Sandra brown em nome da honra (rainhas do romance 53)

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Sandra Brown - Em nome da honra (Rainhas do Romance 53)

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Uma circunstância inesperada uniu Aislinn Andrews e Lucas Greywolf. Ela o encontrou bisbilhotando sua geladeira. Seria ele um índio do Arizona arruaceiro e sem lei, ou um herói condenado por um crime que não cometeu? Não importava saber quem ele era de verdade, pois Aislinn se tornara sua refém, e fora levada para a reserva indígena onde Lucas faria sua última homenagem ao avô muito doente. Ao longo da travessia pelo Arizona, o estado emocional de Aislinn alternava entre furiosa e intrigada. Afinal, Lucas não escondia seu ódio pela linhagem dela... Tampouco seu desejo cada vez mais forte...

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PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES IIB.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: Honor Bound Copyright © 1986 by Sandra Brown Originalmente publicado em 1986 por Silhouette Intimate Moments Arte-final de capa: Isabelle Paiva Editoração eletrônica: ABREU'S SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654/2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil:, Fernando Chinaglia Distribuidora S/A. Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISKBANCAS: (55XX11) 2195-3186/2195-3185/2195-3182 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4o andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br

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Capítulo Um

A porta do refrigerador estava aberta, projetando um pálido feixe de luz azul e branco na cozinha escura. Sobre a bancada havia uma caixa de leite e, a seu lado, um pedaço de pão, partido ao meio, metade para dentro, metade para fora do tampo. Mas até mesmo sem essas peculiaridades, ela soube, instintivamente, no momento em que entrou pela porta dos fundos, que algo estava errado. E sentiu uma presença, perigosa e imóvel, aguardando. Num gesto automático, tentou acender a luz. Mas, antes que sua mão estabelecesse contato com o interruptor, foi algemada por dedos duros como ferro, que a torceram dolorosamente, empurrando-a em direção aos seus ombros. Abriu a boca para gritar, mas outra mão, calosa e com um ligeiro gosto de sal, tampou-a, de forma que o grito saiu apenas como o frenético e gutural som de um animal pego em uma armadilha. Sempre desejara saber como reagiria em tal situação. Lutaria? Desfaleceria? Se sua vida fosse colocada em risco por um atacante, imploraria para ser poupada? Mas, agora, não estava surpresa por se sentir brava, além de amedrontada. Começou a lutar, tentando afastar a cabeça para longe da mão inflexível que lhe tampava a boca. Queria ver o rosto do seu agressor. Obter uma descrição. Não era isso que os centros de prevenção contra estupro aconselhavam? Olhar para a cara dele? Era mais fácil falar do que fazer, percebeu. Lutar parecia inútil por causa da força do atacante. Era um homem alto. Isso dava para perceber. Podia sentir-lhe a respiração, irregular e quente, contra o topo da sua cabeça. Vez ou outra, ela batia com a cabeça em seu queixo. Logo, ele devia ter mais de 1,80m, concluiu, memorizando a informação. O corpo contra o qual estava sendo pressionada era sólido, mas não usaria palavras como "corpulento" ou "demasiado musculoso" para descrevê-lo à polícia. Na verdade, ele lhe parecia esguio e elegante. Do canto de olho, viu seu bíceps, redondo como uma maçã. As tentativas de livrar-se só conseguiam deixá-la ainda mais exaurida. Concluindo que deveria poupar energia e força, cessou os esforços para escapar daquele aperto férreo, permanecendo imóvel. Seus seios subiam e desciam com o ar insuficiente que tentava inalar. Aos poucos, os braços que a prendiam relaxaram, mas não muito. — Meu nome é Lucas Greywolf Uma voz rouca, tão suave e arenosa quanto os ventos que sopravam no deserto, falou diretamente em seus ouvidos. Era um som suave, mas Aislinn não se deixava enganar. Assim como os ventos, poderia se tornar furiosa com a mais leve provocação. E, considerando a fonte daquela voz sussurrante, tal transformação era bastante provável. Assustadoramente provável. O nome Lucas Greywolf fora repetido pelos canais de televisão e emissoras de rádio ao longo do dia. Na noite anterior, o índio ativista havia escapado do presídio federal em Florence, aproximadamente uns oitenta quilômetros dali. As instituições penais, em conjunto com o Estado, procuravam o condenado foragido. 6


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E ele estava na cozinha dela! — Preciso de comida e descanso. Não vou feri-la se cooperar — Rosnou ele junto ao seu ouvido. — Se tentar gritar, serei obrigado a amordaçá-la. Estamos combinados? Aislinn fez um gesto de concordância com a cabeça e a mão que lhe tampava a boca se afastou. Ao se ver livre, ofegou, lutando por ar. — Como chegou aqui? — A pé, a maior parte do tempo — Respondeu ele, sem muita explicação ou aparente preocupação — Você sabe quem eu sou? — Sim. Eles o estão procurando por toda parte. — Eu sei. A raiva inicial de Aislinn se dissipou. Não era covarde, mas também não era tola. Atos de heroísmo tinham suas ocasiões, mas agora não era hora de querer bancar a "Mulher Maravilha” já que aquele intruso não parecia um ladrão qualquer. Lucas Greywolf devia ser considerado muito perigoso. Pelo menos, era assim que todos os noticiários o descreviam. O que fazer? Subjugá-lo era inconcebível. O homem não teria nenhuma dificuldade em dominá-la, e, no processo, provavelmente sairia ferida. Não, o único modo que dispunha de levar a melhor sobre ele seria usando o cérebro, esperar por uma oportunidade de escapar. — Sente-se — Ele a cutucou no ombro com aspereza. Sem argumentar, Aislinn caminhou até a mesa, no centro da cozinha, pôs a bolsa sobre o tampo e puxou uma cadeira. Então se sentou devagar. Greywolf se movia, tão silencioso quanto fumaça e tão ágil quanto uma sombra. Não o ouviu cruzar o recinto, e só soube que ele o fez quando sua sombra se estirou pelo tampo da mesa. Erguendo o olhar lentamente, viu a silhueta dele iluminada pela luz tímida que vinha da porta aberta do refrigerador. Como uma pantera, ele se vestia de negro, e parecia esguio e letal ao se agachar e pegar uma lingüiça na gaveta de carne. Aparentemente acreditando que ela havia se rendido, Greywolf fechou a porta do refrigerador, negligente. A cozinha ficou escura. Aislinn se ergueu da cadeira, pretendendo alcançar a porta dos fundos, mas, antes de ela dar dois passos, ele a impediu. Prendendo-a pela cintura com um braço de aço, puxou-a de encontro ao corpo. — Aonde pensa que vai? — Acen... acender a luz. — Sente-se. — Os vizinhos vão perceber... — Já lhe disse para sentar. E, até que eu lhe diga o contrário, é isso que você vai fazer — Arrastando-a pela cozinha, empurrou-a em direção à cadeira. Estava tão escuro que ela mal podia ver o centro do assento e quase caiu, antes de recuperar o equilíbrio. — Só estava tentando ajudá-lo — Explicou — Os vizinhos vão perceber que há algo errado. Principalmente se me viram entrar e não acender a luz. Era uma alegação inconsistente, e Aislinn imaginou que ele percebera. Ela vivia em um condomínio novo nos arredores de Scottsdale. Menos da metade das unidades havia sido vendida. Não era de admirar que ele tivesse escolhido a sua casa para assaltar por ter uma localização afastada. 7


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Um sussurrante ruído metálico ecoou na escuridão. O som sinistro a encheu de medo. Experimentou o terror de um pequeno animal selvagem, quando o farfalhar de folhas o alertava sobre um predador próximo e não visível. Lucas Greywolf havia encontrado o porta-facas sobre a bancada perto da pia e retirara uma da bainha de madeira. Esperando a qualquer momento sentir o fio de metal frio cortar-lhe a garganta, ficou apavorada, contudo grata por ainda estar viva quando a luz da cozinha se acendeu, cegando-a momentaneamente. Tentou ajustar a visão ao brilho súbito. Ele ainda segurava a lâmina prateada e brilhante da faca de encontro ao interruptor. A partir dessa intimidante visão, seus olhos vagaram pelo comprimento de um braço forte e musculoso até a curva de um ombro, então um pouco acima, por um queixo quadrado e determinado, um nariz reto e estreito e, por último, se detiveram no par de olhos mais penetrantes que ela já vira. Durante toda a vida ouvira a expressão "de parar o coração" Incontroláveis as vezes, ela mesma a dissera de maneira casual, para descrever várias coisas sem importância. Mas jamais havia experimentado aquela sensação descritiva tão nitidamente. Até o momento. Nunca um par de olhos transmitira tamanho desprezo, um misto de ódio e amargura inflexíveis. Ao contrário do restante das feições, que eram obviamente de um índio americano, os olhos pareciam pertencer a um branco. Eram de um tom cinza tão claro que beirava a transparência. O que fazia as pupilas em seu centro aparentarem ser mais profundas e escuras. Pareciam não ter necessidade de piscar, porque a encaravam estáticos. Assen tados naquele rosto moreno meditativo, seus imperturbáveis olhos cinzentos eram um contraste surpreendente que prenderam a atenção dela por um longo tempo. Quando, por fim, desviou o olhar, deparou-se com o brilho faiscante da faca. Erguendo a cabeça assustada, fitou-o novamente. Greywolf somente havia fatiado um pedaço de lingüiça. Ao levá-lo aos lábios, a linha rígida da sua boca se ergueu em um dos cantos, formando um sorriso malicioso, antes de os dentes, perfeitos e brancos, morde rem a carne. Estava se divertindo com o medo dela e isso a deixou furiosa. Determinada, livrou-se de qualquer expressão reveladora e o estudou friamente. O que podia ter sido um erro. Antes daquela noite, se tivessem lhe pedido para fazer a imagem de um condenado foragido, jamais se assemelharia a Lucas Greywolf. Lembrou-se vagamente de ter lido sobre o julgamento dele, quando fora publicado nos jornais, mas isso acontecera alguns anos atrás. Recordou-se de que os promotores o haviam acusado de ser encrenqueiro e agitador, um dissidente que ia aqui e ali, fomentando a rebeldia entre os índios. Mas os periódicos mencionaram que ele era tão bonito? Se o fizeram, ela não prestara atenção. Greywolf vestia uma camisa de cambraia azul, que com certeza não fazia parte do uniforme da prisão. As mangas haviam sido cortadas na altura das axilas. Uma delas transformada em uma fita no estilo Apache que ele trazia amarrada ao redor da cabeça, para conter os cabelos, tão escuros, que mal refletiam a luz que incidia diretamente sobre eles. Embora o pó que se aderia aos fios pudesse ser responsável, em parte, por aquele aspecto sombrio. A calça jeans e as botas estavam recobertas de poeira. Na cintura, usava um cinto confeccionado em prata intricadamente trabalhada com peças de turquesa. Pendurada em uma corrente que ostentava ao redor do pescoço, havia uma cruz cristã prateada. O talismã se aninhava nos pelos escuros do seu tórax. 8


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Não era um índio puro. Mais uma vez, ela permitiu que seus olhos o estudassem. Dadas as circunstâncias, perturbava-a profundamente o fato de a camisa que ele usava, manchada de suor, estar aberta até a cintura. Da mesma forma, era perturbador que o brinco na orelha direita dele não lhe causasse aversão. A minúscula máscara prateada dos espíritos de força representava um espírito de outra religião e contrastava com a cruz usada ao redor do pescoço. Se Greywolf tivesse nascido com aquele brinco no lóbulo da orelha, não poderia representar com mais exatidão o aspecto geral do homem que ele era. — Você me acompanha? — Perguntou ele num tom de escárnio, segurando uma fatia de lingüiça na ponta da faca. Aislinn ergueu a cabeça e empinou o queixo. — Não, obrigada. Esperarei para jantar com o meu marido. — Seu marido? — Sim. — Onde ele está? — No trabalho, mas deve chegar a qualquer momento. Greywolf mordeu um pedaço do pão que havia fatiado e o levou à boca, mastigando-o com um ar despreocupado, que a fez sentir vontade de esbofeteá-lo. — Você é uma terrível mentirosa. — Não sou mentirosa. Ele engoliu. — Revistei a casa antes de você chegar, srta. Aislinn Andrews. Não há nenhum homem vivendo aqui. Foi a vez de ela engolir e o fez a duras penas. Esforçou-se para controlar a velocidade do coração, que batia como um tambor de encontro às costelas. As palmas das mãos suavam. Ela as uniu embaixo da mesa. — Como sabe o meu nome? — Pela sua correspondência. — Mexeu na minha correspondência? — Soa alarmada. Tem algo a esconder, srta. Andrews? — Recusando-se a morder a isca, ela manteve os lábios firmemente fechados, impedindo a resposta malcriada que tentava transpô-los — Recebeu uma conta de telefone hoje. O sorriso astuto reacendeu a ira de Aislinn. — Eles o pegarão e o mandarão de volta para a cadeia. — Sim, eu sei. A resposta tranqüila a deixou muda, tornando as ameaças e os argumentos, que estava a ponto de expressar, desnecessários. Em vez disso, observou-o levar a caixa de leite à boca, inclinar a cabeça e ingerir a bebida, sedento. Tinha um pescoço bastante bronzeado. O movimento do pomo-de-adão a fascinou como um pêndulo hipnótico. Ele bebeu até não deixar uma gota, então pousou a caixa vazia e esfregou a boca com as costas da mão, que ainda segurava a faca. — Se sabe que eles o pegarão, por que torna as coisas mais difíceis para si 9


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mesmo? — perguntou ela com uma sincera curiosidade — Por que simplesmente não se entrega? — Porque há algo que preciso fazer primeiro — A voz soou severa — Antes que seja tarde demais. Aislinn não fez mais perguntas, porque imaginou que ficar a par dos atos criminosos que ele estava contemplando poderia pôr em risco o seu bem-estar. Porém, se conseguisse fazê-lo falar, talvez ele baixasse a guarda, dando-lhe a chance de correr até a porta dos fundos. Então, uma vez na garagem, apertaria o botão que acionava a porta automática e... — Como entrou aqui? — Perguntou de repente, percebendo pela primeira vez que não havia sinais visíveis de um arrombamento na porta. — Por uma janela no quarto. — E como escapou da prisão? — Enganei alguém que confiou em mim. — A boca firme se curvou cínica — Claro que ele foi um tolo em confiar em um índio. Todo mundo sabe que índios não são dignos de confiança. Não é mesmo, srta. Andrews? — Não conheço nenhum índio — Respondeu com a voz suave, não querendo provocá-lo. Não gostava do modo como o corpo rígido dele parecia a ponto de estalar de tensão. Porém, tentando não irritá-lo, parecia ter despertado sua ira. Os olhos cinza passearam sobre o corpo dela lentamente, espalhando calor em tudo que tocavam. De repente, Aislinn se sentiu dolorosamente consciente dos seus cabelos loiros, olhos azuis e pele de fada. A expressão de escárnio no rosto de Greywolf se transformou em uma carranca. — Não imaginei que conhecesse. — Mais rápido do que os olhos dela puderam monitorar o movimento, ele enfiou a faca no cós da calça e a alcançou — Levante-se. — Por quê? — Assustada, ofegou quando ele a ergueu de modo brusco. Estreitando-a contra o peito, ele a segurou pelos ombros e a impeliu para fora da cozinha. Ao passarem pela porta, apagou a luz. O corredor estava escuro. Aislinn tropeçou na frente dele. Caminhavam em direção ao quarto e ela sentiu a boca ficar seca de medo — Você já conseguiu o que veio buscar. — Nem tudo. — Disse que queria comida — Argumentou furiosa, cravando os saltos dos sapatos no tapete — Se partir agora, prometo não chamar a polícia. — Por que será que não acredito em você, srta. Andrews? — Perguntou ele num tom de voz tão suave quanto sorvete derretendo. — Eu juro! — Gritou ela, menosprezando a fraqueza e o som apavorado da própria voz. — Já me foram feitas promessas antes por homens brancos... E mulheres brancas. E aprendi a ser cético. — Mas eu não tenho nada a ver com isso. Eu... Oh, Deus, o que pretende fazer? Greywolf empurrou-a para dentro do quarto. Assim que transpôs a porta, fechou-a com força. — Tente adivinhar, srta. Andrews. — Virando-a, pressionou-a contra a porta com 10


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seu corpo rígido. Em seguida, envolveu-lhe o pescoço com as mãos e curvou a cabeça na sua direção. — O que acha que vou fazer? — Eu... Eu... Não sei. — Não é nenhuma dessas mulheres sexualmente reprimidas que curte fantasias de estupro, é? Humm? — Não! — Ela ofegou. — Nunca fantasiou em ser possuída por um selvagem? — Largue-me, por favor. Aislinn virou a cabeça e ele a deixou, mas não a libertou totalmente. Pelo contrário, aproximou-se ainda mais, aumentando a pressão com a força e rigidez do seu corpo. Fechando os olhos, ela mordeu o lábio inferior com medo e humilhação. Os dedos longos e cônicos de Greywolf arranharam-lhe a garganta devagar para cima e para baixo, agora num ritmo mais provocante. — Bem, eu estive na prisão durante um longo tempo — Os dedos agora desciam devagar pelo tórax dela. O indicador enganchou-se no primeiro botão da blusa que ela usava, dedilhando-o por alguns instantes até abri-lo. Aislinn choramingou. Seus rostos estavam tão próximos agora que podia sentir a respiração dele lhe tocar as bochechas, o nariz e a boca. Inalou-a por necessidade, odiando a intimidade forçada de respirar o ar que ele expelia. — Então, se é de fato inteligente — advertiu-a num tom suave —, não vai querer me instigar. Ao perceber o teor daquelas palavras, Aislinn ergueu os olhos, procurando os dele. Seus olhares colidiram, um encontro de vontades e uma batalha de temperamentos. Por um longo momento, pareceram suspensos, medindo um ao outro, analisando forças e fraquezas. Então, aos poucos, ele se afastou. Quando seus corpos não estavam mais em contato um com o outro, ela quase afundou no chão, aliviada. — Eu lhe disse que precisava de comida e descanso — A voz agora soava um pouco diferente. Havia uma nota de aspereza. — Já descansou. — Sono, srta. Andrews. Preciso dormir. — Você quer dizer... Que pretende ficar? Aqui? — Perguntou espantada — Por quanto tempo? — Até eu decidir partir — respondeu evasivo. Cruzando o quarto, ligou o abajur ao lado da cama. — Você não pode! Greywolf voltou para onde ela havia ficado parada junto à porta e segurou-lhe a mão. Dessa vez, puxou-a para perto dele. — Não está em posição de discutir. Só porque eu não a molestei, não significa que não o farei se estiver desesperado o bastante. — Não tenho medo de você. — Sim, você tem. — Arrastando-a até o banheiro adjacente com ele, entrou e bateu a porta — Ou deveria ter. Olhe, entenda uma coisa — Explicou por entre os dentes 11


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trincados — Tenho algo a fazer. E nada, especialmente uma princesa branca como você, vai me impedir. Deixei um guarda inconsciente para escapar da prisão e andei toda esta distância até aqui a pé. Não tenho nada a perder, a não ser a minha vida, e ela não vale nada no lugar onde eu estava. Logo, não abuse da sorte, senhorita. Vai me aturar como hóspede pelo tempo que eu quiser ficar — Para enfatizar a ameaça, ele arrancou a faca do cós. Aislinn respirou fundo como se ele a tivesse enfiado na barriga dela — É melhor assim — Disse, avaliando-lhe o medo — Agora, sente-se — Ele acenou para o vaso sanitário. Aislinn, mantendo os olhos treinados na faca, apoiou-se na parede e deixou-se escorregar, até alcançar o vaso sanitário. Então desmoronou sobre a tampa. Greywolf pousou a faca na extremidade da banheira, bem fora do alcance dela. A seguir, livrou-se das botas e das meias e começou a retirar a camisa esfarrapada do cós da calça jeans. Sentada, tão imóvel quanto uma estátua, Aislinn não disse nada, enquanto ele deslizava a peça pelos ombros e a descartava. Havia uma camada superficial de pelos escuros marcando o centro do seu peito bem definido. A pele morena esticava-se firme sobre os contornos dos músculos, que aparentavam ser inacreditavelmente rijos. Os mamilos eram dois pontos pequenos e escuros. A pele do abdômen, tão elástica quanto um trampolim. E a região ao redor do umbigo era salpicada de pelos ondulados que formavam uma trilha escura, desaparecendo no limite imposto pelo cós da calça. Ele começou a desafivelar o cinto prateado na cintura. — O que está fazendo? — perguntou alarmada. — Vou tomar uma ducha — Disse, abaixando-se em direção às torneiras na banheira. Girou-as até que a água começasse a esguichar com força. A despeito do rugido do jorro abundante, Aislinn ouviu quando ele abriu o zíper das calças. — Onde eu possa vê-lo? — Onde eu possa vê-la — Calmamente, ele deslizou o jeans pelos quadris e se livrou dele. Aislinn fechou os olhos, dominada por uma onda de vertigem que a fez agarrar-se ao vaso sanitário embaixo dela para manter o equilíbrio. Nunca na vida fora tão ultrajada, tão insultada, tão agredida. Pois olhar para aquela nudez era ser agredida pela encarnação da masculinidade. Greywolf era perfeitamente proporcional. Ombros largos, tórax forte. Os membros longos, musculosos e esguios, eram testemunhos de sua agilidade e força. Onde a pele era lisa, parecia bronze polido, contudo vivo e flexível. E, onde havia pelos, parecia morna e convidativa ao toque. Erguendo a alavanca do chuveiro, ele se posicionou sob o jato poderoso. Não fechou a cortina. Evitando fitá-lo, Aislinn respirou fundo várias vezes, tentando se recompor. — Algo errado, srta. Andrews? Nunca viu um homem nu antes? Ou ver um índio nu é o que a está deixando tão visivelmente transtornada? Aislinn virou a cabeça, irritada pelo tom de escárnio na voz dele. Não queria deixálo pensar que era uma matrona puritana ou uma fanática racial. Mas sua resposta afiada morreu ao chegar à língua. Não podia proferir um som. Ficou paralisada pela visão daquelas mãos ensaboadas, deslizando sobre a nudez macia e lustrosa. A água devia estar quente, porque os espelhos estavam começando a embaçar, e a atmosfera, tão vaporosa quanto um romance de Erskine Caldwell. A névoa de vapor envolveu-lhe a pele. Ela mal conseguia inalar o ar pesado e abafado para levá-lo 12


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aos pulmões. — Como pode ver — Escarneceu ele, deslizando as mãos ensaboadas pela parte inferior da sua anatomia — Somos dotados exatamente como qualquer outro homem. Bem, não totalmente, pensou Aislinn, enquanto seus olhos lançavam um relance proibido ao torso dele, onde aqueles pelos bonitos formavam uma base densa e luxuriante para abrigar sua impressionante virilidade. — Você é grosseiro, bem como um criminoso. Greywolf sorriu cínico e arrancou a fita da cabeça, lançando-a para fora da banheira, sobre as outras roupas. Inclinou a cabeça sob o jato do chuveiro o suficiente pata umedecê-la e, a seguir, pegou um vidro de xampu. Cheirou antes de verter uma porção do líquido cremoso nas mãos e ensaboar os cabelos até formar uma espuma branca, que logo encobriu as mechas cor de ébano. Então, esfregou-as impiedosamente. — Isto cheira melhor que o xampu da prisão — Observou, correndo os dedos pela espuma exuberante. Aislinn não disse nada, porque um plano começava a tomar forma em sua mente. Se ele colocara a cabeça embaixo do chuveiro para molhar os cabelos, teria que colocá-la outra vez para enxaguar todo o xampu, não teria? Não dispunha de tempo para refletir muito sobre o seu plano. Ele já estava retirando o excesso de espuma dos cabelos e atirando-a no redemoinho de água ao redor dos seus pés. Havia um telefone na mesa de cabeceira ao lado da cama. Se ela conseguisse passar pela porta do banheiro e discar o número da emergência antes... Greywolf mergulhou a cabeça sob o bocal do chuveiro. Não havia mais tempo para ponderar. Aislinn se lançou em direção à porta, abriu-a, quase arrancando o braço da cova no processo, e voou para o quarto. Alcançou a mesa de cabeceira em menos que um segundo, pegou o telefone e começou a discar freneticamente a sucessão de números que havia memorizado. Apertou o receptor contra o ouvido e esperou o chamado. Nada aconteceu. Droga! Na pressa, teria discado algum número errado? Clicou o botão para desconectar e tentou mais uma vez, suas mãos tremiam tanto que mal conseguia segurar o receptor. Arriscando um relance frenético sobre o ombro, ficou espantada ao ver Lucas Greywolf parado na entrada entre o quarto e banheiro, o ombro apoiado contra o batente em uma posição de total indiferença. Fora uma toalha enrolada no pescoço, estava completamente nu. A água escorria dos cabelos molhados, descendo por sua pele de cobre. Gotículas se aderiam em lugares que ela desejava não ter notado. Segurando a faca com a mão direita, ele batia com a lâmina contra a coxa nua. Aislinn percebeu que o segundo telefonema também não fora completado e que nenhuma outra chamada seria. — Você fez alguma coisa no meu telefone — Não era uma pergunta. — Assim que entrei na casa. Rapidamente, ela puxou o fio do telefone, que subiu por trás da mesa de cabeceira. O conector que normalmente se fixava à parede havia sido arruinado, talvez pisado pelo salto de uma bota. 13


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A frustração dominou-a. E a fúria também. Irritava-a o fato de ele aparentar tanta segurança, enquanto ela se sentia tão ineficaz e idiota. Xingando, lançou o telefone na direção dele e correu para a porta, tentando fugir de qualquer maneira. Não tinha esperanças, é claro, mas precisava fazer algo. Conseguiu alcançar a porta. Mal havia aberto uma pequena brecha, quando a mão larga de Greywolf se espalmou sobre a madeira, diretamente em frente à face dela, e fechou a porta novamente. Aislinn se virou com os dedos curvados em garras para atacálo. — Pare com isso! — ordenou ele, tentando segurar-lhe os braços. Nesse instante, a faca a cortou no antebraço. Ela gritou de dor. — Você, sua tolinha. Quando ela ergueu o joelho e o atingiu entre as pernas, Greywolf grunhiu surpreso. O plano podia ter falhado, mas conseguiu desequilibrá-lo quando ele tentou se livrar. Os dois caíram no chão, lutando. A pele dele ainda estava molhada, escorregadia, e ele se esquivava facilmente dos socos e tapas que ela lhe desferia. Mas em segundos ele a prendeu sob o corpo, segurando-lhe os pulsos no chão. — Para que fazer isso? Você poderia ter se ferido. O rosto másculo estava a poucos centímetros do seu. O tórax firme arfava por causa do esforço. E a raiva naqueles olhos cinza a fez ficar aterrorizada, mas ela não deixou transparecer. Em vez disso, o encarou. — Se vai me matar, acabe logo com isso — Disparou. Não teve tempo para se preparar antes de ele a erguer do chão. Seus dentes tremiam. Ainda tentava recuperar o equilíbrio, quando viu a faca girar na direção da lateral do seu rosto. Chegou a sentir o vento zunindo quando a lâmina passou. Tentou gritar, mas o som se tornou uma pequena lamúria ao ver uma mecha dos seus cabelos pendurada na mão dele. O tufo loiro apertado entre aqueles dedos morenos e firmes simbolizava a sua fragilidade e enfatizava o quão facilmente a força daquele homem podia dominá-la. — Eu estava falando sério, senhorita — Disse Greywolf, ainda respirando com dificuldade. — Não tenho nada a perder. — Se agir dessa maneira mais uma vez, não será apenas o seu cabelo que eu cortarei. Entendeu? Ofegante e com os olhos arregalados fixos na mecha de cabelo enrolada nos dedos dele, Aislinn sacudiu a cabeça em sinal de concordância. Ele abriu os dedos e deixou os fios de cabelo caírem lentamente no chão. Aceitando a anuência dela, afastou-se e recuperou a toalha. Secou a umidade restante da pele, dos cabelos, e em seguida passou o tecido felpudo ao longo da mandíbula. Por fim, lançou a toalha na direção de Aislinn. — Seu braço está sangrando. Ela não havia notado. Olhando para baixo, ficou surpresa ao ver um filete fino de sangue escorrer de um corte acima do pulso. — Está ferida em outros lugares? — Ela sacudiu a cabeça negando — Então vá para perto da cama. O medo suplantou o ressentimento de receber ordens em sua própria casa por um fugitivo da justiça. Sem um murmúrio de protesto, obedeceu. O sangue no braço havia estancado. Colocando a toalha de lado, se virou de frente para o seu captor. — Tire as roupas — Exigiu ele. Aislinn não imaginara ficar mais assustada do que já estava. Mas havia se enganado redondamente. 14


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— O quê? — ofegou. — Você me ouviu. — Não. — A menos que faça o que estou mandando, esse corte em seu braço será apenas um começo — A lâmina de aço da faca brilhou à luz do abajur, quando ele a moveu de um lado para o outro em frente ao rosto dela. — Não acredito que queira me ferir. — Não aposte nisso. Olhos frios e insensíveis fitaram-na com um brilho desafiador, e ela admitiu que as chances de permanecer incólume naquela noite não pareciam boas. — Por quê... Por que quer que eu tire... As minhas...? — Quer realmente saber? Não, ela não queria ouvi-lo soletrar a razão, porque já fazia idéia do por que. Ouvir a intenção saindo dos próprios lábios dele só tornava o prospecto ainda mais assustador. — Mas, se vai me estuprar, por que não o fez... — Tire as roupas. Greywolf pronunciou cuidadosamente cada palavra que saiu dos seus lábios como lâmina de gelo. Aislinn considerou suas opções e decidiu que não tinha nenhuma. A menos que concordasse com ele para ganhar tempo. Talvez alguém tentasse ligar e percebesse que o telefone estava com defeito. A empresa de telefone enviaria alguém para conferir, não enviaria? Alguém poderia bater à porta. O entregador de jornais, por exemplo. Qualquer coisa seria possível se ela pudesse continuar protelando. Era provável que a polícia estivesse rondando a casa naquele exato momento, após ter localizado Greywolf lá. Devagar, ergueu as mãos até o segundo botão da blusa, o primeiro já havia sido aberto por ele. Lançou um último e suplicante olhar a Greywolf. O rosto moreno aparentava ter sido esculpido em pedra. Os olhos pareciam formados pelo mais duro cristal, a julgar pela expressão letal que lançavam. O orgulho a impediu de implorar, embora não acreditasse que qualquer súplica afetaria o emocional daquele homem. ; Retirou o botão da casa e, relutante, desceu a mão para o próximo. — Depressa. Aislinn olhou para onde ele estava, nu e sinistro, apenas a alguns centímetros de distância. Greywolf permanecia impassível sob o olhar perturbado dela. Demorando o máximo que pôde em cada botão, ela testou os perímetros da paciência dele, até todos estarem desabotoados. — Agora, retire isso. — Ele fez um gesto rude com a faca. Curvando a cabeça, Aislinn deslizou a blusa pelos ombros, mas segurou-a de encontro ao tórax — Abaixe isso — Ainda sem fitá-lo, ela deixou a peça deslizar pelo corpo até cair no chão. Depois de um longo silêncio, ele disse por fim: — Agora o restante. Era verão no Arizona. Aislinn fechara o estúdio mais cedo naquela tarde, porque não tinha nenhum compromisso agendado. Após uma sessão de exercícios na academia, colocara uma saia, uma blusa e sandálias rasteiras. 15


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— A saia, Aislinn — Disse ele com ênfase. Chamá-la pelo primeiro nome era o insulto supremo, dadas as circunstâncias, o que a deixou ainda mais irritada. Alcançando o zíper, abriu a saia e a deixou deslizar pelos quadris num show de desafio. Ao ouvir o murmúrio estrangulado que ele deixou escapar, ela ergueu os olhos. A pele sobre as maçãs do rosto altas de Greywolf aparentava tão esticada que dava a impressão de que iria romper. Os olhos passeavam sobre o corpo dela como duas tochas tremeluzentes. Aislinn desejou que sua lingerie fosse mais discreta, menos provocante. O sutiã de seda, que fazia conjunto com a calcinha, era da cor de sorvete de limão, com rendado sobreposto cinza. Embora não fossem transparentes, eram projetados para enfeitar e cobrir o mínimo possível. Não deixavam nada para a imaginação, e um homem que pas sara um bom tempo na prisão devia ter uma imaginação bem fértil. — O sutiã. Tentando reter as lágrimas quentes, que era orgulhosa demais para derramar, Aislinn deslizou as alças rendilhadas pelos braços e segurou as frágeis sustentações dos seios, antes de desatar o gancho dianteiro. Greywolf estendeu a mão. Ela saltou para trás, num movimento de puro reflexo. — Passe-me isso — Disse ele num tom de voz áspero. A mão de Aislinn tremia ao lhe entregar o franzino sutiã de seda e renda. A peça parecia ainda mais insignificante quando ele o apertou na mão. Greywolf tocou o tecido macio. Sabendo que ainda retinha o calor do seu corpo, Aislinn experimentou um sentimento singular bem fundo dentro dela, enquanto o observava roçar os dedos na seda macia. — Seda — murmurou ele num tom abafado. Em seguida, ergueu o sutiã e o pressionou de encontro ao nariz. Gemeu e fechou os olhos, contraindo a mandíbula de leve. — Que cheiro maravilhoso, cheiro de mulher... Então, Aislinn percebeu que ele não estava falando com ela. Falava consigo mesmo. Não falava sobre ela em particular. Falava de mulheres em geral. Não sabia se ficava terrificada ou confortada por aquele pensamento. O momento pungente durou apenas alguns segundos, antes de ele lançar o sutiã no chão com um movimento de mão eloqüente. — Ande. Termine. — Não. Você terá que me matar primeiro. Greywolf a fitou por um longo e agonizante momento. Aislinn não podia suportar os olhos dele passeando sobre ela, então fechou os seus. — Você é muito bonita — Ela abraçou o tórax, esperando pelo toque dele. O que não aconteceu. Em vez disso, ele se afastou. Aparentava estar envergonhado, ou pela resistência dela ou pela vulnerabilidade que inadvertidamente expressara. Fosse o que fosse, deixou-o deveras irritado. Puxou várias gavetas na cômoda, antes de achar o que estava de fato procurando. A seguir, caminhou até ela com dois pares de meia-calça. — Deite-se. — Passando por Aislinn, que estava paralisada de terror, puxou as cobertas da cama. Com o corpo rígido de medo, os olhos arregalados, ela se deitou enquanto ele se 16


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ajoelhava sobre ela. Mas Greywolf sequer a olhava. Linhas tensas marcavam-lhe o semblante, quando a segurou pelos braços e os puxou em direção às grades da cabeceira de metal. — Você vai me amarrar? — perguntou trêmula. — Sim — respondeu sucinto, amarrando-lhe os pulsos com a meia e prendendo-os à grade. — Meu Deus! — Centenas de tenebrosos pesadelos cruzaram a mente de Aislinn. Todos os tipos de práticas degradantes, que já ouvira falar, foram lembradas naquele momento. A boca de Greywolf se curvou em outro daqueles sorrisos sardônicos, como se ele tivesse lido seus pensamentos e percebido que a estava assustando. — Relaxe, srta. Andrews. Eu lhe disse que queria apenas comida e descanso, e é isso que pretendo obter. Ainda gélida de choque e medo, Aislinn se manteve documente na posição, enquanto ele amarrava o outro pulso dela ao seu, usando o segundo par de meia-calça. Quando estavam amarrados um ao outro, ela o encarou, incrédula. Ele desligou o abajur, deitou-se e virou-lhe as costas. — Seu bastardo. — Ela se contorceu, tentando se livrar. — Desamarre-me! — Durma. — Eu disse para me desamarrar — Gritou ela, tentando se sentar. Greywolf rolou no colchão, segurando-a na cama. Embora ela não pudesse vê-lo na escuridão o corpo deitado tão próximo ao seu expressava uma terrível ameaça, que era mais repressiva do que força bruta. — Eu não tive escolha, a não ser amarrá-la. — Por que precisou me despir? — Isso torna as coisas mais difíceis se você tentar escapar. Duvido seriamente que queira sair por aí nua no meio da noite. E... — E o quê? — perguntou furiosa. Depois de uma breve pausa, a resposta soou na escuridão como um gato preto furtivo e sensual, esperado, mas não visto até aparecer. — E porque eu queria olhar você.

