DITINHO JOANA
MESTRE ESCULTOR
A obra de Ditinho Joana é um documento vivo e pulsante, de alto teor emocional, da cultura, da tradição, dos costumes e da história do homem do campo do interior paulista. Em suas esculturas está retratado o dia a dia repleto de significados do ser humano em contato com seu cotidiano, de onde emerge a visão de mundo, as crenças, a expressão da linguagem e a força criativa do caipira.
Porém, mais do que documentar um modo de vida que vai se perdendo com a homogeneização da sociedade brasileira, tomada pelos valores globalizados, a arte de Ditinho Joana transcende o simples registro, carregando de emoção e da reinterpretação das almas vivas que passaram pelo seu olhar, ou com as quais ele conviveu durante sua existência.
Arte reconhecida nacional e internacionalmente, obra que segue a tradição dos grandes entalhadores brasileiros, de energia expressiva e de traços sofisticados, as esculturas vão de personagens isolados a complexos ambientes sociais, indivíduos em mercearias de beira estrada, aboletados em caminhões atolados ou em consultórios médicos.
Cada detalhe pede o olhar atento do observador, e aí o universo de Ditinho Joana se revela por inteiro. Seja na mão do homem abaixo da cintura e o olhar da mulher que aceita a pequena ousadia na dança, nos olhos tortos do rapaz que exagerou na bebida ou na musculatura seca do velho a carregar um pesado mourão de cerca.
A botinha de madeira, síntese desse incansável trabalhador da madeira, traduz em cada sulco cavado o esforço incansável do brasileiro que, através de simples objetos, cria a cultura material que faz o Brasil ser Brasil.
Diálogos escultórios Não são poucos os artistas que teorizam sobre a própria obra. Mas nem tantos dialogam, em performances complexas, com sua criação. As escultoras de Ditinho Joana funcionam como cenários para que o autor nos encante com suas peculiares interpretações sobre as cenas e os personagens por ele materializados. As obras são explicadas com poemas, cantos e danças, num diálogo performático entre criador e criatura.
Nesses momentos, aliamos elementos inesperados ao olhar de mera contemplação que em geral se dirige a uma obra. A originalidade e a poesia que brotam da interpretação de Ditinho Joana detonam no espectador uma compreensão profunda, não apenas baseada no olhar sobre a arte, mas pela empatia criada. No momento único em que essa mágica ocorre, vivenciamos o que Walter Benjamim chamou da aura da obra de arte, recuperando uma experiência sensorial completa, que nos mobiliza intelectual e emocionalmente.
Ditinho Joana, natural de São Bento do Sapucaí
Ditinho Joana, ou Benedito da Silva Santos, nasceu em 12 de março de 1945 e ainda menino foi colaborar com seu pai na roça. A enxada era a única ocupação possível naquela época e naquele lugar, e as dificuldades da vida rústica e sofrida exigiam a ajuda de cada braço, por menor que fosse. E foi ao longo dessa lida que boa parte das imagens da vida material do homem no campo foi se fixando na memória de Ditinho Joana. A agudez da observação da criança somada à sua imaginação criaram os tipos humanos que, anos mais tarde, saltariam de dentro da madeira bruta para as esculturas do artesão. Mas isso demorou... Até encontrar sua vocação, foram muitos anos infelizes empunhando cabo de enxada. Infelizes porque, segundo Ditinho, “eu era um péssimo lavrador comparado aos meus camaradas. Deixava muito a desejar”. Ditinho pedia a Deus por um caminho melhor. E parece que foi atendido, porque num certo dia encontrou o que seria seu primeiro objeto escultório – uma raiz. A partir daí percebeu que poderia transformar pedaços de madeira em imagens, utilizando apenas canivete, machadinha e formão, improvisados por ele mesmo.
