Revista Pixé - Edição Nº 24

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REVISTA PIXÉ

63 Paulo Sesar Pimentel Natural de Mato Grosso do Sul, mas residente em Mato Grosso há mais de 20 anos. Graduado em Letras, Mestre em Estudos de Linguagem e Doutor em Psicologia, é professor do IFMT Campus Cuiabá – Bela Vista. Publicou as coletâneas de contos “O cão sem penas” (2014), “Diário de Uma Quase” (2010), “Café com Formigas” (2005) e “Ângulo Bi” (2002 - com outros autores mato-grossenses).

Silvio Romero acusou Machado de Assis de se abster em apoiar abertamente o sistema republicano. Em termos atuais, Machado seria um “isentão”. Essa questão procede quanto aos escritores contemporâneos? É preciso se posicionar dentro e fora do texto literário? Exigir que a arte, ou o artista, seja de um determinado jeito, aborde um determinado tema, ou seja, conduza sua produção de uma forma pré-estabelecida é sempre um erro. Tomemos o famoso romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, como exemplo: num momento em que o mundo tratava do adultério feminino, com expoentes famosos do porte de Flaubert, Balzac, Eça de Queiroz, dentre outros, Machado escreveu um romance que, por cinquenta anos, foi lido como uma obra de traição. O autor mesmo, morto nove anos após a publicação do livro, não deu “dicas”, não defendeu a obra, não orientou a leitura. O que ele queria dizer estava no romance. Esta é uma escolha linda. Cabe a quem lê a extração de sentidos, de leituras, de possibilidades. E, no caso de Dom Casmurro, elas vieram, primeiro com os estudos de Helen Caldwell, levantando a questão do narrador, e, posteriormente, com leituras (das quais gosto muito) como as de Roberto Schwarz e Helder Macedo. Não sabemos até que ponto havia consciência no autor, Machado de Assis, sobre os pontos que teóricos (as) e leitores (as) levantam na obra, mas há elementos que indicam um alto grau de domínio da escrita, com “pistas” que permitem as interpretações, múltiplas e variadas, possíveis. Sendo assim (e coloco isto no

campo da possibilidade, que é sempre o campo que a literatura habita), talvez, seja apressado chamar Machado de “Isentão”; a questão é que a obra está aberta, concordando com Umberto Eco, e quem rotula um autor ou uma autora pode não ter entendido plenamente os elementos e, por isso, pode (note sempre o meu destaque ao campo da possibilidade) apenas estar a ver com as limitações próprias e de seu tempo. Dito isto, trazendo para a contemporaneidade, e para a cobrança de que haja engajamento, ou de que a obra flutue sobre o tempo, não se envolvendo nas demandas humanas conjunturais, continuo a defender que a obra – e quem a escreve – não precisa de nada, não deve nada a ninguém. A literatura, em minha leitura, funciona como um dos nortes de nossas sociedades, junto às demais manifestações artísticas e intelectuais, em todos os campos. Isto permite que ela nos faça entender realidades, mas também avançar em busca de uma teleológica humanidade ideal, concordando ou não com Hegel. Exigir de quem escreve uma abordagem, um tema, uma linguagem e uma norma, engajamento – ou não, posicionamento – ou não é, tendo os pés fincados na lama de nosso tempo, exigir que ninguém caminhe, corra ou voe. Um problema brasileiro que parece perdurar é o minguado público leitor. A literatura parece que não tem força suficiente de levantar grandes questões na pauta nacional. Mesmo considerando que somos o país mais populoso da América do Sul, a tiragem editorial é desprezível.


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