Desejo Selvagem The Devlls Own
Sandra Brown
Kerry Bishop era treinada para enfrentar perigos, por isso estava mais do que preparada para assumir o resgate de nove órfãos em um país devastado pelo terror. Mas ela não esperava perder seu coração para o homem de quem dependia para que a missão fosse cumprida: Linc. Kerry o ludibriara para conseguir sua ajuda, mas se sobrevivessem, ele seria capaz de compreender por que ela havia mentido? Digitalização: Rita Revisão: Andréa Madeira
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown "Sandra Brown tece de modo criativo uma variedade de fantasias ao escrever um romance com base na realidade." — Romantic Times Book Reviews
www.harlequinbooks.com.br 9788539801787 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.VyS.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, õ armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE DEVILS OWN Copyright © 1987 by Sandra Brown Originalmente publicado em 1987 por Silhouette Intimate Moments Arte-final de capa: Isabelle Paiva Editoração Eletrônica: ABREUS SYSTEM Tel.: (55 XX21) 2220-3654/2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX11) 2195-3186/2195-3185/2195-3182 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4o andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
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Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown
Capítulo Um Ele estava embriagado, e, consequentemente, aquilo era tudo de que ela precisava. Ela o estudou através da névoa enfumaçada da cantina, onde ele estava sentado num banco alto do bar, tomando seu drinque. O copo estava lascado, o conte údo cor de âmbar, turvo. Ele não parecia notar, enquanto frequentemente levava o copo aos lábios. Estava sentado com os joelhos separados, a cabeça baixa entre ombros encurvados, os cotovelos apoiados sobre a superfície engordurada do bar. A taverna estava lotada de soldados, e das mulheres que os entretinham em quartos no andar de cima. Ventiladores barulhentos giravam devagar sobre suas cabeças, mal conseguindo mover a nuvem de fumaça dos cigarros. A essência de perfume barato era misturada com o odor de corpos sujos dos homens que tinham passado dias na selva. Risadas soavam por toda parte, mas o humor não era particularmente jovial. Os olhos dos soldados não sorriam. Havia uma aura de desespero na alegria deles. Divertiam-se como faziam qualquer outra coisa: de maneira violenta. Eles eram jovens em sua maioria — homens amargos que viviam no fio de uma navalha entre vida e morte todos os dias. A maioria usava o uniforme do exército do regime militar atual. Mas tanto os homens da região quanto os mercenários internacionais tinham a mesma expressão endurecida nos olhos. Eram cheios de desconfiança. Cautela sombreava cada sorriso. O homem na mira de Kerry Bishop não era exceção. Ele não era latino — era americano, pela aparência. Músculos fortes e bem definidos destacavam-se sob as mangas da camisa, as quais tinham sido enroladas de maneira tão apertada que lhe circulavam os braços como uma corda. Os cabelos escuros eram longos, e caíam desordenados sobre o colarinho. A parte do queixo dele que Kerry podia ver estava coberta com uma barba crescida de vários dias. Aquilo tanto podia ser um benefício ou uma desvantagem para seu plano. Um benefício porque a barba parcial ajudaria a disfarçar o rosto dele, e uma desvantagem porque poucos oficiais no exército regular passariam tanto tempo sem se barbear. El Presidente era rigoroso em relação à boa aparência de seus oficiais. Bem, ela apenas teria de mudar aquilo. Do grupo, esse homem ainda era a melhor escolha. Ele não apenas parecia o mais embriagado, mas também o com menos reputação... Magro e faminto, e totalmente sem princípios. Uma vez que estivesse sóbrio, seria muito fácil comprá-lo. Ela estava se precipitando. Precisava tirá-lo de lá primeiro. O que aconteceria se o motorista daquela caminhonete militar, o homem descuidado que negligentemente tinha deixado a chave na ignição, retornasse para descobrir que a chave sumira? A 3
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown qualquer momento, ele podia aparecer, procurando por ela. As chaves agora chacoalhavam no bolso da saia de Kerry cada vez que ela movia as pernas em seu caminho para o outro lado do salão, em direção ao homem bebendo sozinho no bar. Ela esquivou-se de casais dançando ao som da música barulhenta, ignorou algumas cantadas desajeitadas e desviou os olhos de casais que estavam muito envolvidos em sua paixão para se incomodarem em procurar privacidade. Depois de passar quase um ano em Monterico, nada deveria surpreendê-la. A nação estava passando por uma guerra civil sangrenta, e guerra, com frequência, reduzia seres humanos a animais. Mas o que Kerry viu alguns casais fazendo ali, abertamente, levou um rubor quente às suas faces. Erguendo o queixo e concentrando-se apenas no seu propósito de estar lá, ela aproximou-se do homem no bar. Quanto mais perto chegava, mais certa se tornava de que ele era exatamente o que ela precisava. Ele era até mesmo mais assustador de perto do que de longe. Não estava realmente bebendo, mas jogando o líquido pela garganta de maneira zangada. Não saboreava. Não estava bebendo por prazer. Não estava lá para se divertir, mas para descarregar sua raiva por alguma coisa. Talvez para esquecer um grande problema? Alguém teria deixado de lhe pagar uma aposta? Alguém o enganara, não lhe pagando uma dívida? Kerry esperava que sim. Se ele estivesse com problema de dinheiro, seria muito mais receptivo ao acordo que ela tinha a lhe oferecer. Um revólver havia sido enfiado dentro do cós da calça surrada dele. Havia um facão longo numa bainha contra sua coxa. Aos seus pés, em volta do banco do bar, estavam três sacolas de lona. Pareciam tão cheias com armas e munições que as costuras estavam esticadas. Kerry tremeu ao pensar na destruição que aquele estoque particular de armas seria capaz de causar. Provavelmente essa era uma das razões pelas quais ele bebia sozinho e não era molestado. Num lugar como aquele, brigas frequentemente aconteciam entre os homens de sangue quente. Mas ninguém procurava conversas ou problemas com o homem sentado no último banco que enfileirava o bar. Infelizmente, para Kerry, aquele também era o assento mais longe da única saída do prédio. Não haveria como escapar pela porta dos fundos. Ela teria de transportá-lo do canto dos fundos para a porta. Para conseguir que ele a acompanhasse, teria de ser muito convincente. Com isso em mente, ela respirou fundo, fechou a distância que restava entre os dois, e se sentou ao bar, no banco ao lado do dele, o qual, por sorte, estava vazio. O perfil do homem era frio e inflexível, como uma cadeia de montanhas. Não havia uma linha suave e compassiva em evidência. Ela tentou não pensar nisso quando lhe falou: — Um drinque, senõr? — O coração de Kerry estava batendo descompassado. Sua boca estava seca como algodão. Mas ela esboçou um sorriso sedutor, e, experimentalmente, colocou sua mão direita sobre a mão esquerda dele. Estava começando a pensar que ele não a ouvira, pois continuava sentado lá, olhando para seu copo vazio. Mas, no momento em que Kerry ia repetir a sugestão, ele 4
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown virou a cabeça de leve e olhou para a própria mão, coberta pela dela. A dele, Kerry notou, era muito maior que a sua. Bem mais larga e mais longa. No pulso, havia um grande relógio preto redondo, com muitos botões e dispositivos eletrônicos. Ele não usava aliança. Ele olhou para as mãos unidas de ambos pelo que pareceu uma eternidade para Kerry, antes que os olhos percorressem o braço dela, lentamente, subindo para o ombro, então até seu rosto. Um cigarro estava entre os lábios que formavam uma expressão mal-humorada. Ele a encarou através da fumaça em espiral. Kerry tinha praticado seu sorriso no espelho para se certificar de que estava fazendo uma boa imitação das mulheres que incitavam nas cantinas. Olhos a meio mastro. Lábios úmidos e levemente entreabertos. Ela sabia que precisava conseguir aquele sorriso sedutor. Tudo dependia de seu poder de ser convincente. Mas Kerry nunca conseguiu executar aquele sorriso sedutor ensaiado. O tal sorriso, como tudo mais em seu cérebro, evaporou no instante em que ela olhou para o rosto dele pela primeira vez. Sim, seus lábios estavam entreabertos, mas por vontade própria, sem direcionamento de sua parte. Ela arfou baixinho. Piscou os cílios, mas foi um gesto involuntário. O rosto dele era uma completa surpresa. Kerry tinha esperado feiura. O homem era muito bonito. Ela esperara horríveis cicatrizes de inúmeros combates militares. Ele possuía uma única cicatriz, uma pequena acima da sobrancelha esquerda. E era mais charmosa do que desagradável aos olhos. O rosto não tinha a marca de brutalidade que ela antecipara, apenas preocupação. E os lábios não eram finos e rígidos, mas carnudos e sensuais. Os olhos não eram vazios, como eram os da maioria dos homens contratados para matar. Aqueles olhos, mesmo que estivessem nublados pelo álcool, queimavam com um fogo interno que Kerry achou até mesmo mais desconcertante que o brilho frio da indiferença. Não havia cheiro de suor. A pele bronzeada reluzia com uma fina camada de transpiração, mas exalava o cheiro de sabonete. Ele tinha tomado banho recentemente. Reprimindo seu choque e trepidação — porque, por algum estranho motivo, a falta de aparência padrão do homem a assustava mais do que a tranquilizava — Kerry encarou-o nos olhos desconfiados com firmeza. Forçou-se a esboçar aquele sorriso sedutor que passara horas aperfeiçoando, e repetiu seu pedido enquanto lhe pressionava a mão. — Vá embora. As palavras abruptas dele pegaram-na tão de surpresa que Kerry chegou a se encolher, quase caindo da almofada de vinil escorregadia do banco de bar. Ele virou a cabeça para a frente de novo e tirou a mão de baixo da dela para remover o cigarro da boca. Esmagou-o no cinzeiro lotado. Kerry estava estupefata. Era tão sem atrativos assim? Mercenários não eram famosos por terem o apetite dos animais? E tal voracidade não era particularmente verdade no que dizia respeito aos seus apetites sexuais? Pais escondiam suas filhas deles, temendo o impensável. Homens protegiam suas esposas a todo custo. 5
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Agora, quando Kerry se oferecia para um mercenário, ele lhe dissera "Vá embora", e virara a cabeça num gesto de dispensa. Sua aparência devia estar pior do que pensava. Seu ano na selva aparentemente tivera seu preço de maneira que Kerry não tinha ciência. Verdade, seus cabelos haviam esquecido o luxo de tratamentos com óleo quente. Maquiagem e cremes hidratantes existiam para ela em outra vida. Mas qu ão atraente uma mulher precisava ser para tentar um homem com impulso sexual animalesco? Kerry pesou suas opções. Seu plano era audacioso, na melhor das hipóteses. O sucesso era improvável. Seria arriscado nas melhores circunstâncias. Daria certo somente se seu "recruta" cooperasse. Ela olhou por sobre o ombro, imaginando se deveria abandonar este homem a favor de outro candidato. Não. Seu tempo era limitado, e estava passando rapidamente. A pessoa que tivesse deixado aquela caminhonete estacionada do lado de fora poderia retornar a qualquer momento. E podia exigir uma busca meticulosa de todos na cantina, até que as chaves desaparecidas fossem encontradas. Ou talvez ele tivesse um jogo extra de chaves. Em qualquer dos eventos, ela queria estar bem longe antes que ele retornasse. A caminhonete era tão importante quanto o homem. Kerry tinha de roubá-la, e agora era o momento certo. Além disso, pensou, este candidato era sua primeira e melhor escolha. Ele se encaixava em todos os padrões que ela traçara em sua mente. Estava bêbado, era inescrupuloso, e obviamente estava sem sorte. — Por favor, senõr, um drinque. — Deixando toda a cautela de lado, Kerry pôs uma mão na coxa dele, perto da faca letal. Ele murmurou alguma coisa. "Qué?" Ela usou uma questão sussurrada como oportunidade para se aproximar mais. — Sem tempo. — Por favor. Ele a olhou novamente. Kerry se mexeu de um jeito que fez o lenço que usava escorregar de sua cabeça e ao redor de seus ombros. Havia previamente decidido tirar o lenço somente como último recurso. Quando pedira que Joe lhe arranjasse um vestido como os que as mulheres nas tavernas usavam, não contara com ele sendo tão bem-informado sobre esse tipo de coisa. Joe tinha roubado de um varal o vestido que ela estava usando agora. Estava desbotado. O tecido era fino por anos de uso, e de ser lavado em pedra. A estampa vermelha floral era de muito mau gosto. A dona do vestido com certeza usava um número maior do que o de Kerry. As alças desengonçadas não paravam sobre os ombros, e o corpete era aberto onde deveria ter sido preenchido. Ela queria puxar o vestido contra o peito e cobrir-se, mas se forçou a permanecer imóvel. Rígida de vergonha permitiu que o olhar dele viajasse desde seus ombros expostos até seus pés em sandálias. Ele a estudou lentamente. Enquanto Kerry queimava de humilhação, aqueles olhos intensos percorreram seus seios parcialmente expostos, então desceram para seu colo, onde ele estudou por um longo tempo, antes de baixar o olhar para suas pernas desnudas e para os dedos de seus pés. — Um drinque — disse ele com voz rouca. 6
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry foi tomada por uma onda de alívio. Ela deu um sorriso de flerte, antes que ele chamasse o barman ranzinza para lhes servir dois drinques. Eles se entreolharam enquanto o barman servia dois copos de uma bebida potente da região. O mercenário de Kerry, sem tirar os olhos de seu rosto, enfiou uma mão no bolso e colocou duas notas sobre o bar. Dinheiro na mão, o barman se retirou, deixando-os sozinhos. O mercenário pegou seu copo, inclinou-o na direção de Kerry numa saudação zombeteira, e bebeu tudo num único gole. Ela pegou seu próprio copo. Se o copo tivesse sido lavado desde que fora usado pela última vez, Kerry teria se considerado sortuda. Tentando não pensar sobre isso, levou-o aos lábios e deu um gole. O líquido tinha gosto de desinfetante industrial forte. Foi necessária uma tremenda força de vontade para não borrifar no rosto bonito de seu mercenário. Ela engoliu a bebida horrível. Sua garganta se rebelou instantaneamente. Se tivesse gargarejado percevejos, não poderia ter doído mais. Lágrimas inundaram seus olhos. Os olhos dele se estreitaram com desconfiança, enfatizando as linhas que se irradiavam dos cantos externos. — Você não é uma consumidora de álcool. Por que veio aqui? Kerry fingiu não entender o inglês dele. Sorrindo, cobriu-lhe a mão com a sua novamente, e inclinou a cabeça de modo que seus cabelos escuros caíssem sobre o ombro desnudo, cuja alça tinha escorregado. — Eu amo você. Ele emitiu um gemido de maneira indiferente. Então, fechou os olhos. Em pânico, Kerry pensou que ele estivesse prestes a desmaiar. — Vamos? — disse ela rapidamente. — Ir? Com você? Oh, não. Eu lhe disse que não tenho tempo, mesmo se quisesse. Ela umedeceu os lábios freneticamente. O que ia fazer? — Por favor — disse em espanhol. Ele focou seus olhos turvos no rosto dela, particularmente na boca, quando Kerry usou a língua para umedecer os lábios. O olhar baixou e permaneceu fixo nos seus seios. Estava tão agitada e com medo de que sua missão desse errado, que seus seios subiam e desciam rapidamente sob o vestido de mau gosto. Kerry não sabia se estava satisfeita ou assustada quando viu os olhos dele brilharem com paixão. Ele esfregou uma mão sobre a própria coxa, e ela soube que ele estava pensando em tocá-la. Todos aqueles movimentos inconscientes do mercenário eram indicadores de excitação crescente. Era isso o que ela quisera, mas sentia-se apavorada também. Estava brincando com fogo. Se não fosse cuidadosa, o fogo poderia sair de controle. Antes que Kerry tivesse concluído o pensamento, ele estendeu uma mão e agarrou-a pelo pescoço. Ela não estava preparada para o movimento súbito, e não teve tempo de reagir antes que ele a puxasse para fora do banco e contra o próprio corpo. Os joelhos dele estavam separados. Ela bateu contra ele solidamente. Seus seios chegavam apenas no meio do peito largo, o qual era tão firme quanto parecera. Alguma coisa dura foi pressionada contra seu estômago. Kerry esperou fervorosamente que 7
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown fosse a ponta do revólver enfiado dentro do cós da cintura. Antes que pudesse se recompor, ou mesmo arfar em perplexidade, ele cobriu-lhe a boca com um beijo ardente e sedento. Restolhos roçavam a pele delicada ao redor de seus lábios, mas a sensação não era inteiramente desagradável. Cada instinto seu lhe dizia para resistir. Mas, então, o bom-senso falou mais alto. Ela estava fingindo ser uma prostituta arranjando clientes. Não faria sentido impedir os avanços de uma fonte de renda em potencial. Então Kerry permitiu-se ser flexível. O choque de ter aquela língua passando através de seus lábios quase a enlouqueceu. Uma língua que penetrou sua boca rapidamente, como se procurando por alguma coisa. Seu assalto era incrivelmente erótico. A reação de Kerry foi agarrar a camisa dele com ambas as mãos. Braços fortes envolveram sua cintura. Ele continuou a beijá-la, puxando-a cada vez para mais perto, até que suas costas estivessem dolorosamente arqueadas, e ela mal conseguisse respirar. Finalmente, ele levantou a boca da sua e pressionou-a, aberta, contra seu pescoço. Kerry inclinou a cabeça para trás e virou os olhos em direção ao teto. O ventilador de teto circulando preguiçosamente a deixou mais tonta do que ela já estava. Sentia como se estivesse girando em círculos lentos que iam reduzindo de tamanho, e que quando alcançasse o centro daquele turbilhão, ela iria explodir. Todavia, era impotente para sair dali. O mercenário deslizou as mãos para baixo de sua cintura. Uma das mãos encontrou seu traseiro. A outra subiu para acariciar a lateral do seu seio. Kerry suportou a carícia, mas sua respiração estava acelerada e rasa. Ele murmurou alguma coisa tão abertamente sexual que ela desejou que não tivesse ouvido ou entendido. Roçando-a no pescoço, no ponto sensível bem abaixo de sua orelha, ele murmurou: — Certo, senorita, você tem um cliente. Para onde? O andar de cima? Vamos. Ele se levantou e balançou sobre os pés. O equilíbrio de Kerry, sendo o que era no momento, forçou-os a se agarrarem um no outro até que ela recuperasse o equilíbrio. — Mi casa. — Sua casa? — perguntou ele. — Si, si — disse ela, assentindo com a cabeça entusiasmadamente. Não lhe dando a oportunidade de discutir, Kerry abaixou-se e pegou uma das sacolas de lona aos pés dele. Estava tão pesada que quase quebrou seu antebraço. Ela mal conseguia levantar a sacola, mas deu um jeito de pôr a alça de couro sobre o ombro. — Deixe isso aí, e eu irei... — Não! — Ela abaixou-se para pegar outra das três sacolas. Em espanhol ligeiro, começou a avisá-lo sobre ladrões e o perigo de armas indo parar nas mãos de inimigos. — Pare com essa tagarelice. Eu não consigo entender... Oh, droga. Mudei de ideia. Não há tempo. — Não. Voltamos logo. Quando se abaixou para ajudá-lo a pegar a última das sacolas pesadas, Kerry viu os olhos dele fixos na abertura frontal de seu vestido. Apesar de enrubescer violentamente, ela sorriu-lhe de maneira sedutora e enganchou seu braço livre no dele, 8
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown pressionando um dos seios contra o braço forte do jeito que tinha visto prostitutas fazendo com seus clientes. Sem palavras, ele posicionou-se ao seu lado. Eles andaram através do bar para a saída, o qual, de alguma forma, havia se tornado ainda mais lotado desde que ela chegara. O mercenário embriagado tropeçava ao lado de Kerry. Ela quase caiu sob o peso dele, combinado com a sacola pesada que estava carregando sobre o ombro. As outras duas estavam nos ombros do homem, mas ele parecia nem senti-las. Quando estavam quase à porta, um soldado que parecia ter sido desmamado em nitroglicerina tropeçou sobre ela e agarrou-lhe o braço, fazendo-lhe uma proposta obscena em espanhol. Kerry meneou a cabeça veementemente e abriu uma mão sobre o peito do mercenário. O soldado pareceu pronto para discutir, mas então capturou o olhar feroz e possessivo do mercenário e sabiamente mudou de ideia. Kerry parabenizou-se por ter feito uma escolha tão boa. Seu mercenário inspirava medo até nos mais temíveis. Ninguém mais os abordou ao longo do caminho para fora da cantina. Os pulmões de Kerry estavam famintos por ar, e ela inalou avidamente. O ar tropical era pesado e úmido, mas era refrescante e revigorante comparado ao ar de dentro da cantina. Kerry estava grata por aquele ar... Que clareava sua cabeça. Desejou que pudesse descansar, desejou que pudesse dizer: "Graças a Deus, acabou". Mas ainda teria de enfrentar uma terrível tarefa. A captura tinha sido fácil comparada com o que viria a seguir. Ela praticamente arrastou seu mercenário, que tropeçava, em direção à caminhonete militar, a qual, Kerry ficou grata em ver, ainda estava estacionada sobre as sombras impenetráveis de uma amendoeira. Ela apoiou o soldado profissional contra a lateral da caminhonete japonesa, enquanto abria a porta. O veículo, tendo certa vez pertencido a um vendedor de frutas, agora tinha o insígnia do governo gravado sobre o logotipo do fazendeiro. Ela empurrou o mercenário incoerente para o assento de passageiro e fechou a porta antes que ele pudesse cair. Então, furtivamente, olhou para trás, ergueu as sacolas de armas e munições e jogou-as na caçamba da caminhonete. Naquele momento, esperou ouvir o barulho de uma arma de fogo sendo disparada, e sentir balas penetrando seu corpo. Em Monterico, eles atiravam primeiro, e faziam perguntas depois. Cobriu as sacolas com uma lona impermeável e subiu atrás do volante. Ou o mercenário não tinha notado que a caminhonete pertencia ao exército regular, ou não se importava. Assim que Kerry fechou a porta do motorista, ele avançou. Beijou-a novamente. O desejo dele não havia diminuído, e sim aumentado. O ar mais frio do lado de fora, o qual clareara a cabeça de Kerry, parecia ter feito o mesmo por ele. Aquele não era o beijo de um bêbado. Aquele era um beijo de um homem que sabia exatamente o que estava fazendo, e sabia fazer isso muito bem. A língua pressionou insistentemente contra os lábios dela, até conseguir abri-los, então conectou com a sua. As mãos grandes estavam ocupadas com carícias que a 9
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown faziam arfar com choque e ultraje. — Por favor — sussurrou ela em tom de urgência, afastando as mãos grandes de seu corpo e esquivando-se da boca dele. — Qual é o problema? — Mi casa. Vamos. Kerry enfiou uma mão dentro do bolso da saia e pegou uma chave. Pondo-a na ignição, ligou a caminhonete, tentando ignorar que ele estava mordiscando seu pescoço e ao redor de sua orelha. Ela sentiu dentes contra sua pele. Apesar do calor abafado, os pelos de seus braços se arrepiaram. Kerry manobrou a caminhonete e se afastou da taverna. A construção caindo aos pedaços parecia vibrar com risadas estridentes e música agitada. Ela preparou-se para gritos e tiroteio, mas a caminhonete passou pela rua sem ser notada. Kerry ficou tentada a deixar os faróis apagados, mas decidiu-se contra isso. Um carro militar dirigindo pela cidade com faróis apagados poderia levantar suspeitas. E seria perigoso dirigir sem luzes nas vias esburacadas, que provavelmente estavam cheias de destroços de batalha. Então ela ligou os faróis, os quais enviaram luz para casas residenciais e prédios comerciais devastados pela guerra. Mesmo no escuro, a cidade capital era uma visão deprimente. Sair da cidade era um problema sobre o qual Kerry tinha passado horas refletindo. Ninguém entrava ou saía da cidade sem ter de passar por um posto militar de controle. Após diversas missões de reconhecimento do território, Kerry havia selecionado o portão pelo qual passaria agora. Era um dos postos de controle mais movimentados. Se tivesse escolhido uma das estradas menos viajadas, talvez os guardas não a deixassem passar. Era quase certeza que parariam uma mulher dirigindo uma caminhonete militar. Já no portão movimentado que ela escolhera, provavelmente só passaria por uma inspeção apressada. Pelo menos, era isso o que esperava. Mentalmente, repassou seu plano, e o que pretendia falar, mais uma vez. Todavia, era difícil se concentrar em qualquer coisa. Não tinha escolhido um bêbado hostil ou um bêbado engraçado. Escolhera um bêbado amoroso. Enquanto alegava não ter muito tempo, ele plantava beijos ardentes no seu pescoço e peito. Kerry quase perdeu o controle do veículo quando ele deslizou uma mão por baixo de sua saia e entre seus joelhos. Não havia como continuar pisando na embreagem e acelerador com seus joelhos tão unidos. Não teve escolha senão permitir que aqueles dedos fortes se curvassem ao redor da parte mais baixa de sua coxa e provocassem a pele sensível atrás de seu joelho. Ela quase se ajustara a aquilo quando a mão quente começou a subir. Cada toque era um assalto ao seu organismo. Um nó se formou em seu estômago, e Kerry fechou os olhos por uma fração de segundo quando ele apertou o interior de sua coxa de leve. A saia de se vestido subiu, a maior parte já estava erguida em seu colo. — Senõr, por favor. — Ela tentou liberar a perna da mão instigante. Ele murmurou alguma coisa que parecia ser "Eu preciso de uma mulher", mas Kerry não tinha certeza. Sabendo que eles estavam a poucas quadras do posto de controle crucial, ela conduziu o veículo para o acostamento e parou. 10
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Por favor, senõr, vista isso. — Kerry enfiou a mão embaixo do banco onde tinha escondido a jaqueta e o quepe que achara sobre o assento da caminhonete. Ele não pareceu notar seu inglês melhorado, ou a ausência de um sotaque, mas piscou-lhe tolamente. — Huh? Ela pôs a jaqueta militar sobre os ombros dele. Ombros que eram muito largos para o tamanho da jaqueta, mas tudo de que Kerry precisava era que o guarda visse o emblema oficial. O distintivo havia sido bordado de maneira inepta sobre a manga, a qual ela se certificou que ficasse visível. Enfiou o quepe na cabeça dele e ajustou-o, enquanto ele tentava abaixar as alças dos ombros de seu vestido. — Meu Deus — exclamou ela em desgosto, puxando as alças de volta para o lugar — você é um animal. — Então, lembrou-se de que era supostamente uma prostituta, acostumada com aquele tipo de comportamento dos homens. Pôs as mãos sobre o rosto com barba levemente crescida, e sorriu de um jeito que esperou que fosse sedutor e cheio de promessas luxuriosas. Num espanhol melodioso, disse-lhe que era uma porca lasciva, mas fez o insulto parecer como a incitação de uma amante. Engatando as marchas da caminhonete novamente, Kerry dirigiu os metros restantes para o posto de checagem. Havia dois carros na sua frente. O motorista do primeiro estava discutindo com o guarda. Ótimo. Ele daria as boas-vindas a um veículo militar, porque não haveria discussão. — O que está acontecendo? O mercenário levantou a cabeça e piscou, tentando ver através do para-brisa sujo, sobre o qual centenas de insetos tinham dado suas crias. Com um tapinha, Kerry devolveu a cabeça dele para onde estivera em seu ombro, então lhe disse que deixasse tudo com ela, que eles estavam quase chegando. A cabeça dele relaxou de modo indolente contra seu ombro, quando Kerry dirigiu o carro para a barreira. O guarda, não tendo mais de 16 anos, saracoteou para o lado do motorista e apontou uma lanterna diretamente para o rosto de Kerry. Ela se forçou a sorrir. — Buenos noches. — Ela abaixou a voz para um tom sexy, rouco. — Buenas noches — respondeu o guarda, desconfiado. — O que há de errado com o capitão? — Ele bebeu demais. Pobre homem. É um bravo soldado, mas foi derrotado por uma garrafa. — Para onde você o está levando? — Porque tenho um coração muito bondoso, eu o estou levando para minha casa. — Kerry piscou de maneira sedutora. — Ele pediu que eu cuidasse dele durante a noite. O guarda sorriu-lhe. Seus olhos se moveram para o ocupante inclinado contra o ombro dela. Assumindo que o oficial estava inconsciente, ele perguntou: — Por que se incomodar com ele? Você não preferiria ter um homem de verdade? — Ele fez uma referência grosseira para as dimensões de sua masculinidade, um gesto que Kerry não achou apenas inacreditável, mas nojento. De qualquer maneira, ela sorriu com afetação, e baixou os cílios. 11
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Sinto muito, mas o capitão já me pagou por esta noite. Talvez numa outra ocasião. — Talvez — disse ele de modo prepotente. — Se eu tiver condições de lhe pagar. Ela deu-lhe um tapinha na mão num gesto de flerte. Fazendo um beicinho como se lamentasse, Kerry acenou-lhe um adeus e engatou a caminhonete. O jovem guarda comandou que seu parceiro no posto de controle abrisse o portão, e ela passou. Por diversos quilômetros, Kerry agarrou o volante e manteve os olhos no espelho retrovisor tanto quanto os mantinha na estrada à sua frente. Quando se tornou aparente que ninguém a estava seguindo, ela começou a tremer numa reação atrasada. Tinha conseguido! O mercenário ficara abençoadamente quieto durante toda a troca com o guarda. Agora, eles estavam a caminho e ninguém os perseguia. Ela deu diversas voltas ao redor da cidade, antes de pegar a saída que levava diretamente para a floresta. Logo os topos das árvores se entrelaçavam acima da estrada para formar um túnel de folhas. A estrada se estreitava e se tornava mais curvilínea a cada quilômetro. O mercenário pesava sobre o lado inteiro de seu corpo. Kerry tentou empurrá-lo diversas vezes, mas não conseguiu movê-lo. Finalmente, desistiu, concluindo que era melhor tê-lo dormindo contra ela do que lutar contra as investidas sexuais dele. Ela considerou parar antes do lugar que avistara mais cedo, mas se convenceu a não fazer isso. Quanto maior fosse a distância que colocasse entre o mercenário e a cidade esta noite, mais poder de barganha teria amanhã. Então continuou dirigindo ao longo da estrada precária, com a cabeça do homem batendo pesadamente contra sua lateral cada vez que eles passavam por um buraco. Kerry tornou-se sonolenta. A monotonia dos faróis sendo refletidos na floresta era hipnotizante. Ela estava tão sonolenta que quase perdeu sua saída. No momento em que viu a leve brecha na sólida parede de árvores, reagiu rapidamente e virou o volante para a esquerda, então parou a caminhonete e desligou o motor. Pássaros do mato, empoleirados nas árvores acima, protestaram em tom alto a invasão noturna, então voltaram a se aquietar. A escuridão silenciosa envolvia a pequena caminhonete como um punho de veludo preto. Com um suspiro cansado, Kerry empurrou o homem de cima de si. Arqueou as costas, estendendo os músculos doloridos. Rolou a cabeça ao redor dos ombros. Seu alívio por ter realizado sua missão era profundo. Não havia nada a fazer, exceto esperar o dia amanhecer. Mas o mercenário tinha outra coisa em mente. Antes que ela pudesse se preparar para aquilo, ele a envolveu num abraço. A soneca que ele tirara parecia tê-lo reanimado. Os beijos eram mais ardentes do que nunca. Enquanto usava a língua para brincar com seus lábios, as mãos fortes puxavam o vestido muito grande de Kerry para baixo. Ele enfiou uma mão dentro do decote largo e segurou-lhe o seio. — Não! — Reunindo coragem, Kerry pôs as mãos contra os ombros dele e empurrou-o com toda sua força. Ele tombou para trás e bateu a cabeça no painel. Depois rolou para o lado e caiu para frente. A única coisa que o impediu de desmoronar 12
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown até o chão do veículo foi seu tamanho. Os ombros largos o prenderam entre o painel e o assento. Ele não se moveu. Não fez um único som. Apavorada, Kerry cobriu a boca e esperou diversos momentos tensos. Ele continuava imóvel. — Oh, Deus, eu o matei. Ela abriu a porta da caminhonete. A luz interna de cima se acendeu. Quando seus olhos se ajustaram ao brilho súbito, ela estudou o mercenário. Experimentalmente, cutucou-o. Ele gemeu. Sua expressão assustada foi substituída por uma de desgosto. Ele não estava morto, apenas desmaiara de tão bêbado. Kerry tentou puxá-lo pelo colarinho da camisa, mas não conseguiu. Agachando-se sobre os joelhos, puxou-lhe os ombros até que o corpo grande fosse inclinado para trás, acomodando-se no canto formado pela porta de passageiro e o encosto do assento. A cabeça do homem estava inclinada, uma das faces descansando contra o ombro. Ele teria câimbra no pescoço pela manhã. Ótimo. Kerry esperava que sim. Qualquer um que bebesse até o estado de estupor merecia colher as terríveis consequências. Mas esta posição o fazia parecer bem menos ameaçador. Ele possuía cílios longos e curvados, incongruente com a masculinidade do rosto, notou ela. Com a lâmpada do teto iluminando-o, ela viu que os cabelos dele eram castanho-escuros, mas com mechas vermelhas, e que sob a pele bronzeada ele tinha sardas nas maças do rosto. Ele estava respirando profundamente pela boca, os lábios levemente entreabertos. Com aquele lábio inferior carnudo, não era de admirar que ele soubesse beijar... Kerry afastou da mente qualquer pensamento da maneira que ele a beijara. Antes que começasse a sentir qualquer afeição por ele, pensou em como ele talvez reagisse pela manhã. Poderia não estar disposto a aceitar ser recrutado para o caso dela. Talvez reagisse violentamente ao se encontrar no meio do nada antes que Kerry tivesse a chance de tentar convencê-lo. Aqueles mercenários eram muito esquentados. Ela olhou para o facão. Agindo antes que perdesse a coragem, ela abriu a bainha e tirou a lâmina longa de dentro. A arma branca parecia pesar cinquenta quilos. Kerry a manobrou desajeitadamente, quase cortando as próprias coxas, e jogou-a no chão do lado de fora da porta aberta. Então havia o revólver. Ela olhou para a arma de fogo por diversos momentos, seu estômago se revolvendo. Desarmá-lo seria a coisa mais sábia a fazer, mas, considerando onde a pistola estava... Agora certamente não era hora de tornar-se melindrosa! Considerando tudo pelo que já tinha passado aquela noite, ficar tímida a essas alturas era ridículo. Kerry inclinou-se para frente. Recuou com medo. Recolheu as mãos, fechou-as em punhos, então flexionou os dedos, como um arrombador de cofres prestes a enfrentar o maior desafio de sua carreira. Estendeu o braço para o revólver novamente. Desta vez, antes que perdesse a 13
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown coragem, fechou a mão ao redor da ponta e puxou. De novo; Com mais força. A arma não saía do cós da cintura dele. Kerry recolheu a mão e refletiu sobre suas alternativas. Não tinha nenhuma. Precisava tirar aquela arma dele, e sem acordá-lo. Olhou para o cinto militar do mercenário. Fechando os olhos por um momento e umedecendo seus lábios secos, reuniu coragem mais uma vez. Forçando-se a reprimir o nervosismo, tocou a fivela do cinto. Usando a ponta de seu indicador, deslizou o pequeno botão de latão para a frente, a fim de liberar o dente de dentro da correia. Aos poucos, a tensão diminuiu. Ela pressionou mais forte. O dente se soltou. Metal roçou contra metal suavemente. O mercenário respirou fundo. Exalou o ar. Kerry congelou. Inclinou as mãos para a frente de novo, e, trabalhando devagar e com cuidado, puxou a ponta do cinto através da fivela de latão. Não houve alegria. Ela se deparou com outro obstáculo. Tocou o botão pesado de metal da calça surrada do mercenário. Ele deu um gemido e mexeu as pernas, erguendo um dos joelhos sobre o assento. O que rearranjou tudo. Tudo. E pressionou o cano da arma de fogo ainda mais entre seu estômago e cintura. As mãos de Kerry estavam transpirando. Ela tentou não pensar no que faria se ele acordasse e a encontrasse mexendo no zíper de sua calça. Se achasse que ela estava tentando lhe tirar a arma, usaria esta para atirar nela. E se achasse... a outra possibilidade era muito horrível para contemplar. Kerry alcançou o botão novamente, e desta vez não deixou que o pequeno gemido dele a detivesse. Seus dedos eram desajeitados. Não era uma tarefa fácil tirar o botão do buraco reforçado no tecido duro, mas finalmente ela conseguiu. Fechou os dedos ao redor da ponta do revólver de novo, mas a arma ainda não foi liberada. Ela praguejou em sussurros. Mordendo seu lábio inferior, ela apertou a ponta do zíper entre seu polegar e indicador. Teve de puxar três vezes antes que o zíper se movesse. Pretendera descêlo somente um ou dois centímetros, mas, quando finalmente funcionou, o zíper desceu até o fim. De maneira súbita e chocante. Ela soltou o zíper como se este a tivesse mordido, então liberou o revólver. Ele resmungou, mexeu-se novamente, mas não acordou. Kerry agarrou a arma contra o peito como se fosse o Santo Grau, e ela tivesse dedicado sua vida inteira procurando-o. Seu corpo todo estava úmido por causa da transpiração. Finalmente, quando teve certeza de que ele tinha dormido enquanto era manuseado, e que ela não precisaria usar a arma odiosa para se proteger, deixou-a cair no chão. O revólver bateu contra a faca. Kerry fechou a porta da caminhonete rapidamente, como se estivesse cobrindo evidências incriminadoras. Um pássaro protestou contra o barulho, então silenciou novamente. Ela sentou-se ali na escuridão, pensando. Talvez seu mercenário não fosse uma escolha tão boa, afinal de contas, se ele podia ser desarmado tão facilmente. 14
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown É claro que ele estava bêbado, e não teria acesso a álcool para onde eles iriam. Ele afastara o outro soldado com um único olhar ameaçador. Era fisicamente adequado para o trabalho que Kerry tinha em mente. Ela estivera perto dele o bastante esta noite para saber disso. Aqueles músculos sólidos e poderosos só podiam pertencer a um homem de força e vigor. Ela também sabia que, uma vez que ele decidisse fazer alguma coisa, era determinado. Se não tivesse batido a cabeça no painel, ela provavelmente ainda estaria lutando para mantê-lo longe de si. Não pensaria mais nele. Era suficiente dizer que tinha se saído muito bem; feito uma boa escolha. Com isso em mente, Kerry acomodou-se em seu próprio canto da caminhonete, descansou a cabeça na janela aberta e dormiu ao som ritmado dos roncos gentis de seu mercenário. Parecia que tinha acabado de fechar os olhos quando foi acordada por uma litania de palavras que ela somente vira rabiscadas nas paredes de banheiros públicos. Havia movimento ao seu lado, e blasfêmia fervorosa. A fera estava acordando.
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Capítulo Dois Todos os animais da selva estavam acordando. O farfalhar das folhas marcava o progresso de répteis e roedores. Pássaros cantavam nos galhos das árvores acima. Pequenos macacos gritavam enquanto pulavam de videira em videira à procura de café da manhã. Mas mesmo toda essa algazarra barulhenta não se sobrepunha ao xingamento veemente dentro da caminhonete. Kerry se encolheu de medo junto à porta do motorista, enquanto observava seu mercenário acordar com o humor de um ogro de um conto de fadas. Na verdade, ele lembrava uma ilustração de um livro infantil que Kerry tivera, com os cabelos arrepiados em estranhos ângulos, a carranca feroz e o maxilar muito sombreado pela barba despontada. Gemendo, ele inclinou-se para a frente, abraçando os joelhos com os cotovelos e segurando a cabeça entre mãos que tremiam. Depois de vários momentos, ele virou a cabeça — o movimento parecendo lhe causar agonia — e fitou Kerry com olhos irritados, os quais tinham tantos traços vermelhos quanto o céu do leste. Sem falar uma palavra, ele tateou pela maçaneta da porta, destravou-a e literalmente rolou para fora da caminhonete. Quando os pés tocaram o solo esponjoso, ele praguejou furiosamente, as palavras estranhas sendo produto de uma imaginação fértil. Aquilo abafou o barulho da vida selvagem novamente. Ele pôs as mãos na cabeça, e Kerry não sabia se ele estava tentando segurá-la ou rasgá-la. Ela abriu a porta do lado do motorista. Cautelosamente checando o solo por causa das cobras primeiro, colocou os pés com sandálias na vegetação rasteira e saiu da caminhonete. Considerou pegar uma das armas, a faca ou o revólver, mas decidiu que o mercenário não estava em condições de machucar seriamente nem mesmo o animal mais indefeso. Apostando em sua segurança com essa decisão, Kerry rodeou o capo do veículo e olhou para baixo do lado oposto. Ele estava encostado contra a caminhonete com somente o traseiro tocando a lataria. Os pés estavam plantados solidamente à sua frente, como se ele os tivesse colocado lá com cuidado, e não ousasse mexê-los com medo de cair do planeta. Estava curvado para a frente a partir da cintura, ainda apoiando a cabeça entre as mãos. Quando ele a ouviu andar sobre a vegetação rasteira macia, o que devia ter soado como um exército marchando para seus ouvidos supersensíveis, virou a cabeça. Sob a inspeção raivosa de olhos castanho-dourados, Kerry parou. — Onde eu estou? —As palavras eram distorcidas, saindo de uma garganta que tinha sido abusada por tabaco e álcool. — Monterico — replicou ela com temor. — Que dia é hoje? — Terça-feira. 16
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — E quanto ao meu avião? Ele parecia ter dificuldade de mantê-la em foco. O sol estava mais brilhante, agora que passava do topo das árvores. Ele estreitou os olhos contra a claridade, quase os fechando. Quando um pássaro cantou muito alto sobre suas cabeças, ele encolheu-se e praguejou baixinho. — Avião? — Sim, avião. No momento em que Kerry o olhou de volta de maneira apreensiva, ele começou a vasculhar os bolsos da camisa com bastante agitação, e praticamente sem nenhuma coordenação. Finalmente, retirou uma passagem aérea e o que parecia ser um visto de saída oficial do bolso da camisa. O governo cuidadoso de Monterico era rigoroso com vistos. Eles não eram dados frequentemente, e eram mais valiosos que ouro. Uma fortuna seria necessária para forjar um. Ele balançou a passagem e o visto para ela. — Eu deveria estar num avião ontem, às 10h da noite. Kerry engoliu em seco. Ele ficaria aborrecido. Ela preparou-se para ser a receptora da fúria. Mas inclinou a cabeça para trás corajosamente quando lhe falou: — Sinto muito. Você perdeu seu voo. Ele virou-se devagar, de modo que seu ombro fosse pressionado contra a caminhonete. Olhou-a com tanta hostilidade que Kerry estremeceu por dentro. Quando falou, a voz era um sussurro repleto de ameaças. — Você me fez perder o avião? Ela deu um passo cauteloso para trás. — Você veio comigo de livre e espontânea vontade. Ele deu um passo ameaçador na sua direção. — Você não tem muito tempo de vida, moça. Mas antes de eu matá-la, gostaria de saber, apenas por curiosidade, por que você me sequestrou. Kerry apontou-lhe um dedo acusador. — Você estava bêbado! — Estou vivendo para lamentar isso. — Como eu iria saber que você deveria entrar num avião? — Eu não mencionei isso? — Não. — Eu devo ter lhe falado — disse ele com uma insistente sacudida da cabeça. — Você não falou. Ele estreitou os olhos e a fitou com expressão acusadora. — Você não é somente uma prostituta, mas uma prostituta mentirosa. — Eu não sou nenhuma dessas duas coisas — declarou Kerry com irritação. Aqueles olhos incomuns cor de ágata viajaram do topo da cabeça de Kerry até os dedos de seus pés. Mas, desta vez, diferentemente da maneira apreciativa que eles a haviam percorrido na cantina, eram desdenhosos. O olhar dele a fez se sentir exatamente do que ele a acusava de ser. Na luz do dia, o vestido largo e barato era 17
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown ainda mais vulgar. Ele perguntou com desprezo: — Qual é o seu truque? — Eu não tenho um truque. — Os negócios estavam tão ruins nos Estados Unidos que você teve de vir se vender aqui? Se Kerry não estivesse com tanto medo da violência latente que estava fazendo os músculos dele se flexionarem involuntariamente, teria dado um passo à frente e o esbofeteado. Em vez disso, fechou as mãos em punhos, mas manteve-as em suas laterais. Através de dentes cerrados, disse: — Eu não sou prostituta. Apenas me disfarcei de uma, de modo que pudesse entrar naquele bar e pegar você. — Isso me parece coisa de prostituta. — Pare de dizer isso! — gritou ela, tão furiosa pela avaliação precipitada dele quanto por aquelas palavras. — Eu preciso de seus serviços. Ele olhou para sua própria calça surrada, a qual ainda estava aberta e caindo sobre os quadris. — Acho que você já os teve. Kerry enervou-se novamente. Parecia que todo o sangue de seu corpo estava indo para a cabeça e pressionando seu couro cabeludo. Não conseguia mais encontrar aqueles olhos sardônicos, e desviou os seus, observando o espaço ao redor. Ele riu com zombaria. — Eu não lembro. Como foi? Ela suspirou com irritação. — Você é desprezível. — Eu fui tão bruto assim? — perguntou ele, esfregando o queixo. — Eu gostaria de poder lembrar. — Nós não fizemos nada, seu tolo. — Não? — É claro que não. — Você só quis olhar, mas não tocar? — Não! — Então, por que o zíper da minha calça está aberto? — Eu precisei descê-lo para tirar seu revólver — respondeu Kerry. — Não queria que você me matasse. Ele digeriu aquilo. — Essa ainda é uma possibilidade distinta. E privar-me de meu revólver e de minha faca não vai me deter. Eu poderia facilmente matá-la com minhas próprias mãos. Mas ainda quero saber por que você me impediu de entrar naquele avião? Trabalha para o governo de Monterico? Kerry o olhou, incrédula de que ele pudesse pensar uma coisa dessas. — Você está louco? 18
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Ele deu uma risada sem humor. — É provavelmente isso. Seria a cara de El Presidente recrutar uma americana para espionar para ele, covarde como o homem é. — Concordo com você que ele é um covarde. Mas eu não trabalho para ele. — Os rebeldes então. O que você faz, rouba vistos de saída para eles? — Não. Eu não trabalho para ninguém em Monterico. — Para quem então? A CIA está perdida se você é o máximo que ela pode contratar. — Eu trabalho para mim mesma. E não se preocupe. Posso pagar seu preço. — O que você quer dizer com meu preço? — Eu quero contratá-lo. Apenas diga o seu preço. — A IBM não tem tanto dinheiro assim, moça. — Eu pagarei qualquer coisa. — Você não está ouvindo. Não faço mais trabalhos em Monterico. Eu quero ir embora deste lugar esquecido por Deus. — Ele se aproximou, parecendo severo e sinistro. — Você estragou tudo, moça. Aquele era o último avião que sairia daqui antes de o governo proibir todas as viagens internacionais. Sabe o que tive de fazer para conseguir este visto? Kerry tinha certeza de que não queria saber. A abordagem lenta e ameaçadora dele a fez falar mais rapidamente: — Eu farei o atraso valer seu tempo. Prometo. E se você concordar em me ajudar, posso lhe garantir um jeito de ir embora. — Como? Quando? — Na sexta-feira. Eu só preciso de três dias de seu tempo. Você irá embora com os bolsos cheios de dinheiro. Ela conseguira prender a atenção dele, que agora a estudava, pensativamente. — Por que eu? Além do fato de que eu estava bêbado e fui facilmente enganado? — Eu preciso de alguém com sua experiência. — Há diversos outros ainda por aí. Havia diversos naquele bar fedorento ontem à noite. — Mas você parecia mais... Adequado para o trabalho. — Qual é o trabalho? Kerry fugiu da pergunta direta. Primeiro, precisava vender-lhe a ideia de ficar no país por mais alguns dias. — É um trabalho difícil. Eu preciso de alguém que tenha suas próprias armas disponíveis. — Ela apelou para a vaidade dele. — E, é claro, a experiência e a coragem para usá-las, se necessário. — Armas? — Ele balançou a cabeça em confusão. — Espere um minuto. Você acha que eu sou um mercenário? Ela não precisou responder. A expressão dela disse-lhe que sua suposição estava correta. Kerry o olhou com perplexidade enquanto um sorriso se abria no rosto dele. Então veio a risada rouca e profunda, até que, finalmente, esta se transformou numa 19
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown série de acessos de tosse seca. Ele praguejou, mas não de modo tão violento como antes. Esfregou a testa e passou ambas as mãos pelo rosto. Então, inclinou-se contra a caminhonete, ergueu o rosto para o céu e deu um suspiro pesado. — O que houve? — Kerry teve de perguntar, apesar de achar que não queria saber. A risada dele contivera ironia, não humor. — Você pegou o homem errado, moça. Eu não sou um mercenário. Boquiaberta, Kerry o fitou. — Isso não é verdade! — Como ele ousava tentar enganá-la daquele jeito? — E você chamou El Presidente de covarde. Está somente tentando evitar aceitar um trabalho desafiador. — Você tem toda a razão em insinuar que eu sou covarde — gritou ele. — Cuido de minha própria proteção, entende? Não alego ser um homem de glória. Mas não estou mentindo quando lhe digo que não sou um soldado profissional. Kerry tinha se recuperado de seu acesso de raiva. — Mas seu revólver, seu facão... — Para proteção. Que tipo de tolo vai para uma selva sem nada para se proteger dos animais? Dos animais de quatro patas, assim como dos animais de duas pernas. — Ele deu mais um passo em direção a ela. — Nós estamos numa zona de guerra, moça, ou não notou? Agora, não sei que tipo de jogo você está fazendo, mas vou voltar para a cidade imediatamente e me colocar à mercê de El Presidente. Talvez ele ainda me deixe partir. Ele olhou para Kerry novamente, observando seus cabelos longos e embaraçados e o vestido de prostituta. — Ele gosta de uma história vulgar. Eu lhe direi que uma das moças adoráveis de seu país me seduziu além do ponto de retorno. Ele gostará disso. Ele a rodeou e foi em direção ao capô da caminhonete. Ela agarrou-lhe a manga da camisa com desespero. — Acredite em mim, isso não é um jogo. Você não pode ir. — Quer apostar? — Ele liberou o braço e foi para o lado do motorista da caminhonete. — E quanto a todas aquelas armas? — perguntou ela, apontando em direção à caçamba da caminhonete. Ele abaixou-se, pegou o facão e guardou-o de volta em sua bainha. — Você quer ver minhas armas? Tudo bem. Ele foi para a parte traseira do veículo, ergueu uma das sacolas pesadas para fora, depois de remover a lona com destreza. — Dê alguns passos atrás — avisou de modo teatral. — Eu detestaria que algum desses explodisse em seu rosto. Com um puxão forte, ele abriu o zíper de uma das sacolas. Esperando que dispositivos explosivos saíssem dali, Kerry olhou para o conteúdo da sacola de lona em total perplexidade. — Esta é uma câmera fotográfica. A expressão dele era repleta de sarcasmo. 20
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Não diga. — Ele voltou a fechar o zíper e colocou a sacola de volta dentro da caminhonete. — Para ser preciso, uma Nikon F3. — Você quer dizer que há câmeras em todas essas sacolas? — E lentes e filmes. Sou fotojornalista. Eu lhe ofereceria meu cartão, mas um grupo de guerrilheiros e eu os usamos para começar um fogo uma semana atrás, de modo que estou sem nenhum. Kerry ignorou a aspereza dele e olhou para as sacolas de lona. Enganosamente, pensara que elas continham as armas que garantiriam sua passagem segura para fora do país. Ela levou diversos minutos lamentando seu erro monumental, contemplando seu dilema, e pesando as opções que lhe restavam, antes de virar-se. O homem estava se embrenhando na floresta. — Aonde você vai? — Aliviar-me. — Oh. Bem, eu admito que cometi um erro, mas ainda gostaria de lhe oferecer um acordo. — Esqueça, moça. Eu planejo fazer meu próprio acordo com El Presidente. — Ele bateu nas coxas com os punhos cerrados. — Droga! Não acredito que fui estúpido o bastante para perder aquele avião. O que me convenceu a deixar a cantina na sua companhia? Você me deu alguma droga? Ela se ressentiu e nem sequer honrou a acusação com uma negação. — Você estava bêbado quando eu o encontrei. Se estava tão determinado a pegar aquele avião, por que bebeu até desmaiar? — Eu estava comemorando. — Ele cerrou os dentes, então Kerry soube que tinha atingido um nervo. — Eu não via a hora de sair deste país horrível. Tentei por dias comprar um assento naquele avião. Sabe o que tive de fazer em troca do visto de saída do país? —Não. — Eu tive de tirar uma foto do El Presidente com sua amante. — Fazendo o quê? — perguntou ela. Insultado, ele a encarou. — Uma foto que eu provavelmente venderei para a Time. Se algum dia eu voltar para os Estados Unidos. O que parece duvidoso, graças a você. — Se você me ouvir, posso explicar por que eu precisava de um mercenário, e cheguei a extremos tão desesperadores para conseguir um. — Mas este não sou eu. — Você parece um mercenário. Por que acha que eu o escolhi? — Eu não arriscaria um palpite. — Eu o escolhi sobre os outros homens do bar, porque você parecia o mais cruel e perigoso. — Sorte minha. Agora, se me der licença... — Você usa uma câmera fotográfica em vez de uma arma de fogo, mas é do mesmo tipo daqueles mercenários. — Ela ainda poderia usá-lo. Se ela o confundira com um soldado profissional, era provável que outros também o confundissem — Você 21
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown vende seus serviços pela oferta mais alta. Eu posso fazer isso valer a pena para você, sr... Ela o olhou em perplexidade. — 0'Neal — ofereceu ele de forma sintetizada. — Linc 0'Neal. Lincoln 0'Neal! Kerry reconheceu o nome imediatamente, mas tentou não demonstrar que estava impressionada. Ele era um dos fotojornalistas mais renomados e criativos do mundo. Tinha construído sua reputação durante a evacuação do Vietnã, e gravado, em filme 35mm, todas as guerras e catástrofes desde então. Possuía dois Prêmios Pulitzer, para seu crédito. Seu trabalho era de alto nível, frequentemente muito realístico para pessoas de estômago fraco, e muito comovente para pessoas de coração mole. — Meu nome é Kerry Bishop. — Não me interessa qual é o seu nome, moça. Agora, a menos que você queira ver o que está atrás do meu zíper, afinal de contas, sugiro que não me detenha novamente. A rudeza de Lincoln 0'Neal não a dissuadiu, como ele obviamente pretendia. Apenas reforçou sua resolução. Ele virou-se de costas e continuou andando através das árvores. Apesar das sandálias inadequadas para o lugar, Kerry embrenhou-se no mato atrás dele. Pegou-lhe a manga novamente, e, desta vez, segurou com firmeza. — Há nove crianças órfãs me esperando para escoltá-las para fora do país — disse ela numa única respiração. — Eu estou trabalhando com a ajuda de um grupo filantrópico nos Estados Unidos. Tenho três dias para levá-los à fronteira. Na sextafeira, um avião particular vai pousar lá e nos apanhar. Se nós não estivermos no ponto de encontro na hora, o avião irá partir sem nós. Eu preciso de ajuda para percorrer oitenta quilômetros de floresta com as crianças. — Boa sorte. Ela deu um grito de incredulidade quando ele se virou novamente. Kerry agarrou a manga de 0'Neal com mais força. — Você não ouviu o que eu disse? — Cada palavra. — E não se importa? — Isso não tem nada a ver comigo. — Você é um ser humano! Não muito civilizado, admito, mas ainda um ser humano. — Paus e pedras... — ele começou a entoar uma canção infantil. — Oh, pare com suas piadinhas! — interrompeu ela. — Estamos falando de crianças. O rosto de 0'Neal enrijeceu. Não era de admirar que ela o confundira com um mercenário. Ele parecia intocável... com uma frieza impenetrável. — Moça, eu vi centenas de crianças explodirem no ar. Estômagos inchados como balões, devido à fome. Crianças cheias de dores e rastejando com piolhos e moscas. Gritando em terror enquanto seus pais eram degolados na frente delas. Trágico, sim. Nauseante, sim. Nações de crianças, moça. Então, não espere que eu caia de joelhos em angústia por causa de nove delas. 22
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry o liberou e encolheu-se, como se a falta de empatia dele fosse uma doença abominável e contagiosa. — Você é um homem horrível. — Certo. Nós finalmente concordamos em alguma coisa. Eu não sou espiritualmente equipado para cuidar de nove crianças, nem mesmo nas melhores das circunstâncias. Kerry endireitou os ombros com determinação. Por mais detestável que Lincoln 0'Neal fosse, ele ainda era sua única esperança. Ela não tinha tempo de voltar para a cidade e procurar um substituto. — Considere isso apenas mais um trabalho. Eu lhe pagarei o mesmo que pagaria para um soldado profissional. Ele meneou a cabeça, teimosamente. — Não será tanto quanto eu ganharei com o filme que estou levando para casa. — Mais três dias não farão diferença. Seu filme será tão valioso na sexta-feira quanto é hoje. — Mas eu não estarei arriscando meu traseiro enquanto isso. Valorizo minha pele tanto quanto valorizo meu filme. Eu a arrisquei muito nesta maldita selva. Tenho um sexto sentido que me avisa quando devo seguir em frente. — Ele prendeu-lhe o olhar com o seu. — Agora, não sei quem você é, ou o que está fazendo num lugar como este, mas isso não me envolve. Entendeu? Eu espero que você consiga tirar as crianças do país, mas fará isso sem mim. Ele virou-se abruptamente e deu pouco mais que alguns passos antes que fosse engolido pela floresta. Os ombros de Kerry baixaram com tristeza. Ela lentamente retraçou seus passos para a caminhonete. Vendo o revólver ainda caído no chão, tremeu. Ele podia não ser um mercenário, mas era tão frio e insensível quanto um. Não possuía um pingo de compaixão. Virando as costas para crianças! Como ele podia? Como alguém podia? Kerry olhou para o revólver, imaginando se poderia forçá-lo, apontando uma arma para ele. A ideia era ridícula, claro, e ela a dispensou assim que foi formulada. Podia ver-se segurando a pequena Lisa em uma mão e a Magnum 357 na outra. Lincoln 0'Neal provavelmente os mataria todos quando estivessem dormindo, antes que chegasse à metade do caminho para seu destino, ou se uma oferta melhor se apresentasse ao longo do caminho. Zangada, ela virou-se. Seu olhar acidentalmente caiu sobre as sacolas na caçamba da caminhonete. Máquinas fotográficas, pensou com ironia. Como pudera ter confundido câmeras com armas e munições? Aquelas eram as ferramentas do trabalho dele, certo, mas não possuíam utilidade para Kerry. Quão baixo um homem tinha de descer para colocar um rolo de filme acima das vidas de crianças sem pais? Um homem cruel, egoísta e sem coração, que preferia fotos impressas de outras pessoas a ser tocado por elas pessoalmente. Um homem para quem um rolo de filme... Filme. Filme. Filme. O coração de Kerry parou de bater por um segundo. Seus olhos se arregalaram 23
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown com súbita inspiração, enquanto ela olhava para as sacolas de lona. Antes de permitirse tempo para considerar as graves consequências do que estava prestes a fazer, saltou para dentro da caçamba da caminhonete e abriu o zíper da primeira sacola.