Esculpindo desde 1974, já acumulou um currículo extenso que ainda não foi registrado em detalhes. Supõe já ter confeccionado mais de 500 obras, muitas vendidas para estrangeiros que as levaram para fora do país. Participou de exposições, foi personagem de artigos jornalísticos e literários diversos e seu trabalho está registrado na internet em várias entrevistas que concedeu, sendo a mais assistida a sua participação no extinto Programa do Jô, que ocupou um programa inteiro. Ditinho Joana reside no Bairro do Quilombo, em São Bento do Sapucaí onde, além de manter seu ateliê, é um respeitado líder comunitário. Ali comanda diversas atividades ligadas à preservação da memória de sua comunidade, como os “cantos de mutirão”, a “encomenda das almas”, rezas e benzeduras.
Objetivo
Nosso projeto é trazer, para dentro do espaço expositivo, não só uma exposição com 30 das mais representativas esculturas de Ditinho Joana, mas também o universo caipira de onde sua arte emerge, e que lhe dá força e significado. Pretendemos circundar as obras de elementos iconográficos e multimídias que possam remeter ao mundo real que ainda pulsa no centro da Serra da Mantiqueira, e que dará força e representatividade real às obras. Monitores de TV ao lado das peças apresentarão Ditinho Joana explicando e dando vida aos personagens das esculturas, enquanto fotos dialogarão com sua representação escultória. A cenografia, elemento central da exposição, irá convidar o visitante a penetrar e sentir por alguns momentos o universo caipira. A trilha sonora reforçará a identidade de toda a exposição e será um elemento lúdico adicional para que o visitante seja atingido em todos os seus sentidos.
Mas as intervenções não param por aí. Lançaremos mão de outros recursos para transformar a Exposição Ditinho Joana em uma experiência única. Workshop Ditinho Joana – o artista irá demonstrar como é o seu modo de trabalho, discorrendo sobre a técnica que utiliza e esculpindo ao vivo para que os presentes possam entender como nasce sua arte.
Mesa redonda A Arte Caipira – Ditinho Joana receberá dois convidados especiais que, com o apoio de um mediador, revelarão “em prosa e verso” a beleza e a complexidade do universo interiorano da Mantiqueira. Serão eles:
Dona Rosa de Gonçalves Pintora, compositora e cantora. “Arteira desde criança, ela pintava com carvão as cercas de tábuas, o paiol e até as paredes branquinhas da casa rebocadas com argila, para desgosto da irmã mais velha que no dia seguinte tinha que limpar as traquinagens da pequena. Já casada e residindo em Paraisópolis, ela descobriu uma nova técnica: a argila e suas infinitas possibilidades de cores e tons – antes usava tintas. Muitas lembranças. “O primeiro pincel foi feito com meu próprio cabelo. Queria fazer mais usando os cabelos das crianças, mas elas não deixavam”. Viúva, mãe de dez filhos de sangue e uma do coração, ela reside há seis anos no alto da serra com duas filhas. E leva a vida a sorrir, a pintar, a cantar, a zelar dos bichos, das plantas e das gentes de sua convivência e das gentes estranhas que por lá aportam ávidas para compartilhar com ela momentos mágicos” (Ana Maria Beraldo).
Seu Manuel Tropeiro Senhor das lendas, amansador de burros e tropeiro, viajou a maior parte de sua vida transportando madeira e outros materiais, e mesmo sem saber escrever compôs poemas e trovas. Manuel parece um homem do século passado perdido nos dias de hoje, mas que pode nos levar a uma intensa imersão nos valores e histórias que estão perdidas na memória e nos registros antigos das montanhas.
Justificativa Apresentar ao grande público urbano a obra de Ditinho Joana é fundamental e inadiável. A cada dia estamos mais distantes desse Brasil autêntico, que moldou os nossos usos e costumes e que vai desaparecendo em ritmo veloz. Infelizmente, os poucos registros e a passagem das pessoas que viveram esse “universo de significados” transforma Ditinho Joana e sua obra em um dos mais importantes documentos da nossa cultura. A preservação da cultura e da memória, acreditamos, já justificaria a exposição. Porém, mais do que isso, a obra de Ditinho Joana tem a capacidade de sensibilizar e tocar profundamente a emoção de quem se posta diante dela, despertando em cada um o sentido artístico e humano tão importantes e esquecidos em nossa época.
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