular (MACP/UFMT)
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
em um laboratório, onde ensino, pesquisa, extensão, cultura e arte se revelam integrados e em constante “burburinho” e contagiante
empolgação. Um espaço de vivência universitária e unidade de diversidades. E era assim mesmo que João Pedro gostava de viver - no meio de jovens de todas as idades a contar histórias, desenhar, fotografar, cozinhar, incentivar, ensinar através da troca de vivências cotidianas entre uma viagem e outra por aí, pelo mundo ou em sua casa - uma ilha cercada por árvores frondosas, o quintal totalmente sombreado e coberto pelas folhas secas, se inspirando através da música clássica ou apreciando as paredes coloridas por seus quadros e fotografias... E como bom cuiabano, com as portas sempre abertas e a mesa posta. Joãozinho - meu tio. O que sei sobre você? Talvez a pessoa mais doce e sensível que tive a felicidade de ter por perto na minha adolescência, influenciando-me pelo exemplo na liberdade, respeito às diversidades, à natureza, ao Deus que acalenta com o vento e pulsa através das cores, da música, da beleza. Tio João Pedro, quando incompreendido e atacado, reagia com longas cartas, mostrando a sua alma, ensinando com esse gesto tolerância, paciência e humanidade. Venham conosco planar no universo imagético de João Pedro. * Coordenadora de Cultura e Vivência da UFMT | Equipe Curatorial
> Página anterior: Foto de autoria de João Pedro, 1974; > Foto do artista, autor desconhecido, Ferrara/Itália, 1995.
MARCADORES DO TEMPO DE JOÃOZINHO Adelina de Arruda Winter *
Quinta-feira, 25 de abril de 2019. Meu irmão João Pedro. Joãozinho, como nós o chamávamos, foi o 7o filho, num total de dez, do casal Nilo Ponce de Arruda e Iza Lima de Arruda. Nasceu em 05 de maio de 1935. Era quatro anos mais novo que eu. Era bem claro, loirinho, frágil, muito doce e querido. Desde os seus primeiros anos, já revelou grande pendor para o desenho e vivia sempre com um lápis, giz ou carvão, a desenhar o que via e o interessava. Já nasceu artista e amava muito ouvir a boa música clássica. Com dois anos já parava o que estivesse fazendo para ouvir música. Ficava então absorto, como se entendesse o que o músico queria transmitir. Nossa mãe era presbiteriana e todos os domingos nos levava para a Igreja. Em casa fazíamos o culto doméstico e ele fazia orações sinceras. Uma vez, ao ter presenciado na casa de tio Olavo a morte de um porquinho, ficou assustado e penalizado e no culto da noite, ele orou pedindo que Deus perdoasse o nosso tio, pelo mal cometido. Joãozinho era uma criança séria, honesta e verdadeira. Nunca mentia. Tinha uma vida introspectiva. Meditava em tudo que via e ouvia. Sua sensibilidade era muito grande. Perguntou a nossa mãe como era um “espírito” e nossa mãe, para simplificar disse a ele que era como ar, quando tocado pelo vento. Ele aceitou e foi brincar. Estava perto de uma porta aberta e, de repente, gritou: “mamãe, passou uma porção de espíritos aqui”. Era apenas uma rajada de vento. Desde cedo tinha vontade de conhecer o mundo. Mamãe procurava por ele e não o encontrava em casa, então saía procurando pela vizinhança e às vezes o encontrava no Mercado Municipal, que ficava a uma quadra de nossa casa. Ele estava admirando as pessoas e aquilo que traziam: frutas, verduras, cereais, etc. Joãozinho era o mais fascinado por tudo.
17
Quando ele tinha três anos, nasceu nossa irmã Martha. Ele se
Então nesse período temos quadros com esses temas. Pintava, de
encantou com a nova irmanzinha e quando ela cresceu um pouco
memória, paisagens de Cuiabá.
mais, brincavam juntos o tempo todo. Martha era mais dinâmica e ele a acompanhava. Fizeram uma boa parceria, que os acompanhou durante a vida toda.
A vida se resumia às aulas do Colégio Estadual do Paraná, à nossa Igreja Presbiteriana, à aulas de pintura. Depois, já com 18 anos, começou a trabalhar no Banco do Estado do Paraná, e
Nosso quintal cuiabano, na rua Barão de Melgaço, 121, era um
silenciosamente ia fazendo a sua poupança, com o firme propósito
verdadeiro paraíso, com todas as árvores frutíferas da nossa região.
de ir estudar pintura em Paris.
Então, todos nós corríamos para lá. Ora colhendo as frutas maduras, ora observando as flores e o canto dos pássaros. Joãozinho era quem mais se encantava com o mundo de cores e sons.
Aos 21 anos, em 1956 ele se sentia pronto para ir conhecer Paris e procurar entrar na Escola de Pintura de lá. Então para lá seguiu e logo se apresentou à escola, que como teste, pediu que ele pintasse
Joãozinho era tranquilo e observador. Sua mente estava sempre
um quadro de uma paisagem parisiense. Ele foi, firme e confiante
ligada ao desenho e à música. Um pouco maior, durante a semana
no seu talento, fez o quadro e foi aprovado já para o segundo ano.
santa, mamãe ligava o rádio numa emissora argentina que só tocava
Realizava o seu sonho e aprendeu muito e ao mesmo tempo fez
músicas clássicas e ele então ficava ouvindo, não se interessando
bons amigos, que conservou pela vida toda.
por brinquedos ou qualquer outra coisa. Desde então começou a amar as músicas de Bach, Vivaldi, Mozart, entre outras.