Linc se sentia péssimo. Cada vez que uma arara exercitava seus talentos vocais, o barulho penetrava sua cabeça como uma lança. Seu estômago estava em rebuliço e, com o mais leve encorajamento, se esvaziaria de maneira nada agradável. Seus dentes doíam. Ele sentia câimbras no pescoço. Deus, até seus cabelos doíam. Perguntando-se como aquilo era possível, ele explorou-os experimentalmente, e descobriu que não eram seus cabelos que estavam doendo, mas havia uma sensação inexplicável no seu crânio. Mas a pior de todas as suas dores era no traseiro... por causa de Bishop. Alguma coisa Bishop. Carol? Carolyn? Não se recordava do primeiro nome. Tudo o que sabia era que naquele momento gostaria de cravar o nome dela num túmulo depois que a estrangulasse com suas próprias mãos. A pequena vadia o fizera perder aquele avião! Cada vez que pensava sobre isso, Linc cerrava os dentes. E porque não podia lidar com sua própria culpa pela estupidez no momento, direcionava sua raiva para a mulher. A mulher que lhe armara uma cilada. O que ela estava fazendo em Monterico para começo de conversa? Não passava de uma boa samaritana intrometida. Nove crianças órfãs. Como ela achava que podia transportar secretamente nove órfãos por oito quilômetros, quem diria por oitenta, então pegar um avião que supostamente estaria no ponto de encontro? Aquele parecia o roteiro de um filme ruim. Impraticável. Implausível. Impossível. E ela queria convencê-lo a arriscar seu pescoço, sem mencionar a fortuna que ganharia com as fotografias que tirara, para ajudá-la. Que piada! Ele não tinha sobrevivido sendo o sr. Bondoso. Qualquer pessoa que o conhecesse diria que Linc 0'Neal era visto como líder. Ele era querido. E respeitado. Era generoso quando se tratava de pagar drinques. Mas que não contassem com ele numa situação de apuro, porque, em apuros, era com sua pele que Linc se preocupava, e não com a pele do próximo. Jurava lealdade para si mesmo, e somente para si mesmo. Lembrou-se disso enquanto voltava para onde tinha deixado a mulher. Ficou aliviado ao ver que ela se acalmara consideravelmente. Os longos cabelos escuros e abundantes — ela tinha o bastante para umas seis pessoas — estavam puxados sobre um ombro. Dedos delicados trabalhavam com habilidade numa trança da grossura do pulso de Linc. Aqueles cabelos tinham sido uma razão pela qual ele se sentira atraído a acompanhá-la na noite anterior. Ora, a última coisa que precisara era de uma mulher. Queria uma, sim. Estava em Monterico havia seis semanas. Mas era muito exigente para saciar seus desejos masculinos básicos com as prostitutas da taverna que 24
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown dormiam todas as noites com soldados de ambos os lados do conflito. Nunca ficara excitado a esse ponto. Na noite anterior, de todas as noites, havia evitado companhia de qualquer tipo. Só tivera um pensamento em mente: pegar aquele avião. Tudo o que realmente quisera era o efeito entorpecente de alguns drinques, antes de entrar no avião e colocar a maior distância possível entre ele e Monterico. Mas a bebida local, potente como era, não tinha sido capaz de apagar as memórias das atrocidades que Linc testemunhara nas últimas seis semanas. Então, continuara bebendo o líquido asqueroso. E apesar de não ter embotado sua memória, nublara severamente seu julgamento. Quando aquela mulher com cabelos escuros, lustrosos mesmo na luz obscura do bar, aproximara-se, seu bom-senso se rendera à pressão pulsante dentro de sua calça. O beijo havia sido o fator decisivo. O gosto daquela boca, a qual se provara ser t ão doce quanto parecia, desequilibrara seu julgamento. Agora, de alguma maneira, estava aliviado ao ver que não perdera completamente o juízo na noite anterior. Ela era bonita. Era limpa. Tinha um corpo delgado, talvez um pouco delgado demais para aquele vestido ridículo. Seu instinto para mulheres ainda estava intacto. Mas como ele a confundira com uma prostituta, nunca saberia. Linc parecia mais um mercenário do que ela parecia uma prostituta. Os cabelos da mulher eram escuros, então tinha sido fácil confundi-la com uma das mulheres da região. Mas, na luz clara de um dia ensolarado, ele viu que os olhos dela não eram castanhos, como originalmente pensara. Eram azul-escuros. E o tom de pele era muito claro para pertencer a uma mulher de descendência latina. Era quase claro demais para pertencer a uma morena. Principalmente, ela não possuía aquela expressão cansada e amargurada das mulheres que haviam se prostituído a fim de comprarem alguma coisa para comer. As mulheres de Monterico que eram forçadas a venderem seus corpos pelo preço de um saco de pão envelheciam muito rapidamente. Esta mulher ainda parecia jovem e saudável, e, na luz do dia, inconfundivelmente americana. Devia morar numa bela casa num bom bairro, onde oferecia chás beneficentes. Todavia, ali estava ela, na clareira de uma floresta, na manhã depois de ter enfrentado uma fuga perigosa. Apesar de tudo, Linc não podia evitar se sentir curioso sobre ela. — Como você conseguiu a caminhonete? Ela não pareceu surpresa por sua pergunta abrupta, e respondeu sem hesitação: — Eu a roubei. Estava parada na frente da cantina. Com a chave na ignição. Disfarcei você com a jaqueta e o quepe deixados no banco do carro. — Plano engenhoso. — Obrigada. — E você dirigiu para o posto de checagem fingindo que eu era o seu cliente da noite. — Exatamente. 25
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Ele assentiu em reconhecimento da inteligência dela. — Eu tenho um galo na cabeça. — Oh, bem, sinto muito sobre isso. Você estava... Eu estava tentando... — Ela parou de repente. Linc teve a distinta impressão de que ela estava escondendo alguma coisa, algo que a deixara satisfeita e que ele obviamente esquecera. — Continue. — Você bateu a cabeça no painel. — Hmm. — Linc a estudou por um momento, mas deixou a mentira por omissão passar. Não fazia sentido insistir ao assunto, uma vez que a aventura dos dois juntos estava chegando ao fim. Ele agora tinha certeza de que não a tivera na noite anterior. Por mais embriagado que estivesse, não teria se esquecido da sensação de deitar entre aquelas coxas, cujo formato provocante podia ser visto sob o vestido. Antes que se distraísse por mais pensamentos prazerosos, ele voltou sua atenção para o que iria fazer uma vez que chegasse à cidade. Esperava que encontrasse El Presidente num humor receptivo. — Bem, ótimo que você roubou a caminhonete. Isso vai facilitar chegar à cidade. Vai voltar comigo, ou nos despedimos aqui? — Isso não será necessário — disse ela com um sorriso alegre. — O que não será necessário? — Voltar para a cidade. Ele assumiu uma postura impaciente. — Ouça, eu lhe dei a minha resposta. Vamos parar de fazer joguinhos, certo? Apenas me dê a chave da caminhonete e eu irei embora. — Eu não acho que você vai a algum lugar, sr. 0'Neal. — Eu irei para a cidade. Agora. — Linc estendeu a mão, palma para cima. — As chaves. — Os filmes. — Huh? Ela inclinou a cabeça, e ele seguiu a direção do gesto até avistar os rolos marrons de filme, agora imprestáveis, expostos ao sol tropical fatal. Seu grito de fúria começou como um som estrangulado. Mas quando saiu de sua boca, foi um grito de total ultraje. Então, ele virou-se, agarrou-a e inclinou-a para trás, deitando-lhe metade do corpo sobre o capô da caminhonete, seu braço agindo como uma barra contra o pescoço dela. — Eu deveria matá-la. — Faça isso — gritou ela bravamente. — O que é mais um assassinato? Você estava disposto a sacrificar as vidas de nove crianças pelos seus próprios objetivos egoístas. — Objetivos egoístas! Este filme representa o que eu faço para viver. Você acabou de me custar milhões, moça. — Eu pagarei qualquer valor que você pedir. — Esqueça isso. — Diga seu preço. 26
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Eu não quero o maldito trabalho! — Porque você terá de considerar alguém além de si mesmo, para variar? — Acertou em cheio! — Certo, então, eu lhe direi como você pode virar esta situação em sua vantagem. Solte-me. Está me machucando. Ela se contorceu contra ele. Mas imediatamente ficou imóvel. Os quadris de Linc estavam pressionados contra os seus, e os movimentos dela tiveram um efeito instantâneo sobre ele. Contra a parte mais suave e mais vulnerável do corpo feminino, Linc enrijeceu. Ele notou quando ela registrou sua condição. Em vez de se afastar, todavia, Linc se aproximou mais, encaixando-se entre as coxas delgadas. Seus olhos zombeteiros a insultavam. Sua respiração soprava-lhe o rosto em rajadas quentes. — Você me convidou, lembra-se? — disse Linc sedosamente. — Eu posso decidir aceitar seu convite. — Você não ousaria. O sorriso lento dele era qualquer coisa, exceto tranquilizador. — Não conte com isso, moça. — Você sabe por que eu o tirei daquela cantina. — Tudo o que sei com certeza é que eu beijei você, e que acordei esta manhã com o zíper da calça aberto. — Nada aconteceu —jurou ela numa voz tingida com ansiedade. — Ainda não. — Ele fez as palavras soarem como uma promessa de coisas por vir, mas gradualmente a liberou, e ajudou-a a se erguer. — Todavia, negócios antes de prazer. Como isso poderia funcionar em minha vantagem? Esfregando o pescoço e dando-lhe um olhar venenoso, Kerry disse: — A história. Você seria envolvido no resgate de nove órfãos. — Transportando estrangeiros ilegais para os Estados Unidos. Ela meneou a cabeça. — Nós temos sanção de imigração. Todas as crianças são candidatas para adoção por pais americanos. — Kerry viu uma leve alteração na expressão cética dele e tirou vantagem disso. — Você estaria bem ali, sr. 0'Neal, registrando tudo numa câmera. A história teria muito mais impacto do que a que você já tem. — Tinha. — Tinha — concedeu ela com sentimento de culpa. Eles se contemplaram cautelosamente. — Onde estão as crianças? — perguntou Linc, quebrando o longo silêncio. — A aproximadamente cinco quilômetros ao norte daqui. Eu as deixei escondidas lá, ontem à tarde. — O que você estava fazendo com elas? — Ensinando-as. Eu estou aqui há dez meses. Os pais dessas crianças estão todos mortos, ou assim foram considerados. O vilarejo deles foi incendiado um mês atrás. Nós estamos procurando alimentos e vivendo em abrigos temporários, enquanto arranjos estavam sendo feitos para tirar as crianças de Monterico e levá-las para os 27
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Estados Unidos. — Que arranjos? Com quem? — Com a Fundação Hendren, nomeada em honra de Hal Hendren, um missionário que foi morto aqui quase dois anos atrás. A família fundou a organização de assistência humanitária logo após a morte dele. — E você acha que eles estarão no ponto de encontro combinado, como prometeram? — Com certeza. — Como você recebe as informações? — Por um courier. Linc deu uma risada. — Que venderia a irmã por um maço de cigarros. O que, por acaso, eu preciso muito — murmurou ele, apalpando os bolsos até que encontrou um maço. Descobriu que estava vazio. — Tem algum? — Não. — Imaginei. —Ele praguejou. —Você confia nesse courier? — As duas irmãs dele estão entre os órfãos. Ele as quer longe daqui. O pai foi baleado pelo exército regular como um espião para os rebeldes. A mãe foi... ela foi morta, também. Linc apoiou-se contra a lateral da caminhonete e mordeu o lábio inferior. Olhou para o seu filme no chão. O provérbio do leite derramado caía bem naquela situação. Ele levaria muito tempo para perdoar, mas não havia nada que pudesse fazer para salvar o filme agora. Só lhe restava duas escolhas. Poderia retornar para a cidade e implorar misericórdia para aquele tirano que chamava a si mesmo de presidente. Mesmo se conseguisse, iria para casa de mãos vazias. A outra escolha era igualmente detestável. Ainda não estava pronto para se tornar aliado da mulher que lhe armara uma cilada. — Por que você teve de me sequestrar? — Você teria vindo comigo se eu tivesse pedido por favor? — Ela recebeu um arquear de uma sobrancelha escura como resposta. —Achei que não. Eu não pensei que nenhum mercenário se importaria com um grupo de crianças. — Estava certa. Ele provavelmente teria pegado seu dinheiro adiantado, seguidoa até o esconderijo, cortado o pescoço das crianças, estuprado você antes de matá-la, e considerado esse um bom trabalho pelo dia. Kerry empalideceu e cruzou os braços sobre o peito. — Eu nunca pensei nisso. — Não pensou em muitas coisas. Como comida. E água fresca. — Eu estava contando com você... com a pessoa que viesse para cá... para pensar em todos esses detalhes. — Não detalhes — disse ele com veemência. — Necessidades fundamentais. Kerry não gostava que ele lhe falasse como se ela fosse retardada mental. — Eu não sou covarde, sr. 0'Neal. Sofrerei qualquer dificuldade necessária para tirar aquelas crianças do país. 28
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Elas podem todas morrer antes de cobrirmos aqueles oitenta quilômetros. Você está preparada para fazer isso? — Se elas ficarem, morrerão do mesmo jeito. Linc a estudou por um momento, e decidiu que ela não era totalmente frágil, afinal de contas. Era necessária considerável coragem para fazer o que ela havia feito na noite anterior. — Onde é o ponto de encontro? Satisfação brilhou no rosto de Kerry, mas ela não sorriu. Em vez disso, virou-se e correu para uma árvore caída na extremidade da clareira. Após enfiar uma vareta entre as folhas para espantar quaisquer cobras que pudessem estar ali, abrigando-se do calor, estendeu o braço e puxou uma mochila. Abrindo-a enquanto atravessava a clareira, Kerry retirou um mapa assim que chegou à caminhonete, abrindo-o sobre o capo ensolarado. — Aqui — disse ela, apontando. — E nós estamos aqui. Linc tinha viajado com guerrilheiros rebeldes poucas semanas atrás. Sabia onde a maior parte das lutas era concentrada. Olhou para a expressão de expectativa da mulher, seus olhos dourados duros como pedras. — Esta é uma selva sólida, infestada de tropas. — Eu sei. — Então, por que lá? — Porque a área é pesadamente patrulhada. Ao longo daquela extensão da fronteira, eles usam o equipamento de radar menos sofisticado. O avião terá mais chance de passar sem ser detectado. — Essa é uma missão suicida. — Eu sei disso, também. Furioso, Linc lhe deu as costas. Droga! Ela lhe dava aquele olhar derretido, exatamente como fizera na noite anterior. Só que dessa vez ele podia ver-lhe os olhos azul-escuros claramente. Aquele olhar que o fizera jogar a cautela ao vento, dizer adeus ao bom-senso e segui-la para fora do bar. Ela poderia não ser prostituta, mas conhecia muito bem seus próprios atributos. Sabia como excitar um homem e torná-lo maleável ao mesmo tempo. Linc tinha bebido bastante na noite anterior, mas não ficara tão bêbado a ponto de não se lembrar que a beijara, que a tocara, e que havia gostado imensamente das duas coisas. Ela era uma moça corajosa, algo que ele admirava. Mas não era a coragem da mulher que queria ter quente e desejosa sob si. Era o corpo dela. Queria estar entrelaçado naqueles membros longos e bem-formados, sentir aqueles cabelos sedosos em seus dedos. Ele sabia, mesmo quando se decidiu, que iria pagar caro por aquela decisão imprudente. — Cinquenta mil dólares. Após um momento de choque inicial, Kerry murmurou: — Esse é o seu preço? — Se você não pode pagar, nós não temos um acordo. Ela ergueu o queixo com 29
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown firmeza. — Combinado. — Não tão depressa. Aqui vão algumas regras básicas. Eu sou o chefe, certo? Sem discussão. Sem brigas. Quando eu lhe disser para fazer alguma coisa, você faz sem pedir explicações. — Linc pontuou suas palavras balançando o indicador diante do nariz dela. — Eu vivi na floresta por quase um ano — protestou ela arrogantemente, querendo bater naquele dedo para tirá-lo de sua frente. — Numa escola com um bando de crianças. Isso é um pouco diferente de vaguear pela selva com elas no seu rastro. Se não formos atacados, será um milagre. A única maneira de eu arriscar essa loucura é fazendo tudo do meu jeito. — Tudo bem. — Tudo bem. Vamos começar. Três dias não é muito tempo para cobrir o território entre aqui e a fronteira. — Assim que eu trocar de roupa, iremos pegar as crianças e reunir suprimentos. — Kerry tirou uma calça caqui, uma blusa, meias e botas da mochila que tinha pegado da árvore vazada. — Vejo que você pensou em tudo. — Inclusive na água. — Ela lhe passou um cantil. — Sirva-se. — Obrigado. Kerry permaneceu parada ali, sem graça, segurando a muda de roupas contra o peito. — Você pode me dar licença, por favor, enquanto eu troco de roupa? Linc abaixou o cantil da boca. Seus lábios estavam brilhando com a umidade. Secou-os com o dorso da mão, nunca desviando os olhos do rosto dela. — Não.
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Capítulo Três — Não? — Sim. — Sim, você quer dizer não? Lincoln 0'Neal cruzou os tornozelos, dobrou os braços na cintura, e inclinou a cabeça para um lado. Arrogância personificada. — Não, eu não vou lhe dar licença. Na verdade, não irei me mexer. Kerry não podia acreditar naquilo. — Você seria rude o bastante para me recusar um pouco de privacidade? — Tubarões tinham sorrisos mais gentis do que aqueles que ele lhe dava. — Então esqueça isso — acrescentou ela de maneira veemente. — Eu não irei trocar de roupa até que cheguemos ao lugar onde escondi as crianças. — Pensei que você tivesse dito que não era covarde. A trança de Kerry quase bateu no rosto dele quando ela girou a cabeça num movimento brusco. O cretino a estava provocando. Ela não podia recusar nenhum desafio lançado por aqueles olhos sardônicos. Mesmo agora, ele poderia desistir do acordo deles. O que não a surpreenderia de forma alguma. Ele obviamente não tinha consciência. Por enquanto, Kerry não possuía escolha senão jogar conforme as regras tolas dele. — Tudo bem. Eu irei trocar de roupa. Ela virou-se de costas para ele elevou as mãos para trás, a fim de abrir o zíper do vestido. — Permita-me. Lincoln O’Neal se aproximou por trás. As mãos dele eram grandes e másculas, mas sensíveis o bastante para lidar com câmeras e lentes complexas. Aparentemente, ele era adepto a despir mulheres, também. O zíper não o intimidava ou o tornava desajeitado, deslizando por suas costas sem emperrar nenhuma vez. Aceitar um desafio era uma coisa, mas realmente dar prosseguimento ao mesmo era outra. Kerry pensara que tirar o vestido na frente dele não seria pior do que remover uma saída de banho na praia. Mas não tinha contado com Linc 0'Neal tomando uma parte ativa na atividade, ou em tê-lo tão perto que podia sentir a respiração dele em suas costas. O friozinho na boca de seu estômago ameaçou enfraquecê-la, até que ela tivesse se inclinado contra aquele corpo poderoso, como sentia o louco desejo de fazer. Centímetro por centímetro, sentiu suas costas sendo expostas para 0'Neal. Quando o zíper começou a se abrir, uma onda de calor percorreu lhe a pele desnuda, causada parcialmente pelo sol, muito por embaraço, e pelo conhecimento instintivo que os olhos dele estavam seguindo o caminho aberto por aquele zíper. Pareceu durar uma eternidade, mas finalmente chegou ao fim de sua trilha. — Obrigada. 31
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry desejou que a palavra de agradecimento tivesse saído com um tom mais autoritário, e menos ofegante. Ela afastou-se rapidamente. Hesitando apenas por alguns segundos, abaixou as alças dos ombros para os braços. O corpete fino caiu até sua cintura. Ela o deslizou sobre os quadris e acabou de removê-lo. Aquilo a deixou com nada além de uma calcinha e sandálias de tiras. O calor forte do sol penetrava sua pele nua. A umidade envolvia lhe a pele como beijos molhados. Toda a vida selvagem ao redor das árvores foi silenciada, como se eles estivessem assistindo de cima, impressionados pela performance dela. As mãos de Kerry estavam tremendo enquanto ela vestia a calça apressadamente. Mal conseguiu abotoá-la antes de colocar sua camisa branca de mangas curtas. Fechou apenas os dois primeiros botões, então amarrou a fralda da camisa na cintura. Puxou a longa trança de baixo da gola, e abaixou-se para pegar o vestido horroroso, o qual, sob outras circunstâncias, ela teria ficado contente em descartar. Foi quando estava curvada a partir da cintura que Linc pressionou uma mão de cada lado de sua cintura. — Deixe-me em paz — avisou ela numa voz baixa. — De jeito nenhum, queri... O termo carinhoso morreu nos lábios dele quando ela endireitou o corpo e se virou, segurando o revólver de Linc em ambas as mãos, e apontando diretamente para o centro de seu peito largo. — Você e eu temos um acordo profissional, sr. 0'Neal. Estritamente profissional. Eu não lhe darei qualquer outro tipo de atenção. E se você tentar me agarrar novamente, eu o matarei. — Duvido disso. — As feições dele permaneceram imperturbáveis. — Estou falando sério! — gritou Kerry. Então aproximou mais a arma do peito dele. — Ontem à noite, eu tive de tolerar seus avanços nauseantes por necessidade, mas nunca mais me toque. — Tudo bem, tudo bem. Ele levantou as mãos em rendição. Pelo menos, foi isso o que Kerry pensou que ele iria fazer. Todavia, com uma velocidade misteriosa e uma facilidade humilhante, ele derrubou lhe a arma pesada das mãos. O revólver caiu com um estrondo sobre o capo da caminhonete, então escorregou para o chão. Linc prendeu um de seus braços na lateral, e o outro atrás dela. — Nunca mais aponte uma arma para mim, entendeu? Entendeu? — Linc ergueu lhe mais o braço, até que a mão estivesse quase entre as escápulas. — Você está me machucando — reclamou Kerry. — Não tanto quanto você teria me machucado se aquele 357 tivesse disparado — gritou ele. — Eu nem mesmo sei como funciona um revólver — gritou ela de volta. — Mais uma razão pela qual você não deveria tentar uma coisa tão tola. — Desculpe-me. Por favor. — Lágrimas de humilhação estavam inundando os olhos de Kerry. Ele liberou a pressão em seus braços, mas continuou segurando-a contra si. — Eu deveria torcer seu pescoço por seu pequeno truque — disse ele. — Em vez 32
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown disso... — Linc abaixou a cabeça em direção à dela. — Não! — Sim. O beijo foi tão possessivo quanto àqueles da noite anterior. Os lábios dele eram sedentos, apaixonados, firmes e, ao mesmo tempo, incrivelmente suaves. A língua sensual deslizou para dentro da boca de Kerry, causando-lhe tensão, mas ela não ofereceu resistência. Linc explorou lhe a boca sem pressa. Embora sua língua se movesse preguiçosamente, ele era o diretor inquestionável do beijo. Kerry era a que respondia. Sem poder evitar, quando sentiu aquela língua se entrelaçando com a sua, ela correspondeu. Linc levantou a cabeça. Os olhos azul-escuros se abriram lentamente, como se estivessem drogados. — Avanços nauseantes, huh? — Os olhos dele eram maliciosos. — Eu não acredito que você ache meus avanços nauseantes, afinal de contas. Com uma ousadia de tirar o fôlego, ele cobriu-lhe um dos seios com uma mão, acariciando-o através da camisa. — Não faça isso. — Kerry não ousou dizer mais nada por medo de emitir o gemido de prazer que sentia se construindo por trás da mão que a acariciava. — Por que não? — Porque eu não quero que você faça. — Sim, você quer — contradisse Linc com convencimento audacioso. — Esta pode se provar ser uma expedição interessante, no final das contas. Para nós dois. Podemos começar a estabelecer o clima agora. — Por favor, não. — A voz de Kerry tremeu e se transformou num gemido enquanto o centro de seu peito se erguia para encontrar as carícias preguiçosas do polegar dele. — Você gosta disso — sussurrou ele contra seu pescoço. — Não. Não, eu não gosto. — Oh, sim. — Linc capturou lhe o lóbulo entre os dentes e mordiscou-o de levinho. — Mesmo que faça esse ato irritadiço de "não me toque", você é uma mulher que responde a um homem. — Ele sorriu quando um leve movimento de seus quadris a fez gemer. Roçou-se sobre ela sugestivamente. - Um homem excitado a esquenta como um fogo, não é? A menos que isso fosse verdade, você não teria me convencido a acompanhá-la ontem à noite. - Você estava bêbado. Poderia ter seguido qualquer mulher daquela cantina. — Acho que não. Eu estava bêbado, mas reconheci sua natureza ardente sob o exterior frio. Bem, ninguém permanece frio nesta selva, querida. Você irá se derreter. — Pare. — Kerry pôs toda sua força naquele comando, de modo que seu protesto não soasse tão fraco quanto sua resolução por trás do mesmo. — Por enquanto — murmurou ele, abaixando a mão do seio dela. — Porque ainda estou furioso pelo fato de você ter me apontado aquela arma. Quando a hora certa chegar, você vai suplicar pelos meus toques. Tamanha audácia teve um efeito saudável sobre Kerry, levando-a a lutar com 33
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown fervor. — Não conte com isso. Ela teve sucesso em empurrá-lo somente porque Linc lhe permitiu fazer isso. Ele meramente riu, enquanto se abaixava e pegava seu revólver, guardando-o dentro do cós da calça. Kerry observou, até perceber para o que estava olhando, e erguer os olhos rapidamente. Ele estava lhe sorrindo de modo insolente quando falou: — Entre no carro. Eu irei dirigindo. Você pode calçar suas botas na caminhonete. Ele já tinha assumido o controle, e pelo momento, isso era bom para Kerry. O abraço deles perturbara-a. Porque tinha sido devotada em seu trabalho com as crianças durante os últimos dez meses, e, não sentira a falta da companhia de homens. Não havia ninguém a esperando em seu retorno aos Estados Unidos. Não estivera romanticamente envolvida com ninguém desde que viera para Monterico. Por causa de sua falta de envolvimento com o sexo oposto, seu ser inteiro havia sido assaltado pela súbita intrusão de Linc 0'Neal em sua vida. Ele lhe despertara um desejo que não existira no dia anterior. Aquilo era tanto excitante quanto vergonhoso. Kerry temia a virilidade dele, mas sentia-se fascinada pela mesma, também. O homem exemplificava masculinidade em sua forma mais primitiva. O gosto salgado e o cheiro da pele, a aspereza da barba, a rouquidão da voz... tudo aquilo a atraía. A altura, o físico espetacular e os músculos bem torneados eram um contraste agudo com sua feminilidade. Infelizmente, ele possuía um caráter desprezível e uma personalidade irritante. Se não fosse pelas crianças órfãs, Kerry se agarraria ao seu orgulho ferido e se embrenharia na selva para se esconder e fugir. Já tivera um explorador em sua vida. Não queria outro. Seu pai tinha sido manipulador e uma fraude. Pelo menos, sr. 0'Neal era sincero. Admitia livremente o que queria. Quando a corrupção de seu pai tinha sido descoberta, Kerry sofrera em silêncio, por vergonha e por amor. Não estava disposta a permanecer silenciosa com Lincoln 0'Neal. Não lhe devia nada além de cinquenta mil dólares. Ele certamente não tinha direito à sua devoção e respeito. Se fizesse alguma coisa que ela não gostasse, Kerry lhe diria isso sem escrúpulos.
Apesar de toda a sua antipatia pelo homem, sentia-se grata que 0'Neal estivesse em sua companhia. Ela não queria admitir nem para si mesma o medo que tivera da ideia de transportar as crianças pela floresta sozinha. Suas chances de sobreviverem à viagem e escaparem do país com sucesso eram poucas, mas, pelo menos, tais chances aumentavam com 0'Neal. — Há uma ponte estreita de madeira mais à frente — Kerry lhe disse agora. Uma vez que ela o direcionara para a estrada, eles tinham ficado em silêncio. Ela sentia uma pequena satisfação em saber que ele ainda estava sofrendo os efeitos de uma ressaca. — Logo depois que você atravessar a ponte, há um caminho à sua esquerda. 34
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Para dentro da selva? — perguntou ele, olhando para a frente. — Sim. As crianças estão escondidas a centenas de metros da estrada. Ele seguiu suas instruções até que o progresso da caminhonete foi impedido pela densidade da floresta. — Eu terei de parar aqui. — Tudo bem. Não devemos nos demorar muito. Linc parou a caminhonete e Kerry desceu. — Por aqui. — Ela começou a andar através das árvores, ansiosa para ver as crianças. Sua longa trança enlaçava-se nas videiras. Galhos batiam contra seu rosto e arranhavam seus braços. — Nós poderíamos usar o seu facão. — Cortar plantas deixa um rastro — disse Linc. — A menos que isso se torne absolutamente necessário, é melhor tentarmos suportar o caminho difícil. Kerry imediatamente se arrependeu de ter reclamado. — É claro. Eu deveria ter pensado nisso. De alguma maneira, sentiu-se recompensada quando eles chegaram ao local do esconderijo, e isso passou despercebido por Linc. Ela parou, virou-se para encará-lo, e deparou-se com um olhar interrogativo antes que chamasse um nome suavemente. —Joe. Joe, está tudo bem. Você pode sair. Linc olhou na direção de um som à sua esquerda. A folhagem grossa se moveu, depois se abriu. Diversos pares de enormes olhos cor de café o fitaram de trás das árvores. Um jovem alto e magro materializou-se, saindo de trás da tela verde de folhas. O garoto, cuja idade Linc estimou ao redor de 14 anos, tinha o rosto sério, parecendo muitos anos mais velho do que seu corpo juvenil. Ele olhou para Linc com um misto de hostilidade e desconfiança. — Este é Linc 0'Neal — Kerry falou para o garoto. — O homem que eu escolhi para nos ajudar. Linc, este é Joe, o mais velho do grupo. Linc a olhou rapidamente, imaginando se ela percebera que tinha usado seu primeiro nome. Aparentemente, não. Ele estendeu a mão para o garoto. — Olá, Joe. Joe ignorou a mão de Linc, e abruptamente virou-se de costas. Num espanhol rápido e suave, chamou as crianças para fora do esconderijo. Em pares e sozinhas, elas emergiram do local secreto. Uma das meninas mais velhas estava segurando uma criancinha em seu quadril. Andou diretamente para Kerry e entregou-lhe a criança. A garotinha envolveu os braços ao redor do pescoço de Kerry de maneira confiante e amorosa. Kerry beijou a bochecha suja da menina e acariciou lhe os cabelos. As outras crianças a cercaram. Parecia que cada uma tinha alguma coisa vital para comunicar. Elas competiam pela atenção de Kerry, embora ela a dividisse com tanta diplomacia quanto um candidato concorrendo a um cargo público. Linc sabia espanhol apenas o bastante para conseguir se alimentar e entrar no banheiro certo. As crianças conversavam com tanta empolgação que ele não podia entender o que catavam dizendo para Kerry. Registrou apenas uma palavra, repetida 35
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown com frequência. — Hermana? — disse ele. — Irmã — respondeu Kerry distraidamente, enquanto limpava o rosto da criancinha pequena com cuspe em seus dedos. — Por que elas chamam você de... A pergunta de Linc nunca foi completada. Quando a percepção o assolou, seu rosto empalideceu totalmente. Se ele tivesse sido atacado com um machado, não teria ficado mais atônito. Rindo de uma das histórias desarticuladas das crianças, Kerry o olhou e perguntou distraidamente: — Perdão, o que você falou? — Eu perguntei por que as crianças a chamam de irmã. — Oh, eu... Ela o encarou, então, viu a expressão perplexa dele e percebeu a que conclusão Linc havia chegado. Achava que Irmã Kerry tinha um significado religioso. Uma rápida negação estava na ponta de sua língua, mas, numa fração de segundo, ela reconsiderou. Por que negar o que ele obviamente estava pensando? Sem querer, Linc lhe proporcionara um jeito de recusar seus avanços sexuais sem colocar em risco a lealdade dele para com aquela missão. Kerry procurou na mente um motivo pelo qual deveria corrigi-lo, mas não encontrou nenhum. Também questionou sua consciência, mas não se aprofundou muito na questão. Estava fazendo isso pelo bem dos órfãos. Antes que sua consciência tivesse tempo de pesar e questionar seus motivos, Kerry abaixou os olhos num gesto recatado. — Por que mais? Ele chamou uma divindade, mas não numa oração. Kerry reagiu com séria desaprovação. — Controle seu linguajar, por favor. — Quando ele murmurou um pedido de desculpas, ela soube que sua artimanha tinha funcionado. Precisou de toda a sua habilidade em representar para não rir alto. — Você gostaria de conhecer as crianças? — São todas tão amigáveis quanto Joe? — perguntou Linc. — Eu falo inglês — disse o garoto com orgulho feroz. Linc, imperturbado por seu lapso, devolveu de imediato: — Então seus modos não valem um centavo. Kerry interferiu rapidamente: — Joe, você pode, por favor, mexer o fogo? Iremos alimentar as crianças antes de irmos. — Joe enviou um olhar ressentido para Linc antes de ir executar a tarefa que Kerry lhe designara. — Crianças — continuou Kerry em espanhol, e gesticulou para pedir silêncio — este é senhor O'Neal. — Peça-lhes que me chamem de Linc — ele murmurou para ela. Kerry fez isso. Oito pares de olhos o fitaram com curiosidade temperada com cautela. Ela lhe apresentou uma por uma. — E o nome da mais nova é Lisa. Linc reconheceu cada apresentação solenemente, apertando as mãos dos garotos 36
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown e fazendo uma reverência a partir da cintura para as meninas, que riram em resposta. Ele deu um tapinha no nariz de Lisa de brincadeira, cuidando para não tocar em Kerry no processo. Disse olá para as crianças em espanhol, o que praticamente esgotava seu vocabulário. — Diga-lhes que eu cuidarei deles durante a jornada. — Ele falou devagar, de modo que Kerry pudesse traduzir simultaneamente. — Mas eles devem me obedecer... sempre. — Linc lhe deu um olhar que dizia "Isso inclui você", antes de continuar: — Quando eu lhes pedir para ficarem quietos... eles devem ficar quietos... silenciosos... Sem fazer movimentos, sem nunca se afastar do grupo. Se todos fizerem tudo o que eu disser... nós chegaremos ao avião... que nos levará para os Estados Unidos. Os rostos das crianças brilharam com felicidade quando eles ouviram as últimas duas palavras. — Se eles forem muito bonzinhos durante a viagem... e tiverem tudo o que eu pedir... quando chegarmos aos Estados Unidos, eu levarei todos ao McDonald's. — Isso é muita consideração de sua parte — murmurou Kerry suavemente — mas eles não sabem o que é um McDonald's. Não poderiam nem imaginar, mesmo se eu tentasse explicar. — Oh. — Linc olhou para os oito rostos voltados para ele, e seu coração pareceu girar dentro do peito. — Bem, pense numa recompensa apropriada — disse com fingida impaciência. Depois de comerem uma pasta desagradável ao paladar, feita de arroz e feijão, eles começaram a coletar suas escassas provisões. Quando só restavam as crianças para serem carregadas, Linc pegou uma de suas câmeras da caminhonete e começou a sacar fotos. — Irmã Kerry, se você puder... — Por favor. Somente Kerry está bem. Ele assentiu bruscamente. Não a olhara diretamente desde que descobrira sobre a vocação dela. — Se você puder reunir todos para uma fotografia em grupo... — É claro. Em minutos, estavam todos posando para ele. As crianças estavam excitadas e sorridentes. Lisa chupava o polegar. Joe se recusou a olhar nas lentes, e escolheu focar nas árvores ao redor. O sorriso de Kerry era forçado. — Certo, vamos — disse Linc, guardando a câmera de volta em sua capa. Pendurando a alça ao redor do pescoço, sustentou com o ombro um saco de comida enlatada que Joe tinha trazido do vilarejo mais próximo na noite anterior. — Você geralmente não tira fotos em ação? Por que quis uma fotografia do grupo posando? — Kerry perguntou para Linc enquanto eles iam em direção à caminhonete. — Caso algumas das crianças não consigam chegar ao fim da jornada. A resposta direta fez Kerry, que estava carregando Lisa, parar abruptamente no caminho da floresta. Ela virou-se para encará-lo. 37
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Essa é uma possibilidade? — Onde está sua cabeça? — Naquele momento, teria sido difícil especificar por que ele estava tão zangado com ela. — Nas nuvens? Há soldados dos dois lados que matariam estas crianças num minuto apenas pelo entretenimento de uma noite. Ela tremeu por dentro, mas recusou-se a deixá-lo ver seu medo. — Você quer desistir. Linc abaixou o rosto para perto do dela. — Pode estar certa de que quero. E se você tivesse algum bom-senso, o que estou começando a duvidar seriamente, também desistiria. — Eu não posso. Ele praguejou de maneira expansiva, e não se desculpou desta vez. — Vamos, nós estamos perdendo tempo. Quando eles chegaram à caminhonete, a expressão sombria de Linc refletia seu pessimismo. Os nove órfãos estavam amontoados na caçamba do veículo, juntamente com as câmeras fotográficas e equipamentos, seus suprimentos escassos, mas que ocupavam espaço, e Kerry. — Lamento que você não possa viajar no banco da frente — disse ele, observando-a acomodar Lisa no colo. — Mas, se nos formos parados, eu posso passar Joe como meu criado. — Ele olhou para a figura irrequieta de Kerry, a qual nem mesmo o traje de safári disfarçava. — Sem aquele vestido horrível, você não parece muito uma, uh... — Eu entendo. As crianças ficarão melhores se eu estiver atrás, de qualquer forma. Apenas me avise com o máximo de antecedência possível se vir uma patrulha. Eu colocarei a lona sobre nós. — Ficará sufocante embaixo da lona. — Eu sei. — Se nós formos parados, as crianças devem permanecer absolutamente silenciosas e imóveis. — Eu expliquei isso a elas repetidamente. — Ótimo — murmurou ele, assentindo com um movimento tenso da cabeça. — Vocês têm água? — Sim. Você está com o mapa? — Eu sei para onde estamos indo. — Linc a olhou com uma expressão séria. — Apenas espero muito que cheguemos lá. Eles trocaram um olhar significativo, antes que ele subisse no assento de motorista e ligasse o motor. Kerry nunca estivera tão desconfortável na vida, embora tentasse assumir uma postura corajosa e contente para as crianças. Na estrada lamacenta e esburacada da floresta, elas eram jogadas de um lado para o outro na caçamba da caminhonete. Pelo menos, o movimento de balanço constante impedia que os enormes mosquitos e outros insetos as mordessem. Elas nunca tiveram de se esconder sob a lona, mas o sol as queimava sem 38
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown misericórdia. E quando as árvores proporcionavam sombras, trocavam o sol feroz por umidade tão densa que podia cortar como uma faca. As crianças reclamavam de sede, mas Kerry racionava a água cuidadosamente. Água fresca poderia não ser fácil de conseguir. Além disso, quanto mais elas bebessem, maior a frequência em que Kerry teria de pedir para Linc parar. Queria evitar pedir-lhe quaisquer favores. Ele continuou dirigindo mesmo depois que o sol tinha descido abaixo da linha das árvores, e coberto a floresta com um crepúsculo prematuro. Escuridão havia caído completamente no momento em que eles atravessaram um vilarejo deserto. Como uma precaução de segurança, Linc sinalizara para que Kerry escondesse as crianças e a si mesma sob a lona. Ele circulou o vilarejo, e quando decidiu que o lugar estava realmente deserto, dirigiu um quilômetro adiante, e parou a caminhonete numa clareira. — Vamos parar aqui pela noite. Kerry agradecidamente pegou a mão dele e deixou-o erguê-la da caçamba para o chão. Ela plantou ambas as palmas nas costas e arqueou-a, estendendo seus músculos comprimidos. Linc desviou o olhar dos seios dela, os quais foram enfatizados pelo exercício de alongamento. Eles esticaram o tecido molhado de suor da blusa. Ele não pôde evitar lembrar como aqueles seios tinham sido responsivos ao seu toque. Pigarreou desconfortavelmente. — Você ficará bem se eu voltar a pé para o vilarejo e explorar ao redor? — É claro. Nós podemos fazer um fogo? — Sim, mas mantenha-o pequeno. Eu levarei Joe comigo. Aqui — Linc tirou o revólver do cinto e virou-o, estendendo-o para ela. Kerry pegou, mas olhou para a arma com medo. — Eu lhe disse esta manhã que não sei usar isto. Ele lhe ensinou brevemente. — Se você precisar atirar certifique-se de que seu alvo está perto o bastante, como eu estava esta manhã. Dessa forma, não pode errar. — Linc deu um sorriso. Ela sorriu de Volta. Então, ele e o garoto desapareceram na escuridão. Kerry pôs uma das meninas mais velhas para cuidar das crianças menores, e enviou os meninos para reunirem gravetos. No momento em que Linc e Joe retornaram, uma pequena fogueira iluminava ao redor. Joe estava carregando cobertores. Os corpos de dois frangos magros estavam pendurados da mão de Linc. — Fogo perfeito — ele falou para Kerry. — Obrigada. — Estes não darão para muita coisa. — De modo apologético, ele indicou os frangos. — Mas foi tudo o que consegui encontrar. — Eu irei abrir uma ou duas latas de vegetais e fazer um cozido. Linc assentiu e afastou-se de Kerry e das crianças para depenar e temperar os frangos. Pelo que ela ficou imensamente grata. Embora tivessem cochilado enquanto viajavam, as crianças estavam quase exaustas demais para comer. Kerry as encorajou, sabendo que aquela poderia ser a 39
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown última refeição quente por alguns dias. Finalmente, estavam todas alimentadas e deitadas em colchões de palha na caçamba da caminhonete. Kerry estava sentada perto do fogo baixo, saboreando uma preciosa xícara de café, quando Linc se juntou a ela e preencheu sua xícara. — Você vê ou ouve alguma coisa? — perguntou ela num sussurro. — Não. Está tudo silencioso. O que é quase enervante. Eu preferiria saber onde eles estão. — Eles? — Todos, exceto nós. — Linc sorriu. O fogo iluminou seus dentes grandes e brancos. Kerry desviou o olhar. A visão era perturbadoramente atraente. — Você me surpreendeu. — Como? — Sendo tão maravilhoso com as crianças. Obrigada. — Obrigado pela aspirina, que ajudou a melhorar minha dor de cabeça e minha disposição. — Estou falando sério. Eu aprecio o jeito com que você está lidando com essas crianças órfãs. — Eu fiz coisas terríveis na minha vida, mas nunca abusei de uma criança — replicou ele com firmeza. Então deu um gole no seu café e estendeu as longas pernas à frente. Ela não pretendera insinuar que ele abusara de alguma criança, mas achou melhor não insistir no assunto. — Fale-me sobre elas — disse Linc após um longo momento. — Mary. — Ela nunca conheceu o pai — começou Kerry. — Antes que Mary nascesse, ele foi executado por circular propaganda. A mãe foi enviada para a prisão e está presumidamente morta. — Mike. Kerry já tinha traduzido os nomes das crianças para o inglês, de modo que elas começassem a se familiarizar com os nomes que ouviriam nos Estados Unidos. Ela lhe falou sobre o menino. — Carmen e Cara são irmãs do courier. O nome dele é Juan. — E Lisa? Kerry sorriu. — Ela é preciosa, não é? Quando a mãe de Lisa tinha apenas 13 anos, foi estuprada por um soldado rebelde. Ela tirou a própria vida depois que Lisa nasceu. Pelo menos, Lisa não conhece a dor de ter tido e perdido. — E quanto a ele? Kerry seguiu a direção do olhar de Linc. Joe estava sentado na extremidade da clareira, olhando para a floresta escura. —Joe — murmurou ela com melancolia. — Tão triste. — Quantos anos ele tem? — Quinze. — Ela lhe deu um resumo da história de Joe. — Ele possui uma mente 40
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown notável, mas é um produto de seu passado trágico. Hostil. Zangado. Antissocial. — Apaixonado por você. — O quê? — Ela olhou para Linc como se ele tivesse enlouquecido. — Não seja ridículo. Ele é apenas um garoto. — Que teve de crescer rapidamente. — Mas apaixonado por mim? Isso é impossível. — Dificilmente. Quando um garoto chega aos 15 anos, ele já... — Linc parou. — Suponho que sim — murmurou Kerry para cobrir a pausa desconfortável. — Você já tinha experiência com o sexo oposto aos 15 anos? — Ela não podia imaginar o que a levara a lhe fazer aquela pergunta. Não ousou olhá-lo, todavia, pelo canto do olho, viu o movimento da cabeça de Linc quando ele a estudou. — Eu pensei que ouvir confissões fosse trabalho de um padre. — E é. Desculpe-me. Nós estávamos falando sobre Joe. — Sabe o que ele fez com aquele vestido que você usou ontem à noite? — Ela meneou a cabeça. — Joe o queimou na fogueira. — Quando Kerry o olhou com incredulidade, Linc assentiu com um gesto de cabeça. — Eu o vi jogar o vestido nas chamas e observar até que o tecido fosse consumido. — Mas foi ele quem roubou o vestido. Joe sabia por que eu tive de usá-lo. — Ele também sabia que o vestido me ajudaria a chegar aqui. Detesta a si mesmo por contribuir para sua vergonha. — Você está imaginando coisas. — Não. Joe é extremamente protetor em relação a você. — Ele nunca foi antes. Nós não estamos em perigo iminente. Contra o que Joe está me protegendo? — Contra mim. A luz do fogo foi refletida nos olhos de Linc, fazendo-os parecer mais dourados do que castanhos. Ele tinha tirado a camisa mais cedo no dia, e estava usando apenas uma camiseta verde-exército com decote V. A pele parecia suave como madeira polida. A parte do peito revelada pelo decote era coberta por pelos castanhos que tinham a mesma tonalidade avermelhada dos cabelos. Formavam cachinhos contra a pele bronzeada, e se tornavam dourados toda vez que a luz do sol... ou do fogo... batia ali. Desconfortável, Kerry desviou os olhos. Quando Linc finalmente quebrou o silêncio tenso, sua voz era rouca. — Por que você não me contou? — Não havia nada para contar — replicou ela honestamente. — Eu discordo, srta. Bishop. — O semblante dele estava tenso e zangado. — Por que você não me impediu de beijá-la? — Se você se recordar bem, eu tentei. — Não muito arduamente. Kerry o olhou perplexa pela defesa correta das ações dele. — Eu escolhi ser beijada a ser morta. — Você nunca esteve sob ameaça de morrer, e sabe disso. Uma palavra. Só precisaria ter dito uma palavra, e eu a teria deixado em paz. 41
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Esta manhã, talvez, mas e quanto a ontem à noite? — Isso é diferente. — Porque você estava bêbado? — Sim. — Linc podia ver que ela considerava a embriaguez uma desculpa fraca. — Bem, o que eu deveria pensar? — demandou ele na defensiva. — Como um homem deve reagir a uma solicitação de uma prostituta? — Com certeza, eu não sei — disse Kerry friamente. — Agora você sabe. Um homem reage a uma prostituta exatamente do jeito que eu reagi a você ontem à noite. O vestido, os cabelos, o sorriso sugestivo, o pacote inteiro era uma oferta que nenhum homem poderia recusar. Portanto, não me condene por morder a sua isca! — Irmã Kerry, está tudo bem com você? Os dois olharam para cima. Joe estava de pé um pouco mais à frente do círculo da fogueira. Suas mãos estavam cerradas em punhos, e os olhos encaravam Linc de maneira ameaçadora. — Está tudo bem, Joe — Kerry tranquilizou o garoto. — Vá dormir. Amanhã será um dia difícil. Ele pareceu relutante em relaxar sua vigilância, mas finalmente foi em direção à caminhonete e subiu na parte da frente, onde tinha sido decidido que ele e Linc dormiriam. Kerry e Linc olharam para as brasas da fogueira. O silêncio era tão perigoso quanto a selva que os cercava. — O que levou você a decidir fazer isso? — perguntou ele. — Eu precisava da ajuda de alguém. — Não, eu não quis dizer me recrutar. Eu quis dizer o que a fez decidir se tornar uma... você sabe? — Oh. — Ela dobrou os joelhos contra o peito e descansou o queixo neles. — Coisas. Circunstâncias. Ele iria ficar furioso se e quando descobrisse a verdade. A raiva desta manhã seria amena comparada à fúria que o dominaria quando descobrisse. Kerry já temia esse dia. Mas até que eles estivessem fora de perigo e nos Estados Unidos, ela teria de continuar com sua mentira, pois esta lhe servia de proteção contra ele. E, se fosse escrupulosamente honesta, proteção contra si mesma. Porque, apesar de todo o lado rude de Linc, Kerry o achava atraente num grau perturbador. Lincoln 0'Neal poderia ter saído de um catálogo de fantasias femininas. Era bonito de um jeito rústico, levava um estilo de vida extraordinário, convidava perigo, e demonstrava seu desrespeito por regras estabelecidas de comportamento. Ele seria um excelente amante. Linc a tratara de modo rude; suas carícias nem um pouco refinadas, mas tamanha audácia tivera seus próprios atrativos. Ele era o tipo de desafio ao qual nenhuma mulher poderia resistir. Um animal para domar. Um desordeiro para redimir. Kerry podia negar o quanto quisesse, mas a verdade era que ele a excitava. Então, para impedir a si mesma de fazer alguma coisa extremamente tola, deveria 42
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown considerar-se tão indisponível quanto Linc acreditava que ela fosse. De certa forma, ela estava fazendo um voto de castidade agora. Ele estava mexendo no fogo impacientemente com um graveto. Frustração era evidente em cada movimento de Linc, e no tom da voz dele. — Sendo quem você é, como pôde fazer o que fez ontem à noite? — Eu estava desesperada. Certamente, você pode entender isso agora. — Mas você foi tão convincente. Kerry se sentiu lisonjeada e envergonhada ao mesmo tempo — Eu fiz o que foi necessário. Podia sentir o olhar dele sobre si, e foi incapaz de não encontrá-lo. Do outro lado do fogo, eles se entreolharam. Cada um estava se lembrando das carícias de Linc, dos lugares proibidos onde ele a tocara, dos beijos íntimos que eles haviam compartilhado. Seus pensamentos corriam em paralelo. Estavam em línguas e seios, e insinuações que seria melhor não mencionar. Linc foi o primeiro a desviar o olhar. Sua expressão era tensa. Ele praguejou baixinho. — Talvez você tenha deixado de perceber sua vocação legítima. Representou tão bem o seu papel — disse ele em zombaria. — Mas, então, você tinha de fazer isso, não é? Precisava ter certeza de que eu a acompanharia, então me seduziu com algumas provocações, dando-me uma amostra de seu gosto... — Pare com isso! — Até que eu estivesse louco com a luxúria e não pensasse claramente. — Eu menti para você, sim! — exclamou ela. Temia a sedução contida nas palavras de Linc, e tinha de detê-las. — Eu lhe armei uma cilada e o enganei, sim. Sofri com seus abraços insuportáveis. E faria tudo de novo, se necessário, a fim de levar essas crianças para a segurança. — Lembre-se de me incluir em suas orações esta noite, Irmã Kerry — murmurou ele. —Eu certamente preciso delas. Linc rapidamente jogou o resto de seu café no fogo. As poucas brasas que restavam assobiaram como uma serpente. Uma nuvem de fumaça ergueu-se entre eles, simbolizando o inferno pelo qual ele estava passando enquanto se impedia de tocá-la.
