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A morta

A Morta Luciana Fátima

Odia foi duro. A pilha de papel esparramava-se pela mesa. O implacável auditor buscava, incansavelmente, falhas no processo. As reuniões intercalavamse, sendo o tempo insuficiente para estar em tantos lugares ao mesmo tempo. O chefe, como sempre, achava o trabalho executado uma porcaria: o prazo nunca estava bom, a qualidade precisava alcançar patamares inimagináveis e a produção jamais chegaria à quantidade estabelecida. Números, relatórios, gráficos, tabelas, slides, flipcharts, cronogramas, organogramas, células, cabeçalhos, rodapés... Ao final do expediente — terminado muito além do horário comercial —, finalmente eu conseguira ir para casa. Em frente ao prédio, vejo algo impactante: um rabecão parado na rua. A bandeja vazia aguarda, a céu aberto, para receber o conteúdo. Chegando ao hall do elevador, deparo-me com o cadáver sendo carregado por alguns homens. Fito aquele rosto envolto em uma impressionante placidez. De repente, ao vislumbrar toda essa cena, dou-me conta: ela está liberta. Eu sou a morta!

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Luciana Fátima: paulistana, graduada em Produção Editorial, pós-graduada em Língua Portuguesa & Literatura e mestranda em Comunicação. É fotógrafa e escritora. Já publicou contos em várias antologias e em sites literários. É autora de “Álvares de Azevedo: o poeta que não conheceu o amor foi noivo da morte”. Contato com a autora: lucianafatima@uol.com.br.

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