Capítulo Dois

— Levante-se. Aislinn abriu os olhos relutante, incapaz de lembrar por que temia acordar. Então seu ombro foi sacudido com brusquidão e ela se lembrou. Seus olhos se abriram. Sentando-se na cama, segurou a manta sobre o corpo nu, afastou os cabelos do rosto e 17


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olhou para as feições arredias de Lucas Greywolf Levara horas para adormecer, horas em que tivera que permanecer ao lado dele, ouvindo o som rítmico de sua respiração, sabendo que ele pegara no sono profundamente. Havia lutado para libertar o braço da cabeceira, até que seu corpo inteiro doeu com o esforço inútil. Amaldiçoando-o, por fim se rendeu e relaxou o bastante para fechar os olhos. Depois disso, seu corpo exausto assumiu o controle e ela acabou adormecendo. — Levante-se. E vista-se. Vamos partir. Ambos os pares de meia-calça, o que a atara à cabeceira e o que a prendera ao homem, estavam no chão, próximo ao pé da cama. Em algum momento da noite, ele a tinha libertado. Por que ela não acordara? O toque dele seria tão leve e hábil assim? Também se lembrava vagamente de ter sentido frio nas primeiras horas do início da manhã. Ele a havia coberto? O pensamento a fez tremer por dentro. Ficou aliviada ao ver que Greywolf já estava vestido com as roupas empoeiradas que usava na noite anterior, antes de tomar uma ducha. A manga de camisa rasgada que trazia na testa fora substituída por uma das bandanas dela. O brinco e a corrente no pescoço continuavam no mesmo lugar, brilhando contra a pele bronzeada. Podia sentir o cheiro do seu xampu nos cabelos escuros dele. Não, ela não o imaginara. Lucas Greywolf era real demais e personificava tudo aquilo que causava pesadelos às mulheres... Ou tudo com que elas sonhavam. Aislinn afastou aqueles pensamentos. — Partindo? Para onde? Não vou a lugar nenhum com você. O ar de pouco caso indicava quanto crédito ele dispensou ao seu protesto. Abrindo o armário, ele começou a remexer os cabides. Foram rejeitados vestidos sofisticados e blusas de seda em favor de um jeans surrado e uma camisa casual, que ele lançou sobre a cama na direção dela. Curvando-se, examinou vários pares de sapatos, antes de selecionar um par de botas de salto baixo. Então, levou-as até a cama e as jogou no chão. — Pode se vestir sozinha ou... — Os olhos cinza-claro passearam sobre as curvas do corpo dela oculto pela coberta. — Posso vesti-la. De qualquer maneira, partiremos daqui a cinco minutos. Sua postura era segura: coxas afastadas, peito estufado, queixo erguido. A arrogância estava estampada por toda parte do seu semblante americano clássico. Autoconfiança emanava dele como o cheiro almiscarado da sua pele. Render-se humildemente à tal audácia era inconcebível para Aislinn Andrews. — Por que não pode me deixar aqui? — Pergunta estúpida, Aislinn, e indigna de você. Ela concordou. Assim que tivesse oportunidade, correria gritando rua abaixo até que alguém a ouvisse. Logo as autoridades estariam no encalço dele, prendendo-o antes que ele alcançasse os limites da cidade. — Você é a minha apólice de seguro. Todo fugitivo que se preza faz um refém — Ele deu um passo na direção dela — E a paciência com a minha refém está chegando ao fim. Saia já dessa maldita cama! —A voz soou como um trovão. Embora aquilo fosse um desplante, ela obedeceu prudentemente, arrastando as cobertas ao se erguer. 18


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— Pelo menos tenha a decência de virar de costas, enquanto me visto. Uma das sobrancelhas pretas brilhantes, em forma de V invertido, arqueou de leve. — Está esperando um gesto-nobre de um índio? — Não tenho nenhum preconceito racial. Greywolf olhou para os cabelos loiros de Aislinn e um sorriso de escárnio curvoulhe os lábios. — Não, não creio que tenha, pois duvido que sequer saiba que existimos — Com essas palavras, girou nos calcanhares e deixou o quarto. Ofendida e irritada com o insulto, ela vestiu as roupas que ele escolhera. Conseguiu achar um sutiã e uma calcinha na pilha de roupas que ele havia jogado no chão, depois de cometer um verdadeiro vandalismo nas gavetas dela na noite anterior. Assim que fechou o zíper da calça jeans, apressou-se até a janela e abriu as venezianas. Alcançou o fecho e a abriu. Mas, nesse exato momento, um braço moreno e firme surgiu por trás dela. Dedos fortes formaram um alicate ao redor do seu pulso. — Estou me cansando desses joguinhos, Aislinn. — E eu estou me cansando de ser maltratada por você — Reclamou, tentando livrar o braço. Ele a libertou, apenas após trancar a janela e fechar as venezianas outra vez. Ressentida, ela massageou a circulação no pulso, enquanto o fitava. Sempre menosprezara tirania. — Escute, senhorita, se não precisasse de você como proteção para chegar aonde quero, não ficaria a seu lado nem um dia. Logo, não banque a pretensiosa. — Girando-a ao redor, colocou a mão nas costas dela e empurrou-a com força — Ande. Ao chegar à cozinha, ele pegou uma garrafa térmica e um saco de supermercado. — Vejo que já está bem à vontade na minha casa — Comentou Aislinn irritada. Por dentro, se amaldiçoava por ter pegado no sono tão profundamente. Poderia ter tentado fugir pela janela do quarto, enquanto ele preparava o café e pilhava a sua despensa. — Para onde estamos indo, você ficará feliz por ter provisões. — E onde é isso? — Onde a outra metade vive. Greywolf não se alongou na explicação. Segurando-a pelo braço firmemente, conduziu-a até a garagem. Após abrir a porta de passageiro do carro dela, empurrou-a para dentro, contornou o veículo e sentou-se atrás do volante. A seguir, colocou a garrafa térmica e o saco de supermercado no assento entre eles. Alcançando a alavanca embaixo do assento, ajustou o banco para trás o suficiente para acomodar suas pernas longas. Então, lançou mão do controle remoto, que sempre ficava nó painel do carro, e abriu a porta da garagem. Uma vez do lado de fora, fechou a porta do mesmo modo. Ao chegarem ao final da rua, manobrou habilmente o carro, entrando no trânsito no bulevar. — Por quanto tempo ficarei em seu poder? — Perguntou ela. A pergunta casual contrastava com seus olhos atentos. Não emparelhavam com outro carro tempo suficiente para ela estabelecer contato visual com o motorista ou passageiros. Não havia nenhum carro da polícia à vista. Greywolf dirigia com cuidado e dentro dos limites de velocidade. Não era bobo. Nem estava com vontade de falar. Simplesmente não respondeu à pergunta dela. 19


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— Sentirão a minha falta, você sabe. Tenho um negócio para gerir. Quando não aparecer para trabalhar, as pessoas começarão a me procurar. — Sirva-me uma xícara de café. Aislinn ficou boquiaberta pelo modo imperioso com que ele lhe emitia ordens, como se fosse o grande cacique guerreiro e ela a esposa submissa. — Vá para o inferno! — Sirva-me uma xícara de café. Se ele tivesse gritado, dado alguma demonstração de irritação, ela poderia tê-lo enfrentado. Mas as palavras saíram dos lábios dele tão suaves quanto serpentes deslizando de uma caverna. O que lhe causou um arrepio na espinha. Ele não a havia ferido, mas era um homem perigoso. Ainda trazia a faca presa ao cós. Um relance aos inflexíveis olhos cinza, que deixaram a estrada tempo suficiente para fixá-la no assento do carro, convenceram-na de que Greywolf era um inimigo a ser considerado. Depois de achar duas xícaras da Styrofoam no saco que ele levara, Aislinn verteu um pouco do café fervente e fragrante da garrafa térmica e lhe ofereceu. Ele não agradeceu, mas tomou um gole da bebida, piscando os olhos contra o vapor que subia da xícara. Sem pedir permissão, ela verteu outra xícara para si, antes de guardar a garrafa térmica. Fitou o café enquanto girava a xícara entre as palmas das mãos e tentou imaginar que planos ele teria para ela. Estava tão concentrada que se sobressaltou ao ouvi-lo falar. — Que tipo de negócio? — O quê? — Você disse que tem um negócio para gerir. — Oh, um estúdio de fotografia. — Você tira fotos? — Sim, retratos basicamente. Noivas. Bebês. Formandos. Esse tipo de coisa. Se ele entendeu, aprovou ou desaprovou, manteve em segredo. O perfil cinzelado nada revelou. Bem, mas seu trabalho não era nada muito excitante, pensou pesarosa. Ao se formar em jornalismo na faculdade, tinha aspirações de atear fogo no mundo com inúmeras fotos de um realismo provocante. Viajar ao redor do globo, capturando fogo, secas e inundações. Desejava evocar emoções intensas como raiva, amor e piedade em cada fotografia. Mas os pais tinham planos completamente diferentes para a única filha. Willard Andrews era um proeminente homem de negócios em Scottsdale. A esposa, Eleanor, uma socialite. Ambos esperavam que a filha fizesse a coisa "certa", distraindo-se com projetos convenientes até decidir se casar com um jovem apropriado. Havia um número considerável de clubes, aos quais ela poderia se associar, um número considerável de comitês que poderia presidir. Trabalho de caridade era permitido, contanto que não exigisse envolvimento pessoal. Uma carreira, tão arrojada quanto viajar para partes remotas do planeta, para tirar fotos de coisas horríveis demais para serem discutidas em festas ou jantares, certamente não se adequava aos planos dos seus pais. Depois de meses de argumentos infinitos, por fim a convenceram, e ela se curvou 20


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à vontade dos dois. Como concessão, o pai lhe financiou um estúdio de fotografia, onde Aislinn podia tirar fotos dos amigos dos pais e de suas proles. Não era uma ocupação ruim. Apenas um pouco distante do trabalho significativo que sempre sonhara realizar. Distraída, desejou saber o que os pais diriam agora se pudessem vê-la em companhia de Lucas Greywolf, e não foi capaz de reter o riso que borbulhou em sua garganta. — Está achando a situação divertida? — perguntou ele. — Nem um pouco — Respondeu, voltando a ficar séria — Por que não me liberta? — Não pretendia fazer um refém. Planejava apenas comer sua comida, dormir em sua casa por algumas horas para descansar e então partir. Mas você entrou e me pegou saqueando a cozinha. Agora, não tenho escolha a não ser levá-la comigo — Ele lhe lançou um olhar antes de acrescentar: — Na verdade, tenho uma escolha, mas não sou assassino. Pelo menos, não ainda. Aislinn perdeu a vontade de tomar café. Um gosto acre de medo inundou sua boca. — Você planeja me matar? — Não, a menos que você não me dê escolha. — Vou confrontá-lo durante todo o trajeto. — Nesse caso, teremos problemas. — Então vá em frente e acabe logo com isso. A espera que está me infligindo é cruel. — Assim é a prisão. — O que você esperava? — Aprendi a esperar pouco da vida. — Com certeza não foi por culpa minha que você foi parar na prisão. Cometeu um crime, tem que pagar por isso. — E qual foi o meu crime? — Eu... Eu não me recordo. Algo a ver com... — Organizei uma manifestação no palácio da Justiça em Phoenix, que acabou em pancadaria, com policiais feridos e o patrimônio público danificado — Greywolf disse aquilo de um modo que a fez pensar que ele não estava confessando, mas citando literalmente o que ouvira ser repetido numerosas vezes. — Mas acho que o meu verdadeiro crime foi ter nascido índio. — Isso é ridículo. Não pode culpar ninguém pelo seu infortúnio a não ser a si mesmo, sr. Greywolf. Um meio sorriso melancólico curvou-lhe os lábios. — Creio que o juiz disse algo semelhante quando me condenou. Um silêncio pesado caiu entre os dois, perdurando até o momento em que ela se aventurou a perguntar: — Quanto tempo passou na prisão? — Trinta e quatro meses. 21


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— E quanto tempo faltava para cumprir sua pena? — Três meses. — Três meses! — Exclamou espantada — Fugiu quando faltavam apenas três meses para cumprir a pena? Os olhos dele cruzaram o assento dianteiro do carro até ela. — Eu lhe disse que tinha algo a fazer e que nada me impediria. — Mas eles vão pegá-lo. — Sim, eles me pegarão. — Então, por que está fazendo isso? — Já lhe disse que eu precisava. — Nada poderia ser tão importante. — É. — Eles vão acrescentar meses, talvez anos, a sua pena. — Sim. — Isso não significa nada para você? — Não. — Mas está jogando fora anos da sua vida. Pense em todas as coisas das quais está abrindo mão. — Como uma mulher. As três palavras foram faladas brevemente e, como balas minúsculas, mataram o sermão dela. Aislinn calou-se depressa, sábia o bastante para manter silêncio a respeito daquele assunto em particular. Nenhum dos dois voltou a falar, contudo seus pensamentos pareciam correr na mesma sintonia. De perspectivas diferentes, cada um recordava os eventos da noite anterior. Aislinn não queria reconhecer suas recordações perturbadoras... Greywolf de pé, na entrada do banheiro, nu e molhado, sua ameaça indolente. Ou ele pressionando o sutiã dela no rosto, inalando seu cheiro com tamanha voracidade carnal. Ou desamarrando-a e a cobrindo quando ela estava adormecida. Os pensamentos eram sufocantes. Sentia-se asfixiada por eles, pela proximidade de Greywolf Por fim, evitou-o do único modo que era capaz. Fechou os olhos e descansou a cabeça no encosto do assento. — Inferno! Aislinn despertou abruptamente com a voz de Greywolf. — O que é? — perguntou ela, endireitando-se no assento e piscando os olhos contra a luz do sol da tarde. — Barreira na estrada — Respondeu ele, com os lábios mal se movendo. Pelas ondas de calor, refletindo sobre toda a extensão da rodovia, Aislinn viu que carros da patrulha estadual haviam bloqueado a pista. Oficiais paravam cada veículo, antes de deixá-los prosseguir. Antes que ela pudesse assimilar o quanto aquela visão era bem-vinda, Greywolf manobrou o carro para o acostamento e engrenou o ponto morto. Com um movimento 22


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ágil, avançou o espaço entre os bancos, se curvou sobre ela e desabotoou-lhe a blusa, empurrando-lhe o sutiã um pouco para baixo. — Ei, o que está fazendo? — ofegou ela, esmagando-lhe as mãos. A princípio, estava grogue pelo cochilo; depois, surpresa demais para repeli-lo. Até perceber o que estava acontecendo, ele já havia lhe desabotoado a blusa quase à altura da cintura, expondo-lhe praticamente os seios. — Estou confiando na natureza humana, é isso. — Conferindo seu trabalho manual e o julgando aparentemente satisfatório, Greywolf saltou para assento de trás. — É a sua vez de dirigir. Conduza-nos além daquela barreira. — Mas... Não! — Protestou ela veemente — Ficarei feliz se eles o capturarem! — Coloque este maldito carro em movimento ou eles vão suspeitar de nós. Sente o traseiro no banco do motorista e ponha o carro de volta na estrada. Agora! Aislinn fitou-o com um olhar hostil, mas obedeceu quando ele puxou a faca do cós da calça jeans e a apontou ameaçadoramente na direção dela. — Nem pense em buzinar — Advertiu ele, no instante em que ela pensava em fazer isso. Com faca ou não, ela pretendia passar pela barreira na estrada gritando feito louca. Assim que freasse, sairia pela porta e deixaria as autoridades cuidarem do selvagem. — Se estiver imaginando alguma coisa para se livrar de mim, esqueça — aconselhou ele. — Você não tem chance. — Nem você. Vou dizer que está em conluio comigo, que me abrigou ontem à noite e me ajudou a chegar até aqui. — Eles saberão que está mentindo — Ridicularizou ela. — Não quando investigarem os lençóis da sua cama. Chocada pelas palavras dele, Aislinn olhou depressa para trás. Greywolf estava deitado no assento traseiro como se estivesse adormecido. Na mão, segurava uma revista de fotografia que ela imaginou que ele pretendesse usar para proteger o rosto. — O que quer dizer? — Perguntou trêmula, não gostando do brilho de autoconfiança nos olhos cinzentos. — O que os lençóis na minha cama têm a ver com qualquer coisa? — A polícia encontrará evidência de sexo neles. — A face dela ficou pálida e as mãos apertaram o volante com tanta força que suas juntas ficaram brancas. Engoliu em seco, profundamente embaraçada. — Agora, se quiser uma explicação explícita, ficarei feliz em lhe fornecer — Disse ele num tom suave. — Mas você é adulta e acho que pode imaginar. Fazia bastante tempo que eu não via uma mulher despida, muito menos me deitado com uma, próximo o bastante para inspirar seu perfume, ouvi-la respirar. Pense nisso, Aislinn. Ela não queria pensar. Não. Suas mãos já estavam escorregadias de suor, e o estômago, revirando. Quando? Como? Ele podia estar mentindo, inventando tudo aquilo. Mas também podia estar dizendo a verdade. Antes de prendê-la, a polícia daria algum crédito ao seu lado da história? Que prova poderia apresentar para confirmar suas alegações? Não havia evidências de arrombamento na entrada da sua casa. Não seria incriminada por muito tempo, é claro. Logo ficaria provado que ele estava mentindo. Mas, enquanto isso, ele poderia complicar23


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lhe a vida. O incidente seria algo que ela jamais superaria, em especial com os pais, que ficariam mortificados. — Não me renderei sem uma boa briga — Murmurou ele, enquanto ela pisava no freio para reduzir a velocidade, assumindo seu lugar na fila junto aos outros carros — Eles não me levarão vivo. — A voz dele soava amortecida pela revista. Havia só um carro à frente dela agora. O guarda estava se curvando para falar com o motorista. — A menos que queira meu sangue em sua consciência, isso para não mencionar o de algum inocente que eu possa levar comigo, é melhor fazer o possível para passarmos essa barreira. O tempo para tomar uma decisão se esgotara. O policial acenou para o carro dá frente partir e em seguida sinalizou para ela avançar. Deus, como entrei nesta situação e o que vou fazer para sair? Era estranho, mas, quando chegou a hora, Aislinn não precisou pensar. Nem ponderar a decisão no delicado equilíbrio entre o bom-senso e a consciência. Apenas reagiu espontaneamente. Abaixou o vidro da janela e, antes que o policial pudesse proferir uma palavra, ela disparou: — Oh, oficial, estou tão feliz por ter me parado. Acho que há algo de errado com o meu carro. Esta luzinha vermelha continua piscando de tempos em tempos. O que acha que isso significa? Nada ruim, espero. O ardil funcionou. Aislinn fitou o policial com os olhos arregalados, ofegante. Pelo menos, as respirações superficiais, ansiosas, a faziam parecer ofegante. Os cabelos, que Greywolf não lhe dera tempo para pentear corretamente naquela manhã, estavam ainda mais desalinhados pelo cochilo dentro do carro. Caíam-lhe sobre os ombros em uma desordem bastante atraente, em particular para um guarda rodoviário, mal-pago, que desempenhava a ingrata tarefa de parar carros em um trecho deserto da estrada, sob o calor de agosto, para procurar um índio renegado, que, na opinião dele, provavelmente já se encontrava no México. — Bem, mocinha — Disse o oficial expansivo, afastando o chapéu da testa suada. — Vejamos qual é o problema aqui. O policial se curvou na janela aberta para conferir a luzinha vermelha que estava piscando de vez em quando, mas Aislinn sabia que os olhos dele estavam fixos nos seus seios. Mas, quando o homem olhou para o assento traseiro, sua expressão mudou. — Quem é esse cara? — Oh, é o meu marido — Disse desgostosa, com um negligente encolher de ombros. Girando uma mecha de cabelo várias vezes ao redor do dedo, desejou saber de repente se o tufo que Greywolf cortara seria notado. — Ele fica bravo como um urso velho se eu o desperto enquanto estamos viajando. Sempre me obriga a dirigir. Hoje, fiquei feliz por isso — Ela piscou os cílios sobre os grandes olhos azul-bebê e o oficial sorriu novamente. Greywolf era um excelente juiz da natureza humana. Por que estava indo a extremos para protegê-lo naquele momento, ela não sabia dizer e nem tinha tempo para analisar. O policial falou com ela outra vez. — Não estou vendo a luzinha vermelha agora — O pobre ridículo sussurrava, não querendo acordar o marido aparentemente adormecido, que poderia se mostrar um pouco mal-humorado com alguém que cobiçava a sua esposa. 24


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— Oh, está bem, obrigada — A coragem de Aislinn começava a se esgotar. Agora que ajudara e favorecera um criminoso, estava ansiosa para passar por aquela barreira na estrada sem ser descoberta. — Então, acho que não era nada. — Podia estar indicando que o seu motor aqueceu demais — Disse o policial, olhando-a de soslaio. — Eu sei que o meu aqueceu — Murmurou ele. Aislinn sorriu debilmente mesmo com a pele formigando de repulsão. Greywolf se remexeu e resmungou algo. O sorriso presunçoso do oficial desapareceu. — Até mais, então — Disse ela, tirando o pé do freio e o colocando suavemente no acelerador. Não queria aparentar muito ansiosa para partir, mas o motorista atrás dela buzinou impaciente. O policial lançou-lhe um olhar intimidante. — É melhor sanar o problema da luz se voltar a acontecer. Posso ligar para o reboque e... — Não, não, não se preocupe comigo — disse ela depressa. — Acordarei meu marido se voltar a acontecer. Adeus. Aislinn fechou o vidro da janela e pisou no acelerador. Olhando pelo espelho retrovisor, viu que o policial estava ocupado, explicando a situação ao motorista irritado, que ficara parado mais que o necessário. Só quando a barreira na estrada ficou fora do alcance da vista, permitiu que seus músculos relaxassem. Estava apertando o volante com muita força e soltou os dedos. As unhas haviam lhe provocado marcas nas palmas da mão. Exalando um suspiro longo e estremecido, desmoronou no assento do motorista. Greywolf pulou para o assento da frente com uma agilidade surpreendente para um homem tão alto. — Você foi ótima. Ninguém poderia supor que é novata na vida do crime. — Cale-se! — Gritou Aislinn. Com o mesmo descuido que ele demonstrara antes, ela desviou o carro para o acostamento. O cascalho pipocou sob os pneus quando pisou fundo no freio. Assim que o carro parou, ela abaixou a cabeça sobre o volante e começou a chorar — Eu o odeio. Por favor, deixe-me partir. Por que eu fiz isso? Por quê? Eu deveria tê-lo entregado. Estou assustada, cansada, faminta e sedenta. Você é um criminoso e eu nunca enganei ninguém na minha vida. Um oficial da lei! Agora posso ser presa também, não posso? Por que o estou ajudando, já que pretende me matar de qualquer maneira? Greywolf sentou-se imóvel ao lado dela. Quando, por fim, ela parou de chorar, secou as bochechas molhadas com as costas das mãos e olhou para ele com olhos inchados e chorosos. — Eu gostaria de lhe dizer para se animar, que o pior já ficou para trás, mas parece que nossos problemas apenas começaram, Aislinn. Ele contemplava os seios dela, o que imediatamente a fez lembrar que estavam expostos. Com as mãos trêmulas, puxou o tecido da blusa para cobri-los. — O que quer dizer? — Refiro-me às barreiras na estrada. Eu não contava com isso. Precisamos achar um aparelho de televisão. 25


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— Um aparelho de televisão? — Repetiu ela num tom de voz débil. Os olhos de Greywolf esquadrinharam a extensão da estrada atrás e à frente deles. — Sim. Tenho certeza de que os noticiários devem estar falando sobre a batida policial. Com sorte, teremos um relato detalhado de como as autoridades planejam me prender. Vamos continuar. Ele acenou com o queixo para frente. Cansada, ela guiou o carro de volta à estrada. — E o rádio do carro? Não podemos ouvir as notícias nele? — Não tão bem detalhadas — Disse ele, sacudindo a cabeça — E nunca ouviu dizer que uma imagem vale mais que mil palavras? — Suponho que saiba me orientar para onde devo ir e quando devo parar. — É claro. Apenas dirija. Durante quase uma hora, viajaram em silêncio, embora ele tivesse lhe oferecido queijo e bolachas, que tirou de um saco. Após descascar uma laranja, dividiu-a entre os dois. Aislinn não gostou de ter que comer da mão dele, mas abriu os lábios, obediente, a cada vez que ele colocava um pedaço da laranja em sua boca. Ao chegarem aos arredores de uma cidade com uma aparência sombria, Greywolf a instruiu a reduzir a velocidade. Estavam passando por tavernas que margeavam a estrada, com prostitutas, velhas e tristes, à espera de clientes. — Lá — disse sucinto, apontando com um dedo. — Pare na Tumbleweed. Uma expressão de desgosto se assomou ao rosto de Aislinn. Dentre todas as espeluncas, a Tumbleweed tinha a aparência mais desprezível. — Espero que tenhamos chegado a tempo do happy hour — Observou sarcástica. — Eles têm uma televisão — Disse Greywolf, depois de ter apontado para a antena que se sobressaía no telhado. — Desça. — Sim, senhor — Resmungou enfadada e abriu a porta. Era bom estar de pé. Colocando as mãos nas costas, se espreguiçou, fazendo a circulação voltar aos seus pés. Havia apenas alguns outros veículos parados no estacionamento empoeirado em frente à taverna. Greywolf segurou-a pelo braço e a arrastou com ele em direção à porta. Uma boa porção da tela enferrujada havia sido arrancada de sua armação. A borda denteada que se retorcia parecia tão intimidante quanto o restante do lugar. O plano de Aislinn era aparentar-se resignada, mas, no momento em que se aproximaram da porta, pensou em gritar por ajuda. — Esqueça o que está pensando. — O que estou pensando? — Que vai escapar de mim e colidir com os braços seguros de um salvador. Creia, sou a companhia mais segura que você pode ter em uma espelunca como esta — Aquilo não era de admirar, já que o vira enfiar a faca na bota antes de deixar o carro — Não — Disse ele, envolvendo-a pelos ombros — Tente aparentar como se tivesse acabado de ter uma transa sensacional. — O quê?! 26


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— Certo. Estamos tendo um encontro ilícito no meio da tarde. — Você é louco se pensa... E pare com isso — Exclamou quando ele passou o braço ao redor da cintura dela, aproximando a mão perigosamente do seu seio. Os dedos duros apertavam-lhe a carne tenra, em um abraço, do qual não havia chance de escapar. — Ora, meu bem, isso é maneira de falar com o seu amante? Assumindo um andar afetado, não muito convincente, ele abriu a tela; em seguida, a porta frágil, e adentrou o interior escuro e esfumaçado. Para manter o equilíbrio, Aislinn agarrou-se à parte da frente da camisa dele, pressionando a mão contra o peito musculoso. Greywolf olhou para ela e piscou como se aprovasse o seu gesto. Ela sentiu vontade de gritar, dizer-lhe que só o estava tocando porque não tinha escolha entre fazer isso ou cair. Porém, não disse nada. Estava abatida, sem palavras, graças ao ambiente rude que a circundava. Locais como a Tumbleweed costumavam ser retratados em filmes, mas ela certamente jamais estivera no interior de um. O teto baixo escuro parecia encoberto por uma cortina de fumaça de tabaco. Precisou de algum tempo para ajustar os olhos à escuridão, porém ver o lugar com mais clareza só a deixou ainda mais aflita. Em frente ao bar, havia uma fila de tamboretes estáticos com assentos forrados de vinil vermelho. Pelo menos, algum dia tinham sido vermelhos. Agora, todos velhos, exibiam uma cor castanha engordurada e suja. Só três estavam ocupados. Quando a porta se fechou atrás deles, três pares de olhos os fitaram com um olhar suspeito. Um par, carregado de maquiagem pesada, pertencia a uma loira extravagante que tinha um pé descalço apoiado sobre o tamborete mais próximo. Estava pintando as unhas dos dedos do pé. — Ei, Ray, temos fregueses — Gritou ela. Ray, assumiu Aislinn, era o homem obeso atrás do balcão. Curvado para frente, com os antebraços volumosos apoiados em um refrigerador, tinha os olhos grudados na tela da televisão, assistindo a uma novela. — Então vá atendê-los — Berrou ele de volta, sem desviar os olhos do aparelho. — Minhas unhas ainda não secaram. Ray desfiou um rosário de obscenidades que Aislinn imaginava reservadas apenas às paredes de sanitários públicos em zonas portuárias. Afastando o corpo gordo do refrigerador, fitou-os com um olhar azedo. Ela foi a única a perceber isso. Greywolf tinha a face enterrada nos cabelos dela e a língua em sua orelha. Mas, aparentemente, não deixara passar nada. — Duas cervejas geladas — Disse ele, alto o bastante para Ray ouvir. Então, empurrou Aislinn de leve, conduzindo-a em direção a uma das mesas encostadas ao longo da parede. O local lhes proporcionaria uma ampla visão da TV e da porta. — Sentese, e rápido — Sussurrou ele para o bem dela. Já que estava sendo empurrada para baixo, Aislinn não teve alternativa e sequer a chance de ver se o assento estava limpo, mas provavelmente seria uma sorte se estivesse. Greywolf deslizou na cadeira depois dela, prendendo-a contra a parede. — Você está me esmagando — Reclamou ela num tom abafado. — Essa é a idéia. Ele a estava mordiscando no pescoço, quando Ray se aproximou com duas cervejas nas mãos, que mais pareciam dois pés de porco com unhas sujas. As garrafas 27