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Capítulo Quatro Eles apareceram do nada. Os arbustos de cada lado da estrada se mexeram, e subitamente a caminhonete estava cercada por guerrilheiros que pareciam ter brotado das árvores. Linc pisou no freio, o qual fez um chiado agudo, parando o veículo de modo abrupto na faixa estreita de cascalho. As crianças gritaram de susto. Kerry, seus gritos se misturando aos dos outros, aconchegou Lisa mais junto a si. Quando a poeira abaixou, tudo ficou imóvel como numa fotografia. Ninguém se mexia. Até mesmo os pássaros da floresta pareciam sentir o perigo iminente, e permaneceram silenciosos em seus esconderijos no topo das árvores. Os guerrilheiros rebeldes seguravam M-16s e Uzis em seus quadris. As armas automáticas estavam, sem exceção, apontadas para a caminhonete e para seus ocupantes apavorados. Os rostos dos guerrilheiros eram jovens, porém sinistros. Alguns nem mesmo exibiam seus primeiros pelos no rosto, mas possuíam os olhos implacáveis de homens que não tinham medo de matar ou de morrer. Pela aparência das roupas que usavam, eles estavam vivendo na selva por muito tempo. O que não era propositadamente marcado com lama para camuflagem, era manchado com suor, sujeira e sangue. Os músculos dos homens se ondulavam. O sol brilhante era refletido em suas peles oleosas pela transpiração. Seus corpos eram magros, fortes, e tão inflexíveis quanto suas expressões faciais. Linc, tendo estado em todas as zonas de guerra desde o Vietnã, reconheceu as expressões estáticas e inflexíveis de homens que vinham matando por longo tempo. Aqueles homens eram acostumados com a morte. Uma vida humana, mesmo as suas próprias, tinha pouco valor para eles. Linc sabia que não devia fazer nada estúpido em nome do heroísmo. Manteve ambas as mãos no volante, onde eles poderiam vê-las facilmente. A única vantagem que ele, Kerry e as crianças possuíam era que obviamente não faziam parte do exército do El Presidente. Se fizessem, a caminhonete não teria sido parada, e sim destruída, e eles agora seriam alimentos para os animais da floresta. — Kerry — gritou Linc para que sua voz alcançasse a caçamba da caminhonete — fique onde está. Eu lidarei com isso. Mantenha as crianças o mais calmas e quietas possível. Diga aos guerrilheiros que eu vou abrir a porta e descer. Ela traduziu o recado de Linc para o espanhol. Não houve resposta do anel de rostos hostis. Linc entendeu que aquilo significava que não havia discussão. Abaixou lentamente a mão esquerda. Vários soldados reagiram instantaneamente. — Não, não! — gritou Kerry. Rapidamente, suplicou-lhes que não atirassem e explicou que senor 0'Neal só queria falar com eles. Bravamente, Linc abaixou sua outra mão e abriu a porta, descendo com cautela. Com as mãos erguidas acima da cabeça, afastou-se da caminhonete. Kerry arfou baixinho quando um dos guerrilheiros deu alguns passos à frente e 44
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown tirou o revólver do cinto de Linc. Ele recebeu ordem de tirar a faca da bainha, e, embora não fosse fluente em espanhol, Linc entendeu a ameaça sublinhando a ordem e obedeceu sem hesitação. — Nós estamos levando as crianças para uma cidade perto da fronteira — disse ele numa voz clara e alta — onde há comida e abrigo. Elas são órfãs. Nós não somos seus inimigos. Deixe-nos... A explicação de Linc foi interrompida violentamente quando um dos guerrilheiros aproximou-se e deu-lhe um soco na boca, fazendo sua cabeça virar com o golpe. Linc, que tinha se tornado mestre em luta de rua antes que quebrasse os molares, voltou com punho e dentes cerrados. Antes que pudesse lançar um contra-ataque, todavia, o soldado golpeou-o no estômago. Linc caiu no chão empoeirado. Sangue escorria do canto de sua boca. Kerry saltou por sobre a lateral da caminhonete e correu para onde Linc estava deitado, Segurando as costelas machucadas. Ignorou os rifles automáticos apontados na sua direção, e encarou o guerrilheiro. — Por favor, senõr, deixe-nos falar com vocês — disse ela apressadamente. — Eu lhe disse para ficar fora disso — reclamou Linc, erguendo-se sobre um joelho. — Volte para a caçamba da caminhonete. — E deixar você apanhar até morrer? — protestou ela. Jogando sua longa trança sobre um ombro, olhou para o homem que tinha batido em Linc. O distintivo na boina do homem o designava como o rebelde de posto mais alto no grupo. — O que o sr. 0'Neal falou é verdade — disse ela em espanhol. — Nós estamos apenas levando as crianças para um lugar mais seguro. — Vocês estão num veículo que pertence ao El Presidente. — Ele cuspiu no chão, perto dos pés de Kerry. Ela se controlou e rezou para que Linc fizesse o mesmo. — Isso está certo. Eu roubei a caminhonete do exército do El Presidente. Um dos soldados puxou Joe brutalmente do banco de passageiro, e começou a revistar a caminhonete. Voltou para seu líder, carregando a jaqueta e o quepe do uniforme oficial. O líder jogou os itens para Kerry de maneira acusadora. Ela disse: — O oficial descuidado os deixou sobre o assento quando entrou numa taverna para beber e apreciar as mulheres. — Aquilo produziu uma agitação de ressentimento entre os guerrilheiros. — O que está acontecendo? — perguntou Linc. Ele estava de pé ao lado dela agora. Um filete de sangue escorria pelo seu queixo, e ele esfregava as costelas esquerdas subconscientemente. Apesar disso, parecia inteiro. Somente muito, muito zangado. — Ele me perguntou por que estamos num veículo do exército. Eu tive de explicar sobre o uniforme. Lisa começou a chorar. Algumas das outras crianças também estavam chorando de medo. O capitão do bando estava ficando nervoso. Ele olhou para os dois lados da estrada. Raramente expunha seus homens a franco atiradores por tanto tempo. Ele deu uma série de comandos breves. Um de seus homens subiu na parte da 45
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown frente da caminhonete, ordenando que Joe fosse atrás com o resto das crianças. — O que foi agora? — Linc perguntou para Kerry. — Ele está nos levando para o acampamento deles. Linc praguejou. — Por quanto tempo? — Eu não sei. — Para quê? — Para decidir o que fazer conosco. Com armas em suas costas, eles foram empurrados para a frente. Kerry gritou para as crianças chorosas, dizendo-lhes que as veria em breve. Ela não podia suportar a visão daqueles rostinhos assustados e manchados de lágrimas enquanto a caminhonete passava. O comandante disse ao soldado que agora dirigia para pegar o atalho. Aparentemente, o acampamento não era longe. Os soldados se embrenharam na floresta silenciosamente. Eles se moviam através da vegetação rasteira sem perturbar uma única folha. Quando Linc tentou conversar mais com Kerry, foi avisado para ficar quieto. O comandante deu a ordem de maneira tão ameaçadora que Linc obedeceu, embora seu maxilar estivesse rígido pela fúria. Eles chegaram ao acampamento dos guerrilheiros no momento em que a caminhonete estava entrando na clareira do lado oposto. Kerry pediu permissão para ir até as crianças, a qual lhe foi concedida. Elas pularam pela lateral da picape, correndo em direção a ela, procurando segurança. Joe foi empurrado contra a lateral da caminhonete, juntamente com Linc. As sacolas com as câmeras de Linc foram tiradas da caçamba e abertas. Cada peça do equipamento fotográfico foi examinada. — Diga-lhes para tirarem suas mãos malditas de minhas câmeras — ele gritou para Kerry. Ela lhe enviou um olhar que o avisava para abaixar o tom de voz e controlar seu temperamento. Então olhou para o líder. — Sr. 0'Neal é um fotógrafo profissional. Ele tira fotos e vende-as para revistas de notícias. — Ele pareceu impressionado, mas ainda desconfiado. Numa inspiração repentina, Kerry olhou para onde Linc estava, contra a lateral da caminhonete, com uma arma apontada para ele. — Você tem uma câmera instantânea? — Sim. Às vezes eu a uso para montar cenários, para verificar os ângulos da luz. — E filme? — Ele assentiu. Kerry virou-se para o guerrilheiro, cujos olhos escuros estavam se movendo sobre ela de um jeito muito desconcertante. Ela ignorou a avaliação sexual ousada. — Gostaria que o sr. 0'Neal tirasse uma fotografia sua e de seus homens? Um retrato em grupo. Ela pôde dizer imediatamente que a ideia agradou aos guerrilheiros. Eles começaram a fazer piadas entre si, cutucando um ao outro de maneira provocativa, 46
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown usando suas armas automáticas como brinquedos. O líder pediu silêncio, e, tão rapidamente quanto a brincadeira alegre tinha começado, terminou. Todos ficaram imóveis. — Você pode me dizer o que está acontecendo? — Linc demandou numa voz tensa, mas controlada. Kerry contou-lhe o que tinha sugerido. — Talvez possamos subornar nossa liberdade com algumas fotografias. Linc olhou ao redor do grupo de homens hostis. — Talvez eles aceitem as fotos, mas nos matem de qualquer jeito. — Então pense em alguma coisa você! — sussurrou ela com sarcasmo. — Mesmo se conseguirmos sair daqui vivos, estamos perdendo tempo precioso. Linc a olhou com relutante respeito. A maioria das mulheres teria se dissolvido em crises histéricas depois da emboscada. Ele sabia por experiência que a mente astuta de Kerry era capaz de desenvolver planos alternativos conforme as demandas dê uma situação. — Tudo bem. Diga ao líder para alinhá-los, para afastar este sujeito daqui — disse ele, olhando para o homem que tinha o cano de sua M16 pressionado contra a barriga de Linc — e me deixar preparar a minha câmera. Ela falou ao rebelde o que Linc tinha dito. Quando viu que ele não estava tão empolgado com a ideia quanto seus homens, tentou convencê-lo. — Senor 0'Neal é famoso. Um vencedor de prêmios. As suas fotografias, e a de seus homens, irão aparecer em revistas por toda parte, demonstrando ao mundo seu espírito de luta e coragem. Lentamente, o guerrilheiro ponderou aquelas palavras, então de súbito abriu um sorriso amplo de aprovação. Seus homens, que haviam ficado em silêncio, começaram a conversar e rir novamente. — Pegue sua câmera — Kerry falou para Linc. — Comece com uma polaroide, de modo que eles possam ver resultados imediatos. Linc apreciou o ato de empurrar para o lado o homem que recebera ordem para controlá-lo com a arma. O que fez com mais força que o necessário, e foi recompensado com uma carranca. Então, abaixou-se sobre sua sacola, praguejando enquanto tirava poeira de seu equipamento caro, o qual tinha sido jogado no chão sem o menor cuidado. Enquanto ele carregava suas câmeras com filmes, tendo decidido que aquelas fotos não seriam somente salva-vidas, mas lucrativas também, Kerry organizava os soldados. Eles assumiram uma postura orgulhosa, mostrando suas Uzis como pescadores mostravam a maior caça do dia. — Eles estão prontos — ela avisou Linc. — Como estão as crianças? — perguntou ele, enquanto espiava através da mira e gesticulava para que os guerrilheiros se aproximassem mais. — Bem. Joe está cuidando delas. — Ela sabia agora por que Linc possuía todas aquelas linhas finas irradiando-se dos cantos de seus olhos. Ele estreitava os olhos dentro de câmeras com muita frequência. 47
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Diga-lhes para pararem de se mexer — murmurou ele, e Kerry fez isso. — Certo, agora conte até três. — Uno, dos, três — contou ela. Ele bateu a foto e câmera ejetou o filme automático exposto. Kerry o pegou de Linc, e perguntou: — Pode tirar outras? — Sim. Faça a contagem para eles. Após diversas fotografias tiradas, Kerry levou a câmera para o líder. Seus homens se inclinaram para mais perto, olhando para as fotos instantâneas até que elas fossem totalmente desenvolvidas. Risadas preencheram o ar. Insultos suaves foram trocados. Aparentemente, eles estavam satisfeitos com os resultados. Enquanto eles passavam as fotos ao redor, Linc sacou várias fotos com sua poderosa Nikon. Alguns daqueles homens, se tivessem nascido em outro lugar, estariam brilhando em fotos de formatura escolar e usando bonés de beisebol, em vez de revólveres. O contraste entre o deleite inocente sobre as fotografias e os cintos decorados com granadas em suas cinturas faria fotos que combinavam com a estampa de excelência do famoso Linc 0'Neal. Suas fotografias eram editoriais sem palavras. — Agora, enquanto eles estão de bom humor, vamos dar o fora daqui — sussurrou ele para Kerry. — Você faz a negociação, uma vez que parece ser tão boa nisso. Kerry não sabia se aquilo era um elogio ou um insulto, mas não se demorou analisando a questão. Eles precisavam seguir viagem o mais rapidamente possível. Cada hora contava. Só tinham mais dois dias para chegar à fronteira a tempo. Viajar com as crianças era uma atividade lenta. Eles não haviam coberto tantos quilômetros quanto deveriam, embora Linc estivesse dirigindo incessantemente. Kerry se aproximou com cautela do grupo de guerrilheiros. O mais discretamente possível, chamou a atenção do líder. — Podemos ir embora agora? Como se um botão os tivesse desligado, os soldados ficaram em absoluto silêncio. Todos observaram o líder de perto, medindo sua reação e antecipando sua decisão. A opinião dos homens era importante para o líder. Ele queria a estima e respeito de todos, e não ousaria fazer papel de tolo na frente deles. Sabendo disso, Kerry defendeu seu caso. — Vocês são guerreiros corajosos. Não é necessário muita coragem para aterrorizar crianças. Os homens do El Presidente são covardes, pois declaram guerra com mulheres e crianças, não com soldados como vocês. — Ela fez um gesto que englobava todo o grupo. — Vocês exterminariam crianças indefesas? Eu não acredito nisso, porque lutam por liberdade, pela vida. Deixaram para trás seus próprios filhos, ou irmãos e irmãs. Estas poderiam ser suas crianças. — Ela gesticulou em direção à caminhonete, onde as crianças estavam aconchegadas. — Ajudem-me. Deixe-me levá-las para um lugar mais seguro, longe das lutas. O líder focou nas crianças. Kerry pensou ter discernido uma centelha de compaixão, ou uma emoção muito perto disso, nos olhos impenetráveis do homem. 48
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Então ele olhou para Linc, e sua expressão tornou-se hostil novamente. — Você é mulher dele? — o líder perguntou para Kerry, gesticulando com o queixo em direção a Linc. Kerry olhou para Linc por sobre o ombro. — Eu... — O que ele lhe perguntou? — Linc não gostava da expressão no rosto do rebelde. Ela encontrou-se com olhar feroz do outro lado da clareira. — Ele perguntou se eu sou sua... mulher. — Diga que não. — Não? Mas ele acha... — Ele irá usar você para me atingir. Diga-lhe que não, droga! Ela encarou o comandante novamente. — Não. Eu não sou a mulher dele. O homem a estudou friamente. Então, num movimento que consternou Kerry, começou a sorrir. O sorriso que começou lento no rosto escuro e sinistro, transformou-se numa risada. Logo, o líder e seus homens estavam gargalhando de alguma coisa que somente eles entendiam e achavam graça. —Sim, vocês podem ir — ele lhe falou em espanhol. Kerry olhou para seus próprios pés numa atitude de apreciação humilde. — Gracias, senõr. — Mas antes eu quero que seu homem tire minha fotografia novamente. — Ele não é meu homem. — Você mente — disse ele suavemente. Kerry tremeu diante do brilho de triunfo nos olhos dele. — Não. Ele não é... ele não é nada meu. Eu apenas contratei sr. 0'Neal para me ajudar a levar as crianças para a segurança. — Ah — exclamou ele de modo expansivo — então ele não se importará se eu tirar uma foto com você. Kerry encontrou o olhar ardente do homem com uma expressão de medo e perplexidade. — Comigo? — Si. Diversos homens expressaram sua aprovação e congratularam seu líder pela astúcia com fortes tapas nas costas. — Que diabo está acontecendo? — Linc, parado com as mãos sobre os quadris, estava demandando uma resposta quando ela virou-se devagar. — O líder quer uma foto dele. — Então, saia do caminho e eu tirarei uma. — Comigo. Ele quer tirar a foto comigo. — Ela olhou para Linc. O semblante dele parecia tão perigoso quanto o dos guerrilheiros. Ele lançou um olhar raivoso na direção do líder. — Diga ao bastardo que vá para o inferno. 49
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry deu um sorriso hesitante de gratidão. Estava com medo de que Linc pudesse ter considerado vantajoso que ela tirasse uma foto com aquele animal. Orgulhosamente, virou-se e andou de volta até o líder. Os olhos dele, direcionados para Linc, estavam repletos de malícia. Ele estendeu o braço, circulando a cintura de Kerry num aperto forte como ferro, e puxou-a para seu corpo. — Solte-me! — Ela lutou para se desvencilhar do aperto dele. Várias armas foram sacadas em prontidão, mas Kerry manteve o queixo erguido e a expressão de desprezo. — Eu não vou tirar uma foto com você. — Então seu homem irá morrer — avisou o guerrilheiro com um suspiro. — Eu não acredito nisso. Você não é um assassino de sangue-frio. — Ela suspeitava que ele fosse, mas sabia que essa não era a imagem que o homem queria projetar para os países liberais do mundo. Joe ordenou que as crianças, algumas das quais estavam chorando, permanecessem onde se encontravam, então se moveu para o lado de Linc. O líder ordenou que dois de seus homens ficassem de olho nas crianças. O resto dos soldados se espalhou ao redor da clareira. Todos eles mantinham suas armas direcionadas para o fotógrafo e para o adolescente, cujo rosto estava se contorcendo em fúria. O guerrilheiro líder deu uma risada perversa e envolveu sua mão grande ao redor do pescoço de Kerry. Ela manteve a postura rígida, o corpo firme. — Tire suas mãos de mim. — Ele apenas a puxou para mais perto. — Solte-a! — De trás dela, Linc gritou para o comandante. — Por que você está sendo tão teimosa, gringa? — o rebelde perguntou numa voz calma. — Está se privando de muito prazer. Subitamente, Joe tentou se aproximar. Um dos soldados levantou o pé com bota, fazendo-o tropeçar e cair no chão empoeirado. Os soldados riram, nenhum mais alto que o líder. O guerrilheiro, que o fizera cair pôs o cano de seu revólver-automático na base do crânio de Joe, ordenou que ele não se movesse. — Oh, meu Deus — exclamou Kerry. O capricho do rebelde em relação a ela iria custar a vida de Joe? Ela vacilou. — Conte a ele que você é freira — disse Linc. — Você lê jornais, Linc. Certo, ele lia. Homens e mulheres da igreja não eram mais poupados da morte. Na verdade, às vezes eram as vítimas-alvo das execuções mais cruéis. O líder pegou uma mecha longa dos cabelos de Kerry e começou a enrolá-la no seu punho gordo. — Desgraçado! Linc lançou-se para o outro lado da clareira. E foi golpeado pelo cano de uma arma, caindo com um gemido de dor, mas se levantando para lutar. — Linc, não! — gritou Kerry ao se virar para ver o que estava acontecendo. O líder sacou um revólver do coldre em seu quadril, apontando rapidamente para Linc. Kerry agarrou-lhe o braço. — Por favor, não. — Ele é seu homem? 50
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Ela fitou-lhe os olhos escuros, sabendo que o que ele mais queria fazer era assustá-los e humilhá-los. — Sim — declarou Kerry de modo desafiador. — Sim, sim, ele é. Por favor, não o mate. — Ela repetiu as palavras suplicantes diversas vezes. Finalmente, o guerrilheiro abaixou o revólver para sua lateral. Deu algumas ordens de modo rápido e autoritário. Kerry correu para o lado de Linc e observou-o endireitar o corpo. — Depressa. Ele disse que nós podemos ir embora. Com dor, segurando o estômago com um braço, Linc olhou com raiva para o líder. Queria socar aquele rosto arrogante, e, se não fosse por Kerry e pelas crianças, teria arriscado sua vida para fazer isso. Mas ela estava puxando sua manga e suplicando-lhe que entrasse na caminhonete. Sabendo que estava fazendo a coisa certa, Linc desviou os olhos do desafio aberto na expressão do guerrilheiro. Pegou as suas câmeras e filme rapidamente, enquanto Kerry reunia as crianças na caçamba da picape. Bravamente, ela empurrou o soldado que estava apontando uma arma para Joe, e ajudou o garoto se levantar. O olhar raivoso que ele deu ao líder era tão malevolente quanto o de Linc. — Por favor, Joe, entre na caminhonete — instruiu Kerry. - Eu estou bem e nós estamos todos vivos. Vamos. Ela subiu na caçamba e aninhou as crianças menores perto de si. Linc foi para a parte traseira da picape. — Eu preciso de meu revólver e faca. — Ela perguntou no líder se ele poderia devolver os itens. — Diga ao seu homem para entrar no veículo e fechar a porta. Kerry traduziu a ordem para Linc. Relutantemente, ele obedeceu. O guerrilheiro aproximou-se da caminhonete e colocou a faca aos pés de Kerry. — Eu não devolverei o revólver. Kerry passou o recado para Linc. Ele pareceu inclinado a discutir, mas então mudou de ideia. Engatou as marchas e dirigiu a caminhonete para fora da clareira. Seguindo a trilha cheia de curvas através da floresta, eles logo chegaram à estrada. Antes de continuar, ele freou e desceu da picape. — Eu sei que ficará quente como o inferno, mas ponha aquela lona sobre vocês. Não iremos correr mais riscos. Linc ajudou a estender a lona, cobrindo o grupo de crianças aconchegadas, e deu a Kerry um olhar penetrante. — Ele machucou você? — Eu estou bem — respondeu ela com voz rouca, abaixando o olhar para desviá-lo daqueles olhos dourados intensos. Ele a cobriu com a lona. Momentos depois, Kerry ouviu a porta se fechando. A caminhonete entrou em movimento. — O que você acha? — perguntou Kerry numa voz baixa. — Parece deserta. Na extremidade da floresta, eles estavam observando a casa de uma fazenda de plantação de açúcar havia muitos minutos. Não havia sinal de movimento no lugar. 51
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Seria maravilhoso passar a noite debaixo de um teto. Linc olhou para Kerry. Quando ele tinha finalmente parado a caminhonete — tendo avistado, sem querer, o telhado de uma casa vazia — e removido a lona, ela e as crianças pareciam um buquê de flores murchas. Algumas das crianças haviam dormido contra Kerry, sobrecarregando-a ainda mais. Todavia, ela não reclamara uma única vez. A tolerância dela parecia infinita. Mas agora ele via traços de cansaço ao redor dos olhos e da boca de Kerry. — Você fica aqui. Eu levarei Joe e exploraremos o lugar. Eles voltaram em dez minutos. — Parece que a casa está abandonada há muito tempo. Acho que não haverá problemas. Você quer ir de carro ou a pé? — perguntou Linc, entrando atrás do volante da caminhonete. — Acho que tivemos o bastante da caminhonete pelo dia. As crianças e eu iremos a pé. Ela escoltou as crianças para o outro lado do jardim irregular do que devia ter sido uma adorável propriedade um dia, a qual, todavia, como tudo mais no país da América Central, devia ter sofrido os efeitos devastadores da guerra. As paredes brancas de estuque estavam descascadas e marcadas com furos de balas. Videiras haviam crescido excessivamente, sufocando e matando as outras plantas que cresciam sob a larga varanda, as quais agora não tinham mais salvação. A maioria das janelas fora quebrada. A porta da frente estava faltando. Mas os cômodos grandes eram sombreados do sol impiedoso, e ofereciam um abrigo fresco, o que parecia maravilhoso para Kerry e as crianças, depois de terem passado horas em silêncio debaixo de uma lona na caçamba de uma caminhonete. Não havia eletricidade ou gás na cozinha, e Linc vetou a ideia de construir um fogo, então o jantar deles consistiu de feijão frio direto da lata e carne desfiada enlatada. Felizmente, embora os canos estivessem enferrujados, a água que saía deles era limpa. Kerry lavou os rostos e mãos das crianças e colocou-as sobre colchões de palha nos quartos bem ventilados. De seu posto de observação junto a uma das largas janelas da frente, Linc estudou-a enquanto ela se movia com as crianças. Kerry ouvia pacientemente as preces extensas dos pequenos, e contava-lhes sobre todas as coisas gloriosas que os esperavam nos Estados Unidos. A lua já estava acima do topo das árvores, e brilhava sobre os cabelos dela através das janelas. Mais cedo, Kerry soltara sua trança e os penteara com os dedos. Agora, os cabelos cascateavam como um novelo de seda preta sobre seus ombros e costas, capturando a luz prateada da lua em cada madeixa, enquanto ela se movia de um colchão de palha para o outro. Ela ergueu Lisa no colo, beijou-lhe o topo da cabeça escura e brilhante e balançou-a gentilmente, enquanto cantarolava uma canção de ninar. Linc desejou muito que tivesse um cigarro, qualquer coisa para distraí-lo, na verdade. Mesmo quando não estava olhando para Kerry, tinha ciência de cada movimento dela. E pior, sentia ondas de ciúme, porque não era a sua cabeça que estava 52
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown aninhada contra aqueles seios macios. Ele merecia ser amaldiçoado por seus sentimentos, porque, mesmo agora, sabendo que Kerry era casta, podia sentir seu corpo rígido de desejo de estar dentro dela. Queria tocá-la novamente. Mas não da mesma maneira. Não queria sujeitá-la às suas carícias. Queria lhe dar prazer com elas. Não a queria humilhada e chorosa sob suas mãos. Não a queria imóvel em desafio ou se sentindo desgostosa. Queria Kerry responsiva e receptiva, gemendo de prazer. Deus, qual era o problema com ele? Seus pensamentos não eram mais puros do que os do guerrilheiro líder. Linc não queria se considerar num nível tão baixo, mas aparentemente era ao qual pertencia. Iria para o inferno pelo que estava pensando, mas, por sua vida, não conseguia parar de pensar naquilo. Estava sem uma mulher por muito tempo, isso era tudo. Mas ficara sem mulher por dois longos períodos de tempo antes, e tinha sobrevivido. Nem mesmo se sentira consumido pelo pensamento de ter uma mulher, como estava agora. E seus desejos haviam sido focados no sexo feminino em geral, não em um único membro desse grupo. Nunca antes ele fora incapaz de concentrar-se em qualquer coisa, exceto num desejo sexual intenso e fervoroso, o qual embaraçosamente fazia aumentar o volume entre suas pernas sob a calça em momentos inconvenientes e inesperados, como quando Kerry se voltara para ele com um copo de água entre as mãos — dando-lhe um drinque antes de pegar um para si mesma, fazendo o ato parecer uma oferta de paz ao evidenciar um agradecimento silencioso nos profundos olhos azuis. Linc estava zangado consigo mesmo por vê-la como uma mulher desejável, e não como o que ela era. Sua raiva procurava uma saída. Não havia cachorro para chutar, nenhum prego para martelar. Seu único bode expiatório provou ser a mulher responsável por fazê-lo agir e pensar como um tolo. — As crianças dormiram — disse Kerry suavemente, enquanto se movia em direção à janela. Linc estava sentado no peitoril, um dos joelhos erguidos, para aliviar a pressão em seu sexo. Kerry parecia distraída do seu mau humor, distraída para tudo, exceto para a beleza pura da noite. Ela respirou fundo, inconsciente de que isso erguia seus seios e os pressionava contra o tecido da camisa, até que o formato deles fosse enfatizado para o homem que não podia desviar os olhos daquela visão para salvar sua alma. — Por que você não contou a ele imediatamente que era uma freira? Ela lhe deu um olhar intrigado, surpresa pela pergunta abrupta. —Eu não achei que isso causaria nenhum bem. — Talvez tivesse causado. — Ou talvez isso o tivesse feito voltar a atenção para uma das garotas. Coisas vis inacreditáveis como aquela aconteciam em tempos de guerra. Homens faziam coisas que normalmente achariam abomináveis. Linc não podia discutir o ponto. Sabia que Kerry estava certa. Mas um demônio interior o estava compelindo a feri-la, a fazê-la sofrer como ele estava sofrendo. — Eu simplesmente não a entendo, moça. Você se finge de santa, mas parece 53
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown apreciar usar seu rosto e corpo para enlouquecer um homem. Eu preciso saber por quê. Ele desceu do peitoril e agigantou-se sobre ela. — É assim que seus tipos religiosos obtêm prazer? Isso faz parte do treinamento do convento? Flertar, mas nunca dar prosseguimento? Prometer, mas nunca cumprir? — Isso é abominável, mesmo vindo de alguém tão baixo como você. Eu me tornei uma peça de jogo entre você e aquele canalha num estúpido concurso masculino de desejo. Eu o enfrentei, aparentemente ganhando o respeito do homem. Então, supliquei-lhe que deixasse você vivo. O que ela dizia tinha mérito, deixando-o ainda mais furioso. — Não me faça mais nenhum favor, certo? Ou você estava gostando tanto da atenção que aquilo não lhe pareceu um favor? — Eu aguentei o flerte indecente do guerrilheiro porque não tive escolha. Assim como fiz com você. — E, nas duas vezes, você se sacrificou pelo bem das crianças — zombou ele. — Sim! — Isso é uma piada. — Eu não estou surpresa que você não entenda. Nunca pensou em ninguém além de si próprio. Jamais amou alguém exceto Lincoln 0'Neal. Ele estendeu as mãos, agarrou-a pelos ombros, e puxou-a contra si. Joe instantaneamente se materializou da escuridão. Olhos assassinos brilhando na luz do luar focaram em Linc. Linc praguejou, liberou Kerry, e virou-se. Estava mais furioso consigo mesmo do que com qualquer um deles. Era ele quem estava agindo como um louco. — Eu vou dar uma olhada ao redor. Fiquem aqui. — Linc saiu da casa, empunhando seu facão como se quisesse partir alguma coisa ao meio. Kerry observou a sombra alta de Linc misturar-se com as outras sombras no jardim. Preocupado, Joe sussurrou seu nome. Ela pôs uma mão no braço do garoto e sorriu para tranquilizá-lo. — Eu estou bem, Joe. Não se preocupe com o senor 0'Neal. Ele só está nervoso. O garoto não pareceu convencido. Kerry também não estava convencida. Era um mistério para ela por que Linc estava tão zangado. Por que a conversa deles sempre acabava em discussão? Eles trocavam insultos como crianças petulantes. O horrível episódio com os guerrilheiros deveria tê-los unido, formado um elo, em vez de separálos ainda mais. Em todos os sentidos verdadeiros, eles tinham salvado a vida um do outro hoje, porém quem os ouvisse pensaria que eram adversários amargos. Seus sentimentos em relação a Linc eram ambivalentes. Kerry precisava de tempo e espaço para refletir sobre isso. — Eu vou dar uma volta lá fora, Joe. — Mas ele disse para ficarmos aqui. — Eu sei o que ele disse, mas preciso tomar um pouco de ar. Não irei longe. Fique de olho nas crianças por mim. Joe não negaria seu pedido. Kerry sabia que estava se aproveitando do adolescente injustamente, deixando-o acordado para olhar as crianças dormindo. Ela 54
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown foi para os fundos da casa, querendo evitar Linc, e saiu através da varanda de tela atrás da propriedade. As pedras do que um dia tinha sido um terraço estavam quebradas e esfareladas. Grama crescia através das aberturas. Kerry imaginou quantas festas tinham acontecido lá. O que acontecera com as pessoas que haviam apreciado um estilo de vida gracioso lá? Eles obviamente tinham sido prósperos. Teriam explorado a terra e os trabalhadores braçais, como os pôsteres de propaganda proclamavam? E Kerry Bishop imaginou se algum dia já teria conhecido os donos da casa. Na vida anterior, fora apresentada a eles num bonito salão, enquanto usava um vestido de festa e provava canapés? Ela reprimiu o pensamento perturbador, e começou a andar por um caminho gramado. A noite estava abençoadamente fria. Kerry seguiu o caminho através do jardim formal e além deste. O som de água corrente chamou sua atenção. Quase caiu no riacho antes de avistá-lo. Foi como revelar um tesouro. Na luz da lua, a água parecia brilhante e efervescente como champanhe. Ela hesitou apenas por um momento, antes de sentar-se no banco de pedra do riacho e desatar os cordões de suas botas. Segundos depois, estava de pé dentro do rio, a água fria batendo nos seus joelhos. A sensação era maravilhosa. Relutante em sair dali até mesmo por um segundo, ela subiu de volta nas pedras e removeu sua calça caqui. Quando voltou a entrar na água pela segunda vez, estava só de camisa e calcinha. Submergiu no redemoinho natural. A água banhou sua pele arenosa e queimada pelo sol, a qual estava salgada e cocando com suor seco. A corrente ligeira trabalhou como dedos que massageavam seus músculos, aliviando-os da fadiga e tensão. Ela mergulhou a cabeça, e deixou a água cobri-la inteira, e penetrar seus cabelos empoeirados. O banho teria sido divino se as palavras de Linc não estivessem ecoando em sua mente. Como ele pudera pensar que ela apreciara a atenção do soldado guerrilheiro? Era estranho que o toque do guerrilheiro lhe causara repulsa, enquanto as carícias de Linc não. No começo, Kerry sentira um pouco de medo dele, confundindo-o com um homem sedento por sangue como os que ela havia encontrado naquele dia. Mas nunca sentira repulsa pelo toque dele. Sentira-se perturbada. Excitada. Mas nunca enojada. Nunca achara os beijos de Linc repulsivos. E se ele a beijasse novamente... Ela nunca conseguiu completar o pensamento. Um braço se fechou sobre seu estômago, bem abaixo de seus seios e puxou-a para fora do riacho. Antes que Kerry pudesse emitir um único som, uma mão cobriu sua boca.
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Capítulo Cinco Kerry lutou como uma leoa. Ela mordeu a parte da mão dele perto do pulso e ganhou um gemido de dor por seus esforços. Mas quando tentou liberar a boca para gritar, a mão de seu agressor apertou mais seus lábios, machucando-os. Os sons que Kerry tentou desesperadamente emitir foram abafados. Ela chutou-lhe as canelas, balançou o corpo e se contorceu, arranhou e unhou. Mas a força dele era muito superior à sua. Braços sólidos pareciam tornilhos prestes a esmagar suas costelas. — Cale-se e fique imóvel, pelo amor de Deus. Kerry parou. Seu captor era Linc. Apesar de ser enervante o fato de ele tê-la assustado daquele jeito, ela estava grata porque era Linc, e não um guerrilheiro que iria arrastá-la para dentro da floresta e para longe da casa. — Ai, ai. — Psiu. Cale-se. As palavras de Linc não passavam de sussurros perto de sua orelha. Então, Kerry registrou novos sons, sons que não tinha notado antes, mas que eram assustadoramente distintos e familiares. Risadas grosseiras de homens. O tom melódico de conversas em espanhol, com o uso de palavras vulgares. O tinido de panelas de alumínio e o ruído de armamentos. Soldados estavam montando acampamento em algum lugar por perto. Aos poucos, Linc tirou a mão da boca de Kerry. Os lábios dela estavam brancos e dormentes pela pressão que ele aplicara, mas ela forçou-se a movê-los, formando palavras que foram balbuciadas quase sem som. — Quem são eles? — Eu não esperei para perguntar. — Onde? — No gramado da frente da casa. Os olhos de Kerry se arregalaram em alarme. Ela virou-se e estava prestes a seguir o caminho para a casa. Linc estendeu um braço e agarrou-lhe uma parte da camisa molhada, usando isso como uma alavanca para puxá-la de volta. — Deixe-me ir! — Você está louca? — As crianças... — Elas estão seguras. Enquanto a conversa tensa acontecia, Linc a estava conduzindo através da folhagem densa e escura. — Entre aí. — Ele afastou de lado uma videira tão pesada e grossa quanto uma cortina de veludo e, impacientemente, empurrou-a para dentro. — Mas as crianças... 56
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Eu lhe disse, elas estão seguras. — Quando se tornou óbvio que ela ia discutir, Linc abriu uma mão sobre o topo da cabeça de Kerry e empurrou-a para baixo, fazendo-a dobrar os joelhos e aterrissar desajeitadamente na vegetação rasteira fértil. Antes que ela tivesse tempo de recuperar seu equilíbrio, ele empurrou-lhe um ombro. Kerry tombou para o lado e rolou no refúgio de folhas. Linc entrou em seguida e soltou a cortina natural para encobrir os dois. Colou o corpo ao dela como uma segunda pele, a fim de maximizar o espaço em seu esconderijo. — Agora, fique deitada imóvel e quieta — sussurrou Linc diretamente no seu ouvido. — Não se mova. Não faça um único som. Kerry teria protestado se não fosse o braço forte fazendo pressão contra seu estômago. Foi um movimento reflexivo, que ela entendeu uma vez que ouviu os sons segundos depois de Linc. Alguém estava andando pela floresta, falando sozinho num espanhol vulgar enquanto se aproximava. Seus pés com botas passaram perigosamente perto de onde eles estavam, tão perto que o corte baixo de seu facão moveu as plantas que os fechavam no escuro. Kerry respirou fundo e prendeu o ar. Linc, cujo hálito quente estivera soprando no pescoço dela, fez o mesmo. Eles não se mexeram, nem sequer piscaram. O soldado passou por eles, mas Linc e Kerry não relaxaram. Através do solo da selva, ainda podiam sentir a vibração dos passos do soldado. E, como tinham esperado, o homem retraçou o caminho que fizera, aproximando-se novamente, parando a apenas centímetros de onde eles estavam deitados atrás da videira. Kerry ouviu o som do facão sendo deslizado para dentro de sua bainha de couro, então o ruído de um fósforo sendo aceso. O cheiro pungente de fumaça de maconha preencheu o ar. O soldado tinha decidido tirar um intervalo de seu árduo trabalho de matar e saquear. Linc pressionou o rosto na nuca de Kerry, e eles permaneceram imóveis e quietos. Ela pensou numa centena de perigos que poderiam revelá-los. Uma tosse incontrolável. Um espirro. Uma cobra. Kerry tremeu, apenas parcialmente porque sua camisa molhada estava colada ao corpo. Foi um tremor de horror. E se eles fossem descobertos? E quanto às crianças? Estavam realmente seguras, ou Linc somente lhe dissera isso para que ela cooperasse naquelas medidas de autopreservação? Não, ele não faria isso. Mas talvez fizesse. Linc lhe dissera uma vez que cuidava de si mesmo acima de qualquer pessoa. Felizmente, o soldado não fumou por muito tempo. Ele devia ter apagado o cigarro, porque a fragrância doce e enjoativa diminuiu. Eles ouviram o farfalhar de roupas quando ele guardou o baseado no bolso novamente, então o barulho rítmico e suave de um cantil de água balançando contra o quadril do soldado enquanto ele se afastava. Linc esperou cinco minutos inteiros desde o último passo que eles ouviram antes de relaxar a pressão de seu braço sobre Kerry e levantar a cabeça. Por diversos momentos, nenhum dos dois fez nada, exceto respirar fundo, agradecidamente 57
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown preenchendo seus pulmões privados de ar. - O que ele estava falando? — sussurrou Linc quando sentiu que era seguro fazer isso. — Ele estava reclamando que seu sargento o enviou nessa missão de exploração. — Alguma coisa sobre nós? — Não. — Ótimo. Suponho que eles não saibam que estamos aqui. Você está bem? Kerry estava morrendo de medo, mas respondeu: — Bem. As crianças? — Elas estão seguras. Eu acho. Ela girou a cabeça para olhá-lo. — Como assim, você acha? — Psiu. Relaxe. Elas estavam seguramente escondidas quando eu fui procurar você. — Por sobre o ombro, Kerry estudou lhe o rosto sombreado. — Eu juro — acrescentou Linc, ofendido pela desconfiança dela. Kerry ficou envergonhada de sua falta de confiança momentânea. Linc 0'Neal era um patife, mas não sacrificaria crianças para salvar sua própria pele. Nem mesmo ele era tão inescrupuloso. — O que aconteceu? Falando em sussurros que não eram muito mais altos que o som de uma respiração, Linc relatou o que tinha acontecido: — Eu ouvi as caminhonetes deles se aproximando quando estava dando aquela última olhada ao redor da área. Imaginei que se nós achamos que a casa deserta serviria como um bom lugar para acampar, então soldados também pensariam. Eu voltei para casa, descobri que você tinha saído, e escondi as crianças no porão embaixo da cozinha. — Eu não sabia que havia um. — Espero que os soldados também não saibam — disse ele com tristeza. — Eu coloquei Joe no comando e ameacei castrá-lo com o facão se ele deixasse o porão antes que eu voltasse para buscá-los. Ele discutiu comigo, é claro, e queria sair para procurar você. — Eu não deveria ter saído. — Um pouco tarde para pensar nisso, srta. Bishop. — O tom de voz baixo não suavizou a reprimenda séria. Kerry pensou em diversas respostas afiadas, mas poupou-as. Sua preocupação principal era com as crianças. — As crianças estavam com medo? — Sim, mas eu as acalmei, tentei fazer uma brincadeira com a ideia de que elas se escondessem. Há água para todos. Eu lhes prometi uma recompensa se não fizessem nenhum som. Disse que dormissem, e que quando elas acordassem, você estaria lá. — Você acha que elas entenderam? — Eu peço a Deus que sim. Quando não estava discutindo, Joe traduziu para mim. — De maneira preocupada, ele acrescentou: — Eu detestaria ter de explicar nove crianças escondidas para aquele bando de assassinos. 58
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown A memória do comandante e de seus toques brutos e insultantes fez o estômago de Kerry enjoar um pouco. — Eles são os mesmos que encontramos hoje? — perguntou ela com medo. — Eu não sei. Mas provavelmente não são muito melhores, seja qual for o lado do conflito em que estiverem. Achei melhor ficarmos fora do caminho deles. — Eu concordo. E quanto à caminhonete? — Por sorte, eu a escondi debaixo de arbustos altos depois que nós descarregamos. Kerry permaneceu deitada quieta por um momento, tentando não pensar sobre o jeito que as pernas de Linc estavam pressionadas contra as suas. Tão precisamente quanto sua camisa estava colada ao torso, as pernas dele estavam moldadas a cada contorno de seu corpo. — Eu lhe disse para ficar na casa — murmurou Linc abruptamente. — Você concordou fazer tudo o que eu lhe mandasse fazer. — Eu precisava de ar fresco — devolveu ela. Saber que ele estava certo feria seu orgulho. Tinha sido impulsividade de sua parte sair da casa, especialmente de noite. Agora, se alguma coisa acontecesse aos órfãos, ela teria de assumir a culpa, que seria inteiramente sua. — Bem, você poderia ter tomado muito ar... através de buracos formados por balas em seu corpo. — Linc extravasou sua frustração. — Você quase se matou, juntamente com o restante de nós. Espero que tenha apreciado seu banho. — Eu apreciei. Breve como foi. — De repente, ela ergueu-se, mais tensa. — Linc, eu deixei minhas roupas... — Eu as escondi atrás de uma bananeira. Vamos torcer para que não sejam descobertas. — Por que simplesmente não as trouxe com você? — Ouça, moça — replicou ele com irritação —, eu só tenho duas mãos. Não podia coletar suas roupas e tirar você de dentro de seu banho, e mantê-la quieta ao mesmo tempo. Então escondi as roupas, certo? Se os soldados a tivessem encontrado antes de mim, eles a teriam deixado nua de qualquer forma, e, acredite, ordinário como você acha que eu sou, tenho mais respeito por sua modéstia do que eles teriam. Kerry desejou que ele não tivesse feito nem mesmo aquela referência velada sobre sua nudez. Agora que eles estavam fora de perigo imediato,-ela podia voltar seus pensamentos para seu traje escasso e para sua proximidade forçada com Linc. Quanto tempo eles teriam de ficar escondidos, deitados tão juntinhos, incapazes de se mexer ou de falar num tom acima de um sussurro? Não podiam relaxar a guarda por um único momento. Uma vez que não estavam escondidos embaixo da casa, como as crianças, a densidade da floresta à noite era o único lugar onde podiam se esconder. Sair à procura de outro esconderijo seria arriscado. Kerry estava começando a perceber como as próximas horas seriam desconfortáveis. E não somente por causa do pouco espaço ou do frio. A proximidade de Linc estava mexendo com os seus sentidos. Ela gravitava em direção à segurança que o corpo viril prometia. Seu corpo frio procurava pelo calor do dele. 59
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Seja lá o que eles estão cozinhando, o cheiro é bom — observou ela para distrair a mente dos pensamentos sobre ele. — Não pense sobre isso. — O estômago de Linc estava roncando de fome. Ela angulou a cabeça um pouco para trás e olhou-o por sobre o ombro. — É provavelmente iguana — ou coisa pior — acrescentou ele numa tentativa de reprimir a fome de ambos. — Não diga isso — murmurou ela, movimentando as pernas de leve. — Eu continuo imaginando insetos andando sobre mim. — Fique imóvel. — Linc cerrou os dentes. Os menores movimentos que ela fazia causavam pressão dos quadris femininos sobre a curva de seu colo. Kerry já estava encaixada naquela fenda, e o movimento mais leve das pernas dela a fazia roçar o traseiro contra dele. — Eu estou tentando — disse ela — mas meus músculos não param de se contrair. — Você está com frio? — Um pouco — admitiu ela. A selva era como uma sauna durante as horas do dia, quente e abafada. Mas eles estavam deitados em solo úmido. A luz do sol nunca penetrara àquela folhagem densa, e, como resultado, fazia frio sob a videira. Ela estava tão molhada que seus dentes começaram a bater uns nos outros. — É melhor você tirar esta camisa molhada. Um silêncio se seguiu enquanto ela ponderava. Eles haviam ficado o mais imóveis possível enquanto o soldado estava por perto. Kerry queria negar a ideia de Linc de imediato. Mas, antes mesmo que formasse as palavras, tremeu violentamente. Sob as circunstâncias, qualquer tipo de protesto por pudor pareceria ridículo. Mas deitar nos braços de Linc 0'Neal usando nada além de calcinha? — Eu estou bem — respondeu ela com rigor. Ele deu um suspiro exasperado. — Eu irei tirar minha camisa. Você pode se envolver nela. Kerry reconsiderou, sabendo que pegar um resfriado certamente complicaria tudo. — Tudo bem — concordou ela com relutância. — Como... como fazemos isso? — Deixe-me começar. Movendo-se o mínimo possível, Linc enfiou uma mão entre as costas dela e seu próprio peito, e abriu alguns botões de sua camisa. Com extremo cuidado para não mover uma única folha, passou para uma posição meio-sentada, então removeu a camisa pelos ombros e braços. O esforço o cansou. Estava ofegando no momento em que conseguiu livrar os braços das mangas. — Pronto. — Linc suspirou. — Agora você. Kerry estava satisfeita pela escuridão que os escondia. Ao mesmo tempo, a falta de iluminação dava intimidade à situação desconcertante dos dois. Ela apertou os lábios ao redor dos dentes e fechou os olhos com força por um instante, tentando reunir coragem antes de alcançar os botões de sua própria camisa. Essa era a parte fácil. A difícil foi quando tentou desgrudar o tecido úmido de sua pele. — Sente-se o máximo que conseguir — sugeriu Linc. Ela detectou o tom rouco na voz dele e resolveu determinar que o motivo era 60
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown cautela. Não ousaria entreter a ideia de que pudesse haver outra razão por trás daquilo. Movendo-se cuidadosamente, Kerry ergueu-se até que fosse capaz de apoiar seu peso em um dos cotovelos. Então, levantando e abaixando o ombro oposto repetidas vezes, tentou liberar a camisa molhada. — Aqui, deixe-me ajudar. Ela sentiu a pressão quente da mão de Linc sobre seu ombro. A mão desceu pelo seu braço, levando a camisa consigo, lentamente, centímetro por centímetro. Na altura do cotovelo, ele teve de dar um puxão extra. As articulações de seus dedos colidiram com a lateral do seio de Kerry. Eles congelaram. — Desculpe-me — murmurou Linc finalmente. Kerry não disse nada. O nó de embaraço alojado em sua garganta não teria permitido a passagem de uma palavra. Ele deslizou a manga mais para baixo, até que ela pudesse se livrar do tecido. A posição que tinha de manter, adicionada à tensão, havia enrijecido os músculos de Kerry a um ponto dolorido. Cansada, deitou-se novamente e deu um suspiro agradecido. O ar esfriou suas costas quando Linc moveu o tecido molhado para o lado. — Você vai conseguir o resto? — perguntou ele. — Sim, eu acho que sim. Kerry rolou para trás, o ato aproximando-a mais de Linc, enquanto puxava a outra manga do braço sobre o qual estivera deitada. Assim que a camisa saiu, ela rolou para a frente de novo, esperando que naqueles breves momentos seus seios não tivessem parecido tão vulneráveis quanto ela os sentia. Estava tão escuro que Kerry duvidava que ele tivesse visto alguma coisa. Mas ambos sabiam que ela estava completamente descoberta. Era um pensamento perturbador. Tanto que, quando Linc pôs a camisa seca sobre ela, Kerry agarrou-se ao tecido, aconchegando-o junto à sua pele fria. O resultado proporcionava tanto alívio quanto perigo. Alívio porque lhe dava calor e cobertura, e perigo porque a camisa tinha o cheiro de Linc. Um cheiro que preencheu sua cabeça e teve um efeito inebriante. Abraçar a peça de roupa contra si era como ser envolvida nos braços dele. — Melhor? Kerry assentiu com um gesto da cabeça. Seus cabelos estavam pesados e molhados. Ela os juntou na mão e ergueu-os no topo da cabeça. Mas isso deixou seu pescoço e ombros desnudos. Agora podia sentir cada respiração de Linc em sua pele. Sem olhar, sabia que ele estava usando apenas a camiseta verde-exército, e que, acima do decote V, parte do peito peludo e poderoso estava visível. — Você ainda está tremendo. — Ele pôs um braço sobre ela e trouxe-lhe as costas contra seu corpo. Fechar os olhos com força não ajudou a dissipar a memória daqueles braços fortes, repleto de músculos flexíveis sob a pele bronzeada. Ela o vira sem camisa naquela manhã, enquanto ele se banhava. Enquanto Linc jogava água sobre a cabeça e 61
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown peito, Kerry notara a musculatura incrível. Agora desejou que não tivesse prestado tanta atenção. Os músculos que admirara naquela manhã estavam pressionados contra suas costas. Ela os sentia contrair e relaxar, como se eles estivessem tão agitados quanto seus nervos. Naquela manhã, o sol tinha batido nos cabelos com médias ruivas de Linc, dando um brilho dourado-avermelhado também aos pelos do corpo poderoso. Ela podia sentir esses pelos contra sua pele agora. E sabia que havia sardas nos ombros largos, assim como nas faces. — Você está com frio nas pernas? — Não confiando nela para lhe dar uma resposta honesta, Linc deslizou as mãos pelo lado externo das coxas delgadas, e sentiu os pelos se arrepiarem ali. — Eu irei colocar as minhas pernas sobre as suas. Não fique alarmada. Ela quase riu. Não fique alarmada. Uma sentença ridícula. Como: "Não se vire, mas não é o príncipe Charles e a princesa Diana entrando pela porta?" Ou como o dentista dizendo enquanto levanta seu motorzinho: "Talvez sinta uma leve cócega, mas não deixe que isso incomode você." Era impossível não ficar alarmada. Quando Linc cobriu-lhe as coxas com as suas, o ato levou a solidez da masculinidade diretamente contra o traseiro de Kerry. O tecido rústico da calça surrada se friccionava prazerosamente contra sua pele sensível. — Você hão está com frio também? — perguntou ela numa voz fraca. — Não. Eu estou usando calça, e você, nada além de... Certo. Pare aí mesmo, 0'Neal. Não fale. Era melhor não completar a frase. Nenhum dos dois precisava ser lembrado de que tudo o que Kerry estava usando era uma calcinha, e que esta era pequena e estava molhada e colada ao corpo. Era melhor que eles dirigissem a conversa para qualquer outro assunto — livros, filmes, política, o tempo — do que até mesmo mencionar seu traje, ou a falta do mesmo. — Eu ainda tenho meu cantil. Você quer um pouco de água? — Não — replicou Kerry ofegante. Não queria que ele se movesse. Cada vez que Linc se mexia, ela o sentia. Vividamente. E sua mente continuava voltando para quando ela tentara tirar o revólver da cintura dele, e como o corpo parecera viril. O que só imaginara na ocasião, podia agora sentir pressionado contra seus quadris. Quanto tempo aquela noite duraria? Horas. E o que aconteceria se os soldados não desmontassem o acampamento e fossem embora com o raiar do dia, como ela e Linc silenciosamente presumiam que eles fariam? Kerry não achava que seu coração poderia suportar aquilo. Alguma coisa precisava ser feita, dita, para aliviar a tensão. — Fale-me sobre você, Linc. Deus, ela não queria saber sobre ele, pensou Linc. Se fosse inteligente, não iria querer saber que ele a sentia com cada fibra de seu corpo. Um corpo que estava vivo e vibrando, sentindo-a, cheirando-a, provando-a. Kerry não iria querer saber como seu sangue estava bombeando de desejo por ela. Linc havia corrido de volta para casa, o comboio de caminhonetes militares apenas minutos atrás dele. Entrara na grande sala de estar, já dando ordens para que 62
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry pegasse as crianças e seus colchões de palha e fosse para a cozinha. Ficara em estado de choque quando Joe lhe dissera que ela não estava lá, que tinha saído da casa. Amaldiçoando-a mesmo enquanto falava palavras tranquilizadoras que as crianças nem sequer entendiam, ele as conduzira para o porão escuro e úmido. O lugar era assustador, mas proporcionaria o esconderijo perfeito. Enquanto ele fechava a porta e arrastava um gabinete sobre as tábuas de madeira, praguejava contra a mulher teimosa que estava solta numa selva repleta de guerrilheiros, quando deveria estar seguramente escondida. Apenas medo pela segurança dela contivera sua fúria, enquanto ele se aventurava na escuridão, procurando por Kerry. Lembrava-se de ter visto o riacho quando ele previamente havia explorado ao redor da propriedade deserta. A água refrescante o tentara a dar um rápido mergulho. Agindo puramente por instinto, Linc tinha seguido o caminho coberto por videiras em direção ao riacho. Sentira tanto raiva quanto alívio profundo ao descobri-la se esbaldando na água rasa. Gastando apenas tempo suficiente para esconder a pilha de roupas de Kerry atrás de uma árvore, ele a tirara do riacho. Partes de cenas eróticas estavam preenchendo seu cérebro. Ele sabia que os seios dela eram cheios, e que os mamilos eram tão eretos e rosados que um homem iria para o inferno por uma chance de tocá-los com a língua. O pensamento daqueles seios agora, acomodados suavemente sob sua camisa o fez doer de vontade de moldá-los em suas mãos. E pouco tempo atrás, quando ela rolara sobre as próprias costas, ele soubera que tudo o que tinha de fazer era abaixar a cabeça e... Deus, fora pura agonia não fazer isso. Sabia que o traseiro de Kerry era firme e arredondado, bonito, sexy e provocante. Agora aquele doce traseiro estava aninhado contra seu sexo. Ele precisou de cada gota de autodisciplina que possuía para não gemer alto com o pensamento. Tentou não pensar no jeito que os cabelos dela tinham brilhado com a luz da lua, ou na maneira que a mesma luz prateada tornara seus olhos tão profundamente misteriosos como safiras. Os lábios de Kerry eram proibidos. Todavia, a memória do gosto deles permanecia em sua mente. Linc não podia se permitir pensar que a parte mais vulnerável do pescoço delicado estava a apenas centímetros de seus lábios. Para alguém a quem o paraíso já tinha sido negado, um pensamento perverso a mais não importava. Mas ele morreria e veria os portões do inferno antes que a noite acabasse, se continuasse se torturando dessa forma. Eles precisavam de distração. De alguma coisa. Distrair a mente do que, sem dúvida, era uma situação desconfortante para ambos, embora por razões diferentes. — O que você quer saber? — A voz de Linc era pouco mais que um gemido. — Onde você cresceu? — St. Louis. — Bairro violento? — perguntou ela instintivamente. Ele riu. — Moça, você nem pode começar a imaginar. — Seus pais? 63
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Os dois mortos agora. Meu pai me criou. Minha mãe morreu quando eu era criança. — Irmãos ou irmãs? — perguntou Kerry. — Não, graças a Deus. — Por que "graças a Deus"? — Porque as coisas já eram difíceis o bastante sendo eu o único filho. Meu pai trabalhava o tempo inteiro na cervejaria. Eu ficava sozinho depois da escola até tarde todas as noites. Sabe, ele se ressentia de ficar preso comigo depois que minha mãe morreu. Ele era um homem rude, de horizontes limitados, que bebia demais e falava vulgaridades. Sua ambição se estendia a ter dinheiro o bastante para pagar o aluguel e comprar uísque. A última coisa que ele queria era cuidar de uma criança. Eu saí de casa assim que tinha idade suficiente. E somente o vi duas vezes depois disso, antes que ele morresse. — O que aconteceu com ele? — Ele estava jogando boliche uma noite, com um grupo de amigos, e simplesmente caiu morto por causa de um ataque cardíaco. Eles o enterraram ao lado de minha mãe. Eu estava na Ásia. Recebi os detalhes do ocorrido numa carta escrita por um dos amigos dele. Kerry não sabia o que dizer. Nunca conhecera ninguém que tivesse vindo daquele tipo de ambiente. — Quando você começou a se envolver com fotografias? — No ensino médio. Eu tinha aprontado alguma coisa — não lembro o que agora — então eles me puseram na classe de jornalismo que montava o jornal da escola. Deramme uma máquina fotográfica e me designaram fotógrafo como punição. — Ele riu suavemente. — O efeito foi contrário ao desejado. No final do ano, eu estava apaixonado por fotografia. — Onde você fez faculdade? — Faculdade? — Linc deu uma risada irônica. — Camboja, Vietnã, África, Oriente Médio. Eu recebi minha educação formal no Monte de Golan, e em Beirut e Belfast, e nos campos de refugiados em Biafra e Etiópia. — Entendo. — Duvido muito que você entenda — disse ele amargamente. Kerry não sabia se o ressentimento de Linc era dirigido a ela, ao pai ausente, à falta de educação formal, ou a uma combinação de todos eles. Mas sentiu que era mais seguro não questionar aquilo. Foi Linc quem finalmente quebrou o silêncio. — E quanto a você? Que tipo de infância teve? — Encantadora. — Kerry sorriu com as lembranças de épocas douradas. Antes que elas fossem manchadas por escândalo. Antes do pesadelo. Antes da explosão da bolha. — Como os seus, os meus pais estão mortos agora, mas eu os tive enquanto crescia. — Você foi para uma escola de freiras, é claro. — Sim — respondeu ela com sinceridade. 64
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Deixe-me adivinhar. Você usava avental azul-marinho sobre blusas brancas engomadas. E rabo de cavalo tão apertado que fazia seus olhos lacrimejarem. Meias brancas e sapatos pretos de couro. Seu rosto e suas mãos nunca estavam sujos. Ela riu baixinho. — Você foi notavelmente preciso. — E você teve aulas de etiqueta, assim como de latim e filosofia. Ela assentiu, pensando em todos os salões formais em que tinha se sentado com seus pais, ouvindo conversas tediosas, as quais, para uma adolescente com paixão pelos Rolling Stones, não tinham a menor relevância. Kerry nunca se sentira perdida sobre que talher usar, e sempre agradecera educadamente os anfitriões da casa pela noite de entretenimento. Linc não tivera quem cuidasse dele durante o dia, e ela costumava ter artigos de papelaria personalizados. — Sim — replicou Kerry. — O trabalho de meu pai envolvia consideráveis viagens. Talvez você e eu já tenhamos estado em alguns dos mesmos lugares ao mesmo tempo. Linc deu outra de suas risadas sem humor. — Querida, você nem mesmo sabe sobre alguns dos lugares em que eu já estive. — Eu não sou tão inocente assim. — Comparada a você, Irmã Kerry, Rebecca of Sunny-brook Farm levava uma vida selvagem. Embora não pudesse ver o rosto dele, Kerry podia imaginar a expressão de zombaria formada pela curva dos lábios. Sabendo agora o quanto o passado de Linc era diferente do seu, podia entender por que ele ridicularizava sua vida previamente protegida, e sua falta de experiência de vida. Kerry ficou em silêncio. Aparentemente, ele gostou da ideia. Acomodou-se de maneira mais confortável contra ela. Por algum estranho milagre, eles dormiram. Kerry acordou de repente. Cada músculo de seu corpo estava tenso e tremendo. — O que foi? — Psiu. — Linc pôs os dedos contra os lábios dela. — É somente chuva. Os pingos enormes caíam pesadamente sobre as plantas que os cercavam, produzindo um barulho forte e assustador. — Oh, meu Deus — resmungou Kerry, abaixando tanto a cabeça que seu queixo quase tocava o peito. — Eu detesto isso. Embora as folhas largas da videira que os cobria oferecessem alguma proteção da torrente, pingos gelados de chuva ainda penetravam a folhagem e molhavam sua pele exposta. Seus músculos doíam com as câimbras. Kerry ansiava estender seus membros em todas as direções, a fim de aliviar a dor e restaurar a circulação. — Eu não posso ficar aqui. Preciso sair. — Não — disse ele com firmeza. — Só por um minuto. Para me alongar. — E ficar ensopada no processo. Então, quando você voltar aqui para dentro, ficará ainda mais desconfortável. Não, Kerry. — Nós poderíamos voltar para a casa — disse ela num sussurro esperançoso. — Não. 65
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Ninguém irá nos ver. Podemos entrar pela cozinha e nos juntarmos às crianças no porão. Elas devem estar apavoradas. — Estão provavelmente dormindo. Além disso, elas têm Joe. — Ninguém irá nos ver. — É muito arriscado. Talvez os soldados estejam vigiando á área. — Eu não quero mais ficar aqui! — E eu não quero levar um tiro! Também não acho que você queira ser estuprada por uma gangue. — Ela arfou. — Agora, pare de insistir. Nós não iremos embora até que eu diga que está na hora. O barulho em volta deles era ensurdecedor. Estava chovendo muito forte. Kerry sentiu as garras da claustrofobia se fechando ao seu redor. — Quanto tempo mais? — perguntou ela. — Eu não sei. — Até o dia amanhecer? — Espero que sim. — Que horas são? — Por volta das 4h da manhã. — Eu não posso aguentar mais, Linc. — Ela detestava o tremor na sua voz, mas não conseguia controlá-lo. Sinceramente, não posso. — Você tem de aguentar. — Eu não posso. Por favor, deixe-me levantar. — Não. — Por favor. — Eu disse não, Kerry. — Só por um minuto. Eu preciso... — Vire-se — disse ele. — O quê? — Vire-se de frente para mim. A troca de posição irá ajudar. Os músculos de Kerry estavam suplicando para serem movimentados. Ela virou-se sobre as costas, então fez outro giro de um quarto, de modo que ficasse cara a cara com Linc. Linc circulou lhe a cintura com um braço e posicionou as pernas dela entre as suas. Kerry pôs as mãos no peito dele e enterrou o rosto na curva do ombro largo. Acomodando-lhe a cabeça sob seu queixo, ele a abraçou bem junto a si. Ela deleitou-se na segurança quente que Linc oferecia, até que o barulho da chuva caindo diminuiu. Kerry não sabia quanto tempo eles haviam permanecido daquele jeito. Podia ter sido horas ou meramente minutos antes que ela, aos poucos, tomasse consciência de que a chuva tinha parado e que o silêncio era tão alto quanto fora o barulho do aguaceiro. Kerry se mexeu, e teria colocado espaço entre Linc e ela, se houvesse algum espaço disponível. — Desculpe-me — sussurrou ela. — Está tudo bem. — Eu entrei em pânico. Claustrofobia, suponho. 66
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Você acordou assustada. Está com frio, com fome e desconfortável. Assim como eu. Mas, por enquanto, isso é o melhor que podemos fazer. A voz de Linc soava estranha. Ela não precisava perguntar por quê. A sua própria voz não estava muito firme. A sensação da respiração dele contra seu rosto, a maneira que aqueles dedos hábeis lhe acariciavam os cabelos, o calor crescendo dos lugares onde pele contatava com pele... eram os motivos por trás de seu estado trêmulo. — Por que você fez isso, Kerry? — O quê? — Comprometeu-se com uma vocação tão inadequada para você. Oh, isso. Ela se sentia péssima sobre sua mentira. Com a exceção de suas discussões amargas, ele a vinha tratando de maneira honrada desde que a confundira com uma freira. Se Linc tivesse continuado a ser agressivo e abusivo, ela teria feito um juramento com sangue que sua vida estava comprometida com uma ordem religiosa. Mas a atitude nobre dele demandava a verdade. Pelo menos, uma verdade parcial. Entretanto, ela protelou. — Por que você diz que a vocação é inadequada para mim? A cabeça de Linc estava girando com discrepâncias. Kerry parecia mais mulher do que qualquer mulher que ele já tivera nos braços. Era difícil reconciliar aquela mulher jovem, linda e desejável com o conceito de uma freira. A doce pressão dos seios contra seu peito, a maneira com que a boca deleitável tinha se moldado à sua nas poucas vezes que ele a beijara, não combinava com hábitos pretos e abadias enclausuradas. Linc possuía conhecimento das ruas o bastante para saber que algumas primeiras impressões eram seguras. E teria apostado sua vida na primeira impressão que tivera de Kerry. Em resposta à pergunta dela, ele disse: — Você não se parece com nenhuma freira que já vi. — Freiras têm a mesma aparência que todo mundo. — Elas usam calcinhas tipo biquíni? Ela enrubesceu violentamente. — Eu... Por acaso, eu gosto de roupas de baixo bonitas. Isso não é pecado. Coisas femininas me atraem porque eu sou mulher. Disso Linc não precisava ser lembrado. Ela era mulher, sem dúvida. Ele podia sentir a feminilidade de Kerry com cada célula masculina de seu corpo. — Você simplesmente não tem um aspecto sagrado. — Ela movimentou-se com a afronta, mas ele a segurou com mais força. — Eu não quero dizer que você seja profana, é só que... Ele parou por um momento, procurando por palavras. — Quero dizer, você nunca pensou em ter filhos? É ótima com os órfãos. Nunca quis ter seus próprios filhos? — Sim — respondeu Kerry honestamente. — E... uh, você sabe... um homem? — Eu pensei nisso, sim — disse ela suavemente. Imaginou se Linc podia sentir seu coração batendo contra o peito dele. Sua resposta era verdadeira. Mas nunca tinha pensando sobre ter um homem tanto quanto estava pensando sobre isso agora. 67
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Estava se recordando do modo habilidoso com que a língua dele entreabrira seus lábios e se movera para dentro de sua boca, e na maneira como aquelas mãos grandes tinham tanto acariciado quanto comandado. Ela sentira a pressão dos quadris másculos contra os seus. A posse total daquele homem deveria ser uma experiência sexual incrível para uma mulher. — Você pensou em fazer amor com um homem? Ela assentiu, roçando o nariz nos pelos do peito dele. — Tentou imaginar como seria a sensação? Kerry apertou os lábios para impedir que um gemido de desejo escapasse de sua garganta. — É claro. Linc entrelaçou uma mão nos seus cabelos. — Se um homem souber o que está fazendo, pode lhe dar muito prazer. Prazer com o qual você nunca sonhou. Kerry estava se derretendo contra ele. Perguntou-se como Linc podia continuar segurando-a quando ela certamente estava se derretendo nos seus braços. — Você não está curiosa para saber qual é a sensação? — Sim. — Bem, então — perguntou ele com voz rouca — você não irá se sentir traída se nunca experimentar isso? Kerry prendeu a respiração pelo que pareceu uma eternidade antes de declarar: — Eu ainda não fiz os votos definitivos. Ele estremeceu em reflexo. — O quê? — Eu disse... — Eu ouvi o que você disse. O que isso significa? — A respiração dele era quente, tão quente quanto a mão grande que queimava a pele de suas costas. Kerry estava seriamente tentada a lhe contar a verdade naquele momento. Segundos depois que as palavras saíssem de sua boca, Linc estaria fazendo amor com ela. Não havia a menor dúvida quanto a isso. Grande e rija, a extensão da masculinidade estava pressionada contra sua barriga. Ela ardia de desejo por ele. Que tipo de êxtase sentiria... Mas não. Sua atenção deveria estar focada unicamente nos nove órfãos, cujas vidas estavam em suas mãos. Se eles iriam sobreviver, necessitavam de todas as vantagens ao seu favor. Nem ela nem Linc tinham condições de se distrair por um único minuto. Se eles se tornassem amantes, isso não seria somente uma distração, mas também uma complicação. Quando tudo aquilo acabasse, quando estivessem todos seguros nos Estados Unidos, o relacionamento dos dois seria um dilema de partir o coração para Kerry, e um estorvo para Linc. Kerry não sabia se entregar de maneira leve para nenhum homem, no entanto, era dessa forma que aquele homem de vasta experiência a tomaria. Ela não tinha dúvidas que quando Linc se referira a um homem que sabia como dar prazer a uma mulher, estava falando de si mesmo. Mas isso era tudo o que seria para ele. Envolver-se com 68
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown um homem como Linc 0'Neal apenas abriria oceanos de tristeza para Kerry. Ela escolheu suas palavras cuidadosamente antes de responder: — Significa que eu ainda estou considerando o que fazer com o resto de minha vida. — Aquilo não era mentira. Era uma verdade sólida. Ela não planejara seu futuro além de levar as nove crianças para os Estados Unidos. Kerry sentiu o suspiro pesado de Linc; o qual foi exalado aos poucos. E, com isso, a tensão dele diminuiu. A aceitação de Linc de seus desejos expressados silenciosamente a fez se sentir ainda pior sobre enganá-lo. Permaneceu deitada nos braços dele, mas havia uma diferença tangível na maneira como ele a segurava. Logo, uma luz acinzentada começou a se infiltrar através dos galhos da videira. Aguçando os ouvidos, eles conseguiram ouvir sons de atividade matinal vindos do acampamento dos soldados. O cheiro de café e comida fez ambos delirarem de fome. Diversas vezes, eles ouviram os homens se movendo através da floresta, mas nenhum se aproximou tanto quanto o soldado se aproximara na noite anterior. Finalmente, eles escutaram o barulho bem-vindo das caminhonetes sendo ligadas. Linc esperou aproximadamente 15 minutos antes de levantar as folhas da videira e rastejar para fora. — Você fica aqui. Kerry obedeceu. Na verdade, estava grata pelo momento de privacidade. Vestiu sua própria camisa, a qual ainda estava úmida, e penteou os cabelos com os dedos. Estavam muito embaraçados. Ainda estava passando os dedos através das mechas quando a cortina de folhas foi levantada. — Está tudo bem — Linc anunciou. — Eles foram embora.
