lume Mato Grosso
Revista nº. 5 • Ano 2 • Julho/2016
A trajetória de um astro do humor. Pag. 34
a saga dos haitianos em mato grosso a industrialização tardia em mato grosso brasil - um peão nas ações estratégicas patrimônio cultural a magia de machu picchu ramiro noronha
ISSN 2447-6838
J. Astrevo
................. R$13,00
8 16 24 30 44 54
SOUL
Canal 30 89,5 fm al.mt.gov.br
O que acontece dentro da ALMT é transmitido na sua vida. Fique por dentro de debates, leis, projetos e muito mais pelos nossos canais de comunicação e faça valer a sua cidadania.
Conheça nossos canais de comunicação.
Canal 30
89,5 FM
al.mt.gov.br
youtube.com /almtoficial
Você participa. A mudança acontece.
facebook.com /facealmt
Tons de Mato Grosso pร R DO SOL rio paraguay, cรกceres
foto marcos bergamasco
lumeMatoGrosso
Editorial
JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral
A
Revista LUME - MT, nesta edição, se apresenta trazendo, dentro de seus propósitos editoriais, uma valiosa contribuição à história, cultura, economia e política internacional, nos seus múltiplos enfoques, considerando-se a diversidade presente nas abordagens feitas por autores de textos que compõe este exemplar. É importante destacar-se que, mesmo tratando de temática diferenciada, cada artigo traduz a preocupação e o compromisso dessa editoria, no sentido de ampliar, aprofundar e mesmo provocar questionamentos, à luz de tudo que se conhece de Avaliação e Políticas Públicas de forma geral. Os textos, alguns em forma de artigo, ora publicados, retratam os principais focos de interesses destes pesquisadores, contribuindo, sobremaneira, para o avanço nos conhecimentos e para a disseminação das informações de áreas tão importantes em nossas vidas. O articulista e ator Carlos Ferreira, em série de reportagens especiais sobre as artes cênicas em Mato Grosso, enfoca a vida e arte de Justino Astrevo, diretor, produtor, autor e ator com larga experiência em palco, televisão e cinema, notadamente com temas humorísticos. Convergindo às questões econômicas, temos um excelente artigo especialmente produzido pelo economista Vivaldo Lopes, que traça aspectos históricos da industrialização em Mato Grosso. Com experiência própria e conhecimento de causa, o professor Luiz Antônio P. Valle
nos apresenta um Brasil acuado e um joguete nas estratégias globais e no emprego das inovações tecnológicas e bélicas. Na sessão Retrato em Preto e Branco recordamos de Dante de Oliveira, que neste mês completa 10 anos de seu falecimento, assim como recheamos de informações a editoria de Julhos de nossa História. Temos alguns novos parceiros que se apresentam com artigos de alta qualidade, a exemplo da abordagem sobre temas indígenas feitos por Paulo Roberto Bahiense e Priscila Sampaio, em “Lugar de onde falamos e a música indígena”. Nesta mesma linha temos a pesquisadora e historiadora Elizabeth Madureira Siqueira descortinando um pouco da instigante história de Ramiro Noronha. A pesquisa em “Patrimônio Cultural, conflitos e direitos socioambientais em Mato Grosso”, é publicada sob a assinatura de Vivian Lara Cáceres Dan e Loyuá Ribeiro Fernandes Moreira da Costa, com relevantes informações sobre esse tema. Em Caravana da Alegria, onde a fotógrafa Cecília Kawall nos apresenta Machu Picchu sob suas lentes e ações cênicas, podemos nos sentir abraçados pelas montanhas andinas. Deste modo, reafirma-se que a diversidade presente nesta edição, fica, mais uma vez, evidenciada, não só pelas formas como os diferentes articulistas e colaboradores a enfocam, mas também pela gama de conclusões e questionamentos, certamente instigados a partir de sua leitura.
lumeMatoGrosso
expediente
lume Mato Grosso
ELEONOR CRISTINA FERREIRA Diretora Financeira João carlos vicente ferreira Editor Geral Maria rita uemura Jornalista Responsável Beatriz Saturnino e alline Marques Redação AFRÂNIO CORRÊA, CARLOS FERREIRA, FELIZBERTO SAMOEL DA CRUZ, FLÁVIA SCHEEL, LETÍCIA BAETA, LOYUÁ RIBEIRO DA COSTA, MARIA ANGÉLICA DE MORAES, MALU DE SOUZA, MAURÍCIO VIEIRA, RAMON CARLINI, VIVALDO LOPES, LUÍS ANTONIO P. DO VALLE, PAULO ROBERTO BAHIENSE, PRISCILA SAMPAIO, ELIZABETH MADUREIRA SIQUEIRA, VIVIAN LARA CÁCERES DAN Colaboradores ANDREY ROMEU, ANTÔNIO CARLOS FERREIRA (BANAVITA) BRUNA OBDOWISKI, CECÍLIA KAWALL, CHICO VALDINEI, HENRIQUE SANTIAN, JANA PESSOA, JOSÉ MEDEIROS, JOYCE CORRÊA, JÚLIO ROCHA, LAÉRCIO MIRANDA, LUIS ALVES, LUZO REIS, MAIKE BUENO, MARCOS
BERGAMASCO, MARCOS LOPES, MARIA CAROL, MÁRIO FRIEDLANDER, RAFAELA ZANOL, fablício rodrigues Fotos LUME - Mato Grosso é uma publicação mensal da editora memória Brasileira Distribuição Exclusiva no Brasil Rua Professora Amélia Muniz, 107, Cidade Alta, Cuiabá, MT, 78.030-445 (65) 3054-1847 | 3637-1774 9284-0228 | 9925-8248 www.facebook.com/revistalumemt Lume-line revistalumemt@gmail.com Cartas, matérias e sugestões de pauta memoriabrasileira13@gmail.com Para anunciar DESIGN DOS GUIMARÃES Projeto Gráfico j. astrevo - ator, produtor e diretor foto fablício rodrigues Capa
lumeMatoGrosso
sumรกrio
42. 43. 48. 50. 52. fotografia
segredos da floresta
culinรกria
retrato em P&B
julhos de nossa histรณria
6
lumeMatoGrosso
60. 57. 62. agenda
antropologia
artigo
61. DICAS DE LEITURA
7
lumeMatoGrosso
E NTR E V ISTA E SP E C IAL
8
lumeMatoGrosso
A Saga dos Haitianos em Mato Grosso Entrevista com Carlos Alberto Caetano Por joão carlos vicente ferreira
N
a entrevista especial de Julho, de LUME-MT, conversamos com o sociólogo e filósofo Carlos Alberto Caetano, presidente do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso, com assistência da professora Mabel Strobel Moreira Weimer. Discorremos sobre inúmeros temas, inclusive sobre sociedades quilombolas em Chapada dos Guimarães, mas focamos nas questões relacionadas ao papel que este Conselho desenvolve com as comunidades formadas a partir da imigração ao Estado, notadamente a haitiana, que se robusteceu a partir de 2010.
9
lumeMatoGrosso
E NTR E V ISTA E SP E C IAL
10
QUANDO E PORQUÊ FOI CRIADO O CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO - CEE-MT? »»O CEE-MT, foi criado em 7 de fevereiro de 1963, e era composto por membros indicados e nomeados pelo Governo do Estado, dentre pessoas de notório saber e experiência em educação. Com a Constituição de 1988 ocorre descentralização e materialização da liberdade de expressão, diversidade étnica, religiosa e política, garantindo participação paritária de Governo e Entidades da Sociedade Civil, com maior representatividade das instituições públicas e privadas que atuam na Educação Básica e Educação Superior. QUAL O PAPEL DO CEE/ MT COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À IMIGRAÇÃO? É UM ASSUNTO DE ESTADO? »»Sim, é um assunto de Estado. A primeira situação nossa é a de que tínhamos uma entrada de pessoas (estrangeiros), mas que vinham muito por intercâmbio. Estavam geralmente ligadas á área da educação e entravam via UFMT ou UNEMAT. Embora já tivéssemos na região de fronteira, em Cáceres, um intercâmbio educacional, eram poucos alunos que transitavam visando acesso às universidades. Tínhamos também alguns alunos afri-
canos, de língua portuguesa, que vinham por intercâmbio. De outros países tínhamos muito mais docentes do que alunos, especificamente professores vindos de Cuba. EXPLIQUE A FORMA DE IMIGRAÇÃO BOLIVIANA. QUANDO INICIOU-SE A VINDA MAIS INTENSA DE HAITIANOS EM MT? »»É importante dizer que, até então tínhamos um movimento grande advindo da Bolívia, mas apenas passavam por Mato Grosso, pois dirigiam-se à cidade de São Paulo. É um fluxo que não permanece no Estado, usa-se o corredor de San Mathias com destino à capital paulista que se utiliza da mão-de-obra boliviana em várias áreas de comércio e serviços informais. Em 2010 ocorreu uma intensificação do fluxo imigratório de haitianos, com o terremoto que assolou o Haiti. Por conta disso, dessa catástrofe, temos um fato que marca a chegada de haitianos ao Brasil, muitos desses via Mato Grosso. Essas rotas internacionais se deram através do Equador, muitos dos quais com vistos humanitários, porque o Brasil, através de suas tropas militares contribuiu para a causa haitiana. COMO FUNCIONA O VISTO HUMANITÁRIO? »»O Brasil ratificou a Convenção Internacional de
1967, definindo que onde existe o visto humanitário, o imigrante poderia permanecer no país por tempo indeterminado, a partir do momento em que adentrasse ao Brasil e tivesse seu passaporte carimbado pela Embaixada nacional. Por conta do terremoto haitiano e o trabalho humanitário brasileiro abriu-se um relacionamento mais intenso entre essas duas nações. E, naquela mesma época, foram emitidos uma série de vistos para os haitianos entrarem no Brasil. Para além do visto, quando a política começou a ficar incontrolável, implantou-se uma base de atendimento aos imigrantes no Haiti, para ver se ocorria um certo controle. E isso ocorreu exatamente no período de preparação para a Copa do Mundo 2014. No entanto, com o tempo, além dos que adentravam ao país com o visto humanitário em mãos, tinham, também, os que buscavam outras formas, sempre ilegais. Vinham através de Rondônia e Acre, sendo que números definidos de imigrantes podem ser ofertados pela Pastoral do Imigrante, localizado em Cuiabá. QUAL É A POPULAÇÃO DE HAITIANOS EM MATO GROSSO? »»Nós não temos um aferidor desse indicador de maneira oficial. Segundo dados não oficiais, temos em Cuiabá, cerca de 8 mil hai-
lumeMatoGrosso Carlos Alberto Caetano
11
lumeMatoGrosso
E NTR E V ISTA E SP E C IAL tianos morando na cidade e Estado, dos quais, muitos vieram de forma completamente irregular, sem nenhum documento. COMO SE CONVIVE COM ESSA SITUAÇÃO? »»É aí que começa o nosso desafio, ligado à área da educação. Estamos trabalhando, ainda, para tentar entender esse fluxo de chegada. O sistema de educação nos Estados não está aparelhado nem preparado para recepcionar esse imigrante. Porque? porque a situação é burocrática, pois pede-se uma equivalência de estudos, que é feita em cima de uma base documental, com tradução juramentada. No Brasil sempre funcionou assim. Cito como exemplo uma pessoa que estudou e se formou nos Estados Unidos, tem que passar pelo procedimento de equivalência de estudos, certo? Essa é a maneira correta.
12
E ESSES IMIGRANTES VINDOS PARA MATO GROSSO, ALGUNS POSSUEM FORMAÇÃO SUPERIOR? »»Entre os que estavam chegando nós tínhamos pessoas das mais diversas profissões: engenheiros civis, médicos, advogados e outras profissões. Muitos com formação superior, mas que no momento em que foram surpreendidos pelo terremoto, perderam seus familiares e documentos. Infelizmente perderam tudo. Quando
chegam aqui, nós não tínhamos como avançar nos estudos com eles, especialmente porque não dominavam o idioma. E ENTÃO? aí buscamos criar uma matriz curricular, que incorporasse como foco central o idioma português, para que essas pessoas pudessem dominar o nosso idioma, e dignamente se incorporassem na sociedade à qual escolheram para morar.
»»Bem,
ESSE TRABALHO COMEÇOU QUANDO? »»De 2012 para 2013, começamos a ter resultados, com muitos haitianos já falando o português, através da ação de professores com contratos interinos. E QUAL FOI A FORMA? »»Começamos a discutir esse assunto com a rede estadual de ensino, para atendimento às classes de imigrantes. O primeiro problema detectado foi o de que os nossos professores não estavam preparados para resolver esse assunto. Não possuíam conhecimento da língua francesa e nem o criollo, que são idiomas falados no Haiti, e, muito menos, falavam fluentemente o inglês. Nós tínhamos, em alguns lugares, na nossa grade curricular, o espanhol e o inglês, mas de maneira muito superficial. A grande maioria dos haitianos falam de dois a três idiomas (fran-
cês, criollo, espanhol e inglês). Nosso primeiro desafio foi o de que para que tivéssemos uma aula com os haitianos, tínhamos que ter intérpretes em salas de aula. Trata-se de uma figura que a rede de educação até então não tinha. Então eram dois professores em sala, um que traduz a língua, repassa a informação, e o outro, que ensina o português. Para que isso se efetivasse recorremos às pessoas que estavam em Mato Grosso há mais tempo, não apenas haitianos, mas africanos que também falam o criollo (países de colonização francesa na África também praticam esse idioma). Dessa forma ocorreu uma adaptação para auxiliarmos a resolver essa questão do aprendizado do idioma português. EM QUE LUGAR ESSE PROJETO FOI REALIZADO? »»Esse trabalho, iniciado em 2013, com média de 120 alunos, estudando em horário noturno, deu resultado através de um laboratório feito na Escola Leovegildo de Mello, sob coordenação da professora Antonieta Luiza Costa (hoje presidente do Conselho Estadual de Promoção e Igualdade Racial), dentro de processo oficial de ensino do Estado de Mato Grosso. Registro que nesse período foi necessário proceder reforço na alimentação desses alunos, pois trabalhavam durante o dia, em
AO CHEGAREM, QUAL ESPAÇO OCUPARAM OS IMIGRANTES HAITIANOS? »»Então nós começamos a levantar a realidade da situação, de fato. Verificamos outras dimensões, notadamente sobre a situação social vivida pelos haitianos. Onde moravam e, por conta desse trabalho verificamos que a grande maioria habitava o entorno da Pastoral do Imigrante. O primeiro bairro ocupado foi o Eldorado, depois a Canjica, Planalto, Horizonte, certo? Depois subiram: Bela Vista, mas basicamente nas proximidades da Pastoral, pois qualquer problema existente eles buscam a entidade que os acolhe. Era uma ocupação, mas com a busca do elemento de segurança. OS HATIANOS PRATICAM ALGUM TIPO DE RELIGIÃO, EM CUIABÁ? »»Sim, praticam. Existem católicos, evangélicos e pessoas ligadas em religiões de matrizes africanas. Tem de tudo. O que eles conseguiram, que acho diferente entre eles, e é importante abordar. Existem instituições religiosas que conseguiram recepcioná-los mais rapidamente. Por exemplo, já tem hoje a ocupação, livremente permitida, de espaços evangélicos para que sejam
praticados cultos religiosos em criollo. Exemplo típico ocorre no Jardim Eldorado e no São Carlos, onde, semanalmente, as igrejas ficam repletas de fiéis que ouvem pregações, além do idioma criollo, em francês, também. A busca pela religião é muito forte neles, paralelamente a isso a busca pela Educação está em sua lista de prioridades.