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produziram um baque sólido na mesa de fórmica lascada quando o homem as pousou. — Três dólares. Aqui se paga adiantado. — Pague ao homem, querida — Pediu Lucas, acariciando-lhe o ombro com um movimento circular. — Estou ocupado. Aislinn trincou os dentes, esforçando-se para não gritar para ele afastar as mãos dela, ou sair dali, ou ir para o inferno. Mas, na verdade, sentia-se feliz por tê-lo a seu lado. Greywolf sabia o que se sentia dizendo. Mesmo que ela conseguisse a comiseração de Ray e dos outros, duvidava que pudesse confiar naquelas pessoas. Pelo menos, o índio era um vilão familiar. Após pegar três notas de um dólar na bolsa, ela as colocou sobre a mesa. Ray, ainda olhando para a TV por sobre o ombro, para não perder um segundo da novela, pegou o dinheiro e se afastou. — Boa menina — Murmurou Lucas ao ouvido dela. Aislinn desejou que Greywolf não fosse tão convincente em sua atuação, agora que Ray já não representava uma ameaça. Podia pelo menos remover a mão de dentro da sua blusa, onde seus dedos dedilhavam a alça do sutiã dela. — E agora? — Agora nos beijamos. — Vá para o... — Shh! — Sibilou furioso — Quer chamar atenção do Ray? Ou, quem sabe, aqueles dois vaqueiros façam mais o seu tipo. Eles adorariam salvar uma donzela em apuros. — Oh, pare com isso — disse ela, sentindo os lábios dele deslizarem pelo seu pescoço — Achei que você tivesse vindo aqui para assistir à televisão. — E vim. Mas não quero que eles percebam isso. — Então devo ficar aqui sentada, deixando você me bolinar? — Lucas emitiu um murmúrio de concordância — Por quanto tempo? — Pelo tempo que for necessário. A cada meia hora pediremos cervejas geladas, logo Ray não ficará aborrecido conosco por ocupar seu valioso espaço. Como um homem podia falar tão racionalmente, mordiscando-lhe o pescoço com tanta suavidade, Aislinn não sabia. Ela se afastou dos lábios ávidos de Lucas. — Não posso beber tanto. — Quando ninguém estiver olhando, jogue a cerveja no chão. Duvido que alguém vá notar. — Eu também duvido — Concordou ela com um calafrio, erguendo o pé do chão, que estava pegajoso com substâncias que ela não conseguia identificar — Têm certeza de que vai valer à pena? — Qual o problema, querida? Não está gostando? — Sua mão alcançou a abertura da blusa dela e abriu um dos botões. — Não. — Quer passar por outra barreira na estrada? Ou gostou de excitar aquele pobre policial? — Você é desprezível — Apoiando-se no acolchoado granuloso do assento, tentou 28


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se manter passiva às carícias das mãos e da boca de Lucas Greywolf — Não estou convencido de que você está gostando, doçura. Dessa maneira, eles também não ficarão. Tente ser mais carinhosa — Rosnou ele, aproximando a boca dos lábios dela. — Não. Isso é nojento. Lucas ergueu a cabeça e a fitou com um olhar frio. — Por quê? Ele se ofendera. Mas por quê? Porque achara o comentário racista ou porque achara que ela estava difamando suas habilidades amorosas? De qualquer maneira, o que importava se o ofendera ou não? — Não estou acostumada a agir dessa forma em lugares públicos, senhor... O nome não chegou a ser proferido. Não teve chance. Lucas esmagou-lhe os lábios com os seus, lacrando seu nome lá dentro. Foi um beijo funcional, impessoal, apenas para mantê-la quieta. Ele sequer abriu os lábios. Mesmo assim, o contato morno mexeu com as entranhas de Aislinn, que não foi capaz de exprimir um único som. — Tenha cuidado — Murmurou ele ao se afastar. Ela apenas assentiu com a cabeça, desejando que o coração esfriasse. De uma coisa estava certa, não o provocaria mais com perguntas ou assuntos. Não queria que ele a beijasse novamente. Não sabia por que, mas não queria que ele a beijasse novamente. Por sorte, ninguém prestava muita atenção neles. Parecia ser uma regra não escrita dos donos da Tumbleweed deixar os fregueses à vontade, só interferindo se fossem chamados. Embora aparentasse totalmente absorvido em suas carícias ousadas, Greywolf estava atento ao que se passava a seu redor. Seus olhos nunca paravam, embora parecessem paralisados pela excitação, com as pálpebras semicerradas. Sob as sobrancelhas escuras, observava cada rosto, procurando por sinais de reconhecimento, mas ninguém prestava atenção aos dois. Ray ou sua garçonete, depois que as unhas secaram, traziam cerveja para a mesa quando Greywolf embriagadamente pedia outra. Fora isso, ninguém lhe dispensava a mínima atenção. Clientes entravam e saíam. A maioria ficava apenas tempo suficiente para tomar uns dois drinques antes de partir. Alguns bebiam sozinhos. Outros entravam em grupos de dois ou três. Outros jogavam na máquina de pinball, até as campainhas soarem e as luzes piscarem quase a deixando louca. Quando, por fim, partiam, a televisão era a única distração. A reprise de uma comédia detinha toda a atenção de Ray agora. Para Aislinn, o tempo parecia se arrastar. Não que estivesse entediada. Suas terminações nervosas zuniam. Continuava dizendo a si mesma que era porque estava esperando por um salvador em potencial entrar por aquela porta. Mas, para ser sincera, achava que sua agitação tinha mais a ver com os estímulos sexuais que Greywolf lhe impunha. E do que mais poderia ser chamado aquilo? Que outro termo poderia ser aplicado ao modo como ele corria os dedos pelos cabelos dela, segurando-lhe a cabeça para trás, enquanto seus lábios percorriam-lhe a curva delicada do pescoço, beijando-a e mordiscando-a. Ou o modo como lhe apertava a coxa e roçava os lábios ao redor da pele sensível da orelha dela, quando a garçonete lhes servia a cerveja. 29


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— Não faça isso — Gemeu Aislinn, quando aquela carícia em particular fez a pele dos seus braços se arrepiar. — Gemer é bom. Continue — Murmurou ele, quando dois caminhoneiros passaram pela mesa deles em direção à máquina de pinball. Segurando-lhe a mão, introduziu-a para dentro da camisa dele, pressionando-a de encontro à pele do seu peito. Aislinn fez uma tentativa frágil de afastá-la, mas ele não permitiu. Enquanto era forçada a tocá-lo, cedia à própria curiosidade. Tão discretamente quanto possível, enrolou as pontas dos dedos na carne firme. O dedo polegar se moveu um pouco, encontrando um mamilo rijo. Greywolf inalou o ar com um ruído afiado. — Deus todo-poderoso — Amaldiçoou. — Não faça isso — Seu corpo estivera tenso a tarde toda, mas nada se comparava ao modo retesado e alarmante em que se encontrava agora. Aislinn afastou a mão. — Só estou fazendo o que você... — Shh! — Não diga que... — Shh! Olhe. Na tela. Ela olhou para a televisão. Um repórter de Phoenix falava sobre a caça ao índio foragido da prisão, o ativista Lucas Greywolf. Uma foto dele foi estampada na tela. Aislinn a fitou, mal o reconhecendo. Seus cabelos estavam mais curtos, quase raspados. — A foto não lhe faz jus — Disse ela num tom seco. O canto da boca de Greywolf se curvou com a sugestão de um sorriso, mas sua atenção se focava no mapa do Arizona que agora era exibido. Como ele imaginara, as mídias não estavam contribuindo muito com as autoridades policiais. Descreviam os locais onde as barreiras na estrada haviam sido fixadas. Embora a divulgação de notícias como aquela sabotassem o trabalho da polícia, cada estação de televisão tinha como meta principal vencer seus concorrentes com um furo jornalístico. Assim que o repórter começou a noticiar outras matérias, Lucas ergueu-se depressa. — Certo. Vamos embora. E lembre-se de cambalear. Para todos os efeitos, bebeu várias cervejas. Greywolf ofereceu-lhe a mão, mas nesse instante teve a atenção desviada para a entrada, quando a porta se abriu e outro freguês entrou. Incapaz de se conter, deixou escapar um palavrão. Sua voz soou suave, mas não menos veemente, ao ver um oficial da lei entrando na taverna.

Capítulo Três

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Tirando o chapéu de modo casual, o oficial limpou a testa suada com a manga da camisa. Aislinn endireitou-se na cadeira e prestou atenção. Seu uniforme era de um xerife ou, pelo menos, de um substituto. — Stella, traga-me uma cerveja — Ordenou ele assim que a porta se fechou. A garçonete loira se virou e lhe mostrou um largo sorriso de boas-vindas que indicava o nível de familiaridade entre os dois. — Ora, veja só quem chegou — Recostando-se no balcão, a mulher apoiou os cotovelos na beirada. A postura deixava os enormes seios em evidência. O xerife lhe lançou um olhar de avaliação, com um sorriso lascivo. — Sentiu a minha falta, não é? — Claro que não — Respondeu ela num tom arrastado, passando o braço ao redor do pescoço bronzeado do oficial, quando ele se sentou no tamborete próximo de onde ela estava — Você sabe como eu sou. Longe dos olhos, longe do coração. — Durante dois dias andei perseguindo um maldito índio que ninguém sabe onde está. Agora, tudo que preciso é de algumas cervejas e um pouco de carinho. — Nessa ordem? — A loira se curvou e ronronou a pergunta junto aos lábios dele. O homem a beijou e deu-lhe um tapinha no exagerado quadril. — Traga-me cerveja. Stella foi fazer o que o caçador pediu, enquanto a caça permanecia sentada na mesa, próximo a Aislinn. — Maldição — Murmurou Greywolf, batendo o punho na coxa embaixo da mesa. — Só mais alguns minutos e teríamos partido. Maldição. Continuou com a ladainha frustrada, curvado sobre Aislinn o tempo todo como se os dois estivessem se acariciando — Não ouse fazer nada para chamar a atenção dele. Porque, para libertá-la, querida, ele terá que passar por mim. — O que pretende fazer? — Por enquanto, nada — Respondeu, beijando-a no pescoço — Talvez ele vá embora. Mas, aparentemente, o oficial pretendia aproveitar para se divertir. As duas cervejas se transformaram em três, e então quatro. Stella não saía do seu lado, a menos que fosse forçada a atender outros fregueses. Flertavam de modo descarado, trocando insinuações sexuais, até que os gracejos provocantes passaram a sussurros suaves, particulares, pontuados, ocasionalmente, pelo riso baixo e sensual da garçonete. As mãos do xerife jamais ficavam paradas, sempre a acariciando incessantemente. Stella nunca objetava. Aislinn se enchera de esperança com o surgimento inesperado do xerife, mas agora duvidava que o oficial estivesse preocupado com a prisão do foragido. Havia muitas pessoas, índios e brancos, que consideravam a prisão de Lucas Greywolf injusta e simpatizavam com sua causa. O excitado xerife poderia ser um deles. Era capaz de olhar para o outro lado se Greywolf cruzasse o seu caminho. Entretanto, ele representava sua única chance de poder escapar. E esperava contar com o homem da lei. Todavia, não estava certa se ele lhe agradeceria por arruinar a noite que planejava passar em companhia de Stella. — No momento certo, vamos levantar e partir, entendeu? 31


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— Sim — Concordou ela. Talvez um pouco depressa demais. Greywolf ergueu a cabeça de leve e, fitando-a nos olhos, pegou algo embaixo da mesa. Antes mesmo de ver a lâmina da faca faiscar no recinto escuro, ela percebeu que ele a havia retirado da bota. — Não me faça usá-la, Aislinn. Principalmente em você. — Por que não em mim? Os olhos cinzentos deslizaram sugestivamente pelo corpo dela. — Porque, após passar uma tarde tão aprazível a seu lado, odiaria ter de feri-la. — Espero que você queime no fogo do inferno — Disse ela, forçando cada palavra severa a passar pelos dentes. — Tenho certeza de que o seu desejo será atendido — Greywolf calou-se e retrocedeu a atenção ao casal no bar. Observava-os como um falcão, seus olhos não vacilavam. Quando a mão do xerife fez uma passagem exploratória pelos seios de Stella, ele disse: — Agora. Aislinn esperava que ele deixasse a mesa e caminhasse em direção à porta. Mas, em vez disso, Greywolf a ergueu de repente, se valendo do elemento surpresa. O que funcionou lindamente a seu favor. Para recuperar o equilíbrio, ela precisou se apoiar nele. Envolvendo-a pela cintura, ele a puxou para si. Com os punhos pressionados contra o tórax dele, ela tentou afastar o corpo e abriu a boca. Porém, tudo que saiu foi um breve suspiro. Greywolf deslizou a faca entre seus corpos. — Não faça nada — A voz severa soou perigosamente calma e fria. O que efetivamente acabou com as esperanças de Aislinn de escapar. Ambos caminharam cambaleantes em direção à porta, ele com a cabeça curvada sobre a dela, como se estivesse bêbado. — Ei, senhor. Os passos de Aislinn hesitaram, mas os de Greywolf, não. Ele continuou caminhando. — Ei, senhor! Estou falando com você, chefe. Aislinn sentiu o hálito quente de Greywolf de encontro à bochecha, antes de ele parar e erguer a cabeça. — Sim? — perguntou ele a Ray, que o havia chamado. — Temos quartos nos fundos disse o homem, apontando com o dedo polegar sobre o ombro — Você e sua senhora não querem passar a noite? — Não, obrigado. Tenho que levá-la para casa antes do homem dela chegar. Ray riu lascivamente e voltou a assistir à série policial que passava na televisão. O xerife, vertendo toda a sua paixão no beijo que aplicava na boca receptiva de Stella, sequer ergueu a cabeça. Uma vez do lado de fora, os pulmões de Aislinn se encheram de ar puro. Ela pensou que jamais conseguiria tirar o cheiro úmido de cerveja e tabaco de suas narinas. Greywolf não desperdiçou tempo em luxos como respirar fundo e se apressou em direção ao carro. Minutos mais tarde, haviam colocado vários quilômetros entre eles e a Tumbleweed. Só então ele respirou aliviado. Abaixou o vidro da janela e parecia apreciar o vento de encontro ao rosto. 32


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— Você está ficando muito boa em burlar a lei — Observou. — Não gostei de ter aquela faca encostada em minhas costelas. — Eu não esperava que gostasse. Greywolf parecia saber para onde estava indo, entretanto Aislinn sabia que aquela estrada em que viajavam agora não era muito movimentada. Pistas estreitas. Sinalização escassa. Nenhuma iluminação. Nenhum acostamento. Poucos carros trafegavam por ali e, quando passavam por algum, ela prendia o fôlego com medo de baterem de frente. Greywolf pisava fundo no acelerador, mas sem se descuidar da segurança. Após algum tempo, fitando as faixas brancas que dividiam as duas mãos da estrada, o movimento tornou-se hipnótico e ela adormeceu. Mas, momentos depois, o palavrão que Greywolf proferiu quebrou o silêncio e a fez despertar. — Desgraçado! — Alguém está nos seguindo? — Perguntou esperançosa, endireitando-se no assento e olhando para trás. — A luz do radiador acendeu. O entusiasmo de Aislinn despencou do mesmo modo que seus ombros cansados. Por um momento, nutrira a esperança de que o xerife ou alguém na Tumbleweed o tivesse reconhecido, mas achado mais prudente pedir reforços. — Já estava acendendo esta tarde — Disse ela, recostando-se no assento outra vez. Greywolf virou a cabeça e a fitou. O rosto moreno estava iluminado apenas pelas luzes do painel, que lhe conferiam um tom esverdeado, fazendo-o parecer ainda mais perigoso. Seus olhos pareciam lívidos, prateados, furiosos. — Quer dizer que o motor de fato estava superaquecido esta tarde? — Não me ouviu dizer isso ao guarda rodoviário quando passamos na barreira? — Pensei que fosse apenas parte da sua encenação — Gritou ele. — Bem, não era. — Então por que não me disse antes de eu pegar esta estrada deserta? — Você não perguntou! Greywolf terminou a acirrada discussão com um palavrão, que ela, com certeza, não podia retrucar, com medo de ser atingida por um raio. Aislinn sentiu os dentes infe riores quase baterem no céu da boca, quando ele deu uma súbita guinada no volante, conduzindo o carro para fora da estrada. — Aonde você vai? — perguntou assustada. — Tenho que deixar o carro esfriar ou o motor vai explodir. Não posso fazer nada para consertá-lo nesta escuridão — Dirigiu vários metros para fora da estrada. O terreno era tão acidentado que Aislinn precisou se apoiar no painel para evitar ser arremessada no chão. Quando finalmente pararam, o motor assobiava como uma chaleira de chá fervente. Greywolf abriu a porta e saiu. Do lado de fora, encostou-se no veículo e curvou a cabeça. — Maldição! Perdi tempo demais hoje. Primeiro naquela taverna horrorosa. Agora isto — Aparentava estar extremamente transtornado por aquela demora forçada. Caminhou até o capo do automóvel e, irritado, chutou um dos pneus, praguejando sem parar. 33


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Aislinn saiu do carro e esticou os músculos. — Estamos com tempo contado para chegar em algum lugar? — Sim. Estamos. — O tom severo a aconselhou a se conter e não insistir no assunto. Depois de algum tempo, Greywolf sacudiu a cabeça e deixou escapar um suspiro resignado — Já que vamos ficar presos aqui, podemos aproveitar para dormir um pouco. Vá para o banco de trás. — Não estou com sono. — Vá para o banco de trás assim mesmo. A voz máscula ecoou pelo deserto como um trovão nefasto e distante. Aislinn fulminou-o com o olhar, mas obedeceu. Deixando todas as portas abertas, com exceção de uma na parte traseira, ele entrou no veículo atrás dela. Acomodando-se em um canto contra a porta, Greywolf abriu bem as pernas e, antes que ela percebesse o que ele ia fazer, puxou-a para si. — Largue-me — Exigiu enfurecida. Ela se contorceu, mas, já que isso só serviu para acomodar melhor seu quadril entre a abertura das pernas dele, parou. — Vou dormir. E você vai fazer o mesmo — Deitando-a de encontro ao seu tórax, envolveu-a com os braços. Pareciam duas faixas de aço apertando-a pouco abaixo dos seios. Era uma posição extremamente enervante, contudo não dolorosa. Nem mesmo incômoda, se ela conseguisse relaxar. O que certamente não seria capaz. — Não posso ficar vagando por aí no deserto, Greywolf. Solte-me. — Sem chance. A menos que prefira ficar amarrada ao volante. — Aonde eu iria, se escapasse? — Se há uma coisa que aprendi é que você é uma mulher cheia de estratagemas. — Estamos no meio do nada. Está escuro. — Há luar. Sim, ela percebera. E havia estrelas, de um modo como jamais vira na vida. Enormes, brilhantes e próximas. Não se pareciam com as estrelas vistas na cidade. Em qualquer outra ocasião, poderia ter apreciado aquela noite. Permitido que sua magnificência a envolvesse e desfrutado de sua insignificância comparada àquela imensidão. Mas não queria se lembrar da beleza daquela noite. Mais tarde, queria apenas se lembrar do horror pelo qual estava passando. — Eu seria louca se saísse por aí sozinha, mesmo se soubesse onde estava e pudesse me livrar de você. — E por isso que estou me certificando de que não fará tal loucura. Agora, fique quieta, para o seu próprio bem. A tensão por trás daquela advertência a alertou para outras coisas. Como os tremores que faziam os braços que sustentavam seus seios vibrarem. Como a pressão de encontro ao seu quadril. Aislinn engoliu em seco, não se permitindo pensar no que aquilo poderia significar. — Por favor, quer me soltar? — Estava disposta a engolir o orgulho e suplicar-lhe, porque não se julgava capaz de passar a noite toda naquela posição. Não porque a repugnasse, mas porque não a repugnava o bastante — Solte-me. 34


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— Não. Sabendo que era inútil, Aislinn parou de tentar fazê-lo mudar de idéia. Mas se recusava a relaxar. Suas costas estavam tão rijas quanto uma tábua contra aquele tórax largo. Logo seu pescoço começou a doer pela tensão de manter uma pequena distância entre eles. Enquanto não o sentisse adormecido, não apoiaria a cabeça em seu ombro. — Você é muito teimosa, srta. Andrews. Aislinn fechou os olhos e trincou os dentes, sabendo que ele era o responsável pela sua teimosia e pelo fato de ela não se render. Lucas com certeza estava agindo deliberadamente para irritá-la. — Se afrouxasse um pouco os braços, eu poderia respirar com mais facilidade. — Ou alcançar a faca. — Ambos ficaram em silêncio; então, por fim, ele disse: — Você é uma das poucas. — Poucas o quê? — Mulheres com quem passei mais de uma noite. — Não espere que me sinta lisonjeada. — Não espero. Tenho certeza de que uma virgem branca como você não pode imaginar nada pior que ter um índio entre suas coxas alvas. — Você tem um linguajar vulgar. E eu não sou virgem. — Já foi casada? — Não. — Então viveu com um homem? — Não. — Casos? — Não é da sua conta. Aislinn preferiria morrer a contar-lhe que tivera apenas um relacionamento. Uma terrível e frustrante experiência na qual se envolvera, mais para satisfazer a própria curiosidade. Havia apenas um afeto moderado, pouca comunicação, nenhum calor ou proximidade e muito menos paixão. Depois disso, ficara desiludida e desapontada, e imaginara que seu parceiro também. Jamais voltara a se arriscar naquele tipo de relacionamento desagradável, e ultimamente começara a pensar que não tinha muita inclinação para o sexo. Os homens com quem saía tentavam, mas nenhum lhe despertava interesse para aprofundar a relação além de um jantar ocasional e um beijo de "boa-noite". Em vez de conversar sobre a sua vida amorosa ou a falta dela, Aislinn resolveu perguntar sobre a dele. — E você? Quantos amores já teve? No entanto, ou ele havia adormecido ou a ignorou. De qualquer modo, nenhuma resposta foi proferida. Aislinn se aconchegou mais, procurando se aquecer. Um resmungo suave, como o ronronar de um grande felino, ecoou pelas partes despertas da sua mente. Moveu-se e, quando o cérebro começou a interpretar as 35


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informações que os seus sentidos estavam lhe enviando, despertou de repente e abriu os olhos. — Oh, meu Deus! — Exclamou. — Eu é que devia dizer isso — Gemeu ele. Ela estava esparramada sobre Lucas Greywolf. Em alguma hora, durante a noite, ela havia se virado, de modo que agora sua bochecha descansava sobre o tórax nu e musculoso, exposto pela camisa aberta. Os seios estavam pressionados contra o abdômen dele e os quadris... — Oh, Deus! — Repetiu o argumento, ao perceber que a parte interna de suas coxas se amoldava perfeitamente ao contorno rijo da masculinidade de Greywolf com a face ardendo, afastou-se e sentou-se do outro lado do assento traseiro — Sinto muito — Gaguejou, evitando encará-lo. — Eu também — Rangeu ele, enquanto abria a porta do seu lado e praticamente caía do lado de fora. Por um bom tempo, permaneceu lá, ao lado do carro. Aislinn não ousou perguntar por quê. Ela sabia. Depois de vários minutos, ele caminhou até a frente do carro e ergueu o capô. Mexeu em algo no motor; então voltou e se agachou junto à porta aberta do veículo. — Tire o sutiã. Se ele tivesse dito, "abra as asas e voe", ela não poderia ter ficado mais espantada. — O quê? — Você me ouviu. Ou isso ou a blusa. Mas depressa. Já perdemos tempo demais. Passava um pouco do amanhecer e o rubor de Aislinn se aprofundou quando percebeu o quanto os dois haviam dormido. Claro que o dia anterior fora exaustivo e... — Se você não tirar, eu mesmo o farei — Disse ele, interrompendo-lhe os pensamentos bruscamente. — Então, vire-se. — Oh, pelo... — Ele se virou. Apressada, ela abriu a blusa, retirou o sutiã, vestiu a blusa outra vez e a abotoou. — Tome — Disse, empurrando a peça na direção dele. Greywolf pegou-a sem dizer uma palavra e a levou para frente do carro. Após vários minutos de trabalho árduo e alguns xingamentos, fechou o capô e se sentou no assento do motorista, esfregando as mãos nas pernas da calça jeans. Tudo que falou a título de explicação foi: — Isso pode resolver o problema por algum tempo. Mas não muito. Trafegaram apenas uns 30km, quando um espiral de fumaça branca começou a subir do capô. — É melhor parar antes que o carro exploda. — Sugeriu ela. Não haviam trocado uma única palavra desde que partiram. Se Lucas Greywolf estivesse tão abalado quanto ela, pela posição em que os dois se encontraram ao despertar, ela compreendia aquela reticência. Aislinn continuou a se lembrar de coisas que desejava poder extirpar da mente, como a maciez e o calor dos pelos do peito dele de encontro aos seus lábios. As mãos firmes que lhe amoldavam e lhe acariciavam os quadris, antes de ela despertar completamente. E como se sentia bem momentos antes de a consciência trazê-la de volta 36


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à realidade. O semblante distante de Greywolf não deixava transparecer o que ele pensava, enquanto manobrava o carro mais uma vez para fora da estrada. — Bem, aquele sutiã não fez muito mais pelo motor do que faz para manter seus mamilos tampados. Aislinn ofegou em choque, mas ele abriu a porta e saiu. — Venha. — Para onde? — Para a cidade mais próxima. — Está querendo dizer que vamos caminhar? — Perguntou incrédula. Estavam no meio do nada, cercados por todos os lados por um terreno árido. Ao longe, podia se ver as silhuetas arroxeadas das montanhas. Mas até lá não havia nada além de um solo pedregoso, a palma calosa da mãe natureza, só abrandada pela faixa cinza da rodovia. — Até alguém parar para nos dar carona — Disse ele em resposta à pergunta dela. E começou a caminhar. Aislinn não teve escolha a não ser sair do carro e segui-lo, até conseguir alcançá-lo. Não estava em condições de ficar sozinha. Ele podia não voltar para buscá-la e, pelo visto, poderia esperar dias até outro carro passar por ali. Já estava sedenta, e ter comido alguns biscoitos da provisão que Greywolf pegara da cozinha dela só piorou ainda mais as coisas. Caminharam pelo que lhe pareceu uma eternidade. Tinha que se esforçar para manter o ritmo dele, com o sol incidindo inclemente sobre a sua cabeça. O terreno era propício aos monstros-de-gila e a outras espécies de répteis que ocasionalmente cruzavam o caminho deles. Por fim, ouviram o ruído do motor de um veículo e se viraram. Uma caminhonete se aproximava. Aparentava um espectro vermelho enfraquecido, materializando-se através das brilhantes ondas de calor. Antes que Greywolf erguesse o braço para acenar, o motorista começou a diminuir a velocidade. Três índios Navajo se encontravam sentados ombro a ombro na cabine da velha caminhonete. Após conversar brevemente com eles, Greywolf puxou Aislinn para a traseira do veículo. — Eles o reconheceram? — Talvez. — Não está com medo que o entreguem? Ele sacudiu a cabeça, e, apesar do calor, ela tremeu com o relance frio que lhe foi lançado. — Não. — Oh, entendo. Sentem-se moralmente obrigados a manter silêncio. Greywolf não se preocupou em responder, apenas virou os olhos para o horizonte, em direção ao nordeste, para onde deviam estar se dirigindo, deduziu Aislinn. Um silêncio hostil perdurou durante todo o trajeto até uma pequena e empoeirada cidade. Conversar não teria sido fácil, de qualquer maneira. O vento quente açoitava o 37


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rosto dela com força, sugando-lhe o ar dos pulmões. Enquanto ainda se encontravam nos arredores da cidade, Greywolf bateu no párabrisa traseiro da pickup e o motorista diminuiu a velocidade, parando em frente a um posto de gasolina. Ele saltou e a ajudou a descer. — Muito obrigado — Disse Greywolf ao motorista, que ergueu o chapéu de palha e acenou, antes de engrenar a caminhonete e partir. — E agora? — Perguntou Aislinn. Sabia instintivamente que os Navajo não apareceriam, e o fato de parar em uma cidade fez reacenderem as esperanças. Suas esperanças, porém, morreram no momento em que viu a comunidade. As ruas estavam desertas. Com exceção de galinhas que bicavam o solo estéril a uns 3m da estrada, não havia sinal de vida em parte alguma. A cidade aparentava ser hostil e tão inóspita quanto o deserto que os cercava. Greywolf caminhou em direção à frágil construção que abrigava o posto de gasolina. Aislinn se esforçou para segui-lo, arrastando os pés. Nunca passara tantas adversidades na vida. O suor, que lhe ensopara as roupas e o corpo durante a caminhada ao longo da estrada, havia secado e deixado um resíduo arenoso e salgado em sua pele, que coçava loucamente. Sentia calor, estava pegajosa e queimada pelo sol. Tinha os lábios tostados e o cabelo se revelava uma bagunça. Gemeu desgostosa estabelecimento.

ao

ler

a

placa

colocada

na

janela

encardida

do

— Siesta — exclamou ela. — Eles fecham até quatro horas — Explicou Greywolf, virando a cabeça para consultar o sol. Aislinn descobriu uma lasca escassa de sombra junto à parede da construção e se espremeu lá. Apoiando a cabeça no concreto, fechou os olhos, cansada. Mas os abriu de imediato ao ouvir o estrondo de vidro sendo quebrado. Greywolf havia arremessado uma pedra contra a vidraça da porta. Sem pestanejar, ele pulou para dentro e destrancou a maçaneta. Aislinn, que jamais considerara quebrar o vidro de uma porta deliberadamente, muito menos invadir a propriedade alheia, seguiu-o até o interior mais fresco. Uma vez os olhos ajustados ao ambiente, ela viu que o lugar não era apenas um posto de gasolina, mas um mini-mercado também. As prateleiras de madeira estavam repletas com batatas fritas, enlatados e artigos de papelaria e materiais de limpeza. Havia um balcão de vidro empoeirado cheio de lembranças do Arizona. Em cima, caixas com barras de doce, cigarros e chiclete. Na parede atrás do balcão, pequenas pe ças de automóveis penduradas. Greywolf cruzou o velho assoalho de madeira, que rangeu a cada passo seu, em direção a um antiquado freezer de bebidas. Erguendo a tampa, arrombou a fechadura para prevenir roubos. Em seguida, retirou duas garrafas de refrigerante, abriu-as e ofereceu uma a Aislinn, ao mesmo tempo em que levava a sua à boca e bebia o líquido sedento. — Pretendo pagar a minha — Disse ela num tom de ingenuidade. Greywolf afastou a garrafa da boca. — Vai pagar a minha também. E pelo vidro quebrado na porta. E pela mangueira de água. 38