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Capítulo Seis Kerry estava sentada no banco do rio. Sentia-se totalmente desanimada. Seus ombros estavam caídos numa postura de derrota. Lisa, a menor das crianças, parecia ter ganhado vinte quilos da noite para o dia. Kerry não podia segurá-la por mais um minuto sem derrubá-la. Colocou a menininha no chão ao seu lado. — E agora? Ela não recebeu resposta. Muito tempo se passou. Até mesmo as crianças estavam imóveis, como se percebessem que enfrentavam um sério problema que talvez não tivesse solução. Sombreando os olhos com uma mão, Kerry olhou para o homem de pé ao seu lado. Ao vê-lo com as mãos nos quadris, um dos joelhos dobrados, as sobrancelhas unidas, e a boca franzida, Kerry pensou que não era difícil saber do humor de Linc. Ela observou os lábios dele formarem um xingamento rude que ele não ousaria falar na frente das crianças, mesmo que elas não entendessem inglês. Kerry diplomaticamente esperou mais alguns momentos se passarem, antes de tentar de novo: — Linc? Ele virou a cabeça e olhou-a. — Como eu vou saber? — gritou ele. — Sou um fotógrafo, não um engenheiro. Linc imediatamente arrependeu-se de gritar com ela. Não era culpa de Kerry que a chuva forte da noite anterior causara inundação local, e que a ponte de madeira que ele tinha planejado usar para atravessar o rio fora derrubada pela água. Nem mesmo era culpa dela que ele estivesse tão mal-humorado. Kerry era a razão disso, mas não culpada. Desde que Linc a ajudara a sair do esconderijo onde eles haviam passado a noite, ele se sentia pronto para cortar a cabeça de alguém à menor provocação.. — É melhor você vestir isso. — Com irritação, ele lhe jogara as roupas depois de apanhá-las do lugar em que as tinha escondido na noite anterior. Kerry não comentou nada sobre a rudeza dele, mas vestira rapidamente a calça caqui. Incapaz de tirar os olhos daquelas pernas longas e adoráveis, que inspiravam fantasias, Linc tinha assistido a cada movimento flexível. Seu baixo-ventre doera com a lembrança daquelas coxas sendo entrelaçadas nas suas. Aquilo realmente acontecera? Ele apenas sonhara que o corpo de Kerry se encaixava ao seu com tanta perfeição? Ela se curvara contra ele, procurando contato, ou ele quisera tanto aquilo que parecera real? Talvez sim, porque durante toda a manhã eles tinham se defendido um do outro. Dificilmente estavam se comportando como duas pessoas que haviam dormido juntos como amantes. Nem mesmo agiam de forma amigável. Kerry estava cautelosa em relação a ele; Linc estava zangado e briguento. Quando eles tinham voltado para a casa e achado as crianças na cozinha em vez 70
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown de no porão, Linc gritara com Joe. — Pensei que tivesse lhe dito para ficar lá embaixo até que eu voltasse para buscar vocês. — Eu ouvi os soldados indo embora — retrucou o garoto. — Sabia que era seguro sair... — Você não sabe mer... — Linc! — Quando eu lhe digo para fazer alguma coisa, espero que você... — Linc! — Kerry interrompera novamente. — Pare de gritar com Joe. Todas as crianças estão seguras, mas você as está assustando. Linc praguejara enquanto se dirigia para a frente da casa. — Apronte-as. Eu voltarei em cinco minutos. Felizmente, a caminhonete estava onde ele a deixara na noite anterior, escondida pelas folhas de videiras. Linc bateu nelas com raiva, arrancando algumas, mas somente algumas, para extravasar sua frustração. — As crianças estão com fome — Kerry lhe disse de trás da porta de tela, de onde ele gritara do gramado da frente para que eles fossem para o carro. Com irritação, Linc a seguira para dentro da cozinha, onde os órfãos estavam agradecidamente comendo pão velho e bananas. Kerry as ajudara a lavar seus rostos e mãos, os quais tinham se sujado no porão. Nenhuma das crianças olhou para Linc diretamente, percebendo seu mau-humor, mas ele sentia oito pares de olhos focando na sua direção com frequência. O nono par de olhos, pertencente a Joe, desafiava-o abertamente. Animosidade fervilhava entre o homem e 0 adolescente, que não gostara nem um pouco da bronca que tinha levado. A pequena Lisa havia se contorcido para sair dos braços de Kerry, e atravessado a cozinha para pegar um pedaço de pão seco. Seus olhinhos eram compassivos e suplicantes quando ela aproximou-se de Linc e puxou-lhe a calça na altura do joelho para chamar sua atenção. A menina lhe ofereceu o pão, sem palavras. Mas os olhos, escuros como chocolate em calda, falavam tudo. Linc abaixou-se, pegou o pedaço de pão oferecido e comeu. — Muchas gracias — disse ele, e acariciou lhe o queixinho. Lisa lhe deu um lindo sorriso, antes de timidamente voltar correndo para Kerry. Levou um tempo antes que ele conseguisse pigarrear para falar com voz emocionada: — Vamos. Quando todas as crianças haviam sido colocadas dentro da caminhonete, Linc conduziu Kerry para um canto afastado. — Tranquilize seu cão de guarda. — Do que você está falando? —Joe. Diga-lhe que eu não comprometi sua honra ontem à noite. Tenho medo de virar as costas para ele e levar uma facada entre minhas costelas. — Não seja ridículo. — Diga a ele. — Tudo bem! 71
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Aquelas eram as últimas palavras que eles tinham trocado até agora, quando, com os olhos sombreados do sol brilhante, Kerry olhou para cima e falou o nome dele. Aparentemente, os nervos dela estavam tão à flor da pele quanto os seus. — É para isso que eu estou lhe pagando, sr. 0'Neal. Para surgir com ideias. Para improvisar. — Bem, talvez você devesse ter checado minhas credenciais com mais cuidado antes de me oferecer o maldito emprego. Kerry não possuía argumento contra aquilo, então fechou a boca e voltou a olhar para a água do rio. Por que ele sempre a fazia parecer uma mulher rabugenta na frente das crianças? Elas o observavam como se Linc fosse uma cruz entre Jack, o Estripador, e Moisés, temendo-o, ao mesmo tempo em que procuravam sua liderança. Linc deu um suspiro exasperado. — Dê-me um minuto, certo? — disse ele, passando os dedos por seus cabelos molhados de suor. A ponte estava claramente indicada no mapa, mas pelo que parecia, não tinha sido tão substancial. As chuvas torrenciais da noite anterior haviam sido suficientes para soltar as correntes onde a ponte estivera ancorada. A caminhonete parara onde a estrada acabava diante da água turva e agitada. As crianças tinham descido, e agora estavam de pé no banco do rio, olhando para Linc, como se pedindo respostas que ele não tinha. Joe parecia sentir uma satisfação perversa pela situação terrível; seus lábios curvados numa expressão presunçosa de escárnio. E, claramente, Kerry estava deixando a solução para ele. Como apontara, era para isso que o estava pagando. Linc teria de ganhar cada centavo daqueles cinq uenta mil dólares. Ele mordeu o lábio enquanto estudava o rio. Então voltou para a caminhonete, pegou os suprimentos na caçamba e retornou para Kerry. — Eu preciso falar com você. Ela se levantou, espanou a poeira da parte traseira de sua calça, instruiu as crianças para não chegarem muito perto da água, e o seguiu. Quando eles estavam fora do alcance da audição dos outros, Kerry perguntou: — O que fazemos agora? — Eu tenho uma sugestão, e, por favor, ouça-a antes de começar a irritar-se. — Linc fixou os olhos dourados nela. — Vamos colocar as crianças na picape, e voltar pelo caminho que viemos. Vamos nos jogar à mercê da primeira tropa que encontrarmos. Ele pausou, esperando uma explosão. Como isso não aconteceu, Linc continuou: — Não importa de que lado ficaremos, do lado do El Presidente ou do lado dos rebeldes. Seja qual for o grupo, nós apelaremos para a vaidade deles, dizendo-lhes que gesto humanitário seria se nos ajudassem. Iremos prometer fazer propaganda de sua causa para o mundo, se eles nos ajudarem. Linc tocou-lhe os ombros com as mãos e falou com honestidade: — Kerry, as crianças estão com fome, e nós não temos mais comida. Nossa água limpa está acabando, e não tenho certeza de onde encontraremos mais. Não sei como 72
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown atravessar este rio sem arriscar todas as nossas vidas. A caminhonete está quase sem gasolina, e não há postos na floresta. E continuou: — Mesmo se conseguirmos chegar ao ponto de encontro, como você sabe, com certeza, que o sujeito Hendren estará lá para nos apanhar e nos levar para um voo no céu azul, como algum rei dos céus? Ele viu os olhos de Kerry escurecerem e adicionou apressadamente: — Ouça, essa foi uma ideia nobre. Eu admiro você; realmente admiro. Mas não foi um plano muito prático, não foi muito bem pensado. Agora, você terá de admitir isso. — Linc sorriu-lhe de modo encantador. — O que me diz? Kerry respirou fundo, mas continuou prendendo-lhe os olhos com os seios. Quando falou, sua voz era calma e nivelada: — Eu digo que, a menos que você queria que meu joelho atinja seu sexo, é melhor tirar as mãos de meus ombros. O sorriso de Linc desapareceu. O rosto dele tornou-se comicamente pálido. As mãos baixaram nas laterais. Kerry virou-se com um movimento abrupto e marchou para longe. Mas tinha dado apenas alguns passos antes que ele estendesse o braço, agarrasse o cós de sua cintura e a fizesse parar. — Espere um minuto — gritou ele, virando-a para si. — Você não registrou nada do que eu disse? Ela tentou se libertar, mas, dessa vez, ele a segurava com mais firmeza, não permitindo seu escape. — Eu ouvi cada palavra covarde e condescendente. — Você está determinada a prosseguir? — Sim! Uma vez que atravessarmos o rio, são somente mais alguns quilômetros até a fronteira. — Poderia ser mil quilômetros, considerando a dificuldade da viagem. — Prometi para aquelas crianças que eu as levaria para famílias que as esperam nos Estados Unidos, e é isso o que vou fazer. Com ou sem você, sr. 0'Neal. — Kerry apontou o indicador para o nariz dele. — E se você nos abandonar agora, nunca verá um centavo de seu precioso dinheiro. — Eu me importo mais com minha vida do que com o dinheiro. — Bem, você tem mais chance de manter as duas coisas nos levando para aquele avião do que se entregando para um bando de guerrilheiros. O que aconteceu com todos os deus avisos sobre sermos baleados ou estuprados pela gangue? Realmente acha que eu pediria um favor para qualquer daquelas tropas? — A maioria deles, seja qual for o lado pelo qual luta, recebeu uma criação católica. Sua profissão irá protegê-la. — Minha profissão não me protegeu de você! O rosto de Linc tornou-se petrificado. Antes que Kerry tivesse tempo de se arrepender de suas palavras, ele a puxou contra si de maneira quase violenta. — Quer apostar? 73
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Brevemente, Kerry recordou-se de quantas vezes ele poderia ter se aproveitado dela e não o fizera. Incapaz de encontrar os olhos ferozes, os quais estavam tão duros e inflexíveis quanto a parte inferior do corpo de Linc, ela desviou o olhar para o pescoço dele, onde viu a pulsação batendo de forma tão acelerada quanto à sua própria. — Desculpe-me — murmurou ela sem fôlego. — Eu não deveria ter dito isso. — Certamente, não deveria. — Ele a afastou, mas Kerry teve a impressão de que era para se poupar de embaraço, e não devido a algum sentimento em relação a ela. Dedos fortes ainda estavam curvados ao redor de seus ombros. — Não se engane — disse Linc numa voz que tremia com paixão. — Apenas porque eu não a toquei, não significa que não pensei sobre isso. Pensei muito. Você ainda não está escondida por um hábito. Quando mover esse seu corpo dinamite perto de um homem, é melhor que esteja disposta a aceitar as consequências. Alguns podem ter até mesmo menos escrúpulos que eu. Kerry levantou a cabeça lentamente, até que pudesse encontrar-lhe os olhos. — Então, por que você até mesmo sugeriu que eu e as crianças nos colocássemos à mercê dos soldados? Linc a liberou. — Eu tinha de ver o quão durona você realmente é. Ela o fitou em total perplexidade. — Quer dizer que... tudo isso foi... você realmente não pretendia... — Isso mesmo. Este foi um teste para medir sua coragem. Eu precisava saber quão corajosa você é. Kerry afastou-se. Fechou as mãos em punho, como se estivesse se preparando para socá-lo. Seus olhos azul-escuros se estreitaram de maneira ameaçadora. — Seu cretino. Os lábios de Linc se curvaram num sorriso. Então, ele jogou a cabeça para trás e riu. Era um som alto e sadio, tão alto que perturbou os pássaros e alguns macaquinhos nos galhos acima, que gritaram em protesto. — Muito certo, Irmã Kerry. Eu sou um cretino. E vou ficar pior. Se nós sairmos vivos desta situação, você irá me detestar antes de acabarmos. Agora, reúna as crianças enquanto eu apronto tudo. Antes que ela pudesse lhe dizer como achava as táticas dele detestáveis, Linc estava andando de volta em direção à caminhonete. Kerry não teve escolha senão obedecer à ordem que ele lhe dera. Os órfãos estavam com calor, com fome e com sede, e exaustos, então ela tolerou as reclamações deles. Respondeu as perguntas chorosas o melhor que foi capaz, mas sua atenção estava realmente em Linc. Ele estava ocupado, amarrando a ponta de uma corda, a qual estivera na caçamba da caminhonete quando ela a roubara, a uma árvore. Amarrando a outra ponta ao redor de sua cintura, ele entrou no rio. — O que você está fazendo? — perguntou ela, levantando-se, alarmada. — Apenas mantenha todos para trás. As crianças ficaram em silêncio. Todos permaneceram de pé e imóveis, enquanto 74
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Linc fazia um progresso instável na travessia do rio lamacento. Quando ele chegou ao meio, onde era muito fundo para ficar de pé, começou a nadar. Diversas vezes, a correnteza o empurrava para baixo da água. E cada vez, Kerry unia as mãos, prendendo a respiração, até que visse a cabeça dele quebrar a superfície de novo. Finalmente, Linc chegou do lado oposto. A água puxava-lhe as roupas enquanto ele se erguia sobre o banco esponjoso. Uma vez que ele alcançou solo firme, ajoelhou-se, pendurou a cabeça e inalou ar para seus pulmões. Depois de recuperar o fôlego, escolheu um tronco grosso de árvore, e amarrou a corda em volta do mesmo. Testou-o várias vezes antes de entrar no rio novamente. Então, arrastou-se ao longo da corda. Aquilo não era tão exaustivo quanto nadar, mas, mesmo assim, era cansativo lutar contra a correnteza. Linc levou muito tempo para se recuperar, uma vez que os alcançou. — Entendeu a ideia? — Ele estava dobrado a partir da cintura, as palmas descansando nos joelhos, quando ergueu a cabeça e olhou para Kerry. Seus cabelos estavam colados à cabeça. Mechas ensopadas caíam em sua testa. Os cílios molhados se uniam. Kerry se sentiu tentada a remover-lhe os cabelos da testa e tocar-lhe o maxilar. Para evitar tocá-lo, ela teve de fechar as mãos com tanta força que suas unhas enterraram nas palmas. — Sim, eu entendi a ideia, mas e quanto à caminhonete? — O veículo fica. Faremos o resto do percurso a pé. — Mas... — A objeção morreu nos lábios dela. Apenas minutos atrás, ele tinha testado sua coragem. Praticamente prometera-lhe que o progresso de agora em diante seria um pesadelo. Kerry insistira em arriscar. — Tudo bem — disse ela suavemente. — O que você quer que eu faça? — Você leva Lisa. Carregue-a sobre as costas. Eu levarei Mary. —Joe — disse Linc, gesticulando seu queixo em direção ao garoto mais velho — você leva Mike desta vez. Você e eu teremos de atravessar diversas vezes, lamento. O garoto assentiu a cabeça em compreensão. — Eu também posso fazer mais de uma viagem — ofereceu Kerry. Linc balançou a cabeça em negativa. — Você precisará ficar do outro lado com as crianças. Este não é um passeio divertido, acredite em mim. Explique o processo para as crianças, e, pelo amor de Deus, enfatize que elas devem segurar muito firme em nós. Enquanto traduzia para as crianças, Kerry tentou dar a impressão de que atravessar o rio seria uma grande aventura, ao mesmo tempo enfatizando como a correnteza poderia ser traiçoeira, e como era vital que todos se segurassem bem nos adultos que os carregassem. — As crianças estão prontas — ela falou para Linc, então se abaixou para que Lisa escalasse suas costas. Os bracinhos da menina rodearam seu pescoço, e os tornozelos se cruzaram na frente da cintura de Kerry. — Boa garota — disse Linc, acariciando os cabelos brilhantes da garotinha. Quando ela lhe sorriu, ele retornou o sorriso e deu-lhe um tapinha nas costas. Kerry o estudou, maravilhando-se com a expressão suave no rosto de Linc. Ele 75
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown capturou seu olhar surpreso, e eles se entreolharam brevemente antes que ele se virasse e se abaixasse para que Mary subisse nas suas costas. — Você está com seu passaporte? — ele perguntou para Kerry. Eles teriam de viajar com o mínimo de coisas possíveis dali para frente. Ela descartara tudo o que não seria de necessidade absoluta. — Está dentro do bolso fechado de minha camisa. — Certo, vamos. — Linc conduziu o caminho para dentro da água agitada. Kerry tentou não se lembrar de todas as histórias que tinha ouvido sobre criaturas dos rios de florestas. Ignorou as coisas pegajosas que tocavam seus pés e pernas enquanto procurava firmar os pés no chão lamacento e escorregadio do fundo do rio. Murmurou palavras tranquilizadoras para Lisa, mas tais palavras eram para si mesma, tanto quanto para a criança chorando. A corda, não muito forte para começo de conversa, estava escorregadia agora. Era difícil segurar-se a ela. Se aquilo não significasse a diferença entre viver e afogar-se, ela teria soltado a corda antes de chegar ao meio do rio. A essas alturas, suas palmas estavam sangrando. Quando Kerry pisou em nada, e seus pés foram puxados para baixo, ela ficou apavorada ao pensar que nunca mais subiria à superfície. Finalmente, conseguiu se erguer, e se certificar que a cabeça de Lisa também havia saído de dentro da água. Galões de água tinham entrado em seu nariz, olhos e boca. Estava cega e lutando por ar. Mas forçou-se a percorrer seu caminho ao longo da corda, movendo mão sobre mão. Depois do que pareceu horas, em vez de minutos, sentiu mãos fortes moldando suas axilas e erguendo-a para fora da água. Com Lisa ainda em suas costas, ela tombou sobre a lama quente e macia do banco do rio e inalou o ar tão necessário. Linc ergueu Lisa de suas costas. Os músculos de Kerry tremiam pelo exercício, mas ela ergueu-se sobre mãos e joelhos, e finalmente rolou para uma posição sentada. Linc segurava Lisa nos braços. O rostinho dela estava enterrado no seu pescoço. As pequenas mãos agarravam a camiseta ensopada dele. Linc acariciava as costas da garotinha, beijando-lhe a testa, embalando-a gentilmente, e murmurando palavras de encorajamento e elogio, embora ela só pudesse entender seu tom de voz. Kerry invejou a criança. Queria ser embalada. Abraçada. Beijada. Tranquilizada. — Você fez um bom trabalho — disse ele. Não era um elogio muito generoso, mas Kerry só teve forças de lhe dar um sorriso vacilante, de qualquer forma. Ele afastou Lisa de seu pescoço, e, depois de beijar-lhe o rosto, passou-a para Kerry. Mary estava chorando ali perto. Kerry reuniu as duas garotinhas e o jovem Mike em seus braços. Eles formavam um grupo molhado de aparência patética, mas todos se sentiam gratos por estarem vivos. — Fique com isto — disse Linc, derrubando a faca, a única arma que eles tinham, no chão perto dos pés de Kerry. — Você está bem? — ele perguntou para Joe. — É claro — replicou o garoto, arrogantemente. — Vamos, então. Eles entraram de novo na água. Kerry não sabia onde encontravam forças. Ela mal conseguia manter a cabeça erguida. Linc e Joe fizeram três viagens cada, até que 76
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown todas as crianças tivessem sido seguramente transportadas para o outro lado do rio. Na última viagem, Joe ajudou uma das garotas mais velhas, enquanto Linc carregava duas mochilas, carregadas com seus poucos suprimentos. Lágrimas inundaram os olhos de Kerry enquanto ela observava Linc jogar suas sacolas com câmeras dentro do rio. Ele rasgara o forro de plástico de uma das sacolas e embrulhara seus rolos de filmes neste, então amarrara o pacote improvisado ao torso com seu cinto. Kerry havia sentido grande pesar ao observá-lo fazer tal tarefa. Ela manipulara aquele homem, sem misericórdia. Ele deveria estar em casa, seguro nos Estados Unidos, exercendo sua profissão, se não fosse por ela. A única coisa que aliviava sua consciência era olhar para os rostinhos esperançosos à sua volta. E sabia que, se tivesse de fazer tudo de novo, tomaria quaisquer medidas que fossem necessárias para garantir um futuro mais brilhante àqueles órfãos. Assim que Linc chegou ao banco, após atravessar o rio pela última vez, Kerry esperou que ele tombasse no chão e descansasse. Em vez disso, seus movimentos eram rápidos e cheios de energia. — Depressa, Kerry, esconda todas as crianças entre as árvores. Faça-as deitar e diga-lhes para não se mexerem. Mesmo enquanto cumpria as instruções, ela perguntou: — Qual é o problema? — Eu acho que estamos prestes a ter companhia. Rápido, agora! Joe, mande as meninas ficarem quietas. Deitem-se todos. Depois de ter se certificado de que eles não haviam deixado rastros, e de cortar a corda do tronco da árvore, Linc foi para a cobertura na vegetação rasteira sob as árvores. Deitou-se de bruços ao lado de Kerry, olhando para o rio. Sua respiração estava ofegante e pesada. — Você está exausto — sussurrou ela. — Sim. Os olhos dele não se desviaram da caminhonete do outro lado do banco do rio. Por mais que Kerry tivesse desprezado aquela picape, sentia falta da segurança do veículo agora. — Você acha que tem alguém nos seguindo? — Eu não acho que eles estavam deliberadamente nos seguindo, mas há alguém atrás de nós. Eu os ouvi. — Quem? — Não vai importar quando eles avistarem a caminhonete pertencente ao exército do El Presidente e a corda. — Se forem os homens do El Presidente, eles irão querer saber o que aconteceu com seus companheiros e virão verificar. — disse Kerry, pensativa. — E se eles fizerem parte do exército dos rebeldes... — É isso mesmo — murmurou ele com expressão séria. — Psiu. Lá estão eles. Avise que ninguém pode mexer um músculo. 77
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown O comando sussurrado foi passado de criança para criança enquanto o jipe percorria a estrada do outro lado do rio. Mas diversos jipes vinham atrás. — Rebeldes — sussurrou Linc com raiva. Ele teria preferido o exército regular, uma vez que eles haviam abandonado uma caminhonete governamental. Vários guerrilheiros desceram dos veículos, segurando suas armas automáticas junto aos quadris, prontos para atirar. Eles se aproximaram da picape cautelosamente, temendo uma armadilha explosiva. Quando ficaram satisfeitos por não encontrarem nenhuma, examinaram a caminhonete inteira. — Você reconhece algum deles? — Não. — Kerry aguçou os ouvidos, tentando captar a essência da conversa deles sobre o barulho da água. — Eles estão especulando por que a caminhonete não estava virada quando chegou à ponte derrubada pela água. Estão se perguntando se os soldados atravessaram o rio segurando na corda. — Só um tolo tentaria atravessar aquele rio numa corda — murmurou Linc. Kerry o olhou rapidamente. Ele a fitou pelo canto do olho. Eles trocaram um breve sorriso. Do outro lado do banco do rio, um dos guerrilheiros pegou um binóculo. — Fiquem imóveis — sussurrou Linc. O soldado estudou o banco do rio através do binóculo e falou alguma coisa. — Ele viu nossas pegadas na lama — interrompeu Kerry. — Está dizendo aos outros que há muitos de nós. Cerca de uma dúzia. — Bastante esperto. — Agora ele está dizendo... — Ela arfou quando mais guerrilheiros surgiram à vista. — O que foi? — O último da esquerda... — Sim, o que tem ele? — É Juan. Nosso courier. A essas alturas, as duas irmãs do rebelde, Carmen e Cara, o tinham visto. Uma delas deu um gritinho e começou a se levantar. — Abaixe-se! —A voz de Linc, mesmo sendo baixa, carregava uma autoridade indiscutível. A garota congelou. — Diga-lhe para não sair do lugar. Ele pode ser o irmão dela, mas os outros não são. Kerry transmitiu o recado em sussurros, mas num tom de voz consideravelmente mais suave que o de Linc. Carmen sussurrou alguma coisa de volta, o rosto se contorcendo com emoção. — O que ela falou? — Que o irmão dela não nos trairia — traduziu Kerry. Linc não estava convencido. Seus olhos continuavam fixos no outro lado do banco. Os soldados estavam conversando, enquanto se alongavam, fumavam e se aliviavam. De vez em quando, um deles gesticulava para o outro lado do rio. Um enrolou a corda e examinou-a. Deu um puxão forte entre as mãos e a corda se partiu em duas partes. Kerry olhou para Linc, que deu de ombros. 78
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Eu lhe disse que só um tolo tentaria isso. Alguns dos rebeldes ofereciam opiniões. Outros pareciam totalmente despreocupados, e cochilavam inclinados contra seus jipes. O homem identificado como o courier, que tinha feito arranjos para a fuga dos órfãos, olhava furtivamente em direção de onde as crianças estavam escondidas na moita. Depois de quase meia hora, o homem obviamente no comando ordenou que todos entrassem de novo em seus jipes. — Qual é o consenso? — Linc perguntou para Kerry. — Eles irão tentar outra estrada e atravessar o rio mais para a frente. — Ela não estava contando tudo. Sua expressão culpada dizia isso a Linc. Ele segurou-lhe o queixo em sua mão grande e forçou-a a virar a cabeça. — Depois, eles irão voltar para este lado e continuar nos procurando — acrescentou Kerry com relutância. Linc praguejou. — Era isso o que eu temia. Certo, vamos começar a nos mover. — Ele olhou ao redor para se certificar de que todos os jipes haviam virado e desaparecido dentro da floresta, antes de alinhar as crianças estilo expedição de caça. Ele lideraria, Joe ficaria atrás de todos. Kerry andaria no meio, para encorajar as crianças e se certificar de que-ninguém saísse do caminho que Linc cortaria com o facão. — Diga às crianças que nós andaremos rapidamente. Faremos intervalos, mas apenas quando for absolutamente necessário. Explique que elas não devem conversar. — Linc relaxou seu comportamento sério quando, após a tradução de Kerry, as crianças o olharam com medo. — E diga-lhes que estou muito orgulhoso por todos estarem sendo tão bons soldados. Kerry sentiu-se aquecida sob o calor dos olhos dele. Ela estava incluída naquele elogio. Depois que ela passou a mensagem para os órfãos, eles lhe sorriram. Eles formaram fila e se embrenharam na densa floresta, a qual teria sido impenetrável não fosse pelos cortes impiedosos do facão de Linc. Kerry mantinha os olhos fixos nas costas dele. Antes de entrar no rio, ele amarrara sua camisa ao redor da cintura, e, de um lenço, fizera uma bandana para pôr em volta da cabeça e conter o suor. Os músculos de seus braços, costas e ombros se flexionavam com cada giro e movimento da enorme faca. Kerry deixou que aquele ritmo flexível a hipnotizasse. Do contrário, não teria tido a energia para colocar um pé na frente do outro. Seu corpo dolorido gritava por descanso, sua boca seca suplicava por água, seu estômago vazio, por comida. Quando ela estava certa de que cairia no próximo passo, Linc parou e avisou que eles descansariam. Segurando Lisa, que adormecera em seus braços, Kerry desmoronou no chão. As crianças fizeram o mesmo. —Joe, passe o cantil ao redor, mas certifique-se de racionar a água. — Silenciosamente, o garoto se moveu para obedecer ao pedido de Linc. — Há quanto tempo você estava carregando Lisa? — perguntou para Kerry, ajoelhando-se ao lado dela, e oferecendo-lhe o cantil que estava pendurado em seu próprio cinto. Kerry, por sua vez, levou o cantil aos lábios secos de Lisa. — Não sei. Por um tempo. Ela estava muito exausta para dar mais um passo. — Eu a carregarei daqui para a frente. 79
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Você não pode carregá-la e abrir caminho com a faca ao mesmo tempo. — Ela ergueu os cabelos do pescoço, sabendo que nunca mais contaria com uma escova como algo certo. — E não tenho condições de arriscar que você desmaie. Você não está tendo seu ciclo menstrual ou alguma coisa assim, está? Kerry o olhou sem fala, totalmente perplexa. Nem mesmo percebeu que soltou os cabelos e deixou-os cair sobre os ombros. Ela abaixou a cabeça. — Não. — Isso é bom. Agora, beba um gole de água. — Depois que ela fez isso e lhe devolveu o cantil, murmurou: — Sinto muito sobre suas câmeras. — Sim, eu também sinto. Estamos passando por muita coisa juntos. Kerry podia dizer, pelo sorriso de Linc, que ele a estava provocando. — Eu falo sério. Lamento que você tenha tido de destruí-las. — Elas podem ser substituídas. — E quanto ao seu filme? — Espero que as embalagens sejam tão resistentes à água quanto a propaganda alega. Se forem, eu terei uma história sensacional para vender quando chegar em casa. — Ele se levantou. — Eu carregarei Lisa, e sem mais discussões sobre isso. Não podemos caminhar muito mais depois que escurecer. Linc ofereceu-lhe a mão. Kerry aceitou agradecidamente, e apoiou-se nele para conseguir se levantar. Ele ergueu Lisa sobre suas costas, acomodou-a numa posição confortável, e moveu-se para o começo da fila novamente. Kerry se sentia perigosamente perto das lágrimas. Ela tornou-se imune ao zumbido dos insetos, aos répteis da selva rastejando perto de seus pés, ao calor sufocante da tarde, aos gritos dos macacos e aos cantos dos pássaros. Concentrou-se unicamente em seguir a liderança de Linc, e em continuar de pé, quando seu corpo ameaçava dobrar-se em si mesmo e nunca mais se mover. O sol já tinha se posto há muito tempo, e as sombras da floresta eram escuras e ameaçadoras antes que Linc parasse. Ele havia se deparado com um riacho raso sob uma cachoeira fina que caía entre duas pedras cobertas por videiras. Deslizou Lisa de suas costas, e rolou os ombros para aliviar a tensão. Os órfãos estavam muito cansados para reclamar. Alguns já estavam dormindo quando Kerry circulou entre eles, carregando cantis de água fresca do riacho. Não havia comida para distribuir, e mesmo se houvesse, eles estavam muito exaustos para comer. Kerry ansiava por tirar suas botas e pôr seus pés dentro da água. Todavia, ceder a tal luxo estava fora de questão. Seus pés poderiam inchar tanto que não entrariam mais nas botas. Se eles fossem atacados, ela não teria tempo. E pela maneira que Linc estava circulando os perímetros do lugar de descanso escolhido, ataque parecia uma possibilidade muito real. Ele aproximou-se de Kerry e se sentou. As sobrancelhas unidas de Linc a fez perguntar: 80
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Eles nos seguiram? — Eu não acho que eles seguiram a nossa trilha, mas estão por perto, de qualquer forma. Posso sentir o cheiro da fumaça das fogueiras deles. Aparentemente, não nos consideram grande ameaça. — Enquanto falava, Linc estava fazendo uma pasta grossa de um punhado de poeira e gotas de água do cantil. — Mantenha as crianças quietas. Esconda-se com elas se alguém que você não identificar se aproximar. Terror apertou o peito de Kerry. — Aonde você vai? — Ao acampamento deles. — Ao acampamento deles! Você está louco? — Sem dúvida. Ou eu não estaria aqui, em primeiro lugar. — Ele deu-lhe um sorriso irônico. Kerry não poderia ter sorrido de volta nem que sua vida dependesse disso. Linc gesticulou para que Joe se aproximasse. — Você irá comigo? — Si — disse o garoto. — Espalhe um pouco dessa lama em seu rosto e braços. — Linc estendeu a mão. Joe pegou um punhado de lama da palma de Linc e começou a espalhá-la sobre sua pele exposta, como Linc estava fazendo. Com uma expressão apreensiva nos olhos, Kerry os observou se prepararem para a batalha de maneira metódica. — Por que vocês vão ao acampamento deles? — Para roubar armas. — Por quê? Nós chegamos tão longe sem armas. Ela esforçou-se para manter as lágrimas longe de sua voz, mas não conseguiu. E, embora estivesse muito escuro para Linc ver suas feições aflitas, ele podia ouvir o medo na voz dela. — Kerry — murmurou ele gentilmente — você realmente acha que qualquer um dos lados desta maldita guerra civil irá permitir que um avião dos Estados Unidos aterrisse, então nos leve embora, simplesmente assim? — Ele estalou os dedos. Aquela era uma questão retórica. Linc não esperava uma resposta, e não recebeu uma. Continuou: — Se o avião estiver lá, como você parece acreditar que estará, e se nós conseguirmos chegar ao ponto de encontro, será no meio de tiroteio, provavelmente vindo de todas as direções. Eu não posso lutar com dois exércitos com uma faca. O pensamento de tiroteio apavorou-a. Mas ela percebeu que o que Linc dizia era verdade. Os soldados naquela guerra não iriam acenar um adeus do solo enquanto eles decolavam num avião. Por que ela não pensara na fuga em si antes? Chegar ao ponto de encontro tinha sido seu primeiro objetivo. Provavelmente por causa das grandes chances contra o sucesso disso, Kerry não pensara mais longe. O que aconteceria com eles? Com as crianças? Com Joe? Com Linc? Sua teimosia havia colocado a vida de todos eles em perigo. Ela pressionou os dedos contra os lábios para abafar um soluço. — O que eu fiz? Linc a envolveu nos braços e puxou-a para mais perto. 81
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Não fraqueje agora. — Ele a abraçou apertado. Colocando a boca diretamente no ouvido dela, sussurrou: — Você tem sido incrível. E talvez dê tudo certo, afinal de contas. Kerry queria ser abraçada por ele por mais tempo — para sempre — e ficou desapontada quando ele a liberou. Linc lhe entregou a faca, a qual pesava no braço dela como uma âncora. — Use se precisar. Nós voltaremos assim que possível. Ele começou a se afastar, e Kerry estendeu o braço para tocá-lo, mas agarrou o ar. — Linc! Ele virou-se mais uma vez e parou à sua frente. — O quê? Ela queria abraçá-lo e suplicar que ele não a deixasse sozinha. Queria agarrá-lo e nunca mais soltá-lo. Queria ser abraçada, protegida dos milhões de perigos que rondavam a selva de noite. Queria que Linc a beijasse mais uma vez. Ela tentou fazer o queixo parar de tremer e murmurou: — Por favor, tome cuidado. Estava muito escuro. Linc estava praticamente invisível com lama espalhada sobre suas feições. Se não fosse pela respiração quente soprando no seu rosto, talvez ela nem soubesse que ele estava lá. Kerry sentia que ele queria abraçá-la tanto quanto ela queria ser abraçada. A tensão no corpo poderoso falava da relutância de Linc em deixá-la. Mas ele não a tocou novamente. Em vez disso, apenas respondeu: — Eu tomarei cuidado. Segundos se passaram antes que ela percebesse que ele e Joe haviam desaparecido dentro das sombras pretas que os cercavam, Kerry estava sozinha com as oito crianças.