Visitou vários outros países, ora a convite de amigos, ora para realizar seus sonhos. Ficou três anos na França e em 1961 voltou para o Brasil.
Separando as fotos antigas, me chamou atenção uma pequenina
Era o governo Jânio Quadros. Nessa ocasião, através de Dona Eloá
foto, onde estamos em volta de uma mesa. Todo mundo atento em
Quadros, a Primeira-Dama, que ele retratou e a seu convite realiza
quem estava batendo a foto, mas Joãozinho, bem ao centro, já com
sua primeira Exposição em Brasília.
um lápis na mãozinha, desenhando. Deveria ter uns dois anos.
Com saudades de Cuiabá, para lá voltou, conseguindo trabalhar
Houve muitas mudanças em nossa família e nossos irmãos mais
muito retratando as senhoras e jovens da sociedade, enquanto
velhos, Edmundo e Ibsen, tiveram que ir para fora, concluir estudos
pintava seus quadros das paisagens cuiabanas.
universitários. Edmundo foi para o Rio e Ibsen para Minas Gerais. Tendo eu terminado o curso científico e pretendendo ir para a faculdade, mamãe resolveu que deveríamos mudar de Cuiabá
Fez exposições em várias cidades do Brasil, tendo morado em muitas e diversas cidades. Nunca parou de trabalhar.
para Curitiba. Naquela época, 1950, Cuiabá não tinha nenhuma
Finalmente voltou definitivamente para Cuiabá, onde comprou sua
Universidade. Joãozinho não se conformava com a ideia. Amava
casinha e se estabeleceu como jornalista e fotógrafo, além de pintor.
Cuiabá intensamente. Nós só ficamos sabendo depois, que ele colocara num saquinho um pouco da terra de Cuiabá para levar consigo. Nessa época ele tinha 15 anos. Em Curitiba ele teve suas primeiras aulas de pintura com o grande
Considerava-se feliz por estar na sua terra amada, onde em 2013 faleceu. * Irmã mais velha do artista
pintor paranaense, Guido Viaro. Ele amava os pinheiros daqui.
> Página anterior: Fotos menores de 1937 a 1997 > Foto maior João Pedro em sua casa / verso > Cartas.
18 HISTÓRICO DE JOÃO PEDRO ARRUDA
1935 - João Pedro de Arruda Neto nasceu em Cuiabá, filho de Iza
1975 - Participa do Panorama de Artes Plásticas em Mato Grosso
Lima de Arruda e Nilo Ponce de Arruda.
no Museu de Arte e de Cultura Popular (MACP/UFMT) e Salão de
1945 - Começa a pintar usando carvão, guache e alguma tinta a óleo. 1951 - Muda-se com a mãe e irmãos para Curitiba/PR. 1951 - Frequenta a Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP) e o atelier do professor e pintor ítalo-brasileiro Guido Pellegrino Viaro (1897-1971) realizando estudos de pintura paralelamente à sua educação secundária. 1957 a 1960 - Mora e estuda Belas Artes em Paris, na Écolle Nationale
Piracicaba/SP. 1976 - Exposições individuais em Curitiba/PR, Vitória/ES, Campinas/ SP, Brasília/DF e Rio de Janeiro/RJ. 1976 - Expõe na Fundação Cultural de Mato Grosso e Galeria Açu Açu /Blumenau/SC. 1980 - Participa da Mostra Artistas Mato-Grossenses no Museu de Arte e Cultura Popular da UFMT (MACP/UFMT).
Supérieure des Beaux-Arts.
1981 - Participa da Mostra do Desenho Brasileiro em Curitiba/PR.
1959 - Envia seus trabalhos para o Salão Paranaense de Belas Artes.
1982 - Exposição individual “20 anos de Pintura – João Pedro Arruda”,
1960 - Realiza sua primeira exposição individual no Brasil na Biblioteca do Paraná. 1960 - Expõe no Teatro Nacional de Brasília a convite da Primeira-
Fundação Cultural de Mato Grosso em Cuiabá. 1994 - É premiado pelo Salão Jovem Arte de Mato Grosso com a tela Águas Cristalinas 1993 (acervo da SECMT óleo s/ tela 50x70 cm).
dama do País – Eloá Quadros e desponta com a crítica de Ferreira
1995 - Expôs em Ferrara, Itália, onde recebeu o Premio Ricordo “Don
Gullar.
Verità”. Esta foi sua última viagem à Europa.
1961 - Mora em Poconé com o pai.
2000 - Coletiva Artistas do século no Museu de Arte e de Cultura
1962 a 1995 - Foi colunista dos jornais “Social Democrata” e “Estado de Mato Grosso”. 1962 - Inicia a pintar retratos em Cuiabá. 1963 - Medalha de Ouro “Artistas Jovens” pela Galeria GEAD/Rio de Janeiro. 1966 - Participa da coletiva da 1ª Exposição dos Artistas MatoGrossenses em Campo Grande. 1966 a 1977 - Expõe em várias cidades pelo interior de São Paulo,
Popular (MACP/UFMT). 2003 e 2004 - Participa do projeto Panorama das Artes Plásticas em Mato Grosso no Século XX. 2012 - Exposição individual no Museu de Arte e de Cultura Popular (MACP/UFMT). 2013 - É homenageado pelo Salão de Artes de Mato Grosso – JOÃO PEDRO ARRUDA – O MITO DAS ARTES EM MATO GROSSO. 2013 - Faleceu no dia 7 de julho em Cuiabá/MT.
participando dos Salões de Piracicaba, Campinas e Ribeirão Preto.
> Página seguinte, retrato de João Gomes Ponce de Arruda Rondon [ desenho sobre papel, 73 x 40 cm, 2000 ]