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Aislinn bebeu o refrigerante gelado, pensando que aquilo era a coisa mais saborosa que já havia provado. — Que mangueira de água? Greywolf estava esquadrinhando várias peças atrás do balcão. — A que vou levar para Substituir a que estourou. Como esta — Disse ele, erguendo uma do prendedor. Com a mão livre, abriu algumas gavetas atrás do balcão e examinou o conteúdo. O som de ferramentas de metal podia ser ouvido enquanto ele as remexia. O ruído fez Ais linn perceber o quanto o lugar era deserto. Sentia-se uma alienígena, consumida pelo sentimento de desolação que espreitava ao seu redor. Greywolf não parecia afetado por isso. Quando achou as ferramentas que procurava, retirou-as da gaveta. Justo quando ela estava a ponto de sucumbir ao miserável desespero, avistou um telefone público. Tinha certeza de que Greywolf não o havia notado. Ainda estava ocupado remexendo as gavetas e não olhara na direção do canto, onde o telefone se encontrava preso à parede, parcialmente escondido por uma prateleira de revistas antigas. Se pudesse mantê-lo falando, talvez conseguisse alcançar o telefone e fazer uma chamada sem que ele percebesse. Mas onde ela estava? Como se chamava aquela maldita cidade? Por que rodovia haviam trafegado? Não se recordava de ter visto nenhuma placa. Seria mesmo uma rodovia? Podiam ter cruzado a fronteira e não estar mais no Arizona. — Terminou? Ela saltou ao ouvir o som da voz de Greywolf. — Sim — Respondeu, passando-lhe a garrafa vazia. Sua mente ficara letárgica apenas alguns momentos. Agora estava alerta, zumbindo com planos para conseguir um modo de distraí-lo. — Passe-me um pouco de dinheiro — Disse ele, estendendo a mão com a palma para cima. Ansiosa para agradá-lo, por ora, Aislinn abriu a bolsa e lhe entregou uma nota de vinte dólares. — Isso deve dar. Greywolf dobrou o dinheiro e o colocou embaixo de um cinzeiro no balcão. — Há um banheiro nos fundos. Precisa usá-lo? Sim, ela precisava, mas refletiu sobre seu próximo passo. Podia mentir e dizer que não precisava ir ao sanitário, encorajando-o a usá-lo, enquanto ela esperava do lado de fora. Mas isso provavelmente levantaria suspeitas. Era melhor concordar, deixá-lo pensar que ela não queria mais escapar. — Sim, por favor — Respondeu humilde. Sem dizer uma palavra, ele a conduziu pela porta, contornou o prédio, seguindo em direção às duas portas dos banheiros devidamente sinalizadas. Aislinn temeu pelo que a aguardava no interior, enquanto Greywolf abria a porta do sanitário feminino. O fedor era insuportável, mas ela entrou e acendeu a luz. Era melhor do que esperava, embora fosse ruim. Agora, lembrando há quanto tempo estava sem usar um banheiro, não importava o quão degradante fosse o lugar. 39


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Quando terminou, molhou o rosto e as mãos na pia enferrujada. Até mesmo a água tépida parecia fria contra a sua pele queimada pelo sol. Optando por deixá-la secar ao vento, dirigiu-se à porta e tentou abri-la. Mas a madeira não se moveu. A princípio, pensou que a estava empurrando para o lado errado, e tentou puxá-la para si, mas não obteve êxito. Empurrou com toda força. A porta não se moveu. Apavorada, lançou-se contra a madeira. — Greywolf! — Gritou quase histérica — Greywolf! — O que é? — Não consigo abrir a porta. — Tudo bem, eu sei. Aislinn ficou boquiaberta. Ele a havia prendido! — Abra essa porta! — Gritou, batendo com os punhos na madeira. — Vou abrir assim que eu voltar. — Voltar? Voltar? Aonde você vai? Não ouse sair e me deixar aqui. — Eu preciso. Não quero que você use aquele telefone que fingiu não notar. Eu a deixarei sair assim que voltar. — Aonde você vai? — Repetiu ela, desesperada só de pensar em ficar presa no sanitário público por um período de tempo indeterminado. — Vou buscar o carro. Assim que substituir a mangueira de água, voltarei para buscá-la. — O carro? Você vai voltar para consertar o carro? Como vai chegar até lá? — Correndo. — Correndo — Ela repetiu a palavra, mas o som quase não saiu. Então um pensamento lhe ocorreu e ela quis alardear sua inteligência — Assim que os donos desta espelunca voltarem, vão me encontrar. Eu gritarei como uma louca. — Estarei de volta bem antes das 4h. — Bastardo! Deixe-me sair daqui — Aislinn empurrou todo seu peso contra a porta e mesmo assim continuou trancada — Está abafado. Vou morrer aqui dentro. — Vai suar um pouco, mas não morrerá. Sugiro que descanse. — Vá para o inferno! Greywolf não respondeu. As palavras dela ecoaram pelas paredes do sanitário. Pressionando a orelha contra a porta, escutou, mas não podia ouvir nada. — Greywolf? — chamou não muito alto. Então, ruidosamente: — Greywolf! Nada. Estava sozinha. Recostando-se na porta, cobriu o rosto com as mãos e cedeu às lágrimas novamente. Uma mulher como ela não estava preparada para lidar com adversidades daquele tipo. Situações de vida e morte se encontravam além do seu ambiente seguro. Crescera em um bairro nobre, protegida por pais que queriam "o melhor" para a filha. Nunca freqüentara uma escola pública para não se misturar com os "elementos indesejáveis da sociedade". Não havia sido treinada em táticas de sobrevivência na 40


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faculdade exclusiva para mulheres que freqüentara. Situações como aquela rendiam excelentes scripts de cinema, mas ninguém acreditava que de fato aconteciam. Mas aquilo estava acontecendo... E com ela. Pela primeira vez, nos seus 26 anos de idade, Aislinn Andrews se confrontava com um medo real. Tangível. Podia até mesmo respirá-lo. Prová-lo. E se Greywolf não voltasse para buscá-la? Que garantia tinha de que o posto reabriria às 4h? Aquela placa podia ter sido colocada na porta meses atrás e esquecida lá, quando os donos decidiram que manter o negócio aberto não valia à pena. Poderia morrer de sede. Não, o sanitário público tinha água. Não era pura, mas era água. Poderia morrer de fome. Mas isso levaria muito tempo e certamente alguém iria até aquele lugar em breve. Teria que se manter alerta ao som de um motor de carro e começar a bater na porta e gritar quando ouvisse um. Poderia morrer sufocada. Mas havia uma janela pequena situada no alto da parede embaixo do teto. Estava aberta. O ar podia ser árido e quente, mas entrava. Poderia morrer de raiva. Aquela era uma possibilidade muito real, pensou Aislinn. Como Greywolf ousara abandoná-la naquele lugar asqueroso? Chamando-o de todos os nomes vis que podia lembrar, caminhou de um lado para o outro no pequeno sanitário. Por fim, foi aquela mesma raiva que estimulou sua mente e lhe iluminou a imaginação. Ele mesmo dissera que ela era cheia de estratagemas. Podia sair daquele banheiro se colocasse a cabeça para funcionar. Sabia disso! Mas como? Repetidas vezes se lançou contra a porta, mas a madeira não se movia. Fosse o que fosse que ele usara para escorá-la, não cedia, e estava desperdiçando energia tentando forçá-la. O suor escorria em bicas pelo seu corpo. Podia senti-lo descendo pelo couro cabeludo, pesado e quente: Desesperada pela sua incapacidade e fraqueza, ergueu os olhos em súplica para o alto. E então veio a resposta para o seu dilema. A janela! Se tivesse algum modo de... Havia um barril de metal no canto do banheiro. Aparentemente, vinha servindo de lata de lixo desde que o sanitário fora posto em uso. Recusando-se a pensar em seu conteúdo fedorento, lutou para movê-lo. A coisa era monstruosamente pesada e volumosa, mas, por fim, obteve êxito em virá-lo de cabeça para baixo, posicionando-o bem embaixo da janela. Subindo no barril, conseguiu pôr as mãos na beirada do batente. Durante vários minutos, tentou se erguer, usando apenas a força dos braços e procurando buracos inexistentes para apoiar os pés, até finalmente conseguir subir no peitoril. Enfiando a cabeça pela janela aberta, inspirou várias vezes e deu boas-vindas à brisa contra o seu rosto. Permaneceu assim durante vários minutos, dando aos braços, que tremiam com a fadiga, um pouco de descanso necessário. Então usou os ombros para abrir a janela o máximo possível. A abertura era estreita, mas, com um pouco de esforço e sorte, poderia passar por ela, pensou. Erguendo um joelho e apoiando-o contra o peitoril, tentou se virar de modo que pudesse colocar os pés primeiro para fora. Mas, quando ergueu o outro joelho, perdeu o equilíbrio. 41


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Deliberadamente, precipitou-se para o exterior. Com o impulso, seu corpo deslizou pela abertura. Ao cair, raspou o braço em um prego no batente que lhe arranhou a pele do pulso à axila. Por milagre, pousou com os pés para baixo, mas o solo era irregular. Segurando o braço dolorido, desequilibrou-se para trás e rolou várias vezes por um declive, batendo com a cabeça em uma pedra ao chegar ao fundo. Durante alguns segundos ofuscantes, Aislinn encarou a esfera avermelhada do sol que parecia escarnecer dela. E então tudo escureceu.

Capítulo Quatro

Greywolf estava ansioso para voltar. Os olhos, sempre atentos, haviam memorizado todos os pontos de referência. Sabia que só restavam alguns quilômetros à esquerda para chegar. Três, no máximo. Então pisou fundo no acelerador. Por sorte, o carro respondeu. Estava novamente em excelentes condições. Trocar as mangueiras não fora problema. A dificuldade maior tinha sido correr todo o caminho de volta até o carro com ferramentas pesadas nos bolsos e um galão de água para substituir a que havia evaporado. Estava acostumado a percorrer grandes distâncias. Mesmo o calor de solstício de verão não fora obstáculo. Mas carregar o peso extra desigualmente distribuído provou ser uma tarefa complicada. Agradeceu a oportunidade de poder pensar enquanto o carro perfazia os últimos quilômetros restantes. O vento quente açoitava-lhe o rosto, desalinhando-lhe os cabelos. Preferia dirigir com as janelas abertas. Dispensava o ar-condicionado artificial quando podia desfrutar dos elementos naturais do deserto. Só as deixara fechadas antes por causa da mulher. A mulher. Sentiu a consciência pesada ao pensar em Aislinn presa naquele sanitário abafado e imundo. Mas o que poderia ter feito? Deixá-la telefonar para o escritório do xerife mais próximo? Levá-la com ele? Ela jamais seria capaz de perfazer o caminho de volta até o carro, e, mesmo se conseguisse, teria acrescentado horas ao tempo que ele levara... horas de que ele não podia dispor. Quando eles o alcançariam? Quando? Conseguiria chegar a tempo? Precisava chegar. Sabia o que a fuga da prisão lhe custaria, mas estava disposto a pagar qualquer preço. Só lamentava ter prejudicado outros também. Não ficara feliz em deixar o carcereiro, que o considerava um amigo, inconsciente. Não gostara do que havia feito a Aislinn. Ela representava tudo o que ele menosprezava: brancos em geral e brancos ricos em particular. Mesmo assim, preferia não ter sido forçado a envolvê-la naquilo. Forçado? Com um movimento irritado, ligou o rádio a todo volume, dizendo a si mesmo que 42


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queria ouvir os noticiários futuros. Mas, na verdade, esperava que a música alta o impedisse de pensar nela. Por que havia colocado aquela responsabilidade sobre seus ombros? Por que simplesmente não a golpeara no queixo e deixara a casa tão depressa e silenciosamente quanto entrara? Até ela recuperar a consciência e alertar a polícia, ele teria tido tempo de escapar. Em vez disso, como estúpido, permanecera na casa, fazendo a mulher branca de refém. Precisava de um banho, é claro. Mas era um luxo que poderia ter dispensado. Precisava dormir, é claro. Mas podia ter achado um lugar menos confortável que a cama dela com seus lençóis perfumados e travesseiros fofos. Mesmo se permitindo tais confortos, por que não partira antes do amanhecer, no momento em que despertara? Com certeza, ela notificaria as autoridades quando acordasse, mas isso podia ocorrer horas mais tarde. Até lá, seu rastro já estaria frio. Em vez de fazer o que sabia que devia ter feito, permanecera lá contemplando a beleza suave da loira. Ela era agradável de se ver e ele jamais cogitara resistir à tentação. Seus olhos famintos pela visão de uma mulher se deleitaram com aquela. Inspirara profundamente o seu perfume feminino, regalando as narinas há muito e muito tempo privadas do cheiro do corpo de uma mulher. Em vez de fugir furtivamente, como sabia que devia ter feito, resolvera ficar e levála consigo. Nunca tivera intenção de causar-lhe dano algum. Certo, então por que a ameaçou com uma faca? Precaução. Precisava fazê-la tirar a roupa? Isso era desnecessário, admitiu. Mas queria muito vê-la nua. É verdade. Eu não deveria tê-la forçado. Além do mais, ela é uma branca. Não gosto de mulheres brancas. Com certeza não as desejo. Você deseja esta. Santo Deus, estive na prisão por muito tempo! Qualquer mulher seria desejável! Não gostaria de fazer amor com ela? Não. Você é um maldito mentiroso. Bem, não fiz e não vou fazer. Manteria um rígido controle sobre a sua luxúria mesmo que isso o matasse. Queria apenas a mulher perto dele. Era tudo. Para manter a debochada voz da consciência à distância, pensou em todas as razões que o faziam repudiar a sua refém loira. Ela era rica e mimada, sem dúvida. Possuía aquele olhar de "não me toque" que os rapazes índios aprendiam desde cedo a reconhecer nas moças brancas. Fora uma das primeiras coisas que ele aprendera ao deixar a escola da reserva para freqüentar a faculdade. Moças como Aislinn Andrews poderiam flertar com ele, mas com certeza não o queriam. E, se chegassem a ir tão longe, era de brincadeira, só pela novidade, para se vangloriar com as colegas que haviam saído com um índio. "Não!" "Sim!" "Foi muito selvagem?" No dia seguinte, agiam como se não o conhecessem e as barreiras sociais voltavam a se erguer. Porém, aquela mulher branca era corajosa. Tinha que admitir. Podia ter se tornado uma verdadeira dor de cabeça, lamentando-se e choramingando o tempo todo, mas isso não aconteceu. Mantinha a fisionomia determinada, não se importando com as adversidades pelas quais ele a fazia passar. 43


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Seu semblante severo relaxou, transformando-se na cópia de um sorriso ao recordar o modo como ela enganara o guarda rodoviário. Por que ela fizera aquilo? Estava em dívida com ela, pensou. E, depois da noite anterior, não estava mais certo se poderia manter a resolução de não tocá-la. As horas passadas na Tumbleweed tinham sido puro céu e inferno. Houvera vezes, muitas para o seu gosto, em que desejara que aqueles beijos fossem verdadeiros, em que quisera apartar-lhe os lábios com a língua e prová-la, abrir-lhe as roupas e tocá-la. Deus, como fora bom tê-la moldada ao seu corpo naquela manhã! A respiração suave tocando-lhe o tórax, os seios tão macios e doces, as coxas... Maldição! Preciso deixá-la partir. Quando chegasse ao posto de gasolina, encheria o tanque do carro, verificaria se ela estava bem, então deixaria um bilhete aos donos, dizendo onde poderia ser encontrada. Quando a polícia fosse notificada, ela podia lhes dizer onde ele estivera, mas não para onde estava indo. Ou melhor, não especificamente. Eles já tinham uma idéia aproximada do destino dele e o procurariam de qualquer maneira. Era só uma questão de tempo. Só esperava poder fazer o que precisava fazer, antes desse tempo chegar. Avistando a cidade, acelerou mais um pouco. Agora que a decisão de deixar a mulher para trás fora tomada, estava ansioso para acabar logo com aquilo e seguir seu caminho. Teria que levar o carro dela, é claro. Mas, para uma mulher como Aislinn, provavelmente apareceriam várias pessoas querendo lhe dar carona. Parou em frente à bomba de gasolina, saltou e acoplou a mangueira no bocal do tanque. Enquanto isso, acrescentou um pouco mais de água no radiador. Mantendo um olho atento no tempo, lavou o para-brisa e conferiu os pneus. Para evitar outra situação desastrosa como a barreira na estrada, queria estar bem longe quando os donos do posto voltassem. Por fim, contornou o prédio, seguindo em direção ao banheiro nos fundos. Retirando a viga mestra de aço que colocara para calçar a porta, bateu ruidosamente. Quando não obteve resposta, chamou o nome dela. — Responda. Sei que você está aí, Aislinn. Isto é infantilidade. Esperou, pressionando o ouvido à porta. Depois de vários segundos tentando ouvir alguma coisa, percebeu que o interior estava vazio. A apreensão apertou seus órgãos vitais como um punho frio. Antes que pudesse perceber o que estava fazendo, afastou a viga do caminho e abriu a porta. Entrou apressado, quase esperando que se tratasse de um ardil e que ela estivesse planejando algum tipo de ataque amador. Mas não se deparou com nada além de um terrível calor e um fedor repugnante. Rapidamente, deduziu o significado do barril virado e posicionado embaixo da janela aberta. Ao fazê-lo, sua apreensão se transformou em raiva. A pequena gata endiabrada havia fugido! Girando nos calcanhares, passou pela porta do sanitário e contornou o prédio do posto. Entrou na sala principal, onde os dois estiveram antes, mas não havia nenhum sinal de Aislinn e nenhuma evidência de que ela ou qualquer outra pessoa tivesse estado lá. 44


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O vidro quebrado da porta continuava no chão. A nota de vinte dólares ainda se encontrava comprimida sob o cinzeiro. O pó no receptor do telefone não havia sido espanado. Confuso Greywolf enfiou as mãos nos bolsos da parte de trás da calça jeans. Aonde ela poderia ter ido? E como? Alguém a teria encontrado? Mordendo a bochecha por dentro, começou a caminhar de um lado para outro. Ela teria telefonado para alguém imediatamente? As autoridades teriam feito do local seu posto de comando temporário enquanto a interrogavam e o procuravam? Aquilo não fazia sentido. Então resolveu refazer os passos até o sanitário. — Calma, calma, beba devagar ou vai sufocar. A garganta sedenta e tostada de Aislinn deu boas-vindas às gotas de refrigerante que estavam sendo vertidas em sua boca. Ergueu o peito, mas gemeu quando uma dor aguda lhe atingiu a cabeça. — Deite-se — Disse a voz suave. — É o suficiente por hora, de qualquer maneira. Seus olhos se abriram. Greywolf estava curvado sobre ela. O semblante moreno e inescrutável. Então percebeu que o sol devia ter se posto, porque a escuridão dominava tudo ao seu redor. Mover os olhos fez sua cabeça latejar, mas permitiu que vagassem longe o bastante para determinar que se encontrava deitada no assento traseiro do próprio carro. As janelas, todas abertas, permitiam que a brisa do deserto entrasse. Greywolf estava agachado a seu lado, entalado entre os assentos. — Onde... — Aproximadamente a uns 40km do posto de gasolina. Eu tenho bandagens. — Bandagens? — Você estava gemendo durante o sono — Disse sucinto, como se aquilo explicasse tudo. Reunindo todas as forças, Aislinn ergueu o tórax e o agarrou pela camisa. — Diga-me, desgraçado. Estou farta do seu estoicismo indígena. Onde estou e por que preciso de bandagens? Finalmente usou sua faca para me ferir? A rebeldia lhe custara toda a sua reserva de energia, obrigando-a a desmoronar de costas no assento. Mas não libertou Greywolf do olhar fixo hostil com que o fitava. Era como olhar em espelhos, mas continuou a encará-lo até ele responder. — Não se lembra de ter escalado a janela e caído? Os olhos dela se fecharam. Agora se lembrava. O medo, o desespero e o ódio pelo homem que causara tudo aquilo. As recordações ruins lhe assaltaram a mente, todas de uma só vez. — Eu trouxe aspirina para sua dor de cabeça. Aislinn abriu os olhos. Ele estava retirando os comprimidos de um frasco e colocando na palma da mão. — Onde as comprou? — Peguei na loja. Consegue tomá-las com refrigerante? Ela assentiu com a cabeça. Entregou-lhe as aspirinas e, quando ela as colocou sobre a língua, ergueu-a pelos ombros e encostou a garrafa em seus lábios. Quando Aislinn terminou, deitou-a novamente no banco. 45


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— O sol empolou seus lábios — Enquanto dizia isso, abriu uma minúscula embalagem de pomada e a passou sobre os lábios dela com o dedo indicador, espalhando o bálsamo frio sobre a pele seca e tostada. O toque do dedo dele em sua boca evocou uma torrente de sensações... Sensações das quais Aislinn se envergonhava, já que se assemelhavam a poderosas ondas de excitação. O dedo firme deslizava de um lado para o outro no seu lábio inferior, ágil e eficiente a princípio e, depois, mais lento. Quando ele traçou o contorno do seu lábio superior com a ponta do indicador, ela mal pôde suportar. Seu corpo estava agitado com uma dor que nada tinha a ver com os ferimentos que sofrerá. Quando Greywolf afastou o dedo, ela experimentou tocar os lábios com a língua. O unguento tinha gosto de banana e coco. — Não lamba — Instruiu ríspido, com os olhos fixos nos lábios dela — Deixe a pomada fazer efeito. — Obrigada. — Não me agradeça. Você quase me fez ser capturado. O tom cruel era tão imensamente diferente dos cuidados ternos anteriores que ela se retraiu. Devia saber que não podia esperar ternura de um homem de pedra como ele. Fitou-o, com um olhar furioso. — Bem, você deveria ter sido capturado, sr. Greywolf. Se não por nenhuma razão, ao menos pelo modo como vem me maltratando. — Nunca foi maltratada na vida, srta. Andrews — Disse desdenhoso. — Sequer deve entender o significado dessa palavra. — Como sabe? Não sabe nada sobre mim. — Sei o bastante. Você foi criada com todos os privilégios inerentes aos ricos e brancos. — Não tenho culpa pelo modo como os índios foram maltratados — Aislinn sabia que toda a raiva e amargura dele eram oriundas desse fato — Você culpa todos os brancos? — Sim — sibilou entre dentes. — E quanto a você? — retrucou. — Não é um índio puro. E a sua parte branca? E completamente podre? Greywolf retaliou, agarrando-a pelos ombros com as mãos firmes e pressionando-a de volta ao assento. Os olhos afiados feito uma navalha aparentavam tão frios quanto aço nu. — Sou um índio — Murmurou, enfatizando ligeiramente as palavras — Nunca se esqueça disso. Aislinn sabia que jamais esqueceria. Não por ora. A ferocidade do olhar dele acabara com qualquer esperança de que ele estivesse amolecendo em relação a ela. Greywolf era um homem perigoso. Totalmente atenta a sua força bruta, estremeceu de medo quando ele se curvou sobre ela. Expostos pela camisa sem manga, os músculos dos braços dele pareciam duros como granito. A maioria dos botões estava desabotoada e o seu tórax fazia um movimento de "sobe e desce" a cada vez que ele inspirava. O pescoço bem estruturado era um pedestal perfeito para um rosto que poderia ter sido talhado em pedra bruta. 46


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O brinco de prata fixo no seu lóbulo piscava para ela como um olho ameaçando na escuridão. A cruz pendurada no pescoço era um deboche à benevolência que simboliza va. O cheiro que ele exalava era em parte sol, em parte e totalmente másculo. Qualquer mulher com um mínimo de bom-senso não ousaria provocar um animal potencialmente perigoso. Aislinn era mais inteligente que a média. Sequer piscou os olhos. Durante aquele período de silêncio, Greywolf manteve os músculos tão rijos como se prontos para estirar. Agora, visivelmente os relaxara, suavizando o modo como a apertava. — Vou colocar uma bandagem em seu braço, antes que infeccione — Disse ele com uma falta de emoção notável, como se a aquecida discussão nunca tivesse acontecido. — Meu braço? — Só quando ela tentou movê-lo é que percebeu que o braço esquerdo doía tanto quanto a cabeça. Então lembrou-se de ter se cortado em um prego ao pular da janela. — Deixe-me ver. — Ao notar a careta que ela fez ao erguer-lhe o braço, resolveu recliná-la no canto do assento. Suas mãos se moveram, procurando os botões da blusa dela. Num ato reflexo, Aislinn apertou o tecido de encontro ao corpo. Greywolf não se mexeu, mas continuou a encará-la fixamente — Temos que tirar isso. Ela olhou para baixo e ficou chocada ao ver que a manga da blusa estava saturada de sangue. — Eu... Eu não sabia — Gaguejou ela, suprimindo uma onda de náusea e vertigem. — Eu precisava fugir de lá depressa, então a coloquei no banco de trás e parti. Consegui pôr uma boa distância entre nós e o posto, mas agora precisamos cuidar do seu braço. Segundos se passaram. Minutos, talvez? Ambos se fitaram por um longo tempo. Ele desviou o olhar para os lábios dela, agora brilhantes pelo unguento. E ela, para as linhas rígidas dos lábios dele, desejando saber como poderiam ser tão firmes e sensuais ao mesmo tempo. Então Greywolf sacudiu a cabeça impaciente e murmurou: — Como eu disse antes, você é minha apólice de seguro. Uma vez mais as mãos dele alcançaram-lhe os botões da blusa, e dessa vez ela não o repeliu. Ele os desabotoou depressa, sem demonstrar a mínima emoção. Uma onda de embaraço cresceu dentro dela, como uma maré morna e vermelha, enquanto seus seios eram expostos, botão após botão. Mas, se Greywolf os notou, não deixou transparecer. Apenas quando colocou as mãos nos ombros dela e começou a baixar o tecido, seus movimentos se tornaram suaves e ternos, quase uma carícia. Ele tirou a manga do braço são primeiro; então, aos poucos, começou a baixar a outra. Aislinn estremeceu quando o tecido raspou pelos lugares onde o sangue havia secado. — Sinto muito. — Antes que ela pudesse se preparar, ele puxou a manga de uma só vez. — E melhor assim. Sinto muito — Repetiu. — Tudo bem. Eu sei que é necessário. — Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela as reteve. Ele parecia momentaneamente encantado pelos olhos dela, ou estaria apenas vendo se uma mulher branca se renderia à dor e choraria? 47


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Então, de repente, e com o mesmo tipo de desinteresse que demonstrara ao desabotoar-lhe a blusa, puxou-a para frente a fim de livrá-la da roupa. Durante um infinitésimo de segundo, Aislinn apoiou os seios no tórax dele. Incontáveis sensações inundaram-lhe a mente, como pássaros tremulantes. Seus mamilos pareciam extremamente frágeis de encontro àquela parede sólida de músculos. Os pelos do peito dele, encaracolados e macios, roçavam-lhe a pele sensível. Como ele era morno! Ambos fingiram não notar o breve contato, embora a mandíbula de Greywolf estivesse mais rígida do que nunca, quando ele a deitou de volta no assento. O sangue escorria do arranhão reaberto. Greywolf deixou a blusa de lado e alcançou um saco de papel. Retirou uma caixa de algodão esterilizado e um frasco de antisséptico. — Isto vai arder como o inferno — Avisou, destampando o frasco e vertendo um pouco do líquido sobre um chumaço de algodão — Preparada? — perguntou. Aislinn assentiu com a cabeça. Ele lhe ergueu o braço e aplicou o algodão sobre os ferimentos no lado inferior. Ela dobrou os joelhos e ofegou, enquanto as lágrimas lhe saltavam dos olhos. Greywolf desinfetou o arranhão inteiro, desde o pulso até a axila, e então voltou a apertar o algodão saturado nos lugares onde o prego furara mais profundamente. — Oh, por favor — Gemeu Aislinn, fechando os olhos bem apertados contra a dor lancinante. Greywolf tampou o frasco de antisséptico e o pôs de lado. Erguendo-lhe o braço mais uma vez, começou a soprar suavemente o arranhão. Aislinn abriu os olhos e ficou espantada ao perceber o rosto dele tão próximo a sua axila. Uma das mãos morenas segurava-lhe o pulso de leve, sustentando-lhe o braço para cima. A outra era usada como suporte para lhe apoiar a cabeça. Ela olhou as bochechas dele sob o cume afiado das suas maçãs do rosto. Enchiam como dois balões e soltavam o ar, esfriando-lhe a pele suavemente. Aqueles lábios sensuais estavam apenas a alguns centímetros dos seus seios. A respiração morna os tocou como um bálsamo macio. De imediato, seus mamilos reagiram, tornando-se eretos como duas pérolas perfeitas e rosas. Quando ele percebeu o que estava acontecendo, afastou-se com um movimento brusco, como se fosse se erguer. Mas estacou. Abaixando a cabeça, voltou a soprar. Com mais suavidade dessa vez, mais diretamente sobre os seios dela. Então estacou. O desejo primitivo fazia seus olhos parecerem frios, enquanto a fitava fixamente. Engolindo em seco, curvou-se na direção dela, mas, como se uma cor reia invisível ao redor do seu pescoço o puxasse para trás, absteve-se de tocá-la. Aislinn estava com medo de se mover, mas se sentia tentada. Caíra vítima de um desejo quase irresistível de mergulhar os dedos naqueles cabelos escuros e puxar-lhe a cabeça para baixo. Uma ternura irresponsável e proibida a subjugou. Era diferente de qualquer emoção que já experimentara. Ansiava por lhe conceder o direito de apoderar-se do corpo dela. Queria apoderar-se do dele. Devia odiá-lo, mas... Por que ele não a abandonara no posto de gasolina? Por que desperdiçara um tempo precioso, pegando remédios para curar-lhe os ferimentos? Havia mais naquele homem do que os olhos eram capazes de enxergar? Teria capacidade de ser bom? Sua rudeza seria apenas uma reação às injustiças que havia sofrido? 48


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Seu semblante deixava transparecer a confusão em sua mente, fazendo-a parecer extremamente receptiva e vulnerável. Quando Greywolf ergueu a cabeça e a fitou, o fogo em seus olhos desapareceu imediatamente. — Não me olhe desta maneira — Advertiu ele. Aislinn sacudiu a cabeça sem compreender. — De que maneira? — Como se tivesse esquecido que eu estive na prisão. Quer saber se eu a desejo? — perguntou num tom rude. — Bem, eu a desejo. — Os dedos que lhe seguravam o braço se transformaram em uma algema. — Sim, eu a quero — Queria tocá-la inteira. Sentir seus seios. Tomar um em meus lábios e sugá-lo por um longo momento. Queria penetrá-la bem fundo até sentir as batidas do seu coração. — Então, se não está preparada para ter um índio entre as suas coxas, sugiro que não me olhe desta maneira novamente, srta. Andrews. Insultada por ele ter interpretado tão mal sua expressão e furiosa consigo mesma por lhe dar o benefício da dúvida, apenas segundos antes, Aislinn cobriu os seios com o braço livre. — Não seja pretensioso — disparou. — Eu morreria primeiro. Um riso breve escapou dos lábios de Greywolf. — Tenho certeza que sim. Pelo menos, desejaria morrer antes de ter seu imaculado corpo branco manchado por um índio. Mas, pelo menos, não sangrará até a morte. Não se eu puder impedir — Acrescentou amargo. Aislinn virou o rosto e não se permitiu fitá-lo, enquanto ele lhe enfaixava o braço com uma gaze que retirara do saco. Uma vez terminado o curativo, recolheu os materiais de primeiros-socorros e os guardou. Os olhos dela quase saltaram das órbitas, ao vê-lo pegar a faca, mas ele só a usou para cortar as mangas da blusa dela, como havia feito com a sua. Manejou a lâmina afiada com movimentos impetuosos, recortando o tecido até concluir o serviço, então lhe devolveu a peça devastada. — Vista isso. Já desperdiçamos tempo demais aqui. Greywolf saiu do carro e passou para o assento do motorista. Em silêncio, Aislinn fitou a parte de trás da cabeça dele. Enquanto o carro trafegava pela estrada esburacada, inventou uma dúzia de modos de dominá-lo, eliminando cada um antes mesmo de poder refletir melhor. Pensou em fazer um garrote com uma das mangas da blusa descartadas e estrangulá-lo. Mas onde ela estaria? No meio do nada, sem um mapa ou água. A gasolina do carro não duraria para sempre. Mesmo que conseguisse abater Greywolf fisicamente, suas chances de sobreviver no deserto seriam remotas. Então se manteve no mais profundo silêncio, até que o esgotamento a subjugou e mais uma vez adormeceu. Quando o carro fez uma parada lenta e gradual, Aislinn acordou. Lutou para erguer o corpo dolorido e contundido e sentar-se. Piscando os olhos sonolentos, tentou ajustá-los à escuridão. Greywolf lançou-lhe um olhar furtivo, antes de abrir a porta e sair do carro. Avançou por um declive que conduzia a uma estrutura. Ela mal podia distinguir seu esboço de encontro à escuridão, mas a reconheceu como um hogan, a habitação sagrada 49


