REVISTA PIXÉ
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Walnice Aparecida Matos Vilalva É doutora em Teoria e História Literária pela UNICAMP (2004), Pós-doutorado pela Universidade de São Paulo - USP. É professora-adjunta da Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT. Atuou como coordenadora do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários-PPGEL, gestão 2009-2013 e assumiu novamente a gestão 2019-2023. É editora do Suplemento Literário Nódoa no Brim e da Revista Alrere e coordenadora do Núcleo Wlademir Dias-Pino.
O romance contemporâneo não tem mais a pretensão de contar toda a história. O autor segmenta um percurso menor, às vezes um flash. Recontar uma história pelo avesso ou, no mínimo, sob um outro ponto de vista é outra característica da contemporaneidade. Mas tanto a abordagem temporal quanto temática não propõe uma renovação estética. O que aconteceu? A nova geração abriu mão das antigas rupturas pelo pragmatismo ou não estamos percebendo uma nova forma de escrever que se contraponha ao passado? Onde estão os marcadores da atualidade? É da condição do romance moderno a prerrogativa de não narrar o todo. É assim desde Dom Quixote. A materialidade poética da narrativa romanesca é a experiência ordenada, configurada por meio de uma perspectiva. Dessa perspectiva se faz uma forma singular e única de expressão no mundo. Fenômeno que já foi compreendido por teorias do passado como visão ou ponto de vista. O que considero um equívoco imenso. O efeito estético em que parece predominar a visão ou o ponto de vista não é nada mais que a perspectivação da experiência, formulando sua individuação, sua singularidade, nas diferentes formas de se estar no mundo e, portanto, as diferentes narrativas. O romance é bem mais que olhar o mundo, é uma forma de se estar nele. Desde o século XIX, o romance, por exemplo com Tolstói, manipula a justaposição de perspectivas diferentes num mesmo romance, criando pela alternância de perspectivas o
efeito estético da existência multifacetada, plurissignificativa. Como exemplo faço lembrar dos primeiros capítulos de Anna Karenina, romance belíssimo, em que o primeiro capítulo narra a crise conjugal de Oblonski, decorrente da traição, assumindo primeiro a perspectiva de Oblonski e na sequência da sua esposa, para somente nos próximos capítulos a narrativa assumir de Anna. Essa ordenação da experiência em justaposição, pela figuração do contraste, da oposição, potencializa na linguagem o conflito (que é de ordem moral, social e histórico). Octavio Paz já dizia que o romance repousa sobre um paradoxo: “quer-se realista por essência, aspirando ao papel de espelho do mundo, restituindonos seu tempo e seu espaço, os seus problemas morais, sociais, políticos. Portanto, baseia-se na crença da realidade do mundo representado”. ( Paz, Octavio. Convergências, 1991.) Contudo, esse mundo é fictício. Em Anna Karenina quer-se a restituição literária de uma experiência vividae por isso sentida. O processo de encarnação de uma linguagem original descobre-se em processos de encarnação da experiência. Cada personagem imprimi um ritmo que carrega uma cadência de emoção, mais que uma percepção da realidade que seja moral, histórica, social: a personagem se faz palavra encarnada, percepto e afeto. E no Brasil? No Brasil, esse acabamento acomoda-se tão forte e poeticamente em escritores como Clarice Lispector, Nélida Piñon, Guimarães