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Capítulo Sete Estava quase amanhecendo quando Linc e Joe retornaram. Kerry, que estivera cochilando, ficou tão aliviada em vê-los ilesos que não compreendeu imediatamente as expressões de derrota dos dois. As posturas deles proclamavam o fracasso da missão. Ambos foram diretamente para o riacho, onde encheram as mãos de água, lavaram os rostos camuflados e beberam. Quando Linc finalmente virou-se, olhou para Kerry com o semblante triste. — O que aconteceu? — perguntou ela. — Nós não conseguimos nada — respondeu Linc, mantendo o tom de voz baixo. — Nem sequer conseguimos chegar perto. Eles estavam alertas, e não relaxaram a guarda por um único minuto. Nós circulamos o acampamento durante a noite inteira, esperando encontrar um soldado distraído. Não havia um único soldado nestas condições no grupo. Ele encostou-se numa árvore e deslizou por seu tronco, dobrando os joelhos enquanto descia, até que seu traseiro tocasse o chão. Então encostou a cabeça no tronco e fechou os olhos. — Nada aconteceu por aqui? — Não. As crianças dormiram. Algumas acordaram dizendo que estavam com fome, mas eu consegui fazê-las dormir novamente. Joe, imitando Linc, sentou-se contra outra árvore e fechou os olhos. Ele era um homem agora, tendo feito um trabalho de homem. Podia se ressentir de Linc, mas tinha grande admiração por ele, também. Kerry tocou o joelho de Joe, e, quando ele abriu os olhos, ela sorriu-lhe e disse: — Estou orgulhosa de você. — O garoto sorriu de volta. Kerry o deixou descansar e sentou-se ao lado de Linc. — Quanto falta até a fronteira? — perguntou ela. — Aproximadamente um quilômetro e meio. — Nós não teremos nenhum problema em chegar lá até no horário combinado. O plano era encontrar o avião ao meio-dia, na esperança de que, se houvesse tropas por perto, eles estivessem dormindo, para descansar do almoço e do sol da tarde. — O que eu gostaria muito de saber é o que vamos fazer quando chegarmos lá. O suspiro cansado de Linc parecia carregado de um pessimismo assustador. — Se nós conseguirmos entrar no avião sem arriscar as vidas das crianças, apenas atravessaremos a fronteira. — E depois? — perguntou Linc, impacientemente. Seus olhos vermelhos se abriram para encará-la. — Há mais da mesma coisa do outro lado. — Ele indicou a selva que os cercava com um giro da mão. Continuou: — Por quilômetros, não há nada além de floresta. Só Deus sabe a que distância fica o local mais próximo da civilização. E os países vizinhos não querem refugiados de 83
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Monterico adicionando mais pressão à economia precária deles. Você não os achará nada hospitaleiros, se não descobrir que eles são hostis. Se nós conseguirmos convencê-los a dar asilo político para as crianças, o que fazemos enquanto isso? Onde conseguiremos arranjar comida para jantar esta noite? Água? Abrigo? A negatividade dele irritou Kerry... — Bem, então pense você... — Psiu! Joe se levantou, os ouvidos alertas. Ele inclinou a cabeça para um lado. Após um momento, deu-lhes um olhar de aviso, e rastejou para frente silenciosamente. Kerry fez um movimento para detê-lo, mas Linc fechou os dedos em seu pulso como uma algema, puxando-a para seu lado. Ele meneou a cabeça vigorosamente quando ela abriu a boca para falar. Joe desapareceu nas sombras verde-escuras da floresta. A espera parecia interminável. Linc agachou-se sobre os quadris e estudou a área com olhos penetrantes. Kerry se sentiu inútil. Apenas rezou para que nenhuma das crianças acordasse fazendo barulho. Não mais de um minuto havia se passado antes que Joe surgisse de dentro das árvores, seguido de perto por um guerrilheiro. Reconhecendo-o instantaneamente, Kerry levantou-se e correu em direção a ele, evitando a contenção preventiva de Linc. — Hola, Juan — sussurrou ela. — Hermana — respondeu ele com uma inclinação respeitosa da cabeça. Linc se juntou a eles. Abaixou a guarda, agora que reconheceu o soldado como aquele que Kerry lhe apontara no dia anterior. Ele se parecia com todos os outros, exceto que era mais jovem que a maioria, com 16 anos, talvez. Suas fei ções ainda não tinham endurecido para uma máscara fria, embora ele já tivesse o aspecto alerta de um guerrilheiro treinado. Ele e Kerry tiveram uma conversa breve e em voz baixa. Quando o rapaz deu uma olhada desconfiada para Linc, ela explicou quem ele era. — Ele nos trouxe duas armas — Kerry falou para Linc. — Disse que foi tudo o que conseguiu roubar do acampamento. Ela afastou-se assustada das armas de fogo no momento em que Juan entregou uma para Linc e outra para Joe. Linc checou as duas armas. — Estão em perfeitas condições. Munição? — O rebelde lhe entregou diversos pentes de munição. — Obrigado. — De nada. — Pergunte se o grupo dele sabe quem nós somos, e o que vamos fazer — murmurou Linc para Kerry. — Ele diz que não. — Ela transmitiu para Linc depois de traduzir a pergunta e ouvir a resposta de Juan. — Uma vez que estávamos numa caminhonete do governo, eles acham que somos nômades inexperientes ou possíveis desertores, procurando um grupo de rebeldes para nos juntarmos a eles. Pretendem nos seguir até que nos encontrem. — Era isso o que eu temia. — Linc mordeu o lábio por um momento, refletindo. — Pergunte-lhe o que aconteceria se ele explicasse para seu comandante quem nós 84
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown somos. Eles nos deixariam ir? O soldado ouviu, então meneou a cabeça veementemente. Kerry traduziu a resposta rápida de Juan. — Ele diz que eles provavelmente não nos matariam, mas que tentariam tomar o avião para seu próprio uso. Nossa única esperança, segundo Juan, é chegar ao avião o mais depressa possível. Ele tentará desviar seu esquadrão para longe do local de aterrissagem designado. — Ele entende que alguns de seus próprios homens podem ser baleados se tentarem nos deter? Kerry sorriu da resposta de Juan. — Ele diz que alguns deles merecem ser baleados. Linc estendeu a mão, e o jovem rapaz apertou-a solenemente. — Qualquer coisa que você puder fazer para ajudar, amigo, eu apreciarei. — O tom de voz de Linc não requeria nenhuma tradução. Kerry gesticulou para que Juan acordasse as irmãs e lhes desse adeus. Ele foi rastejando para onde elas estavam dormindo, sua fisionomia se suavizando ao olhar para as garotinhas, mas então gesticulou para que Kerry as deixasse dormir. Ele murmurou alguma coisa para ela. Sua expressão e voz eram sinceras, os olhos inundados com lágrimas. Então, depois de uma última olhada para as irmãs dormindo, Juan silenciosamente assentiu a cabeça numa despedida e desapareceu floresta adentro. — O que ele falou? Kerry secou lágrimas dos olhos. — Não queria que a última lembrança que suas irmãs tivessem dele fosse de uma despedida. Juan sabe que é pouco provável que eles se reencontrem algum dia. Ele quer que elas comecem uma vida nova nos Estados Unidos. Pediu que eu lhes dissesse que ele está disposto a morrer pela liberdade de seu país. Se as meninas nunca mais ouvirem falar do irmão, devem encontrar conforto no fato de que ele morreu feliz, sabendo que elas estavam seguras e livres na América. Eles ficaram em silêncio, e, por um longo momento, ninguém se moveu. Qualquer comentário sobre o sacrifício do jovem soldado seria supérfluo. Palavras, por mais poéticas que fossem, não fariam justiça àquela realidade, e apenas soariam banais. Linc forçou-se a sair do humor reflexivo e perguntou para Joe: — Você sabe como usar isso? — Ele gesticulou em direção à Uzi que o garoto segurava nas mãos. Enquanto Linc o ensinava a manusear a arma, Kerry moveu-se entre as crianças, acordando-as, mas pedindo-lhes que ficassem o mais quietas possível. Então, deu-lhes água fresca para beber e prometeu que haveria comida para todos no avião. Certamente Jenny e Cage tinham pensado nisso. Depois que eles haviam reunido suas poucas posses, começaram a parte final de sua jornada para a fronteira. Kerry insistiu em carregar Lisa, de modo que Linc tivesse mais liberdade de movimento. Ele não estava carregando somente o facão agora, mas também a arma de fogo apontada para a frente. 85
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Eram quase 1 h da manhã quando eles chegaram à extremidade da floresta. Uma faixa larga havia sido terraplenada ali, de modo que a fronteira entre Monterico e seu vizinho fosse facilmente distinguida. Entre os dois muros verdes de selva sólida, havia um espaço de território aberto tão grande quanto um campo de futebol. — Lá, é ali que ele deve aterrissar — disse Kerry, apontando em direção ao espaço aberto. Eles permaneceram atrás do abrigo das árvores, mas podiam facilmente ver a clareira. — Está vendo aquela velha torre de guarda? Ele irá voar naquela direção e virar. Linc, estreitando os olhos contra o sol brilhante, estudou a área. — Certo, vamos nos aproximar de lá o máximo possível. Peça para as crianças ficarem juntas e bem atrás da linha da árvore. — Você está vendo alguma coisa? — Não, mas tenho a sensação de que não somos os únicos procurando cobertura na floresta esta manhã. Vamos. Eles se movimentaram lateralmente, sempre mantendo diversos metros de vegetação entre a clareira o caminho paralelo. Quando chegaram à torre de vigia abandonada, Linc os parou. — Nós esperaremos aqui. — Ele consultou seu relógio. — Não deve demorar agora. Linc pediu que Kerry se certificasse de que todas as crianças entendiam a necessidade de correr agachados, se tiros surgirem no seu caminho. — Diga-lhes que elas não devem parar de correr por nenhuma razão. Nenhuma razão, Kerry. Certifique-se de que as crianças entendam isso. Eles prepararam as crianças o melhor que puderam, então Linc puxou Kerry de lado, para onde ninguém poderia ouvi-los, e eles se sentaram para esperar. — Ele tem 15 minutos — disse ele, olhando para seu relógio de pulso novamente. Kerry falou com confiança: — Cage estará aqui. Os olhos de Linc, intensos como uma lâmina banhada a ouro, a fitaram. — Quem é Cage Hendren, a propósito? — Eu lhe contei. Ele é um texano cujo irmão missionário foi baleado por um dos pelotões do exército do El Presidente alguns anos atrás. — Eu sei de tudo isso. Mas quem — ou o que — ele é para você? Se ela não conhecesse bem a situação, teria pensado que Linc estava com ciúme. — O marido de uma boa amiga minha. Ele encontrou-lhe os olhos com intensidade, como se procurando por sinais de duplicidade. — O que ele era para você antes de se casar com sua boa amiga? — Nada! Eu nem sequer o conhecia. Conheci Jenny primeiro, através da Fundação Hendren. Linc desviou os olhos, focando-os à frente. Não comentou a informação que ela lhe dera, mas a tensão no maxilar dele tinha relaxado notavelmente. — Você e eu escoltaremos as crianças para fora — disse ele, abruptamente 86
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown mudando de assunto. — Pode carregar Lisa? — É claro. — Mesmo correndo? — Eu conseguirei. — Certo, eu esperarei e cobrirei a parte de trás. Joe ficará aqui até que vocês todos estejam a bordo. — Por quê? — perguntou Kerry, alarmada. — Para proporcionar cobertura se alguém começar a atirar. — Oh. — Uma vez que vocês estiverem dentro do avião, eu voltarei para pegar Joe. — O que não tinha sido dito era que Linc seria exposto aos tiros por mais tempo do que qualquer um deles. Sua figura alta não apenas oferecia o alvo maior, mas ele teria de fazer a viagem perigosa através da clareira duas vezes. — Aqui — murmurou ele. Kerry olhou para os pacotes de filme que ele colocou nas mãos dela. — Para que é isso? — Se alguma coisa me acontecer, pelo menos o filme será revelado. — Ela empalideceu drasticamente. — Eu já estive em situações difíceis, mas nunca me encontrei num apuro tão grande como este. Só estou tomando precauções. — Mas este filme nem mesmo foi aberto — disse ela, intrigada. — Sim, foi. As caixas contêm o filme que usei. Eu os recoloquei nas embalagens de celofane, de modo que parecessem filmes novos e não expostos. Isso, pelo menos, deve proteger você, se... se alguém a pegar com o filme. — Não quero ser incumbida de seu filme, Linc. Eu poderia... — Ouça, se algum daqueles guerrilheiros acertar o alvo e me matar, apenas se certifique de que o filme seja revelado e as fotos publicadas. — Não fale assim! Linc pegou o lenço que frequentemente usava como uma bandana ao redor de sua cabeça para conter o suor da testa e enrolou-o em volta do pescoço de Kerry. — Os cavaleiros antigos não dão uma recordação a uma moça que admiram, antes de saírem para lutar? — Não faça isso — murmurou ela entre lágrimas. — Eu não posso suportar essa ideia. Não quero que você fale assim. Não quero nem mesmo que pense sobre isso. E você não me admira. Linc riu. — Sim, eu a admiro. Oh, admito que eu quis estrangulá-la quando acordei e me descobri forçado a fazer um trabalho que eu não queria. — A fisionomia dele perdeu todos os traços de provocação naquele momento. — Mas eu a admiro, Kerry. Você tem sido uma guerreira quando poderia ter reclamado de maneira insuportável. Se eu não tiver uma oportunidade de lhe dizer mais tarde... — Pare com isso! Você pode me dizer tudo o que quiser quando nós chegarmos ao Texas. — Kerry — começou ele gentilmente, percebendo que a agonia dela poderia 87
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown apenas comprometer sua coragem, quando ela mais precisava — eu não tenho nenhuma intenção de morrer em Monterico. Não quero que meu terceiro prêmio Pulitzer de jornalismo seja entregue postumamente. Nunca achei que houvesse muito prestígio em ganhar prêmios se você está morto. Além disso, quero coletar meus cinquenta mil dólares de você. Ele lhe deu um sorriso breve. Linc tinha dentes lindos, notou ela pela primeira vez. Pareciam incrivelmente brancos em contraste com a pele bronzeada do rosto, e escurecida pela barba. Kerry não sabia se o socava ou se o beijava. Mas não ousou deixar transparecer a afeição que sentia por ele. Eles não tinham condições de se tornarem sentimentais agora. Então o olhou com raiva. —Algum último pedido? — perguntou ela sarcasticamente. — Se você sobreviver, e eu não, fume um cigarro por mim e tome um ou dois copos de uísque puro. — Escocês? — Não tenho preferência. — Mais alguma coisa? — Sim. Não faça aqueles votos finais. Linc se moveu tão depressa que a mente de Kerry não foi capaz de registrar o que estava acontecendo antes que ele lhe circulasse a nuca com uma mão e puxasse seu rosto para perto do dele. — Tanto faz morrer como santo ou como pecador. Ele a beijou. A boca de Linc cobriu a sua, fazendo seus lábios se entreabrirem. A língua quente e sensual penetrou-lhe o interior da boca. A surpresa do beijo, a reivindicação masculina que este simbolizava, deixou-a fraca. Kerry agarrou-lhe a frente da camiseta e inclinou a cabeça para trás. Os pelos da barba roçavam seu rosto, mas ela não se importava. A língua de Linc, tão suave como veludo, e tão ligeira quanto a chama de uma vela, encontrou a sua e massageou lhe o interior da boca de maneira provocante. Havia um vazio profundo no interior de Kerry, ansiando por ser preenchido. Seus seios pareciam cheios, como se tivessem leite. Os mamilos formigavam com uma necessidade desesperadora de serem tocados, beijados, lambidos. Seu centro da feminilidade doía deliciosamente. Em resposta instintiva, seu corpo sedento arqueouse contra Linc. Seus braços se fecharam ao redor do pescoço dele. A resposta de Kerry o estava enlouquecendo. Linc aprofundou o beijo, enquanto abria uma mão sobre as costas dela e a pressionava mais junto ao seu corpo. A paix ão se intensificou, até que ele emitiu um gemido estrangulado e levantou a cabeça. Olhou para ela com uma expressão confusa. Fitou-lhe a boca, agora vermelha e úmida de seus beijos. — Meu Deus, Kerry — sussurrou ele. Involuntariamente, ela deslizou a língua sobre seus lábios trêmulos. Linc gemeu. — Oh, Deus, você é tão doce. —Ele a beijou novamente. — E eu juro que se nós 88
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown tivéssemos tempo — mais um beijo profundo — eu a veria inteirinha. E tocaria em você. Em seus seios. Deus, seus seios. — Ele passou uma mão sobre eles rapidamente. A sensação eletrizante a fez gemer. — E eu beijaria você. Entraria em seu interior. Mesmo se isso significasse ter o paraíso negado. Ela o queria. Sim. Mas... amava-o. Ela o amava! E, que Deus a perdoasse, mas se alguma coisa acontecesse a Linc, ele morreria pensando... — Linc, há uma coisa... Ele levantou a cabeça. — Psiu. — Mas eu preciso lhe contar... — Não agora. Fique quieta. — Linc afastou-a de si e se levantou, suspendendo a cabeça para ver acima das árvores. Gesticulou para silenciá-la. Segundos depois, Kerry ouviu o barulho do motor de um avião. — Nós temos muitas coisas sobre as quais conversar, querida, mas agora não é a hora. Apronte as crianças. — Ele entrou em ação, cada músculo do seu corpo tenso, mas executando movimentos com incrível calma e agilidade. —Joe, posicione-se. — Eu estou pronto — disse Joe, escondendo-se atrás de uma árvore. O avião não circulou a área em reconhecimento, fazendo uma aproximação. As crianças estavam irrequietas com expectativa. Seus sonhos estavam se tornando realidade. Enquanto todos mantinham seus olhos fixos no avião aterrissando, os olhos de Linc estudavam a área, procurando por algum sinal de movimento da tropa. O piloto fez um pouso perfeito, e o avião andou ao longo da pista para parar bem na frente da velha torre de vigia, totalmente de acordo com o plano. — Vá. — Linc deu um empurrão gentil em Kerry. Kerry saiu em disparada, gritando para as crianças fazerem o mesmo. Podia ouvir os passos pesados das botas de Linc logo atrás. Tinham fechado quase metade da distância entre eles e o avião quando os primeiros tiros foram dados. Kerry gelou; as crianças gritaram. — Continuem, não parem — gritou Linc. Ele virou-se e usou a sua arma, atirando no ar, mirando na direção geral de seus atacantes ainda não avistados. Viu o tiroteio em resposta. As árvores pareciam cuspir chamas não maiores do que aquelas de um isqueiro, mas Linc podia ouvir balas furando o solo quase ao seu redor. Ele deu mais alguns tiros, e virou-se para correr atrás de Kerry e das crianças, que quase tinham alcançado o avião. Milagrosamente, nenhuma delas fora baleada, apesar de algumas crianças estarem berrando em terror. A porta do avião já estava aberta. Linc virou-se mais uma vez. A parede da selva agora parecia estar viva com tropas armadas atirando. Aparentemente, Juan havia sido bem-sucedido em desviá-los do caminho do avião. Linc só esperou que o rapaz não tivesse sido descoberto. Pelo canto do olho, viu Joe deixar sua cobertura e usar a arma que carregava. Ele atirou em plantas e fez alguns soldados fugirem para cobertura, antes de correr para trás de sua árvore. — Bom garoto — murmurou Linc. Então olhou para trás e viu que as crianças estavam sendo puxadas para dentro do avião. Correndo para lá e atirando ao mesmo 89
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown tempo, ele foi ajudá-las entrar a bordo. Foi quando olhou para trás novamente que viu jipes carregados com tropas saindo de trás das árvores do outro lado da fronteira. A nação vizinha de Monterico era imparcial, mas eles estavam saindo para investigar. Um oficial no primeiro jipe, segurando um alto-falante portátil perto da boca, gritou uma ordem para ele. Linc não entendeu as palavras, mas captou o significado geral quando os soldados começaram a atirar balas em aviso. — Droga! Agora, eles tinham tropas militares atirando de ambos os lados. Uma das crianças tropeçou e caiu. Linc correu para o menino, ergueu-o nos braços e continuou correndo agachado em direção à porta do avião. — Mike foi baleado? — gritou Kerry sobre o ruído do motor do avião e dos estrondos persistentes dos tiros. — Acho que ele só caiu. Entre no maldito avião! Lisa estava sendo tirada dos braços de Kerry e colocada dentro da fuselagem. Linc impulsionou Mike na direção de um par de mãos estendido. O assustado garotinho, com lágrimas formando trilhas enlameadas no rosto, foi transportado para dentro do avião com segurança. Todas as crianças estavam dentro agora, exceto Joe, que estava criando danos o bastante para frustrar os guerrilheiros e mantê-los sob cobertura. Mas a munição de Joe logo acabaria. — Entre no avião! — Linc repetiu para Kerry. — Mas você e Joe... — Pelo amor de Deus, não discuta comigo agora! Aparentemente, o homem dentro do avião pensava como Linc. Ainda protestando, Kerry foi puxada para dentro. — Se alguma coisa me acontecer, leve-as para longe daqui — Linc gritou para o homem de cabeça loira. — Não! — exclamou Kerry num berro. Linc a fitou diretamente. Um olhar breve, porém intenso se passou entre eles, então Linc virou-se abruptamente e começou a correr de volta para a fileira de árvores, atirando enquanto corria. — O que ele está fazendo? — perguntou Cage Hendren. — Por que não entrou no avião? — Ele voltou para ir buscar um dos meninos, que ficou para trás a fim de nos dar cobertura. Cage assentiu em compreensão, enquanto observava o homem correr em ziguezague ao longo da clareira. Não sabia quem ele era, mas o considerou um herói. Ou um tolo. — Cage, nós temos de ir — o piloto do avião gritou da porta aberta da cabine. Kerry agarrou a manga da camisa de Cage. — Não. Este avião não decola sem eles. Cage viu a determinação nas feições dela. — Ainda não — respondeu ele para o piloto. — Um daqueles lunáticos pode nos atingir. E o outro bando está movendo jipes... — Mais trinta segundos — barganhou Cage, sabendo que o piloto veterano estava 90
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown certo. — Nós temos mais dois passageiros. Kerry gritou quando viu Linc cair no chão. — Ele está bem — Cage a assegurou. — Está apenas reduzindo o tamanho do alvo deles. De sua posição de batalha, Linc gritou para Joe correr em direção ao avião, enquanto ele dava cobertura atirando nos guerrilheiros. Joe emergiu da floresta, atirando com sua arma. Girando enquanto corria, atirou em todas as direções. Tinha quase chegado ao lugar onde Linc estava deitado quando sua perna esquerda dobrou, e ele caiu. — Não! — gritou Kerry. Ela tentou pular da porta do avião, mas Cage segurou-a pela parte de trás dos ombros, apertando-os com força para mantê-la do lado de dentro. Naquele instante, diversas balas atingiram o exterior do avião. Elas não causaram danos sérios, mas aumentaram a ansiedade de Cage. O sucesso da missão dependia de levar as crianças para a segurança. Tal sucesso podia ser sacrificado por duas pessoas que aparentemente estavam dispostas a dar suas vidas? Ele observou Linc rastejar sobre a barriga para onde o garoto estava deitado com o rosto virado para o solo lamacento. Viu os dois trocando palavras. — Ele está vivo — Cage falou para Kerry. — Oh, Deus, por favor, não os deixe morrer. — Lágrimas escorriam pelo rosto dela. — Cage, eles estão bloqueando esta pista improvisada com jipes — avisou o piloto. Todas as crianças estavam gritando, em pânico. — Kerry, nós temos de ir — disse Cage. — Não. Nós não podemos deixá-los. — Nós todos podemos morrer se... — Não, não. — Ela esforçou-se para se livrar das mãos dele, que a prendiam. — Vocês podem decolar, mas me deixem aqui. — Você sabe que eu não posso fazer isso. As crianças precisam de você. Kerry soluçou com desespero quando viu Linc se erguendo sobre um joelho. Ele segurou Joe por baixo de um braço e lentamente o levantou. Joe não podia sustentar o próprio peso. Sua perna esquerda estava pendurada, inútil. Linc lutou para colocar um dos braços de Joe ao redor de seus ombros, então começou a andar em direção ao avião, arrastando o garoto. Mais tiros soaram à volta deles. Kerry viu pequenos jorros de poeira se erguendo do solo onde as balas golpeavam. Sentindo o cheiro de vitória, os guerrilheiros saíram da cobertura das árvores e começaram a correr para a clareira, atirando sem parar. — Kerry... — Não, Cage! Não mova este avião um único centímetro! — Mas... Ela colocou uma mão de cada lado da boca em forma de concha para gritar: — Linc! Linc! Corra! Linc atirou nos inimigos até que estivesse sem munição. Então, praguejando 91
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown violentamente, jogou sua arma no chão, e, num único movimento, pegou Joe nos braços como se ele fosse um bebê e correu em direção ao avião. — Eles estão vindo! — gritou Kerry. — Comece a girar as hélices — Cage gritou sobre seu ombro para o piloto. Então, inclinou-se o mais para fora do avião que conseguiu, a mão estendida. Kerry viu a careta de agonia de Linc um segundo antes que visse o sangue jorrar da frente da camisa dele. A essas alturas, estava muito rouca para emitir um som, mas abriu a boca e gritou silenciosamente. Ferido, Linc continuou correndo, seus dentes travados com esforço. Ele tropeçou em direção à porta do avião, fazendo um esforço quase sobre-humano para erguer Joe para Cage. Cage agarrou o colarinho da camisa de Joe e puxou-o para dentro. Sob seu próprio esforço, e apesar da dor, o garoto rastejou para sair do caminho. O avião tinha ganhado ímpeto agora, e Linc estava precisando correr para acompanhar a porta. — Dê-me sua mão — gritou Cage. Linc estendeu o braço o máximo que foi capaz, tropeçou, mas milagrosamente permaneceu sob os pés. Então, com uma última explosão de energia, ele agarrou a mão de Cage e segurou-a. Seus pés se ergueram do solo. Ele foi arrastado uma distância considerável antes que Cage, com a ajuda de Kerry, conseguisse puxá-lo para dentro. Linc caiu no chão do avião, rolou sobre as costas e permaneceu deitado, recuperando o fôlego, enquanto Cage segurava a porta e gritava para o piloto: — Dê o fora daqui! — Câmbio! Eles ainda não estavam fora de perigo. O avião foi baleado de todas as direções, enquanto o piloto percorria a pista, alcançando velocidade antes de decolar, o que conseguiu fazer somente a alguns metros dos jipes tentando bloquear a pista. As crianças estavam aninhadas juntas. A maior parte de suas lágrimas tinha secado, mas elas estavam com olhos arregalados, e apreensivas por causa da primeira viagem de avião. Olhavam para o norte-americano que estava lhes falando em sua língua nativa e sorrindo-lhes gentilmente. Kerry pôs as mãos sobre o peito de Linc. — Oh, Senhor. Onde você foi atingido? Está sentindo dor? Ele abriu os olhos. — Eu estou bem. Vá dar uma olhada em Joe. Ela engatinhou para onde o garoto estava deitado. O rosto de Joe estava pálido, os lábios brancos. Cage afastou-a para o lado com o ombro, então limpou o braço de Joe com uma bolinha de algodão molhada em álcool e lhe deu uma injeção. — Um analgésico — disse ele em resposta à pergunta não falada de Kerry. — Eu não sabia que você podia fazer isso. — Eu também não sabia que podia — replicou ele secamente. — Um dos médicos locais me deu um breve curso de enfermagem ontem à noite. Ele cortou a perna da calça de Joe e examinou a feia ferida causada pela bala na coxa dele. 92
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Eu não acho que abalou o fêmur, mas rasgou um pouco o músculo. Kerry engoliu a ânsia que subiu à sua garganta. — Ele vai ficar bem? — Eu acho que sim. — Cage sorriu e pressionou-lhe a mão. — Eu farei o que posso para limpar o ferimento e mantê-lo confortável. Quando nós chegarmos mais perto, o piloto passará um rádio para Jenny. Ela providenciará que uma ambulância esteja nos esperando quando aterrissarmos. E, a propósito — acrescentou com o sorriso que o tornara uma lenda com as mulheres ao redor do Texas — estou feliz porque vocês conseguiram. — Nós não teríamos conseguido se não fosse por Linc. — Agora que Joe parecia ter dormido e esquecido da dor, ela moveu-se para o homem ainda deitado no chão da fuselagem. — Quem? — perguntou Cage. — Linc. Lincoln 0'Neal. — Você está brincando! — exclamou Cage. — O fotógrafo? — Alguém chamou meu nome? — Linc abriu os olhos e esforçou-se para se sentar. Os dois homens sorriram um para o outro com a facilidade de velhos amigos. — Bem-vindo a bordo, e prazer em conhecê-lo — disse Cage, apertando a mão de Linc. — Obrigado. Linc olhou para Kerry, que correspondeu ao olhar. Cage percebeu imediatamente que alguma coisa estava acontecendo ali, e que, qualquer coisa que fosse, ele estava sobrando. — Eu, uh... vou ver as crianças. Kerry, talvez seja melhor você cuidar do ferimento de Linc. Os materiais de medicina estão aqui — disse ele, deslizando um kit de primeiros-socorros na direção dela. Diplomaticamente, deixou-os a sós. — O que você estava tentando provar lá? — demandou Linc, zangado. — Eu lhe disse para ir embora sem nós, se alguma coisa acontecesse. Eu deveria lhe dar uns tapas no traseiro por me desobedecer. As lágrimas de Kerry foram substituídas por fúria. — Bem, perdoe-me — devolveu ela. — Eu não estava esperando você. Estava esperando Joe. Você está com dor ou não? — É um pequeno ferimento — replicou ele, olhando de modo negligente para seu ombro sangrando. — Cage pode lhe dar uma injeção para tirar a dor. — Esqueça. Eu detesto injeções. Eles se entreolharam. Os lábios de Kerry foram os primeiros a tremer com o começo de um sorriso. Então os de Linc. Eles surpreenderam todos os passageiros do pequeno avião caindo subitamente na gargalhada. — Nós conseguimos! — Linc gritou de maneira exuberante. — Nós realmente conseguimos. É inacreditável! Você está livre em casa, Kerry. — Em casa. — Ela sussurrou a palavra como uma oração. Então suas emoções mudaram de direção, tomando outro caminho. Kerry lançou93
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown se contra o peito manchado de sangue de Linc. E enquanto eles se abraçavam com força, ela chorou de alívio.
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Capítulo Oito Jenny Hendren tinha pensado em providenciar comida. Havia sanduíches de pasta de amendoim, laranjas e maçãs, e cookies feitos em casa com lascas de chocolate. Lanches de queijo e bebidas em latas haviam sido mantidos numa geladeira portátil. Assim que a fome foi saciada, a maioria das crianças dormiu. Todos os assentos tinham sido temporariamente removidos do avião executivo da companhia aérea Cessna, mas ainda não havia uma abundância de espaço dentro da fuselagem. — Como está Joe? — Kerry perguntou para Cage. Ele estava inclinado sobre o garoto ferido, checando a bandagem inadequada que colocara sobre o ferimento da coxa de Joe. — Ainda dormindo. — Fico feliz que você tinha aquela injeção pronta. — Eu também. Ele estaria delirando de dor sem ela. Como está o outro paciente? — Teimoso, inflexível, obstinado. — Logo depois que as lágrimas de Kerry haviam secado, ela e Linc tinham se separado, sem graça. Não mais carinhoso e consolador, ele passara a ser frio e ofensivo. — Ele quer falar com você. Cage moveu-se para onde Linc estava apoiado contra a parede. Ele parecia tão desalinhado quanto no dia em que Kerry o vira pela primeira vez. A barba estava crescida, as roupas, sujas, rasgadas e manchadas de sangue. Sem a bandana do lenço ao redor da testa, ele constantemente afastava os cabelos do rosto. — Kerry disse que você queria falar comigo. — Cage abaixou-se ao lado do outro homem. — Você falou alguma coisa mais cedo sobre ligar para sua esposa antes de chegarmos. — Cage assentiu. — Acha que ela poderia ter uma câmera fotográfica esperando por mim quando nós aterrissarmos? — Linc teve de jogar suas câmeras no rio quando nós o atravessamos — explicou Kerry. — Nós mal conseguimos salvar os filmes. Cage, apesar de todos os anos impulsivos que vivera no passado, olhou-os com surpresa e respeito. — Parece que vocês dois tiveram uma aventura e tanto. Kerry olhou sem graça para Linc. — Sim, tivemos. Sabe, o rio... Cage ergueu as duas mãos. — Eu quero ouvir tudo sobre isso, mas todos também irão querer. Por que vocês não descansam agora, depois contam de uma vez só para todo mundo? — Kerry lhe deu um sorriso agradecido. — Que tipo de câmera você precisa, Linc? — perguntou ele. — Tem um lápis? Cage providenciou papel e caneta e anotou as especificações de Linc. — Eu verei o que posso fazer. — Ele foi em direção à cabine. — Bom sujeito — comentou Linc, seus olhos ainda em Cage. 95
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry riu. — Nem sempre, pelo que ouço falar. — Oh? — Como eu lhe contei, conheci Jenny através da Fundação Hendren. Ela estava noiva de Hal Hendren quando ele foi baleado. — O irmão de Cage? — Sim. — O missionário? — Isso mesmo. Linc meneou a cabeça. — Eu devo ter sido golpeado na cabeça e não me recordo. Ou isso é tão confuso quanto parece? — É bastante complicado. Jenny conhecia bem os dois irmãos. Cresceu com eles. Os Hendren a adotaram quando os pais dela morreram. — Então, eles eram todos uma grande família feliz? — Sim. As sobrancelhas de Linc se arquearam, e ele sorriu de maneira maliciosa. — Parece excêntrico para mim. — Dificilmente. Eles foram criados numa residência paroquial. O pai de Cage é pastor. — Filho de pastor, huh? Não é de admirar que eu tenha gostado dele imediatamente. Aposto que ele foi terrível. — Até que Jenny o capturasse. Embora Linc estivesse desgrenhado, seus olhos reluziam. — Acho que estou ansioso para conhecer essa Jenny. Kerry riu. — Você deveria estar, mas não pelo motivo que pensa. Ela é uma verdadeira dama. Ela e Cage, que era um assassino de damas extraordinário, são devotados um ao outro. Eles têm um filho, um pequeno garotinho, e Jenny está esperando outro. Tenho certeza de que essa é a única razão pela qual ela não veio com Cage nos buscar. — Bem, se ela tivesse vindo, eu não sei onde nós a teríamos colocado. O comentário de Linc chamou a atenção para como o espaço era apertado. Eles estavam sentados tão perto que o joelho de Kerry estava apoiado sobre a coxa dele. O mais discretamente possível, ela tirou a perna dali. Ambos estavam se recordando do beijo que tinham trocado antes que o avião chegasse. Havia beijos, e então havia beijos. E aquele beijo fora do tipo que um homem dá em uma mulher que deseja desesperadamente. Tinha sido voraz, ávido e carnal. Toda vez que Kerry pensava sobre isso, tremia com a lembrança. E toda vez que Linc pensava sobre isso, sua masculinidade ameaçava embaraçá-lo. — Você está confortável? — perguntou ela com voz rouca. Linc ergueu os olhos para os seus. No começo, pensou que Kerry tivesse lido sua mente, ou, que Deus o livrasse, notado a rigidez por trás do zíper de sua calça. Então percebeu que ela estava olhando para seu ombro, não para seu colo. 96
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Não foi nada sério — disse ele, referindo-se ao ferimento no seu ombro. Ela estremeceu enquanto estudava as manchas de sangue na camiseta dele. Linc podia ter sido morto tão facilmente. Tinha arriscado sua vida. Seria impossível recompensá-lo por todos os sacrifícios que ele fizera por ela e pelas crianças, mas ela sabia que algum tipo de agradecimento, insuficiente ou não, deveria ser feito. — Linc? Porque não podia olhá-la sem que seu desejo se tornasse desenfreado, ele tinha inclinado a cabeça contra a parede do avião e fechado os olhos. Agora, quando ela chamou seu nome com tanta ternura, e tocou-lhe o braço com sua mão fria e seca, ele abriu os olhos lentamente e virou a cabeça para fitá-la. — Hmm? — O que você fez lá... — A voz falhou, e ela abaixou os olhos. — Eu quero agradecê-lo por tudo. Eu... eu... — As palavras certas não vinham. Kerry não podia pensar em nada para dizer que não chegasse perto de soar como uma declaração de seu amor. De forma insensata, falou a primeira coisa que veio à sua cabeça: —Eu lhe darei o cheque dos cinquenta mil assim que possível. Linc ficou sentado imóvel por diversos momentos. Era a calma antes da tempestade. Ele puxou violentamente seu braço de baixo da mão dela. Queria lhe dizer que ficasse com o maldito dinheiro. Dinheiro! Kerry achava que isso era tudo o que aquela experiência tinha significado para ele? — Vá para o inferno. — O quê? — Você me ouviu. — Mas eu não entendo. — Tem toda a razão, moça, você não entende. — Por que você está gritando comigo? Eu só estava tentando lhe agradecer. — Mas agora Kerry também estava zangada. Não dava para entender aquele homem, que não permitia que ninguém fosse gentil com ele. Linc era um bárbaro insensível. — Pronto, você me agradeceu. Agora esqueça o assunto. — Com prazer. — Ela começou a se afastar, mas notou gotas frescas de sangue escorrendo pelo peito dele. — Você fez seu ombro sangrar de novo. Ele olhou para o próprio ferimento com indiferença. — Está tudo bem. Kerry pegou um quadrado de gaze do kit de primeiros-socorros. — Aqui, deixe-me... Ele segurou-lhe o pulso antes que a mão dela fizesse contato com o ombro ferido. — Eu disse que está tudo bem. Apenas me deixe em paz, certo? Como você foi tão rápida em me lembrar, nós temos apenas um acordo profissional. Isso não inclui cuidar de meus ferimentos. — Linc abaixou o tom de voz. — Ou beijar. Por que você me deixou beijá-la naquela hora? — Ele aproximou o rosto do dela. — E por que correspondeu ao beijo? Querida, sua língua estava tão ocupada quanto a minha. Não pense que eu não notei. Bem, você poderia ter se poupado do trabalho. Eu teria corrido tanto quanto corri, atirado tantas vezes quanto atirei, se você não tivesse me beijado. 97
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown As faces de Kerry estavam quentes com indignação. — Isso é uma coisa horrível de se dizer. — Talvez. Mas não tão horrível quanto fazer promessas sexuais que você não pretende cumprir. — O lábio dele se curvou com desdém. — Nós estamos empatados agora, Irmã Kerry. Eu fui contratado para lhe prestar um serviço. Assim que você me pagar, eu desapareço. Finis. Eu tirarei algumas fotos das crianças descendo do avião para sua primeira vista do solo americano, depois irei embora. Toda essa experiência maluca será história, e, francamente, mal posso esperar para que isso aconteça. Kerry desvencilhou a mão do aperto dele, olhando-o com raiva. Nunca em sua vida tinha conhecido alguém tão duro e insensível. "Experiência maluca." Isso resumia o que ele pensava dos órfãos, da situação deles, e dela. A desilusão foi cruel, mas ela sofrerá desilusões antes. Era doloroso, mas não fatal. Uma pessoa poderia sobreviver e viver para contar sobre isso. Kerry colocou a maior distância possível entre si mesma e o sr. Lincoln 0'Neal, encontrou um espaço tão confortável quanto a fuselagem congestionada oferecia, e acomodou-se para dormir durante o tempo restante do voo. Cage cutucou-a para acordá-la. — Estamos a aproximadamente 15 minutos da aterrissagem, Kerry. Achei que talvez você quisesse acordar as crianças. — Como está Joe? — O garoto gemia. Seus olhos ainda estavam fechados, mas ele rolava a cabeça de um lado para o outro de modo intermitente. — Infelizmente, ele está recuperando a consciência. Mas eu não lhe darei mais nada. Deixarei o médico cuidar disso daqui para a frente. — Cage — disse ela, pegando-lhe a manga da camisa quando ele começou a ir em direção, à cabine novamente. — Eu não quero encarar uma multidão de repórteres nesse momento. As crianças já estão assustadas o bastante. Estamos todos sujos e cansados. Você pode arranjar isso? Ele cocou a nuca. — Vocês são uma grande notícia, Kerry, por causa de... — Eu sei — interrompeu ela rapidamente, ciente de que Linc poderia ouvir tudo o que eles estavam dizendo. — Mas tenho certeza de que você entende por que eu prefiro privacidade. Para mim e para as crianças, sem mencionar os casais que irão adotá-las. — Eu entendo, mas não tenho certeza se a mídia entenderá. Repórteres estão acampados em La Bota por dias, esperando sua chegada. — Ele viu o desespero dela, e pôs uma mão reconfortante em seu ombro. — Mas se você não quer ser entrevistada ou expor as crianças a esse tipo de tumulto, assim será. Contatarei o xerife pelo rádio imediatamente, e pedirei que ele cerque a área do aeroporto com corda. — Obrigada. As crianças, que estavam bem acordadas agora, conversavam animadamente enquanto espiavam pelas janelas. Kerry riu dos comentários perplexos sobre a paisagem plana do Texas, que era tão diferente do terreno da floresta com o qual elas 98
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown estavam acostumadas. O piloto experiente fez outra aterrissagem perfeita. Quando o avião parou completamente, a prioridade foi levar Joe para a ambulância que aguardava, a qual o levaria direto para o hospital. Cage saltou para o solo e conversou brevemente com o médico. Linc desceu e olhou para uma moça grávida com uma câmera fotográfica. Não foi difícil avistá-la. Kerry estava certa. Jenny Hendren era uma típica dama, do topo dos cabelos castanhos brilhantes aos dedos dos pés dentro das sandálias. — Sra. Hendren? — Sr. 0'Neal? Eles sorriram um para o outro, e ela passou-lhe a câmera que ele tinha pedido. — Uma Nikon F3 com filme Tri-X. Eu mandei Gary a Amarillo para comprá-la. Tivemos de dar diversos telefonemas, antes de finalmente localizarmos uma lá. — Desculpe-me por ter lhe dado tanto trabalho. — Espero que esteja em perfeitas condições — disse ela ansiosamente. — Eu não entendo nada de máquinas fotográficas. Linc não sabia quem era Gary, mas estava muito satisfeito de ter uma câmera em suas mãos novamente. — Está perfeita, obrigada. Eu acertarei o valor com você mais tarde. Linc abriu um pacote de filme e carregou a câmera automaticamente. Ergueu-a para os olhos bem a tempo de tirar fotos dos paramédicos retirando a maça com Joe de dentro do avião. Moveu-se para mais perto. Os olhos do garoto estavam abertos agora. Ele viu Linc, o único rosto familiar entre aqueles que o cercavam. Linc murmurou: — Aguente firme, soldado. — Pela primeira vez desde que Linc o conhecia, Joe sorriu. Linc capturou o sorriso fraco no filme. O médico subiu na ambulância depois que a maca tinha sido carregada. Quando se virou para a porta, notou o ferimento de Linc. — Você também deveria ser atendido. — Mais tarde. — Não pensando mais em seu pequeno ferimento, Linc virou sua câmera na direção da porta do avião. Do lado de dentro, Kerry estava falando suavemente com as crianças. — Tudo será diferente, mas não fiquem assustados. Vocês são muito especiais para as pessoas aqui. Elas os querem. — Você vai nos deixar? — perguntou o jovem Mike. — Não. Eu não irei embora até ter certeza de que vocês todos estão felizes com suas novas famílias. Estão prontos? — Oito cabeças assentiram solenemente. — Ótimo, então vamos. Ela os ajudou a descer. Cage e Jenny Hendren escoltaram o grupo até uma van que os esperava. Kerry fez o possível para ignorar Linc enquanto ele tirava fotos suas. Também tentou ignorar a ponta de inveja que sentiu quando Cage envolveu sua esposa nos braços e beijou-a apaixonadamente. O alívio de Jenny pelo fato de que Cage tinha retornado sem ferimentos era 99
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown aparente, assim como era a preocupação dele de que ela pudesse estar exagerando nas suas atividades em seu estágio avançado da gravidez. Enquanto um tranquilizava o outro de suas preocupações, o amor do casal brilhava ao redor deles como um sol exclusivo. Depois que todas as crianças entraram na van, Kerry e Jenny se abraçaram. — Este é um sonho se realizando — Kerry falou para sua amiga. — Obrigada por tudo. Por fazer todos os arranjos. Vocês dois foram maravilhosos. — Quietinha agora. Você precisa de descanso e de alimentos. Nós teremos muito tempo para conversar mais tarde. Cage — murmurou ela, voltando-se para o marido — por que você e o sr. 0'Neal não entram atrás com as crianças? Eu vou dirigindo. — Uh, com licença, sra. Hendren — disse Linc — eu pegarei um táxi para o hotel mais próximo e... Ao mesmo tempo, Cage e Jenny caíram na gargalhada. — Nós só temos um táxi na cidade — explicou Cage. — Você teria sorte de fazêlo chegar aqui depois de amanhã, se ligasse imediatamente. E não há hotel, embora haja diversos motéis. — Além disso — acrescentou Jenny — eu não deixaria você ir embora antes de lhe agradecer por toda a sua ajuda. Agora, entre antes que nós todos desmaiemos de calor. E aquilo, aparentemente, era definitivo. Linc subiu na parte de trás da van com Cage. A pequena Lisa, o rostinho revelando uma expressão de incerteza, estendeu os braços para ele. Linc acomodou-a em seu colo durante o trajeto para a casa dos Hendren. — Eu consegui afastar os repórteres com a promessa de uma declaração para a imprensa, divulgando os acontecimentos, Kerry. Você pode prepará-la quando sentir vontade. — Obrigada, Cage. — E, é claro, você vai ficar na nossa casa — adicionou Jenny. — E quanto às crianças? — Nós recebemos diversos trailers emprestados. Estão na fazenda — disse Cage. — Também temos enfermeiras de plantão para checar as crianças, de acordo com a exigência do departamento de imigração. Levará vários dias até que a papelada seja completada e que o processo de adoção finalize. Nós cuidaremos de tudo antes que as famílias cheguem para buscá-las. — Cage olhou para o círculo de rostos jovens que os cercava. — Quais são as irmãs? Kerry apontou para as duas irmãs de Juan. Cage sorriu para as garotas e disselhes, em espanhol, que os novos pais delas já estavam na casa. — Eles as estão esperando. Vocês os conhecerão assim que nós chegarmos. As menininhas, que tinham ficado inconsoláveis quando Kerry lhe dera a mensagem de despedida do irmão, se abraçaram com medo e olharam tanto para Kerry como para Linc, como se pedindo apoio. Linc fez um sinal de positivo com ambos os polegares e deu-lhes uma piscadela exagerada. Aquilo as fez rir. Kerry estava impressionada com a casa dos Hendren e com o tamanho das terras 100
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown em volta, e comentou isso quando eles saíram da estrada principal e passaram pelo portão da fazenda. — Obrigada — murmurou Jenny. — Cage tinha começado a reformar a casa antes que nos casássemos. Fizemos muito mais trabalho aqui desde então. Eu amo o lugar. Cage Hendren tinha sido um explorador de petróleo, e ainda tinha direito sobre diversos poços petrolíferos em produção, Mas quando o preço do petróleo não refinado começara a cair, Cage pôde prever o que aconteceria, e começou a cultivar outros negócios, incluindo mercado imobiliário e fazendas de gado bovino. Ele também possuía um estábulo cheio de cavalos de raça. Quando a economia mudou, ele não sofreu tremendas derrotas. Eles viviam modestamente por escolha, não por necessidade. Havia três trailers parados lado a lado perto do estábulo. Antes que a van parasse completamente, Roxie Fleming saiu de um deles correndo, seu marido Gary seguindo-a de perto. — Esta é Roxie — Jenny disse a eles. — Você me escreveu sobre ela — Kerry falou. Roxie, animada e tempestuosa, teria se lançado sobre eles, não fosse o extrovertido e afável Gary pegando a ponta de sua Camisa e segurando-a. Cage e Jenny apresentaram Kerry e Linc para os Fleming. Roxie reconheceu-os educadamente, mas de maneira distraída. Estava ansiosamente estudando os rostos das crianças. — Quais são Cara e Carmen? — perguntou ela com voz emocionada. Kerry apontou para as duas garotinhas. Roxie estendeu as mãos. Um momento tenso se passou antes que as meninas se separassem do grupo e andassem devagar e timidamente em direção às mãos de Roxie. Com a maior discrição possível, Linc fotografou a cena tocante. A fotografia mais comovente que tirou foi de Kerry Bishop, a pessoa que tornara aquele milagre possível. Ele sabia que seria uma boa foto. O sol refletido fizera as lágrimas nos olhos azulescuros parecerem diamantes. Kerry desceu a escada com inexplicável nervosismo. Talvez porque estivesse usando um vestido pela primeira vez em séculos. Bem, isso não era inteiramente verdade. Tinha usado um vestido na noite em que sequestrara Linc do bar, mas não era a mesma coisa. Talvez seu coração estivesse disparado porque aquela era a primeira vez que ele a via com os cabelos limpos, sedosos e brilhantes, a pele macia e livre de barro, e suas unhas pintadas de cor-de-rosa clarinho. Qualquer que fosse o motivo, seus joelhos ameaçavam desmoronar com cada passo que ela dava. Parecia que uma vida inteira havia se passado desde a difícil fuga deles de Monterico. Todavia, aquilo acontecera somente naquela manhã. As atividades do dia tinham se concentrado em acomodar as crianças em seus aposentos temporários, observando-as, enquanto elas se maravilhavam com o "luxo" que encontraram nos trailers. Todas haviam recebido um atestado de saúde das enfermeiras. Meses atrás, 101
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown logo que a ideia que elas fossem adotadas nos Estados Unidos fora concebida, Kerry providenciara que cada criança fosse vacinada de acordo com as regras americanas. Com a ajuda dos Fleming e dos pais de Cage, Bob e Sarah Hendren, todas as crianças tinham sido lavadas e esfregadas dos pés a cabeça, então vestidas em roupas novíssimas doadas por um comerciante de La Bota. Graças aos membros da congregação de Bob Hendren, havia comida suficiente na cozinha para fazer mesas e balcões gemerem. Roxie não conseguia tirar as mãos de suas filhas adotadas, e penteara os cabelinhos delas tantas vezes que Gary, quase tão culpado de mimos quanto à esposa, avisara-a de que ela deixaria as meninas carecas se não fosse cuidadosa. Kerry apenas esperava que o entendimento entre todas as crianças e suas novas famílias fosse estabelecido assim tão facilmente. A seu pedido, Cage levara Kerry para o hospital. O staff, cuidadosamente guardando a privacidade dela, deixara-a entrar por uma porta dos fundos para visitar Joe. A cirurgia para remover a bala da coxa havia terminado. Ele estava grogue da anestesia, mas a reconheceu. O médico lhe garantiu que a perna de Joe não tinha sofrido nenhum dano permanente. Quando Kerry retornou, Jenny insistira que ela se desse ao luxo de um longo banho de banheira. Sem um pingo de relutância, Kerry removera as roupas imundas com as quais vivera por quase quatro dias. Somente no momento em que desamarrou a bandana que envolvia o pescoço que seus dedos hesitaram. Uma vez que Linc tinha lhe dado, ela lamentava ter de removêla. Lavou o lenço na pia do banheiro e pendurou-o para secar. A menos que ele pedisse de volta, Kerry pretendia guardá-la como uma recordação de seu caso de amor breve, não consumado, mas nem por isso menos ardente. Agora, vozes vindas da sala de jantar chegavam aos seus ouvidos. Havia um friozinho em sua barriga, com um misto de expectativa e medo. Reunindo sua coragem, ela seguiu em direção à porta arcada que levava a uma piscina suave de luz de vela, e hesitou na soleira. Jenny foi a primeira a avistá-la. — Aí está você. — Uau! — Cage assobiou em apreciação. — Um pouco de água e sabonete podem fazer maravilhas. Linc não disse nada. Foi pego no ato de erguer uma lata de cerveja à boca, a qual ficou equilibrada no ar por diversos segundos, antes que ele realmente desse um gole. Kerry entrou na sala e escolheu uma cadeira do outro lado da mesa, na frente de Linc. — Isso é tanta gentileza de sua parte, Jenny. — Ela olhou encantada para o vaso de flores no centro da mesa, para as velas brilhantes, para a louça de porcelana chinesa, os copos de cristais e os talheres de prata. — Eu achei que vocês dois mereciam um jantar tranquilo e demorado. O almoço foi entre muita agitação. Relaxem e divirtam-se. O relatório dos trailers é que as crianças estão dormindo. — Eu só espero não embaraçar a mim mesma — disse Kerry, correndo os dedos sobre o cabo de seu garfo de salada. — Morei na floresta por tanto tempo que mal me 102
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown lembro como usar talheres de prata propriamente. — Você vai lembrar quando começar a comer — replicou Jenny com um sorriso gentil. — E se não lembrar, nós não nos importaremos. — Cage passou-lhe uma travessa de comida. — Estamos acostumados a comer com Trent. Os modos dele à mesa são horríveis. — Uma graça de garoto — comentou Linc. — Ele fez as outras crianças se sentirem em casa. — Sim — concordou Cage. — Eles as ensinou, através do exemplo, como atacar um pote de sorvete. Rindo, Kerry perguntou: — Onde ele está? — Felizmente dormindo — respondeu a mãe do menino em questão de forma fatigada. — Comam em paz. Kerry ficou surpresa com o som rico e profundo da risada de Linc quando esta não estava tingida com cinismo. Uma risada que parecia rolar como uma onda. Aparentemente, Cage, que possuía os mesmos ombros largos e quadris estreitos, emprestara a Linc uma calça jeans e uma camisa. Ele tinha tomado banho, e seus cabelos, embora ainda precisassem de um corte, estavam lavados e penteados para trás. O rosto fora barbeado. Sem os pelos curtos, o maxilar forte parecia ainda mais másculo do que antes, o que era um pensamento perturbador. Ela detectou o contorno leve de um curativo branco sob a camisa dele. Enquanto eles comiam, a conversa girou principalmente ao redor dos órfãos. — Eu distribuí cópias de sua declaração para a imprensa aos repórteres decepcionados. — Obrigada, Cage. — Nós lhe contaremos sobre os candidatos para adoções, mas isso pode esperar até amanhã. — Obrigada mais uma vez. Eu estou tão cansada que não acho que assimilaria alguma coisa esta noite — admitiu Kerry. — Tenho certeza de que você selecionou os casais cuidadosamente. São todos tão maravilhosos quantos os Fleming? — Gary e Roxie são amigos especiais, então nós somos suspeitos para falar. Mas achamos que os outros serão ótimos pais, também. Após uma pausa na conversa, Jenny sorriu para Linc e disse: — Eu nunca imaginei que seria tão honrada em ter uma Celebridade à minha mesa. — Onde? — perguntou ele, comicamente virando a cabeça de um lado para o outro, como se procurando pela celebridade. Os Hendren continuaram estimulando-o, até que ele entreteve a todos com histórias de suas aventuras como fotojornalista. Linc subestimou o perigo que frequentemente encontrava e embelezou algumas das anedotas mais engraçadas. — Mas — disse ele, empurrando seu prato de sobremesa de lado, depois de ter comido duas fatias de torta de maçã — a mais recente fuga de Monterico foi a 103
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown situação mais assustadora que eu já enfrentei. Uma grande parte da tarde havia sido passada com eles recontando sua história. Cage e Jenny, os Fleming e os pais de Cage tinham ouvido com incredulidade tudo o que acontecera a eles durante seu caminho para a fronteira. — Eu não estou com pressa de voltar — murmurou Kerry agora. — Nem nós estávamos, uma vez que saímos de lá — disse Cage. Linc o olhou em surpresa. — Nós? Vocês estiveram lá? Quando? — Depois que meu irmão foi executado. — Sinto muito. — Não, sem problemas. Jenny e eu tivemos de ir lá para identificar o corpo de Hal e trazê-lo de volta. — Ele estendeu o braço sobre a mesa e pegou a mão da esposa, apertando-a. — Foi uma experiência desagradável para nós dois. — Cage olhou para o espaço, pensativamente. — Contudo, se não tivesse sido tão estragado pela guerra civil, Monterico poderia ser um lindo lugar. — Ele olhou para Jenny. — O clima tropical era bastante sensual pelo que me recordo. Porque Cage e Jenny estavam se entreolhando com tanta concentração, perderam a breve troca de olhares que se passou entre seus hóspedes. Tanto Kerry quanto Linc estavam se lembrando vividamente na noite que tinham passado sob o abrigo de uma videira, uma chuva forte os cercando com seu barulho alto, o perfume sedutor das flores da selva, pele nua e terra... tudo combinado num potente afrodisíaco. Aquela noite parecia irreal agora. Poderia ter acontecido com duas pessoas diferentes, em outra vida. Eles hão poderiam ter se deitado tão juntos, e estarem tão separados um do outro agora. Linc não podia ter acalmado seus medos e secado suas lágrimas na ocasião, e machucado-a nesta manhã com suas palavras cruéis. Kerry olhou para Linc do outro lado da mesa. Ele era um estranho. Eles haviam compartilhado copos de água e pedaços de pão, beijos apaixonados e discussões igualmente apaixonadas, todavia, ela sabia tão pouco sobre ele. — Nenhum de vocês explicou como acabaram unidos nesta missão — observou Jenny. — Como você se envolveu no trabalho de Kerry, Linc? Kerry teve um sobressalto, como se tivesse tomado um choque elétrico. Ela encontrou os olhos duros de Linc do outro lado da mesa. A expressão dele era presunçosa. Ele podia ter se limpado por fora, podia estar mais bonito, mas ainda era corrupto até a raiz por dentro. Estava tramando e calculando como sempre, um lutador de rua que nunca se dava por vencido. — Eu acho que Kerry deve lhes contar isso — disse ele. Se ela tivesse coragem. Linc não acrescentou essa frase, mas Kerry leu claramente o desafio nos olhos dele. Era um desafio do qual ela não ousou recuar. Erguendo o queixo num ângulo teimoso, respondeu: — Eu o recrutei. — Ele emitiu um som rude de zombaria. Ela lhe deu um olhar venenoso. — Tudo bem, eu... eu... — Ela me sequestrou — supriu Linc, bem-humorado. Kerry levantou-se, furiosa com ele por expor a briga deles na frente dos 104
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Hendren. — Você não vai ser gentil sobre isso, vai? Linc também se levantou. — Gentil? Gentil? Você me sequestrou, moça. Deliberadamente destruiu o equivalente ao meu trabalho árduo de um mês. Fez com que eu perdesse o avião que me tiraria daquele buraco esquecido por Deus. Por sua causa, eu fui capturado por um bando de assassinos, perseguido, baleado, quase afogado, e você espera que eu seja gentil sobre isso? Ofegando com agitação, ele apontou para Kerry de maneira acusatória, enquanto se dirigia a Cage e Jenny. — Ela vestiu-se como uma prostituta e me atraiu para fora de uma taverna. Foi assim que Kerry me "recrutou". Eu a acompanhei, pensando que iria ter um bom sexo... Oh, desculpe, Jenny. — Sem problemas — murmurou Jenny. — Ele se esqueceu de mencionar que estava bêbado na ocasião — adicionou Kerry. — E eu não o atraí para fora da taverna, eu o arrastei, porque ele não conseguia ficar em pé sozinho. — E esse fato torna certo o que você fez? — gritou Linc do outro lado da mesa? — Eu pensei que ele fosse um mercenário — Kerry explicou para seus ouvintes ávidos. — E ele é. Será pago por seu tempo e trabalho — disse ela com raiva. — Antes que vocês deem medalhas de honra para Linc, talvez devam saber que ele não fez nada por generosidade. Eu tive de concordar em lhe pagar cinquenta mil dólares para que ele não virasse as costas para mim e para as crianças a favor do El Presidente. — Você sabe muito bem que não foi por isso que eu exigi pagamento. — Linc moveu-se para a frente de modo ameaçador, como se fosse subir em cima da mesa e atacá-la. — O dinheiro foi para me pagar o filme que você destruiu. Foi aproximadamente o rendimento que você me custou. Mas tal valor nem mesmo começa a me reembolsar por ter tido de aguentá-la pelos últimos quatro dias. —Ele jogou seu guardanapo ao lado do prato. — Cage, seria muita imposição de minha parte pedir-lhe que me leve de carro até a cidade? Jenny Hendren levantou-se de sua cadeira. — Você não vai embora, vai? — Lamento, mas sim, Jenny. — Linc gostava muito da esposa de Cage. Eles estavam se tratando pelo primeiro nome desde mais cedo naquela tarde. Ela era graciosa, gentil, sincera, feminina e de temperamento calmo... tudo o que Kerry Bishop não era. — Não que eu não aprecie sua hospitalidade. — Mas você não pode ir embora — insistiu Jenny de modo imperioso. — Não agora. — Todos ficaram surpresos pela intensidade da explosão dela, e a olharam com expressões interrogativas. Embaraçada, Jenny apressou-se em perguntar: — Você tirou todas aquelas fotos hoje para acompanharem a história de sua fuga, certo? — Certo — respondeu Linc, hesitantemente. — E eu tenho certeza de que, uma vez que Kerry se recusou a ser entrevistada, ela irá lhe conceder direitos exclusivos à história. Certo, Kerry? 105
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry hesitou. — Uh, certo. — Bem, a história não acabou — disse Jenny. — Você não quer fotografar as crianças encontrando seus novos pais? E não pode ir embora sem saber como será a recuperação de Joe. Linc considerou seu dilema. Jenny estava certa num aspecto. A história seria melhor se ele permanecesse até o final. Falara ao telefone com diversas revistas naquela tarde, e estava recebendo ofertas de editores ansiosos para pôr as mãos na sua história. E, por Deus, ele merecia direitos exclusivos naquilo, se Kerry estivesse disposta a lhe conceder de livre e espontânea vontade ou não. Mas não achava que poderia ficar sob o mesmo teto que ela por mais uma hora. Ou faria amor com Kerry ou a mataria, e, por motivos inteiramente diferentes, estava muito tentado a fazer as duas coisas. O equilíbrio era precário. Qualquer escorregadela para uma direção ou para outra, e Linc poderia perder o pouco controle que lhe restava. — Eu não sei — replicou ele. — Acho que eu poderia alugar um quarto na cidade e... — Ai! O grito de Jenny atraiu todos os olhos para si. Ela abraçou o grande abdômen com ambas as mãos, aninhando o fardo precioso que este carregava.