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dos índios Navajos. Duvidava que a construção erguida com barro e troncos de árvore fosse visível, a não ser pela luz tênue que passava pela entrada retangular. O hogan aconchegado à lateral de uma montanha se encontrava encoberto por sua sombra escura. O telhado ligeiramente arredondado e cônico fora deixado intacto pela luz prateada do luar que se derramava sobre a montanha como mercúrio. A curiosidade, bem como o profundo desejo de não ser deixada sozinha naquele ambiente primitivo, quase místico, motivou-a a deixar o carro e segui-lo. Subiu o caminho rochoso, tentando manter um olho no caminho e outro na silhueta esguia de Greywolf Antes que ele alcançasse a habitação, outra silhueta, muito menor que a sua, delineou-se no feixe de luz que vinha da entrada. Era uma mulher. — Lucas! O nome foi proferido com um grito suave e feliz, antes de a figura delicada deixar a entrada e correr em sua direção. Ele a abraçou bem apertado, curvando a cabeça e os ombros protetoramente sobre a constituição diminuta. — Lucas, Lucas, por que fez isso? Ouvimos falar da sua fuga no rádio e vimos sua foto na televisão. — Você sabe por que eu fiz isso. Como ele está? Afastando a mulher para longe dele, Greywolf perscrutou a face delicada. Ela sacudiu a cabeça tristemente. Sem dizer outra palavra, ele a segurou pelo braço e a guiou de volta à entrada do hogan. Intrigada, Aislinn os seguiu. Nunca entrara em um hogan antes. O único cômodo era abafado e sufocante. Um fogo baixo queimava no centro. A fumaça parecia não ter energia para subir e escapar por um buraco no telhado. Lampiões de querosene eram a única fonte de iluminação. Em primeiro plano, via-se uma mesa quadrada com quatro cadeiras. Sobre o tampo rústico, uma cafeteira de esmalte um pouco amassada e várias xícaras lascadas. Em um dos cantos, havia uma pia com uma bomba de água manual. O piso tinha sujeira acumulada. Não muito longe de onde Aislinn se encontrava, alguém havia feito uma linda pintura com areia no chão. O desenho era intrincado e meticulosamente executado. Não fazia a menor idéia do que simbolizava, mas sabia que aquele tipo de pintura de areia era usada em antigas cerimônias de cura. Na parede, do lado oposto à porta, havia uma cama baixa, coberta com uma manta Navajo. Greywolf ajoelhou-se a seu lado. Deitado sobre a cama, embaixo da manta, es tava um índio ancião. Longas tranças grisalhas emolduravam-lhe as bochechas magras e amarelas. Suas mãos ásperas, calejadas e trêmulas afastaram a manta. Os olhos brilharam febrilmente ao fitarem o jovem curvado sobre a cama, falando suavemente em um idioma que Aislinn não entendia, mas sabia que pertencia ao grupo nadene. Havia duas outras pessoas no recinto, a mulher que Greywolf cumprimentara tão intimamente e outro homem. Para sua surpresa, um branco. Estava em pé no fundo da cama em que o velho índio se encontrava deitado. De altura mediana, tinha cabelos castanhos ralos, atraentemente mareados de branco nas têmporas. Devia ter em torno de cinqüenta anos, deduziu Aislinn. Contemplava Greywolf e o velho índio com um ar meditativo. Por uma série de razões não mencionadas e desconhecidas, Aislinn até aquele momento evitara olhar para a mulher. Então, resolveu estudá-la. Era muito bonita. Índia. Tinha as maçãs do rosto altas, cabelos muito pretos, cortados num estilo pajem, retos até os ombros e suaves olhos escuros. Vestida como uma branca usava um vestido de algodão simples, sapatos de salto baixo e bijuterias baratas. O modo como erguia a 50


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cabeça pequena lhe conferia um ar de elegância. Era esbelta, mas sua figura era feminina e perfeitamente proporcional. Greywolf pressionou a testa sobre as mãos calejadas de trabalho do velho índio, então se virou para falar com o homem que estava de pé ao fundo da cama. — Oi, doutor. — Lucas, seu louco. O esboço de um sorriso tremeluziu as feições austeras de Greywolf. — Que saudação! — Que façanha execrável! Fugir da prisão. Greywolf encolheu os ombros e olhou para o velho índio. — Ele diz que não sente dor. — Procurei deixá-lo o mais confortável possível aqui — Disse o homem chamado de "doutor". — Tentei convencê-lo a ir para o hospital... Greywolf já estava sacudindo a cabeça e interrompendo o outro homem. — Ele quer morrer aqui. É importante para ele. Quanto tempo lhe resta? — perguntou num tom ríspido. — Até amanhã pela manhã, talvez. A mulher estremeceu, mas não emitiu um som. Greywolf deu os passos necessários para envolvê-la em um abraço. — Mãe. Mãe dele, pensou Aislinn, espantada. A mulher parecia tão jovem para ter um filho da idade de Lucas Greywolf. Ele colou os lábios ao ouvido dela e murmurou palavras que Aislinn imaginou serem de consolo. Ficou espantada ao ver que o homem frio e remoto com quem passara quase dois dias, era capaz de demonstrar tamanha compaixão. Os olhos dele estavam fechados. O contraste de luz e sombra brincando em seu rosto lhe tornava a expressão angustiada ainda mais pronunciada, testemunhando a profundidade de sua emoção. Quando, por fim, abriu os olhos cinza-claro, seu olhar recaiu direto onde ela estava parada junto à entrada. Afastando-se da mãe, Greywolf fez um sinal com o queixo em direção a Aislinn. — Trouxe uma refém comigo. A declaração abrupta fez a mãe se virar e fitar Aislinn pela primeira vez. A mulher levou mão delicada ao peito. — Uma refém? Lucas! — Você perdeu a cabeça? — Perguntou o doutor furioso — Diabos, homem, devem estar procurando por você em todas as partes do estado. — Já reparei — Disse Greywolf num tom despreocupado. — Eles o levarão de volta para a prisão tão rápido quanto um giro de cabeça. E dessa vez vão jogar as chaves fora. — É um risco que me dispus a correr. Pedi permissão de deixar a prisão para poder ver meu avô, antes que ele morresse. O pedido formal foi negado. Joguei pelas regras deles, mas não adiantou. Nunca adianta. Dessa vez, aprendi a lição. Não peça, 51


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apenas faça. — Oh, Lucas! — Suspirou a mãe, desabando sobre uma cadeira. — O pai entendia por que você não podia estar aqui. — Mas eu não — Retrucou Greywolf, abrindo os dentes e cuspindo as palavras, irritado — Que diferença teria feito me deixarem sair alguns dias antes? Os três permaneceram calados porque parecia não haver resposta para aquela pergunta. Por fim, o doutor deu um passo adiante e amavelmente se apresentou a Aislinn. — Sou o doutor Gene Dexter. Ela simpatizou de imediato com ele. Suas feições eram pouco notáveis, mas o comportamento era calmo e reconfortante. Ou assim lhe pareceu, porque passara as últimas 48 horas em companhia do volátil Lucas Greywolf? — Aislinn Andrews. — Você é de...? — Scottsdale. — Parece cansada. Não quer se sentar? Gene Dexter lhe ofereceu uma cadeira e ela a aceitou, satisfeita. — Obrigada. — Esta é Alice Greywolf — apresentou Dexter, colocando uma mão no ombro da mulher. — Sou a mãe de Lucas — Disse ela, curvando-se para frente na cadeira, com os olhos escuros repletos de sinceridade — Vai nos perdoar pelo que aconteceu? — É seu pai? — Perguntou Aislinn suavemente, apontando o velho índio na cama. — Sim, Joseph Greywolf — Respondeu Alice. — Sinto muito. — Obrigada. — Posso lhe oferecer algo? — Perguntou o médico branco a Aislinn. Ela suspirou cansada e lhe tornou um sorriso torto. — Pode me levar para a minha casa. Greywolf deixou escapar um murmúrio de escárnio. — Fui uma surpresa desagradável para a srta. Andrews ao chegar em casa anteontem e me encontrar roubando comida em sua geladeira. — Você arrombou a casa dela! — Exclamou Alice em descrença. — Sou um criminoso, mãe. Lembra? Um condenado foragido — Ele se serviu de uma xícara de café da chaleira de esmalte sobre a mesa — Com licença — Depois de fitar Aislinn com um sorriso malicioso, voltou para perto da cama do homem agonizante. — Ele fugiu da prisão, entrou na minha casa e me fez de refém apenas para poder ver o avô antes que ele morresse? — Toda a perplexidade de Aislinn fora expressa na pergunta que ela mal percebeu que proferira em voz alta. Ao se recordar das ameaças com a faca, da zombaria e do tormento que Greywolf lhe infligira, teve vontade de se erguer, caminhar até o outro lado do chão sujo, puxá-lo pelos cabelos e esbofeteá-lo várias vezes. 52


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Submetera-se às ameaças dele porque o julgava violento. Mas, vendo-o agora, inclinado sobre o velho doente, sussurrando-lhe palavras ternas, acariciando-lhe a testa enrugada com tanto amor, duvidava de que Lucas Greywolf fosse capaz de fazer mal a uma mosca. Aislinn desviou o olhar das duas pessoas que a fitavam como se ela fosse um objeto de curiosidade. — Eu não entendo. Um sorriso suave curvou os lábios de Alice Greywolf — Meu filho é difícil de se entender. É impulsivo. Tem pavio curto. Mas seu latido é pior que a mordida. — Eu, em particular, gostaria de lhe dar umas boas palmadas por ter envolvido esta jovem — Disse o doutor Dexter — Por que quis tornar as coisas mais difíceis para ele, seqüestrando a srta. Andrews? — Você sabe como ele é obstinado, Gene — Retrucou Alice resignada — Se decidiu chegar aqui antes de o avô morrer, nada e ninguém o impediria — Ela olhou para Aislinn preocupada.— Ele não a feriu, não é? Aislinn hesitou antes de responder. Poderia lhes dizer que ele a humilhara, forçando-a a vê-lo tirar as roupas e tomar uma ducha. Que a obrigara a se despir e a amarrara a ele enquanto dormiam. Que a maltratara e a tocara de forma rude. Que a agredira verbalmente, sujeitando-a a embaraços, diversas vezes. Mas não podia dizer honestamente que ele a havia ferido. — Não — Respondeu num tom de voz sereno. Confusa, sacudiu a cabeça, olhando para as mãos unidas sobre o colo. Ela o estava protegendo mais uma vez. Por quê? — Seu braço está enfaixado — Observou Gene. — Eu me feri tentando sair de um banheiro público. — Um banheiro público? — Sim. Ele, bem... Me prendeu lá. — O quê? Aislinn lhes contou tudo o que havia acontecido, omitindo os aspectos mais pessoais e encobrindo o incidente da barreira na estrada. — Lucas enfaixou meu braço mais ou menos uma hora atrás. — Bem, é melhor eu dar uma olhada nisso — Disse Gene, caminhando até uma bacia na pia e bombeando água para o seu interior. O médico começou a lavar as mãos com um pedaço de sabão amarelo. — Alice, pegue minha maleta, por favor. Ela tem que tomar uma vacina contra tétano. Meia hora mais tarde, Aislinn sentia-se bem melhor. O braço havia sido examinado e diagnosticado como nada além de um arranhão doloroso. Lavara-se na pia e usara uma escova para desembaraçar os cabelos. Para substituir a blusa esfarrapada e a calça jeans suja, Alice lhe emprestara uma túnica e uma saia longa, tradicionais das mulheres Navajo que retirara de um baú encostado à parede. — É muita bondade da sua parte concordar em esperar aqui até... Até que o meu pai morra. Aislinn abotoou a blusa. 53


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— Estava esperando ser levada a um esconderijo de bandidos — Olhou para a cama onde ambos, Gene e Greywolf, cuidavam do índio ancião — Não entendo por que ele simplesmente não me contou o motivo que o fez fugir da prisão. — Meu filho está sempre na defensiva. — Ele é desconfiado. Alice pôs a mão sobre o braço de Aislinn. — Temos sopa, que ainda está quente. Gostaria de tomar um pouco? — Por favor — Só então ela percebeu que estava faminta. Alice sentou-se a seu lado na mesa, enquanto ela comia. Aislinn aproveitou a oportunidade para lhe fazer perguntas sobre Greywolf. Perguntas que anteriormente lhe aguçaram a curiosidade. — Pelo que entendi, ele está cumprindo três anos de prisão por um crime que não cometeu? — Sim — Respondeu Alice — Lucas foi culpado apenas por uma coisa... Ter organizado aquela manifestação nos degraus do palácio da justiça em Phoenix. Ele passou por todas as vias legais. E obteve uma licença para realizar o manifesto. Não esperava que resultasse em violência. — O que aconteceu? — Alguns manifestantes, muito mais militantes que Lucas, incitaram a desordem. Antes que Lucas pudesse recuperar o controle, o patrimônio público havia sido vandalizado e as brigas começaram. Resultando em uma rixa. Várias pessoas, inclusive policiais, saíram feridas. — Sério? — Sim. Porque já possuía a reputação de dissidente, Lucas foi o primeiro a ser preso. — Por que ele não disse às autoridades que estava tentando conter a violência? — Ele se recusou a dar o nome dos verdadeiros responsáveis. sozinho no julgamento e não permitiu que ninguém mais falasse em sua acho que o juiz e o júri já haviam decidido antes mesmo do julgamento. publicidade da mídia em torno do caso. Ele foi considerado culpado. A desproporcionalmente severa.

Defendeu-se defesa. Mas Houve muita sentença foi

— Não teria sido melhor se ele tivesse contratado um advogado para se defender? — Aislinn perguntou. Alice sorriu. — Meu filho não lhe contou nada sobre ele, não é? — Aislinn sacudiu a cabeça. — Ele é advogado. Ela encarou a outra mulher, boquiaberta. — Advogado? — Um advogado impedido, agora — disse a mãe num tom triste — Essa é uma das razões de sua amargura. Ele queria ajudar nosso povo na justiça. Agora não pode mais. Aislinn mal podia assimilar tudo o que Alice acabara de lhe contar. Parecia que o sr. Greywolf era mais complexo do que ela havia imaginado. Olhou na direção da cama no instante em que ele se ergueu e se virou para a mesa onde ela estava sentada com Alice. Gene Dexter reconfortava-o com uma das mãos em seu ombro. 54


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— Você disse nosso povo. Sua herança indígena é extremamente importante para você. E por isso que usam o nome Greywolf? — Que nome deveríamos usar? — Perguntou Alice, aparentemente confusa com a pergunta. — Bem, Dexter — Respondeu Aislinn igualmente confusa — Gene não é o pai do Lucas? Três pares de olhos atordoados a fitaram. Os castanhos aveludados de Alice foram os primeiros a se desviar. Um vistoso rubor tingia-lhe as bochechas. Gene Dexter pigarreou incomodamente. A resposta de Greywolf soou rude e concisa. — Não, ele não é.

Capítulo Cinco

— Alice, Joseph a está chamando — Disse Gene, diplomático. Os dois se retiraram, Gene com o braço ao redor dos ombros de Alice. Aislinn desejou que o proverbial buraco se abrisse embaixo dos seus pés e a engolisse. — Eu pen... Pensei... Já que você é metade índio e... Quero dizer... — Bem, você pensou errado — Greywolf se sentou em uma das cadeiras à mesa — O que ainda está fazendo aqui? Imaginei que a essa altura já tivesse persuadido Gene a levá-la de volta à civilização. — Ele tem coisas mais importantes a fazer no momento, como cuidar do seu avô. Equilibrando a cadeira apenas nas duas pernas de trás, ele a fitou com uma expressão debochada. — Ou talvez a vida de crime tenha provado ser excitante. Talvez não queira mais ir para casa. Aislinn fulminou-o com o olhar. — Claro que quero. Apenas não sou tão fútil e insensível quanto pensa que sou. — E isso significa? — Significa que me solidarizo com você e com a sua mãe. Em vez de me aterrorizar, ameaçando-me com uma faca e me amarrando, poderia ter me contado por que fugiu da prisão. Eu o teria ajudado. Greywolf deixou escapar um som que poderia ter acabado em uma gargalhada. Não era um som jovial, mas carregado de ceticismo e censura. — Uma protestante anglo-saxã branca, respeitável e obediente à lei, ajudando um índio foragido da justiça? — O tom soou irônico — Duvido seriamente. De qualquer maneira, eu não podia apostar na sua bondade. Aprendi a ser desconfiado — As pernas da frente da cadeira bateram no chão com força, como se pontuando a sua declaração. — 55


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Há mais daquela sopa? Enquanto enchia uma tigela de sopa da panela que chiava sobre o fogo esfumaçado, Aislinn percebeu que a identidade do pai dele ainda permanecia um mistério. Aparentemente, seu sangue branco não era um tópico aberto à discussão, o que a deixou ainda mais curiosa. Lucas devorou a sopa fumegante. Sem perguntar, ela lhe ofereceu uma xícara fresca de café. Enquanto horas atrás seu único e exclusivo desejo era conseguir pôr o máximo de distância entre ela e aquele homem perigoso, agora se sentava à mesa, em uma cadeira em frente a ele. Erguendo as sobrancelhas, ele a fitou intrigado, mas voltou a comer, sem fazer comentários. Não parecia mais tão feroz. Seria a atmosfera tranqüila ou os confins limitados do hogan que o fizeram amolecer? Era difícil sentir medo de um homem que se ajoelhava à cabeceira do avô agonizante e falava com tamanha ternura. Greywolf não havia mudado fisicamente. Os cabelos continuavam tão negros e compridos quanto antes. Os olhos, ainda tão frios quanto uma lagoa vitrificada pelo gelo da manhã. Os músculos dos braços ainda ondulavam com a violência latente sob a pele de cobre sinuosa. A expressão permanecia da mesma maneira distante. E, mesmo assim, parecia diferente. Não era tão assustador agora. Parecia intrigante e bem diferente dos homens que os pais dela costumavam lhe apresentar. Em geral, réplicas talhadas pela mesma forma. Usavam ternos conservadores que só variavam nos tons de cinza. Todos executivos que versavam sobre assuntos como análises de mercado e índices de crescimento. Para incrementar uma conversa, falavam sobre partidas de tênis e das despesas de manter um carro esporte importado. O recente divórcio de fulano e seus problemas com os impostos sempre eram considerados excelentes tópicos nas festas e coquetéis. Como pareciam enfadonhos se comparados àquele homem que usava um brinco de prata na orelha e engolia sopa enlatada como se fosse sua última refeição decente por um bom tempo! Que não se envergonhava pelo suor e a sujeira e as leis fundamentais da vida, como morrer. Para ser franca, Lucas Greywolf a fascinava. — Não me disse que era advogado. — Ele não era muito dado a bate-papos. Aislinn sabia que não havia outro modo de começar uma conversa com ele, a não ser mergulhar de cabeça. — Não era pertinente. — Poderia ter mencionado. — Por quê? Teria se sentido melhor sabendo que o homem que a ameaçava com uma faca era advogado? — Acho que não — Respondeu aborrecida. Lucas voltou a comer a sopa. A conversa cessou. As informações teriam que ser extraídas dele como a raiz de um dente pré-molar. Ela tentou mais uma vez: — Sua mãe disse que você foi para a faculdade com uma bolsa de estudos para atletas. — Vocês duas devem ter conversado bastante — Ele terminou a sopa e empurrou a tigela vazia. — Bem, é verdade? — exigiu impaciente. — Por que esse súbito interesse? 56


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Ela encolheu os ombros. — Eu apenas... Não sei. Estou interessada, só isso. — Quer saber como um menino índio e pobre progrediu no mundo dos brancos? — Eu devia imaginar que você se ofenderia. Esqueça. — Furiosa, empurrou a cadeira para trás e se ergueu, mas, ao pegar a tigela de sopa para levar para pia, ele a impediu, capturando-lhe a mão. — Sente-se e eu lhe contarei tudo, já que está tão curiosa. Aislinn não podia vencê-lo em uma chave de braço, não do modo como os dedos dele se cravavam em sua carne. Então obedeceu e sentou-se. Lucas a encarou por sobre a mesa por vários minutos, antes de finalmente libertar-lhe a mão. Seus olhos a fulminavam com desprezo. O grau de profundidade era tanto que a fez se remexer apreensiva. — Eu me formei em uma escola aqui na reserva — Começou ele. Os lábios firmes formavam uma linha severa que mal se movia quando proferiam as palavras — Consegui a bolsa de estudos porque um treinador me viu correr em uma competição. Então, fui para Tucson e me matriculei na universidade. O atletismo era fácil. Mas infelizmente eu era ignorante em comparação aos outros calouros. Mesmo tendo professores dedicados na reserva, não estava preparado para a faculdade. — Não me olhe dessa maneira. — Como? — Como se eu devesse me sentir culpa por ter cabelos loiros e olhos azuis. — Sei que é difícil para alguém como você compreender, mas, quando se é um pária, o melhor é ser muito bom em alguma coisa. É o único modo de poder ser aceito. Enquanto você e sua turma desfrutavam a fraternidade e as festas da república de mulheres, eu estava estudando. — Você queria se destacar. — Queria me igualar. Quando não estava na aula, na biblioteca ou na pista, estava trabalhando. Mantinha dois empregos no campus, porque não queria que dissessem que tive livre acesso à faculdade apenas porque era um índio e veloz nas corridas — Uniu as mãos sobre a mesa e as encarou — Sabe o que é um mestiço? — Sim, já ouvi falar. É uma palavra feia. — Sabe o que é ficar sobre uma linha como essa? E uma pergunta retórica. Claro que você não sabe. Oh, ganhei uma certa notoriedade pelas corridas. Eu era bom — Disse meditando, como se ainda pudesse ouvir os aplausos dos fãs no estádio — Na época que me graduei com distinção... — Então você se destacou. Ele a ignorou. — Meu nome era tão famoso que até escreveram um artigo no jornal sobre mim. O objetivo era ressaltar como minhas realizações eram elogiáveis... Para um índio — Os olhos escuros encontraram os dela — Está vendo, sempre há essa qualificação: "para um índio". Aislinn sabia que ele tinha razão, então ficou calada. — Entrei imediatamente para a faculdade de Direito. Estava ansioso para adquirir prática e ajudar a impedir que os índios continuassem a ser explorados pelas empresas 57


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de mineração. Ganhei alguns casos, mas não o bastante. Fiquei desiludido com o sistema legal, que julgo ser o maior jogo de politicagem do mundo. A justiça não é cega. Então co mecei a jogar sujo também. Tornei-me muito mais franco e crítico. Organizei protestos de índios para que eles pudessem ter voz. Organizei manifestações pacíficas. Entretanto, minhas atividades só serviram para me atribuir uma reputação de encrenqueiro que precisava ser vigiado. Quando tiveram a oportunidade de me prender e me trancafiar por muito tempo, não pensaram duas vezes — Ele voltou a se sentar na cadeira e a fitou com um olhar vazio — E então? Está satisfeita agora? Ouviu o que queria saber? Fora uma narrativa mais prolongada do que ela o julgara capaz de fazer. Os elos perdidos se encaixaram facilmente. Ele não pertencia a sociedade nenhuma, não sendo completamente índio nem completamente branco. Ela sabia a que tipo de insultos devia ter sido sujeitado. Palavras como "mestiço" eram intoleráveis para um jovem obstinado e orgulhoso. Era inteligente e fisicamente superior. Não havia dúvida de que outros índios descontentes o viam como líder e o seguiam. Ele se tomara alguém que a comunidade branca temia. Mesmo assim, a maioria dos sofrimentos de Lucas Greywolf era oriunda da sua própria amargura e teimosia arraigada. Podia ter se livrado da prisão, denunciando os nomes dos verdadeiros culpados. Era fácil imaginá-lo com a mandíbula rígida ao se recusar a responder às perguntas das autoridades. — Você está de mal com a vida — Disse ela. Para surpresa de Aislinn, ele sorriu, embora seu sorriso fosse irônico e frio. — Você está certíssima. Agora. Nem sempre foi assim. Quando deixei a reserva para ingressar na faculdade, era ingênuo, cheio de grandes ideais. — Mas a sociedade o desmoralizou. — Prossiga, pode zombar. Estou acostumado. — Já parou para pensar que a razão de ser excluído pode não ser porque é um índio, mas sim por causa dessa sua personalidade nada atraente? Mais uma vez, ele a segurou pelo pulso. — O que sabe sobre isso? Nada — Rosnou. — Até mesmo o seu nome tem o cheiro desagradável do seu sangue anglo-saxão. Já foi convidada para uma festa e incitada a beber, apenas para que os outros pudessem ver quanto ál cool um índio é realmente capaz de tolerar? Será que ele vai ficar bêbado? Talvez vista um gorro de guerra e faça uma dança para nós. Onde está seu arco e flecha, cacique? — Pare com isso! — Ela tentou livrar o braço, mas não conseguiu. Ambos haviam se erguido, embora não tivessem notado. Ele a mantinha curvada em um ângulo desajeitado sobre a mesa. Tinha os dentes trincados e, embora sua voz soasse tão suave quanto um favo de mel, continha uma boa dose de malícia. — Depois de ser sujeitado àquele tipo de ridículo, ainda vem me dizer que estou de mal com a vida, srta. Andrews. Você... — Lucas! A reprimenda afiada da mãe acabou com o discurso abruptamente. Ele fitou Aislinn bem fundo nos olhos por uma fração de segundos, antes de libertá-la e girar o corpo. — Ele está chamando por você — Disse Alice. Seus olhos bonitos vagavam de um lado para o outro entre o filho e a refém, como se cautelosa com as faíscas que sentia 58


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crepitar entre os dois. Segurando Lucas pelo braço, ela o conduziu até a cama. Aislinn os observou. O topo da cabeça de Alice alcançava apenas o ombro do filho. O braço que ele passou ao redor dos seus ombros estreitos, enquanto se aproximavam do leito do doente, estava carregado de afeto e ternura. Ela não podia imaginá-lo sofrendo essas emoções humanas naturais. — Você tem que perdoar o Lucas — A voz tranqüila de Gene Dexter interrompeulhe as reflexões. — E por que eu deveria? Ele é um homem adulto, responsável pelos seus atos. Mau comportamento é imperdoável, não importa o motivo. O médico suspirou e se serviu de uma xícara de café. — Tem razão, é claro — Enquanto tomava um gole da bebida fervente, também observava mãe e filho ajoelhados à cabeceira do velho agonizante — Conheço Lucas desde menino. Sempre foi bravo. Amargo. A mãe de Alice era Navajo, mas Joseph é apache. Lucas herdou esse espírito de guerreiro. — Você os conhece há tanto tempo? Ele assentiu com a cabeça. — Vim para a reserva no meu primeiro ano de residência. — Por quê? — Ela se ruborizou quando o médico a fitou com um sorriso nos lábios. Santo Deus! A grosseria de Greywolf seria contagiosa? — Sinto muito. Não é da minha conta. — Tudo bem. Fico contente em responder — Gene franziu as sobrancelhas, reunindo os pensamentos, escolhendo as palavras com cuidado — Posso dizer que senti um "chamado". Era jovem e idealista. Queria fazer a diferença, não ganhar muito dinheiro. — Tenho certeza de que conseguiu — Aislinn Fez uma pausa antes de prosseguir. — Pelo menos nas vidas de Alice e Lucas Greywolf — Quando ousou fitá-lo de soslaio, percebeu que ele não se deixara enganar pela sua sondagem sutil. — Conheci Alice quando ela levou o Lucas para a clínica com um braço quebrado. Durante as semanas seguintes, ficamos amigos e perguntei se ela estava disposta a me ajudar na clínica. Eu a treinei nas habilidades da enfermagem. Trabalhamos juntos desde então. Os sentimentos de Gene por Alice Greywolf eram bem mais profundos que os de um médico por sua dedicada enfermeira, mas Aislinn não teve a oportunidade de pressioná-lo sobre o assunto. Nesse exato momento, Alice se virou, a face adorável alarmada. — Gene, venha depressa! Ele está... O médico se apressou até a cama e assumiu o lugar de Lucas junto a Alice. Colocou o estetoscópio no peito de Joseph Greywolf Mesmo de onde se encontrava, próximo à mesa, Aislinn podia ouvir a respiração ruidosa do índio, como dois pedaços de lixa sendo friccionados. O som abrasivo continuou até a alvorada. Quando cessou, o silêncio súbito foi mais alto que o ruído. Aislinn cobriu os lábios trêmulos com a mão e se virou de costas para os três, que mantinham vigília junto à cama, lhes proporcionando um pouco de privacidade. Sendo uma estranha, não queria se intrometer na aflição deles. Sentou-se em uma das cadeiras e curvou a cabeça. Ouviu o som de pés se movimentando no pavimento empoeirado. O choro suave de Alice. Murmúrios de consolo sendo sussurrados. Então ouviu o baque pesado dos saltos de um par de botas. A porta da frente rangeu ao ser aberta. Ergueu a cabeça e viu 59


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Lucas passando para o lado de fora e descendo o caminho rochoso. Seu corpo poderoso parecia mais leve e gracioso do que nunca, mas os músculos retesavam-lhe a pele, pressionando-a. Parecia capaz de se manter de pé apenas pela força de vontade. Como estava de costas, ela não podia ver-lhe a face, mas podia imaginar a rigidez e a tensão que a dominavam. Aislinn o viu percorrer a distância até o carro dela e depois passar pela caminhonete que ela presumiu pertencer ao doutor Dexter. Com aquele mesmo passo largo determinado, cruzou o vale e dirigiu-se ao caminho íngreme e rochoso na lateral da montanha. Ela não lembrava de ter se mexido. Não o fez conscientemente. Simplesmente se levantou e caminhou até a porta, guiada por alguma área subconsciente do cérebro. Olhou para Alice depressa. Gene Dexter tinha-a nos braços, sussurrando palavras de conforto em seus cabelos negros como a noite. Aislinn passou pela porta e saiu para o silêncio da manhã. A luz do alvorecer estava apenas surgindo no cume das montanhas que circundavam o hogan. O vento lá em cima era gélido, particularmente naquela hora do dia, quando o sol ainda não tivera tempo de aquecer as rochas com seu calor escaldante. Não reparou em nada, nem mesmo no deslumbrante tom violeta do céu, quando o sol se ergueu um pouco mais. Seus olhos estavam fixos no homem que não passava de um ponto tênue e veloz no terreno rochoso que escalava, sem aparente esforço. Seu progresso não era tão rápido. As botas que Lucas escolhera para ela eram de grande valia agora, mas a saia que pedira emprestado à mãe dele agarrava-se ao redor de suas pernas, dificultando seus esforços. Esfolou os joelhos inúmeras vezes, e as mãos sangravam em conseqüência de vários arranhões. Antes de alcançar metade do caminho, viu-se sem fôlego, lutando para respirar. Mas persistiu na escalada, instigada por uma emoção que não parou para analisar. Era algo que simplesmente precisava fazer. Tinha que chegar até Greywolf Por fim, o platô, uma área no formato de um tampo de mesa, já não parecia inatingível. Tomou coragem e começou a escalar com mais ímpeto. Olhou para cima e viu Lucas de pé no cume, seu corpo era uma silhueta escura e esguia contra o céu de lavanda sem nuvens. Quando enfim alcançou o topo, rastejou virtualmente a distância restante. Uma vez lá, desabou sobre o chão plano e curvou a cabeça completamente esgotada. Sua respiração zunia, entrando e saindo do corpo. O coração batia tão veloz que chegava a machucar. Encarou as mãos, descrente. Estavam arranhadas e cortadas. As rochas haviam sido cruéis com as suas palmas. As unhas estavam quebradas. Normalmente, teria ficado horrorizada com tais ferimentos. Mas, naquele momento, a dor não significava nada. Nem mesmo a sentia. Era insignificante em comparação à dor daquele homem. Greywolf permaneceu imóvel, de costas para ela, fitando o precipício oposto. Tinhas os pés afastados e as mãos fechadas em punhos ao longo do corpo. Enquanto o observava, ele lançou a cabeça para trás, fechou os olhos e soltou um rugido que reverberou pelas paredes das montanhas circunvizinhas. A lamúria animal parecia emergir das profundezas da sua alma. Um misto de aflição, desespero e frustração tão profundo que Aislinn foi capaz de sentir a dor dele. Lágrimas saltaram dos seus olhos azuis. Inclinando-se para a frente, estirou uma das mãos para tocá-lo, mas ele estava de pé a alguns metros de distância. Sua oferta de consolo não foi percebida. Não sabia por que não sentia repulsa por aquela exibição explícita de emoção. Em 60