Com a crise financeira nacional as coisas mudaram, também, para eles, que tiveram que optar ou inventar por outras atividades, a exemplo de vendas ambulantes no centro de Cuiabá. Desde o ano passado, por conta da crise enfrentada pelo país, muitos haitianos estão trocando o Brasil por outros países, a exemplo do Chile e Estados Unidos.
A MULHER HAITIANA TEM PAPEL? »»Na educação, por mais que nós os tenhamos recebido, na rede oficial, percebe-se que chegam de forma tímida. Porque? Existem os que entraram sem visto humanitário e isso os constrangem muito. Uma outra coisa que existe, é a relação das formas e gêneros do trabalho. As mulheres possuem extremada aptidão para os afazeres do lar. Aqui no Brasil é diferente. Você vê poucas haitianas nas ruas, ficam em casa, preferem isso. Os homens saem para trabalhos e afazeres diversos, poucas mulheres se aventuram a isso.
EXISTEM CONFLITOS SOCIAIS E DE DESEMPREGO COM HAITIANOS EM MT? »»Essa situação de desqualificação profissional ainda deve-se aos testes de equivalência e reconhecimento de seus diplomas pelo sistema. Como exemplo temos advogados que estavam atuando como serventes nas obras do VLT, da mesma forma tínhamos engenheiros, com diploma e experiência no ramo, trabalhando em obras de construção, públicas e civis. Ocorreram fatos de discussão sobre andamento de obras entre um servente (engenheiro civil haitiano) e um mestre de obras (brasileiro). São situações lamentáveis, que desandam sempre em desfavor dessa gente, tanto socialmente, quanto financeiramente.
A CRISE FINANCEIRA BRASILEIRA AFETA OS HAITIANOS? »»Sim, de certa forma ocorreram mudanças com o fator crise. Esse êxodo urbano oferece certa dificuldade no campo das profissões, por exemplo, eles estavam com certa estabilidade no período áureo da construção civil em Cuiabá (2010-2014).
É INTENSA A SUA ATUAÇÃO NO CEE-MT PELA CAUSA HAITIANA, O SENHOR PODE EXPLICAR ESSA DEDICAÇÃO? »»Ocorre que além do nos-
lumeMatoGrosso
obras da Copa do Mundo, e não estavam habituados ao cardápio regional.
13
lumeMatoGrosso
E NTR E V ISTA E SP E C IAL
14
so trabalho no CEE-MT, faço parte do Movimento Negro, bastante ativo nesse contexto. São várias entidades ligadas aos temas afros. O Movimento Negro está engajado nessa luta desde o primeiro momento em que os haitianos puseram seus pés em Mato Grosso. Foi a partir daí que tivemos abertura, através da Antonieta, que vislumbrou a questão do ensino do português a toda essa gente. Mais do que lutar nas instâncias de deliberação, é o trabalho de quem vai às salas de aula, ensinar e aprender. Temos muitas pessoas a quem citar nessa empreitada, a Silvina, Diana, Rafael Lira, além de outros, que iniciaram o processo de construção desse atendimento prático, cotidiano da escola e da vida deles. ENTÃO OS HAITIANOS PASSARAM À INSTITUCIONALIZAÇÃO? »»Sim, fomos também apontando, junto com isso, da necessidade que eles tinham de se auto organizarem em associações ou instituições em função da forma que se encaminham as políticas públicas e os programas no Brasil. Já que nós tínhamos um número expressivo de pessoas que a gente não sabe de tem visto ou não, e as pessoas precisavam ser atendidas, buscamos também a buscar a visão das instituições. Nesse
contexto quem deu apoio extremado à causa foi a OAB-Ordem dos Advogados do Brasil, através do Flávio Ferreira e de Mário Olímpio, pessoas ligadas á área da cultura, com a criação e formatação de estatutos e temas afins. COMO SE DEU O INÍCIO DESSE PROCESSO? »»A primeira associação criada pelos haitianos foi a ITAMBÉ, no bairro Planalto, com cursos de formação profissional, por iniciativa de uma militante, a Carol, responsável por vários projetos exitosos no Movimento Negro. São inúmeros os grupos de apoio a essa causa. Alguns apóiam em questões de alimentação (cestas básicas), encaminhamentos para escolas. Existem entidades educacionais que possuem trabalhos voltados à causa haitiana, a exemplo da UNIVAG, sob coordenação da professora Anna Maria Ribeiro, onde buscase contatos de sociabilidade. Nesse contexto começam a se descobrir, ou se redescobrir enquanto artistas, poetas e músicos, ocupando espaços. E O ENSINO DO PORTUGUÊS, É UM PROJETO CONTINUADO? »»Sim. O processo de educação, através das escolas, foi se consolidando, hoje estamos com atividades em diversas escolas, com uma média mensal de
mais de 700 alunos, quase 10% do total e imigrantes haitianos instalados em MT. O CEE-MT ATUA PARA O RECONHECIMENTO DE DIPLOMAS? »»Qual é o nosso papel nesse processo educacional? Temos que estabelecer! A Universidade tem que fazer o reconhecimento de diplomas, não estão fazendo, aí entra minha crítica. Temos que saber quem vai fazer esse trabalho de fazer o reconhecimento dos cursos que eles já possuem, pois além da tradução juramentada, eles possuem o visto. Por conta disso estamos propondo um projeto de extensão envolvendo as referências normativas do Haiti e dos países de língua portuguesa, para que possamos agilizar os processos de convalidação dos estudos. Esse intercâmbio nós começamos com os países de língua portuguesa: Moçambique, Angola e Guiné Bissau. A idéia é que comecemos neste segundo semestre, fazendo uma troca de conhecimentos. OS HAITIANOS SENTEMSE SEGUROS E QUERIDOS EM CUIABÁ? »»Sim, por uma pequena parcela da população apenas. Existem muitas questões de violência envolvendo os haitianos, notadamente sobre assaltos sofridos por parte de nacionais. Os comerciantes haitianos
lumeMatoGrosso também sofrem com isso, pois quando abrem qualquer tipo de comércio sofrem perseguições e são afugentados. Nós tivemos vários casos assim. Com o tempo essas pessoas passaram a ter uma vulnerabilidade ainda maior. É enorme o número de calotes que eles sofrem. Trabalham e não são pagos. Aí vão ao Ministério do Trabalho, que exige documentos, os quais eles não possuem. Quem tem conhecimento de causa sobre esse assunto são os representantes legais dos haitianos em Cuiabá, a exemplo de Duckson Jacque e outros nomes. A área da saúde é outro problema enfrentado pelos haitianos. Só para citar
um exemplo, de um grupo de 18 homens vindos em 2011, apenas um sobreviveu. O restante veio a morrer em hospitais da capital, motivado pelas mais diferentes causas. São patologias desconhecidas, mas há que haver preocupação e estudos por partes das autoridades da área para com essas pessoas. Assim não pode ficar. O QUE É COMIGRAR E QUAIS SEUS EFEITOS? »»Comigrar em novembro de 2013, 2014 e 2015. A 1ª Trata-se da Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio - Comigrar, iniciativa governamental inovadora na abordagem da questão migratória no Brasil, com mobilização nacio-
nal e internacional dos diversos atores interessados no tema e na discussão dos conceitos centrais da política migratória. Ocorreram diversas conferências, iniciando-se em 2013, continuando nos dois anos subsequentes. Fizemos um trabalho hercúleo em Mato Grosso. Em inúmeras reuniões juntamos temas de proposta de política nacional de apoio à imigração. No entanto, o governo central não instituiu a proposta, deixou apenas como consulta. Nem se aproximou minimamente de uma política migratória. Não se vê o Ministério das Relações Exteriores discutir essa realidade. Buscamos fazer a nossa parte, mas não está nada fácil.
15
lumeMatoGrosso
ec o n o m i a
16
A industrialização tardia
lumeMatoGrosso Por vivaldo lopes
A
em Mato Grosso
o longo de sua história econômica, Mato Grosso conviveu com alguns ciclos econômicos que sustentaram o progresso da região. O primeiro ciclo foi o do extrativismo mineral e vegetal que veio com a colonização (1719), baseado na exploração e exportação de ouro e diamante. Posteriormente,acrescentou-se a exploração da borracha nativa, do arbusto medicinal ipeca-cuanha ( poaia ) e erva mate na região sul do estado. Tivemos depois o ciclo da incipiente industrialização de alimentos com a implantação de indústrias (usinas) de açúcar e aguardente, processamento de carnes (charque e caldo de carne) e erva mate para consumo em forma de chás e chimarrão. Nessa fase prosperaram indústrias de açúcar como a Usina Itaici, Flechas e Conceição (Santo Antônio de Leverger), de carnes como a Descalvados (Cáceres) e Erva Mate Laranjeira (Dourados, Três Lagoas e Fátima do Sul). Tivemos depois, a expansão da criação extensiva de gado de corte e um longo período de produção agropecuária de subsistência, até o início dos anos 1980, que não chega a se constituir em ciclo econômico.
17
lumeMatoGrosso
ec o n o m i a
18
Já no início dos anos 1970, com a descoberta pelo centro de pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, sediado em Londrina – PR, de variedade de soja possível de ser cultivada em grande escala nas terras de cerrado da região centro oeste do país, deuse a ocupação de grandes extensões de áreas de cerrado para a produção em grande escala de gado, arroz, milho, soja e, mais tarde, sorgo, girassol e algodão. A essa expansão capitalista do campo, nominouse agronegócio, que passou a ser a locomotiva da economia de Mato Grosso a partir de 1980 até os dias atuais. Somou-se a isso a determinação dos governos militares de ocuparem as inóspitas áreas do centro oeste. Idealizaram vários programas de incentivos fiscais para motivar os sulistas que desejavam aventurarse na ocupação produtiva das terras de Mato Grosso e Goiás (somente posteriormente surgem os estados de Rondônia, Mato Grosso do Sul e Tocantins). Programas como Proterra, Polocentro, Polamazônia, Polonoroeste forneceram montanhas de crédito muito barato para aquisição de terras, maquinários, insumos, gado para ocupação da nova fronteira agrícola que se descortinava ao país. Em 1996 o governo federal tomou mais uma decisão para aumentar a pro-
dução agropecuária e as exportações da região. Por meio de lei federal chamada de Lei Kandir estabeleceu que os bens primários e semielaborados voltados à exportação seriam isentos de tributos federais e estaduais. Com o objetivo de melhorar a balança comercial brasileira, ao mesmo tempo em que promoveria o desenvolvimento econômico e social de regiões produtoras agrícolas, a nova legislação ajudou Mato Grosso a expandir suas fronteiras agrícolas e aumentar exponencialmente sua produção agropecuária, agrossilvopastoril e florestal no período de vinte anos de sua vigência, de 1996 até 2016. Nesse espaço temporal Mato Grosso consolidou sua posição de economia primária agroexportadora, tornando-se verdadeira plataforma exportadora e um dos maiores “players” mundiais na produção e exportação de commodities agropecuárias, como grãos, especialmente soja, milho, fibras e carnes. A partir do ano 2000 o crescimento do PIB estadual apresenta desempenho de crescimento chinês, com média anual acima de 9,2%. Nos últimos vinte anos, decorridos de 1996 a 2016, Mato Grosso tornou-se um dos estados com maior crescimento econômico do Brasil, impulsionado pela grande expansão de suas fronteiras
agrícolas e pelo acelerado crescimento de sua produção agropecuária.O PIB do estado saltou de 7,946 bilhões de reais em 1996 para 89,124 bilhões em 2013 (IBGE, 2014). A participação relativa no PIB nacional saltou de 0,69% em 1994 para 1,72% em 2013. As exportações estaduais que eram de U$ 1,033 bilhão em 2000 saltaram para U$ 13,070 bilhões em 2015, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior – SECEX, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O estado passou a ser um dos maiores responsáveis pelos superávits da balança comercial brasileira. No entanto, a despeito de toda a evolução obtida no crescimento econômico e avanços na renda per capita e progressos no mercado de trabalho, inclusive com expressiva redução de famílias em situação de pobreza extrema (IpeaData, com base na PNAD-IBGE), a “Quarta Onda” de crescimento da economia de Mato Grosso não se deu na dimensão imaginada pelos estrategistas econômicos nacionais que implantaram a Lei Kandir em 1996. Essa “Quarta Onda”, ou ciclo de desenvolvimento econômico e social que seria impulsionado pela industrialização dos bens primários abundantes no estado não se consolidou. Mesmo com todos os estímulos governamentais por
tudou a participação da cadeia produtiva do agronegócio na economia de todos os estados brasileiros. Análise das principais variáveis econômicas demonstra a força que adquiriu a economia do estado puxada pela produção agropecuária (PIB, exportações, participação na balança comercial brasileira, renda per capita, redução do nível de pobreza e geração de postos de trabalho ). Na última publicação do IBGE sobre o PIB dos estados até o ano de 2013, Mato Grosso aumentou sua participação relativa do no PIB do país, chegando a 1,72%, elevando seu PIB a 89,124 bilhões de reais. Somente no período de 2010 a 2013, período analisado na publicação do IBGE, o PIB do estado apresentou crescimento de 21,24%.
