Revista Pixé - Edição Nº 24

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REVISTA PIXÉ

27 Marta Cocco Marta nasceu em 18/09/66 em Pinhal Grande-RS, veio para Mato Grosso em 1992 e atualmente reside em Tangará da Serra. É professora de Literaturas da Língua Portuguesa da UNEMAT, Doutora em Letras e Linguística, membro da AML e autora de 11 livros.

Um reduzido grupo de amigos escritores teve a satisfação de ler antecipadamente o seu próximo livro de poesia, Domicílio. Não há qualquer restrição sobre o aspecto estético porque você experimenta vários estilos para compor um quadro mais ou menos íntimo no interior de uma arquitetura. Santiago Vilela Marques também trabalhava nesse sentido, não discriminando estilos. Na sua opinião, estamos num tempo em que superamos as antigas rupturas estéticas nas quais pregava-se a morte do passado? Ou no encaminhamos para novas rupturas? Vivemos num museu de velhas novidades, como diria Cazuza? Ou estamos menos paranoicos pela originalidade estética? Acho que o poema, verbal, no papel, em termos formais, já experimentou tudo. Não há mais o que inventar. No suporte digital é que podem surgir novidades. Eu nunca pretendi inventar nada, em literatura. Escrevo porque preciso. São sentimentos e visões de mundo que a gente elabora de fora pra dentro e de dentro pra fora, vivendo em sociedade. Em Domicílio, numa das seções, quis brincar com as formas tradicionais. Então escrevi uma cantiga, um soneto, 4 haicais, uma balada, um madrigal, um triolé e um vilancete. Contudo, até essas formas fixas sofreram algum abalo. Nunca o passado volta tal como era, pois as condições materiais de existência são outras. Por outro lado, ruptura absoluta não existe. Essa brincadeira, que fiz na primeira seção de Domicílio, talvez seja um jeito de dizer que

eu acredito na ideia de que evoluímos no tempo no modo espiral, ou seja, o tempo é circular, voltamos, mas sempre num patamar diferente. Ou de dizer que o domicílio, o mundo, é o mesmo, os inquilinos é que mudam, e novos inquilinos fazem novas decorações, novos arranjos, novos estragos, novos reparos, novas ruínas, num constante diálogo com o passado, flertando com o futuro. Talvez, também (porque este livro está pronto desde 2017 com algumas alterações de lá para cá), haja certa influência de 4 anos de mergulho na poesia de Lucinda Persona, em que a imagem da casa e o arquétipo do abrigo são muito fortes. Na poesia dela, o poema encarna esse arquétipo. Na época, Lucinda esteve lá em casa e eu mostrei o livro a ela e perguntei. Será que estou te copiando? Ela disse que não, que era outro estilo. Enfim, o domicílio da poesia, no frigir dos ovos, é o poema e, no limite, a palavra. Isso de algumas rupturas estéticas quererem abolir a palavra não me seduz. Se a matéria prima não for a língua, estamos diante de outra coisa, de outra natureza que não a literária. A literatura ainda é linguagem verbal. Talvez, no dia em que as línguas forem dispensáveis na comunicação, aí sim, possamos falar de novidades. Não presta pra nada. Esse é o título do seu primeiro livro de contos, selecionado pelo MEC para ser oferecido no programa nacional PNLD. A literatura, afinal, presta para quê? O que você espera que aconteça com alguém que leia o seu livro de contos? Para o PNLD foi selecionado um infantil, o


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