Revista Pixé - Edição Nº 24

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REVISTA PIXÉ

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Icleia Rodrigues de Lima É graduada em Letras pela UFGO (1968), Mestra em Filosofia da Educação, pela FGV-RJ (1981) e Doutora em Educação, pela USP-FEUSP (1992). Foi professora do Curso de Graduação em Letras da UFMT, nos Programas de Mestrado em Educação da UFMT e da UEL-Londrina-PR, e também no Programa de Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO-IL-UFMT).

Entre a ética e a estética, o que interessa à literatura? Ora, a ética e a estética sempre frequentaram a Literatura. É preciso lembrar essa vocação antiga da ética tratando do bem e da estética tratando do belo. São uma espécie de valores sempre mutáveis, sim, mas que não se pode negar ou apagar. Quem tem olho de ler um mínimo de autores e obras pode perceber o que vem “interessando” à Literatura através do tempo. A História conta! Na literatura clássica há uma observância das regras da poética greco-romana e a imitação de modelos perfeitos da natureza. A originalidade é um defeito e não uma qualidade da obra literária. O lugar-comum é desejável. Para a literatura dita romântica, o belo não está na imitação de modelos e regras, mas sim na expressão da subjetividade -- do eu. O belo passa a ser algo único, original, ímpar. Aí o lugar-comum é abominável: se cada pessoa é um indivíduo – um eu --, então sua expressão tem que ser individual. Esse princípio, que é seguido por românticos inveterados, acaba sendo desacreditado por alguns, que enxergam aí uma contradição, ou seja, a impossibilidade de expressão da subjetividade com uma linguagem, já que a linguagem é essencialmente social, onde há linguagem há o outro, etc. Os realistas por sua vez criticam essa subjetividade e vêem nela um escapismo do social ou de sua realidade. Para realistas, o belo, por mais feio que possa ser, são as mazelas da sociedade postas na obra literária. A historicidade do belo fica ainda mais evidente quando saímos da literatura e topamos com a pintura: enquanto a pintura clássica

persegue a representação fiel do modelo perfeito, numa quase fotografia, o cubismo decompõe o que representa, sem compromisso de fidelidade com a aparência real das coisas... Como o belo – e a estética --, também o bem – e a ética -- não é absoluto. Por exemplo, nem sempre a dominação e a exploração -- dos homens sobre as mulheres, dos europeus sobre os índios, dos brancos sobre os negros, dos heterossexuais sobre os homossexuais, dos cristãos sobre as demais religiosos -- foi considerada um mal. A literatura é abundante de exemplos em que essas formas de dominação e exploração são representadas como algo “natural”. A partir do momento em que a hegemonia do homem branco heterossexual cristão europeu começa a ser questionada, a literatura que a legitima começa a ser também questionada e, daí, solapada. A ética e a estética parecem sempre imiscuir-se uma na outra. Num momento o bem tende a romper-se com o belo, num outro parece tender-se este ou aquele a moralizar-se... O caso recente da proposta de revisão da obra de Monteiro Lobato faz pensar acerca da ética e da estética como “interesses” da literatura. Lobato é agora acusado de ser racista. A ética e a estética se moralizam aqui no recente. É possível entender as raízes do que sentimos/fazemos/ somos hoje em relação a mulheres, negros, índios, matutos, etc. revolvendo as camadas arqueológicas da sociedade que formam nosso imaginário mais fundo. Machismos, racismos e outros preconceitos sistêmicos não se formam da noite para o dia. Nem as idéias de bem e de belo. Nem as imisções


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