Diante do atual estágio econômico de Mato Grosso, não resta ao estado outra alternativa que não seja acelerar sua industrialização com objetivo de garantir a travessia do estágio desacelerado crescimento econômico para o de desenvolvimento econômico com sustentabilidade social e ambiental. Somente o desenvolvimento sustentado das cadeias industriais, especialmente a de processamento de alimentos, poderá garantir a redução de desigualdades regionais e sociais ainda muito presentes na macroeconomia do estado. Um moderno e integrado programa de industrialização deve ter a decisiva e insubstituível liderança do governo estadual e forte participação da iniciativa privada por meio de suas re-
lumeMatoGrosso
meio de programas de incentivos fiscais, farta oferta de crédito subsidiado para custeio das safras e investimentos na modernização da produção agropecuária. A industrialização da economia de Mato Grosso não avançou na mesma velocidade da expansão da produção agropecuária. Ao contrário, ao longo das últimas décadas sua participação no PIB estadual reduziu-se de 23,4% para 17,7%, conforme dados do IBGE divulgados em 2014. Ao mesmo tempo, a cadeia produtiva completa do agronegócio expandiu sua participação, chegando a responder por 70,24%, no ano de 2010, conforme estudo produzido pela Fundação Getúlio Vargas - FGV e publicado pela Revista Exame, em reportagem especial, que es-
RUÍNAS DA USINA DO ITAICI, EM SANTO ANTÔNIO DE LEVERGER/MT
19
lumeMatoGrosso
ec o n o m i a
PANORÂMICA DA SEDE DA ANTIGA FAZENDA DESCALVADOS, EM CÁCERES/MT
presentações institucionais como a Famato, Aprosoja, Fiemt, Facmat, FCDL e também do governo federal. Nesse programa de desenvolvimento industrial de Mato Grosso, alguns pontos despontam como fundamentais: »»- Melhorar a eficiência da governança corporativa pública estadual de forma a garantir a otimização dos recursos financeiros públicos estaduais, reduzindo os custos operacionais da estrutura governamental, liberando mais recursos para investimentos nas áreas sociais, econômica e infraestrutura de transportes. Do governo federal devemos exigir que coloque em prática um amplo programa de privatizações e concessões
20
de infraestrutura de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias e hidrovias que são cruciais para levar a produção industrial de Mato Grosso aos mercados consumidores no país e no exterior. Ampliar acordos bilaterais com mais países para aumentar as exportações também contribuirá exponencialmente para a produção agropecuária e industrial de Mato Grosso. »»- Aprimorar e acelerar a industrialização das cadeias produtivas completas já presentes na economia de Mato Grosso, como as cadeias de grãos (soja, milho, girassol), carnes bovinas, suínas, frangos e piscicultura, têxtil e mineral (ouro, diamante, zinco, chumbo, calcário, cimentos).
»»- Garantir sustentabilidade ambiental e inclusão social. Estas são condições precedentes para todas as demais para garantir que a industrialização possa manter e recuperar os ativos ambientais do estado, ao mesmo tempo que promove a inclusão social das populações mais carentes e das regiões geográficas mais fragilizadas economicamente e que ainda não conseguiram obter melhora na sua qualidade de vida, mesmo com o excepcional desempenho do agronegócio nos últimos trinta anos. Naturalmente, não é pretensão esgotar tão complexo assunto num simples artigo técnico. A intenção é de trazer o assunto ao saudável debate de idéias en-
lumeMatoGrosso tre todos os setores e atores envolvidos no objetivo maior que é promover o desenvolvimento econômico e social de Mato Grosso. Ao mesmo tempo, corrigir distorções e desigualdades sociais e regionais que a atual matriz econômica estabeleceu no estado. Há um consenso da necessidade urgente de promover a mudança da economia de Mato Grosso do estágio atual de simples produtor e exportador de bens primários com baixo valor agregado para um estágio mais avançado de economia moderna que se caracterize por ser processadora de alimentos, participando, de forma competitiva, do mercado mundial de alimentos industrializados.
21
lumeMatoGrosso
NOTAS
CONSUMO DE REFRIGERANTES
»»Uma pesquisa realizada pelo Estudo de
Janaína Conceição Paschoal
ELA É INSEGURÁVEL
»»Frase proferida pelo senador José Me-
deiros (PSD), em entrevista por telefone, ao radialista Edivaldo Ribeiro, no programa Tribuna CBN-Cuiabá, no último dia 29 de junho, postado às 17h:07, que perguntara ao parlamentar se não podia “segurar” a explosiva jurista Janaína Conceição Paschoal, durante as sessões da Comissão do Impeachment, no Senado. A pérola “insegurável”, que nos remete ao “imexível”, de Rogério Magri, ex-ministro de Collor, é um neologismo que não faz parte da norma culta: “Que não se pode segurar, prender”. Se isso não bastasse, o senador falou por seis vezes, erroneamente, o nome do veterano radialista Edivaldo Ribeiro, chamando-o de Lino. Ao final da entrevista, sozinho ao microfone, Ribeiro desabafou: “Ainda bem que Lino não é palavrão”.
Riscos Cardiovasculares em Adolescentes e pelo Ministério da Saúde e UFRJ, aponta que 1 a cada 5 brasileiros consomem refrigerante ou sucos artificiais todos os dias. A pesquisa foi realizada entre adolescentes, jovens e adultos, com 54 mil adultos nas capitais brasileiras. De acordo com o Ministério da Saúde o refrigerante é o 6º produto alimentício mais consumido por crianças e adolescentes entre 12 a 17 anos, atrás de arroz, feijão, pão, suco e carnes. Na lista dos 20 produtos mais consumidos por essa parcela da população, as frutas sequer aparecem. DEGRADAÇÃO DO SALTO MAGESSI
»»O deputado Silvano Amaral (PMDB)
quer fiscalização permanente no Salto Magessi (Rio Teles Pires). O local, situado no distrito de Boa Esperança, município de Sorriso, considerado um dos pontos turísticos mais bonitos de Mato Grosso, apresenta sinais de degradação humana.
»»Sua ajuda pode fazer a diferença: http://donate.unhcr.org/pt/siria
22
lumeMatoGrosso
F RAS E S
MUDANÇA DE SEXO
»»As agências dos Correios passam a
fazer a alteração no CPF das pessoas que querem mudança de sexo no documento. Antigamente, apenas as unidades da Receita Federal eram autorizadas a mudar os dados cadastrais dos interessados neste serviço. FAROL BAIXO »»O presidente interino, Michel Temer, sancionou a lei nº 13.290/2016, que torna obrigatório o uso do farol baixo durante o dia em rodovias brasileiras. De autoria do senador José Medeiros (PSD-MT), a norma tramitava desde o ano passado e foi aprovada pelo Senado em abril.
#ZERODISCRIMINAÇÃO | onu brasil
»»Já imaginou viver em um mundo li-
vre de estigma e discriminação, onde tod@s possam usufruir dos mesmos direitos e oportunidades?
TOCHA OLÍMPICA EM CUIABÁ “Foi incrível, não esperava que ficasse tão emocionada ao carregar a tocha e, ao invés de desfilar dentro do prazo dos meus três minutos, corri, e fiz o percurso na metade do tempo. Ah, só não entendi a ausência da Nadir Sabino”. Jane Maria de Jesus, penta-campeã brasileira de mountain-bike (depoimento à LUME-MT). COCAÍNA “Em dois anos o cultivo de coca duplicou no país, de 48.000 hectares, em 2013, para 96.000 hectares, em 2015”. Bo Mathiasen, representante na Colômbia do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC). linha dura “Fui eleito para governar; não sou candidato a Miss Simpatia; O cidadão, quando me elegeu, foi para ser governador, e não para ficar dando tapinhas nas costas”. governador Pedro Taques, dizendo não estar arrependido da condução das discussões da RGA, na Entrevista da Semana, do site MIDIANEWS, de Cuiabá, sob o título de “Linha Dura” em reportagem feita pelos jornalistas Ramon Monteagudo e Douglas Trielli, no último 9 de julho de 2016.
23
lumeMatoGrosso
INT E RNA C IONAL
Brasil Um peão nas ações estratégicas globais
A
Por Luiz antonio p. valle especial para lume - mato grosso
valiar os acontecimentos ocorridos no Brasil nas últimas décadas sem conectá-los à agenda mundial prejudica substancialmente a capacidade do analista de encaixar as peças do quebra-cabeça, ligando causa e efeito. Ver a parte acreditando que é o todo, e não percebendo a correlação entre forças endógenas e exógenas, empobrece a análise e compromete a conclusão. Fazê-lo de forma superficial, sem conhecimento de causa, também não ajuda muito. A África e América Latina são repositórios de alimentos, matérias primas e riquezas essenciais e estratégicas, além de serem Zona de Retaguarda (ZR) naturais, para caso de catástrofes ou guerra nuclear global, uma vez que é uma área prote-
24
gida naturalmente pela confluência dos ventos e marés. O mundo conhecido vem se polarizando em dois grupos, aparentemente opostos, tendo de um lado os EUA, a Europa Ocidental (com exceção a vacilante Alemanha e algumas nações do extremo norte) e Israel; e do outro lado a Rússia, China e agregados (Índia, alguns países árabes e outros periféricos). Para dar uma pálida ideia da situação seriam necessárias milhares de linhas e o entendimento de alguns sofisticados conceitos. Como não há espaço para tal, farei uma breve exposição, mesmo sabendo que corro o elevado risco de não ser compreendido. Os acontecimentos na Ucrânia (incluindo aí os dois vôos da Malaysia Airlines), Síria, Iraque, Irã e em ou-
tras regiões reforçam o antagonismo entre leste e oeste, que se diga, não começou agora. Em 2005, Chi Haotian, Ministro da Defesa e vice-presidente da Comissão Militar Central da China, num discurso secreto já advertia que em 10 anos a China deveria estar pronta para um conflito militar com os EUA e seus aliados como única forma de garantir “espaço vital” para seu povo. Outro general de nome Mi Zhenyu, já havia dito: “Por um período relativamente longo, será absolutamente necessário que acalentemos silenciosamente nosso sentimento de vingança... Devemos ocultar nossas capacidades e esperar pela melhor oportunidade”. Por outro lado a Rússia, após alguns eventos que exteriormente podem ser representados pelo que acon-
ram um contrato, válido por 30 anos, de fornecimento de gás russo à China no valor total de US$ 400 bilhões de dólares. Os primeiros pagamentos, segundo este contrato, serão realizados em yuans. Deste modo, pela primeira vez na história, um negócio internacional no campo da energia foi realizado sem a participação do dólar. Como a China possui boa parte de suas reservas em dólar, sua estratégia para se livrar deles deve ser mais cautelosa, para não chamar atenção e não transformar em pó suas reservas. A forma mais dissimulada é comprar ativos ao redor do planeta, notadamente nas ZRs, ou seja, América Latina e África. Assim, transforma uma moeda que pretende destruir em ativo tangível. Todos sabem que se o dólar, como moeda de troca internacional, ficar em desuso, os EUA e boa parte de seus aliados, irão a bancarrota. A conquista de posições geográficas estratégicas inclui vários movimentos já em andamento. Há dois anos houve uma reunião da comissão intergovernamental russo-nicaraguense, precisamente em 09/09/14 em Moscou, para iniciar a construção de um canal na Nicarágua ligando o Atlântico ao Pacifico a um custo de US$ 40 bilhões, com potencial de carga maior que o canal do Panamá. A China financia a obra através da empresa HK Nicarágua Canal Development Investment. Com
este canal em funcionamento a Rússia e China passam a ter sob seu controle um ponto estratégico bem abaixo dos EUA de onde podem abarcar com uma só frota a costa leste e oeste dos EUA. Cabe também citar aqui um acordo militar estratégico assinados em 03/2011 entre a China e o Paquistão. O aspecto mais importante e vital deste novo acordo estratégico é que o Paquistão concedeu permissão para que as forças militares chinesas comecem o “uso imediato” da estrada/rodovia que atravessa a cordilheira do Karakoram. Este acordo permitirá às forças militares terrestres da China um acesso total por terra ao Oriente Médio, o que lhes dará condições de confrontar as forças do Ocidente em contato direto, muito próximo das portas da Europa, via Estreito de Dardanelos pela Turquia. Todos têm lido sobre os vários ataques cibernéticos que a China tem empreendido em relação às instalações estratégicas ocidentais. Entende-se hoje que o ataque cibernético precede o ataque com armas nucleares ou convencionais. A capacidade militar chinesa é complementada e aprimorada pela excelência da tecnologia russa nestas áreas, seja no campo nuclear, químico, biológico, espacial, psíquico ou escalar. O resultado é uma combinação de forças e recursos que não podem ser ignorados. Se somarmos a isso o ódio
lumeMatoGrosso
teceu na Ucrânia, despertou para o fato de que o Ocidente não respeitará seus interesses estratégicos, exceto se contido pela força. A vitória que acalentam passa por vencer na economia, levando os EUA a ruína, conquistando posições estratégicas e realizando um ataque inesperado e devastador, que a principio não seja identificado a sua origem (deverão ser precedido de medidas de bloqueio cibernético, ataques de sabotagem atribuída a terroristas – ataques de falsa bandeira - e uso de armas escalares e biológicas). Hoje a Rússia, e depois a China, já são os maiores compradores de ouro físico do planeta. O Banco Central russo acrescentou aos estoques mais 570 toneladas de ouro na última década, mais de um quarto da vice-campeã em compras, a China, de acordo com dados do FMI compilados pela Bloomberg. Para se ter uma ideia do quanto é isso, o peso do ouro acrescentado aos cofres russos é quase o triplo do peso da Estátua da Liberdade. “Quanto mais ouro um país tem, mais soberania ele terá se houver um cataclismo com o dólar, com o euro, a libra ou qualquer outra moeda de reserva” declarou Evgeny Fedorov, um parlamentar do Partido Para Rússia Unida, de Vladimir Putin. Em maio de 2014, a Gazprom (Rússia) e a CNPC (China), duas gigantes do ramo de energia, assina-
25
lumeMatoGrosso
INT E RNA C IONAL
que parte do mundo alimenta em relação aos EUA, em particular alguns países árabes, teremos um cenário explosivo. Neste trabalho de projetar cenários, nos defrontamos com as surpreendentes previsões sobre vários países, da página Deagel.com, que é uma página respeitada por oferecer dados da aviação civil e militar, armamento e exércitos, mísseis e munição, tecnologia militar e aeroespacial e outros dados estratégicos e econômicos. Queremos crer que foi um exercício robusto de imaginação, mas que deve ser citado para reflexão, uma vez que o cenário traçado é bastante específico e repleto de dados minuciosos. Se for uma brincadeira desta prestigiada página alguém se deu muito trabalho. Para cada país, a Deagel.com realiza uma previsão estimada de seu nível de população, sua renda per capita e seu Produto Interno Bruto previsto para o ano de 2025. Para melhor entendimento vamos a alguns exemplos destas previsões, focando apenas nos quesitos população e PIB: Nestas previsões, os EUA teriam em 2025 uma população de 69 milhões e um PIB de US$ 921 bilhões (contra uma popu-