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sua família, tais exibições eram proibidas. Se alguém sentisse tristeza, raiva e até mesmo alegria, só poderia demonstrar essas emoções de modo contido e refinado. Exprimir a própria personalidade, como tudo mais, era ditado por meio de regras. As pessoas mantinham os sentimentos refreados. Caso contrário, seria considerado de mau gosto ou vulgar ao extremo. Jamais em toda sua vida testemunhara uma demonstração de emoção tão intensa e sincera. O grito primitivo de Greywolf abriu um rombo secreto em seu coração, deixando uma ferida larga e aberta. Uma lança não poderia tê-la perfurado mais completamente. O impacto foi vibrante, violento e profundo. Lucas se ajoelhou, curvou-se para a frente e baixou a cabeça, cobrindo-a com os braços. Balançou para trás e para frente, lamentando e cantando palavras que ela não compreendia. Apenas entendeu que ele era um homem totalmente desconsolado e solitário pelo tamanho da sua aflição. Ainda sentada, avançou lentamente e o tocou no ombro. Lucas reagiu como um animal ferido. Girou a cabeça e deixou escapar um rosnado. Os olhos sem lágrimas estavam frios na superfície, mas os centros escuros queimavam como as covas insondáveis do inferno. — O que está fazendo aqui? — Perguntou arrogante. — Você não tem lugar aqui. Aquilo não era apenas uma insinuação de que ela não pertencia àquele platô selvagem, mas que também não era capaz de entender a profundidade da aflição dele e que estava ressentido por ela achar que podia. — Sinto muito pelo seu avô. Os olhos escuros se estreitaram perigosamente. — Como pode sentir muito pela morte de um índio velho e inútil? As palavras severas fizeram lágrimas brotarem nos olhos dela. — Por que faz isso? — Isso o quê? — Repele cruelmente outras pessoas... Pessoas que estão tentando ajudá-lo. — Não preciso da ajuda de ninguém — Seus olhos exibiam um desprezo explícito. — Principalmente da sua. — Acha que é a única pessoa na terra que já foi desiludida, ferida ou traída? — Você foi? Em seu palácio de marfim? A pergunta debochada não merecia resposta. Aislinn poderia ter lhe dito que havia infinitas formas de sofrimento, mas ficar contando histórias de aflição teria sido ridículo. Além do mais, estava irritada demais por ele ter rejeitado a sua condolência. — Usa a sua amargura como um escudo para se proteger. Esconde-se atrás da sua raiva como um covarde que tem medo de ser pego experimentando algum calor humano. Alguém lhe oferece ternura e você interpreta como piedade. De qualquer modo, todos nós precisamos ser consolados às vezes. — Está bem — Disse ele num tom amável — Console-me. Lucas se moveu com a velocidade de um raio de verão e seu toque foi da mesma maneira eletrizante. Deslizando a mão pela nuca dela, afundou os dedos nas longas mechas de cabelos loiros e as enrolou ao redor do punho. Então, puxou-lhe a cabeça para frente e novamente para trás, com tanta força que ela temeu quebrar o pescoço. 61


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— Está se sentindo benevolente com os índios, hum? Bem, vejamos o quanto. Sem dizer mais nada, esmagou-lhe a boca com a sua. O contato foi brutal e punitivo. Um gemido enfurecido tentou escapar da garganta de Aislinn, mas não pareceu perturbá-lo. Sem se importar, Lucas apertou-lhe ainda mais os cabelos e pressionou os lábios sobre os dela com mais força. Mover a cabeça estava fora de questão. Ela se agarrou ao bíceps dele e tentou repeli-lo. A pele sob seus dedos era morna e lisa. Os músculos pareciam cabos de aço trançados. Seus esforços não obtiveram êxito. Afastando os lábios apenas alguns centímetros, ele sorriu sardônico. — Já foi beijada por um índio antes, srta. Andrews? Será algo que poderá contar às suas amigas da próxima vez que for tomar um chá com elas. Mais uma vez, Lucas tomou-lhe os lábios com brutalidade. Dessa vez, Aislinn experimentou uma estranha sensação de queda, e só então percebeu, quando sentiu a rocha dura de encontro às costas, que ele a havia deitado no chão. Sem interromper o beijo, ele se acomodou sobre um lado do corpo dela. — Não! — Ela ofegou quando ele lhe libertou a boca para devorar-lhe o pescoço com beijos tórridos. Tentou chutá-lo, mas ele apoiou a longa perna sobre a dela, prendendo-a sob a coxa. — Qual é o problema? Perdeu o gosto pela piedade tão cedo? — Escarneceu — Prove isto. Beijou-a novamente. Aislinn sentiu a língua dele, tentando apartar-lhe os lábios, e obstinadamente os manteve selados. Libertando-lhe os cabelos, ele lhe apertou a mandíbula com os dedos firmes, até ela não ter escolha, a não ser abrir a boca, ou correria o risco de ter o maxilar quebrado. A língua dele penetrou seus lábios entreabertos. Era como um invasor bravo, saqueando, arrebatando, ferindo. Em silêncio, ela gritou sua mortificação e fúria, lutando para repeli-lo, arqueando as costas sobre o chão duro, num esforço para se livrar. Tudo que conseguiu foi fazer com que o joelho de Lucas ficasse entalado entre as suas coxas, e o quadril dele pressionasse mais intimamente o seu. Desesperada para pôr um fim àquele abraço selvagem, encrespou ambas as mãos e tentou arranhar-lhe o rosto. Mas, no momento em que as pontas dos seus dedos entraram em contato com a pele dele, sentiu rastros de umidade. De imediato, a ira foi banida e substituída por um sentimento de admiração. Seus dedos relaxaram e passou a usá-los para explorar cegamente os cumes cinzelados daquelas maçãs do rosto e os ângulos esguios um pouco abaixo. Aquela falta de resistência o desnorteou. Lucas ergueu-se um pouco e afastou a boca. Em silêncio, fitaram-se nos olhos. Os dele, tão graciosamente incongruentes quanto o restante do rosto; os seus, azuis e inundados pelas lágrimas. Aislinn viu sua mão se mover, por iniciativa própria, afagando as trilhas úmidas no rosto de Lucas. Com a ponta do dedo, traçou o rastro salgado de uma das lágrimas até alcançar-lhe o queixo. Pensar na absoluta aflição que levara um homem de pedra como ele a chorar fez seu coração acelerar. Lucas a fitou e de imediato lamentou o que viu. Os lábios sensíveis estavam descorados e inchados pela fúria do seu beijo. Jamais em toda sua vida maltratara uma mulher fisicamente. O simples pensamento o deixou arrasado. Moveu-se com agilidade, pretendendo se erguer. Mas as mãos de Aislinn 62


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continuavam em seu rosto, estudando-lhe a boca. Ele pausou. — Eu lhe avisei para não me olhar desse jeito outra vez — Disse num tom áspero. — Ela não se moveu — Eu lhe disse o que aconteceria se você o fizesse. A expressão dela não se alterou. Durou apenas a batida de um coração, mas a hesitação de Lucas pareceu se prolongar por uma eternidade, antes de ele deixar escapar um gemido faminto, abaixar a cabeça e tomar-lhe os lábios mais uma vez. Aquele beijo era imensamente diferente. A boca parecia mudada. Pousou sobre a dela com extrema suavidade, apesar dos murmúrios ansiosos que emitia. Roçou-lhe os contornos dos lábios com os seus, confortando, como se lhe pedisse perdão. Aislinn respondeu entreabrindo-os. De leve. Bem de leve. De modo que, quando a língua dele lhe tocou a fenda úmida da boca, teve que sondá-la gentilmente para ter acesso à doçura em seu interior. Lucas emitiu um gemido longo e abafado, enquanto explorava as profundezas mornas da boca macia, a língua movendo-se, penetrando-a. Inclinou a cabeça para o lado e ela correspondeu, inclinando a sua do mesmo modo. Suas bocas pareciam coladas. Aislinn nunca fora beijada com tamanha sensualidade. Imitando o ato sexual, introduzia e retirava a língua, até deixá-la sem fôlego, com seus movimentos ousados e penetrantes. Ela estava ardendo por mais. Suas mãos deixaram a face dele para tocar-lhe o brinco de prata na orelha direita. Lucas deixou escapar um pequeno murmúrio abafado, quando ela o afagou. Com a mão livre, Aislinn acariciou-lhe as longas mechas de cabelo. Fascinada pela maciez, retirou a bandana ao redor da cabeça dele, deixando os fios escuros escorrerem pelos seus dedos como seda preta. Deslizando a mão entre seus corpos, Greywolf tocou os botões da blusa, sem atrativos, que ela pedira emprestado à mãe dele. Aislinn os sentiu sendo abertos e nada fez para impedir. Não pense nisso agora. Não pense, ordenou a si mesma. Se pensasse, seria para pôr um fim àquilo. E, a despeito de todas as implicações, não desejava terminar o que haviam começado. Desde que o encontrara em sua cozinha, vinha sendo assaltada por emoções e sensações atordoantes. Quase ininterruptamente, disparavam contra ela, como balas de uma pistola automática. As vezes, não tinha tempo de evitá-las rápido o bastante e sentia o impacto delas na cabeça, no coração, no corpo. Até três noites atrás, sua vida parecia tão devastada e estéril quanto o deserto, comparada à abundância de emoções que experimentara desde que o conhecera. Agora, desejava experimentar a mais suprema das emoções. Com ele. O hálito quente de Greywolf tocou-lhe o pescoço, enquanto ele lhe beijava a pele sensível com avidez. Os beijos se espalharam, alcançando-lhe o tórax. A mão máscula, sem permissão ou justificativa, envolveu-lhe um dos seios. Só de pensar naqueles dedos fortes e morenos movendo-se contra a sua pele cremosa, Aislinn sentiu labaredas de desejo lamberem-lhe o ventre. Mordeu o lábio inferior para abafar um gemido, quando as pontas dos dedos dele acariciaram-lhe um mamilo enrijecido. Com suave pressão, ele brincou, rodou e vibrou o botão rosado. Ao senti-lo rodear-lhe com os lábios o bico excitado de um dos seios, libertou um grito estremecido, apertando-lhe a cabeça de encontro ao peito com ambas as mãos. 63


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Lucas não seguia nenhuma disciplina. Usava a língua, os dentes e sua habilidade de sugar com a boca. Ela não podia dar o bastante e ele não podia receber o bastante. Cada carícia a levava mais alto, mais adiante, onde nunca estivera antes. Abrindo-lhe a camisa, Aislinn espalmou as mãos no seu tórax forte. Os dedos se ocuparam em uma orgia de descobertas. Traçavam entalhes rasos nas curvas dos músculos, passeavam pela pele, pelos, fazendo um contato breve e tímido com os mamilos rijos. Lucas enterrou a face entre os seios delicados e gemeu de prazer. Agarrando a barra da saia dela, ergueu-a e deslizou a mão para tocar-lhe a parte interna das coxas. Tambores pareciam retumbar em sua cabeça. O calor que irradiava do seu sexo se espalhou pelas coxas. Precisava de uma mulher, mas seus desejos estavam focados naquela mulher. Aquela loira de olhos azuis, símbolo de tudo que ele mais odiava, se tornara tudo o que ele mais desejava. Desde que a vira no quarto dela, o corpo nu brilhando sob a luz dourada do abajur, seus sentidos começaram a vibrar de desejo. Queria descobrir todos os centímetros daquela carne tentadora e, uma vez encontrando-os, conhecê-los completamente através da visão, tato, cheiro e gosto. Os seios pequenos, formosamente arredondados, com delicados mamilos cor-derosa, atraíam-no sobremaneira. Ela era esguia, mas dona de curvas suaves e deleitáveis. Sonhava em correr as mãos por aquelas formas esbeltas, moldando-as às palmas das mãos. Recordou-se vividamente de como ela ficou quando ordenara que se despisse. Trêmula, mas orgulhosa. Vulnerável, mas valente. A pele aparentava tão macia e rica quanto nata. O que não conseguiu ver, sua imaginação visualizou até quase enlouquecêlo. E agora a estava tocando. Aquele doce delta era tão morno e suave quanto imaginara. Inserindo os dedos no, interior da calcinha dela, tateou pelo ninho sedoso, até encontrar o coração de sua feminilidade. Subjugado pela impaciência, abaixou-lhe a calcinha até retirá-la por completo. Por instantes, ambos ficaram paralisados, exceto pelas respirações ofegantes. Lucas se acomodou sobre ela e a fitou. Parecia calma. Apreciava a expressão dela. Continha um certo desafio. Os seios delicados, banhados pelo sol que acabara de nascer estavam expostos ao céu infinito. Aislinn não hesitou quando ele os varreu com o olhar. A saia aninhada ao redor da cintura estreita proporcionava uma visão encantadora da sua feminilidade. Ela era bonita. Lucas fechou os olhos e se esforçou para conter o imenso prazer que começava a brotar em seu interior. Após abrir o zíper da calça jeans, ele se posicionou entre as coxas aveludadas de Aislinn. Movido pelo desejo, curvou a cabeça até cobrir-lhe a boca com a sua e a penetrou. Começou a se mover num ritmo lento, saboreando todos os centímetros cremosos daquela feminilidade quente que o envolvia. Apenas quando não restava mais nenhuma parte de si, deixou o peso do corpo desabar sobre dela, enterrando o rosto no vale perfumado entre o ombro e aquele pescoço alvo. Rezou para morrer. Porque nada seria melhor. Aislinn, com os olhos fechados, movia as mãos para cima e para baixo, acariciando lhe a expansão flexível das |costas e da cintura. Era maravilhoso moldar aqueles 64


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contornos às palmas das mãos. Devagar, aventurou-se um pouco mais abaixo, antes de ficar alarmada e retroceder. Queria introduzi-las sob o cós da calça jeans e apertar-lhe as curvas musculosas das nádegas, atraindo-o mais para dentro de si. Não que isso fosse possível. Ele já a preenchia por completo e, mesmo assim, seu corpo sentia prazer em acomodá-lo. Inclinando a cabeça, beijou-lhe a ponta da orelha, onde ele usava o brinco de prata. Lucas emitiu um gemido rouco, mais vibração que som. Então abaixou a cabeça até tocar-lhe um dos mamilos com os lábios. Com a boca aberta, roçou-o até deixá-lo completamente molhado. Sua língua fazia verdadeiras maravilhas. Com uma violenta contração, começou a se mover dentro dela, entrando e saindo repetidamente. Ele era macio, rijo e morno. Era animal. Era homem. Era maravilhoso. Aislinn desejou saber como podia ter vivido todos aqueles anos sem conhecê-lo, sem têlo. Ele sussurrou algo em seu idioma nativo. Então, de repente, se ergueu, sustentando o peso do corpo com os braços fortes. — Meu nome é Lucas — Lucas — Repetiu ela num tom ruidoso. Então, mais ruidoso ainda: — Lucas. — Eu quero... Oh, Deus... Eu quero ver isto... Nós... — Olhou para região dos seus corpos onde estavam unidos, onde o escuro se unia ao claro, onde um homem se unia a uma mulher. Então fez um movimento circular e vigoroso com os quadris, fazendo-a prender a respiração. Aislinn arqueou o pescoço, mas não conseguia fechar os olhos, embora a força do êxtase sublime lhe exigisse. Fitou-o como se quisesse memorizar seus traços para sempre na memória. Era moreno, bonito, selvagem. A medida que os movimentos se intensificavam, o suor escorria pela testa dele. — Quero me lembrar, quero me lembrar, quero me lembrar — Entoou ele, penetrando-a mais profundamente. — Quando eles me levarem... Oh, Deus... Lucas ergueu a cabeça mais uma vez. Os olhos cinza encontraram os dela apenas por um segundo, antes de se fecharem. O rosto moreno se contorceu, preso na agonia de um clímax primoroso. Deslizando as mãos, segurou-a firmemente pelas nádegas e a pressionou de encontro a sua virilidade, enquanto seu corpo convulsionava. Aislinn envolveu-o pelo pescoço. Apoiando a face nos pelos escuros do peito dele, ela estremeceu, entregando-se ao próprio prazer. Infinitos momentos depois, Lucas desmoronou sobre ela. Os lábios se moviam de encontro ao ouvido dela, mas, se estava murmurando palavras, eram indistinguíveis. Aislinn acariciou-lhe a nuca, adorando o contato dos cabelos escuros de encontro a sua bochecha. Por quanto tempo permaneceram assim, com os corpos úmidos pela transpiração, ela não lembrava. Também não podia lembrar exatamente o que os despertou daqueles cansaço feliz. Tudo que podia lembrar era a expressão no rosto dele, quando ergueu a cabeça e a contemplou. Por um momento, parecia infinitamente triste, resignado, um pouco grato, antes de fechar o semblante mais uma vez e se tornar distante. Lucas foi o primeiro a se mover. Erguendo-se, fechou o zíper da calça, mas não fez nenhum esforço para abotoar a camisa. Caminhou até a extremidade do precipício e olhou para baixo, para o hogan de Joseph Greywolf — E melhor você se vestir. Eles vieram me buscar. As palavras golpearam o peito 65


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de Aislinn como pedras pesadas. Desejou chorar em protesto, mas de que adiantaria? Onde poderia escondê-lo? Como poderia protegê-lo? Além do mais, Lucas parecia pouco preocupado com o que lhe aconteceria no presente ou no futuro, e menos ainda em relação a ela. Sentindo frio até os ossos, apesar da temperatura elevada, vestiu a roupa, apressada. Ergueu-se um pouco trêmula e sacudiu o pó o melhor que pôde. Ficou chocada com a enormidade do que haviam acabado de fazer. Suas bochechas estavam quentes de vergonha, embora o corpo continuasse latejando com tremores secundários. Ainda não havia acabado. Terminara muito cedo. Ficara incompleto. Queria desfrutar calmaria após a tempestade. Deliciar-se com a proximidade que deveria se seguir ao que tinham acabado de compartilhar. Mas o que estava esperando? Uma declaração de amor? Um amável "obrigado"? Uma piada para aliviar a tensão? Lucas não lhe deu nada, além de um relance casual e desprovido de emoção, antes de começar a descer o caminho rochoso da montanha. Aislinn cobriu o rosto com as mãos em uma tentativa vã de se controlar. Seus joelhos mal suportavam o peso do corpo quando ela caminhou até a extremidade do platô. A visão que a aguardava não fez nada para restabelecer sua serenidade. Carros oficiais, com suas luzes vermelhas e azuis flamejantes, agrupavam-se ao redor do hogan. A pequena habitação parecia um enxame de homens uniformizados, como abelhas ao redor de um favo de mel. Um oficial esquadrinhava o carro dela. — Ponha as mãos na cabeça, Greywolf — Rugiu uma voz através de um megafone. Lucas concordou, embora isso tornasse a sua descida da montanha mais perigosa. Sentindo-se desamparada, Aislinn assistia a tudo lá de cima. Uma ambulância parou em frente à porta do hogan. Momentos depois, o corpo de Joseph Greywolf foi trazido para fora e colocado em uma maca desmontável. Alice, apoiada pelo braço de Gene Dexter, surgiu logo atrás. Dois oficiais subiram o declive até Lucas. Quando o alcançaram, cada um agarrou um braço e os puxaram para trás com rudeza. Um deles o algemou, antes de começarem a descer novamente. Lucas caminhava altivo. O porte arrogante, quase condescendente. Não parecia afetado pelo que acontecia a seu redor. Só quando viu as portas da ambulância se fecharem, ocultando o corpo de seu avô, Aislinn percebeu que os ombros dele ficaram tensos. Alice correu até o filho e o enlaçou pela cintura. Lucas curvou a cabeça e beijou-a na bochecha, antes de um xerife substituto empurrá-lo rudemente em direção ao carro que o aguardava. Segundos antes de ser colocado no interior do veículo, ele ergueu a cabeça e olhou diretamente para Aislinn, que ainda se encontrava na borda do precipício. Com exceção desse gesto, ela poderia não ter existido para Lucas Greywolf.

Capítulo Seis 66


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— Quando vai se casar comigo? — Quando vai desistir e parar de perguntar? — Quando você disser "sim". Alice Greywolf dobrou o pano de prato que estava usando e o colocou cuidadosamente sobre o escorredor de pratos. Suspirando, virou-se e encarou Gene Dexter. — Ou você é muito perseverante, ou teimoso. Ainda não decidi qual dos dois. Por que não desiste de mim? Dexter deslizou os braços ao redor da cintura esbelta de Alice e a puxou para si, apoiando a cabeça no topo da cabeça dela. — Porque eu a amo. Sempre amei. Desde a primeira vez em que a vi na clínica. E era verdade. O médico se apaixonara naquele mesmo dia. Ela era tão jovem, inacreditavelmente bela e estava quase histérica de preocupação com o braço quebrado do filho traquinas. No curto espaço de uma hora, Gene engessara o braço do menino... e se apaixonara por Alice Greywolf Desde então, seu amor não diminuíra com o passar dos anos. Nem sempre fora fácil amá-la. Algumas vezes, quando a frustração se tornava insuportável, emitia-lhe ultimatos, dizendo que ou ela se casava com ele ou não voltaria a vê-la. Mas nem o uso de linguagem bombástica ou demonstrações de cólera surtiam efeito. Ela continuava recusando as suas propostas de casamento. Várias vezes se afastara e, deliberadamente, cultivara outros romances, que nunca duravam muito. Mas há anos tinha deixado de empregar essa tática de provocar ciúmes, em parte porque não era justo com as outras mulheres. Alice era o único amor da sua vida, casasse ela com ele ou não. Já se resignara com esse fato. Alice encostou o rosto no tórax dele e sorriu pesarosa, com a lembrança agridoce do dia em que se conheceram. Gene Dexter tinha sido um amigo, em todos os sentidos da palavra, por tanto tempo, que ela não podia mais imaginar a vida sem a sua presença sólida. Encantara-se com ele desde a primeira vez em que o vira e ouvira sua voz suave. Mas, ao mesmo tempo, estava muito ansiosa e preocupada com o filho. — Lucas tinha se metido em uma briga — Disse ela, recordando o passado — Alguns dos meninos mais velhos na escola o haviam xingado. Um deles o chamou de um nome feio — Mesmo agora era doloroso pensar no duplo estigma com o qual o filho fora obrigado a crescer. — Conhecendo Lucas como o conheço, aposto que partiu para cima dos provocadores. — Sim — Disse ela rindo — Estava preocupada com o braço dele, é claro, mas me lembro bem de tê-lo repreendido por não ter ignorado a ofensa. Gene achava que Lucas talvez não tivesse agido daquela forma se o insulto fosse dirigido apenas a ele. Mas com certeza Alice fora difamada também. Defender a mãe levara Lucas a se meter em brigas durante a infância e a adolescência. O médico se absteve de mencionar tal fato. — Jamais gostei que ele se metesse em confusão na escola, porque isso o colocava ainda mais em evidência — Continuou ela — E também fiquei preocupada em 67


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saber como iria pagar o novo doutor branco pelos seus serviços. Alice inclinou a cabeça para trás para estudar o rosto de Gene. Ele não era mais tão jovem como quando o conhecera, mas continuava muito bonito no seu tipo reservado. — Você sabia que eu não tinha dinheiro para lhe pagar. Por que me concedeu crédito? — Porque eu queria o seu corpo — Disse ele, cutucando-lhe o nariz e o queixo e emitindo sons divertidos de rosnados ferozes — Imaginei que tratar seu filho a crédito poderia me proporcionar algum tipo de vantagem. Rindo, ela o repeliu. — Não acredito nisso, nem por um minuto. Você é bom demais. Por outro lado, garantiu seu pagamento. Logo após tratar do braço do Lucas, você me ofereceu um emprego. Gene moldou-lhe a face entre as mãos e a fitou amorosamente. — Tudo que eu sabia e que sei agora é que não podia deixá-la partir naquele dia, se havia uma possibilidade de nunca mais voltar a vê-la. Tudo que consegui garantir para mim mesmo foi um modo de fazê-la voltar — Ele a beijou; a boca suave e apaixonada se moveu sobre os lábios dela — Case-se comigo, Alice — Havia uma nota afiada de desespero em sua voz e ela sabia que o anseio do médico era sincero. — Meu pai... — Está morto agora — Gene deixou os braços caírem ao longo do corpo e jogou os cabelos para trás. — Eu sei que só faz algumas semanas desde que ele morreu. Sei que ainda está sofrendo com a sua perda. Mas há anos o vem usando como desculpa para não se casar comigo. Eu entendi. Você precisava tomar conta dele. Mas agora que ele se foi, vai usar a morte dele como desculpa da mesma maneira que usava a vida? Alice passou por ele, deixou a cozinha e entrou na sala de estar da sua casa pequena, mas asseada. — Por favor, não me atormente com essa história de casamento agora, Gene. Preciso pensar em Lucas também. — Lucas é um homem adulto. — Ele ainda precisa do apoio da família. E eu sou tudo que lhe restou. — Ele também tem a mim, droga! Alice o fitou com um olhar pesaroso e alcançou-lhe a mão. Mesmo bravo como estava, Gene permitiu que ela o sentasse no sofá ao seu lado. — Eu sei. Não pretendi excluí-lo. O tom do médico suavizou de modo considerável. — Alice, Lucas não é mais uma criança, mas continua se metendo em encrencas. Está firmemente decidido a viver da pior maneira possível. Com apenas alguns meses faltando para ser libertado, fugiu da prisão e fez uma jovem de refém. — Ela ainda é um mistério para mim — Comentou Alice à menção do nome de Aislinn Andrews. — Nunca foi do feitio de Lucas envolver estranhos em suas confusões. — É exatamente essa a questão. Ele não a consultou ou sequer pediu meu conselho a respeito de fugir da prisão e se tornar um fugitivo. Por que julga necessário envolvê-lo na sua decisão de se casar comigo? Ele sabe o que eu sinto por você. Talvez, se tivesse se casado quando a pedi em casamento pela primeira vez, ele não tivesse se 68


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tornado tão selvagem — Alice parecia ferida. Gene suspirou — Isso foi um golpe baixo. Perdoe-me. — Lucas teve problemas demais na juventude. Ter um padrasto branco e rico para os padrões da reserva teria sido outro. — Eu sei — Concordou ele — Mas você o usou como desculpa por anos. Então, quando ele cresceu e deixou a escola, disse que o seu pai era a razão para não se casar comigo — Ele apertou as mãos dela entre as suas — Nenhuma delas era uma razão viável. Eram desculpas esfarrapadas e não existem mais. — Não podemos continuar como sempre fomos? Ele sacudiu a cabeça. — Não, Alice. Eu a amarei até o momento do meu último suspiro, mas sou homem. Quero e preciso de um relacionamento amoroso completo — Ele se curvou para frente. A voz soava baixa e séria. — Eu sei por que você tem medo de se casar. Alice baixou a cabeça e respirou fundo, como se preparada para enfrentar um pelotão de fuzilamento. Gene afastou-lhe os cabelos negros da face, com um olhar compassivo. — Você associa sexo à violência. Juro que não vou feri-la, como lhe aconteceu antes. As lágrimas retidas faziam os olhos dela brilhar, quando o fitou. — O que está querendo dizer? — Há anos desejava ter essa conversa com você, Alice, mas não queria antagonizá-la, trazendo o assunto à tona — Ele pausou por um momento antes de continuar. — Você tem medo de amar um homem novamente, especialmente um branco. — Ela mordeu o lábio inferior e ele percebeu que acertara em cheio no alvo —Você pensa que mantendo distância, não voltará a se ferir. — Gene tomou-lhe as mãos e as levou aos lábios, roçando-lhe as juntas enquanto falava: — Juro que jamais, jamais vou feri-la. Não me conhece o suficiente para saber que significa tudo para mim? Eu a amo. Permita-me e cuidarei com muito carinho do seu corpo. Por que eu feriria alguém que é parte vital da minha existência? — Gene. — Alice sussurrou o nome dele com as lágrimas escorrendo pelo rosto e encostou-se nele. Os braços fortes rodearam-na, abraçando-a com uma paixão reservada a algo mais querido. Então, beijou-a longa e completamente. Quando, por fim, o beijo terminou, ele perguntou: — Quando vai se casar comigo? — Quando Lucas sair da prisão. Ele fechou a cara. — Deus sabe quando será isso. — Por favor, Gene, dê-me esse tempo. Lucas nunca nos perdoaria se nos casássemos sem ele estar presente. E nós não queremos que ele quebre o braço outra vez — Acrescentou ela com um riso suave. Gene sorriu, permitindo-lhe aquela racionalização. Na verdade, ele achava que Lucas se sentiria melhor sabendo que a mãe estava casada e feliz. Entretanto, após conseguir firmar um compromisso com ela, não era hora de discutir. — Certo. Mas vou lhe cobrar isso. Assim que Lucas sair da prisão. E, enquanto isso... — murmurou ele, fitando-a com intensidade. 69


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— Enquanto isso...? — Enquanto isso, continuarei fazendo o que sempre fiz. Esperarei por você impacientemente, Alice Greywolf — Entre, sr. Greywolf.— Lucas entrou no escritório. — Por favor, feche a porta e sente-se. O diretor Dixon não estendia aos prisioneiros a cortesia de se erguer da cadeira atrás da larga escrivaninha, mas Lucas não exibiu nenhuma atitude deferente em relação a ele também. Estudou o homem com algum interesse. Caminhou até o outro lado do escritório e sentou-se na cadeira que o diretor do presídio lhe indicara. Dixon estava surpreso por não perceber traços de humildade na atitude de Lucas. Longe de parecer submisso, o prisioneiro ostentava um porte orgulhoso e destemido. Os olhos cinza frios não fizeram nenhum movimento furtivo, nem demonstraram sinais de culpa. Encontraram os do diretor sem um rastro de arrependimento ou remorso. Humildade e deferência estavam notoriamente ausentes. — Pelo visto, a provação das últimas semanas não o afetou fisicamente — observou o diretor. Desde o seu retorno à prisão, Lucas fora mantido em uma solitária e sem direito a qualquer privilégio. — Estou bem — disse lacônico. — Um pouco mais magro, eu acho. Alguns dias de comida de lanchonete devem curar isso. Lucas cruzou um tornozelo sobre o joelho oposto. — Se vai espancar minhas mãos, acabe logo com isso, por favor. Gostaria de voltar para a minha cela. O diretor procurou se controlar. Anos lidando com prisioneiros obstinados haviam lhe ensinado a resistir à mais forte provocação. Ele se ergueu da cadeira atrás da escrivaninha e caminhou até a janela, ficando deliberadamente de costas para Greywolf. Esperava que o prisioneiro interpretasse isso como um sinal de confiança. — A medida disciplinar que decidimos adotar não é nem de longe tão severa quanto a sua fuga suscitava. — Obrigado — Disse Lucas sarcástico. — Até você fugir éramos considerados um presídio modelo. — Sempre tento dar o meu melhor. Novamente, o diretor exercitou seu autocontrole ao extremo. — O Conselho e eu, depois de revermos seus arquivos cuidadosamente, votamos por um aumento de mais seis meses em sua pena, além das semanas que esteve foragido. Nossa decisão obteve a aprovação das autoridades do sistema penal. Dixon se virou depressa, a tempo de ver a surpresa na expressão de Greywolf, antes que ele a mascarasse abruptamente. Voltando a se virar para a janela, o diretor disfarçou o sorriso. O sr. Greywolf podia tentar permanecer indiferente, mas era tão humano quanto ele. Talvez até mais. Dixon não conhecera muitos homens que arriscariam passar mais tempo atrás das grades para assistir à morte do avô. Lucas Greywolf despertara uma admiração no diretor que era rara e inquietante. Se estivesse sob as mesmas circunstâncias, teria feito o que ele fizera? Era uma pergunta 70