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Capítulo Nove — Jenny! — Cage estava fora de sua cadeira num segundo. Antes que Linc ou Kerry pudessem piscar, ele estava do lado da esposa, e suas mãos tinham substituído as dela sobre o estômago inchado. — É... O que foi? Ela respirou fundo diversas vezes, então respondeu: — Apenas uma daquelas câimbras, eu acho. — Tem certeza? Não é o bebê? — Acho que não. Ainda não. — Sente-se, Jenny — disse Kerry, posicionando a cadeira de Jenny embaixo dela. — Estou bem, de verdade — murmurou ela, sentando-se. — Eu tive episódios de câimbra quando estava grávida de Trent. — E eles sempre me assustaram muito — disse Cage, passando os dedos pelos cabelos. — Devo chamar o médico? Jenny ergueu a mão do marido para sua boca e beijou-a. — Não. Não faça drama disso. Desculpe por ter causado uma cena. — Ela envolveu todos em seu sorriso apologético. — Você fez coisas demais hoje, e está de pé por muito tempo — ralhou Kerry gentilmente. — Fique onde está, deixe a cozinha por nossa conta. Sobre os protestos amenos de Jenny, os três começaram a levar os pratos sujos para a cozinha. Cage ficou pairando em volta da esposa. Meia hora depois, Kerry ajudou-a a subir. Ninguém tocou mais no assunto da partida de Linc. Nem ele pensou mais naquilo até que saiu na varanda da frente. Quando Cage se juntou a ele momentos depois, Linc disse: — Eu realmente deveria ir. Minha estada aqui está sobrecarregando Jenny ainda mais. — Nós não queremos ouvir isso. Você é bem-vindo para ficar por quanto tempo quiser, se não se importa de dormir na cama de solteiro no quarto de Trent. E eu lhe aviso, ele ronca. Linc sorriu. — Acredite em mim, qualquer coisa será uma mudança prazerosa comparada ao lugar onde eu dormi nos últimos dias. — Ouvindo suas próprias palavras, ele parou de sorrir. Lembrou-se de dormir com apenas ó solo como colchão, e folhas de videira como cobertor, abraçando Kerry junto ao seu corpo. A memória acre-doce o preencheu com emoções conflitantes. — Aquele Vette é seu? — perguntou a Cage, olhando para o carro antigo. Tinha de fazer alguma coisa para distrair sua mente, que parecia estar sempre numa única trilha ultimamente. — Sim. Quer vê-lo? Eles saíram da varanda e atravessaram o pátio em direção à garagem aberta, onde havia uma variedade de veículos, entre eles o Corvette Stingray 1963 que atraiu 107
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown o olhar de Linc. Ele assobiou baixo e longamente. — Este carro está em condições de ser exibido num showroom. Há quanto tempo você o tem? — Há muitos anos — respondeu Cage. — Estava em péssimas condições quando eu o comprei. Contratei um sujeito para restaurá-lo para mim. Iremos dar uma volta nele amanhã. Você se agarrará ao assento quando eu engatar a quarta marcha. Um de meus vícios é correr ao volante. Linc retirou um maço de cigarros do bolso de sua camisa emprestada. Ele havia ganhado o maço de Gary Fleming mais cedo naquele dia. — Quer um? — Eu adoraria — replicou Cage, mas levantou as duas mãos quando Linc estendeulhe o maço. — Mas não posso. Quando nós ficamos juntos, eu prometi a Jenny que pararia de fumar. Linc estudou seu novo amigo através da fumaça do cigarro. — Você deve ter tido muitos vícios. Cage riu, bem-humorado. — Eu tive. Perdi a conta de quantos. Desisti da maioria. — Ele deu uma piscadela sugestiva. — Exceto de muito sexo. Jenny e eu fazemos isso com bastante frequência. Os homens riram juntos. — Nossa, isso é gostoso — murmurou Linc após um momento. — Eu não converso com um homem que fala minha língua fluentemente há mais de um mês. Ouviu algumas piadas ultimamente? — Limpas ou sujas? — Sujas. Enquanto Linc fumava seu cigarro, os silêncios ocasionais entre eles eram confortáveis. Os dois homens não precisavam se esforçar em serem boas companhias um para o outro, porque o trabalho essencial para uma nova amizade já tinha sido feito, baseando-se em respeito mútuo, sincera afeição, e talvez reconhecimento da natureza independente um do outro. Por isso Linc não se sentiu ofendido quando Cage disse: — Sobre aqueles cinquenta mil dólares... — Eu não quero o maldito dinheiro. — Achei que não. Cage deixou o assunto morrer ali. Não pediu respostas, porque Linc não parecia inclinado a discutir sobre o dinheiro. Cage respeitava isso. E Linc gostou ainda mais do outro homem por ele não insistir. — Você e Jenny parecem muito felizes juntos. — Conversar com um homem feliz no casamento era uma experiência nova para Linc, e ele se sentia sem graça de abordar o assunto. Cage, por outro lado, respondeu sem hesitação. — Sim, nós somos. — Vocês têm sorte. Eu não vejo muitas pessoas felizes no casamento. — Eu também não. Mas nunca contei com nossa felicidade como algo certo. Jenny 108
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown abriu mão de muita coisa para se casar comigo. — Sei que você parou de fumar e de criar confusão apenas para se divertir. Do que Jenny desistiu? Cage sorriu ironicamente. — De seu bom-senso. — Eles riram e Cage meneou a cabeça com desgosto. — Casar-me com Jenny era a única maneira para eu poder tê-la, e, bem, você sabe como é. Nós fazemos coisas por uma mulher que jamais teríamos feito por qualquer outra pessoa. Você tem toda a razão quanto a isso, amigo, foi o pensamento de Linc. — Falando em Jenny — disse Cage — é melhor eu entrar e ver como ela está se sentindo. Aprecie seu cigarro. Eu o vejo pela manhã. — Eu comprarei algumas roupas amanhã. Obrigado por ter me emprestado estas. Obrigado por tudo. — Eles apertaram as mãos. Cage andou em direção a casa e fechou a porta de tela depois que entrou. Linc terminou de fumar seu cigarro enquanto refletia. Gostava muito dos Hendren. Também invejava a proximidade do casal. Nunca tivera tal proximidade com outro ser humano. Nem mesmo com algum de seus pais. Nem com um amigo especial. Com ninguém. As provocações gentis entre Cage e Jenny eram baseadas em afeição. O amor que eles compartilhavam pelo filho criava um elo quase invisível entre os dois. Por todas as indicações, os lençóis deles eram mantidos quentes com frequentes atividades fogosas. Linc havia captado diversos olhares amorosos entre eles. Sentiu uma ponta de inveja, porque ninguém jamais o fitara com um amor tão incondicional nos olhos. No canto mais escondido de sua mente, ele reconheceu que talvez sentisse falta de alguma coisa. Ora, que pensamentos eram esses? Ter passado tão perto da morte naquela manhã o transformara num filósofo? Era um homem bem-sucedido. Apreciava uma carreira maravilhosa que envolvia viagens e aventuras. Uma carreira que, além de ser lucrativa, trouxera-lhe reconhecimento. Mulheres surgiam facilmente em seu caminho. Elas eram atraídas por seu dinheiro, sua fama, e por sua reputação como amante. Linc dava-lhes presentes caros, contatos com pessoas influentes, e o prazer que elas desejavam. E só estava interessado numa única coisa das mulheres. Uma vez que sua necessidade sexual fosse satisfeita, ele não pensava mais sobre elas. As mulheres em sua vida eram apenas corpos. Eram transitórias. Mulheres sem substância. Não como Jenny Hendren. Não como... Praguejando de maneira impaciente, ele apagou o nome de Kerry de sua cabeça. Também tentou erradicar a imagem dela, mas teve menos sucesso em conseguir isso. Não podia se esquecer da aparência de Kerry quando ela descera para jantar. Não tinha esperado que ela estivesse tão... feminina. Esperara um hábito de freira. Em vez disso, Kerry chegara usando um vestido feito de algum tecido suave que se aderia tentadoramente ao corpo delicado. A saia do vestido roçava-lhe as pernas 109
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown desnudas. Cada vez que ela se virava, o formato dos seios era claramente revelado. Os cabelos haviam brilhado na luz das velas cada vez que ela movimentara a cabeça. Os lábios, levemente pintados com um brilho clarinho, pareciam maduros e suculentos como morangos. E esse era todo o gosto que ele pudera sentir. Oh, Linc tinha feito justiça à refeição. Seu estômago se deleitara com o alimento que lhe fora negado pelos últimos dias. Mas, com cada garfada de comida, também sentira o gosto de Kerry. Linc gemeu com resignação quando sentiu seu sexo enrijecer com um desejo que certamente o condenaria ao inferno. Ele não podia ceder ao desejo que esquentava seu sangue. Podia apenas tentar esfriá-lo. — Que tal isso? — Maravilhoso. —Jenny suspirou. Seu marido já a encontrara na cama ao entrar na suíte principal, depois de checar o filho deles que dormia, e certificar-se de que a cama extra do quarto tinha sido abaixada para Linc. Kerry estava usando o quarto de hóspedes. Cage se despira rapidamente e se juntara a Jenny na cama grande, onde agora estava massageando loção hidratante na pele esticada da barriga grávida. Aquele era um ritual noturno que ambos apreciavam imensamente. — O bebê não está se mexendo muito esta noite — comentou ele. — Ela está descansando depois de sua performance no jantar. — Desde que o médico confirmara que ela estava grávida, Jenny vinha insistindo que o bebê era uma menina. Adorava a ideia de ter uma filha de cabelos loiros e olhos dourados para completar a família. — Certo, foi um show e tanto. — O que você quer dizer com isso? —Jenny perguntou. — Apenas que eu não tenho certeza se aquelas câimbras eram reais, ou somente um truque seu para fazer Linc ficar. Jenny afastou a mão dele de lado. — Eu não gosto do que você está insinuando, Cage. Ele riu da irritação da esposa. — Foi o que pensei. Você está se sentindo muito culpada. Caso contrário, não estaria protestando tanto. — Ele inclinou-se sobre ela e impediu-lhe as negações fracas com um beijo. Quando se afastou, perguntou: — Eu devo ficar com ciúme? — Do quê? — Ela traçou os pelos do peito dele com a ponta dos dedos. Os beijos de Cage ainda tinham o poder de fazê-la tremer. — Sobre você ir tão longe para manter Linc debaixo do nosso teto? — Eu ainda não admiti isso, mas se eu o encorajei a ficar... — Encorajou! Eu pensei que você fosse amarrar o pobre sujeito à cadeira da sala de jantar quando ele mencionou partir. — Bem, eu realmente acho que ele deveria ficar e fotografar os órfãos quando eles conhecerem suas novas famílias. E eu tive uma câimbra. As mãos de Cage pararam os movimentos, e seu rosto bonito mostrou 110
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown preocupação. — Uma forte? — Não. Foi uma daquelas pequenas contrações que não significam nada. — Tem certeza? — Absoluta. Cage estendeu o braço para pegar a loção hidratante e despejou um pouco nas palmas de suas mãos. Então, colocou-as sobre os seios de Jenny e começou a espalhar o creme cheiroso com movimentos lentos e circulares. Ela suspirou e fechou os olhos. Cage olhou-a com amor. — Como você pode estar tão grávida e ainda ser tão linda? — Você acha? — Levantando uma das mãos, ela preguiçosamente afastou-lhe uma mecha castanho-claro da testa. — Hã-hã. — Você não pensa que Linc acha Kerry linda? — Eu achei que fosse isso o que você estava aprontando. Ela o fitou com expressão inocente. — O quê? — Bancando a casamenteira. — Bem, qualquer um pode ver... —Jenny, fique fora disso. — Que eles estão atraídos um pelo outro — ela terminou o que tinha começado, antes que ele a interrompesse. — Eles estavam praticamente se mordendo e se arranhando, com a mesa de jantar entre os dois. Jenny apoiou-se sobre um cotovelo. — Nós também já nos mordemos e nos arranhamos! E com a mesa de jantar entre nós também. Cage pareceu perplexo, então caiu na risada. — Você me pegou nessa. Uma incrível festa particular, também, pelo que me lembro. — Passando os braços ao redor de Jenny, ele abaixou-lhe as costas para os travesseiros e seguiu-a com um beijo longo e profundo. Quando finalmente levantou a cabeça, os olhos dela estavam brilhantes, mas Jenny não desistira do assunto. — Eu acho que existe atrito entre Kerry e Linc porque eles estão lutando contra uma forte atração. — O que Kerry diz? — Nada, e isso é curioso, você não acha? Ela evita falar o nome dele em voz alta sempre que possível. Depois de tudo pelo que eles passaram, o normal seria ela falar o nome de Linc o tempo inteiro. Kerry tenta arduamente não olhá-lo, mas eu a peguei fazendo isso uma centena de vezes hoje. Linc falou alguma coisa a esse respeito quando vocês dois foram para a garagem? — Desculpe, querida — disse ele, roçando-lhe o pescoço com o nariz. — Eu não poderia quebrar um segredo entre cavalheiros. — Então ele falou alguma coisa sobre Kerry! 111
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Não, ele não falou. Mas Linc está... irrequieto. Creio que seja esta a palavra certa para definir isso. Como se a pele fosse muito pequena para contê-lo. Ele está zangado. — Como você sabe? — Porque eu reconheço os sintomas. Sei como é querer uma mulher que você não pode ter. Você fica furioso consigo mesmo por estar excitado o tempo inteiro, e não consegue impedir a excitação toda vez que pensa nela. A sensação é de que se você não fizer amor com essa mulher em particular, vai explodir. — Ele circulou lhe o mamilo grande e rosado com a língua. — E por falar nisso... — Nós não podemos, Cage. O médico disse que o estágio da gravidez está muito adiantado para sexo. — Eu sei, mas... — Ele suspirou quando ela posicionou a mão no lugar que ele ansiava sentir. — Ah, Jenny. — Ele fechou a boca ao redor do mamilo adorado e lambeu-o gentilmente. Com a respiração dificultada, Jenny perguntou: — Então, se vocês não falaram de Kerry, sobre o que conversaram? A boca quente de Cage moveu-se para o outro seio. — Sobre você. Eu contei a Linc que você é meu único vício. — Hmm, Cage. —Ela arfou ao sentir a língua sensual brincar com seu seio sensível. — Ele vai pensar que eu sou terrível. — Ele pensará que você é maravilhosa. O que todo homem quer numa esposa. Uma dama na sala de visitas... — E uma prostituta no quarto. — Isso mesmo — confirmou ele afetuosamente, deslizando uma mão entre as coxas dela. — Nós não podemos... — Há outras maneiras. — Mas temos hóspedes na casa. — A voz de Jenny abaixou de tom com outra carícia leve dos dedos de seu marido. — Esse é um problema seu — sussurrou ele sedutoramente. — É você quem geme. Estava tudo muito silencioso. Kerry estava de pé, junto à janela do quarto de hóspedes, olhando para a paisagem árida, perguntando-se o que a estava mantendo acordada quando seu corpo inteiro suplicava por sono. Finalmente chegara a conclusão de que, após quase um ano vivendo em Monterico, estava sentindo a falta dos sons da floresta. Sentia-se exposta porque, exceto pelo planalto escarpado formando uma silhueta contra o céu, não havia nada para quebrar a uniformidade da paisagem. Não havia árvores ao redor, nem videiras ou vegetação densa. E não havia um único som. Mas, então, ela escutou um barulho mal audível. Olhou para baixo e viu uma sombra escura passando pelo portão que levava ao deque que cercava a adorável piscina dos Hendren. Linc. 112
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Seu coração começou suas batidas descompassadas, como sempre parecia acontecer toda vez que ele estava por perto. Desta vez, todavia, seu coração disparado se devia parcialmente à raiva. Como Linc ousava contar suas indiscrições para os Hendren? Ela aprendera a não esperar nada além de um comportamento rude da parte dele, mas Linc tinha descido até o fundo do poço no jantar daquela noite. A participação dele no resgate deveria ter sido uma surpresa para seu casal de amigos. Eles deviam ter presumido que ela precisaria de ajuda em algum momento, mas, sem dúvida, tinham ficado chocados que essa ajuda viera na forma de um fotojornalista famoso. Os órfãos haviam impossibilitado Kerry de não enfatizar o papel que Linc desempenhara durante a situação difícil deles. Porque, quando em dúvida sobre o que fazer, todas as crianças se voltavam para ele em busca de orientação. Apesar de Linc não falar espanhol, ele transmitia mensagens para as crianças com expressões faciais, com gestos, e uma mistura de inglês e espanhol que elas entendiam e na qual prestavam atenção. Linc agia como um pai substituto para todas as crianças, particularmente para os menores. Ele podia não ter desejado o papel, mas acabara aceitando-o, e o desempenhando com perfeição. Na verdade, parecia gostar de pegar Lisa no colo e brincar de luta com os meninos. Kerry sabia que Cage e Jenny deviam ter se roído de curiosidade. Somente boa educação os impedira de perguntar diretamente. Linc não sofria de tal restrição. Por pura maldade, contara ao casal, com todos os detalhes horrorosos, como conhecera Kerry, enquanto ela ficava parada ali, em mortificação. Durante o dia inteiro, ela ficara tensa, prendendo a respiração, temendo ser exposta corno uma fraude. Tinha medo de que alguém mencionasse um nome, um nome que, sem dúvida, incitaria uma resposta volátil de Linc. O assunto estivera prestes a surgir tantas vezes que Kerry se tornara extremamente nervosa. De um jeito ou de outro, a verdade apareceria. Linc descobriria que Kerry não era o que permitira que ele acreditasse que ela fosse. Quando ele descobrisse isso, ela queria estar o mais longe possível. Não precisava adivinhar qual seria a reação de Linc. Ele ficaria furioso. Naquela manhã, depois que ele a beijara, Kerry tinha começado a lhe contar. Temendo que um dos dois, ou ambos, pudesse morrer, quisera confessar sua mentira. Mas a chegada do avião de resgate lhe roubara a oportunidade. Então, depois que eles haviam discutido sobre o maldito dinheiro, ela não quis mais lhe contar. A alma mercenária de Linc merecia viver com a concepção errada. Kerry sentira tanto alívio como desespero quando, durante o jantar, ele anunciara que ia embora. Queria que Linc fosse embora antes de descobrir que ela não era freira. Por outro lado, o pensamento de ele partindo a arrasara. Provavelmente nunca mais o veria. Tal possibilidade era devastadora. Sempre seria grata ao bebê de Jenny por proporcionar uma diversão adequada, porém não catastrófica. Agora, Kerry o observava, sem ser vista, de sua janela escura no segundo andar da casa, enquanto ele andava de um lado para o outro ao longo do deque, fumando. Era 113
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown um consolo saber que Linc também não conseguia dormir. Ela não era a única vivendo um dilema emocional naquela noite. É claro que Linc não estava experimentando emoção profunda. O que sentia era apenas luxúria. Ela vira o desejo nos olhos castanho-dourados, antes que ele cuidadosamente os velasse. Ele podia ser antagônico em relação a ela, mas não era indiferente. Grande conforto!, pensou Kerry com sarcasmo. Eles ainda eram irreconciliáveis. Linc estava lutando contra sua própria ânsia física. Ela o amava. Ela o viu apagar o cigarro num vaso de planta. Ele parecia um homem atormentado quando ergueu as mãos para o rosto e esfregou-as contra os olhos. Kerry pensou tê-lo ouvido praguejar, mas, porque a palavra era tão obscena, esperou ter imaginado aquilo. Enquanto ela observava, ele abaixou-se e tirou as botas que Cage lhe emprestara. As botas que Linc usara em Monterico haviam ficado tão perdidas de lama que os Hendren tinham insistido em jogá-las no lixo, juntamente com o resto das roupas de todos. Linc então começou a desabotoar sua camisa até abri-la inteira. Ele a removeu rapidamente e jogou-a sobre uma espreguiçadeira do pátio. Havia um curativo feito com gaze branca em seu ombro. Ele abriu a fivela do cinto, mas deixou o cinto dentro dos passantes do jeans. A fivela de metal tiniu suavemente quando ele abriu o botão acima do zíper. Kerry cobriu a boca para abafar um pequeno gemido de desejo quando percebeu o que ele ia fazer. Estava uma noite escura. A lua crescente era baixa no céu, enviando muita pouca luz. A temperatura estava agradável. A brisa leve era quente e seca. Em resumo, uma noite perfeita para nadar nu. Especialmente quando o corpo da pessoa estivesse quente e irrequieto. Kerry parou de respirar. Na verdade, levou uma das mãos para a base de seu pescoço a fim de verificar se tinha pulsação ali, porque tudo em seu interior parecia perfeitamente imóvel. Sentia-se hipnotizada pelos movimentos dos dedos de Linc sobre o cós da calça jeans. Não podia realmente ver os dedos se movendo, mas podia ver os movimentos dos braços e cotovelos fortes enquanto ele descia o zíper do jeans. E então, Linc estava enganchando os polegares nos passantes e puxando o tecido para baixo. Na altura dos joelhos, ele soltou o jeans, deixando-o cair ao redor de seus tornozelos, antes de pisar para fora da calça. E Kerry soube de uma coisa com certeza: Jenny comprava as roupas de baixo de Cage. A cueca cavada e baixa nos quadris era do tipo que uma mulher gostava de ver num homem. A cor era clara, formando um contrate agudo com o corpo magnificamente bronzeado de Linc, e com a noite escura que os cercava. Sangue estava bombeando rapidamente através de suas veias. Ela viu Linc levar as mãos à cintura. Os polegares deslizaram sob a tira elástica. Então... Ele estava esplendidamente e majestosamente nu. Orgulhosamente másculo. E maravilhoso. Tão lindo que doía olhar para ele. A visão da nudez de Linc atingiu-a como uma lança atravessando seu peito. Kerry dobrou os joelhos e descansou o peito sobre o peitoril da janela. Sem 114
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown demonstrar nenhuma timidez, seus olhos se moviam sobre ele com ousadia. Os pelos do corpo de Linc cresciam em padrões intrigantes, e formavam sombras de aparência macia sobre a pele bronzeada. Eram mais escuros e mais grossos ao redor do sexo. Ele virou-se. Kerry capturou o vislumbre das costas maravilhosamente simétricas. Ombros musculosos se estreitavam gradualmente até a cintura. O traseiro era firme. Ele andava com uma arrogância que a excitou. As coxas eram poderosas. As canelas pareciam duras como maçãs. Muito antes que ela o visse tempo o bastante para satisfazer-se, Linc mergulhou na água. Com tanta suavidade que quase não espirrou. Ele nadou a extensão da piscina por baixo d'água antes de subir à superfície, e então permaneceu nas sombras debaixo do trampolim por um longo tempo, antes que começasse a nadar. Cortava a água com tanta suavidade quanto uma enguia, seus braços arqueando para fora da água e capturando a fraca luz da lua. O corpo de Kerry doía. Sua pele parecia em chamas. Seus seios formigavam. Ela cobriu-os com as mãos numa tentativa de conter a sensação deliciosa, mas descobriu que tocá-los não trazia alívio. Apenas os deixava mais agitados. O mero movimento da camisola de Jenny contra seus mamilos provocava arrepios vergonhosos em seu interior. Finalmente, Linc nadou para a borda da piscina. Abriu as mãos sobre os azulejos e dobrou os braços, dando um impulso e saindo da água. Sacudiu a água da cabeça e, usando os dedos, penteou os cabelos para trás, segurando-os assim com ambas as mãos atrás da cabeça por diversos segundos, antes de abaixar os braços. Então passou as mãos sobre seus braços e pernas para tirar o excesso de água. Kerry gemeu, e seu corpo esquentou, no momento em que ele deslizou uma mão pelo peito e estômago. Antes que a mão grande chegasse à área coberta por pelos mais escuros, ela fechou os olhos com força. Quando os reabriu, Linc estava vestindo a cueca descartada. Ele ajeitou tudo confortavelmente do lado de dentro antes de soltar a tira de elástico contra a cintura. A boca de Kerry estava seca, mas ela engoliu. Linc abaixou-se para pegar o resto de suas roupas, então andou em direção à porta dos fundos da casa até que desapareceu de visão. Kerry não se moveu, mas permaneceu perto da janela até ouvi-lo subir para o quarto de Trent e fechar a porta suavemente. Porque havia uma umidade desconfortável entre suas coxas, e porque se sentia fraca e em chamas, ela literalmente engatinhou para a cama. Chutou todas as cobertas para os pés da cama. Não podia suportar nada raspando sua pele. Ou melhor, ser tocada em qualquer lugar era uma sensação tão deliciosa que Kerry achou que era melhor negar aquilo a si mesma. O que era aquela doença? Uma febre tropical que só estava se manifestando agora? Ou era apenas desejo pelo homem que amava? Linc sem querer se deparou com a cena íntima. Ele pediu desculpas sinceras e começou a se retirar imediatamente, mas Cage e Jenny o chamaram de volta. 115
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Eles estavam sentados à mesa da cozinha. A mão de Cage estava aberta sobre a barriga da esposa. Ambos sorriam de maneira radiante. — Entre aqui, sem problemas. — Eu não pretendia interromper. — Ele se sentiu estranhamente desajeitado e sem graça. — Você não está interrompendo — disse Cage. — Cage adora sentir o bebê se mexer. — O que você diria que é, uma bailarina ou um jogador de futebol? Linc deu um sorriso encabulado. — Vocês poderiam guardar o que sei sobre bebês num dedal, e ainda sobraria espaço. Cage removeu a mão da barriga de Jenny e serviu uma xícara de café para seu hóspede. — Eu sou o cozinheiro do café da manhã. O que você vai querer? — Tanto faz. — Presunto e ovos? — Parece ótimo. — Suco de laranja ou de uva, Linc? —Jenny perguntou para ele. — Laranja, por favor. Ela pegou a jarra apropriada de cima da mesa e serviu-lhe ura copo. — Você nunca conviveu com crianças? — perguntou Jenny de forma relaxada. — Não até esta semana. — Você não tem filhos? Cage pigarreou alto, mas Jenny escolheu não reconhecer a reprimenda sutil. Linc pareceu não perceber nada. Na verdade, ele parecia distraído, como se estivesse tentando ouvir alguma coisa. — Uh, não, eu nunca fui casado. — Hmm. — Usando um sorriso complacente que não tinha nada a ver com a serenidade inata da gravidez, Jenny recostou-se em sua cadeira e deu um gole no seu chá. Ela ignorou o olhar reprovador de Cage quando ele retornou à mesa para colocar um prato de comida na frente de Linc. — Coma. — Isso está com uma aparência ótima. E o café da manhã de vocês? — Nós comemos mais cedo — replicou Jenny. — Desculpem-me por ter acordado tão tarde. Já estão todos de pé? — Eu entrei no seu quarto e tirei Trent da cama, mas não quis acordar você — disse Cage. — Os Fleming e meus pais levaram todas as crianças ao hospital para visitar Joe. — Inclusive Trent? — Ele teve um ataque de choro. Roxie, como sempre, cedeu. Sarah também não quis deixá-lo para trás — Jenny falou para Linc. — Entre a avó dele e minha melhor amiga, lamento que Trent esteja sendo estragado por excesso de mimo. 116
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry não tinha sido mencionada. Linc hesitou trazer o nome dela à conversa, mas agora, enquanto ela não estava por perto, era um bom momento para fazer perguntas que o vinham consumindo. — Como Kerry se envolveu com a organização beneficente de vocês? Ambos, Jenny e Cage tentaram mascarar sua surpresa. — Ela nunca lhe contou? — perguntou Cage. Linc meneou a cabeça e deu outra garfada de ovos. — Ela veio a nós — começou Jenny. — Depois de passar pela situação difícil com o julgamento do pai, ela... O garfo de Linc bateu no prato. — Espere, espere. Que julgamento? Que pai? Cage e Jenny trocaram um olhar. — Wooten Bishop — respondeu Cage, como se isso explicasse quase tudo. E praticamente explicava. Devagar, Linc afastou o prato de lado e cruzou os braços sobre a mesa à sua frente. — Wooten Bishop. O Wooten Bishop é o pai de Kerry? Seus anfitriões assentiram simultaneamente. Linc exalou o ar num longo suspiro. — Eu nunca teria unido os nomes dos dois. Lembro agora que ele teve uma filha. Suponho que nunca prestei muita atenção para saber quantos anos ela tinha ou como era sua aparência. Eu estava na África quando aquela história estourou. — Ele tentou protegê-la o máximo possível do escândalo. É claro que Kerry foi altamente afetada de qualquer maneira. — Obviamente — murmurou Linc, olhando para dentro de sua xícara de café. A família de Wooten Bishop tinha sido sujeitada ao escrutínio e ao ridículo apenas alguns anos atrás. Depois de uma carreira longa e ilustre no corpo diplomático, Bishop fora chamado em Monterico para voltar ao seu lar, quando havia sido alegado que ele lucrara pessoalmente com o conflito político do país, usando informações — as quais tinha acesso por ser um diplomata — em fraudes para fazer dinheiro. Quando ele foi descoberto, todas as suas negociações suspeitas haviam sido divulgadas em noticiários da televisão. Um inquérito policial terrível, apesar de esclarecedor, acontecera, sendo seguido por um tribunal criminal. Apenas um mês após a sentença de Wooten Bishop, ele morrera do coração numa cadeia federal. — Eu perguntei a Kerry sobre a infância que teve — disse Linc. — Ela falou que tinha sido encantadora. — Foi — confirmou Jenny com tristeza — antes da tragédia. Kerry me disse uma vez que alguma coisa se rompeu dentro do embaixador Bishop depois da morte da esposa. Ele nunca mais foi o mesmo. — Ela sabia sobre a corrupção do pai? Cage meneou a cabeça. — Não. Ela desconfiava, mas não podia acreditar. Kerry ficou arrasada ao descobrir que o pai tinha impiedosamente explorado um povo que já possuía tão pouco. Ela nos contou que passou por um período no qual o odiava. Então, tudo o que pôde 117
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown sentir por ele foi pena. Não é de admirar que Kerry tenha feito um sacrifício pessoal, indo para Monterico e tentando compensar pessoas de lá pelas injustiças de seu pai. — Ela não deveria ter ido para lá. Poderia ter sido morta! — exclamou Linc, batendo na mesa com o punho cerrado. — Você está certo, Linc. — Jenny pôs uma mão gentil sobre a dele. — Kerry nos procurou, voluntariando-se para ir para lá e lecionar. Nós lhe dissemos que havia muita coisa que ela poderia fazer aqui para apoiar a causa, sem se colocar em perigo. Mas ela não aceitaria de outra maneira. — Não acho que algum de nós possa realmente entender 0 sacrifício que Kerry fez — continuou Jenny. — Até que o escândalo estourasse, ela e a família tinham viajado ao redor do mundo. Eles eram altamente respeitados, convidados frequentes da realeza e chefes de estado. — Ela é muito instruída, suponho — observou Linc num murmúrio. — Ela se formou em Sorbonne. Um músculo saltou no rosto dele. Cage girou o café dentro de sua xícara. — Diversos anos atrás, boatos diziam que havia um romance acontecendo entre Kerry e um jovem da família real britânica. Mas, quando eu a provoquei sobre isso, ela falou que aquilo era realmente um rumor frívolo. Jenny estava reflexiva. — Kerry não parecia nada frívola ontem quando desceu daquele avião. Eu não acho que ela já tenha sido levada a sério. Talvez fosse isso o que precisasse provar. Foi a Monterico para anunciar ao mundo que havia mais em seu interior do que estava evidente à superfície. — Eu ainda não entendo — disse Linc, franzindo o cenho. — Isso não faz o menor sentido. — O que não faz sentido, Linc? — Por que uma jovem linda, inteligente e charmosa como Kerry desiste de tudo o que obviamente tinha para se tornar uma freira? Quero dizer, isso não é uma atitude um pouco exagerada para provar um ponto de vista? Entendo que o pai dela foi pego em flagrante. Houve um grande escândalo. Mas não... Qual é o problema? — Uma freira?
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Capítulo Dez Jenny e Cage expressaram sua incredulidade ao mesmo tempo. Dos três, Cage foi o primeiro a superar sua perplexidade. — De onde você tirou essa ideia? — Kerry não é freira? — perguntou Linc. Desnorteada, Jenny meneou a cabeça. — Não. — Ela já pensou em se tornar freira? — continuou Linc. — Deu os primeiros passos? — Não que eu saiba. Linc levantou-se num movimento tão abrupto que tombou a cadeira para trás. Ainda meio chocados pela estranha suposição dele, os Hendren permaneceram sentados e calados, observando-o sair da cozinha e correr para a escada. Se a porta do quarto de hóspedes não fosse feita de madeira boa, teria quebrado sob sua mão quando Linc abriu-a com um empurrão, fazendo a porta bater na parede de dentro. Ele entrou. A cama estava arrumada. O quarto estava vazio. O único movimento vinha da janela aberta com vista para o pátio e para a piscina abaixo. Cortinas balançavam ali, na brisa suave da manhã. Linc virou-se e retraçou seus passos rapidamente para a cozinha. Civilidade era a última coisa em sua mente. — Vocês não me disseram que ela já tinha se levantado — ele acusou seus anfitriões. Jenny o estava olhando de modo apreensivo, e brincando com um botão em sua bata de grávida. Cage tomava seu café, e foi ele quem olhou para cima e falou inocentemente: — Você não perguntou. — Onde ela está? — Ela foi andar a cavalo — respondeu Cage.— Acordou cedo, até mesmo antes de Jenny. Linc estava contendo seu temperamento irlandês explosivo com notável autocontrole. Os únicos sinais que o entregavam eram os músculos se flexionando em seu maxilar, e suas mãos, que estavam rígidas em suas laterais, os dedos se abrindo e se fechando em punho alternadamente. — Nós tomamos uma xícara de café juntas, então Kerry perguntou se podia pegar um dos cavalos emprestado por um tempo. Eu a ajudei a selá-lo, e ela saiu cavalgando naquela direção. — Cage gesticulou o queixo, indicando o horizonte infinito. Linc olhou para a direção indicada por Cage e estudou o prado pela janela da cozinha. — Quanto tempo atrás? 119
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Cage, secretamente apreciando a irritação de Linc, contemplou sua resposta para a simples pergunta sobre uma quantidade de tempo. — Oh, aproximadamente uma hora e meia atrás, eu diria. — Posso usar sua picape? — Linc tinha notado uma picape na garagem na noite anterior. Diferentemente dos outros carros de Cage, que eram polidos e muito brilhantes, a picape era velha e toda arranhada. — Claro — replicou Cage com boa vontade, e levantou-se para tirar as chaves do bolso de seu jeans apertado. Jogou-as para Linc. — Obrigado. — Ele virou-se abruptamente e saiu pela porta dos fundos, cobrindo a distância entre a casa e a garagem com passos longos e zangados de um homem empenhado em se vingar rapidamente. Jenny levantou-se e foi para a janela. Observou Linc bater a porta da picape e ligar o motor relutante. Ele engatou a marcha e saiu, levantando uma nuvem de poeira no caminho. — Cage, eu não acho que você deveria ter lhe dado as chaves. Ele parece positivamente furioso. — Se Kerry o deixou acreditar que é freira, eu tenho certeza de que ele está furioso. E não posso culpá-lo. — Mas... —Jenny — murmurou ele suavemente, movendo-se para trás dela e circulando-a com seus braços. — Lembra-se da noite em que eu segui aquele ônibus de Greyhound no qual você estava? — Como eu poderia esquecer aquilo? Nunca me senti tão embaraçada na vida. Sorrindo da lembrança, ele pôs a boca perto da orelha dela. — Bem, na ocasião, eu estava tão furioso quanto Linc está agora. Nada teria me impedido de ir atrás de você. Nós não poderíamos ter detido Linc também. Se eu não tivesse lhe emprestado a caminhonete, acho que ele teria ido atrás de Kerry a pé. — Cage beijou-lhe o pescoço. — Apenas espero que essa louca perseguição ao impossível encontre tanto sucesso quanto a minha encontrou. Linc, exigindo o máximo possível da velha caminhonete, tinha assassinato em mente, não romance. Ele socou o teto da picape, enquanto praguejava contra o caráter de Kerry. Quando esgotou os xingamentos dirigidos a ela, começou a culpar a si mesmo. Que tolo tinha sido! Kerry devia ter rido à sua custa o tempo inteiro. Ela o enganara não somente uma vez, mas duas. Primeiro, fingindo-se de prostituta, depois, de freira. Duas personificações tão opostas, entretanto, ele fora ingênuo o bastante para acreditar em ambas. O que havia de errado com ele? Tinha contraído alguma doença da selva que afetara seu cérebro? Kerry Bishop colocara alguma droga que alterava o estado mental no seu cantil de água? Como ele, Linc 0'Neal, podia ter sido tão ingênuo? Ele possuía experiência de vida. Não era um adolescente cego pela luxúria, que não conhecia os truques femininos. Por que não enxergara além do lindo rosto de Kerry Bishop, e dentro daquela mente demoníaca? Ela não era uma mulher ativa na igreja, 120
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown que se sacrificava pelos outros, mas uma trapaceira perspicaz, que evidentemente não tinha escrúpulos contra manipular um homem para conseguir dele o que queria. Mesmo quando ela conseguira alcançar seu objetivo, continuara com a farsa. — Para a própria proteção — disse ele entre dentes cerrados. — Para salvar o próprio pescoço — falou para o painel da caminhonete. Um corpo deleitável e um lindo rosto haviam lhe custado seu bom-senso e sua inteligência ágil. Linc não era mais o homem frio e cauteloso desde que deixara aquela maldita cantina com a filha trapaceira de Wooten Bishop. A picape balançava sobre uma estrada irregular, a qual na verdade não passava de uma trilha de pasto. Linc não tinha ideia para onde estava indo, mas estava com pressa de chegar lá. Racionalizou que Kerry não conhecia bem a fazenda de Cage. Provavelmente não se afastara muito da estrada, de modo a ter certeza de que encontraria o caminho de volta para a casa. Seus instintos estavam certos. Após vinte minutos dirigindo ao longo do terreno acidentado, ele avistou um tanque do tamanho de um lago pequeno. Seus bancos íngremes eram sombreados por galhos alados de algarobeiras. O gramado, ainda não queimado pelo sol de verão, era de um verde exuberante. Um dos cavalos de raça de Cage estava amarrado ao galho mais baixo de uma algarobeira à margem do banco com vista para o tranquilo tanque. Ao som da picape se aproximando, Kerry, que estava deitada debaixo da árvore, sobre um cobertor que tinha levado amarrado atrás da sela, ergueu-se sobre um cotovelo. Levantou a outra mão para sombrear os olhos. No começo, pensou que fosse Cage dirigindo a caminhonete, mas sentou-se ereta no momento em que percebeu que as pernas longas se aproximando pertenciam a Linc. A ladeira íngreme não o diminuía em absoluto. Dentro de segundos, ele estava agigantando-se sobre ela, as botas plantadas firmemente no chão a centímetros de seu cobertor. Kerry ergueu os olhos devagar, percorrendo as pernas longas, o torso forte, até chegar aos olhos castanhos com brilho dourado. Não precisava adivinhar o humor de Linc. Ele estava irado. Por dentro, ela tremeu, mas manteve o queixo erguido e encontrou-lhe o olhar intimidador sem hesitação. — Sua mentirosa. Kerry nem sequer fingiu não entender. Com o coração disparado e sua coragem diminuindo, ela soube que tinha sido descoberta. O único recurso que possuía era se fazer de insolente. — Agora, Linc — começou Kerry, umedecendo os lábios e erguendo as mãos à sua frente, como se o impedindo de se aproximar mais — antes que você tire alguma conclusão... Ele efetivamente a interrompeu, ajoelhando-se e agarrando-a pelos ombros de maneira rude. — Antes que eu quebre seus ossos, você quer dizer. Kerry empalideceu. Ele não fizera uma promessa sedutora, mas uma ameaça. — Você não faria isso. — Oh, eu faria. Mas, antes, quero saber por que você me contou aquela mentira 121
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown ridícula. — Eu não contei! — Ela tentou se libertar, mas não teve sucesso. Quanto mais lutava, mais inescapável o aperto de Linc se tornava. — Eu nunca lhe disse que era freira. — Eu não sonhei isso, querida. — Você ouviu as crianças me chamando de irmã e tirou suas próprias conclusões. Você... Os dentes de Kerry bateram uns nos outros quando ele a puxou para mais perto de seu rosto, o qual estava rígido com fúria. — Mas você certamente me deixou acreditar nisso, não foi? Por quê? — demandou Linc. — Para me proteger de você. — Não seja tão convencida. Ela enrubesceu com o insulto zombeteiro. — Eu sabia o que você tinha em mente. Não negue. Estava pensando que nossa fuga da floresta seria uma travessura divertida, durante a qual você planejava me usar como sua parceira de cama. — Eu, Tarzan, você, Jane. — Aquilo não era uma brincadeira. Você me forçou a beijá-lo, a trocar de roupa na sua frente! — Eu não vi nada que você já não tivesse mostrado naquele vestido barato que estava usando! — gritou ele de volta. — E, admita ou não, moça, você adorou aqueles beijos. — Não adorei! — Faz de conta que eu acredito. Kerry teve de respirar fundo algumas vezes antes que pudesse continuar: — Eu estava tentando pensar numa maneira de evitar seus avanços sexuais indesejáveis quando as crianças, por acaso, me proporcionaram um jeito. — Por que elas a chamavam de Irmã Kerry? — Porque logo que eu cheguei lá, elas começaram a me chamar de mãe. Eu não queria que as crianças pensassem em mim dessa forma; já estava planejando trazê-las para os Estados Unidos para adoção. Achei que ser como uma irmã mais velha seria um relacionamento mais saudável. Não me culpe por seus próprios erros. — Eu a culpo por me fazer de bobo. — Eu não fiz isso por mal — exclamou ela. — Não fez? — Não. — Fale a verdade, srta. Kerry Bishop, filha de um dos maiores vigaristas de todos os tempos, você não se deleitou em me manipular como se eu fosse um fantoche? Suas habilidades manipulativas não lhe vêm naturalmente? Kerry tremeu diante da referência à desonestidade de seu pai. Aparentemente, Linc sabia tudo sobre seu passado agora. O desprezo dele tinha fundamento, mas ainda doía muito o fato de Linc achar que ela era capaz de tais armações. 122
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Deixei você pensar que eu era freira de modo que nós pudéssemos nos concentrar apenas na segurança dos órfãos. — Não acredito nisso. Você mentiu para estar segura de minhas mãos atrevidas. — Certo, sim! — E de meus olhares maliciosos. —Sim! — Sem mencionar todos aqueles beijos que você alega ter detestado. — Sim! — Viu? Por sua própria admissão, você continuou mentindo. — Eu tentei lhe contar — gritou ela em autodefesa. — Engraçado, eu não me recordo dessa ocasião. — Quando você me beijou no último dia. Logo antes que nós ouvimos o avião. Eu queria... eu tentei lhe contar então. — Não tentou muito arduamente. — Eu não tive chance. Tudo começou a acontecer muito depressa. — Foi uma longa viagem de avião de lá até aqui. — Nós discutimos por causa do dinheiro, e eu fiquei muito furiosa para lhe contar. — E quanto a desde que chegamos? Cage e Jenny teriam protegido você do animal selvagem que eu sou. Por que não me contou? Teve dúzias de oportunidades. — Porque eu sabia que você reagiria como está reagindo. Que ficaria raivoso e agressivo. Linc baixou o tom de voz para um sussurro sinistro. — Querida, raiva nem começa a descrever a maneira como estou me sentindo. E você não me conhece muito bem se acha que eu seria agressivo. Para humilhação de Kerry, seu lábio inferior começou a tremer. — Eu nunca pretendi que isso fosse tão longe. Honestamente. Sinto muito, Linc, verdadeiramente sinto. — É tarde demais para pedidos de desculpa, Kerry. — Eu sei que me apresentei de forma adulterada, mas não tive escolha. Eu estava desesperada. Precisava de você, nas não podia satisfazer ao seu desejo. Minha primeira obrigação era para com os órfãos. — Você acha que eu cairia em suas alegações de sentimentos nobres agora? — perguntou ele com uma risada sem humor. — De jeito nenhum, querida. — Eu a quero humilhada. Quero que seu ego desça tanto quanto o meu tem descido ultimamente. Somente isso me satisfará. — O que... o que você vai fazer? — O que eu lhe disse naquela primeira manhã que iria fazer — replicou ele sedosamente. — Farei com que você me suplique por isso. — Não! A exclamação em tom rouco morreu nos lábios de Kerry quando ele empurrou-a sobre o cobertor e a seguiu para o chão, cobrindo-a com seu corpo. Linc prendeu-lhe as mãos entre os dois. Elas eram inúteis quando ele segurou-lhe o queixo com uma mão 123
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown e abaixou a boca para a de Kerry. Ela lutou, mas apenas conseguiu exaustar seu suprimento de forças mais rapidamente. Mesmo seus melhores esforços não o faziam se mover. Chutar não ajudava, porque suas pernas estavam presas entre as dele. Os joelhos de Linc mantinham os seus unidos. Ela não podia virar a cabeça para nenhum dos lados. Kerry tentou manter os lábios unidos com firmeza, mas fracassou. Ele usou a língua como um instrumento de tortura tentadora. Uma língua que lhe roçava os lábios suavemente, que delineava seus formatos, até que a respiração assustada e irregular de Kerry se transformou em gemidos de prazer. Finalmente, seus lábios relaxaram e se abriram, sem nenhuma força da parte dele. — Assim, querida, aprecie. O beijo foi longo e sensual. Linc moveu os lábios sobre os seus, primeiro a um ângulo, então a outro, enquanto a língua explorava o interior de sua boca com incrível habilidade. Ela queria detestar aquela violação aberta, mas adorava. A textura da língua dele intrigava-a. Kerry queria senti-la não apenas contra a sua, mas em todos os lugares. Imaginou se as inúmeras texturas do corpo de Linc também seriam assim tão fascinantes, e desejou ter sua curiosidade satisfeita. Mas tentou lutar contra seus sentimentos, tentou sentir desprezo por ele e detestar o beijo. Tentou ignorar o calor que começava em seu peito e se espalhava para a parte inferior de seu corpo, tentou ser indiferente ao desejo que a percorria como um rio de vinho tão dourado quanto os olhos de Linc, tentou reprimir as ondas de sensação que lambiam suas coxas, sua barriga, seus seios. Ela não foi inteiramente bem-sucedida, mas forçou-se a permanecer deitada imóvel quando queria se contorcer contra ele como uma gata sendo acariciada. — Você também pode participar — disse Linc quando sentiu o corpo dela ficar tenso. Ele deu-lhe diversos beijinhos nas faces alvas, agora com uma coloração rosada pela exposição ao sol e vento durante a manhã cavalgando. Linc não se permitiu admirar aquele rosto por muito tempo. Sentir qualquer ternura por Kerry tinha de ser evitada a todo custo, se ele quisesse recuperar seu orgulho. — Porque eu não vou parar até que você esteja louca de luxúria. Quanto mais você resistir, Kerry, mais tempo vai levar. — Vá para o inferno. Ele fez uma careta. — Isso é jeito de uma freira falar? — Pare com isso. — Quando a língua dele brincou com o lóbulo da sua orelha, ela tentou soar irritada, mas o protesto saiu num gemido baixo de excitação. Linc reconheceu o som pelo que era. Nunca tivera dificuldade de se comunicar sexualmente com as mulheres, independentemente se elas falassem seu idioma ou não. Não importava o que diziam, e sim como diziam. E mais claro do que a negação de Kerry era a maneira ofegante como ela negara. — Você gosta disso? — murmurou ele, capturando lhe a orelha entre os dentes. — Não. Linc riu. 124
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Nós dois sabemos que você é mentirosa. Eu acho que gosta muito. Ele beijou a pele suave abaixo da orelha delicada, roçou a parte de trás com seu nariz, provocou a região com a ponta de sua língua. Era difícil dizer se movimentos frenéticos sob seu corpo eram destinados a colocar mais espaço entre eles ou aproximá-los ainda mais. A respiração de Linc era quente no seu rosto. O hálito tinha um cheiro delicioso de café. E essa foi apenas uma das razões pelas quais seus lábios foram muito mais receptivos dessa vez quando os dele, com muito pouca pressão aplicada, tocaram os seus. A boca aberta de Linc movia-se sobre a sua, separando-lhe os lábios. E quando aquela língua quente e sensual penetrou sua boca, Kerry sentiu uma onda de desejo nas profundezas de seu corpo. No momento em que ele levantou a cabeça e fitou-lhe os olhos com intensidade, ela pensou ter emitido um som involuntário. — Sente isso? No começo, Kerry pensou que ele estivesse se referindo à dor doce e profunda em seu interior. Então arregalou os olhos em alarme ao perceber que ele estava falando sobre o volume rígido entre suas próprias coxas. Ela fechou os lábios e os olhos com força. A risada baixa de Linc foi cruel. — Vejo que você sente. Bem, é assim que tem sido, querida. Enquanto você fazia seus joguinhos de enganação, eu ficava excitado de desejo por você. Durante o tempo inteiro que nós estivemos juntos na floresta, eu sofri, não apenas de calor, fadiga e fome, mas com um desejo que eu não podia extinguir. E sentia vergonha de mim mesmo, porque acreditei que isso era uma violação à sua pureza religiosa. — Ele manteve o tom de voz suave, mas a ironia estava claramente presente. — Não há nada puro sobre você, há? Linc levou as mãos entre os corpos de ambos. Quando Kerry percebeu o que ele ia fazer, enrijeceu. — Não! — Foi um grito sem som. — Você me surpreende, Kerry. Não quer saber a completa extensão de seus poderes? Quando ele desabotoou o jeans, pegou uma das mãos de Kerry e levou-a para baixo. — Não! — Dessa vez, seu protesto foi abafado por um beijo, um beijo feroz e possessivo que colou os lábios de ambos e enviou a língua dele para o fundo de sua boca. Enquanto Linc abria a mão dela sobre si mesmo, o cérebro de Kerry recordou-se de centenas de impressões passageiras. Uma prevaleceu. Ela queria tocá-lo. Queria descobrir. Queria catalogar a suavidade, a rigidez, o calor. Queria mergulhar os dedos naqueles pelos grossos, porém macios. Ela lutou contra a tentação pelo máximo de tempo que conseguiu, mas sua autodisciplina não durou muito. Sua mão parou de resistir à pressão inflexível da de Linc. Como se tivesse vontade própria, moldou o sexo viril e tornou-se exploratória. Emitindo um gemido gutural, Linc parou de beijá-la e retirou a mão dela de seu 125
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown sexo. Sua respiração estava totalmente ofegante. — Não desse jeito, Kerry — disse ele num sussurro rouco. —Você não vai se safar com isso. Nunca se cansa de jogar sujo? Acho que isso é de família. Você sempre tem mais uma carta em sua manga. Bem, seus truques não irão funcionar dessa vez. Perplexidade preencheu os olhos azul-escuros de Kerry, mas ele pareceu não notar. Estava estudando os botões de sua blusa. De maneira negligente, abriu o primeiro. — Eu me lembro vagamente de como são seus seios. Pequenos, mas bonitos. — O comentário machista causou uma onda de ressentimento em Kerry. Ele viu a revolta nos olhos dela e sorriu com arrogância. — E como eu me recordo, seus mamilos respondem de maneira intensa. Ela enrubesceu, especialmente quando ele conseguiu desabotoar todos os botões de sua blusa e abri-la. Kerry e Jenny usavam o mesmo número de roupa quando Jenny não estava grávida. Os seios de Kerry enchiam os bojos do sutiã de renda emprestado. Com a luz do sol se despejando sobre eles, restava pouco para a imaginação de Linc. Os olhos dele escureceram e Kerry pensou ter visto um músculo saltar no rosto forte, formando uma expressão que lembrava remorso, mas então as feições voltaram a adquirir sua dureza usual. — Abra o sutiã. — Eu não farei isso. — Então você pode explicar para Jenny como o fecho foi quebrado — disse ele, levando as mãos ao fecho frontal. — Você é cruel. — Abra-o. Firmando o queixo teimosamente, Kerry abriu o fecho, mas deixou os bojos onde estavam. Após murmurar um falso "obrigado", Linc moveu-os para os lados e deixou-a desnuda ao seu olhar. Um olhar que queimava tanto como o sol acima de suas cabeças. A bravata de Kerry a desertou. Ela fechou os olhos em vergonha, de modo que não pudesse vê-lo engolir em seco convulsivamente. Também perdeu o espasmo de arrependimento que torceu os lábios de Linc enquanto as mãos grandes a tocavam. As palavras que ele falou foram como golpes nocivos aos seus ouvidos. — Foi o que eu pensei. Não há muito aqui, mas o que há é bonito. Kerry bateu nas mãos dele, mas Linc segurou-lhe os pulsos com uma única mão forte. Ela encolheu-se do toque quando ele segurou-lhe um seio e usou o polegar para roçar o bico sensível. Quando este respondeu, ele deu uma risada rouca. De novo e de novo, Linc provocou-lhe o mamilo com o polegar, às vezes com uma lentidão agonizante, às vezes Com movimentos rápidos, e outras, torcendo-os gentilmente entre os dedos, até que ela estivesse se contorcendo. — Muito bom — murmurou ele com voz rouca. — Pelo menos para olhar e para brincar. Como será o gosto? As costas de Kerry se arquearem do cobertor no primeiro toque da língua quente. — Não, não — gemeu ela, rolando a cabeça de um lado para o outro. — Não estou convencido dessa sua negação, Kerry. — Linc falou diretamente 126
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown acima dela, de modo que, mesmo enquanto formava as palavras com os lábios, eles se moviam contra a carne pulsante e dolorida de seu mamilo. Ela emitiu um murmúrio de protesto, e teve de morder o lábio inferior para evitar gritar, não de ultraje, medo ou desgosto, mas de prazer. O toque daquela língua em seu seio causava-lhe uma sensação maravilhosa. Linc a lambeu até que ela estivesse molhada e brilhante, e então o vento a secou, enquanto ele dava o mesmo tratamento torturante ao outro seio. — Por favor, não mais — suplicou ela. — Muito mais. Kerry deu um grito de agonia quando ele capturou lhe o bico entre os lábios e segurou-o no calor sedoso de sua boca. Então, moveu os lábios gentilmente, fazendo-a gemer. — Por favor, pare — pediu ela. Linc levantou a cabeça! — O que você quer? — A língua brincava preguiçosamente sobre o centro ereto de seu seio. — Que você pare. — Por quê? — Por que eu detesto isso. Detesto você. — Talvez você me deteste. Na verdade, tenho certeza de que me detesta. Mas não detesta isto. — Novamente, ele a tocou com a ponta da língua. — Detesta? — Ele repetiu a pergunta diversas vezes, cada uma delas enquanto a provocava com sua língua e seus lábios. — Sim — respondeu Kerry, tremendo de desejo. — Detesta? — Sim. — Detesta? — Si... não, não, não. — Um soluço foi rasgado da garganta dela. — Eu achei que não. Linc abaixou a cabeça e beijou-lhe a barriga, enquanto lutava para abrir o zíper da calça dela. Ofegante, Kerry lutou por ar. Mal tinha consciência do que as mãos dele estavam fazendo. Toda sua concentração estava nos lábios que se moviam sobre sua pele, parecendo tocar todos os lugares ao mesmo tempo. Na verdade, ela arqueou os quadris e ajudou-o quando Linc começou a remover sua calça. Ele beijou o osso saliente de um quadril, moveu a cabeça e beijou o outro. Lábios quentes roçaram seu umbigo, a língua sensual dançou ao redor dele, provocando-o. Ele beijou o centro da feminilidade através da calcinha. Kerry deu um grito e lutou para liberar as mãos. Quando conseguiu, não as usou para lutar contra ele. Em vez disso, entrelaçou os dedos nos cabelos de Linc. Ele continuou beijando-a, deixando calor e umidade por onde sua boca passava. — Eu pensei sobre isso naquela noite em que você dormiu nos meus braços. — Linc mal conseguia falar, e mesmo quando falou, sua voz saiu num sussurro rouco. — Seus seios sob minha boca. Suas coxas se abrindo para mim. 127
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry não se lembrava de senti-lo remover sua calcinha, mas subitamente percebeu que os olhos dele se moviam de forma sedenta sobre sua nudez. Ela deveria ter ficado apavorada com aquele olhar voraz, mas, estranhamente, não ficou. Seu único pensamento foi que esperava que Linc estivesse gostando do que via. Dedos quentes deslizaram através dos pelos escuros entre suas coxas. Em reflexo, seus joelhos levantaram-se. Ele os apartou. Então abaixou a cabeça e posicionou a boca onde ela mais queria senti-lo. Quando os lábios quentes a tocaram, Kerry gritou o nome dele. E quando a língua tocou-a, ela morreu um pouquinho. Segurando-lhe os quadris entre suas mãos fortes, Linc deu-lhe prazer com a mesma dedicação com que fazia tudo mais. Parou no momento em que ela estava prestes a atingir o clímax, embora a tivesse levado ao topo repetidamente. O rosto de Kerry estava orvalhado com transpiração quando ele aproximou o seu. — Diga-me o que você quer. Era um milagre que ele até mesmo pudesse formar palavras na mente, e um milagre maior ainda conseguir falá-las em voz alta. Seu corpo pulsava com um desejo tão imenso que superava mero desejo. Deus, ele precisava se enterrar no corpo dela, dar-lhe a paixão que ameaçava matá-lo se não fosse compartilhada. Sua necessidade era tão grande que Linc sentia-se pronto para explodir. E subitamente, aquela vingança pareceu uma vitória ingrata e vazia. Ele não queria triunfar sobre Kerry. Não queria vê-la assustada e derrotada, mas resplandecente com um desejo que combinasse com o seu próprio. Queria ver alegria no rosto dela, não submissão. Todavia, era difícil quebrar hábitos formados na infância. Ninguém recebia o melhor de Lincoln 0'Neal sem conhecer sua vingança. Ele tivera de lutar por cada gota de afeição e respeito que já recebera. Não conhecia outro jeito de pedir além de demandar. — Diga-me o que você quer — repetiu ele, cerrando os dentes num esforço de impedir seu corpo de fazer o que queria fazer, sem aquele jogo estúpido. Deslizou a ponta de seu órgão entre as pétalas úmidas do sexo de Kerry. — Eu o quero — sussurrou Kerry. — Dentro de você. — Ele ofegou. — Dentro de mim. Aquelas três palavras tiraram o que restava do controle de Linc. Ele deslizou para dentro do corpo feminino e investiu tão fundo que o enviou diretamente para o útero dela. Então deu um grito de angústia e arrependimento que pareceu ecoar pelo céu infinito. Queria se retirar, mas seu controle havia desaparecido. Sabendo que seria considerado pecador de qualquer maneira, e impotente sobre as demandas de seu próprio corpo, fez aproximadamente três investidas antes que atingisse o clímax. Em rendição sublime, enterrou o rosto no pescoço de Kerry e deixou as ondas de prazer percorrerem todo o seu ser. Entregou o controle às forças naturais de seu próprio corpo e preencheu a mulher que queria pelo que parecia ser uma vida inteira com sua semente quente. 128
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Por longos momentos depois, permaneceu deitado sobre ela, exausto, saciado, em abençoada devastação. Quando finalmente encontrou forças para se afastar, evitou olhá-la. Sem graça, virou um canto do cobertor sobre a parte inferior do corpo de Kerry. Deitando-se sobre as costas ao lado dela, olhou através dos galhos das árvores e tentou pensar num nome desprezível o bastante para chamar a si mesmo. Porque, até segundos atrás, Kerry Bishop tinha realmente sido tão casta quanto a freira que fingira ser. Até segundos atrás, era virgem. — Por que você não me contou? — Você teria acreditado em mim? — Não. — Linc suspirou, sabendo que aquilo era verdade. Não teria acreditado em nada que ela dissesse. Ele rolou para uma posição sentada e pendurou a cabeça entre seus joelhos abertos. Por alguns minutos, praguejou e xingou a si mesmo. Então, ficou em silêncio. Finalmente, arriscou olhar para Kerry. Lágrimas haviam deixado trilhas salgadas nas faces dela, mas os olhos estavam claros e o encaravam diretamente. — Você está... com dor? — Kerry meneou a cabeça. Linc não acreditou nela. — Tem alguma água? — No cantil sobre a sela. Ele levantou-se e subiu a calça jeans nos quadris até que pudesse abotoá-la. Andou até o cavalo selado, o qual tinha ficado docemente pastando durante todo o episódio. O cantil estava pendurado do cabeçote da sela por uma tira de couro. Linc o abriu e molhou o lenço que pusera no bolso naquela manhã, carregando o cantil e o lenço de volta para Kerry. Estendeu-lhe os itens, e virou-se de costas enquanto ela os usava. — Obrigada. Após alguns momentos, Linc virou-se para encontrá-la vestida e de pé, calada, como se estivesse esperando instruções. Ele não apenas a machucara fisicamente — Deus, quando se lembrava de como tinha se enterrado dentro dela — mas lhe ferira o espírito também. Os olhos de Kerry não possuíam mais o brilho puro e suave das safiras. Eram opacos enquanto o fitavam. — Você volta no carro comigo — disse ele. — Irei amarrar o cavalo na traseira da caminhonete. Depois que isso foi feito, Linc foi até ela, segurou-lhe o cotovelo e a conduziu ao longo do solo irregular com uma solicitude que teria sido cômica sob diferentes circunstâncias. Foi ele quem tremeu quando ela subiu na picape. Demorou mais tempo para cobrir a distância de volta para casa do que levara para Linc chegar ao tanque. Ele dirigia muito mais devagar, em consideração ao cavalo que trotava atrás deles, e em respeito ao desconforto que Kerry devia estar sofrendo. Sabia que o trajeto esburacado não podia ser confortável para ela, e praguejava e cerrava ostentes cada vez que o veículo sacudia mais forte. Quando eles chegaram à casa, ele parou a picape na garagem e desligou o motor. Eles ficaram sentados ali no escuro por um momento, em silêncio, então Linc virou a cabeça e perguntou: 129
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Você está bem? — Sim. — Há algo que eu possa fazer? Kerry olhou para as próprias mãos, as quais estavam unidas sobre o colo. Você poderia dizer que me ama. — Não — replicou ela, lutando contra as lágrimas. Linc desceu. Antes que pudesse rodear a caminhonete e ajudá-la, ela desceu do banco de passageiro e desamarrou o cavalo. Sem palavras, eles o levaram para o estábulo e o entregaram na mão de um dos peões. Ainda mantendo aquele silêncio tenso, dirigiram-se para a casa. Todos estavam reunidos ao ar livre. Jenny balançava um Trent truculento sobre as coxas. Cage estava sentado numa espreguiçadeira sobre o gramado, pensativo enquanto olhava para as águas da piscina, onde todas as crianças brincavam no raso e espirravam água. Roxie e Gary Fleming estavam sentados a uma das mesas do pátio, tomando drinques gelados, e com expressões sombrias. Sarah Hendren cortava rosas de um arbusto sobrecarregado e colocava-as sobre uma cesta que o marido segurava para ela. A atmosfera, exceto por aquela das crianças alegres, estava melancólica. Cage olhou para cima e viu Linc e Kerry vindo através do portão. Foi para ela que ele dirigiu seu comentário: — Nós temos problemas.