26
lação em 2013 de 316 milhões e um PIB de US$ 17 trilhões). Israel teria em 2025, uma população de 4,4 milhões e um PIB de US$ 64 bilhões (contra uma população em 2013 de 7,7 milhões e um PIB de US$ 273 bilhões). O Reino Unido não teria melhor sorte, pois teria em 2025 uma população de 32 milhões e um PIB de US$ 542 bilhões (contra uma população em 2013 de 63 milhões e um PIB de US$ 2,5 trilhões). Nestas previsões a China teria em 2025 uma população de 1,4 bilhões e um PIB de US$ 15 trilhões (contra uma população em 2013 de 1,4 bilhões – portanto será mantida - e um PIB de US$ 8,9 trilhões). A Rússia teria em 2025 uma população de 135 milhões e um PIB de US$ 3,3 trilhões (contra uma população em 2013 de 143 milhões e um PIB de US$ 2,1 trilhões – o que mostra uma pequena diminuição da população) e a Índia teria em 2025 uma população de 1,4 bilhões e um PIB de US$ 4,3 trilhões (contra uma população em 2013 de 1,2 bilhões e um PIB de US$ 1,8 trilhões). A América Latina e a África praticamente não são afetadas. Porque a América Latina e a África são
lumeMatoGrosso pouco afetadas? Porque são ZRs. A contaminação radiotativa no hemisfério Sul tem efeitos bem menores. Aparentemente estas previsões levam em consideração uma vitória do eixo Rússia e China, uma vez que vemos uma queda brutal de população e PIB nos EUA e seus aliados (a exceção da Alemanha) e uma elevação da população e PIB da Rússia, China e seus pretensos aliados em 2025. Estas projeções não conferem integralmente com as nossas, mas nos surpreende que um site sediado nos EUA, e que conta com tão boa reputação, tenha publicado estes números. Um estrategista chinês resumiu a questão que os confronta com o Ocidente de forma alegórica, bem ao estilo deles dizendo: “numa montanha não pode haver dois ursos”. E o Brasil? Ora, a América Latina seria fundamental num conflito destas dimensões, não só por sua localização no Hemisfério Sul o que a faz uma ZR natural, mas também para fornecimento de suprimentos (alimentos, minérios, etc.) e apoio. Pela proximidade, é de supor-se que seria uma ZR do Ocidente. Todavia, Rússia e China veem o assunto de outra forma. Para tanto foi traçada
uma inteligente e paciente estratégia para a tomada desta região por parte do eixo Rússia-China, para torná-la visceralmente antagônica aos EUA, mudando assim seu pólo de influência. Com a implementação desta estratégia, paulatinamente vários governos latinos caíram na mão de partidos de esquerda na década passada. Não comentarei sobre o Foro de São Paulo e nem sobre Gramsci, pois muito já foi escrito, e menos ainda sobre o papel de Cuba, pois é um peão, ainda que com certo relevo. O fato está aí, posto as vistas de todos. Inicialmente alguns setores ingleses e estadunidenses entenderam que o apoio a Lula seria interessante porque, desde que ele cumprisse os acordos assumidos (o que fez em grande medida), nada de grave aconteceria aos interesses anglo-saxões. Ainda que a resultante fosse uma guerra civil que fragmentasse o Brasil em três ou quatro pedaços, não seria ruim para eles. Pelo contrário, acabar-se-ia de vez com a possibilidade de surgir uma grande nação na região sul para rivalizar com a do norte, além do completo controle das riquezas da parte norte do atual Brasil. Então, deixou-se o PT agir como se fosse o protagonista da cena,
27
lumeMatoGrosso
INT E RNA C IONAL
USINA DE GAZPROM, NA RÚSSIA
quando na verdade era uma marionete. Todavia, em Londres percebeu-se que a mão por trás do PT poderia forçar uma situação imprevisível, então esta estratégia foi reavaliada, notadamente pela pressão de setores estadunidenses mais aguerridos como a inteligência naval. Em 2012, uma operação de inteligência para retirar o PT do governo brasileiro tomou corpo, inicialmente com um pequeno grupo de 150 agentes, incluindo dentre eles FBI, CIA, DEA, NSA, MI6
28
e Mossad. Esta operação cresceu e expandiu-se para toda a América Latina causando a reversão de tendência hoje verificada, com vários governos retornando a mão de partidos não alinhados com o eixo Rússia-China. No cenário internacional, a OTAN iniciou manobras militares sem precedentes próximo a fronteira da Rússia (vide operação Anakonda 2016), e os EUA aumentaram sua presença naval no Mar do Sul da China. Estamos hoje num momento de
máxima tensão, onde uma guerra econômica já está em andamento e a confrontação militar pode ser detonada por qualquer incidente. Voltando ao Brasil, a elaboração deste plano estratégico sofisticado pelo lado anglo-saxão (onde todas as operações subterrâneas do Foro de São Paulo e do PT seriam mapeadas, e a implementação desta forçatarefa das agências de inteligência seria emergencial) fez-se absolutamente necessário para retomar a
tares e sua subordinação à esfera federal, bem como a revogação da Lei da Anistia. A perda de ascendência sobre mais de 400 mil homens em armas, que é hoje o efetivo da PM, e a defenestração dos oficiais que ainda tinham laços com os antigos ideais do Exercito de Caxias seriam a pá de cal que faltava. Uma nova casta de oficiais mais alinhados ao establishment do PT estava chegando ao comando, ainda que se repita à exaustão que as FFAA não foram contaminadas ideologicamente, o que é obviamente falso. No passado errou-se enormemente ao deixar a educação e a mídia ser dominada pelas forças de esquerda. Esqueceu-se que é necessário conquistar “corações e mentes” para se governar. Dominando a mente o fuzil é desnecessário. Não houvesse uma reação bem planejada por uma força real, o Brasil teria marchado por outro caminho. Hoje existem milhares de agentes estrangeiros em atuação no Brasil, e seu futuro não está mais, inexoravelmente, na mão dos brasileiros. Dentre os estrategistas globais as cartas da guerra civil, e fragmentação do Brasil em três ou quatro republicas, ainda estão sobre a mesa. A prioridade é garantir a ZR intacta e sob controle. O Brasil é uma carta no baralho do jogo global. Sem força de dissuasão nuclear, sem força militar determinante, com uma economia de-
pendente do capital externo e sem capacidade de autodeterminação, é um “anão”, como um diplomata israelense num momento de irresponsável sinceridade falou. A manterem-se como estão, os pensadores estratégicos patriotas brasileiros, serão varridos pelo tsunami, uma vez que a solução não está na superfície pela qual circulam com ar de sábios, mas sim no subterrâneo profundo onde suas mentes ainda não penetram. Passar a ser um protagonista a nível mundial, deixando de ser um expectador anêmico, parece um desafio quase impossível para os brasileiros. As antigas alianças hoje funcionam de modo diferente. O grande jogo mundial foi feito para se jogar. Jogando ou não o jogo continua. Nada ainda mudou neste tópico. Se os “estrategistas” brasileiros entenderam ou não o recado, não alterou os passos do jogo. A julgar pelas sucessivas derrotas que sofreram, não entenderam nada. Na verdade, no Brasil não existem pensadores com visão estratégica global profunda de valor, e sim tolos guiando tolos, posando com ares de sábios. O resultado é incontestável, um país de joelhos, incapaz de se levantar mesmo passados quinhentos anos. Contra fatos os argumentos se tornam apenas desculpas. O Brasil continua a ser apenas um peão, um joguete na mão de potências estrangeiras.
lumeMatoGrosso
ZR latina. A situação havia se tornado bastante preocupante. O aparelhamento do Estado caminhava para a hegemonia sonhada pelo PT. O Executivo e o legislativo eram apêndices do partido e o Judiciário seguia o mesmo rumo (em 2018 dez dos onze ministros seriam indicações petistas). Os movimentos sociais estavam, e ainda estão, cada dia mais partidários e a mídia, na época, completamente controlada e dependente das verbas governamentais. As FFAA brasileiras vinham sendo alvejadas e sangravam fortemente sem reação. Os militares confundiram conceitos, não foram capazes de identificar o momento certo de atuar e como fazê-lo, não aceitaram conselhos e iludiramse superestimando sua força. Existiram à época várias opções de atuação discreta e robusta que poderiam ter posto em ação para deter os acontecimentos desfavoráveis em seu inicio. Não o fizeram. A área de inteligência militar deixou a desejar, ainda que se reconheça que a ela não cabia à decisão final. Hoje, o que se ouve dos militares brasileiros são desculpas mal elaboradas. Existe uma máxima que diz que a árvore se conhece pelos seus frutos. Os frutos estão aí. O PT havia divulgado manifesto após as eleições de 2014, colocando entre suas prioridades a desmilitarização das policias mili-
29
lumeMatoGrosso
pat r i m ô n i o
PALÁCIO DA INSTRUÇÃO, EM CUIABÁ/MT, PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DE MATO GROSSO
Patrimônio Cultural 30
Conflitos e Direitos Socioambientais em Mato Grosso
A
s pesquisas na área do patrimônio cultural bem como a temática sobre a educação patrimonial têm sido pouco evidenciadas nos currículos dos cursos de graduação incluindo ai, o Direito e o ensino de Antropologia Jurídica. Com o intuito de aproximar e sensibilizar os acadêmicos dos possíveis problemas e conflitos socioambientais de Mato
a Antropologia e o patrimônio cultural, deve despertar a percepção para as demandas locais e melhorar os canais de comunicação entre a Universidade e a sociedade do entorno. Os objetivos dessas ações, na forma de pesquisa e extensão, é estimular o debate sobre a divulgação do conhecimento produzido, entender a importância do acesso aos acervos arqueológicos e seu aproveitamento sustentável, pautar a necessária gestão pública sobre o patrimônio cultural e contribuir para o cumprimento da legislação ambiental e sobre populações e comunidades tradicionais da região. O documento “Diagnóstico das pesquisas arqueológicas licenciadas em pequenos, médios e mega projetos no Estado de Mato Grosso 1995-2013”, Moção de Apoio Sociedade de Arqueologia Brasileira em 2014 e 2015 e Inquérito Civil Portaria MPF/PR-MT, n 166 - 13/07/2015. Apresenta-se como um oportuno instrumento de reflexão e salvaguarda para o patrimônio cultural e sócio-ambiental em Mato Grosso. Observa-se a importância do Patrimônio cultural e Educação patrimonial, os problemas de conservação, respeito ao patrimônio e a carência da educação patrimonial para que os cidadãos passem a acessar o direito ao meio ambiente cultural. O desordenamento territorial em face das emergências demográficas,
lumeMatoGrosso
Grosso,iniciamos uma reflexão sobre esse tema bem como sobre a legislação pertinente.A importância de uma discussão mais detida sobre o Patrimônio cultural, sustentabilidade, conflitos e direitos socioambientais tem o intuito de promover o fortalecimento do protagonismo comunitário, direito à cultura, ambiente sustentável e inclusão social. Entendemos por conflitos socioambientais não apenas as disputas sobre usos, posse, propriedade, planejamento e gestão de territórios urbanos e rurais, como também as implicações sobre a qualidade e os modos de vida de seus habitantes. As políticas de desenvolvimento econômico efetivadas no Brasil têm direcionado a maior parte dos danos sociais, econômicos e ambientais a grupos sociais vulneráveis (trabalhadores urbanos e rurais, populações de baixa renda, comunidades tradicionais, segmentos raciais discriminados) e os impactos sistêmicos não têm sido previstos nem remediados satisfatoriamente. Assim, a partir de uma abordagem interdisciplinar e voltada para estudos de caso, deve-se analisar diferentes eixos que contribuam para a compreensão desses conflitos, direitos socioambientais e para a educação patrimonial. O enfoque das pesquisas acadêmicas envolvendo a educação patrimonial,
31
lumeMatoGrosso
da educação, saúde, economia, a necessária inclusão social, o direito à herança histórica e do patrimônio cultural. Torna-se cada vez mais premente a adoção de políticas públicas para a sua conservação. As principais normas que regulamentam os patrimônios culturais e arqueológicos são a Portaria de nº 230 e a Resolução SMA nº 34. A portaria nº230/02 prevê a necessidade de com-
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM SÍTIO ARQUEOLÓGICO FOTO HÉLIO FILHO
32
patibilizar as fases de obtenção de licença ambientais com os empreendimentos potencialmente capazes de afetar o patrimônio arqueológico. Faz-se necessário alguns procedimentos referentes à apreciação e acompanhamento das pesquisas arqueológicas no país, como a fase de obtenção de licença prévia (EIA/RIMA); fase de licença de instalação (LI); fase de obtenção da licença de
operação. A 1º fase irá levantar dados secundários e arqueológicos do campo. A 2º trata-se de aprimorar a primeira e de implantar o Programa de Prospecção proposto também na fase anterior. A 3º diz respeito ao dever de realizar os trabalhos de salvamento arqueológico nos sítios selecionados na segunda fase. Já a Resolução SMA nº 34, de 2003, estabelece medidas necessárias à prote-
lação e interdependência científica e de gestão entre os bens arqueológicos e sua interface com conhecimentos históricos, antropológicos, arquitetônicos, museológicos e de educação. Trata-se de uma relação estreita que estrutura a noção de patrimônio histórico e cultural. A educação patrimonial torna-se uma metodologia de conhecimento da cultura e que incentiva a leitura do mundo e das nossas relações com os outros e com o ambiente. Ela é definida pela Coordenadora de educação patrimonial do IPHAN: […] a Educação Patrimonial constitui-se de todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera ainda que os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de Patrimônio Cultural. (FLORENCIO, apud NOGUEIRA, 2015. p. 34).
Segundo Ana Maria Moreira Marchesan, é mais importante a implementação de uma política de educação patrimonial efetiva que consiga envolver a população local explicando o mérito dessa preservação do que a edição de leis mais severas e punições aos atos lesivos contra esse patrimônio sendo a prevenção um ato por si só que soluciona ambientalmente o problema. Em suma, os conhecimentos sobre o patrimônio cultural do nosso Estado não são devidamente divulgados para a sociedade mato-grossense bem como não existe políticas voltadas para preservação e proteção desse patrimônio embora a diversidade histórica, social e ambiental seja imensa. Todos temos direitos a um ambiente equilibrado ambiental e culturalmente, mas infelizmente esses direitos preceituados pela Constituição Federal não são aplicados, sendo o descaso regra e não exceção. Por isso, o desenvolvimento da plena cidadania passa a ser vivenciado não só nos espaços escolares, mas também em atividades extracurriculares, potencializando os sujeitos a estabelecerem conexões de respeito ao passado e produzindo relações mais críticas com o presente, pautando seus valores por uma ética de alteridade e de valorização das diferenças.