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que o aborrecia. — Valeu a pena passar mais seis meses na prisão só para ir ver seu avô antes que ele morresse? — Sim. O diretor voltou à escrivaninha. — Por quê? Lucas colocou a perna de novo no chão e assumiu uma postura mais respeitosa. — Joseph Greywolf era um homem orgulhoso. Obstinadamente arraigado às tradições, ainda que em seu próprio detrimento. O fato de eu estar preso o aborrecia mais do que a mim mesmo. Para ele, era inaceitável que o neto de um cacique vivesse atrás das grades. — Ele era um cacique? Greywolf assentiu com a cabeça. — Pouco benefício isso lhe trouxe. Morreu pobre, desiludido, derrotado, como muitos homens da minha raça. O diretor estudou o dossiê a sua frente. — Aqui diz que ele era proprietário de terras. — Mas foi lesado em três quartos da sua propriedade. Rendeu-se. Parou de lutar. Antes de ficar muito doente, fora rebaixado a executar danças cerimoniais índias para divertir turistas. Cerimônias religiosas que, um dia, foram ritos solenes para ele, haviam se transformado em divertimento para outros. De súbito, Lucas se ergueu da cadeira. O diretor saltou e alcançou um botão de alarme embaixo da escrivaninha. Mas, quando percebeu que o prisioneiro não esboçou nenhuma ameaça, colocou a mão sobre o tampo outra vez. Voltou a atenção completamente para Greywolf, que caminhava furioso com o corpo rígido. — Eu era a única esperança do meu avô. Ele perdoou o meu sangue branco e me amou apesar disso. Criou-me mais como filho do que como neto. A idéia de me ver na prisão era intolerável para ele. Tinha que me ver livre, precisava saber que eu consegui, antes de poder morrer em paz. Essa foi a razão que me levou a fugir. Lucas encarou o diretor e Dixon pensou que, se aquele homem não conseguisse comover os jurados, ninguém mais poderia. Sua presença física era dinâmica. Ele era eloquente. Era um homem de convicção e paixão. Que desperdício estar impedido de exercer a advocacia. — Eu não queria fugir, diretor. Não sou tolo. Pedi permissão para sair durante dois dias para ver meu avô. Apenas dois dias. A permissão me foi negada. — Era contra as regras — Disse Dixon num tom calmo. — Para inferno com as regras! Isso é estupidez. O pessoal que dirige este lugar não percebe o quanto estariam fazendo pela reabilitação de um prisioneiro, concedendolhe alguns favores, devolvendo-lhe um pouco de dignidade? — Ele estava sentando na quina da escrivaninha agora, com um ar ameaçador. — Volte para a sua cadeira, sr. Greywolf — Ordenou Dixon com firmeza suficiente para fazer o prisioneiro saber que estava passando dos limites. Depois de um tempo considerável encarando o diretor, Lucas obedeceu. Uma expressão mal-humorada dominava seu belo rosto — Você é um advogado. Acho que percebe o quanto está sendo 71


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beneficiado desta vez — Colocando um par de óculos de leitura prateado sobre o nariz, Dixon esquadrinhou o relatório sobre a escravinha — Aqui consta o nome de uma jovem, uma tal srta. Aislinn Andrews. Ele fitou Lucas sobre a beirada dos óculos. A inflexão ao término da declaração indicava que era de fato uma investigação. Lucas não disse nada, somente encarou o diretor com um olhar implacável que não revelava nada do que estava pensando. Dixon voltou ao relatório. — Curioso ela não ter registrado queixa contra você. Lucas continuou em silêncio, embora um músculo da sua bochecha tivesse saltado. Finalmente o diretor fechou a pasta e retirou os óculos. — Pode voltar a sua cela normal, sr. Greywolf. Isso é tudo, por ora. Lucas se ergueu e caminhou em direção à porta. Já havia virado a maçaneta quando o diretor o chamou. — Sr. Greywolf, foi pessoalmente responsável pela agressão àqueles policiais durante aquela manifestação? Ordenou que destruíssem os gabinetes do governo? — Eu organizei o protesto. O juiz e o júri me julgaram culpado — Disse sucinto, antes de abrir a porta e sair. O diretor Dixon encarou a porta durante algum tempo após o prisioneiro tê-la fechado. Sabia quando um homem culpado estava mentindo. Mas também sentia quando um homem era inocente. Consultando o arquivo de Lucas Greywolf novamente, tomou uma decisão e alcançou o telefone. Enquanto Lucas era escoltado de volta à cela, seu coração batia acelerado, embora a aparência exterior não demonstrasse o tumulto interno. Esperava ouvir que estava sendo processado por arrombamento, assalto, seqüestro e sabe Deus mais quantos crimes estaduais e federais. Teve receio de ser submetido a novo julgamento, um julgamento que envergonharia Alice e lhe causaria ainda mais preocupação. Saber que sua fuga só lhe custara mais seis meses na cadeia fora uma tremenda surpresa. Pretendia ocupar-se durante esse tempo. Agora, a pequena mesa na sua cela costumava ficar empilhada com cartas de pessoas que buscavam conselhos legais. Não podia cobrar por isso. Jamais poderia exercer a advocacia oficialmente. Mas podia oferecer assistência gratuita. Entre os índios, o nome de Lucas Greywolf representava um raio de esperança. Não viraria as costas a ninguém que lhe pedisse ajuda. Mas por que Aislinn Andrews não o processara? Por certo as autoridades estaduais e federais deviam ter tentado instaurar uma ação judicial contra ele. Mas sem o testemunho dela não podiam provar que ele havia feito algo mais, além de ter fugido da prisão. Por que ela não havia cooperado com a polícia? Lucas Greywolf odiava estar em dívida com alguém, mas agora tinha uma dívida de gratidão com Aislinn Andrews. Aislinn cruzou a porta do quarto e a fechou, devagar. A campainha tocou pela segunda vez. Apressou-se pelo corredor para atender, tentando conter as mechas de cabelo que haviam se soltado do rabo de cavalo. Conferindo sua imagem no espelho do corredor, concluiu que estava pelo menos decente. Sua expressão era expectante e um meio sorriso lhe curvava os lábios quando abriu a porta. 72


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O sorriso jamais se alargou. Na verdade, congelou-se ao deparar com seu visitante. Com os olhos vitrificados, precisou se apoiar na porta para não cair. Por um momento, pensou que fosse desmaiar. — O que está fazendo aqui? — Eu a assustei novamente? — Você... Saiu? — Sim. — Quando? — Hoje. Libertado desta vez. Saí como um homem livre. — Parabéns. — Obrigado. A conversa era ridícula, é claro, mas, para alguém que acabara de receber o maior choque da sua vida, Aislinn achou que estava se saindo muito bem. Pelo menos não desmaiara ao ver Lucas Greywolf. Manteve o equilíbrio com a ajuda da porta, embora suas mãos estivessem ficando tão escorregadias com a transpiração que poderiam deslizar pela superfície lisa a qualquer momento. Tinha a boca seca, mas não perdera completamente a capacidade de falar. Se o mundo virasse de cabeça para baixo, não ficaria mais perplexa. Levando tudo aquilo em consideração, seu comportamento era notável. — Posso entrar? Aislinn levou a mão trêmula à garganta. — Eu... Acho que não é uma boa idéia. — Meu Deus! Lucas Greywolf na casa dela? Não! Lucas olhou para baixo por um momento e então voltou a erguer os inesquecíveis olhos cinzentos. — E importante, ou eu não a incomodaria. — Eu... — Não demorarei mais que alguns minutos. Por favor. Aislinn olhou para todos os lugares menos para o rosto dele, sabendo que isso acabaria com a determinação de permanecer parada onde estava. Havia uma sugestão de humildade no tom dele, mas era sustentada por gerações de determinação indígena. Por fim, ela assentiu com a cabeça e se afastou para deixá-lo passar. Quando Lucas entrou, ela fechou a porta. O hall de entrada pareceu encolher ao redor deles. Estava sob o mesmo teto que ele há menos de dez segundos, mas já sentia dificuldade de respirar. — Gostaria de beber algo? — Perguntou ela. Diga que não, diga que não. — Sim, por favor. Esta é minha primeira parada. Aislinn quase tropeçou no caminho em direção à cozinha. Por que ali? Por que Greywolf tinha que fazer sua primeira parada justo na casa dela? Com as mãos trêmulas, alcançou um copo no armário. — Toma um refrigerante? — Perguntou. — Está ótimo. 73


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Ela tirou uma lata do refrigerador e a abriu. O líquido espirrou sobre a sua mão. Pegando um pano de prato, limpou meio sem jeito a bagunça pegajosa sobre a pele e a bancada da pia. Estava um pouco aérea ao abrir o congelador, retirar alguns cubos de gelo e colocá-los no copo. Só quando verteu o refrigerante sobre o gelo, ela se virou. Um pouco desconcertada, deparou-se com o tórax dele e ficou surpresa ao vê-lo ainda de pé. — Desculpe-me. Sente-se, por favor — Disse, fazendo um sinal com a cabeça para a mesa. Lucas puxou uma cadeira e se sentou, aceitando a bebida gelada com um conciso agradecimento. Os olhos cinza vagaram ao redor da cozinha e pararam no porta-facas, então lentamente voltaram a fitá-la. — Eu não teria usado a faca em você. — Eu sei. — Antes que os joelhos fraquejassem, Aislinn afundou em uma cadeira em frente a ele — Quero dizer, agora. Na ocasião, fiquei morta de medo. — Você demonstrou uma coragem notável. — Eu? — Eu achei. Embora tenha sido a minha primeira refém. — E você foi o meu primeiro seqüestrador. Ambos deveriam ter sorrido. Mas nenhum dos dois o fez. — Seu cabelo já cresceu? — O quê? — Seu cabelo. Lembra que cortei uma mecha? — Oh, sim — disse distraída. Inconscientemente, ela alcançou a mecha mais curta. — Mal dá para notar agora. — Que bom. Lucas tomou um gole da bebida. Aislinn uniu as mãos e as deslizou entre as coxas, mantendo os braços esticados. A tensão que lhe comprimia o peito era tanta que a fez imaginar que um ataque de coração deveria ser assim. Temia sufocar-se. De momento em momento, não sabia se seria capaz de suportar a ansiedade, sem perder o controle. Porém, o silêncio era mais insuportável que a conversa formal, então perguntou: — Já esteve em casa, viu a sua mãe? Ele sacudiu a cabeça, negando. — Estava falando sério quando disse que esta era a minha primeira parada. Ele sequer tinha ido ver a mãe antes de ir ali? Não entre em pânico, Aislinn. — Como chegou aqui? — Minha mãe e Gene foram me visitar na prisão semana passada. Gene deixou minha caminhonete lá. — Oh! — Ela esfregou as mãos sobre as coxas, limpando o suor na calça jeans. Mas suas mãos estavam frias e os pés descalços pareciam dormentes — Por que veio aqui? — Vim lhe agradecer. 74


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Assustada, ela o encarou. O olhar fixo de Lucas provocou-lhe um frio na barriga. — Agradecer? — Por que não me processou? Aislinn exalou o ar que estava retendo com força. Se aquilo era tudo que ele queria saber, ela podia lidar com isso. — O xerife e todos aqueles policiais que vieram buscá-lo não sabiam sobre mim. — Ela narrou os eventos que se seguiram após a captura dele. — Eles já o haviam levado embora, sem me notar descendo aquela montanha. Seus olhares se encontraram por alguns segundos, cada um lembrando o que acontecera no topo daquele monte. Depressa, Aislinn voltou a falar: — Então, quando me viram, bem... Perguntaram quem eu era e o que fazia lá com você — Um rubor tingiu-lhe a face, enquanto ela recordava o quão sem jeito se sentira, desejando saber o que os homens que a interrogaram diriam se soubessem que ela acabara de fazer amor com o foragido. Seus cabelos estavam uma bagunça. Os lábios ainda intumescidos pelos beijos ardentes. Os seios que continuavam a formigar. E as coxas... — O que você disse? — Menti para eles. Disse que o encontrei na estrada e que lhe dei uma carona. Neguei saber que você era um fugitivo. Disse que concordei em levá-lo até a casa do seu avô, porque ele estava gravemente doente e fiquei com pena de você. — Eles acreditaram? — Suponho que sim. — Você poderia ter sido indiciada. — Mas não fui. — Poderia ter me imputado inúmeros crimes, Aislinn — O som do nome dela assustou a ambos. Olharam um para o outro. Seus olhares se prenderam por um momento e então se desviaram — Por que não lhes contou a verdade? — Qual seria o propósito? — Perguntou ela, erguendo-se da cadeira e caminhando impaciente ao redor da cozinha — Eu estava segura. Você havia voltado para a prisão. — Mas tinha sido... Ferida. O eufemismo não enganou nenhum dos dois. Ambos sabiam que ela poderia tê-lo acusado de estupro e provavelmente ele seria condenado por isso. Teria sido a sua palavra contra dela, e quem acreditaria nele? — O arranhão em meu braço foi superficial. Além do mais, não foi culpa sua — Ambos sabiam que ele não estava se referindo ao arranhão, mas parecia prudente fingir que sim — Achei errado não lhe darem permissão para ver o seu avô. A meu ver, sua fuga foi justificada. Não causou nenhum dano a ninguém. Não de fato. — Ninguém sentiu sua falta? A pergunta lhe custou uma boa dose de orgulho para responder, mas Aislinn falou a verdade: — Não — Ela voltara para casa tão logo os oficiais a libertaram. Não havia nenhum tipo de mídia presente nas montanhas quando Greywolf foi preso, logo ninguém fi cou sabendo que ela estava envolvida. 75


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— E o pessoal do seu trabalho? — perguntou ele. — Que pessoal? — Você disse que eles sentiriam a sua falta. — Claro que disse. — Oh... — Disse ele, meneando a cabeça com pesar — Não havia ninguém. — Não na ocasião. Mas tenho dois empregados agora. Ele sorriu. — Não se preocupe. Não pretendo ameaçá-la com uma faca desta vez. Aislinn retribuiu o sorriso, golpeada pela beleza dele. Agora que o choque de vê-lo cessara, era capaz de fitá-lo verdadeiramente pela primeira vez. Os cabelos estavam um pouco mais curtos na frente, embora ainda chegassem à altura do colarinho na parte de trás. A palidez da prisão não lhe roubara a cor da pele de bronze. Se ela tivesse lhe perguntado por que, ele poderia ter lhe respondido que corria diariamente ao redor do pátio do presídio, circulando-o numerosas vezes, até chegar a sua cota de quilômetros diários. O que o ajudava a manter a excelente forma física. Ainda usava o brinco de prata no lóbulo direito. A cruz continuava pendurada sobre os pelos escuros e macios do peito, que ela podia ver através do colarinho aberto da ca misa. Alice e Gene deviam ter lhe levado roupas novas para a liberação. A camisa e a calça jeans pareciam novas. Só as botas de vaqueiro e o cinto turquesa ao redor da cintura lhe eram familiares. — Bem — Disse ele, erguendo-se da cadeira — Prometi que não ia demorar. Só queria lhe agradecer por não ter tornado as coisas mais difíceis para mim. — Não precisava se preocupar. — Comecei a escrever, mas queria lhe agradecer pessoalmente. Deus, teria sido muito mais fácil para os nervos dela se ele tivesse lhe enviado uma carta de agradecimento! — Fico feliz por você estar livre. — Não gosto de estar em dívida com ninguém, mas... — Você não está em dívida comigo. Fiz o que achei que era certo, assim como você. — Obrigado mesmo assim. — De nada — Disse Aislinn, esperando terminar logo com aquilo. Então o conduziu pela sala de estar até o hall de entrada. Lucas temia aquele encontro, não muito certo de como ela reagiria ao vê-lo. No segundo em que abriu a porta, ela poderia ter corrido, gritando de pavor, e tal comportamento seria justificável. Estava desesperado na noite em que escolhera a casa dela fortuitamente para arrombar e procurar comida e abrigo durante algumas horas. Homens desesperados agiam de modo diferente do que costumavam agir. Como, por exemplo, fazer uma mulher branca inocente de refém. Ainda era incompreensível para ele o fato de ela não o ter feito pagar por isso. Mas, agora que cumprira sua missão, agradecendo-lhe, estava relutante em partir. Estranho. Havia pensado que, depois de lhe dizer o que fora dizer, estaria mais do que preparado para deixar Aislinn Andrews e virar aquela página da história da sua vida. 76


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Odiava admitir, até para si mesmo, que pensara nela enquanto estava na prisão. Meses haviam se passado desde aquela manhã no platô da montanha, quando ela se entregara a ele. Ainda achava difícil de acreditar que aquilo realmente houvesse acontecido. Antes de fugir da prisão, tinha o desejo de possuir uma mulher. Qualquer uma. Porém, depois da fuga, seu desejo passou a ter um rosto, um nome, um tom de voz, um perfume. E todos eles pertenciam a Aislinn. Muitas noites, deitado sozinho na cama estreita do presídio, tentara se convencer de que ela não era real e que ele havia imaginado tudo aquilo. Mas seu corpo lhe dizia o contrário. Em especial agora, quando seus olhos passeavam pelo ajuste perfeito da calça jeans aos contornos daquelas coxas e do quadril bem torneado. Aislinn parecia mais baixa do que ele se lembrava, mas talvez fosse pelo fato de estar descalça. Usava uma blusa velha, com a bainha para fora do cós, pequena demais para ela. Oh, sim, enquanto estava na mesa, sentado, sorvendo um gole de refrigerante, pensava em sugar-lhe os seios. Não pôde deixar de perceber o quão amplamente eles preenchiam a frente da velha blusa. Enquanto ela o conduzia em direção à porta da frente, Lucas se sentia hipnotizado pelo bamboleio do rabo de cavalo jovial. Aqueles cabelos ainda seriam tão macios quanto ele se lembrava? O loiro rico, marca registrada flagrante da sua descendência branca, de fato havia sido tocado pelas suas mãos índias saqueadoras? E a boca, que lhe tornava um sorriso insípido e vazio agora, se lembraria das investidas firmes e minuciosas da língua dele em seu interior? Ele se lembrava. — Boa sorte, Lucas. Espero que tudo corra bem para você de agora em diante — Aislinn lhe estendeu a mão. — Obrigado — Ele apertou a mão dela. Seus olhares se encontraram e se prenderam. Então veio o som. Vinha dos fundos da casa. Tão fora de contexto que a princípio, ele pensou que seus ouvidos estivessem pregando alguma peça. Mas então ouviu novamente. Ele olhou naquela direção, as sobrancelhas franzidas em uma carranca confusa. — Isso soa como um... Aislinn afastou a mão depressa. Surpreso, ele girou a cabeça ao redor. No instante em que a fitou, soube que seus ouvidos não o haviam enganado. Ela parecia tão pálida quanto um fantasma e tão culpada quanto o pecado. Lucas permaneceu completamente imóvel, fitando-a com um olhar afiado o bastante para esfolar-lhe a pele. — O que é isso? — Nada. Ele a afastou e caminhou a passos largos para a elegante sala de estar. — Aonde você vai? — Gritou ela, seguindo-o de perto. — Adivinhe. — Não! — Puxando-o pela camisa, segurou-o com a tenacidade de um buldogue — Não pode vir aqui e... Ele girou ao redor, livrando-se das mãos dela. — Eu já fiz isso antes. 77


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— Você não pode. — Para o inferno que não posso. Lucas estava decidido a encontrar a fonte daquele som. Resmungando, Aislinn o seguiu, puxando-o inutilmente. Ele a espantou como quem espanta uma mosca aborrecida. Espiou o quarto dela. Era exatamente como se lembrava. Feminino, limpo e organizado. Então, seguiu adiante. Ao final do corredor, viu uma porta fechada. Sem hesitar e sem pedir licença, girou a maçaneta e a abriu. Então, até ele mesmo, o homem com o coração e sangue de um apache guerreiro, parou de repente, surpreso. Três das paredes do quarto eram pintadas num tom de amarelo suave. A outra era recoberta por um papel de parede com figuras da Mamãe Ganso. Em um canto, havia uma cadeira de balanço com grossas almofadas. Uma arca com gavetas, forrada por um bloco acolchoado, continha vidros de algodão, cotonetes e tubos de pomadas. Venezianas brancas impediam que o sol da tarde entrasse, mas deixavam passar claridade suficiente para delinear a silhueta de um berço em frente à janela. Lucas fechou os olhos, pensando tratar-se de um estranho sonho do qual despertaria e daria boas gargalhadas. Mas, quando voltou a abri-los, tudo permanecia inalterado. Especialmente aquele som inconfundível. Caminhou um pouco à frente, incoerentemente fazendo o mínimo de barulho possível, até chegar ao berço com bordas acolchoadas. Um ursinho, em um canto, sorria para ele. O lençol era amarelo para combinar com o quarto, bem como a manta felpuda. Embaixo da manta, contorcendo-se, gritando e batendo os punhos minúsculos de raiva, havia um bebê.

Capítulo Sete

O bebê continuou a chorar, alheio à devastação que causou no coração e na mente do homem alto e moreno parado ao lado do berço. O rosto, geralmente tão remoto, refletia uma miríade de emoções. Aislinn, parada um pouco atrás, na diagonal de Lucas, pressionou os dedos aos lábios, esforçando-se para conter as próprias emoções, que variavam de ansiedade a um profundo terror. Seu primeiro impulso foi lhe dizer que estava apenas tomando conta da criança para uma amiga ou um parente. Mas a inutilidade da mentira era óbvia: o bebê era filho de Lucas Greywolf. Bastava olhar para a criança para banir qualquer dúvida. A graciosa cabeça arredondada, que não sofrerá nenhuma injúria durante o parto normal, era coberta por 78


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cabelos negros como a noite e davam maior volume ao macio escalpo. O formato das sobrancelhas, o ângulo do queixo e a inclinação dos ossos malares formavam uma réplica em miniatura das feições de Greywolf. Aislinn observou, com crescente temor, Lucas esticar a mão e tocar a face do bebê com um dos dedos. Uma expressão reverente de admiração se estampou nos olhos cinza-claro, enquanto os lábios se retorciam levemente. Ela reconheceu os sinais das emoções que o reconhecimento provocava. Os mesmos discretos espasmos faciais que ela exibia toda vez que segurava o filho nos braços. O tipo de amor que brotava dentro dela e que não podia disfarçar toda a vez que tocava o bebê. Aterrorizava-a pensar que Lucas estivesse experimentando o mesmo tipo de tumulto emocional. Aislinn se sobressaltou quando ele afastou a coberta da criança com um movimento rápido e preciso, o instinto materno florescendo quando Lucas puxou as fitas adesivas que prendiam a fralda descartável. Atirando-se para a frente, Aislinn lhe segurou o braço, mas ele lhe afastou a mão com um gesto negligente e retirou a fralda do bebê. — Um filho. O tom rouco da voz soou como um alarme mortal para Aislinn. Quase enlouqueceu de pânico, desejando cobrir os ouvidos com as mãos e gritar uma negativa. Desesperada, rezou para que aquilo não estivesse de fato acontecendo. Mas estava. Impotente, permaneceu parada observando Lucas retirar o manto. Deslizando as mãos por baixo do corpo delgado do bebê, ele o ergueu do berço. Em silencioso desespero, tudo que ela conseguiu foi observá-lo segurar a criança nos braços. No instante em que Lucas aconchegou o bebê ao peito, o choro cessou. O entrosamento instantâneo entre o homem e a criança acabou com a paz de Aislinn. Por um instante, preferiu que o filho berrasse, mas ele se limitou a emitir aqueles deliciosos sons ininteligíveis contra o ombro do pai. Lucas carregou a criança desnuda em direção à cadeira de balanço. Dobrou as pernas longas o suficiente para se sentar, balançando-se desajeitadamente, enquanto segurava o filho. Em outras circunstâncias, Aislinn teria achado aquela imagem engraçada, mas, no contexto atual, não pôde evitar a expressão severa. Seus piores pesadelos se descortinavam a sua frente. Se a situação não lhe inspirasse tanta tensão, a ternura refletida no rosto de Lucas ao olhar para o bebê lhe teria tocado o coração profundamente. Ver as mãos morenas e másculas se movendo sobre o corpo do bebê, guiadas por uma curiosidade delicada, era comovente. Teria de ser um iceberg para não se emocionar até ir às lágrimas diante da instantânea adoração de um pai por um filho. Lucas girou gentilmente o bebê de um lado para o outro, inspecionando-o com veneração. Virou-o de barriga para baixo, amparando-o em uma das longas palmas das mãos, enquanto lhe acariciava as costas e as nádegas macias. Tocou cada pé, cada unha transparente e examinou as diminutas orelhas. Por fim, deitou a criança sobre as coxas e ergueu o olhar para fitá-la. — Qual é o nome dele? Aislinn teve vontade de dizer que não era da conta dele, mas infelizmente era. — Anthony Joseph — Respondeu, percebendo a imediata reação estampada nos olhos cinza-claro — Tenho um avô que se chamava Joseph, também — Apressou-se em dizer, na defensiva. — Chamo-o de Tony. Lucas baixou o olhar à criança, que começava a agitar os punhos. — Quando ele nasceu? 79


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Aislinn hesitou, raciocinando para inventar uma data que tornasse a paternidade de Lucas impossível. Porém, o olhar fixo nela exigia a verdade. — Dia sete de maio. — Nunca iria me contar, certo? — Não havia razão para contar. — Ele é meu filho. — Ele não tem nada a ver com você. A risada de Lucas soou como um rosnado. — De agora em diante, ele tem tudo a ver comigo. Tony começou a chorar, a curiosidade de ouvir uma voz grave e profunda perdendo espaço para a fome. Lucas ergueu o bebê e o recostou ao ombro. No mesmo instante, a boca pequena e úmida começou a procurar cegamente pelo alimento. A risada abafada e suave de Greywolf foi o som mais surpreendente e inesperado que Aislinn jamais escutara. — Isso é uma coisa que não posso fazer por você, Anthony Joseph. Segurando a criança nos braços, ele se ergueu e o entregou à mãe. — Ele está precisando de você. Aislinn pegou o bebê e o colocou de volta ao berço, recolocando rapidamente a fralda que Lucas retirara. O choro violento da criança, o modo frenético como os braços e as pernas se agitavam e o olhar observador de Lucas, tornavam seus movimentos desajeitados enquanto vestia o filho. Erguendo o bebê outra vez, ela o carregou para a cadeira de balanço. Sentando-se, balançou-se, dando palmadas suaves nas costas da criança e cantarolando. O que não surtiu efeito. — Ele está com fome — Disse Lucas. — Sei disso — Disparou Aislinn, ofendendo-se com a insinuação de que ela não sabia reconhecer as necessidades do próprio filho. — E então? Alimente-o. Aislinn ergueu o olhar para fitá-lo. O bebê fazendo o papel de um frágil escudo que segurava diante dela. — Pode me dar licença? — Está me pedindo para sair do quarto? — Sim. — Não. Continuaram se encarando por alguns instantes. Milagrosamente, Lucas foi o primeiro a condescender. Virando as costas, encaminhou-se à janela, ajustando as cortinas para olhar além dela. Aislinn sabia que, se alguma coisa teria o poder de tornar aquele homem vulnerável, seria o filho. Um elo indestrutível havia se formado entre eles, embora Lucas sequer soubesse da existência da criança até minutos atrás. Gostaria que ele não soubesse agora. Lucas poderia transformar a vida dela em um inferno. — Por que não me contou? — Ignorando a pergunta, Aislinn desabotoou a blusa e baixou o bojo do sutiã de amamentação. Tony capturou o mamilo com avidez e começou a sugar ruidosamente. Ela estendeu uma manta de flanela sobre o ombro, cobrindo o seio e a cabeça da criança. — Eu lhe fiz uma pergunta. — Porque Tony é meu filho. 80


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— E meu também. — Não pode estar tão certo disso. Lucas girou a cabeça abruptamente. Se o recato não a fez se encolher, o olhar incisivo, sim. — Sim, estou certo — A convicção com que ele disse aquelas palavras tornou insensata qualquer argumentação. O que importava vencê-lo no contexto da semântica? Os fatos eram incontroversos. Tony era filho de Greywolf — Tony foi um... Acidente biológico — Disse Aislinn em uma espécie de concessão. — Então por que simplesmente não se livrou dele? Um tremor violento perpassou o corpo de Aislinn. Por que simplesmente não se livrou dele? Gritara a mãe, quando informara aos pais sobre sua gravidez. Propositalmente, esperara passar tempo suficiente para tornar impossível a interrupção da gravidez e só então tinha contado a eles. Sabia que aquela seria a solução dos pais para resolver o "dilema". Por que não interrompera a gravidez? Antes de ir ao médico, tinha uma ínfima suspeita no fundo de sua mente sobre a causa do mal-estar que sentia às tardes. Seguiram-se, depois, os enjôos matinais, a explosão do apetite e a má digestão que sentia ao saciá-lo. Sintomas incomuns. Conscientemente, não havia alimentado a idéia de que estaria grávida. Não se permitiria aventar tal hipótese. Porém, quando o médico lhe informara sobre o resultado dos exames laboratoriais, não se sentira chocada, nem ao menos surpresa. Na verdade, sua reação havia sido uma estupenda descarga de alegria. Após a reação inicial, quando a realidade lhe penetrou a mente, refletiu sobre todos os aspectos negativos de criar uma criança como mãe solteira. Conhecia as graves repercussões daquela situação, mas jamais considerara pôr um fim à gravidez. Desde o instante em que soubera da existência do filho, amara-o com toda a força de seu ser. De repente, sua vida tinha um propósito, um significado. Daquele instante em diante, tinha algo pelo que ansiar, objetivos a alcançar, horizontes aos quais se dirigir. Portanto, agora podia responder à pergunta de Lucas sem hesitar. — Quis desesperadamente este bebê — Escorregando a mão por baixo da manta, tocou a cabeça macia do filho, acariciando-a suavemente enquanto Tony lhe sugava o mamilo com avidez — Amei-o desde o primeiro instante. — Não pensou que eu tinha o direito de saber sobre ele? — Achei que não se importaria. — Bem, não se engane. Eu me importo. — O que... Pretende fazer? — Indagou Aislinn, temerosa, detestando o tremor da própria voz. — Pretendo ser o pai dele — Tony bateu com o punho diminuto contra o seio de Aislinn. Apenas aquilo poderia distrair o olhar severo de Lucas. — Preciso colocá-lo no outro seio — Disse ela com voz rouca. O olhar de Lucas baixou ao colo de Aislinn e, após engolir em seco, o desviou. Rapidamente, ela mudou a criança para o outro seio. Quando ele voltou a sugar o mamilo, Aislinn disse: — Não lhe peço nada, sr. Greywolf. Carreguei Tony por nove meses. Enfrentei 81


