REVISTA PIXÉ
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Lucinda Nogueira Persona É escritora, poeta, professora e membro da Academia Mato-grossense de Letras. Nasceu em Arapongas, PR, e vive em Cuiabá, MT. Estreou na poesia em 1995 com o livro Por imenso gosto. Publicou, entre outros: Ser cotidiano (1998), Sopa escaldante (2001), Leito de Acaso (2004), Tempo comum (2009), Entre uma noite e outra (2014) e O passo do instante (2019).
A sua poesia retira do cotidiano a principal matéria-prima. Mas não chega a fazer um contraponto com a vida contemporânea, como o faz Manoel de Barros. A projeção do tempo encontra-se presente nas mais variadas imagens da sua obra. Bandeira, Clarice ou Drummond: qual dos três mais a influenciou? Por outro lado, seria equivocado perceber uma pitada de Breyner Andresen na sua poesia? Seguindo a ordem da proposição, no tocante às duas frases iniciais, posso realmente confirmar que a matéria prima, ou seja, a substância bruta principal e essencial de minha fábrica poética está contida no cotidiano, no limbo de todos os dias sagrados que vivemos. Abro os olhos e vejo, com um olhar que se crava em cada detalhe com a firmeza afiada de uma agulha. Se sair ensanguentada, é sinal de que na ferida ou na perfuração encontrei o que desejava, assim me parece. É algo como unir meu silêncio cheio de palavras à orquestração quieta ou ruidosa do entorno. Sou um ser, desde sempre e perpetuamente desejante de poesia, um coração aberto a mil e um chamados, aos quais atendo elaborando a partir de um determinado espaço/instante da realidade. Não tenho ainda claros os traços mensuradores de minha poética. Entretanto, a aproximação é sempre de um euurbano, com pendor ao cenário atual, retratando o que me atinge o espírito. No quesito tempo, reitero que dele faço extenso uso, tanto consciente quanto inconscientemente, para me dizer/confessar. Marta Cocco, em sua pesquisa para o doutorado em Letras e Linguística,
investigando minha poética, já estabelecera Cronos como um dos mitos condutores. O certo é que estamos inseridos no tempo e ele em nós. Para cada ser no reino animal e vegetal, para cada partícula ou sistema no reino mineral, opera-se o ritmo do tempo, depressa ou devagar. Também imprescindível referir a resenha de sua autoria: “A coleção de instantes de Lucinda Persona”, quando me nomeia de certo modo como colecionadora de instantes. Sim, eu caço, pesco e coleciono instantes, promovendo a construção/ reconstrução de pequenos mundos. Prosseguindo, em relação às “influências” (que no fundo não sabemos quais são), mas oferecendo um mapa bem fiel do caminho, vale frisar que antes de publicar meu primeiro livro eu havia lido pouco Manuel Bandeira, o que não significa que eu não tenha internalizado alguma partícula das figurações desse modernista de ímpar amplitude poética. Já com Carlos Drummond de Andrade, a leitura foi mais assídua (estou me reportando às décadas de 70/80) e exultei por ter um “Drummond no meio do caminho”. Por um lado, pelo trato apaixonado dado à palavra e, por outro lado, por ser mineiro. Meus pais, avós, bisavós, são todos mineiros. Sempre me senti atraída por essa terra. “Ninguém sabe Minas. (...) / Só mineiros sabem. / E não dizem nem a si mesmos o / irrevelável segredo / chamado Minas” (do poema A palavra Minas, de Drummond). Tive um tio mineiríssimo que foi o primeiro a me noticiar a morte do poeta, sabedor de minha admiração e também um admirador.