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Capítulo Onze Kerry esforçou-se para sair da onda de desespero na qual tinha mergulhado, e perguntou: — Que tipo de problema? — Ela sentou-se na cadeira que Linc puxou. — Não, Joe? — Não, não Joe — Roxie Fleming a tranquilizou. — Fisicamente, Joe está indo bem, mas o médico diz que ele está muito deprimido. Sugeriu que ele seja transferido para cá esta tarde. Irá se recuperar mais depressa se não ficar separado das outras crianças. — Aqui? Jenny, isso não será inconveniente para você? — De maneira alguma —Jenny falou para Kerry. — Nós colocaremos uma cama extra no quarto de Trent. — Eu irei embora — disse Linc de imediato. — Dessa forma, vocês terão muito espaço. Jenny o olhou com aspereza. — Eu pensei que nós tivéssemos estabelecido isso naquela noite. Nós não o deixaremos partir, Linc. Ademais, Joe se sentirá mais à vontade tendo você por perto. O último argumento fazia sentido, então nem ele nem Kerry discutiram. — Bem, se você tem certeza — murmurou Kerry, duvidosa. — Serão apenas poucos dias. Somente até que a família adotiva de Joe chegue para levá-lo para casa. Gary pigarreou alto. Roxie mudou de posição em sua cadeira. Cage e Jenny se entreolharam desconfortavelmente. — Eu atingi um nervo? — perguntou Kerry de modo intuitivo. — Devo ter tropeçado sem querer sobre o problema que vocês mencionaram. O que houve? Os pais adotivos de Joe se arrependeram desde que ele foi ferido na fuga? O médico me garantiu que a perna dele não sofreu danos permanentes, se é isso o que os está preocupando. — Na verdade, Kerry — começou Cage com notável relutância — nunca houve uma família querendo adotar Joe. Atônita, Kerry apenas foi capaz de olhá-lo por um momento antes de gritar: — O quê? Esta foi uma condição para eu trazer os órfãos, que todos teriam um lar pronto esperando por eles. — Nós sabemos. — O rosto normalmente sereno de Jenny estava preenchido com ansiedade. — Por isso nós não lhe contamos. Cage e eu discutimos o assunto e decidimos que, independentemente de qualquer coisa, não poderíamos permitir que você deixasse nenhuma das crianças para trás. — A maioria dos pais em potencial sentem que Joe é velho demais para adoção — disse Cage gentilmente. — Entendo. Os ombros de Kerry se rebaixaram num gesto de derrota. De acordo com o 131
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown relógio, ainda faltava bastante para o meio-dia. Mas parecia que ela vivera mil anos desde que tinha acordado naquela manhã. Seu coração já estivera pesado, sabendo que ela se apaixonara pelo homem errado. Por isso havia procurado pela paz solitária de um passeio a cavalo. Então, o que deveria ter sido uma experiência exultante, fora um pesadelo. E agora isso. Justamente quando estava prestes a realizar o único empenho valioso de sua vida, deparava-se com fracasso. Pobre Joe. Ele, mais do que as outras crianças, entendia o que significava para o seu futuro ir para os Estados Unidos. — Ele não pode ser enviado de volta — disse Kerry ferozmente. — Você pode contar com isso — concordou Cage. Jenny pôs uma mão sobre o ombro do marido como se pretendesse contê-lo. — Você não conheceu Cage antes que ele se acomodasse, Kerry, mas ele é um guerreiro implacável — murmurou ela. — Levaria o caso à Suprema Corte antes de deixar o garoto ser enviado de volta. Kerry sorriu para Cage. — Obrigada. Eu apreciarei qualquer coisa que você puder fazer. — Ofereço meus serviços — disse Linc. — E estaria disposto a apostar que eu luto de maneira ainda mais implacável que Cage. — Oh, verdade? — O outro homem o mediu de cima a baixo. Então sorriu amplamente. — Obrigado. Tenho certeza de que posso usar sua ajuda. — Vamos esperar que não seja necessário ir tão longe. — Kerry levantou-se. — Assim que eu trocar de roupa, trabalharemos nisso. Eu tenho pessoas em... — Lamento, mas isso não é tudo — interrompeu Cage, indicando que ela deveria se sentar novamente. Kerry não podia imaginar uma notícia pior do que a que já recebera. Acomodou-se de novo na cadeira, mentalmente se preparando para um golpe. — O casal que tinha se comprometido em adotar Lisa ligou esta manhã — começou Cage. O chão pareceu se abrir sob Kerry. — E? — E parece que a moça está grávida. Foi confirmado dois dias atrás. Jenny preencheu o silêncio que se seguiu: — Eles querem um bebê há anos. Por isso agarraram a chance de adotar um dos órfãos de Monterico. Lágrimas enormes, salgadas, se acumularam nos olhos de Kerry. Não Lisa. Ela tentara não formar uma conexão especial com nenhuma das crianças, sabendo que a separação final seria triste o bastante. Mas a menor delas, Lisa, tocara o coração de Kerry de uma maneira especial, provavelmente porque a criança tinha sido mais dependente dela do que as outras. — Mas, certamente, se o casal considerou adoção, significa que eles têm amor o bastante para dar a duas crianças — disse ela. — Não se trata disso — respondeu Jenny. — Ela sofreu diversos abortos espontâneos. Eles não querem colocar esta gravidez em risco. O médico recomenda 132
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown que ela passe o restante da gravidez na cama. Não será possível para ela cuidar de outra criança. Baixinho, Linc falou uma das palavras que Jenny tentara eliminar do vocabulário de Cage. — Amém para isso — murmurou Cage. — Eu vejo o problema — disse Kerry desapontada. — E entendo. — Foi uma decisão difícil para eles, que estavam tão ansiosos para pegar Lisa. — Oh, nós ficaríamos com Lisa num instante — disse Roxie em seu jeito expansivo adorável. — Mas já temos Cara e Carmen. Não seria tão difícil agora, mas no futuro, com faculdade para pagar e tudo o mais... Kerry sorriu para ela e para Gary. — Vocês são incrivelmente generosos. Não poderiam assumir responsabilidade por outra criança. Não seria justo. Mas quero que saibam que eu aprecio o pensamento. Kerry olhou para Lisa, onde a garotinha brincava feliz na parte rasa da piscina, dando gritinhos de deleite toda vez que água espirrava nela. — Ela é tão adorável. Provavelmente não teremos problema em colocá-la num lar amoroso. — Foi isso o que pensamos — concordou Cage. — Mas amanhã é o dia em que as crianças encontrarão suas famílias. Será psicologicamente triste se Lisa for deixada para trás. — Nós já espalhamos a notícia em todas as filiais da Fundação Hendren. É claro que, enquanto isso... — Cage — interrompeu Jenny de forma preventiva. — Enquanto isso, o quê? — perguntou Linc. Cage deu de ombros, olhando para sua esposa. — Enquanto isso, ela ficará aos cuidados das autoridades da imigração. — Nunca — exclamou Linc com veemência. O coração de Kerry parecia frio como uma pedra dentro de seu peito. Lisa ficaria assustada. Pensaria que todas as promessas de Kerry não tinham levado a nada, além de medo e isolamento de tudo que lhe era familiar. — Nós não podemos deixar isso acontecer. — Tenho certeza de que não acontecerá — disse Jenny. — Duas pessoas muito especiais serão abençoadas com Lisa. — Ela colocou Trent no chão e se levantou. — Kerry, Cage concordou em cuidar de Trent enquanto nós vamos à cidade e fazemos algumas compras. Eu não me importo se você usar as minhas roupas, mas tenho certeza de que gostaria de comprar algumas para si mesma. — E quanto às crianças? — Nós ficaremos com elas — disse Roxie. — Gary tirou uma semana de férias para que pudéssemos ficar à disposição de vocês. — E nós estaremos aqui — acrescentou Bob Hendren, falando pela esposa também. — E quanto a Joe? — questionou Kerry. — Eu deveria estar aqui quando ele 133
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown chegar. — Estaremos de volta muito antes disso — murmurou Jenny, rindo. Roxie deu um empurrãozinho afetuoso em Kerry. — Vá e divirta-se. Você merece. Todavia, antes de sair, Kerry tomou um banho e trocou de roupa, então circulou o pátio novamente. Cage e Linc haviam vestido sungas e estavam dentro da piscina com as crianças. Cage estava jogando Trent para o alto, mal conseguindo pegá-lo antes que ele caísse na água. Linc estava brincando com Lisa. Os olhos de Kerry se inundaram com novas lágrimas enquanto ela o observava com a criança. Havia um sorriso amplo no rosto de Linc, e seus olhos estavam enrugados com risada. Sentindo seu olhar, ele levantou a cabeça e avistou-a no deque da piscina. Estudou-a longamente. Enrubescendo com embaraço, Kerry percebeu que seu corpo agora era território familiar para ele. Não tinha segredos de Linc. E perguntou-se, mesmo enquanto os olhos dele desciam para o ponto que conhecera o toque de suas mãos, lábios e sexo, se ele sabia que ela ainda sentia uma pulsação deliciosa ali. Lisa levantou os bracinhos em direção a Kerry num pedido silencioso. Kerry ajoelhou-se, e Linc carregou a menina contra seu peito nu para a borda da piscina. Kerry inclinou-se e beijou o pequeno rosto molhado e escorregadio de Lisa. — Adeus, querida. — Adeus. Foi Linc quem respondeu. Eles se entreolharam enquanto o tempo parecia ter parado. Então, Kerry se levantou num sobressalto e apressou-se em direção a Jenny, que a esperava no carro. Mas seus pés não se moveram com a mesma velocidade das batidas de seu coração. As duas mulheres fizeram diversas paradas. Kerry, usando um cartão de crédito que Cage lhe arranjara através do banco dele, comprou várias trocas de roupas, lingerie e sapatos. — Eu nunca pensei que uma farmácia pudesse ser um lugar de tantas maravilhas — exclamou Kerry, mexendo nos conteúdos do saco que tinha em seu colo, durante o retorno delas para a fazenda. — Sinto-me como se tivesse descoberto ouro. Loção hidratante para a pele, condicionador para os cabelos, esmaltes para as unhas. Eu não estou acostumada com tais luxos. — Talvez você devesse passar uma semana em algum spa de luxo. Mimar-se um pouco. Kerry balançou a cabeça. — Não. Não por enquanto, pelo menos. Eu ainda tenho muito a fazer. Jenny a fitou, alarmada. — Você não está pensando em voltar para Monterico? — Não. O lugar ficou muito perigoso. Eu não tenho desejo de morrer. — Ela cuidadosamente recolocou os artigos de banho na sacola. — Mas ainda há muito o que fazer aqui. Levantar fundos para comida. Para remédios. — Sua voz falhou e seus olhos 134
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown focaram na paisagem que passava. Quando Jenny falou, sua voz era calma: — Você não pode indenizar as corrupções de seu pai, Kerry. Mais cedo ou mais tarde, precisa seguir com sua própria vida. Kerry deu um longo suspiro. — Eu sei. — Cage e eu revelamos um segredo que não deveríamos esta manhã, não é? Kerry a olhou, mas manteve o rosto perfeitamente composto. — Não se preocupe com isso. Linc teria de descobrir mais cedo ou mais tarde. — Sinto muito. Nós presumimos que ele soubesse quem você era. Então, quando percebermos que Linc pensava que você fosse... — Por favor! — Kerry ergueu uma mão para impedir sua amiga de falar a palavra em voz alta. — Eu já estou envergonhada o bastante. Não me lembre do truque sujo que usei com ele. — Eu sei que estou sendo rude, mas preciso perguntar. Por que você o deixou acreditar que era freira? —Jenny, você não poderia ser rude nem se tentasse. Naturalmente, está curiosa. — Kerry escolheu suas palavras cuidadosamente, querendo que sua amiga entendesse sua motivação. — Você sabe como eu o coagi para sair da cantina comigo. — Fingindo ser uma prostituta. — Sim. Bem, eu fiz coisas que achei que fossem — você sabe — típicas de uma prostituta. — Ela desviou o olhar. — Linc é um homem viril, e ele... uh... — Acho que entendi. Ele não estava disposto a parar os avanços quando você explicou sua situação. Kerry assentiu. — No meu lugar, o que você teria feito? — Provavelmente nada tão engenhoso — respondeu Jenny com um sorriso empático. — Ele ficou... chateado... esta manhã, quando descobriu a verdade. — Para colocar isso suavemente. — Linc tinha se acalmado no momento em que encontrou você? — Não. Jenny era muito diplomática para continuar perguntando. Qualquer coisa que tivesse acontecido nos campos tivera grande impacto em ambos. Linc parecera tão desolado quanto Kerry quando eles haviam retornado. E, como Jenny notara antes, eles evitavam se tocar e se olhar, levando isso a extremos ridículos. — Linc me acusou de ser manipuladora, exatamente como meu pai — contou Kerry de maneira inexpressiva. — E suponho que ele esteja certo. Eu o manipulei. — Lágrimas inundaram seus olhos. — Você e Cage têm tanta sorte por se amarem do jeito que se amam. — Eu sei. Mas o que temos não veio facilmente, Kerry. Jenny nunca contara para ninguém, nem mesmo para Roxie, sobre Cage e ela. Agora era o momento. Se sua história pudesse ajudar Kerry, precisava ser compartilhada. — Na noite em que Hal partiu para Monterico, ele foi ao meu quarto — começou 135
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Jenny. Kerry virou a cabeça numa atitude de boa ouvinte. — Ele fez amor comigo. Foi minha primeira vez. — Ela deu um suspiro trêmulo. — Porém não era Hal. Era Cage. — Ignorando a arfada de surpresa de Kerry, ela continuou antes que perdesse a coragem: — Então eu descobri que estava grávida... — Você pensou que o bebê fosse de Hal. Ela assentiu. — Todos pensaram. E apenas Cage sabia a verdade. Hal tinha sido morto. Cage levou meses para encontrar a coragem de me contar. — O que aconteceu quando ele lhe contou? — Eu fiquei mortificada. — Posso imaginar. — Falei coisas horríveis para ele. — Jenny tremeu agora com a lembrança. — Eu o rejeitei cruelmente. Foi necessária uma tragédia para nos unir novamente. Ela apertou a mão de Kerry. — Linc me lembra de Cage. Os dois são homens voláteis. De temperamento explosivo. Existe um ar de violência e perigo sobre eles. Eu costumava tremer toda vez que Cage estava na residência paroquial. Então, um dia percebi que as mesmas características que me assustavam, também me atraíam. Eu não tinha tanto medo da virilidade dele quanto tinha de minha resposta a esta. Ela olhou para Kerry pelo canto do olho. —Cage me deixava tão nervosa que eu me esquivava dele. Não podia lidar com os sentimentos que ele me causava, como se eu estivesse deixando de ser eu mesma toda vez que ele estava por perto. — Jenny tirou os olhos da estrada apenas o bastante para fitar sua amiga. — Você está apaixonada por Linc? Kerry abaixou a cabeça, e lágrimas eloquentes rolaram por suas faces. Ela conteve os soluços somente porque prendeu o lábio inferior entre os dentes. — Sim — confessou num gemido baixo. — Sim. Mas é um caso sem esperança. — Eu também pensei assim uma vez. Mas descobri que quanto mais difícil a conquista, mais valioso é o amor.
Os Hendren achavam que era importante para as crianças serem expostas aos costumes americanos o mais brevemente possível. Kerry concordava. Então, naquela noite, eles cozinharam cachorros-quentes na grelha ao ar livre. Mais tarde, Cage ajustou um monitor de televisão, e passou filmes da Disney em um aparelho de videocassete. Todas as dificuldades pelas quais Kerry passara foram compensadas naquele momento, ao ver expressões tão felizes nos pequenos rostos. Num intervalo, eles esvaziaram mais três potes de sorvete feito em casa do freezer. Os pais de Cage preparavam pequenos bolinhos assados. Embora pessoas bem-intencionadas e a mídia ainda estivessem proibidas de entrar na fazenda, delícias assadas, roupas e brinquedos chegavam para as crianças. Joe, que tinha sido recebido com entusiasmo mais cedo naquela tarde, foi mancando até Kerry em suas muletas. — Irmã Kerry, você não quis sorvete? 136
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Estou esperando que a multidão se disperse. — As crianças se aglomeravam ao redor de Roxie, que estava servindo sorvete com uma colher longa. — Como está sua perna? — Um pouco dolorida. Nada mais. — Eu não tive a chance de lhe dizer como você foi corajoso durante o resgate. — O garoto fez um gesto encabulado. — Fiquei muito orgulhosa de você. Sem a sua ajuda, Linc não poderia ter nos salvado todos. Olhos repletos de sentimento baixaram. — Ele voltou para me buscar. Kerry, lembrada da animosidade de Joe em relação a Linc no começo, sugeriu em tom baixo de voz: — Talvez você deva agradecê-lo por isso. — Ele já me agradeceu. A voz veio do escuro atrás dela, seu som profundo enfraquecendo os joelhos de Kerry. Quando ela virou a cabeça, quase ofegou. Ele tinha pegado um dos carros de Cage emprestado e ido à cidade numa expedição de compras. Estava usando um jeans novo que abraçava os quadris e as coxas com uma caída perfeita, e uma camisa do exército suíço feita de algodão branco. As mangas estavam enroladas até os bíceps poderosos. Ela sentiu o cheiro de colônia em Linc pela primeira vez, e gostou da escolha. O aroma a lembrava de chuva e vento. Os cabelos dele também estavam cortados, mas ainda eram longos o bastante para roçarem o colarinho da camisa. Linc saiu da escuridão e pôs uma mão no ombro de Joe. — Ele me agradeceu esta tarde, mas eu lhe disse que não era necessário. Ele cobriu minhas costas. Por seu próprio mérito, Joe é um combatente da liberdade para seu país. Joe sorriu para o homem mais velho e disse orgulhosamente: — Mas agora meu país é os Estados Unidos. Ninguém tivera coragem de contar ao garoto que ele ainda não tinha pais adotivos, e que havia uma possibilidade muito real de que retornasse a Monterico. Rapidamente, Linc mudou de assunto. — Cage lhe contou da empatia incomum que Joe tem com cavalos? — Ele mencionou isso uma centena de vezes — replicou Kerry, dando a Joe um sorriso provocante. — Você nunca me contou que sabia tanto sobre cavalos. — Eu nunca soube! — exclamou o garoto, seus olhos escuros brilhando. Naquela tarde, quando Joe insistira que não queria continuar deitado na cama, ele tinha sido levado para um tour pela fazenda. Cage voltara para casa com ele, maravilhado pelo jeito natural que o adolescente tinha com animais. — Ele parece falar a língua deles — comentou Cage, sorrindo para Joe. Joe deleitou-se com os elogios de Linc. Em Monterico, ele havia parecido mais velho que sua idade, mostrando uma maturidade fora de época, juntamente com sua hostilidade em relação a Linc. — Logo que você se juntou a nós — ele falou para Linc solenemente, eu pensei que pretendesse machucar Irmã Kerry. Agora sei que não a machucaria. —Joe não notou a leve contração dos músculos no rosto de Linc. — Desculpe por ter tido sentimentos 137
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown ruins em relação a você, que nos trouxe para a liberdade. Antes que Linc pudesse pensar numa resposta apropriada, Trent Hendren apareceu, correndo em direção a Joe. Ele parou segundos antes de se jogar em cima do adolescente, o que teria feito se não tivesse sido avisado sobre a perna machucada de Joe. —Joe, Joe. — A criança era a sombra de Joe desde que ele retornara do hospital. Joe não parecia se importar. Na verdade, assumia um ar paternal em relação a Trent. A criança apontou animadamente para a tela de televisão, onde outro filme estava começando. Sorrindo com timidez, Joe foi se juntar às outras crianças, com Trent ao seu lado. — Tão criança e tão homem ao mesmo tempo — murmurou Kerry, observando-o atravessar o pátio. — E intuitivo — acrescentou Linc. — Sobre os cavalos? — Sobre mim. — Ela virou a cabeça para olhá-lo. —Joe estava certo em sentir que eu poderia machucar você. Ele só errou o momento em que isso aconteceria. Kerry virou a cabeça para se esquivar do olhar penetrante dele. — Não vamos falar sobre isso. Por favor. — Eu preciso falar sobre isso — disse ele em tom de voz baixo, embora fosse improvável que alguém os ouvisse sobre as travessuras de Peter Pan e Capitão Gancho. — Você está com dor? — Eu lhe disse mais cedo, não. — Por que não me avisou? — Nós já estabelecemos isso também. Você não teria acreditado em mim. — Talvez não esta manhã, mas... — Quando? Quando, Linc? Pense bem. Em que ponto de nossa amizade você teria acreditado em mim? Quando teria sido um bom momento para entrar casualmente nessa conversa? — Ela deu um longo suspiro. — Ademais, que diferença isso faz? Tinha de acontecer, mais cedo ou mais tarde. — Mas não de forma tão... Quando ele parou sem terminar, Kerry o encarou com uma expressão interrogativa. — Não de forma tão o quê? — Bruta. Por um momento, eles se entreolharam. Ela foi a primeira a desviar o olhar. — Oh, bem... — Eu machuquei você, Kerry? — Não. Fisicamente, o desconforto de Kerry tinha sido mínimo. Emocionalmente, fora fatal. Ele a tomara com raiva. Não tinha sido um ato de amor, ou nem mesmo de prazer sexual, mas um de vingança. Seu corpo não tinha sido ferido, mas seu coração fora despedaçado. Ele destruíra suas emoções, mas de maneira alguma Kerry o deixaria saber disso. 138
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Ela inclinou a cabeça num ângulo arrogante. — É isso o que você quer ouvir, não é? Ter me machucado teria tirado um pouco do ouro de seu troféu. — O que você quer dizer com isso? — perguntou ele, unindo as sobrancelhas numa expressão ameaçadora. —Seu único propósito era me fazer admitir minha atração por você. Planejou me fazer suplicar, lembra? Bem, eu supliquei. Você teve o que queria, certo? — Não, droga! Linc se aproximou. O rosto dele estava escuro com raiva. Ela podia sentir o corpo másculo esquentar e, absurdamente, se sentiu traída por não ter experimentado a sensação da pele nua dele ao lado da sua. Eles haviam compartilhado o ato mais íntimo entre um homem e uma mulher, mas Kerry ainda não conhecia o prazer de sua pele suave roçando contra o corpo coberto por pelos macios, ou a deliciosa fricção que isso causava. E o pior de tudo é que ainda quero conhecer, sua mente gritou. — Eu queria puní-la um pouco, mas jamais teria machucado você. Eu não tinha ideia quando... Quis parar assim que... senti... — O olhar de Linc desceu para a boca de Kerry. Mas uma vez que eu a penetrei, não consegui parar. Outro daqueles olhares longos se seguiu enquanto cada um se lembrava da sensação do corpo dele enterrado dentro do corpo de Kerry. Linc queria puxá-la para seus braços novamente, mas sabia que não podia. Então, descontou sua frustração agredindo-a com palavras: — Você tem de admitir que estava um pouco velha para ser virgem. — Nunca foi conveniente. Minha mãe morreu quando eu tinha 16 anos. Depois disso, eu agi como anfitriã de meu pai. Namorados raramente se encaixavam dentro do esquema social da embaixada. E nos últimos anos... — Você estava ocupada mantendo seu pai fora da cadeia. — Não — retrucou ela. — Eu estava tentando impedi-lo de se matar. Não me restava muito tempo livre para cultivar relacionamentos com homens. Linc, sinceramente arrependido pelo que tinha falado, murmurou: — Bem, eu não tinha como saber disso. — O que você não sabe sobre mim encheria uma enciclopédia, sr. 0'Neal. Desde o começo, tira conclusões erradas ao meu respeito, formando suas próprias opiniões incorretas... — E de quem é a culpa disso? — Raiva era a única maneira de dosar as chamas no seu baixo ventre. — Por que você me manteve ignorante dos fatos, fingindo ser o que não é? — Ele deu outro passo à frente. — Você tem coragem, moça, acusando-me de tirar minhas próprias conclusões. E só para sua informação, você fez uma prostituta mais convincente do que uma freira. Ela enrubesceu em ultraje. — Como ousa... — Suas mãos estavam por todo o meu corpo naquele bar. — Eu toquei sua coxa — gritou ela na defensiva. — Na parte baixa de sua coxa. — Os cabelos. A boca suculenta. Os olhos sedutores. Aquele vestido barato 139
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown provocante. — Eu gostaria que você esquecesse aquele vestido. — Improvável, querida. Todos aqueles disfarces eram realmente necessários? Por que você não me explicou desde o começo quem seu pai era? — Porque, caso não se recorde, eu pensei que você fosse um mercenário. Um mercenário cruel, baixo, inescrupuloso... — Pare com os insultos e responda a minha pergunta. Por que você simplesmente não me deixou sóbrio e se apresentou? — Porque eu não sabia quem eram os amigos e os inimigos de meu pai em Monterico. Ele tinha mais inimigos do que amigos. Então, para me proteger e para proteger as crianças, eu achei melhor não lhe contar. Os rebeldes teriam me assassinado na hora se tivessem descoberto. Meu nome foi mantido em segredo. — O que você estava fazendo lá, para começo de conversa? Para uma pessoa formada em Sorbonne, você certamente não é muito inteligente. Ela ignorou o comentário e respondeu a pergunta. — Alguém precisava ir lá e ajudar aqueles órfãos. — Concordo. Alguém. Não você pessoalmente. Se tem cinquenta mil dólares para me pagar, tinha cinquenta mil dólares para pagar um mercenário. Você poderia ter sido morta. — Mas não fui! — E não acho que você ficará satisfeita até que seja. — O que quer dizer com isso? — perguntou Kerry em tom irritado. — Quando você vai sentir que pagou pelos crimes de seu pai? Quando eles jogarem terra sobre seu rosto para enterrá-la? Kerry ergueu-se numa postura rígida. — O que você saberia sobre obrigação moral? Você, que passa sua vida visitando favelas. Você, que nunca pensou em ninguém além de si mesmo. — Pelo menos, eu ganho tudo o que tenho honestamente. — Oh, você é... — Eu detesto me intrometer... Ao mesmo tempo, eles se viraram em direção a Cage. Ele estava usando um sorriso divertido. — Vocês, com certeza, estão gritando muito, e peço desculpas pela interrupção, mas alguma coisa grande surgiu. Kerry se sentiu corando. Ficou grata pela escuridão que esperançosamente cobria seu rubor. — O que houve, Cage? — Venham juntar-se ao resto do grupo. Papai tem uma declaração a fazer. Quando eles se moveram para o círculo iluminado, reverendo Hendren deu um passo à frente. — Isso será uma surpresa para todos vocês. Sarah e eu estivemos pensando durante o dia inteiro, e tomamos uma decisão, a qual temos certeza de que tornará nosso lar muito mais feliz. — Ele virou a cabeça de leve. —Joe, você gostaria de ir 140
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown morar conosco? O que Bob e Sarah Hendren tinham feito fora algo tão lindo e altruísta. Olhando pela janela de seu quarto uma hora mais tarde, Kerry ainda sentia um nó na garganta ao pensar sobre isso. É claro que alvoroço se seguira à pergunta inesperada de Bob Hendren. No começo, Joe não tinha entendido o que a pergunta envolvia. Quando entendeu, seu rosto se abriu num sorriso radiante. Ele assentiu com a cabeça vigorosamente e respondeu em sua língua nativa: "Si, si". Quando Kerry traduziu o que estava acontecendo aos outros órfãos, eles rodearam Joe para celebrar sua boa sorte de maneira exuberante. Depois que todos haviam sido colocados na cama em seus respectivos abrigos temporários, Kerry foi falar com o casal mais velho. — Eu não posso lhes dizer como estou feliz pelo que vocês fizeram. Só espero não tê-los pressionado a tomar a decisão, pelo que falei mais cedo hoje — disse ela com preocupação. Cada um deles abraçou-a. Bob disse: — Nós dois achamos que isso honrará a memória de Hal de uma maneira especial. Teremos Joe somente por alguns anos antes que ele vá para a faculdade. Enquanto isso, podemos nos certificar de que ele alcance os colegas, no sentido social e acadêmico. — Sabe, Kerry — disse a mãe de Cage — nossa casa esvaziou de nossos filhos muito rapidamente. Cage foi embora para fazer faculdade, então Hal partiu. Logo depois disso, Jenny se casou com Cage. Bob e eu não podemos preencher todos aqueles quartos vazios. Será tão bom ter uma pessoa jovem lá novamente. Trent já idolatra Joe, de modo que ele se adaptará bem na família. E ele terá acesso à fazenda e aos cavalos, de que parece gostar tanto. Tudo combinou maravilhosamente. Um problema tinha sido resolvido, pensou Kerry, deixando a cortina cair sobre a janela novamente. Talvez no dia seguinte surgisse uma solução para o problema do futuro de Lisa. Kerry a abraçara com força quando a colocara na cama. Ela parecera uma boneca em sua nova camisola de bolinhas. Lisa espontaneamente retornara o abraço, e lhe dera um beijo molhado e barulhento. Preocupação com Lisa não era o único fardo que Kerry estava levando para a cama consigo. Culpa era uma companheira de cama, que a preencheu completamente quando ela se recordou das palavras destruidoras que falara para Linc. Acusara-o injustamente de nunca pensar em ninguém além de si mesmo, quando, na verdade, ele tinha arriscado a própria vida, inúmeras vezes, para salvar a sua e a dos órfãos. Por que ela dissera aquilo? Por que Linc, mais do que qualquer pessoa que Kerry j á conhecera, a incitava a fazer e falar coisas que destoavam tanto de sua personalidade? Sua mão pausou no ato de virar a colcha quando ela ouviu passos pesados na escada. Jenny e Cage haviam se recolhido em seu quarto assim que os pais dele tinham ido embora. Os passos que se aproximavam só podiam pertencer a uma pessoa. Antes 141
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown que pudesse mudar de ideia, Kerry rapidamente se moveu para a porta. Abriu-a no exato momento que Linc estava passando. Ele a olhou em surpresa. — Alguma coisa errada? Ela meneou a cabeça em negativa, já se arrependendo de sua atitude espontânea. A camisa dele estava para fora da calça, e estava desabotoada. Os pelos escuros no peito largo eram uma visão tentadora. Seus olhos seguiram o padrão até mais para baixo. O botão do jeans estava aberto. Linc estava descalço. Os cabelos pareciam ter sido despenteados por mãos impacientes. Ele estava lindo de tirar o fôlego. Quando Kerry apenas permaneceu parada lá, sem dizer nada, ele murmurou: — Perdoe-me se perturbei você. Eu desci de novo para fumar um cigarro e... — Não, você não me perturbou — interrompeu ela apressadamente. —Eu... eu lhe devo um pedido de desculpas pelo que falei mais cedo — disse Kerry como uma explicação. — Foi uma coisa estúpida a dizer depois de tudo o que você fez por nós. Você salvou as nossas vidas e... Eu lhe peço perdão por falar uma inverdade tão grande a seu respeito. Quando ela ousou erguer os olhos, viu que os de Linc percorriam seu corpo lentamente, o qual estava coberto apenas pela camisola que Kerry comprara na cidade. Ela estava iluminada por detrás, pelo abajur sobre o criado-mudo. A silhueta do lindo corpo podia ser vista em detalhes dentro do tecido fino da camisola. — Fico contente que você tenha me parado — disse Linc com voz rouca. — Porque eu também lhe devo alguma coisa. Ela tornou-se hipnotizada pelos olhos dourados. — Você não me deve um pedido de desculpas por esta manhã. Já se desculpou. — Eu lhe devo alguma coisa além de um pedido de desculpas. — O quê? — Ele impulsionou-a para dentro do quarto. — Muito, muito prazer.
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Capítulo Doze A porta foi fechada com um suave ruído do trinco. — Prazer? — Muito prazer. Todo o prazer que faltou na sua iniciação ao ato de amor. Eu tomei demais, dei muito pouco. Quero compensar você por isso. — Você quer dizer que quer... uh... Assentindo com um gesto de cabeça, Linc se aproximou devagar e com determinação. — Sim, é isso o que eu quero dizer. — Alcançando-a, ele segurou-lhe os ombros entre as mãos e puxou-a para si. — Mas nós não podemos. — O protesto de Kerry era tão fraco quanto a resistência que ela exerceu quando ele uniu os corpos de ambos num encaixe perfeito. — Por que não? — Porque nem mesmo gostamos um do outro. Ele deu de ombros. — Você é legal. — E sempre que estamos juntos, brigamos. — O que torna a vida mais interessante e me mantém sobre meus pés. — Você sempre irá jogar na minha cara que eu o enganei. — Mas eu admiro sua astúcia. — Em minha mente, você sempre será um mercenário, mesmo que carregue uma câmera fotográfica, em vez de uma arma. E... — E apesar de tudo isso, nós sentimos atração física um pelo outro. Concorda? Ela olhou para o rosto bonito e bronzeado, enquanto sentia seu corpo acordando, como uma manhã gloriosa acorda com o sol. Desvelando-se. Procurando o calor. Florescendo. Kerry tentou lembrar-se de todas as razões pelas quais aquilo era errado, impraticável e uma má ideia. Mas seu corpo tinha uma memória própria. Seus sentidos se recordavam de cada toque, de cada som e gosto do ato de amor de Linc, e queria experimentar novamente. Pouco a pouco, sua resistência foi se dissolvendo. Ela colocou as mãos sobre o peito dele. — Concordo. — Então, por esta noite, não podemos deixar de lado todas as nossas diferenças, e nos concentrarmos somente nisso? — Irmos para cama juntos não é uma atitude um pouco irresponsável? — Você não acha que nós merecemos ser um pouco irresponsáveis? — Ele estudou lhe o rosto e os cabelos. — Depois de tudo pelo que passamos? — Suponho que sim. — Porque a camisa dele estava aberta, ela podia sentir parte do peito nu contra suas palmas. A pele de Linc estava quente. Os pelos naquela área eram macios. Kerry queria senti-los contra seu rosto, sua boca. 143
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Não pense sobre todos os motivos pelos quais nós não deveríamos, Kerry — murmurou ele com voz rouca. — Pense sobre isso. Segurando-lhe o queixo em uma mão, ele inclinou-lhe a cabeça para trás e pressionou os lábios contra os dela, separando-os, e então inserindo a língua naquela boca deliciosa. O mundo de Kerry girou. Ela fez como ele sugeriu, e focou toda a sua atenção no beijo, no calor, paixão e desejo por trás do beijo. Os lábios de Linc eram firmes, mas não agressivos. A língua era ousada, mas não abusiva. Ele a usava para fazer amor com sua boca. Quando ele levantou a cabeça, ela descansou o rosto contra o peito largo. Sob seu ouvido, podia ouvir as batidas aceleradas do coração de Linc. O beijo o afetara tanto quanto a afetara. — Você é boa — sussurrou ele contra o topo da cabeça de Kerry. —Você apenas não esteve com ninguém mais ultimamente. — Não. Você é boa. — Eu sou? — Sim, muito boa. Maravilhosa. Antes que ela pudesse se preparar, Linc inclinou-lhe a cabeça para trás novamente, bem a tempo de encontrar sua boca que descia. Ele a pressionou mais contra si, apartando-lhe as coxas e encaixando a parte baixa de seu corpo entre eles. Foi um contato excitante, e um que a teria feito gemer, se a boca de Linc não estivesse aplicando sua maestria sobre a sua. Ele a beijava com um desejo que beirava a desespero. Kerry reconheceu o mesmo tipo de desejo em si mesma. Recolhendo as mãos de entre os corpos deles, ela as uniu ao redor do pescoço de Linc. Quando seus seios colidiram com o peito largo, cada um deles emitiu um gemido de satisfação. Kerry entrelaçou os dedos nos cabelos dele e estendeu-se na ponta dos pés. O gemido de Linc veio do fundo da alma. Ele deslizou as mãos para o traseiro dela, erguendo-a para um contato mais íntimo com a frente de seu corpo. Eles não poderiam continuar por muito tempo sem incinerar. Gradualmente, Linc terminou o beijo. Seus lábios, úmidos e suaves, roçaram os dela, e suas mãos se moveram para o território mais neutro da cintura delgada. Uma cintura tão incrivelmente estreita que ele continuou apertando-a gentilmente, como se maravilhado com aquilo. Kerry voltou a colocar as solas dos pés no chão, enquanto deslizava as mãos pelos ombros largos, tocando-lhe as orelhas e o queixo ao longo do caminho. Quando ergueu seu olhar tímido para ele, Linc fez algo que ela raramente o via fazer. Sorriu. Ela comentou, dizendo-lhe que ele tinha um sorriso bonito. Ele riu suavemente do elogio inocente. — Eu tenho? — Sim. Eu não o vejo sorrir com muita frequência. Você está geralmente me olhando com uma carranca. — Porque eu queria estar em cima de você com muito desespero. Aquelas palavras foram faladas com tanta emoção que mexeram profundamente com Kerry. Para recuperar a atmosfera mais leve, ela murmurou de forma tola: 144
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Seus dentes são tão perfeitos. Você usou aparelho ortodôntico? — Não. — Eu usei. — Aposto que você era adorável. — Linc deu um beijinho na ponta do nariz dela. — Mas valeu a pena cada dia que você usou o aparelho. — Ele deslizou a ponta de sua língua ao longo dos dentes superiores de Kerry. Ela tremeu com o prazer que ele prometera lhe dar. — Está com frio? — Não. — Então, quando percebeu o absurdo da pergunta, ela riu. — Não — enfatizou, meneando a cabeça. Os olhos de Linc se tornaram tão brilhantes e hipnotizantes quanto uma lanterna no meio de uma noite na floresta. Eles eram tudo o que Kerry podia ver. Estrelas gêmeas no centro daquele universo particular. — Com calor? Ela assentiu. — Onde? — Em todos os lugares. Ele pressionou uma mão aberta sobre a barriga de Kerry. Nunca desviando os olhos do seu rosto, Linc desceu a mão, seguindo a linha afunilada daquele corpo perfeito, até chegar ao lugar mais secreto de uma mulher. — Aqui? Kerry emitiu um gemido baixinho e balançou-se em direção a ele. — Sim. — Está sensível? — Um pouco. — Lamento muito. — Eu não. — Você não lamenta? — Não, Linc, eu não lamento. Eles se beijaram, e porque foi um beijo tão tórrido, ele removeu a mão e abraçou-a com mais força, embalando-a de leve. — Nós estamos indo rápido demais — sussurrou Linc com voz rouca. Então, roçoulhe o pescoço. Beijou-o. Tocou-o com sua língua. — Sabe a música que diz: "Eu quero beijar você inteirinha"? — Kerry fez um movimento afirmativo com a cabeça, embora não a tirasse da curva do ombro largo. — Bem, é isso o que eu quero fazer com você. Beijá-la inteirinha. E depois tudo de novo. Ele circulou lhe os braços e a afastou um pouco de si. Quando os olhos dela se abriram, Linc disse: — Desejo era a única coisa que me fazia prosseguir enquanto nós atravessávamos aquela maldita floresta. Basicamente, eu sou um covarde. — Impossível — disse ela com fervor. Ele deu um sorriso amargo. — Você me pegou numa semana de bravura. De qualquer forma — Linc balançou a cabeça num gesto demissível — a motivação que me impulsionou naquele primeiro dia, 145
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown por alguma virada milagrosa do destino, foi que eu a teria na cama. — Você não me engana, Lincoln. Outras pessoas podem comprar o ar de insensibilidade que você assume, mas eu não. Sua motivação era levar aqueles órfãos para a segurança. Ele teve a graça de parecer desgostoso. — Bem, fantasiar sobre você ao longo do caminho tornou a terrível situação muito mais suportável. — Você fantasiou sobre mim? — Kerry assumiu a postura e expressão de uma mulher faceira, embora os gestos lhe viessem de maneira subconsciente. — O tempo inteiro. Constantemente. Continuamente. Ele deslizou as mãos pelo pescoço e peito de Kerry, as pontas de seus dedos roçando-lhe a pele bem de leve, mal a tocando. Apesar de serem mãos sensíveis aos botões intrincados de uma câmera sofisticada, eram deliciosamente fortes e másculas. Com delicadeza, ele posicionou as mãos nas laterais de seus seios. Aplicou uma leve pressão ali, então relaxou. Repetiu isso diversas vezes, causando movimento dos seios sob a camisola, que era feita de um algodão tão fino que revelava os contornos excitantes dos mamilos mesmo na escuridão do quarto. — Seus seios me fascinavam. O jeito que se moviam cada vez que você se mexia. A impressão que dava era que suas roupas estavam sempre molhadas. A noite que você se banhou no riacho. A travessia do rio. Cada transpiração que fazia sua camisa colar ao corpo. E eu via... Linc roçou-lhe os mamilos com os polegares. Não que eles precisassem de algum encorajamento. As palavras dele já os tinham tornado dolorosamente rijos. — Eles me enfeitiçaram. Tudo o que eu podia pensar era em tocar, beijar. Ele abaixou a cabeça e beijou-lhe um seio através da camisola. A carícia molhada da língua atravessou o tecido, provocando o bico rosado. — Tão belo. — Você disse que eu tinha seios pequenos. — E tem. Mas eu nunca falei que não gostava de seios pequenos. — Linc abaixou a cabeça mais uma vez e continuou com suas carícias provocantes, até que os joelhos de Kerry ameaçassem não suportá-la mais. — Eu quero ver você. — Ela surpreendeu a si mesma dizendo isso. Mas não abaixou o olhar como uma moça tímida e recatada. Encontrou-lhe os olhos com firmeza. — Tire sua camisa. Por favor. O pedido feito de maneira tão formal o divertiu, mas ele não fez comentário quando removeu sua camisa e deixou-a cair no chão ao seu lado. Ficou totalmente imóvel, satisfazendo a curiosidade dela. Kerry sorriu de modo compassivo sobre o arranhão vermelho que a bala tinha deixado. Não pensaria em quão perto ele chegara de ser seriamente ferido ou morto. Pensar sobre isso lhe causava um terrível aperto no coração. Ela reprimiu o pensamento da mente, e, como eles tinham concordado, focou-se no presente. Seu toque foi delicado e exploratório quando ela sentiu lhe a pele pela primeira vez, abrindo as mãos sobre o peito poderoso. Os pelos eram intrigantes, e Kerry 146
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown entrelaçou os dedos ali, seguindo a trilha que começava larga e se afunilava para uma tirinha sedosa no centro do estômago. Ela deslizou as mãos ao longo das costelas dele, e desceu-as até a cintura, então subiu novamente, deixando seus dedos sentirem cada costela, e finalmente descansando-os sobre os músculos sólidos do peito. Seus polegares chegaram perigosamente perto de tocar-lhe os mamilos, antes que se recolhessem. Kerry o fitou com uma pergunta nos olhos. — Toque-me como eu toco você — ele respondeu a pergunta silenciosa, o rosto tenso e a respiração levemente ofegante. Contra a ponta de seus dedos, a sensação dos mamilos eretos de Linc era erótica e excitante. A resposta trêmula dele às suas carícias lhe deu coragem. Ela livrou-se do que restava de sua timidez e fez o que queria fazer há muito tempo. Roçou-lhe a pele com a boca. Quando seus lábios tocaram o mamilo masculino, ambos gemeram de prazer. Kerry lambeu-o, provocou-o, surpresa ao perceber que aquela carícia em particular lhe dava tanto prazer quanto obviamente dava a Linc. Em reflexo, ele impulsionou sua virilidade para frente, esfregando-a ritmicamente contra ela. Quando Linc não podia mais aguentar, afastou-a de si e angulou lhe a cabeça para trás. — Pensei que, esta noite, eu esgotaria todo o desejo que sinto por você, e a tiraria de minha cabeça — murmurou ele. — Agora, não tenho tanta certeza. Você é um narcótico poderoso, Kerry. Ele a beijou de maneira profunda e erótica, até que, com uma impaciência beirando à violência, terminou o beijo. Pegando-lhe a mão, conduziu-a para o outro lado do quarto e para uma poltrona perto da janela. Sentou-se nesta. Ela permaneceu de pé na sua frente. — Tire sua camisola. Kerry engoliu um nó na garganta em trepidação. Ele lhe removera as roupas naquele dia, mas eles estavam num abraço, com Linc cobrindo seu corpo parcialmente. A ideia de despir-se diante dele, estritamente para divertimento de Linc, fazia seu coração descompassar com ansiedade. Mas com alguma outra coisa, também. O único nome que podia dar àquela estranha sensação era excitação. Tinha um desejo profundo de atormentar e fascinar Lincoln 0'Neal. Seus olhos adquiriram uma qualidade misteriosa, de sedução, um conhecimento tão antigo quanto na época de Eva. Kerry virou-se de costas para Linc. Sentiu que ele estava prestes a protestar, mas parou ao vê-la cruzar os braços sobre o peito e mover as mãos para as alças de sua camisola. Alças fininhas sobre os ombros. Foi preciso o menor movimento de seu pulso para baixá-las, deslizando-as para seus cotovelos. Com lentidão compenetrada, Kerry relaxou os braços até que caíssem em suas laterais. Quando isso aconteceu, a camisola escorregou de seu corpo para o chão. Ela podia quase sentir os olhos de Linc queimando em suas costas. Sabia que ele a estava observando com total atenção. Estaria satisfeito? Tinha notado as covinhas na base de sua coluna? Achara-as bonitinhas? Sexies? Fascinantes? Estava hipnotizado pelo formato de seu traseiro? Suas coxas pareciam pesadas ou grumosas? 147
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry deu um passo para fora da piscina de tecido aos seus pés e virou-se lentamente, até que estivesse de frente para ele. Manteve os olhos baixos. Quando reuniu coragem o bastante para fitá-lo, o que viu nos olhos dourados fez seu coração alçar voo. — Solte seus cabelos. Não era isso o que Kerry esperava que ele dissesse, mas a rouquidão na voz de Linc lhe dizia o que ela queria e precisava saber. Ele gostava do que via. Ela puxou sua única trança sobre um ombro, cuja ponta batia em seu seio desnudo. Viu Linc umedecendo os lábios. Kerry tirou o elástico da ponta da trança. Então, desatou as mechas lentamente, com sensualidade, como numa dança erótica. Linc observou cada movimento gracioso dos dedos delgados, como se ela estivesse executando uma tarefa que exigia incrível talento e timing perfeito. Quando a trança inteira estava desfeita, Kerry jogou os cabelos pesados sobre o outro ombro. — Balance sua cabeça. — Kerry moveu a cabeça de um lado para o outro, seus cabelos ondulando-se sobre sua pele numa varredura lenta. — Penteie-os com os dedos. — Ela ergueu as mãos para os cabelos e afastou-os do rosto, entrelaçando os dedos no grande volume, até que eles se infiltrassem por cada mecha, as quais caíram sobre seus ombros e peito, quase tocando as pontas de seus seios. O peito de Linc estava se movimentando freneticamente com a respiração ofegante. Ela sabia que ele estava prestes a explodir, mas, quando ele fez seu movimento, Kerry ainda não estava preparada para aquilo. Ele estendeu as mãos e segurou-lhe a cintura. Com um único movimento flexível, moveu-se para a beira da poltrona e puxou-a para frente, sua boca aberta beijandolhe a barriga nua e fazendo-a dar um grito de surpresa. Linc a beijou fervorosamente, diversas vezes, parando apenas tempo suficiente para mover os lábios de um ponto para outro. Seus braços a rodearam. Suas mãos agarraram-lhe as nádegas, e suas carícias tiraram o fôlego de Kerry com a licença irrestrita que tinham tomado. Ela pôs as mãos nas laterais da cabeça dele, curvando os dedos ao redor de suas orelhas, e observou aquela cabeça bonita se mover de um lado para o outro, queimando-a com beijos ardentes e deliciosos. A respiração de Linc soprou sobre o triângulo feminino de pelos, antes que ela sentisse o movimento dos lábios dele ali. Seus joelhos fraquejaram, e Kerry deu outro gemido que o excitou imensamente. Ele levantou-se e envolveu-a em seu abraço. Murmurou palavras carinhosas temperadas com algumas eróticas, o que a excitou ainda mais. No momento em que Linc deslizou uma mão entre suas coxas, elas se abriram sem hesitação. Parecia certo que ele favorecesse aquela parte de seu corpo com explorações gentis, antes que dedos hábeis a penetrassem. Kerry gritou o nome dele suavemente. — Isso dói? — Ela apenas meneou a cabeça em resposta. — Eu nunca mais irei machucá-la, Kerry. Eu juro. Enquanto a beijava, ele abriu o zíper da calça e removeu-a, de alguma maneira, conseguindo fazer isso sem liberar-lhe a boca de seu beijo tempestuoso. 148
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Kerry o sentiu quente e rígido contra si. De uma forma preguiçosa, que não combinava com a paixão frenética dos dois, ele alisou lhe a parte traseira das coxas e ergueu-as gentilmente sobre as suas. Quando as partes mais íntimas dos corpos deles se tocaram, Kerry reagiu com total abandono, jogando a cabeça para trás até que seus cabelos chegassem quase à cintura, e arqueando-se contra ele, a fim de trazer o sexo viril para o portal do seu. — Ainda não — sussurrou ele. A mão máscula estava lá de novo. E os dedos estavam fazendo magia, descobrindo segredos, achando a chave para o que a tornava mulher. No momento em que ele destrancou o lugar com seu toque maravilhoso, alegria, prazer e amor a percorreram. Kerry enterrou as unhas nos ombros largos. Seus dentes deixaram marcas no peito dele. Linc as recebeu de bom grado. Saboreou cada espasmo de prazer que a percorria. Kerry não teve permissão de relaxar após o clímax. Com fraqueza, inclinou-se contra o corpo poderoso, ofegando baixinho. Linc ergueu-a em seus braços e carregoua para cama, onde carinhosamente depositou-a sobre os travesseiros. Os olhos de Kerry estavam quase muito lânguidos para permanecerem abertos, mas a visão de Linc, nu e orgulhoso, inclinando-se sobre ela, manteve-os bem abertos. — Você é maravilhoso. — Ela mal conseguia falar as palavras, mas ele as leu em seus lábios. — Quem, eu? — Ele a olhou com ceticismo. Então sorriu e estreitou os olhos numa expressão travessa e sexy. Ela sorriu. — Sim, você. E o que fez comigo. Isso foi maravilhoso. — Ah, com isso eu concordo. — Linc estava ajoelhado agora. Acomodou-se de pernas abertas sobre as coxas dela e deslizou as mãos pelo corpo deleitoso. — Eu não fiz papel de tola? Ele tocou-lhe o clitóris úmido entre as coxas. — Foi lindo assistir. Sentir contra meus dedos. Kerry mordeu o lábio inferior para conter os gemidos de desejo querendo escapar de sua garganta. — Eu não acho... — Hmm? — Eu não terminei — disse ela sem fôlego. Linc sorriu. — Ótimo, ótimo. — Mas eu quero... ahh... Linc... — O quê? Diga-me o que você quer. — Ele não estava zombando, estava implorando. Não havia crueldade em suas feições. Seus olhos eram suplicantes. O maxilar estava tenso, o rosto, contorcido com desejo contido por muito tempo. — Mostre-me, Kerry. O que você quer? Ela colocou as mãos no topo das coxas dele. Quando acariciou os ossos salientes dos quadris, ele gemeu alto. Os dedos de Kerry entrelaçaram os pelos escuros, e Linc 149
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown abaixou a cabeça em agonia. E no momento em que ela aninhou o membro viril entre as mãos, ele emitiu um grito. A penetração de Linc foi rápida e profunda. Kerry sentiu novamente o calor se espalhando por todo o seu corpo. Como brasas sendo abanadas, seu interior queimava cada vez mais. Quando ele começou a se mover, ela respondeu, levantando os quadris para encontrar as investidas poderosas. — Não tão rapidamente. Vá com calma. Nós não temos pressa desta vez. Exercendo impressionante disciplina, Linc a saboreou com a apreciação que um cultivador de uvas sentiria com um copo perfeito de vinho raro. Tocou-a em todos os lugares, provou cada pedacinho daquela pele deliciosa. Sua contenção não poderia durar para sempre. E logo, era ele quem estava se apressando, acelerando o ritmo. Kerry atingiu o clímax novamente, e, desta vez, levouo consigo. Eles giraram numa dança feroz, até que tiveram de se exaurir ou morreriam. Jenny esforçou-se para passar para uma posição sentada. — Cage, você ouviu alguma coisa? — Sim — murmurou ele dentro de seu travesseiro. — É melhor eu ir... Ele capturou a bainha de sua camisola. — Fique onde está. — Mas... — O barulho que você ouviu foi Linc entrando no quarto de Kerry. — Oh. — Jenny voltou a se deitar, permanecendo totalmente imóvel. — Ela o convidou para ir ao quarto? — Como eu vou saber? Isso é problema deles. Agora, pode voltar a dormir? — Você acha que ele ainda está zangado com ela? —Jenny — disse Cage em tom de aviso. — Bem, talvez... —Jenny! — O sussurro alto dele calou-a. — Isso é o que você queria, não é? Eles estão juntos. Você tem estrelas românticas nos olhos para os dois desde que eles passaram pela porta desta casa. Agora fique quietinha para que Bebê e eu possamos voltar a dormir. — Bebê não estava dormindo — resmungou Jenny. — Ela estava chutando. — Venha deitar mais perto de mim. — Cage acomodou-a na curva de seu corpo, onde ela aconchegou-se, as costas contra o peito dele. Ele pôs a mão sobre a barriga inchada, e massageou-a gentilmente. — Sabe — comentou Cage, enquanto movia a mão preguiçosamente sobre ela. — Eu quase invejo Linc. — Isso é uma coisa horrível de se dizer para uma esposa gorda e grávida! — Ela cutucou lhe as costelas com o cotovelo, e ele gemeu. — Você não me deixou terminar. Eu quase o invejo. Invejo a diversão da conquista. Mas eu não trocaria o estágio em que estamos agora com o estágio em que eles estão do relacionamento. 150
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Nem eu. — Colocar você na minha casa e na minha cama não foi uma façanha fácil. É claro que vale a pena lutar por tudo o que vale a pena ter. — Eu disse a Kerry praticamente a mesma coisa hoje. Eles estavam confortáveis em seu amor um pelo outro. Mas ainda havia elementos de excitação, como demonstrado momentos depois, quando Cage perguntou: — Bebê dormiu? — Sim, mas mamãe está acordada. — Jenny virou-se de frente para ele. — Beijeme. — Nós não deveríamos, Jenny. É muito perigoso agora. — Nada mais. Apenas um beijo. Beije-me, Cage. E faça com que o beijo valha por tudo.