lumeMatoGrosso
ção do patrimônio arqueológico e pré-histórico, a serem observados pelos responsáveis por empreendimentos de atividades potencialmente causadores de significativo impacto ambiental, considerando o disposto na Portaria IPHAN Nº 230/02. As análises apontam que é bem reduzido o investimento em estruturas para guarda e divulgação dos acervos arqueológicos nos locais de onde são resgatados conforme determina o artigo 8º da Portaria IPHAN nº 230 de 2008e a Resolução SMA n. 34 de 2003. Perceberam a importante relação da pesquisa arqueológica e identidade; legislação e fruição do conhecimento; pertencimento e apropriação; cidadania e Direito. Entenderam que está havendo o descumprimento da legislação e fragilidade na fiscalização; dificuldades na gestão pública do Patrimônio Cultural (arqueológico, histórico, edificado e imaterial); inacessibilidade da população aos acervos arqueológicos, conhecimentos produzidos e campo de trabalho especializado,o que perfaz parte do colonialismo científico. Dessa maneira impede-se a relação entre: identidade - bens culturais - fortalecimento comunitário; sustentabilidade - turismo cultural - museus; geração de trabalho especializado e renda para comunidade local. Considera-se a inter-re-
33
lumeMatoGrosso
r e p o rtag e m e s p ec i a l
34
lumeMatoGrosso
J. Astrevo
Trajetória de um Astro do Humor
Luz geral na cena teatral para o ator negro mais popular de Mato Grosso, J. Astrevo Aguiar. Graduado em letras pela UFMT, onde foi professor substituto, especialista em Planejamento e Gestão Cultural pela UNIC, ator, músico-compositor, escritor, diretor e autor de textos teatrais, sai do vilarejo de Rio dos Couros para se revelar pro mundo das artes como o maior comediante da atualidade Por CARLOS ROBERTO FERREIRA fotos fablício rodrigues
35
lumeMatoGrosso
r e p o rtag e m e s p ec i a l Como se deu o seu rebento no teatro na capital matogrossense? »»Foi no ginásio, freqüentando a Escola Estadual Padre Ernesto Camilo Barreto, que tive o meu primeiro experimento com a atividade artística. Nilva, uma Professora de Educação Artística, que muito incentivava o exercício com as artes no ambiente escolar, dividiu a sala em vários grupos, para que cada um escolhesse que tipo de arte iria experimentar. Por afeição, fiquei no grupo onde estava o meu melhor amigo, o João César, e por influência dele, resolvemos fazer um esquete de teatro. Com a direção dele, ensaiamos o esquete e apresentamos na sala de aula. Dado ao grande entusiasmo e surpresa da professora com a destreza natural de uma criança tímida, providenciou uma apresentação do trabalho, desta vez, para os alunos da escola, na hora do intervalo. Essa apresentação foi decisiva para que eu, Justino Astrevo Aguiar se transformasse mais tarde no artista, J. Astrevo. O que te levou a perceber que essa primeira experiência cênica, pudesse se revelar como um caminho do teatro para a sua vida adulta? »»Foi o encantamento da relação com o público que me fez descobrir uma possibilidade até então, abso-
36
lutamente desconhecida. A partir dessa apresentação, fundamos o Grupo Folhas. Entre os anos de 1980 e 81, apresentávamos sempre nas datas comemorativas, como dia das mães, dos pais, festas de São João e Natal. A partir daí fui tomando gosto pela arte de representar, talvez até para fugir de minha extrema timidez. A sua militância no teatro mato-grossense, sempre foi de grande destaque. A partir de quando você começa a se dedicar às questões da política teatral? »»Em 1.980, o ator e diretor Amaury Tangará, então presidente da Federação Matogrossense de Teatro, ao assistir uma apresentação do grupo Folhas, nos convidou para ingressarmos na Federação de Teatro. A partir daí começamos a participar de congressos, reuniões, debates, a assistir mais apresentações de outros grupos teatrais, a ler sobre teatro e a fazer as oficinas que a Federação oferecia, entre elas, as de interpretação e direção teatral. Com isso, aquele universo cada vez mais, ocupava o tempo e a cabeça do jovem ator, J. Astrevo. Então, a sua participação na Federação Matogrossense de Teatro, foi de grande êxito? »»Em minha estada na entidade, ajudei a conseguir a sua sede, trouxe o inte-
rior do estado para participar mais ativamente do movimento na capital, concebi e organizei mostras e festivais de teatro e interiorizei as ações da Federação. A efetiva participação no movimento teatral do estado me levou a assumir a diretoria de programação da Federação Mato-grossense no biênio 1989 a 1991, gestão presidida pelo ator e educador José Ferraz de Araújo. A partir do empenho nesse trabalho federativo, fui eleito Secretário da CONFENATA – Confederação Nacional de Teatro, em 1994, gestão que se estendeu até 1996. Esse trabalho teve por missão, reaglutinar as federações estaduais e mobilizar o circuito teatral no Brasil a partir de novas iniciativas, como congressos, seminários e work shops. Nessa gestão, organizamos um Congresso Nacional de Teatro em Goiânia, Circuito Regional Centro Oeste e parceria com a Fundação Nacional das Artes Cênicas para viabilização de projetos de incentivos a produção teatral no Brasil. O seu trabalho como diretor e autor têm presença significante no teatro matogrossense. Quando você começa e se enveredar por esse campo e o que já produziu nessa área? »»Em 1981, o grupo Folhas montou: Society Tropical - a primeira peça por mim es-
Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal. Em 1.988, escrevi e dirigi a peça Fantasmas & Vinhos, também patrocinada pelo Ministério da Cultura. Este texto já continha a clara influência dos estudos realizados nos bancos da Universidade, seja por seu caráter literário, seja pelo padrão estético proposto. Foi o primeiro espetáculo que melhor repercutiu junto ao público da capital. O teatro já não estava tão vazio. Fato que permitiu a nossa permanência em cartaz por dois anos. Isso significa então que, a sua passagem pela academia, transformou a sua vida de autor e diretor em expressivo intelectual? »»O tempo que passei na Universidade foi um dos períodos de maior produtividade intelectual, e, foi lá
também que me transformei em J. Astrevo. Escrevi os seguintes textos para teatro: Nave Errante, Lua Minguante, Um Trem Expressionista, Encruzilhada e Último Baile de Verão. No campo da produção artística, paralelo ao trabalho do Grupo Folhas, adaptei, dirigi e sonorizei o monólogo Homem do Barranco, a partir de texto monográfico composto pelo ator e Arte-educador Carlos Ferreira. Esse espetáculo foi extremamente vitorioso. Recebeu dezesseis prêmios, dos quais oito foram em festivais nacionais e outros oito em festivais regionais, tendo sido representado para além de Mato Grosso, em Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais e Piauí. Essa foi a primeira incursão verdadeira de J. Astrevo na temática regional, uma viagem apaixonante pelos matizes da cul-
lumeMatoGrosso
crita e dirigida que, a partir daí passei a utilizar o nome artístico, J. Astrevo. Assumindo a direção do Grupo, exercitei mais a minha veia de escritor que já se aflorava. Esse fato foi fundamental na decisão de cursar Letras na Universidade Federal de Mato Grosso. Queria, sobretudo, aprimorar a minha escrita e dar vazão a minha paixão pelas letras. Em 1986, escrevi e dirigi a peça Enquanto Florescem Os Campos, obtendo patrocínio do Ministério da Cultura, por meio de concorrência pública que a antiga FUNDACEN – Fundação Nacional de Artes Cênicas realizava. A montagem foi classificada em primeiro lugar no Festival Regional no ano seguinte, por conta dessa deferência, foi representar Mato Grosso no Circuito Centro-Oeste de Teatro, fazendo temporada em
37
lumeMatoGrosso
r e p o rtag e m e s p ec i a l ATORES NICO E LAU, EM CENA
tura local. Essa peça ficou em cartaz por quatro anos, de 1995 a 1999. Ainda de forma paralela na mesma época roteirizei, dirigi e atuei no musical regional Rapsódia Verde, ao lado de dois grandes músicos: Pescuma e Hélio Pimentel. Esse musical era composto por causos, músicas e poemas dos mais ilustres escritores matogrossenses, como: Silva Freire, Dunga Rodrigues, Dom Aquino Correa e Moisés Martins. Daí surgiu a parceria com o violeiro Hélio Pimentel que chegou a participar da primeira fase do trabalho de Nico e Lau e a amizade com Pescuma, que realizou um trabalho importante, de inovação no
38
chamado Rasqueado Cuiabano. Esses anos de atuação artística me renderam diversas deferências, como títulos, moções de aplausos e prêmios para ator, diretor e escritor. No que se refere a estudo, formação e capacitação na área teatral, o que você nos conta? »»Em 1985, tive uma experiência artística bastante significativa para a minha carreira. Participei do curso Liberte Seu Talento, Faça Teatro, promovido pelo Grupo Andanças de Teatro, umas das maiores expressões cênicas do Centro-Oeste naquela época, dirigido por Amaury Tanga-
rá. A convivência com outros grupos, atores e produtores já consagrados no estado, que ministraram as oficinas do referido curso, me influenciaram a decidir exatamente o que eu queria da minha vida: viver para o teatro. Atuando, escrevendo ou dirigindo, era naquele universo que gostaria de orbitar. Outro benefício resultante da participação no curso foi a minha contratação para pertencer ao quadro de funcionários da Casa da Cultura. Trabalhar naquele ambiente de gestão e fomentação cultural, ao mesmo tempo provinha-me o sustento e me colocava em permanente contato com a produção cultural existente.
Neste ano de 2016, você completa 21 anos de dedicação ao personagem Lau, na dupla NICO & LAU. Quando e como se deu o seu primeiro contato de amizade e de trabalho com o ator, Lioniê Vitório? »»Em 1989, no teatro da antiga Escola Técnica, assistindo ao espetáculo Sinfonia Poética em Drummond Maior em companhia do amigo e companheiro de grupo o ator Leal Tadeu. Ao ver Lioniê em cena, tomamos a decisão de convidá -lo para integrar a montagem da peça Último Baile de Verão de minha autoria. Traído foi a primeira peça em que participei como intérprete, juntamente com Lioniê Vitório e dirigida por Leal Tadeu. Certamente, ali surgiu a química que alimentou a possibilidade de trabalharmos em dupla. Que trabalho de destaque, nesse começo de carreira, vocês produziram juntos? »»A partir de 1993, junto com Lioniê, passamos a ocupar a Praça da República, num período de dez dias, todas as noites a partir das 22:00h, realizando uma série de experimentações. Numa delas, Lioniê Vitório foi abordado e agredido fisicamente por um policial, acusando-o de estar agindo sob efeito de drogas. Fato inverídico. A performance foi interrompida, mas a experiência gerou um tra-
balho absolutamente inusitado na dramaturgia matogrossense: o espetáculo cênico Pressão Baixa. Este foi certamente o primeiro espetáculo experimentalista de Mato Grosso. Era uma instalação com a inserção de teatro com vídeo e tinha um texto conceitualmente expressionista. Essa montagem, de minha autoria e direção, foi premiada no Festival Matogrossense de Teatro, no Festival Regional local e no Festival Nacional de Teatro Universitário de Blumenau-SC em sua 9ª edição. Pressão Baixa influenciou outros grupos de teatro em Cuiabá, que também começaram a realizar pesquisas e montar espetáculos experimentais. Com essa peça se encerrou o ciclo de existência da Folhas Produções. Quando é que surge, então, o personagem LAU na sua vida? »»Em 1995, juntamente com Lioniê Vitório, recebemos um convite que mudaria radicalmente a nossa vida. A experiência trazida dos palcos de teatro se estenderia então para os estúdios de televisão. O convite partiu da jornalista Cida Capelassi, diretora do programa revista da Manhã exibido diariamente pela TV Gazeta, hoje Record, para prestar homenagem à cidade de Cuiabá, era 08 de abril de 1995. No referido programa, nós aparecemos mesmo, de J. Astrevo e de Lioniê Vitório, sem nos tra-
lumeMatoGrosso
E que cursos de formação, específicos em teatro, você freqüentou? »»Frequentei vários cursos nas diversas áreas do teatro, como: Dramaturgia Brasileira; ministrado por João das Neves na capital Federal. Interpretação; ministrado pelo ator Cacá de Carvalho, Interpretação Teatral; ministrados pela Bia Lessa e Tonico Pereira e Teatro de Rua com Amir Haddad, todos na Universidade Federal de Mato Grosso. E ainda, participou de vários cursos de qualificação profissional, dentre eles: Oficina de Interpretação com o ator Rubem Correa, Projeto Mergulho Teatral no Rio de Janeiro com oficinas de Dramaturgia com o autor Alcione Araújo; Temática Regional com Márcio Souza; Espaço Cênico com Robson Jorge; Interpretação com Luís de Lima; Teatro, Exercício de Paixão com o ator Sérgio Brito e Expressão Vocal com Maria Helena Kropf. Nesse período ganhei notoriedade artística, e as montagens sucederam-se de forma ininterrupta: Último Baile de Verão, em seguida, veio o espetáculo de variedades: Balada Para Diagnosticar Dementes. Entre 1991 e 1992 montei três espetáculos de minha autoria, quase que paralelamente, peça infantil: Ducatiribute, e as comédias: Balada Para Diagnosticar Dementes 1¹/² e Traído.
39
lumeMatoGrosso
r e p o rtag e m e s p ec i a l vestirmos em nenhuma personagem. Na ponta da língua, dois causos para contar e ao lado, o violeiro Hélio Pimentel para fazer o fundo musical. Uma receita muito comum inspirada nos antigos saraus guardados nas reminiscências cuiabanas. Oito minutos ao vivo: uma oportunidade de se mostrar para um grande público através da linguagem do humor, construindo uma releitura da tradição da literatura oral. E como se deu a intervenção e aparição de vocês, de forma mais fixa, na televisão? »»Ao final de quatro aparições específicas, por indicação feita ao vivo pelo jornalista Edivaldo Ribeiro,
40
que era um dos apresentadores do programa, a direção da emissora nos formulou a seguinte proposta: “Transformar aquelas aparições num quadro semanal de oito minutos, para ir ao ar sempre às quartas-feiras, dentro do programa Revista da Manhã. A contrapartida era o uso da mídia para promoção dos nossos trabalhos de atores.” Foi então que tomaram uma decisão importante: estruturar personagens para o quadro. Com trejeitos, figurinos e fala que caracterizassem o homem cuiabano e o pantaneiro, de forma vigorosa e espontânea que parecesse natural e verdadeiro. Ali surgiram Nico e Lau. Interpretando Lau, perma-
neci sete anos na TV Gazeta nos programas Porteira Aberta e Ser...tão Mato-grossense. Lá, ao lado de Lioniê, conquistei popularidade e me firmei como autor, diretor e ator. Em 2005 transferi para a TV Centro América, continuando e ampliando o trabalho de Nico e Lau. Neste ano de 2016, completo 21 anos interpretando a personagem Lau, mantendo uma média de 70 apresentações anuais, entre shows abertos e espetáculo de teatro. No campo da política cultural pública, você passou pela gestão da Secretaria de Cultura de Cuiabá. Como isso se deu e que desempenho você proferiu na pasta? »»Foi a convite do então prefeito Roberto França, assumi em 2001 como Sub-secretário de cultura de Cuiabá. E, pelo meu desempenho e dedicação no trabalho como pensador e executor de ações propostas pela Secretaria, fui elevado a Secretário de Cultura em meados de 2003, onde permaneci até dezembro de 2004. Na qualidade de Secretário, implementamos programas e projetos importantes, focando a cultura popular, o folclore e a música regional. Ampliamos o Festival de Siriri, realizamos o 1º Festra - Festival de Rasqueado, retomamos o Projeto Rua do Rasqueado, democratizamos o uso dos recursos provenientes da Lei Municipal de
É possível fazer um resumo de toda a sua produção artística junto à dupla, NICO & LAU, nesses 21 anos de trabalho ininterrupto? »»Ao todo foram 20 comédias escritas e encenadas. Algumas de maior destaque: A Casa Assombrada; Quem cochicha o rabo espicha; O Golpe; Bico Calado; Preto no Branco; Pega Inteligência; Na ponta da língua; Abafa o caso; Mingana queu gosto!; Piadeiros Marvados; Ribuliço no Reinado; Perdeu Pleyboy. Criei e organizei ao lado de Lioniê Vitório o Festival Nacional do Humor: Humor do Mato e Ataque de Riso – Festival Regional. Cinco CDs produzidos e lançados: 1998 – Dança do Lambari; 2001 – Arripiá; 2004 – Acho que to apaixonado; 2007 – Agitando na Balada e o último, Bem na foto, sendo um total de 30 músicas gravadas. Tenho autoria em quatro revistas em quadrinhos: Nico e Lau em quadrinhos; Ministério Público – Agora o quê qué esse?; Parasitose – Jogue limpo com a saúde e Trabalho Infantil, não tem graça nenhuma.