— Você está dormindo? Kerry deu um suspiro profundo. — Eu acho que estou morta. De maneira travessa, Linc soprou gentilmente um dos seios dela, e, para seu supremo deleite e divertimento, o mamilo arrepiou-se. — Você não está morta. Ela abriu os olhos e o fitou preguiçosamente. Estava deitada sobre as costas. Linc estava deitado de bruços ao seu lado, apoiado sobre os cotovelos e estudando-a. — Eu estou horrível? — A mulher que andou pela floresta sem sequer um batom nos lábios ou uma escovada nos cabelos agora está se preocupando com sua aparência? — Eu estou horrível? — Desalinhada de maneira sexy. — Ele a beijou de leve. — A qual é a melhor aparência que uma mulher pode ter. — Machista. — Além disso, por que você se importaria com sua aparência agora, quando não se importou na floresta? — Eu não estava dormindo com você então. — Não por falta de tentativas da minha parte. E, na verdade, eu dormi com voc ê. Lembra-se daquela noite sob a videira? — Você não era meu amante, então. — Lembra-se da noite sob a videira? — repetiu ele, forçando-a a encará-lo. Kerry assentiu. — Sabia que se um homem pudesse morrer de excitação, aquele teria sido meu leito de morte? — Ela riu e Linc franziu o cenho. — Não tem graça. — Eu sei. Porque eu estava sofrendo, também. — Verdade? — Sim. Ele a olhou no travesseiro ao seu lado. — Você é muito bonita. 151
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Você nunca me disse isso antes. — Não costumo fazer elogios. Kerry tocou-lhe os cabelos, removendo mechas rebeldes da testa dele. — Você não se aproxima muito das pessoas, aproxima-se, Linc? — Não. — Ele viu a expressão magoada nos olhos dela e detestou a si mesmo por colocar aquilo com uma resposta tão dura e abrupta. Tentou suavizá-la agora, pondo uma mão no rosto dela e roçando-lhe os lábios com o polegar. — Eu estou próximo de você esta noite. Estou mais próximo de você do que já estive de qualquer pessoa. Nós estamos íntimos. Não vamos estragar isso nos tornando muito analíticos. Havia tanta coisa que Kerry queria dizer. Seu coração estava transbordando de amor por aquele homem. Um amor que demandava ser vocalizado. Mas ela sabia que falar qualquer coisa mais o afastaria, em vez de aproximá-lo. Então, manteve silêncio. Para suavizar a atmosfera, Kerry ergueu-se e beijou-lhe a testa. Seus cabelos roçaram-lhe o ombro. — Isso é gostoso. — O quê? — Seus cabelos contra minha pele. Inspirada agora para demonstrar seu amor não falado, Kerry começou a beijarlhe os ombros, dando-lhe mordidinhas leves e carinhosas na pele. Linc emitiu um gemido gutural que mostrou sua aprovação. Ela dobrou as pernas sob os quadris e inclinou-se sobre as costas dele, depositando beijinhos por toda a sua extensão. Desceu numa trilha de beijos até a linha da cintura. Seus cabelos seguiam o movimento de sua cabeça, alisando lhe as costas com sensualidade. Kerry deslizou as mãos para o traseiro masculino, e, com um apertão gentil, apreciou sua firmeza. Ele lhe deu um olhar dissimulado por sobre o ombro, e ela riu. — Eu não pude evitar notar. — Linc deu um sorriso presunçoso, mas a expressão relaxou e foi substituída por uma de sublimidade quando os cabelos de Kerry lhe roçaram as nádegas e a parte superior das coxas. — Kerry? — Hmm? — Ela recuou. Ele virou-se. O coração de Kerry parou de bater. Linc repetiu seu nome. Havia um "por favor" não falado por trás do nome. E uma antecipação ofegante que ele não conseguia disfarçar. — Você não precisa fazer isso, se não quiser. Kerry lhe deu um sorriso adorável, então abaixou a cabeça. Ela beijou-lhe ambos os joelhos, e subiu pelas coxas musculosas, trilhando seus cabelos atrás de si. Tirou-lhe o fôlego da próxima vez que ele a beijou. Linc fechou os olhos e sussurrou seu nome enquanto os preliminares de lábios e línguas continuavam. Sem inibição. Com amor. Então, como um refrão, Kerry mergulhou a língua delicadamente no umbigo dele. Seus cabelos giravam ao redor da masculinidade rígida. A visão era linda, erótica e incrivelmente estimulante. Ele a ergueu para cima de seu corpo. Kerry olhou-o, intrigada, mas, agindo por instinto, acomodou-se sobre ele. Linc enterrou os dedos na parte mais carnuda dos 152
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown quadris dela. — Eu... — Oh, Deus, sim — gemeu ele. — Assim mesmo. Kerry começou a girar os quadris num movimento de fricção. Ele cobriu-lhe os seios com as mãos, fazendo os bicos saltarem sob seus dedos, então, ergueu-se para amá-los com sua boca. Fechando os olhos, Kerry deixou que suas próprias sensações a instruíssem sobre o que fazer. Com cada movimento da boca de Linc em seu seio, ela sentia uma contração correspondente no útero. Em seu interior, ele era forte e poderoso, e seu único pensamento era levá-lo ainda a maior profundidade, tornando-o uma parte intrínseca de si mesma. Novamente, aquela pressão maravilhosa começou a se construir e subir a alturas inimagináveis, e Kerry foi impotente para deter a avalanche de emoções que a consumiu. Momentos mais tarde, eles estavam deitados entre lençóis emaranhados e membros desnudos. Linc foi o primeiro a recobrar seus sentidos. Ele poderia ter se afastado. Poderia tê-la deixado. Mas envolveu os braços ao redor de Kerry e seguroua firmemente contra si. — Kerry, Kerry. — Havia elementos variados em seu tom de voz. Desejo. Prazer. Afeição. Todavia, tristeza na maior parte. Mas Kerry, ouvindo apenas as batidas sincronizadas dos corações de ambos, não escutou isso.
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Capítulo Treze Ele precisava de um cigarro. Poderia ter acendido um, mas tinha medo de que o cheiro da fumaça a acordasse. Poderia ter voltado para seu quarto ou se movido para outra parte da casa para fumar, mas não conseguia deixá-la ainda. Poderia ter ficado longe dela, para começo de conversa. Era isso o que deveria ter feito. Teria sido muito mais prudente não ter parado quando Kerry abrira a porta para ele na noite anterior. Deveria ter aceitado o pedido de desculpas dela, o qual na verdade era desnecessário, talvez lhe apertado a mão, talvez lhe dado um beijo amigável de boa noite no rosto, e então ido para seu quarto, trancando-se lá, se necessário. Se tivesse feito isso, não teria de magoá-la. Poderia ter saído da vida de Kerry com a mesma despreocupação que entrara. Bem, não exatamente. A manhã anterior ainda estava listada na coluna de seus pecados. Linc murmurou uma obscenidade. De qualquer ângulo que olhasse para aquilo, a situação era confusa. Ele estava envolvido com Kerry Bishop. Estivera desde que ela o incitara a acompanhá-la para fora da cantina. E estaria até que lhe acenasse um adeus, dizendo algo como: "Cuide-se", e cavalgando para longe até desaparecer no pôr do sol. Isso funcionava nos filmes. Adeuses acre-doces e comoventes davam ótimos roteiros. Na vida real, eles eram horríveis. Ele colocou a testa contra o parapeito frio da janela e pressionou-a com força, como se tentando passar a cabeça através da madeira. Dizer adeus era apenas metade do problema. Mesmo depois que se despedisse, levaria muito tempo antes que conseguisse esquecê-la. Era melhor admitir isso. Ela roubara seu coração, com certeza. Kerry era tudo no que ele podia pensar. No sorriso dela. Na voz. Nos olhos. Nos cabelos. No corpo. Novamente, Linc praguejou, sentindo o volume inchado sob seu jeans. Seu corpo estava respondendo às lembranças da noite anterior. Não sabia como era possível estar excitado de novo, mas estava. Eles tinham sido insaciáveis durante a noite. Haviam se amado de modo ardente, divertido e carinhoso, mas sempre, sempre, continuavam querendo mais. Ele já conhecera uma mulher tão responsiva? Em qualquer país? Em qualquer continente? De qualquer idade? O ato de amor deles fora além de gratificação sexual. Kerry abrira alguma coisa escondida profundamente em seu interior. Era esse elemento no ato de amor de ambos que Linc achava tão perturbador. Tendo resistido à tentação pelo máximo de tempo que foi capaz, Linc virou a cabeça e olhou para Kerry dormindo. Não pôde conter o sorriso que suavizou sua boca séria e aliviou seu rosto de seu cinismo usual. 154
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Uma perna bem formada estava deitada para fora do lençol leve, o qual fora a única coberta deles durante a noite inteira. Ele a embaraçara causando-lhe uma marca leve no interior da coxa com um beijo voraz. — Quem mais vai ver isso? Rindo, Kerry atirara os braços ao redor do seu pescoço. — Está com ciúme? Linc ficara surpreso ao perceber que estava. Ele a iniciara, por Deus. Introduzira-a ao prazer que o corpo era capaz de experimentar. Ele, Lincoln 0'Neal, ensinara-lhe como dar prazer. O pensamento de outro homem apreciando aquela mulher sensual, afetuosa e maravilhosa, que ele tinha descoberto, o preenchia com fúria. Agora, podia ver aquela leve marquinha na coxa dela, e lembrou-se de como tinha sido delicioso para ambos quando sua boca tocara ali. Seu olhar a percorreu. Não havia um único centímetro do corpo de Kerry que não trouxesse uma memória erótica para sua mente. Desde o arco elegante do pé até a borda da orelha, ele acariciara, beijara, lambera, saboreara. Todavia, apesar de toda a sensualidade que Kerry expressara na noite anterior, parecia inocente como uma criança agora, com os cabelos escuros soltos e embaraçados sobre a fronha branca, e os lábios ainda vermelhos pelos seus beijos, levemente entreabertos. Os cílios eram longos e escuros, o rosto doce e suave. Um dos seios estava saindo para fora do lençol, movimentando-se com cada respiração. O bico era lindamente rosado. Ele sabia quais eram sua textura e gosto. Quantas vezes durante a noite sua boca havia retornado para aqueles seios, dando e recebendo prazer? Com um gemido audível, ele virou-se para olhar pela janela novamente. Naquele instante, a paisagem estava sendo banhada com o brilho do sol nascendo. Onde apenas poucos minutos atrás tudo era cinza, agora cores se tornavam distinguíveis. O céu, antes de um tom acinzentado, agora estava vividamente pintado com listras vermelhas e douradas do sol. O amanhecer era uma linda visão, mas não fazia nada para melhorar o mau-humor de Linc. Ele precisava ir embora hoje. Continuar lá por mais tempo seria estupidez. Quanto mais adiasse sua partida, pior seria. Porque, encare isso, você não pode ficar debaixo do mesmo teto de Kerry sem querê-la em sua cama. O que estava acontecendo entre eles, fosse o que fosse, não podia continuar. Mais cedo ou mais tarde, ambos teriam de seguir com suas vidas. Seu bom-senso lhe dizia que mais cedo era melhor. Missão cumprida. Fim da história. Hora de partir. Eles tinham feito o que era necessário fazer. Kerry tirara os órfãos de Monterico com segurança. Todas as crianças estavam colocadas em famílias, exceto Lisa, mas isso não era causa de alarme. Encontrar pais para a garotinha não seria difícil. Linc decidira aceitar a oferta que uma revista internacional lhe fizera pelas fotografias que documentavam a fuga deles. O preço que ele exigira o sustentaria 155
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown financeiramente até o próximo golpe militar, ou queda de avião, ou erupção vulcânica, ou qualquer outro motivo que causasse danos e alvoroço, cujas fotos as pessoas iriam querer ver. Estranho, mas ele não estava sentindo sua inquietação usual. Costumava ter um desejo de viajar que nunca podia ser acalmado. Num piscar de olhos, estava sempre pronto para guardar suas câmeras nas sacolas e pegar o próximo avião. Por que estava se demorando dessa vez? Essa é uma pergunta fácil, seu tolo. Dê uma olhada atrás de você. Tudo bem, então o motivo era Kerry. Linc não estava muito ansioso para deixá-la. Mas que outra escolha possuía? O que poderia oferecer a ela? Um apartamento bagunçado e empoeirado em Manhattan, onde ele pegava sua correspondência uma vez por mês, ou coisa assim? O banheiro servia de quarto escuro para revelação de fotos. Ele guardava seus produtos químicos na sala de estar. Não possuía um carro. Uma secretária eletrônica atendia seus telefonemas. Fazia todas as refeições fora, exceto café da manhã, que geralmente não tomava. Os únicos eletrodomésticos em sua cozinha eram uma geladeira vazia, a qual ele somente usava para fazer gelo, e uma cafeteira. Todavia, mesmo se tivesse uma cobertura totalmente equipada na Park Avenue, não poderia pedir que uma mulher como Kerry Bishop compartilhasse sua vida com ele. Linc vinha das ruas. Um rufião de 35 anos. Não tinha educação formal. Não era apenas embrutecido ao redor das extremidades, não era só uma pedra preciosa não lapidada, mas sua essência era bruta. Comparada a ele, Kerry tinha vivido cercada de luxos. Provavelmente sabia falar mais idiomas do que Linc poderia nomear. Era uma mulher refinada, educada, e um membro da elite social. E, Kerry acreditasse ou não, ninguém usaria a corrupção do seu pai contra ela. Pelo contrário, ela era provavelmente admirada por muitos como uma heroína trágica. Ela também era a melhor coisa que já acontecera a Linc 0'Neal, e ele simplesmente não podia lidar com isso. Dando um suspiro lento e silencioso, atravessou o quarto e olhou para ela. Se as coisas fossem diferentes... Mas não eram, e não fazia sentido lamentar o que não tinha condições de ser. A vida certamente seria triste sem Kerry. Ela era como uma fa ísca, sempre pronta para pegar fogo, enviando luz e calor para seu mundo frio e sombrio. Linc apoiou o braço na parede atrás da cama e inclinou-se sobre a cabeceira. Estava tentado a beijá-la uma última vez, mas temia que isso a acordasse. Então, tocou-lhe os lábios de leve com o polegar. Deus, ela era tão linda. Tão excitante. Linc sentiu uma dor interior profunda com o pensamento de nunca mais vê-la depois de hoje. Ele nunca dissera as palavras para ninguém. Possivelmente as falara para sua mãe, mas era tão pequeno quando ela morrera que não se recordava. Sabia que jamais as dissera para o homem frio e insensível que tinha sido seu pai. Sussurrou-as para Kerry agora. — Eu amo você. 156
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Segundos depois, os olhos cor de violeta piscaram. Ele teve medo de que sua confissão a tivesse acordado, mas ela despertou muito lentamente para que esse fosse o caso. Espreguiçou-se de maneira sinuosa, erguendo os braços acima da cabeça e alongando os pés o máximo que conseguia. O movimento tirou o lençol dos lindos seios, e deixou-os vulneráveis para o olhar de Linc. O maxilar dele estava rígido de tensão, enquanto ele se impedia de inclinar-se, tomar um daqueles mamilos rosados na boca, e provocá-lo com a língua até despertá-lo totalmente. Custou-lhe tremendo esforço, mas manteve as feições remotas. No momento em que Kerry abriu os olhos, teve uma visão irrestrita da axila de Linc. Sem poder resistir, estendeu o braço e lhe fez cócegas ali. Ele abaixou o braço e virou-se. — É cedo — disse ele de costas. — Você não precisa levantar. — Eu quero me levantar, se você já está de pé. Ou posso tentá-lo a voltar para cama? Ele vestiu a camisa, então se virou, para fitá-la. Os olhos azul-escuros estavam ardentes com um convite. O lençol cobria o colo de Kerry, mas ela estava sentada ereta, com os seios nus. Os cabelos cascateavam sobre os ombros. Os mamilos estavam altos e salientes. Ela parecia uma sacerdotisa de algum culto pagão. Linc não precisava ser tentado. Já a queria tanto que mal conseguia subir o zíper de sua calça. — Não. Eu preciso de um cigarro. — Você pode fumar aqui. Ele meneou a cabeça. Ouviu a apreensão surgindo na voz de Kerry e evitou olhála. — Eu preciso de café, também. Você acha que Cage e Jenny se importariam se eu fizesse um pouco? — Tenho certeza de que não. Linc podia ver no espelho sobre a cômoda que os olhos dela estavam seguindo cada movimento seu. A expressão de Kerry revelava ansiedade. Ela, sem dúvida, tinha esperado afeição e carinho naquela manhã. Ele nem sequer lhe dera um beijinho de bom-dia. Não podia confiar em si mesmo para fazer isso. Se a tocasse de qualquer maneira novamente, não seria capaz de libertá-la. — Vejo você lá embaixo. — Censurando-se silenciosamente, ele se dirigiu para a porta. — Linc? — Ela usara o lençol para se cobrir. Aquilo pesou na consciência dele mais do que qualquer coisa. Não mais uma linda mulher, desinibida na frente de seu amante, ela estava agora encabulada diante da própria nudez. O sorriso de Kerry não tinha convicção, mas ela fez uma tentativa valente para sorrir. — Qual é a sua pressa? — Eu tenho muitas coisas para fazer hoje. Assim que eu fotografar os órfãos encontrando suas famílias, irei embora daqui. — Linc não podia suportar a expressão devastada dela, então, virou-se e pegou a maçaneta. — Vejo você lá embaixo. Depois de sair e fechar a porta, Linc pausou no corredor. Tinha ficado surpreso pela expressão de agonia no rosto de Kerry. Cerrou os dentes para conter um grito de 157
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown angústia. Então, praguejando expansivamente contra as ciladas que o destino armava para as pessoas, desceu a escada. Kerry deixou a água do banho bater em seu corpo com força punitiva. Não tinha sido um sonho. Seu corpo carregava as marcas para provar isso. Mesmo sem evidências físicas, cada memória preciosa estava gravada em seu cérebro. Linc havia sido seu amante na noite anterior. Mais do que isso, ele a amara. Nesta manhã, ele fora um estranho frio e distante, tão hostil quanto tinha sido ao descobrir que ela o sequestrara. Só que dessa vez era pior. Em Monterico, ele estivera zangado. Nesta manhã, a atitude era de indiferença. Ela preferiria uma emoção negativa a nenhuma emoção. Enquanto descia a escada, depois de se vestir, seu otimismo invencível encorajoua a acreditar que o humor distante de Linc naquela manhã devia-se à sua necessidade de nicotina e cafeína, e que depois que ele tivesse sua porção matinal de ambas, estaria beijando-a e abraçando-a com a mesma paixão desenfreada que demonstrara na noite anterior. Talvez Linc simplesmente não fosse uma pessoa da manhã. Kerry se recusava a considerar a alternativa terrível: que era uma "mulher fácil", e que, uma vez que ele satisfizera sua curiosidade e a tivera durante uma noite inteira, estava pronto para seguir em frente. Mas, no momento em que entrou na cozinha, viu que a última hipótese era verdadeira. Linc a olhou com total indiferença. Não havia o menor brilho de sentimento pessoal naqueles olhos castanho-dourados implacáveis. Ele a reconheceu com um gesto frio de cabeça, então continuou bebendo seu café. — Bom-dia, Kerry — disse Jenny alegremente enquanto punha uma colher com cereais na boca gulosa de Trent. — Cage, você pode, por favor, servir um suco para Kerry? — Apenas café, por favor. — O que você gostaria de comer? — Jenny moveu o copo de vidro de Trent para longe da beirada da bandeja do cadeirão, e habilmente limpou o leite da boquinha dele, ao mesmo tempo. — Nada — obrigada. — Kerry murmurou dentro da xícara de café que Cage lhe entregou. Ela manteve a cabeça baixa. O que tinha esperado? Declarações de amor durante o café da manhã? Linc somente prometera lhe dar prazer. E tinha cumprido essa promessa. — Você está bonita esta manhã — murmurou Jenny. — Eu ia justamente comentar isso — disse Cage. — Vestido novo? — Sim, e obrigada. — Kerry estava usando um vestido de linho de duas peças em verde-limão. — Depois de camisas verdes para camuflagem na floresta, qualquer coisa pareceria bonita. — Ela tentou injetar algum ânimo na voz, mas não obteve muito sucesso. — Alguém teve notícias das crianças esta manhã? Elas estão prontas? — Eu fui vê-las poucos minutos atrás — replicou Cage. — Elas estão extremamente ansiosas, mas fazendo as malas. — Alguma novidade para Lisa? — Não até agora, lamento — respondeu Jenny. 158
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Linc afastou sua cadeira para trás e se levantou. Ele não tinha falado uma palavra desde que Kerry entrara na cozinha. Nem comido. — Eu prometi para Joe que eu o carregaria para o andar de baixo. E melhor eu ir ver se ele precisa de ajuda para se vestir. — Ele saiu da cozinha. — Vá lavar as mãos, Trent. — Jenny ergueu o filho do cadeirão, um movimento que ganhou uma repreensão de Cage. — Kerry, há muito café. Cage, você pode, por favor, me ajudar com a máquina de lavar um minuto? Assim que eles entraram na área de serviço anexa à cozinha, Jenny virou-se para o marido e perguntou: — Você tem certeza de que ouviu Linc entrar no quarto de Kerry? — Sim. — Quando ele saiu? — Quem é você, a mãe do dormitório? — Ele passou a noite lá? — sussurrou ela. — Eu acho que sim, mas isso não é da nossa conta. — Qual é o problema com eles? — Todo mundo tem uma noite de fracasso sexual de vez em quando. Ela lhe lançou um olhar de preocupação. — Você nunca teve. Sorrindo de maneira complacente, ele inclinou-se e beijou o pescoço dela. — Isso é verdade. — Então, a boca de Jenny ganhou seu primeiro beijo honesto do dia. Ela afastou-se. — Você torna impossível que eu permaneça decente. Moças grávidas como eu não deveriam se sentir sexies. — Então você tem sorte. — Cage estendeu o braço para alcançá-la novamente. — Cage, pare com isso. Eu sei o que você está fazendo. Só está tentando me distrair do assunto de Linc e Kerry. — Certo, eu estou. — Nós temos de fazer alguma coisa. — Não, não temos. — Mas o quê? — acrescentou Jenny, ignorando a resposta dele. —Jenny. — Cage pressionou-lhe os ombros entre as mãos, forçando-a a prestar atenção. — Eu sei que pareço um disco quebrado, mas repetirei mais uma vez. Isso não é problema nosso. — Eles se amam. Eu sei! Posso sentir isso! Ela ficava tão engraçadinha quando estava irritada. Ele sorriu para sua esposa e arqueou as sobrancelhas de forma sugestiva. — Você quer sentir alguma coisa? Eu lhe darei alguma coisa para sentir. — Oh, você é impossível! — Por isso você me ama. Agora, a menos que queira arcar com as consequências de se trancar na área de serviço com um homem muito travesso, eu sugiro que você cuide de seus afazeres. Este será um dia cheio. 159
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Estava quase anoitecendo antes que os Hendren e Kerry e Linc se sentassem ao ar livre nos móveis da varanda, e dessem suspiros exaustos. O dia tinha sido mais agitado do que Cage previra. Um churrasco fora enviado por um restaurante local para suavizar o desconforto inicial dos órfãos encontrando seus pais adotivos. Os casais que haviam adotado as crianças eram tudo o que Kerry esperara. Ela despediu-se das crianças com lágrimas nos olhos, confiante de que cada uma delas iria crescer num lar repleto de amor. Ela se recusara a aceitar quaisquer elogios, e esquivara-se da mídia. Repórteres, que tinham finalmente conseguido acesso à fazenda, insistiram em entrevistas, mas Kerry falou o mínimo possível. E, enquanto lhes falava, focou a atenção deles nas crianças que tanto haviam enriquecido sua vida no último ano, aceitando pouco crédito para si mesma. Roxie e Gary Fleming foram embora para sua casa com suas novas filhas. O reverendo e Sarah Hendren tinham partido com Joe poucos minutos atrás. A despedida entre Joe e Linc fora quase dolorosa demais para assistir. O garoto lutara para não chorar. Havia tensão ao redor da boca de Linc, também, enquanto homem e adolescente solenemente apertavam mãos, trocando promessas de manter contato. Agora Trent e Lisa estavam brincando juntos no gramado. Lisa não dava nenhuma indicação de que se sentisse rejeitada. Na verdade, ela nem sequer questionara ter sido deixada para trás. — Sobrou carne na cozinha. — Jenny gesticulou uma mão em direção a casa. — Se quiserem jantar, é só se servirem. — Não, obrigado — replicou Cage, falando por todos. — Mas eu tomaria uma cerveja. Linc? — Eu realmente preciso ir para o aeroporto. Ele estava pronto para ir embora. As roupas que comprara em La Bota estavam guardadas numa nova sacola de lona, e sua câmera nova e lentes adicionais estavam estocadas em suas sacolas protetoras próprias. Encontravam-se sobre os degraus da varanda, prontas para serem colocadas no carro e seguirem para o aeroporto. Havia um avião para Dallas saindo mais tarde naquela noite; que faria um voo de conexão para Nova York. Kerry descobrira sobre os planos de viagem de Linc através de Jenny. Seu coração estava partido, mas ela recusava-se a demonstrar isso. Tinha assumido o mesmo ar desprendido com o qual começara o dia. Embora sua imagem estivesse impressa no filme das câmeras de Linc, ela podia ter sido uma estranha para ele. Em algumas semanas, ele provavelmente nem se lembraria dela. Seu nome seria apenas mais um dos muitos nomes na lista internacional de conquistas sexuais de Lincoln 0'Neal. Esta noite, quando tudo estivesse acabado, esta noite, quando ela estivesse sozinha na cama onde eles tinham compartilhado tanto esplendor, Kerry choraria no lenço que Linc lhe dera. Até lá, se comportaria do mesmo modo casual que ele. Como 160
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown ele lhe apontara sob a algarobeira, ela era boa em representar papéis. — Certamente, você tem tempo para uma cerveja — insistiu Cage. — Tudo bem — concordou Linc. — Uma cerveja. — Eu vou buscar. — Jenny apoiou-se nos braços de sua cadeira para se levantar. — Eu preciso entrar para ir ao banheiro, de qualquer forma. Ela deu apenas alguns passos em direção à porta da frente antes que abraçasse sua barriga e exclamasse com ênfase: — Oh, meu Deus! Cage saltou de sua cadeira. — O que foi? Outra daquelas câimbras? — Não. — Indigestão? Eu lhe disse para não comer muitos espetinhos. Eles têm pimenta o bastante para... — Não, não é indigestão. —Jenny sorriu radiantemente. — É o bebê. — O bebê? — Cage repetiu de maneira tola. — O bebê. Vai nascer. — Oh, Cristo. Oh, Deus. — Cage segurou-lhe o braço. — Como você sabe? Está com dor? Quando... — Subitamente, ele ergueu o queixo e estudou lhe o rosto de perto. Até mesmo virou-a para a luz da varanda, a fim de vêla melhor. Seus olhos se estreitaram com desconfiança. — Você tem certeza? Jenny caiu na gargalhada, percebendo que ele achava que ela estava fingindo um alarme falso para impedir a partida de Linc. — Sim, eu tenho certeza. — Mas faltam três semanas para o prazo. — De acordo com o calendário, talvez. Mas Bebê parece pensar diferente. Agora, a menos que você queira que eu derrube sua filha de cabeça para baixo aqui na varanda, acho melhor subir e pegar minha mala. Está no... — Eu sei onde está. Oh, céus, é realmente o bebê. Jenny, pode se sentar, por favor! — exclamou Cage quando ela deu um passo em direção à porta. — Devo ligar para o hospital? Para o médico? De quanto em quanto tempo estão as contrações? O que eu posso fazer? — Primeiro, você pode se acalmar. Depois, vá buscar a mala, como eu lhe pedi. Tenho certeza de que Kerry ligará para o médico. O número dele está postado no painel de cortiça perto do telefone, na cozinha — ela falou para Kerry calmamente. — Linc, você poderia, por favor, dar uma olhada em Trent? Acho que Lisa acabou de pôr um besouro na boca dele. Jenny retornou para sua cadeira na varanda, e observou com divertimento enquanto todos corriam ao redor como galinhas sem cabeça, colidindo uns com os outros enquanto se apressavam para fazer suas tarefas. Cage esqueceu seus bons modos e voltou a usar a linguagem que tinha aprendido com as pessoas rudes dos campos petrolíferos. Trent estava apreciando tanto o besouro crocante, que deu um grito quando Linc, que parecia um pouco pálido e movia161
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown se como se de repente suas mãos e pés estivessem desproporcionalmente grandes, tirou-o da boca dele. Dos três, Kerry mantinha a melhor compostura. Foi sua mão que Jenny agarrou antes que a cadeira de rodas a levasse para a sala de parto assim que eles chegaram em massa ao hospital. — Tudo vai dar certo. Eu sei disso. — Ela deu um sorriso significativo para Kerry quando eles levaram a cadeira para longe. Uma vez que Cage iria assistir ao parto, e sua participação foi requerida na sala de parto, Kerry e Linc ficaram com a tarefa de cuidar de Trent e Lisa, e de notificar os pais de Cage e os Fleming. No hospital, eles foram informados de que não havia mais nada que pudessem fazer, e que poderiam ter ficado em casa até que fossem chamados novamente. Cage ia à sala de espera dar-lhes relatórios periódicos, os quais não continham muitas informações, exceto que o bebê não tinha nascido ainda. — Como está Jenny? — Kerry perguntou para ele. — Está linda — respondeu ele de maneira entusiasmada. — Deus, ela está muito linda. Quando ele saiu, Kerry e Linc estavam sorrindo sobre o amor aparente do homem pela sua esposa. Mas, quando eles se entreolharam, seus sorrisos desapareceram. Sabendo que seu amor irrestrito por ele devia ser transparente, Kerry virou-se para olhar as duas crianças pequenas. O suprimento de livrinhos de figuras e histórias da Bíblia na sala de espera do hospital fora exaurido. Finalmente, Trent e Lisa haviam adormecido no sofá. Kerry e Linc tinham, em momentos diferentes, oferecido levar as crianças para casa, mas Cage insistiu que elas ficassem. —Jenny quer que Trent esteja aqui quando o bebê nascer — disse ele. — Assim, ele sentirá que faz parte disso tudo. — Engraçado como eles conseguem dormir no meio de toda essa confusão no hospital — comentou Kerry agora, enquanto acariciava os cabelinhos escuros de Lisa. — Sim. — A cadeira de Linc estava apenas a poucos centímetros do canto do sofá onde ela estava sentada, mas podia também estar a quilômetros de distância. — Algum candidato para adotar Lisa? Kerry meneou a cabeça. — A fundação está trabalhando nisso. — Espero que o departamento de imigração não comece a pressioná-los. Kerry esfregou ambos os braços como se tivesse gelado de súbito. — Certamente eles não enviariam uma criança de volta para lá. — Ela olhou para Lisa dormindo, então para ele. — Antes que você vá embora, eu quero lhe agradecer mais uma vez por tudo o que fez para nos tirar de Monterico. Ele deu de ombros, irritadamente. — Não, por favor, deixe-me agradecê-lo. Nós não teríamos conseguido sem você. E antes que eu esqueça — Kerry alcançou sua bolsa e pegou o cheque que preenchera e assinara mais cedo no dia. Estendeu para ele. Os olhos de Linc baixaram do rosto dela para o cheque. Com um movimento 162
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown súbito, ele a fitou e puxou-lhe o cheque da mão. Leu, notou que a folha era da conta pessoal de Kerry, e que ela possuía uma linda assinatura, então, rasgou-o no meio com raiva. — Por que você fez isso? — Ela esperara que, pagando seu débito, experimentaria uma sensação de fim. Enquanto sentisse que tinha alguma obrigação em relação a Linc, ele ainda seria parte de sua vida. — Esse é dinheiro limpo. Eu jamais teria tocado no dinheiro de meu pai. Minha mãe me deixou uma herança. — Eu não me importo de onde o dinheiro veio. — Então, por que você rasgou o cheque? — Nós estamos acertados, tudo bem? — disse ele friamente. Os lábios de Kerry se entreabriram enquanto ela sentia o impacto de outro golpe doloroso no coração. — Oh, entendo. Você já foi pago pelos seus serviços. — Ela deu um suspiro trêmulo. — Diga-me, Linc, ontem à noite valeu cinquenta mil dólares? Furioso, ele se levantou. — Nós temos uma menina! A súbita aparição de Cage os assustou. Eles se viraram. Ele estava sorrindo de orelha a orelha. — Três quilos e meio. Ela é linda. Perfeita. Jenny está bem. Sem complicações. Vocês podem ver o bebê assim que eles a pesarem, fizerem o teste do pezinho, e todas essas coisas. — Após receber sinceras congratulações, Cage abaixou-se e sussurrou para seu filho: — Ei, Trent, você tem uma nova irmãzinha. Apesar dos protestos de Kerry, Cage insistiu que ela entrasse para ver mãe e criança, primeiro. No fim do corredor, uma enfermeira a conduziu para dentro da ala pós-natal. Jenny era a única mãe nova lá. Sua filha, enrolada num cobertor cor-de-rosa e usando um gorro, estava aninhada em seus braços. — Eu tinha quase esquecido como é maravilhoso segurá-los pela primeira vez — disse ela serenamente, olhando para o rostinho enrugado e vermelho que achava lindo. Kerry ficou tocada pela expressão pacífica no rosto de sua amiga. A conversa de Jenny resumiu-se em algumas palavras que incluíam o nome de Cage, o de Trent e o de Aimee, o nome que dera à sua filha. Kerry saiu do quarto, sabendo que tinha visto amor em sua forma mais pura. Os Hendren eram pessoas que amavam muito. Irradiavam amor. Kerry celebrou a felicidade deles, mas também a invejou. O contentamento de Jenny com o marido e filhos somente acentuava o vazio de sua própria vida. Ela havia perdido a mãe prematuramente. Seu pai morrera em desgraça. Kerry, esperando retificar alguns dos erros que ele cometera, tinha assumido a responsabilidade de uma nação inteira. Oh, obtivera sucesso em sua missão, mas o que precisara fazer pessoalmente para isso? De certa forma, havia sido tão manipuladora quanto seu pai. Não recorrera à corrupção, mas agira de maneira tão fraudulenta quanto ele. Pessoas comentavam sobre o tremendo sacrifício que ela fizera. Mas, no fundo, Kerry sabia que não fizera 163
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown tal sacrifício. O que fizera tinha sido para si mesma, não para os órfãos de Monterico. Ela os usara como um agente purificador para limpar a mancha na reputação de sua família. Colocara nove crianças em risco, pondo suas vidas em perigo, de modo que pudesse se sentir absolvida e livre de culpa. Era seu jeito de dizer: "Olhem para mim. Eu posso ter o nome do meu pai, mas não sou como ele." E para quem estivera tentando provar isso? Para um mundo que não se importava o mínimo? Ou para si mesma? Ela voltou para a sala de espera. Cage estava segurando o filho dormindo em seu colo, enquanto, em espanhol, descrevia o novo bebê para Lisa. A garotinha estava sentada na curva do braço de Linc. Uma das pequenas mãos descansava na coxa dele, num gesto inconsciente de confiança e afeição. Foi então que Kerry soube o que iria fazer.
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Capítulo Catorze — Eu não esperava por isso, você esperava? — A pergunta de Cage foi retórica. O passageiro em seu Lincoln clássico não lhe respondeu, mas continuou olhando para a frente. — Quando Kerry anunciou que queria adotar Lisa, meu queixo quase caiu. Cage olhou para Linc no banco ao lado, que estava muito calado desde que eles tinham saído para o aeroporto. As feições dele estavam tensas e sombrias. Cage, como de costume, estava dirigindo com velocidade, de modo que o cenário não passava de um borrão além das janelas. A paisagem não estava mantendo Linc hipnotizado e silencioso. Não, o silêncio dele era produto de alguma outra coisa. Cage tinha uma boa ideia do que era. Amigavelmente, continuou: — O que você acha que fez Kerry subitamente decidir que queria criar uma filha sozinha? — Como eu poderia saber? — A pergunta foi feita em tom de voz explosivo e furioso. — Por que aquela mulher faz qualquer coisa? Ela é lunática. Cage riu. — Sim, isso passou pela minha cabeça também. — Ele fitou Linc pelo canto de olho. — Mas isso faz dela uma mulher interessante, não faz? Essa imprevisibilidade. Linc bufou, o som revelando que discordava daquilo, então cruzou os braços sobre o peito e afundou-se mais no seu assento. — Imprevisibilidade é outra palavra para irracionalidade. Estou lhe dizendo que ela é louca. Representando uma prostituta. Representando uma freira. Que tipo de pessoa racional sai por aí pregando peças como essas? Kerry age primeiro, pensa depois. — Ele virou-se para Cage e apontou um dedo indicador para ele. — Algum dia, a impulsividade dela irá colocá-la numa grande encrenca. Cage, escondendo seu sorriso, pensou que Kerry já estava numa grande encrenca. Linc 0'Neal era "encrenca". Cage gostava mais dele por isso. Ele tinha sido encrenca também, e sempre apreciara sua reputação de ser o "bad boy" da cidade. Aquela havia sido uma noite difícil, o que era evidente nos rostos de ambos. Nenhum dos dois se barbeara. Seus olhos estavam levemente vermelhos, e ainda usavam as mesmas roupas do dia anterior. Mas não houvera tempo naquela manhã para que eles voltassem para casa antes de ir ao aeroporto com tempo de Linc pegar o voo que pretendera. Linc insistira que tomaria aquele determinado avião e não se demoraria mais. Também tinha insistido em pedir uma carona para o aeroporto ou chamar o único táxi da cidade, de modo que Cage pudesse ficar no hospital com Jenny. Mas Cage fora igualmente teimoso sobre levá-lo. Jenny e o novo bebê estavam inacessíveis durante as rondas do médico, de qualquer forma. Depois de deixar Kerry na casa com Trent e Lisa, ele e Linc haviam saído para o aeroporto. A despedida entre Linc e Kerry tinha sido breve e educada, com ambos mal se 165
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown olhando. Cage não tivera coragem de contar para Jenny que Linc estava partindo. Ela ficaria desconsolada quando descobrisse que suas tentativas como casamenteira, pelo que tudo indicava, haviam fracassado. Pessoalmente, Cage acreditava que tanto Kerry quanto Linc precisavam de uma sacudida para acordar e ver o que realmente estava acontecendo entre os dois, mas ele não podia repreender Jenny, e então ele próprio se meter naquele assunto. Entretanto, não machucaria cutucar um pouquinho o sr. 0'Neal. — Imagino que Kerry terá um grande problema nas mãos. E logo. Linc tentou fingir indiferença, mas não teve sucesso. — O que você quer dizer? — Primeiro, com a coisa da adoção. Ela é uma mulher solteira. O pessoal da imigração especificou que os órfãos somente poderiam ser colocados com famílias estabelecidas, de modo que não impusessem um fardo adicional nos americanos pagadores de impostos. Não tenho certeza se eles irão considerar uma mulher solteira como uma "família estabelecida". — Hoje em dia não é tão incomum adoção para pais solteiros. — Não, mas geralmente leva mais tempo. E, como você sabe, existe um limite de tempo para essas adoções. — Eles não mandariam uma criança órfã de quatro anos de volta para Monterico — disse Linc. — Provavelmente não. — De propósito, Cage deu um sorriso brilhante e falsamente otimista. — E se eles mandarem, sabendo como Kerry é teimosa, talvez ela voltasse com Lisa antes que desistisse da menina. — Voltar para Monterico? Ela teria de estar maluca! — Eu não duvido nada. Uma vez que a mente daquela mulher está decidida, não há nada que a faça mudar de ideia. Kerry pode parecer frágil como uma borboleta, mas é teimosa como uma mula. Acredite, Jenny e eu descobrimos isso. Linc acendeu um cigarro com mãos que tremiam. Fazia os movimentos mecanicamente, e, se a expressão carrancuda fosse alguma indicação, ele não extraía nenhum prazer do tabaco. — Nesse aspecto — continuou Cage — ela é muito parecida com Jenny. —Jenny não me parece uma pessoa teimosa — observou Linc distraidamente. Cage riu. — As aparências podem ser enganosas. Eu não achei que algum dia fosse convencê-la a se casar comigo. Lá estava ela, grávida e vivendo sozinha. Eu supliquei que Jenny se casasse comigo, e ela teimosamente recusou-se. Linc o olhou em perplexidade. —Jenny estava grávida de Trent antes que vocês se casassem? — Ele é meu filho — disse Cage com irritação. Linc ergueu ambas as mãos. — Ei, eu não estava sugerindo o contrário. Isso apenas parece, não sei... parece não combinar com Jenny. — Não combinava. A culpa foi toda minha. Algum dia, quando nós tivermos mais 166
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown tempo, talvez eu lhe conte a história sórdida inteira. Linc recostou-se e voltou ao seu humor pensativo. — Tudo deu certo no final. Isso é o que importa. — Sim, mas foram momentos difíceis por um tempo. — Embora o velocímetro registrasse 140 quilômetros por hora, Cage segurou o volante com a mão esquerda, e pôs o braço direito ao longo do topo do assento. — Eu estive com diversas mulheres por quase vinte anos antes de dormir com Jenny. Sempre tomei precauções extras. Sabe como é. Tenho certeza de que você não vai a lugar algum sem um pacotinho de preservativo no bolso. — Cage deu um sorriso malicioso. Linc sorriu de volta. — Nunca houve um acidente desafortunado. — Cage sorriu de novo. — Eu tive muita sorte. A única vez que não usei proteção foi com a mulher que eu sempre quis. Naquela primeira vez com Jenny, contracepção era a coisa mais distante na minha mente. — Ele deu de ombros. — Quem sabe? Talvez eu tivesse um desejo subconsciente de dar a ela o meu bebê, de modo que Jenny teria de me aceitar na barganha. Linc estava fitando o para-brisa novamente, contudo, não estava mais se sentindo deprimido. Sua postura era rígida, como se ele antecipasse ser ejetado do assento a qualquer momento. Esfregou as palmas em suas coxas. Seu maxilar estava rígido, e seus dentes, cerrados. — Vire o carro — disse ele abruptamente. — Huh? — Pare e vire o carro. Nós vamos voltar. — Mas seu avião sai em... — Eu não ligo a mínima para o avião! — exclamou Linc. — Leve-me de volta para a fazenda. Cascalho espalhou para todo lado quando Cage direcionou o grande e longo Lincoln para o acostamento. Ele fez um retorno perfeito e pisou fundo no acelerador. Acenou para um carro de patrulha pelo qual eles passaram na estrada. O oficial apenas acenou de volta. Era quase impossível deter Cage Hendren quando ele estava com pressa. A distância de volta para a fazenda foi coberta em um terço do tempo que tinha levado para chegar ao ponto do retorno. Para Linc, que estava balançando para a frente e para trás em seu assento, enquanto enrijecia cada vez mais o interior de seu queixo, pareceu demorar uma eternidade. Ele nem sequer havia pensado naquilo! Claro, planejara se prevenir quando saíra da cantina com sua "prostituta". Mas seu suprimento fora deixado em algum lugar ao longo do caminho, juntamente com o resto de seu equipamento. Na manhã em que pegara a picape de Cage para ir atrás de Kerry nos campos, estivera tão enraivecido que contracepção não passara por sua cabeça. E, Deus, quantas vezes eles tinham se amado desde então? Quantas vezes naquela única noite de fantasias eróticas se tornando realidade... Devia ter sido pelo 167
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown menos... Ele nem mesmo podia contar o número de vezes. Cage parou o carro ao lado do portão da propriedade. — Se você não se importa, eu acho que vou voltar para o hospital. — Claro. — Linc pegou suas sacolas do banco de trás e desceu, batendo a porta do carro. — Eu provavelmente ficarei lá pelo resto do dia. Fique à vontade. Se você quiser se livrar de Trent, ligue para meus pais, e eles virão buscá-lo. Linc já estava na metade do caminho para a porta da frente. Ele assentiu distraidamente para o que Cage estava dizendo. Rindo, Cage pôs o Lincoln em movimento e voltou para a estrada. No hall de entrada da casa, Linc deixou suas sacolas no chão. A luz do sol estava tão brilhante do lado de fora que levou um momento para que seus olhos se ajustassem à semiescuridão. Impaciente e não disposto a esperar, ele colidiu com diversos móveis enquanto examinava os cômodos do piso inferior da casa. Quando todos se provaram estar vazios, Linc subiu a escada de dois em dois degraus. Abriu a porta do quarto de hóspedes, mas não havia ninguém lá. No momento em que chegou ao quarto de Trent, seu estado já era de desespero. Onde ela estava, pelo amor de Deus? Ele empurrou a porta com tanta força que a bateu contra a parede interna. Kerry tinha tirado o vestido de linho e colocado calça jeans e camiseta de algodão. Estava descalça, e seus cabelos estavam soltos, cascateando sobre as costas. Ela estava sentada na beira da cama de solteiro, onde Lisa dormia. Trent roncava baixinho na outra. Por um momento, eles apenas se entreolharam. Então Kerry se levantou. — Você quase me matou de susto! — Ela manteve o tom de voz baixo, para que as crianças não acordassem, mas estava zangada, porque ele a pegara chorando. — Por que entrou aqui de maneira tão abrupta? Eu pensei que fosse um ladrão! Em três longos passos, Linc estava ao lado da cama, segurando-lhe o braço. Conduziu-a em direção à porta, e para fora do quarto. Quando estavam seguramente no corredor, ele ergueu o queixo de modo combativo e disse: — Sem problemas. Se eu fosse um ladrão, você poderia assumir o personagem de um especialista em caratê. — Muito engraçadinho. E solte meu braço. — Ela se desvencilhou do aperto dele. — Acabei de pôr as crianças para dormir. Elas estavam exaustas, mas muito excitadas para se acomodar. Então, você entra por aquela porta como um touro indomável e... Espere um minuto. Eu pensei que você estivesse a caminho de Dallas a essas alturas. O que está fazendo aqui? — Propondo. Kerry o olhou, boquiaberta. — Propondo? Propondo o quê? — Casamento, é claro. O que um homem geralmente propõe a uma mulher? — Muitas coisas. Entre elas, casamento é, no geral, o último recurso. 168
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown O rosto de Linc estava sério e repleto de irritação. — Bem, é isso que eu estou propondo. Casamento. — Por quê? — Porque cumpro bem as minhas obrigações. No caminho para o aeroporto, Cage me lembrou de uma coisa. — O quê? — Que nós não usamos nada para evitar que você engravidasse. — Ele balançou a cabeça com veemência, como se tivesse acabado de jogar uma bomba de informação assustadora. — Você nem sequer pensou sobre isso, não é? A hesitação de Kerry foi tão ligeira que ele nem notou. Por uma fração de segundo, ela entreteve o pensamento de deixá-lo continuar acreditando que eles haviam sido descuidados. Todavia, mais cedo naquela manhã, tinha decidido que nunca mais usaria pessoas para seu próprio ganho. Não poderia enganar Linc daquela maneira; isso seria injusto. Por outro lado, o pensamento que a única razão pela qual ele voltara para propor casamento havia sido porque se sentia obrigado a fazer isso a enfurecia. — Na verdade, eu pensei. Aquilo foi como jogar um balde de água fria. Kerry experimentou uma boa dose de prazer ao observar a arrogância dele perder o rumo, desnorteando-o. — Pensei sobre isso um ano atrás — Kerry o informou de maneira triunfante. — Antes de ir para Monterico, quando havia uma possibilidade real de eu ser estuprada pelos soldados guerrilheiros, eu comecei a tomar pílulas anticoncepcionais. Portanto, sr. 0'Neal, você não precisa se preocupar com isso. Está livre de sua "obrigação". Agora, se me der licença, eu estou muito cansada. Ela virou-se, mas não deu mais do que alguns passos antes que ele agarrasse o passante de sua calça e a fizesse parar. — O que foi agora? — demandou Kerry. — Você está se esquecendo de outra coisa — disse Linc. — E o que seria? — Ela cruzou os braços sobre o peito, e só faltou bater um dos pés no chão com impaciência. Contendo a vontade de estrangulá-la, ele disse: — Lisa. Você honestamente acha que eles irão deixá-la adotar a menina? — Sim. Apesar da afirmação imediata de Kerry, ele viu a hesitação na confiança dela, e, como um escalador de montanha procurando apoio para os pés na vertente de um penhasco íngreme, agarrou-se a isso. — Bem, eu não tenho tanta certeza. E nem Cage e Jenny. Ele mencionou o assunto no caminho para o aeroporto. — Eu irei lutar com todas as minhas forças. — Mas talvez ainda perca. — Se isso acontecer, eu a levarei para viver em algum lugar fora dos Estados Unidos, no México, ou qualquer outro lugar. — Oh, e isso seria simplesmente magnífico — zombou ele. — Uma vida ótima para uma criança, sem senso de estabilidade, sem país para declarar seu. 169
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Eu não desistirei de Lisa — exclamou Kerry suavemente. — Eu a amo. — Eu também! As palavras ecoaram no largo corredor. Após a reverberação, o silêncio que se seguiu foi preenchido somente com o som da respiração deles. — Você a ama? — perguntou Kerry numa voz baixa. Ele assentiu brevemente. — Eu me senti arrasado ao deixá-la esta manhã. Você viu o jeito que Lisa agarrou o meu pescoço, não querendo me deixar ir? — Ela chorou quando o carro partiu, mesmo que tivesse prometido que não choraria. Linc estava visivelmente emocionado. — Vê? Ela também me ama. O coração de Kerry tinha começado a disparar, mas não se permitiria ser tão otimista. Tivera muitas decepções no passado. Ela olhou para o chão. — Você poderia se candidatar para adotar Lisa. — Eu teria os mesmos problemas que você. Talvez até mais, porque sou homem. Nós teremos mais chance de sucesso se nos candidatarmos como um casal. E seria melhor para Lisa. Ela precisa tanto de uma mãe quanto de um pai. Eu sei. O coração de Kerry doeu com amor. A base da natureza distante de Linc vinha do fato de ele nunca ter conhecido amor parental. Ela queria se jogar contra ele e cobrirlhe o queixo não barbeado com beijinhos alegres, mas conteve-se. — Este ainda não é um bom motivo para se casar — disse ela, bancando a advogada do diabo. Nós sobrecarregaríamos Lisa com a tremenda responsabilidade de tentar manter um relacionamento feliz entre nós dois. — Nós não teríamos de depender de Lisa para nossa felicidade. — Não? Linc virou-se de costas para ela e se afastou. Enfiou as mãos, com as palmas abertas, dentro dos bolsos traseiros da calça. Quando voltou a se virar, parecia mais vulnerável do que ela já o vira. — Lisa não é o único motivo pelo qual eu quero que nós nos casemos. — Não? — Não. Eu... eu não estava muito feliz com a ideia de deixar você, também. Você é briguenta e teimosa, mas eu ainda a quero. — Na cama? — Sim. — Entendo. — O coração dela partiu-se mais um pouco. — E... — E? — Kerry levantou a cabeça rapidamente e olhou-o com expressão interrogativa. — E... eu... uh... — O quê? Ele deslizou uma mão pelos cabelos e exalou uma respiração. Parecia supremamente irritado. 170
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Cage falou que você podia ser muito teimosa. Quer me ouvir falar isso, não quer? — Kerry apenas continuou fitando-o, inocentemente. Ele praguejou baixinho. Então, movimentando os braços em suas laterais, disse: — Eu amo você, tudo bem? — Tudo bem! Kerry lançou-se sobre ele. Linc a pegou, fechando os braços ao seu redor e apertando-a bem junto a si. O beijo que eles trocaram foi tórrido, e deixou-os arfando por ar. — Eu pensei que você nunca falaria isso. — Eu também não achei que algum dia falaria. Não enquanto você estivesse acordada, pelo menos. — Acordada? — Não importa — replicou Linc, rindo. Eu a amo, Kerry. Deus sabe que eu a amo. — Eu amo você, amo, amo. —Eu provavelmente darei um marido horrível. Sou rude. Frio. Bruto. — Maravilhoso. Talentoso. Corajoso. Durante outro beijo ardente, ele a ergueu para seu colo. Kerry envolveu lhe os quadris com as pernas e cruzou os tornozelos atrás das costas de Linc. Ele mordiscou lhe queixo e pescoço enquanto sussurrava veementemente palavras carinhosas. No momento em que ele se afastou, estudou lhe os olhos. — Eu não tenho muito a oferecer em termos de bens materiais. Não tenho uma fortuna para... Ela pressionou os dedos sobre os lábios dele. — Você deveria ter aceitado aqueles cinquenta mil dólares. Seria esse tanto mais rico. — Muito engraçadinha. — Ele beijou-lhe os dedos e removeu-os de sua boca. — Estou falando sério, Kerry. Eu tenho dinheiro. Venho guardando por anos, mas nem mesmo tenho um teto adequado para pôr sobre nossas cabeças. — Eu tenho. Possuo uma casa adorável em Charlotte, Carolina do Norte. — Você nunca me contou isso. — Você nunca perguntou. É linda. Sei que você e Lisa irão adorar a casa. — Você também tem um diploma universitário. — Mas eu não tenho um único Prêmio Pulitzer, e você tem dois. — Sabe como é o meu trabalho. Eu viajarei por grande parte do tempo. — De jeito nenhum, Lincoln — replicou ela, meneando a cabeça. — Se você acha que eu vou deixá-lo solto num mundo cheio de mulheres lindas, uma vez que for meu marido, esqueça. — Você não pode estar sugerindo que viajará comigo. — Eu certamente estou. — Você e Lisa? — perguntou ele com incredulidade. — Pense em quantas vantagens isso lhe trará. — Cite uma. — Quantas línguas você fala? — perguntou Kerry. — Eu mal falo inglês. 171
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown — Bem, eu falo quatro, e tenho um conhecimento razoável de mais três. Com nós dois ensinando inglês para Lisa, ela logo será bilíngue. Pense em toda a ajuda que nós lhe daremos. — Sim, mas, em alguns anos, será hora de Lisa ir para a escola, e... — Eu sou professora, lembra? Serei a tutora dela. — Mas isso não é a mesma coisa. Ela precisará... — Linc, você já está tentando escapar disso? — Não. Eu só quero que você saiba no que está se envolvendo. — Eu sei. — Quando ele ainda parecia cético, ela disse: — Ouça, nós passamos pelo inferno, e saímos de lá nos amando. Tudo só pode ficar melhor daqui em diante. Linc sorriu, e então deu uma risada alta e sincera. — O que você diz faz sentido. — Tudo vai dar certo. Nós faremos dar certo. Vamos viver um dia de cada vez, tudo bem? — Querida, quando eu posso sentir seu calor assim tão perto, concordo com qualquer coisa. — Ele a ergueu ainda mais. — Se nós não estivéssemos com tantas roupas, você percebe... — Eu já tinha pensado nisso. Kerry pressionou-se contra ele e sorriu com supremo prazer. Carregando-a, ele foi para o quarto de hóspedes. Assim que as pernas delgadas deslizaram ao seu redor e os pés delicados tocaram o chão, Linc começou a despi-los, jogando as roupas no chão descuidadamente. Eles se moveram para o banheiro anexo, concordando que um banho seria bom. Linc estendeu a mão para dentro do box e ajustou as torneiras. Depois entrou e puxou Kerry consigo. Sob o jato de água, suas bocas se encontraram com a mesma avidez que seus corpos. Suas mãos estavam tão ocupadas que eles lamentaram perder tempo para ensaboar um ao outro, mas, quando fizeram isso, seu prazer foi multiplicado uma centena de vezes. Eles se moveram um contra o outro com a sedução suave de animais marítimos num ritual de acasalamento. Ele a virou, colocando-lhe as costas contra seu peito, então deslizou as mãos pela frente do corpo deleitoso, massageando lhe os seios, roçando os lindos mamilos entre seus dedos ensaboados. Seu sexo rijo inseriu-se entre as coxas molhadas de Kerry. Aquela fricção escorregadia era de tirar o fôlego. Quando ele deslizou os dedos dentro dela, Kerry estava tão molhada e quente quando a água que caía sobre seus corpos. A pele de ambos ainda estava úmida quando Linc deitou-a sobre a cama e abaixou-se sobre ela. — Nós iremos brigar. — O tempo inteiro. — Você não se importa? Ela o abraçou. — Linc, você ainda não sabe que é preciso passar por um pequeno inferno... 172
Coleção Primeiros Sucessos – Desejo Selvagem – Sandra Brown Ele entregou-se a ela e completou o pensamento: — Para chegar ao paraíso.
Fim
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