Temos três DVDs gravados: O Jogo – curta metragem de 20 minutos; O Golpe – Comédia teatral adaptada para vídeo e Bico Calado – Comédia teatral adaptada para vídeo. Ao longo de 21 anos são mais de 300 Peças Publicitárias para empresas como City Lar, Unimed, Modelo Supermercado, Ong WWF Brasil, Drogaria América, entre várias outras. Participamos também de 116 Vídeos do MINUTO DO HUMOR; 80 Vídeos do PAPO CABEÇA e no Cinema, atuação nos filmes: A OITAVA COR DO ARCO-ÍRIS – Amauri Tangará; PARABÉNS VICTOR de Léo Santana; A MORTE DO TOUREADOR de João Lucídio e Roteiro e Atuação em CANHAIN, UMA AVENTURA SINISTRA. Você conseguiria descrever o que representa pra você hoje, a dupla, NICO & LAU? »»A dupla Nico e Lau para mim hoje, representa a consagração de um formato baseado na teatralidade, na comunicação espontânea e na força da cultura popular do interior do Brasil. A sedimentação de uma carreira artística que conquistou o privilégio de ser representação simbólica da chamada cultura cuiabana. Você está no seu segundo casamento com um saldo de
quatro filhos, que legado você passa a eles com o seu trabalho? »»Acho que meu trabalho já está entranhado na percepção de mundo dos meus filhos. Do modo como vêem a vida e o que escolheram para seguir como filosofia e atuação profissional. O legado da luta persistente, da crença orgânica na realização dos seus sonhos, da ideologia colaborativa e de muito trabalho para conquistar algum resultado. Dois já atuam no mundo arte e cultura: Dríade Aguiar e Matheus de Luca, e outros dois: Raul Guilherme e Nathália Aguiar, ainda têm tempo para serem contaminados.
lumeMatoGrosso
Cultura, reformamos o prédio da antiga biblioteca pública e do clube feminino e restauramos a antiga Casa do Alferes, hoje MISC - Museu de Imagem e Som de Cuiabá. E, no estado, fui Secretário Adjunto de Cultura de Mato Grosso entre 2011 e 2012.
CARLOS ROBERTO FERREIRA Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea pela UFMT, ator e diretor teatral e professor efetivo de arte da rede pública de ensino de Mato Grosso. Contato: E-mail: robertoferreiera. cultura@gmail.com Facebook: Carlos Roberto Ferreira
41
lumeMatoGrosso
fotografia
A Técnica da Dupla Exposição e sua Arte na Revelação de uma Realidade Fotográfica A fotografia como uma forma de expressão artística
Q
uando a fotografia surgiu, houve muita discussão a respeito de considerá - la uma forma de manifestação artística ou não. O conceito de arte, no final do século XIX, estava ligado à criatividade, e isto implicava ao artista utilizar de meios mais tradicionais para obter uma obra de arte. Muitas das técnicas de edição que são usadas hoje como no Photoshop nasceram, bem antes do próprio software ser inventado, nos tempos em que só existia a fotografia analógica. É o caso, por exemplo, da dupla (ou múltipla) exposição, um resultado que
42
Por HENRIQUE SANTIAN
começou como um defeito e acabou sendo adotado por muitos fotógrafos como recurso de arte. O QUE É A DUPLA EXPOSIÇÃO? É possível definir a dupla exposição como o efeito que acontece quando duas cenas diferentes são mostradas na mesma fotografia, isto é, são sobrepostas. Isso acontecia quando o filme não era girado corretamente e a câmera acabava realmente registrando duas fotos no mesmo espaço do negativo. Enquanto alguns podem imaginar isso como um problema, o resultado muitas vezes é tão bonito
que atualmente fotógrafos usam câmeras que fazem isso propositalmente, principalmente os adeptos da lomografia. A ideia não é mostrar uma cena nitidamente e sim mesclar vários elementos em uma “bagunça ordenada”.É possível fotografar a mesma pessoa duas e três vezes, uma cena de movimento, vários ângulos de um mesmo cenário e muito mais. Com a dupla (ou múltipla) exposição, não existem muitas regras e você pode criar cenas surreais e bastante descontraídas, bastando ter criatividade e muita determinação para aprender.
lumeMatoGrosso
S sE eGR g uE r DOS a n çDA a F LOR E STA
Banco Xinguano dos Mehinako A série de reportagens sobre o conhecimento e experiência de Léo Rocha, o índio branco do povo Yawalapiti, nas florestas do Xingu, nos mostra hoje, de maneira sucinta, a maneira que o povo Mehinako faz para fabricar bancos de madeira, tão apreciados por sua originalidade e praticidade
P
ara fazer um banco xinguano é preciso entrar e ficar na mata por pelo menos uma semana. Primeiro o índio adentra a floresta procurando sua árvore. Roxinho, lixeira, piranheira. No facão e no machado ele a derruba com ajuda de parentes. Tronco pesado, impossível carregá -lo até a aldeia. É preciso dividir em partes. Uma árvore pode render muitos bancos, depende do tamanho do banco, tamanho da árvore. Se a peça for muito grande os primeiros entalhes precisam ser feitos ali mesmo no mato. Mais entalhe, menos madeira, mais leve pra car-
POR LETÍCIA BAETA
regar no ombro até a aldeia. Em casa, na oca, com calma e precisão o índio xinguano faz os acabamentos necessários, imprimindo na peça toda sua intimidade com o animal. Num rosto de madeira, a expressão certeira de um macaco ou o formato dos músculos da onça no seu caminhar. Por último a pintura. Jenipapo faz o preto, urucum o vermelho. O pincel: uma tala de buriti, da mesma maneira como pinta seu próprio corpo. Expressa nas cores traços da natureza: as ondas do rio, pele de cobra, casca de árvore. Incrusta na peça sua marca: o grafismo xinguano.
Por fim os olhos. Um pouco de cera de abelha preta serve como cola, e uma simples conta de caramujo, redondinha feita na faca, brilha os olhos do animal. Um acabamento sutil, mas fatal. Os olhos do banco de madeira brilham. As vezes, tamanha perfeição, parece que se mexem, sonho que andam por ai. Não sei se ganham vida... uma energia animal... Etnia: Mehinako Localização: Parque Indígena do Xingu – Mato Grosso População: 254 (Ipeax 2011) Tronco Linguístico: Aruak
43
lumeMatoGrosso
C ARA V ANA DA AL E GRIA
A Magia de Machu Picchu 4ª edição Por CECÍLIA KAWALL
44
Nesta série, à qual denominamos Caravana da Alegria, eu conto minhas experiências nas artes cênicas e fotográficas, vivenciadas em palcos e praças públicas de cidades espalhadas por toda a América do Sul. Retratados através das páginas da LUME-Mato Grosso, já visitamos lugares maravilhosos, a exemplo de Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso e Oiapoque, no extremo norte brasileiro, além da gélida e impressionante Patagônia, na Argentina. Nesta edição, o convite é para conheçamos um pouco mais da mítica Machu Picchu, nos Andes peruanos
lumeMatoGrosso
N
ão posso falar de Machu Picchu sem falar de todo Peru, um país riquíssimo em cultura, cores e sabores. A comida é farta (mas cuidado! já ouvi muita gente que passou muito mal...) e parecida com a nossa, tem arroz com feijão, milho e frango por todo lado. As crianças são muito alegres e todos se vestem com muitas cores. O povo se junta fácil numa grande roda nas ruas prá ver o circo passar. Por toda parte é possível encontrar lojas de fantasias e adereços, são muitas festas populares e rituais ainda celebrados. No sul a cidade de Arequipa é uma das mais movimentadas e conhecida como Cidade Branca por causa das construções em pedra branca,
tipo “limestone”. Destaque para as catedrais e a Plaza de Armas de arquitetura espanhola, um capricho só. As estradas foram outro destaque, mas um caos! De uma cidade a outra tinha que percorrer 300 km, mas te dizem que a viagem vai durar 8 horas! Não acreditando nisto, pesquisei em todos os lugares possíveis e era isto mesmo: curvas e mais curvas e a altitude de 4.000 metros acima do nível do mar fazia qualquer trecho parecer uma odisséia! O cenário era literalmente de tirar o fôlego com montanhas e vales se desdobravam a cada quilômetro, picos nevados e de repente, o Lago Titicaca, que visão! Todas as ilhas, as casas, as embarcações... tudo feito de junco! O Perú tem as linhas de
Nazca, um mistério que não vou nem comentar aqui... E enfim, Cuzco, uma pérola de cidade, pequena mas vibrante. Nos preparativos para subir as montanhas e finalmente chegar a Machu Picchu uma acolhida numa casa que recebe crianças carentes com necessidades especiais, tipo um hospital que comporta hospedagem para as famílias também. A troca foi um quarto por uma apresentação, enquanto negociava o trem (uma dificuldade enorme embarcar neste seleto transporte... e caro). Mas a apresentação foi um luxo, as crianças e o padre responsável pelo local amaram o palhaço e a bailarina, o circo brasileiro que passou. Alegria e mágica transformando o cotidiano.
45
lumeMatoGrosso
C ARA V ANA DA AL E GRIA
46
lumeMatoGrosso Sim! Tudo certo, passagens na mão. Aqui confesso que aquele trecho específico não me inspirava muito pois sempre fui muito resistente àqueles mandamentos do tipo “ você TEM que ir” aqui ou ali. E Machu Picchu era um destes lugares que todo mundo te diz que você TEM que ir... mas então a medida que o trem ia subindo, passando pelos pueblos e plantações, riachos, florestas... ai! Compreendi tudo. A extensão de mata recobrindo as encostas, o Rio Urubamba roncando e alimentando as hortas emprestavam ao cenário um poder digno de majestades. Tudo ia se agigantando a medida que o trem avançava serra acima. E são horas a ‘mirar’ e subir. Meu peito se encheu de paz e alegria por estar finalmente ali, meus olhos brilharam, meu coração disparou. E, entre uma curva e outra, de repente, surge um pueblo, uma vila exatamente na janela do trem, parece que você entra na casa das pessoas, nas lojinhas. Um hotelzinho gostoso, uma entrevista na Radio Machu Picchu, produção local... precisamos de uma bicicleta e adivinhem: ninguém
tem bicicleta aqui! São tantas ladeiras e tão íngremes que não vale a pena. Procura daqui e dali e aparece uma afinal, salvos! A apresentação foi na praça central, na frente da igreja, já era noite mas a roda foi linda, mais uma vez. O chefe do parque da Cidade Sagrada estava lá e gostou tanto que liberou o ingresso nos dois dias seguintes que o circo ficaria na cidade. Ainda ofereceu carona no ônibus dos funcionários, as cinco da matina... lindo! Se até agora as estradas estavam dando show esta então foi a vencedora, um ‘zig-zag’ de uns doze lances de deixar qualquer um tonto. E o encanto: a neblina se dissipando em fiapos brancos descortinando as ruínas e os picos das montanhas em verde no céu anil... paz! Gratidão, alegria... e o dia todo para caminhar e descobrir e sonhar! O chefe deu uma dica de um lugar recém aberto ao público, o Vale da Lua, onde as mulheres se recolhiam na época dos ciclos menstruais. Uau, pura energia a soneca que tirei na sombra dos altares. A sensação foi de voar para outra dimensão e vol-
tar em segundos mas quando olhei para o relógio, corre! Já vai fechar o parque! No dia seguinte outra maratona zig-zag acima, a cidade se abrindo, Inti Punku prá cá, Huayna Picchu prá lá, sobe, desce, olha a lhama! As flores se abrem em orquídeas, bromélias, pimenteiras e entre elas as centopéias, os gaviões e as lagartixas num exemplo de vida em harmonia e paz, uma verdadeira dádiva dos deuses! Se você tiver oportunidade, vá a Machu Picchu, ‘hehehe’ !!! E aguarde a nossa próxima aventura... já conhece o deserto branco dos Lençóis Maranhenses?
Cecilia Kawall, guia de turismo regional, técnica em acupuntura, reiki master, instrutora de oki do yoga e shiatsu, produtora, fotógrafa, bailarina e mãe.
47
lumeMatoGrosso
culinária
Edna Lara é gastrônoma e culinarista, formada pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. Autora de duas edições do livro “Diversidade da Gastronomia”. A segunda nas versões português e inglês
48
lumeMatoGrosso
Picadinho de Carne com Banana da Terra Madura FOTOS LAÉRCIO MIRANDA
N
esta receita o nosso leitor vai se deliciar com um dos mais saborosos pratos da nossa tradicional culinária, onde a banana-da-terra é o diferencial que se apresenta nesse “picadinho”, que é simples e rápido de ser feito. Nossos ancestrais trouxeram em suas bagagens a fórmula desta receita que, de tão apreciada, acabou entrando para o apetitoso menu cuiabano, saciando o desejo de todos em apreciar o que há de melhor em nossa culinária com sabor do nosso glorioso passado.
Receita de Edna Lara Ingredientes
»» 1 cebola média picadinha »» 2 tomates picadinhos, sem sementes »» 1 pimentão, sem sementes »» 3 dentes de alho socado »» Pimenta-do-reino a gosto »» Sal a gosto »» 3 bananas-da-terra madura
do-reino e deixe repousar por uma hora. Leve a gordura ao fogo e, quando esquentar, junte a carne e frite até dourar. Adicione a cebola, o pimentão e os tomates picadinhos. Refogue bem, diminua o fogo e acrescente as bananas cortadas em rodelas. Coloque a água e deixe cozinhar prove o sal. Quando as bananas-da-terra estiverem macias e o molho grosso, retire o picadinho do fogo e sirva em seguida, salpicando cheiro-verde por cima.
COMO FAZER
Sugestões
»» 1 quilo de alcatra, chá-dedentro ou patinho
»» Limpe a carne, corte-as em tirinhas e
depois em pedacinhos, ponha numa vasilha e tempere bem com o alho, sal, pimenta-
»» Proceda da mesma forma, conforme descrito acima, para preparar o Picadinho com batata-inglesa, mandioca ou cenoura.
49
lumeMatoGrosso
r e t r ato e m preto e branco
Dante de Oliveira
Neste mês de julho de 2016 completaram 10 anos do falecimento de Dante de Oliveira, que ficou nacionalmente conhecido pela emenda constitucional Diretas Já, apresentada em 1983. Seu precoce desaparecimento deixou um vazio na história política de Mato Grosso, marcados por sua forte personalidade e carisma
F
ilho de Maria Benedita e Sebastião de Oliveira, Dante graduouse em engenharia civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nos anos 1970 e fez parte do Movimento Revolucio-
50
nário 8 de Outubro (MR-8), dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 1976 retornou à Cuiabá, onde se candidatou a vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), mas não conseguiu
se eleger. Dois anos depois foi eleito deputado estadual, assumindo o mandato em fevereiro de 1979. Com a extinção do bipartidarismo, filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
bá. Eleito, tomou posse em janeiro de 1986 e, em maio, convidado pelo presidente José Sarney, assumiu o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, do qual saiu um ano e meio depois, por apoiar a redução do mandato presidencial para quatro anos (eram cinco na época). Dante reassumiu o mandato de prefeito de Cuiabá e enfrentou uma grave crise financeira, com salários dos funcionários atrasados. Em fevereiro de 1990, desligou-se do PMDB e ingressou no PDT. Em outubro de 1992, foi eleito novamente prefeito de Cuiabá. Em maio de 1994, disputou o governo do Estado, apoiado por uma ampla aliança. Empossado em janeiro de 1995, encontrou a administração praticamente falida. Em janeiro de 1997, a Executiva Nacional do PDT anunciou que solicitaria a expulsão de Dante, em razão do apoio do governador à reeleição para os cargos do executivo. Antes que fosse implementada qualquer medida punitiva, Dante filiou-se ao PSDB. Disputou com sucesso a reeleição em outubro de 1998, por uma coligação formada por PSDB, PSB, PMN e PV. Candidato ao Senado Federal nas eleições de 2002, inexplicavelmente, perdeu uma eleição tida como ganha. Isso frustrou-o por demais. Dante de Oliveira, que era diabético, faleceu em 6 de julho de 2006, aos 54 anos, em virtude das complicações de uma pneumonia. Após sua morte, recebeu várias homenagens Brasil afora, inclusive na capital, sendo que a antiga Avenida dos Trabalhadores hoje se chama Avenida Governador Dante Martins de Oliveira. Também recebeu um memorial com seu nome, localizado na Praça Rachid Jaudy, na área central de Cuiabá, capital de MT. Até os dias de hoje e por muito tempo será uma referência política brasileira.
lumeMatoGrosso
Assumiu o mandato de deputado federal em 1983. No país começava o processo de redemocratização. Porém, isso não incluía a modificação das normas do regime militar, que impunham eleição indireta para presidente da República, governadores de Estado, prefeitos de capitais e 1/3 do Senado Federal. Em fevereiro de 1983, Dante apresentou projeto de emenda constitucional, que se tornaria conhecida com seu nome, propondo o restabelecimento da eleição direta em todos os níveis e marcando para 15 de novembro de 1984 a eleição para presidente da República. A campanha pelas “Diretas Já” ganhou o apoio popular. A manifestação que começou em São Paulo foi seguida por comícios em quase todas as capitais brasileiras. No Rio de Janeiro, uma manifestação reuniu cerca de 1 milhão de participantes. Pouco depois, 1,7 milhão de pessoas compareceu ao vale do Anhangabaú, em São Paulo, na maior manifestação popular da história do país. Na véspera da votação da emenda Dante de Oliveira, as principais cidades assistiram a “panelaços” a favor das Diretas Já. Todavia, a proposta foi derrotada em 25 de abril, por não ter atingido o quórum para que fosse enviada à apreciação do Senado. Contaram-se 298 votos a favor, 65 contra e três abstenções e deixaram de comparecer à sessão 112 deputados. No Colégio Eleitoral, reunido em 15 de janeiro de 1985, os militares foram derrotados com a eleição de Tancredo Neves, mas este não chegou a ser empossado na presidência: faleceu em 21 de abril de 1985. Assumiu o vice José Sarney. Em junho de 1985, Dante licenciou-se da Câmara para dedicar-se à campanha para a prefeitura de Cuia-
51
lumeMatoGrosso
J UL H OS d e n o s s a história DIA 01
»»1994. Entra em vigor o real,
moeda brasileira.
DIA 03 »»1797. Falece Luís Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, capitão-general, segundo historiadores, o melhor governante de MT, de todos os tempos. DIA 04 »»1890. Criação do município de Santo Antônio de Leverger. »»1921. Nasce Lenine de Campos Póvoas, advogado, historiador, literato, político e empreendedor cultural. »»1988. Criação de Nova Mutum/MT, Lei nº 5.321. DIA 05 »»1860. Nasce Pedro Celestino Corrêa da Costa, governador, Senador e empresário. Fortaleceu o ensino de MT.
»»2006. Falece Dante Martins
de Oliveira, engenheiro civil e político. Governador de MT (1995-2002), passou à história nacional pela Emenda “Diretas-Já”, em 1983. DIA 09 »»1879. Nasce Carlos Chagas, médico sanitarista, cientista descobridor da “Doença de Chagas”. »»1921. Falece Dom Carlos Luiz D´Amour, Arcebispo de Cuiabá e historiador. »»1980. Morre o poeta Vinícius de Moraes.
DIA 10 »»1871. Nasce Marcel Proust, escritor francês.
DIA 14 »»1789. Tomada da Bastilha, pela população de Paris, início da Revolução Francesa. »»1927. Lançamento de pedra fundamental da cidade de Mariópolis, em Chapada dos Guimarães, pelo governador Mário Corrêa da Costa. DIA 15 »»1908. Nasce Dunga Rodrigues, professora, musicista, compositora e escritora, da AML.
DIA 18 »»60 d. C.. Início do grande incêndio de Roma, supostamente pelo Imperador Nero. »»1918. Nasce Nelson Mandela, símbolo da luta contra o apartheid na África do Sul. »»1987. Morre Gilberto Freire, sociólogo, antropólogo, escritor, pintor e educador.
DIA 06 »»1885. O francês Louis Pasteur cria vacina contra a raiva em ser humano. »»1971. Morre Louis Armstrong, cantor de jazz e trompetista.
»»1878.
52
DIA 11 »»1533. Excomunhão de Henrique VIII, pelo Papa Clemente VII. »»1932. Criação do Estado de Maracaju, em território hoje de MS, por influência ideológica da Revolução Constitucionalista de 1932.
Nasce Carlos Gomes Borralho, engenheiro militar, político, jornalista e literato. »»1907. Nasce Gabriel Vandoni de Barros “Dr. Gabi”. Advogado, jornalista, escritor, pecuarista, agitador cultural e político.
DIA 20 »»365 a.C.. Nasce Alexandre Magno (o Grande), rei da Macedônia. »»1873. Nasce Alberto Santos Dumont, aeronauta, esportista e inventor brasileiro. »»1897. Criação da Academia Brasileira de Letras.
nest Miller Hemingway, autor de “Por quem os sinos dobram , O velho e o mar”.
DIA 24 »»1783. Nasce Simón Bolívar (Caracas/Venezuela), militar e líder revolucionário e libertador. »»1978. Nasce Louise Brown, primeiro bebê de proveta do mundo. DIA 25
»»1992.
Falece Ariosto da Riva, colonizador, fundador de Alta Floresta. DIA 27
»»1904. Nasce João Ponce
de Arruda, governador de MT, engenheiro civil, jornalista e poeta.
DIA 28 »»1741. Morre Vivaldi, compositor e músico italiano, autor de As Quatro Estações. DIA 29 »»1836. Inauguração, em Paris, do Arco do Triunfo. »»1846. Nasce a Princesa Isabel - A Redentora - por ter abolido a escravidão no Brasil. »»1883. Nasce Benito Mussolini, um dos criadores do Fascismo. DIA 30
»»1863.
Nasce Henry Ford, empreendedor (US), fundador da Ford Motor Company. »»1906. Nasce o poeta gaúcho Mário Quintana.
lumeMatoGrosso
DIA 21
»»1899. Nasce o escritor Er-
A PERSONAGEM
CENTO E OITO ANOS DO NASCIMENTO DE UM ÍCONE DA CULTURA CUIABANA DUNGA RODRIGUES
»»15-07-1908. Dunga, nascida Maria Benedita Deschamps
Rodrigues, foi professora, musicista, compositora, escritora e agitadora cultural. Viveu bastante e era bem-humorada. Lecionou francês para várias gerações no antigo Colégio Estadual de MT. Parceira e amiga da professora Zulmira Canavarros, com quem promoveu saraus inesquecíveis. Deixou saudades e um acervo familiar fantástico, que, doado à Casa Barão de Melgaço, foi sendo zelosamente catalogado por técnicos sob a orientação da amiga Elizabeth Madureira Siqueira. Musicista das mais afamadas e virtuoses, foi responsável pelo progresso do ensino musical em Cuiabá. Membro do Clube Feminino de Cuiabá lutou, ao lado de outras mulheres, pela ampliação de seus direitos, especialmente por ocasião da conquista do voto feminino. Escreveu diversos livros e pertenceu ao IHGMT e AML, onde ocupou a Cadeira nº 39.
O ACONTECIMENTO CENTO E DEZ ANOS DO BÁRBARO ASSASSINATO DE UM GOVERNADOR EM EXERCÍCIO
TOTÓ PAES DE BARROS É aclamado como “Pai da Indústria de Mato Grosso” por sua ousadia na construção da Usina Itaici, em 1896, com equipamentos importados da Alemanha. A Usina oferecia condições dignas de trabalho aos seus empregados e é pioneira na iluminação elétrica em MT. Foi presidente do Estado de MT (1903/1906), sendo inimigo ferrenho de Generoso Ponce. Mandou realizar exploração terrestre por Jorge Bodstein, com vista à futura ligação rodoviária de Cuiabá a Santarém. Fez MT participar da Exposição de Saint Louis/US; Ampliou rede de iluminação pública a gás em Cuiabá; Reformou o Liceu Cuiabano; Calçou de pedra cristal as ruas da capital; Promoveu estudos visando à ligação ferroviária de Cuiabá ao Cassange. Por divergências políticas foi covardemente assassinado nas imediações da Fábrica de Pólvora do Coxipó. Sua morte foi um crime provocado pelo mando do governo de MT.
»»06-07-1906.
53
lumeMatoGrosso
história
Ramiro Noronha E sua contribuição à comissão Rondon
54
R
por ELIZABETH MADUREIRA SIQUEIRA
amiro Noronha nasceu em Minas Gerais, possivelmente em Juiz de Fora, aos 31 de dezembro de 1885, e ingressou, aos 17 anos, no curso preparatório junto à Escola Militar de Porto Alegre, diplomandose pela Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro.
residência do pessoal de apoio e também oficinas, escolas e enfermarias. Esse conjunto de esforços propiciou o reconhecimento da parte interiorana do Brasil e seus habitantes, apresentando-se enquanto campo fértil de aprendizado, haja vista a imbricação entre o saber nativo e o saber técnico-científico da Comissão Rondon, um movimento, nessa medida, de mão dupla. No interior da Comissão Rondon, Ramiro Noronha
atuou junto ao Serviço Nacional de Proteção aos Índios e Trabalhadores Nacionais - SNPITN, prestando relevantes serviços. Fez editar no interior da Comissão Rondon o seguinte relatório Exploração e levantamento do Rio Culuene, principal formador do Xingu: reconhecimento de verificação ao divisor Arinos-Paranatinga, escrito em 1920 e publicado no ano de 1952. Ramiro Noronha participou diretamente dessa empreitada, visto ter sido o
grande líder e compa-nheiro de Rondon no SNPITN ao longo do extenso território do então Mato Grosso indiviso, ajudando na abertura de estradas, construção de pontes e montagem e gerenciamento dos Postos Indígenas. Além dos trabalhos junto à Comissão Rondon, Ramiro Noronha foi convidado, pelo presidente Getúlio Vargas, para governar o território de Ponta Porã, no ano de 1934, tendo sido diretor de Material Bélico do Exército Brasileiro e também da Fábrica de Pólvora de Juiz de Fora-MG. Veio a falecer no Rio de Janeiro, em 1º de dezembro de 1955, tendo, ao longo de suas atividades como militar e grande responsável pelos trabalhos do SNPITN, acumulado um precioso acervo documental e bibliográfico que permaneceu, por décadas, intocado, até que, na primeira década do ano de 2000, a família resolveu depositá-lo no Arquivo da Casa Barão de Melgaço, instituição que abriga as duas mais antigas e atuantes reservas culturais de Mato Grosso, o Instituto Histórico e Geográfico – instalado em 1919 – e a Academia Mato-Grossense de Letras – criada em 1921. O acervo Ramiro Noronha, raro e precioso, reconstitui, através de fotografias, manuscritos, jornais e material impresso, o conjunto dos trabalhos desenvolvidos na abertura dos Posto Indígenas, carro-chefe das proposituras do SPITN. Mergulhar nesse acervo faz com que o pesquisador
lumeMatoGrosso
Incorporou-se ainda muito jovem aos trabalhos de abertura dos Postos Indígenas a convite de Rondon, os quais se situavam no território dos atuais estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia, cujos espaços geográficos constituíam o grande Mato Grosso Uno. Essa atividade, extremamente trabalhosa e que exigiu muita disciplina e habilidade, visto estabelecer estreita relação com diversas etnias indígenas no intuito de inseri-las à comunidade nacional e garantindo-lhes a posse da terra que habitavam, foi desenvolvida entre 1920 e 1940. Naquela ocasião, Ramiro Noronha conheceu e palmilhou um vasto território, incluindo o reconhecimento dos rios Paraguai, São Lourenço, Paranatinga e Culuene; conheceu e manteve relações com diversos grupos indígenas, moradores ancestrais daquelas terras, os quais aderiram e se incorporaram aos trabalhos da Comissão Rondon, a exemplo dos Postos Indígenas Bacairi e Camaiurá, de Simões Lopes; dos Barbado, Umutima e Caiabi-Apiacá, no Posto Fraternidade Indígena; e do Rio Vermelho, Posto do Córrego Grande, com os Bororo, dentre tantos outros. Em cada Posto Indígena foram desenvolvidos trabalhos de abertura de estradas, construção de pontes e de edifícios para acolher a administração, para
55
lumeMatoGrosso
história
vivencie momentos determinantes da missão rondoniana, seja na formação de novos núcleos de povoamento, ou pela integração das populações indígenas aos trabalhos da Comissão e, consequentemente, à nacionalidade brasileira. O conjunto documental reunido por Ramiro Noronha é composto de 21 Cadernetas de Campo, através das quais se consegue reconstituir o cotidiano dos trabalhos dos Postos; de uma série de correspondências trocadas pelo titular com autoridades ligadas ao SNPITN, entre 1926 e 1955; uma coleção de periódicos nacionais e estrangeiros que registra-
56
ram as ações rondonianas em suas diversas atividades; um álbum fotográfico, composto de 517 imagens, muitas delas inéditas, relativas aos trabalhos do SPI, acompanhadas de explicações manuscritas de autoria de Ramiro Noronha; e ainda 49 imagens avulsas sobre a mesma temática; além de 42 mapas e plantas relativos exclusivamente às projeções e edificações dos Postos Indígenas abertos entre 1920 e 1950. Em 2016, quando ainda se comemora o sesquicentenário de Cândido Mariano da Silva Rondon, nada mais justo do que homenageá-lo através da expressiva figura de Ramiro Noronha.
O Lugar de Onde Falamos e a Música Indígena
lumeMatoGrosso
segurança antropologia
“Melodias são como orações de uma língua” Andrew Finn Magil, músico
A
Por Paulo Roberto Bahiense e Priscila Sampaio
Ecology Brasil constitui uma empresa especializada na elaboração de estudos técnicos relacionados ao licenciamento ambiental, com destaque para os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Projetos Básicos Ambientais (PBA). Nessa empresa, estamos vinculados à equipe técnica do Setor da Socioeconomia, com atuação junto aos chamados povos tradicionais - indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, comunidades das reservas extrativistas, comunidades ribeirinhas, etc. Destacam-se entre as nossas atividades a realização de Estudos de Componente Indígena, assim como a formulação e/ou execução de Programas de atendimento às medidas mitigadoras e compensatórias relacionadas aos impactos socioambientais e culturais. O presente texto tem como foco principal o bre-
ve registro de uma experiência vinculada à realização do Programa de Valorização Cultural que integrou o Programa Básico Ambiental do Estudo de Componente Indígena das Linhas de Transmissão em 600 kV CC – Subestação Coletora Porto Velho / Subestação Araraquara 2 – Lotes D e F (IE Madeira) e C e G (Norte Brasil e Estação Transmissora). O público alvo do referido Programa abrangeu povos indígenas que se encontram localizados em sua grande maioria no estado de Mato Grosso e, em menor proporção, no estado de Rondônia: Aikanã, Kwazá, Latundê, Sabanê, Mamaindê, Negarotê, Alantesu, Waikisu, Wasusu, Katitãulhu, Umutina e Bororo. Face à complexidade cultural da base territorial do mencionado Programa, construímos uma parceria com o Centro Cultural Ikuiapá/Museu do Índio/Funai, na época sob a coordenação
da historiadora Anna Maria Moreira da Costa, e com a Coordenação Regional da Funai/Cuiabá, representada pelo geógrafo José Eduardo Fernandes Moreira da Costa. A partir das conversações interinstitucionais, foi realizado o Seminário de Articulação
57
lumeMatoGrosso
da Equipe Técnica e Planejamento Pedagógico do Programa de Valorização Cultural, nos dias 11 e 12 de abril de 2013, na cidade de Cuiabá, nas dependências do Centro Cultural Ikuiapá. A iniciativa objetivou a criação de um espaço de troca contínua de informações, experiências e aprimoramento dos profissionais envolvidos no Programa, metodologia e desenvolvimento do plano logístico para atuação em campo. O desenho metodológico do Programa de Valorização Cultural pautou-se na elaboração de um conjunto de atividades integradas e interrelacionadas, envolvendo o manejo das linguagens sonoras, visuais e escritas, a fim de potencializar os registros do patrimônio cultural representado pelos repertórios musicais dos grupos envolvidos nesse programa. Cabe observar, que aquilo que aqui se identifi-
58
ca como “repertórios musicais indígenas” encontra-se indivisível a outras dimensões das cosmologias nativas das comunidades participantes do Programa, tais como narrativas míticas, indumentárias (nelas incluídas as suas pinturas corporais), produção artesanal de adornos, armas de caça, a produção agrícola. Buscouse uma forma de “registro multimídia” (CDs, DVDs e Livros) em reconhecimento ao complexo multifacetado de linguagens por meio do qual se faz representar a produção cultural indígena. Despertou a atenção, em particular, alguns comportamentos partilhados recorrentemente pelos diferentes grupos participantes do Programa, tais como: a preocupação em realçar a cultura do grupo por meio do apelo visual das indumentárias, pinturas corporais, ou seja, da exteriorização de imagens que supostamen-
te demarcariam a “tradição” e “autenticidade” étnica do grupo. Cabe observar que, se por parte dos técnicos de audiovisual do Programa essas mesmas preocupações associavam-se mais especificamente a critérios estéticos, por parte dos indígenas, tratava-se de exteriorizar afirmativamente a “cultura tradicional” do grupo. As preocupações relacionavam-se, não somente às formas de apresentação pública dos corpos indígenas, mas também se estendia à exibição de imagens das moradias, prédios escolares, postos de saúde, atualmente com predominância de feições arquitetônicas não indígenas nas aldeias onde ocorreram as gravações dos CDs e DVDs. Em suma, pode-se inferir que os indígenas buscassem por meio desse comportamento o exercício de algum tipo de controle sobre a apresentação pública da cultura nativa, senão despindo-a, depurando a sua representação, na medida do possível, dos empréstimos culturais adquiridos da sociedade envolvente. Torna-se passível de indagação até que ponto o modo como os indígenas participantes do Programa operaram com os seus legados “culturais tradicionais” estaria respondendo também às “concepções equivocadas” e “cobranças” pautadas pelas demandas de uma alteridade “exótica” por parte da sociedade envolvente, con-
forme suas expectativas e concepções no que tange à “autenticidade” das identidades culturais indígenas. Usualmente, a validação e atribuição de maior ou menor grau de “autenticidade” às culturas indígenas pelo senso comum dos não índios se orienta pela identificação da “presença” ou “ausência” de “atributos/estereótipos” tais como: “nudez corporal”, “corpos vestidos e adornados à imagem e semelhança dos ancestrais mais remotos”, “malocas tradicionais”, etc. Na cultura material presente no cotidiano dos povos indígenas da base territorial do Programa evidenciam-se os empréstimos culturais tomados da sociedade envolvente. Seus repertórios musicais apresentados durante as gravações remetem-se à complexidade da cosmologia nativa, que persiste orientando vivência e leitura do mundo onde contemporaneamente os índios vivem. A partir da década de 1960, os territórios de grande parcela do público alvo do Programa sofreram fortes pressões em função da construção da BR-364 e pela instalação das grandes empresas agropecuárias que se fixaram nessa região. Desde então, se assiste à intensificação do contato com a sociedade envolvente, assim como se constata, ainda nos dias atuais, a presença de velhos indígenas que muito precaria-
mente falam ou entendem a língua portuguesa. As questões territoriais destacaram-se como um tema recorrentemente cultura material/ imaterial e os território/territorialidade tradicionais. O Mamaindê, por exemplo, grupo Nambikuara, ao final das gravações de uma “pajelança”, os velhos deram depoimentos sobre a Lagoa dos Brincos, assinalando os profundos vínculos de ligação desta com a cultura do grupo, manifestando forte apelo pela sua reconquista, já que esse espaço sagrado ficou “de fora” das suas terras demarcadas. O retorno do cerrado dos grupos indígenas Nambikuara do Vale do Guaporé para seus territórios de origem se deu sob o impacto das profundas transformações operadas nos mesmos, em função das perdas territoriais sofridas para as novas empresas do agronegócio, e das demarcações realizadas pela Funai na época da ditadura militar que recortaram os antigos territórios sob a forma de ilhas. Deve-se enfatizar que muitos dos espaços de significado simbólico e relevância cultural para os grupos indígenas ficaram sob o domínio dos novos ocupantes forasteiros. Consequentemente, esse processo de expropriação territorial acarretou fortes impactos sobre as culturas nativas. As mudanças ocorridas na chamada “cultura tradicional” dos grupos Nambikuara do Vale do Guaporé
requerem também o exame das perdas territoriais que sofreram, assim como a transformação dos “invasores” dos seus territórios em “novos vizinhos”. Devese acrescentar ainda a intensificação da urbanização regional e o correlato aumento do contato dos indígenas com os núcleos urbanos. Importante pontuar que as gravações realizadas pelo Programa junto aos vários grupos Nambikuara possibilitou a observação que o tema do contato com a sociedade envolvente apresentase de modo recorrente nos seus repertórios musicais. Nas narrativas musicais indígenas a imaginação criadora legada dos ancestrais e as adversidades da história vivida no passado recente e no tempo presentepersistem se entrelaçando de modo singular, pungente e belo. Em uma próxima ocasião teremos imenso prazer em compartilhar com os leitores da bem vinda revista Lume outros relatos sobre a nossa experiência de realização do Programa de Valorização Cultural. Os resultados do trabalho de registro das músicas, imagens e escrituras relacionadas aos grupos da etnia Nambikuara do Cerrado, do Vale do Guaporé e da Serra do Norte, aos Bóe-Bororo, aos Balatiponé-Umutina, aos Kwazá e aos Aikanã poderão se tornarpublicamente conhecidos a partir do lançamento da Coleção Senhores dos cantos ... das terras.
lumeMatoGrosso
segurança antropologia
59
lumeMatoGrosso
agenda
Mostra Panorma de Artes da cena da Cena Data: de 28/06 a 31/08 Local: Teatro da UFMT Horário: 19h30 Entrada Gratuita: Retire o seu ingresso 1 hora antes E-mail para espetáculos agendados, exclusivo para escolas: teatromosaico@ gmail.com
exposição Data: de 16/06 a 4/09 Local: Museu de Arte de Mato Grosso Horário: 9h às 17h, de terça a domingo
Lançamento do documentário “Hirigaray na cidade das artes” Dia: 05 de julho de 2016 Local: Casa do Parque Horário: 19h30
60
BALAIO AMARELO MARILZA RIBEIRO
»» Neste livro, os poemas assumem a forma de totens para propor a volta da perdida sabedoria ancestral em que viver era sinônimo da comunhão natureza-sagrado. Os poemas-totens denunciam o vazio e a solidão do mundo contemporâneo tecnologizado e corporificam o desejo de proteção da poesia − fala encantada − de onde emana o que distingue o humano, de onde emana a conexão com a espiritualidade, de onde emana o inefável sopro que nenhum comércio pode comprar ou vender.
NORTE EVERTON ALMEIDA BARBOSA
»» Poesia é música, imaginação e narrativa. Em Norte, de Everton Almeida Barbosa, a poesia está completa. Musicalidade e narrativa se entrelaçam. O eu lírico é também social, cultural, histórico. Como se o poeta tivesse o dom de reunir a contemplação distanciada, crítica e moderna de um Drummond, com a narrativa empolgante e socialmente participativa de um Castro Alves. E ainda com voz poética própria e experiência única como nos fazem imaginar os verdadeiros poetas. Beradêro, A menina canta, Natal, Norte, Ladainha - entre tantos poemas marcam um novo Norte no horizonte da poesia!
NÃO PRESTA PARA NADA MARTA HELENA COCCO
»» Quem ler este livro, imediatamente, discordará do título a ele atribuído. Ideia sobre ideia, sentimento sob sentimento, explícito atravessado pelo subliminar, dito e oculto numa dança perfeita fazem destes contos um bordado delicado e forte: um encontro de mulheres sábias e surgem as dores e o esquecimento, mas também o amor à família e a sabedoria; as dificuldades da criança em enfrentar o mundo cruel e discriminatório e o desabrochar da amizade; um assalto, um relato e a descoberta dos perigos que as mulheres enfrentam no cotidiano, vivendo ou sobrevivendo; o abandono na velhice, a ganância humana e a catarse pela escrita...
lumeMatoGrosso
dicas de leitura
NO CHÃO DO ARAGUAIA LI MEU MUNDO IRENE SEVERINA RESENDE
»» A obra compõe-se de 77 poemas nos quais predomina o canto ao sertão, à vida simples, à natureza, enfim, o local externo e interno da autora, em uma vastidão de sentimentos e emoções que se presentificam em palavras carregadas de sentidos e significados de quem vive, sente e age poesia, em êxtase constante.
Editora TantaTinta | Carlini & Caniato www.carliniecaniato.com.br • comercial@tantatinta.com.br
PROJETO CABEÇA
A R T E S U S T E N TÁV E L Raízes, afrobrasilidade e tabus em uma arte reciclável e sofisticada. Retratos do cotidiano, dos jogos e do imaginário. Identidade brasileira registrada com a sensibilidade do artista universal. Escultura “Yoga”
Anderson Moura www.facebook.com/projetocabeca 65 99941 9323
61
lumeMatoGrosso
ARTIGO
Jesus Modelo de Obediência
V
Por Padre Felizberto Samoel da Cruz
amos fixar nosso sentido na palavra obediência que é um termo da língua latina “oboedire” que é igual escutar com atenção, de OB, “a”, mais AUDIRE, “escutar” é classificada como uma das virtudes e se define como um comportamento pelo qual um ser aceita as ordens dadas por outro. O termo obediência , tal como a ação de obedecer, conduz da escuta atenta à ação, que pode ser puramente passiva ou exterior ou, pelo contrário, provocar uma profunda atitude interna de resposta. Obedecer a requisitos ou proibições realiza-se por meio de consequentes ações apropriadas ou omissões. Obedecer implica, em diverso grau,
62
a subordinação da vontade a uma autoridade, o acatamento de uma instrução, o cumprimento de um pedido o a abstenção de algo que é proibido. A figura da autoridade que merece obediência pode ser, ante toda uma pessoa ou uma comunidade, mas também uma ideia convincente, uma doutrina ou uma ideologia e, em grau superior, a própria consciência e, para os cristãos, Deus. A obediência religiosa ou obediência de fé, tal como o expressa o Catecismo da Igreja Católica é a livre submissão à palavra escutada, cuja verdade está garantida por Deus, que é a Verdade em si mesma. Desta obediência, a Escritura propõe o modelo de Abraão e de Maria, que realiza na sua carne a vontade de Deus, permitindo que se encarne o Messias (ver: Catecismo da Igreja Católica, 144ss). Nas comunidades religiosas, sejam Ordens ou Congregações masculinas ou femininas, o voto de obediência é um dos três Conselhos evangélicos, junto com o de castidade e o de pobreza. O voto de obediência é a promessa formal de radica-
lizar o batismo, elegendo livremente (de maneira pública ou privada, temporal ou perpetuamente) a vida cristã seguindo o exemplo de Jesus Cristo, que foi obediente ao Pai até à Sua morte, oferecendo a Sua vida pela humanidade. A pessoa precisa se sentir suficientemente adulta, livre e responsável, que se move por um ideal comum, radicado no Evangelho, em resposta a uma vocação (é uma competência que estimula as pessoas para a prática de atividades que estão associadas aos seus desejos de seguir determinado caminho.) especifica. Longe de confundir com submissão ou alienação da responsabilidade, a obediência apela para a atitude espiritual do discernimento, onde a pessoa se põe a escuta de Deus para captar seus desígnios e eleger os procedimentos adequados à realização de sua vontade, na vida pessoa, na sociedade e na missão. De acordo com o documento de Aparecida: “...somos chamados a dar testemunho da absoluta primazia de Deus e de seu Reino. Diante de uma sociedade que relativiza o valor da obediência; a testemunhar com liberdade frente ao mercado e às riquezas que valorizam pelo TER e não pelo SER e perante a humanidade que promovem o erotismo e banalizam e banalizam as relações interpessoais.” Descubra a sua verdadeira identidade e venha ser FELIZ!