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toda a maternidade e o parto sem sua assistência e a de ninguém. Financeiramente sou capaz de prover... Lucas girou abruptamente e Aislinn se calou, temendo que ele cruzasse o quarto e a agredisse. — Acha que um talão de cheques pode prover tudo que ele necessita? — Não quis dizer isso — Rebateu Aislinn — Eu o amo. — E eu também! — Vociferou ele. Os lábios de Tony cessaram de sugar por alguns instantes antes de recomeçarem. — Fale baixo! Você o assustou. Lucas baixou o volume de voz, mas não a intensidade. — Se acha que vou abandonar meu filho e deixar que ele cresça em seu mundo branco estéril, está muito enganada. Aislinn apertou o filho contra o corpo. — O que quer dizer com isso? — Quero dizer que, quando eu retornar à reserva amanhã, ele irá comigo. A cor evaporou do rosto de Aislinn. Até mesmo os lábios se tornaram brancos. A única tonalidade provinha do azul intenso de seus olhos, que pareciam anormalmente grandes, enquanto ela os erguia para encarar seu inimigo mais uma vez. — Não pode levá-lo. — Sim, posso, e assim o farei. — Não! — Ninguém poderá me impedir. — Mandarei que o cacem como o criminoso que é — Ameaçou Aislinn. Os lábios se curvaram em um sorriso cínico. — Se não quisesse ser achado, não seria, srta. Andrews. Mas, mesmo que houvesse uma chance remota de ser, lutaria contra você na suprema corte se necessário para lhe tirar a custódia de Tony. Sei como fazer isso. Sou advogado, lembra-se? Acho que ele está satisfeito. As ameaças a haviam paralisado de medo. Quando percebeu a que ele se referia, Lucas já estava cruzando o quarto e se agachando em frente a ela. Antes que pudesse impedi-lo, ele lhe retirou a manta do ombro. Tony se encontrava deitado nos braços dela, satisfeito. A bochecha rechonchuda, recostada ao seio. Os lábios perolados pelo resíduo de leite, próximos ao mamilo. Estava adormecido, parecendo tão alimentado e contente como um soberano após três dias de banquetes. Lucas acariciou o rosto macio do bebê adormecido e lhe tocou os lábios com a ponta do dedo. Inclinando a cabeça, beijou o topo da cabeça de Tony. Aislinn permaneceu petrificada. Demasiado perplexa para se mover. Quase não conseguia respirar. Ele escorregou a mão pelo abdome de Aislinn, alojando-a entre ela e Tony, antes de erguer a criança. Pondo-se de pé, levou o filho para o berço. O bebê soltou um arroto, fazendo-o disfarçar mais uma daquelas surpreendentes risadas. Aislinn forçou-se a sair do transe que a perplexidade lhe impusera. A proximidade 82


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de Lucas a havia paralisado. Sentir a respiração dele contra a pele a entorpecera. Rapidamente, recolocou os bojos do sutiã e abotoou a blusa. Quando se ergueu, oscilou de leve. — Ele vai dormir agora — Disse ela, colocando-se ao lado de Lucas e o empurrando com o corpo para virar a criança de barriga para baixo. — Ele dorme nessa posição? — Sim. O bebê deslizou os joelhos para cima, empinando as nádegas. Em seguida, fez alguns movimentos de sucção com os lábios e caiu em sono profundo. — Parece satisfeito — Comentou Lucas. — Por enquanto — Retrucou ela em tom suave, cobrindo o filho com um lençol fino. — Bem, mas eu não estou. Quando ergueu o olhar a Lucas, Aislinn se surpreendeu ao deparar com a expressão inflexível no rosto moreno. — Não seria capaz de tirá-lo de mim, seria? — Perguntou ela, forçando-se para não parecer suplicante. Não achava que um pai pudesse tirar a custódia de uma mãe amorosa, cuidadosa e rica, não importava as maquinações legais que engendrasse. Mas, durante o processo, Tony seria o sujeito de um litígio. Poderia até mesmo ser tutelado pelo Estado e parar em algum lar de adoção temporária até que a sentença saísse. Aquilo poderia levar anos — Pense em Tony. — Estou pensando. — Lucas segurou-a pelos ombros — Acha que sua sociedade o aceitará? Sem lhe dar tempo para responder, acrescentou: — Nunca, Aislinn — As mãos fortes e quentes a apertavam, fazendo-a se recordar de outros momentos em que ele a segurara, e desejou ardentemente não ter lembrado — Acredite, sei o que estou dizendo. Na opinião dos brancos, ser metade índio é o mesmo que ser totalmente índio. Tony tem muito sangue branco correndo em suas veias. Será um prescrito na sociedade índia também. Não será aceito em nenhum dos dois mundos. — Tomarei as providências para que ele seja. Um dos cantos dos lábios de Lucas se ergueu em um sorriso ao mesmo tempo debochado e compassivo. — E uma ingênua e está se iludindo se pensa assim. Por Deus! Sei como é vagar entre as duas culturas! Tive de lidar com essa ambigüidade a cada dia de minha vida. Protegerei meu filho disso. — Fazendo o quê? Qual solução encontrou? Levá-lo para alguma parte remota da reserva, onde ele nunca possa entrar em contato com outras pessoas? — Se for preciso — Respondeu Lucas em tom sério. Aislinn fitou-o, incrédula. — E acha que isso seria justo? — As circunstâncias do nascimento dele não foram justas. A vida não é justa. Desisti de ser justo há muito tempo. — Sim, sabe mostrar sua amargura abertamente para o mundo — Acusou ela, desvencilhando-se abruptamente das mãos que a seguravam — Não permitirei que Tony cresça tão imerso em ódio, que acabe se tornando um prisioneiro desse sentimento, assim como você, Lucas Greywolf. E, no fim das contas, quem acha que ele odiará mais? Você! Não irá lhe agradecer por segregá-lo do mundo. 83


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Aparentemente, Lucas percebeu algum sentido no que ela dizia. Por alguns instantes, mordeu o interior da bochecha, indeciso. Mas não estava disposto a deixá-la vencer a discussão. — O que planeja fazer? Dizer-lhe que suas feições índias não passam de um acaso? Pretende manter minha identidade em segredo para ele? — Eu... Ainda não planejei o que fazer a longo prazo. — Bem, é melhor pensar sobre o assunto, senhorita. Porque, qualquer dia desses, ele lhe perguntará sobre o pai. Foi o que fiz. Pelo espaço de alguns segundos, Aislinn permitiu que um silêncio tenso se abatesse sobre eles. — E o que lhe disseram? — indagou por fim em tom de voz baixo. Lucas fitou-a por tanto tempo que ela pensou que não obteria resposta. Em seguida, dirigiu-se mais uma vez à janela, os ombros largos ocupando quase todo o espaço. Fitando, sem ver, as montanhas no horizonte, começou a falar: — O homem que me gerou era um soldado branco aquartelado em Fort Huachuca. Minha mãe tinha 16 anos. Formou-se muito cedo na escola da reserva e se mudou para Tucson, onde Joseph possuía amigos que lhe deram casa e comida. Ela arranjou um emprego de garçonete em um restaurante. — Foi lá que ela conheceu seu pai? Lucas confirmou, meneando a cabeça. — Ele flertou com minha mãe e a convidou para sair após o expediente. Ela recusou, mas meu pai continuou frequentando o restaurante. Minha mãe me contou que ele era um homem extremamente belo, charmoso e espirituoso — Lucas enfiou as mãos nos bolsos do jeans. Se o pai tivesse a mesma aparência do filho, com aquela compleição longilínea e elegante, Aislinn podia entender como fora fácil para Aline Greywolf perder a cabeça — Por fim, minha mãe concordou em sair com ele. Para ser bem claro, srta. Andrews, aquele soldado a seduziu. Não sei quantos encontros tiveram. Compreensivelmente, minha mãe nunca foi específica sobre essa questão. Poucas semanas após tê-lo conhecido, ele foi enviado de navio para lugares desconhecidos. Sequer chegou a se despedir dela. Apenas não a foi ver mais. Quando minha mãe conseguiu reunir forças para ligar para a base e lhe contar que estava grávida, foi informada de que ele havia partido. Lucas girou para encará-la. As feições estavam mais fechadas do que jamais as vira. Intuitivamente, Aislinn sabia que aquilo significava o quanto as recordações o magoavam. Uma mágoa insuportável que mantinha encarcerada dentro dele. — Ela nunca mais o viu ou ouviu falar dele. Tampouco tentou contatá-lo. Minha mãe retornou à reserva em desgraça. Grávida de um homem branco. Deu à luz um mês antes de completar 17 anos. Arranjou um emprego fazendo bonecos kachina para vender como souvenirs. Dessa forma, podia trabalhar em casa, enquanto tomava conta de mim. Meu avô ganhava o suficiente vendendo cavalos para nos prover comida e moradia em um trailer. Vivemos com meu avô até ela conhecer Gene Dexter. Ele lhe ofereceu um emprego na cidade que elevou bastante o padrão de vida dela. Graças a Deus — Acrescentou em tom suave, antes de virar de costas outra vez — Portanto, como pode ver, cresci sabendo que fui um fardo para minha mãe. — Ela não pensa assim, Lucas — Um nó de emoção havia se formado na garganta de Aislinn. — Sua mãe o ama muito. —Eu sei. Nunca se mostrou amarga pelo que lhe aconteceu no passado. 84


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— Você mais que compensou tudo aquilo. — Não pode conhecer a amargura até crescer como um bastardo mestiço — sibilou Lucas em tom raivoso — Portanto, não me venha com discursos sobre isso. E não me chamo Lucas Greywolf se permitir que meu filho se sujeite a esse tipo de estigma. Acha que faria com ele o que meu pai fez comigo? — Mas seu pai não soube de sua existência. Talvez se... — Não se atreva a sugerir algo tão ridículo — Interrompeu ele — Para ele, Alice Greywolf a bela jovem índia, significara apenas diversão. Uma novidade, sem dúvida. Mesmo que tivesse sabido da gravidez, provavelmente a teria abandonado. Na melhor das hipóteses, cruzaria a fronteira com ela para que fizesse um aborto rápido e barato. — Lucas meneou a cabeça em negativa. — Não, o soldado branco não desejaria se responsabilizar por seu bebê indígena. Mas, por Deus, eu quero meu filho. Ele saberá quem é seu pai. Estudando-lhe a expressão, Aislinn percebeu que tentar demovê-lo daquela idéia seria inútil. Lucas estava falando sério. Faria questão de conhecer o filho e vice-versa. E, ao cumprir sua promessa, poderia lhe tornar a vida insuportável. Pensara nunca mais voltar a ver Lucas Greywolf. Havia imaginado que aquela manhã na montanha tivesse para Lucas a mesma importância que ele imaginava que o pai dera aos encontros que tivera com Alice. Pura diversão. Uma diversão fácil. Bem, por mais surpreendente que fosse, estava enganada. Se, para ele, fora apenas diversão, mudara de idéia quando vira Tony. Seu segredo tinha sido simplesmente descoberto. Desejava lhe esconder a existência de Tony para sempre. Mas isso não aconteceu. A única escolha que lhe restara era tirar o melhor proveito daquela péssima situação. — O que sugere? Que dividamos a vida de Tony entre nós? Não acha que isso irá apenas aumentar a confusão na cabeça dele? Levará anos até que tenha idade suficiente para entender. Vivendo aqui por seis meses e com você outros seis meses — Uma dor imensa a atingia apenas em verbalizar a possibilidade de que, talvez, um acordo como aquele tivesse de ser feito — Seria esse o tipo de vida ideal para uma criança? — Não tenho nenhum acordo em mente. — Então, em que está pensando? — Vamos nos casar. Os dois viverão comigo. Aquela não era uma sugestão. Não era sequer uma alternativa para ser posta em discussão. Era uma ordem. Quando as palavras por fim assentaram na mente de Aislinn, ela levou a mão ao peito e disse com uma risada suave: — Não pode estar falando sério — Porém, as feições impassíveis e o olhar fixo lhe diziam que Lucas nunca falara tão sério — Está maluco? Isso é impossível! — É essencial. Meu filho não crescerá como um bastardo. — Não diga essa palavra. — É feia, não acha? Quero garantir que Tony nunca a ouça. — Mas não podemos nos casar. — Não estava contando com isso também — Retrucou pesaroso — Mas teremos de nos casar tão logo os papéis fiquem prontos. Voltarei amanhã — Inclinando-se, ele deu uma palmada leve nas costas do filho e sorriu orgulhoso, antes de lhe dizer algo em 85


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sua língua aborígine. Em seguida, como se estivesse tudo resolvido, girou e deixou o quarto do bebê. Aislinn correu atrás dele, segurando-o pela manga da camisa, quando Lucas esticou o braço para girar a maçaneta da porta da frente. — Não posso me casar com você. — Por quê? É casada? Aislinn viu-se perplexa durante alguns instantes. — Não, claro que não! — Então não há nenhuma razão para que não possamos nos casar. — Exceto pelo fato de que não quero. — Bem, eu também não — Rebateu Lucas, inclinando a cabeça e deixando os rostos bem próximos um do outro para dar ênfase ao que dizia. — Mas teremos de colocar de lado nossos sentimentos pelo bem do nosso filho. Se posso tolerar ter uma branca como esposa, certamente poderá suportar ter um índio como marido. — Oh, pelo amor de Deus! — Gritou Aislinn tomada pela raiva — Isso não tem nada a ver com o fato de eu ser branca e você índio. Não consegue pensar em mais nada? — Raramente. — Bem, abra uma exceção desta vez. Levando em consideração o modo como nos conhecemos, não acha a idéia de um casamento entre nós um pouco ridícula? — Quer dizer que um sequestro não é nada parecido com um namoro? — Exatamente. — O que quer de mim? Que me ajoelhe e suplique? Aislinn lançou lhe um olhar furioso. — Quis apenas enfatizar que nem sequer conhecemos um ao outro. Geramos um filho, mas... — Ela se calou, alarmada com as próprias palavras. Não queria se lembrar daquela manhã. E muito menos fazê-lo recordar-se também. Até então o encarara de igual para igual, com os punhos plantados nas laterais dos quadris. De repente, baixou os braços, ciente de como aquela postura beligerante lhe comprimia os seios contra o tecido da blusa. Em um gesto nervoso, umedeceu os lábios e fixou o olhar em um ponto além do rosto de Lucas. — Sim, geramos um filho — Concordou ele em tom calmo — Essa é a questão, certo? Tony não tem nada a ver com o que aconteceu entre nós, portanto certamente não passará a vida pagando por isso. Nós... — Prosseguiu, apontando para o próprio peito e para o dela — Compartilhamos aquele desejo. Não há nada que possamos fazer quanto a isso a não ser compartilhar a responsabilidade pela vida que criamos — Colocando um dedo sob o queixo de Aislinn, ergueu lhe a cabeça, forçando-a a encará-lo — Tão certo quanto o fato de eu ter plantado minha semente em você, Tony crescerá conhecendo o pai — Ele a soltou e deu um passo atrás — Voltarei amanhã. Quer você concorde em se casar comigo ou não, partirei levando meu filho comigo. — Sob a ameaça de uma faca? — Questionou Aislinn em tom malicioso. — Se necessário for. 86


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O olhar de Lucas confirmava suas palavras, fazendo-a silenciar pelo medo. Nada mais foi dito, antes de ele cruzar a porta. Aislinn estava nervosa. Repreendendo-se por agir como uma tola e ainda se sobressaltar diante de qualquer som. Quase morreu de susto, quando ouviu a campainha tocar. Era apenas o carteiro para lhe entregar um catálogo muito grande para caber na caixa de correspondência. Sentiu-se ainda mais tola, mas não se via capaz de refrear o nervosismo. Tentou convencer a si mesma de que toda aquela agitação talvez fosse inútil. Lucas Greywolf poderia nunca mais retornar. Ver Tony pode tê-lo feito pensar que desejava assumir a responsabilidade de criar uma criança. Porém, após refletir sobre o assunto na noite anterior, talvez tivesse mudado de ideia. No entanto, achava pouco provável. Lucas, era estranho como aquele nome se formava com facilidade em sua mente, não era um homem dado a explosões efêmeras de emoção. Tampouco gostava de fazer promessas que não pretendesse cumprir. Em algum momento naquele dia iria bater à sua porta. E, quando aquilo acontecesse, o que faria? Exercitaria todo o poder de persuasão a seu dispor. Durante a longa noite anterior, aquele problema ressoara em sua mente como uma bola em uma roleta giratória. Lucas Greywolf era um fato em sua vida agora e teria de lidar com ele. Delineou o que julgou ser um acordo justo para que Lucas visse o filho. Certamente, ele reconheceria a sensatez de sua proposta. Um bebê precisava da mãe, principalmente nos primeiros anos de idade. A não ser que ele fosse totalmente insensato, teria de admitir aquilo. Sabia que Lucas, assim como ela, não desejava aquele casamento. Aislinn estava gostando da estabilidade de sua vida no momento. Quando estava no quinto mês de gravidez, contratara outra fotógrafa para assumir suas tarefas no estúdio fotográfico. Mais tarde, enquanto se ocupava em decorar o quarto de Tony, contratara uma recepcionista que atuava também como guarda-livros. As duas jovens saíram-se muito bem, e o estúdio prosperava como nunca antes. Fazia visitas periódicas para verificar como estavam as coisas. Fora isso, sua responsabilidade principal era amar e cuidar de Tony, o que não era uma tarefa. O menino tinha apenas um mês de idade, mas se tornara uma parte vital dela, e Aislinn não podia imaginar a vida sem o filho. Apenas uma coisa poderia fazê-la ainda mais feliz: que seus pais a deixassem em paz. Resignados com o fato de que a filha tivera um bebê ilegítimo, concentraram suas energias na procura de um marido ideal, que a aceitasse com a criança. Na opinião deles, casar-se com um homem responsável iria remover a mácula impregnada no nome da família. Aislinn não se iludia com a tolerância daqueles maridos em potencial, que lhe eram apresentados sob as mais embaraçosas circunstâncias. Costumavam ignorar a ilegitimidade de Tony e sua imprudência com demasiada benevolência. No entanto, Aislinn sabia que todos tinham em mente a conta bancária de seu pai e o fato de poderem contar com a generosidade do sogro. Esperavam ser recompensa dos por sua atitude caritativa com uma jovem rebelde. Mas, por mais obstinados que os pais fossem em ditar seu futuro, seria mais fácil dissuadi-los do que a Lucas Greywolf. Daquilo Aislinn tinha certeza. Quando a campainha tocou pela segunda vez, pouco antes do meio-dia, ela sabia de quem se tratava. Por um instante, uniu as mãos com força e fechou os olhos, suspirando profundamente. A campainha tocou pela segunda vez e ela percebeu a impaciência por trás do toque insistente. Encaminhou-se à porta com passos pesados. De repente, desejou não ter cedido à vaidade e se trajado com roupas "civilizadas". Ultimamente, vestia-se com as roupas que usara durante a gravidez para dar tempo ao 87


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corpo de voltar à forma. Naquele dia, tentara vestir uma saia que havia usado no último verão e descobrira, para seu deleite, que conseguia fechá-la na cintura. A saia, que lhe chegava à altura da panturrilha, sempre fora uma de suas favoritas. O tecido azul suave lhe roçava as pernas enquanto caminhava. Para compor o conjunto, escolhera uma blusa branca com pala bordada, provida de botões na parte dianteira, o que facilitava a amamentação. Havia lavado os cabelos no banho e os deixado secar com o ondulado natural. No momento, as mechas laterais estavam afastadas para trás das orelhas, nas quais ostentava pequenos brincos de ouro. Talvez, ter aplicado um pouco de maquiagem tivesse sido um pouco de exagero. Além do perfume, é claro. Por que decidira perfumar-se naquele dia, quando não o fazia há meses? Porém, era tarde demais para fazer algo em relação àquilo, já que a campainha estava tocando pela terceira vez. Aislinn escancarou a porta, ela e Greywolf fitaram-se através da soleira da porta. Ambos desejavam sentir antagonismo. Em vez disso, experimentavam um prazeroso abalo diante da aparência um do outro. Aislinn não estava preparada para o contraste formado pelos olhos cinza-claro contra o rosto moreno. A camisa que ele usava era diferente. Fora isso, estava trajado da mesma maneira que no dia anterior: jeans que escorregavam pelos quadris estreitos e botas, que viram dias melhores. A cruz de prata pendia contra o peito musculoso no V formado pela camisa. O brinco na orelha parecia pontuar a pronunciada intercessão entre o osso malar e a mandíbula. Afastando-se para o lado, permitiu que Lucas entrasse e fechou a porta. Ele baixou o olhar ao topo da cabeça de Aislinn e o deixou escorregar pelo pescoço delgado até a altura dos seios. Podia ver as elevações generosas abaixo do decote. Sentiu as entranhas se contorcerem de desejo, lembrando o formato deles e a cor dos mamilos orvalhados de leite. Não deveria ter olhado para os seios de Aislinn na noite anterior. Mas então nunca saberia a visão adorável que eles tinham quando alimentando seu filho, e não poderia recordar daquela imagem agora. Mas tinha de olhar, ou então morreria. Os seios estavam evidentemente mais fartos do que há, dez meses, embora conseguissem apenas fazer o resto do corpo parecer mais em forma. Os pés tinham uma aparência extremamente infantil nas sandálias de tiras que deixavam os dedos à mostra. Lucas clareou a garganta congestionada. — Onde está Tony? — Dormindo no quarto. Com movimentos econômicos e sem nenhum som, ele girou e se encaminhou ao quarto da criança. Aislinn se descobriu admirada com a agilidade e o silêncio com que ele se movia. Quando chegou ao quarto de Tony, ela o encontrou inclinado sobre o berço da criança. A ternura com que Lucas fitava o filho adormecido fez aflorar uma emoção em seu peito que não queria reconhecer. Para negá-la, resolveu questioná-lo. — Pensou que estivesse mentindo? Tinha de ver com os próprios olhos que Tony ainda está aqui? Pensou que o havia escondido de você? — Você não se atreveria. Por alguns segundos, o olhar de ambos se encontrou. Lucas focou a atenção no filho mais uma vez, antes de cruzar o quarto, segurá-la pelo braço e guiá-la ao corredor. — Vá buscar algo para eu beber — Disse ele. 88


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Aislinn viu-se tentada a dizer algo sarcástico como, "isso aqui não é uma taverna", mas decidiu que se sentar na cozinha com a mesa entre ambos era melhor do que dividir o sofá da sala de estar com aquele homem. — Está bem. Se me soltar... — Acrescentou ela, conseguindo desvencilhar o braço. Não queria pensar no calor da forte pressão dos dedos longos, que transpassava o tecido da manga da blusa que usava. O toque de Lucas evocava muitas lembranças que Aislinn levara meses para erradicar da mente. Queria gritar para que ele mantivesse aquelas mãos longe dela, mas não se arriscaria a provocá-lo desnecessariamente. Não era o momento de brincar com o humor de Lucas. Não quando tinha de apelar para a razão dele. — Não estou vendo os pertences de Tony embalados — Observou Lucas, sentando-se na mesma cadeira em que se acomodara no dia anterior. — O que gostaria de beber? Suco ou refrigerante? — Um refrigerante — Aislinn retirou um do refrigerador e cumpriu o mesmo ritual do dia anterior, entregando-lhe o copo com a bebida gelada ao final. — Não estou vendo os pertences de Tony embalados — Repetiu ele, antes de tomar um gole sequer do refrigerante, Aislinn ocupou a cadeira oposta à dele, desejando que as mãos não tremessem. — Isso mesmo. — Então presumo que isso queira dizer que vamos nos casar. — Então concluiu erradamente, sr. Greywolf. Não vou me casar com você ou com qualquer outro homem. Lucas sorveu um gole do refrigerante e, em seguida, com cuidadosa eficiência, afastou o copo. — Terei meu filho. Aislinn umedeceu os lábios. — Acho que Tony deveria conhecê-lo. É justo para vocês dois. Não o impedirei de vê-lo. Pode vir aqui sempre que quiser. Tudo que lhe peço é que me avise com algumas horas de antecedência para evitar qualquer desencontro. Tentarei cooperar... Aonde você vai? — Lucas se erguera repentinamente da cadeira e estava se dirigindo à porta. — Pegar meu filho. — Espere! — Aislinn se ergueu em um impulso e o segurou pelo braço — Por favor. Sejamos sensatos sobre este assunto. Não consigo acreditar que pensa que ficarei parada vendo você levar meu filho embora. — Ele é meu filho também. — Ele precisa da mãe. — E de um pai. — Mas não como precisa de mim. Não agora, afinal. Ontem, você mesmo disse que não podia alimentá-lo. Os olhos cinza-claro baixaram aos seios de Aislinn, mas ela se manteve firme. — Há outras formas de alimentá-lo — Retrucou Lucas, sucinto, tentando se mover. Porém, ela aumentou a pressão com que lhe segurava o braço. 89


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— Por favor. Talvez quando ele tiver mais idade. — Eu lhe dei uma alternativa, mas, ao que parece, escolheu não aceitá-la. — Está se referindo ao casamento? — Aislinn lhe soltou o braço, percebendo a proximidade em que se encontravam e como seus dedos o apertavam. Virou-se de costas e estacou ao lado da bancada da cozinha. Enquanto procurava uma forma agradável de abordar aquele assunto, cruzou os braços sobre o peito e massageou-os com as mãos. — Um casamento entre nós está fora de questão. — Não consigo entender por quê. A incompreensão de Lucas a fez trincar os dentes em frustração. Ele a estava forçando a soletrar o motivo e o detestava por isso. — Não posso me casar com você por tudo que isso acarretará. — Deixar a cidade, esta casa? — Também. — E o que mais? — Meu estúdio. — Seu estúdio está sendo administrado muito bem por duas funcionárias. Que mais? — Está bem, então — Gritou ela, girando repentinamente para confrontá-lo — Viver com você e... E... — Dormir comigo — Completou Lucas. O tom baixo e rouco da voz era tão íntimo que a fez sentir o som roçar sua pele. Como resposta, virou-lhe as costas e baixou a cabeça. — Sim. — Então não estamos falando sobre casamento, certo? Estamos falando sobre sexo. Utilizei o termo "casamento" em um contexto estritamente jurídico. Ao que parece, não entendeu minha proposta. — Eu... — Não, não. Já que tocou no assunto, vamos explorar todas as possibilidades — Lucas se aproximou dela pelas costas. Ela podia sentir a presença imponente, mesmo antes de a respiração quente lhe fustigar o pescoço, quando ele inclinou a cabeça. Era um gesto escarnecedor, como se a tivesse em uma armadilha, mas, antes de devorá-la, quisesse provocá-la. — Não pode suportar a ideia de fazer sexo comigo, é isso? — Lucas lhe envolveu o corpo com uma das mãos, pressionando-a contra o estômago de Aislinn e a puxando para perto — Não parecia ter nenhuma objeção naquela manhã no topo da montanha. — Pare! — A ordem sussurrada não impôs respeito. Não o impediu de roçar o nariz aos cabelos macios até que os lábios lhe tocassem a orelha. — Entendi alguma coisa errada naquela manhã, ou as jovens da sociedade branca costumam dizer "não" de uma forma diferente das demais? — Pare. Pare com isso... — Gemeu Aislinn. As pontas dos dedos longos lhe roçaram levemente o mamilo, fazendo com que uma gota de líquido saísse dele. — Tinha certeza de que você parecia estar dizendo "sim". 90


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— Aquilo nunca deveria ter acontecido. — Qual o problema, srta. Andrews? Depois de todo esse tempo está se sentindo melindrada por ter feito sexo com um índio? Aislinn lhe afastou os braços abruptamente, girou e o esbofeteou. O som reverberou pela cozinha como uma chicotada. Ambos se surpreenderam com o som, com o arroubo violento e as palavras que o incitaram. Aislinn recolheu a mão rapidamente. — Nunca mais fale comigo desse modo — Disse ela, ofegante, os seios se erguendo e baixando pelo esforço respiratório. — Está bem — Concordou Lucas, dando os passos necessários para prendê-la contra a bancada da cozinha. — Falemos do motivo pelo qual se encontra toda embonecada hoje. Queria garantir que eu notasse sua beleza loira? Acha que intimidaria o menino índio com isso? Como me atrevo a pedir que essa deusa dourada se case comigo? Era isso que queria me fazer pensar? — Não! — Então por que está cheirando tão bem? E por que se enfeitou a ponto de levar qualquer homem à loucura? — Indagou ele entre dentes cerrados — E por que me sinto à beira da loucura? — Lucas não conseguiu conter o gemido que se formou em sua garganta. Tampouco conseguiu evitar pressioná-la contra o corpo, enquanto enterrava o rosto na curva do pescoço delicado e a segurava com força. Sem conseguir resistir, esfregou o peito aos seios fartos ao mesmo tempo em que seus lábios faziam amor com os dela. O contato durou apenas alguns segundos, antes de ele se afas tar bruscamente. O peito arfando, alguns botões da camisa abertos pelos movimentos, a coloração da face morena intensificada. Aos olhos perplexos de Aislinn, ele parecia perigoso e indomitamente sexy — Como pode ver, srta. Aislinn, consigo controlar meu desejo. Não se iluda em pensar que a quero mais do que me quer. Para mim, você é apenas um excesso de bagagem que vem com meu filho, pelo fato de eu não ser dotado de glândulas mamárias. Porém, estou disposto a pagar o preço de viver com você para poder dar um lar a Tony — Ele passou as mãos pelos cabelos, tentando controlar a respiração — Agora, vou lhe perguntar pela última vez. Concorda ou não? Porém, antes que Aislinn se recobrasse o suficiente para responder, a campainha tocou.

Capítulo Oito

— Quem é? — Não sei — Respondeu Aislinn. — Está esperando alguém? 91


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— Não. Sempre educada e adepta das regras de etiqueta, ela pediu licença a Lucas. Em vista do que acabara de acontecer entre eles, a cortesia soava um tanto ridícula. Ela deixou a cozinha e se encaminhou à porta da frente, distraída. A mente ficara na cozinha, com Greywolf. O que faria? Escancarou a porta e por alguns segundos não se moveu. Apenas permaneceu lá, imaginando o que mais poderia acontecer para tornar aquele dia o mais desastroso de sua vida. — Não nos convidará a entrar? — Eleanor Andrews perguntou à filha. — Eu... Desculpe-me — gaguejou Aislinn, enquanto se afastava para que os pais entrassem. — Há algo errado? — Perguntou o pai. — Não... Eu apenas... Não os estava esperando — Como sempre, eles a intimidaram. Os pais tinham a capacidade de fazê-la se sentir como uma criança prestes a levar uma bronca. Não era algo que gostasse de admitir, mas aquilo acontecia todas as vezes em que os via. E aquele dia não era exceção. — Acabamos de sair do clube — Explicou Eleanor, encostando a raquete de tênis contra a parede — E, como este é nosso caminho, resolvemos visitá-la. Certamente não por acaso, pensou Aislinn. Se os pais resolveram ir até ali, era porque havia alguma razão por trás da visita improvisada. Porém, eles não a deixaram em suspense por muito tempo. — Nós o conhecemos em uma apresentação da orquestra sinfônica alguns anos atrás. Naquela época, ainda estava casado — Acrescentou a mãe. Enquanto Eleanor explanava os detalhes do infeliz divórcio do sr. Utley e a informava da fortuna de que era dono, Aislinn tentou estudar os pais com objetividade. Ambos eram belos, em boa forma física e bronzeados. Personificavam o sonho americano tornado realidade. Tinham o que a maioria das pessoas consideraria ser uma excelente qualidade de vida. Ainda assim, imaginava se algum deles teria alguma paixão em viver. Oh, sorriam para as câmeras nas manhãs de domingo. A mãe chorava delicadamente nos funerais. O pai se emocionava quando discutia a dívida pública ou interna. Porém, nunca os ouvira rir com entusiasmo juntos ou gritar de raiva um com o outro. Vira-os se beijarem formalmente e darem palmadas afetivas nas costas um do outro, mas nunca interceptar nenhum olhar faiscante entre os pais. Eles a geraram, mas pareciam ser as duas pessoas mais estéreis que Aislinn jamais conhecera. — Portanto, gostaríamos que viesse jantar conosco na próxima terça-feira — A mãe dizia — Faremos a refeição no terraço, mas vista algo elegante e providencie alguém para tomar conta da... Criança. — O nome da criança é Tony — Disse Aislinn. — E não precisarei providenciar ninguém para tomar conta dele porque não comparecerei ao jantar de vocês. — Por que não? — Indagou o pai, resfolegando — Só porque teve um filho ilegítimo não significa que tenha de se esconder. Aislinn soltou uma risada. — Oh, muito obrigada por sua mente aberta — O sarcasmo passou despercebido ao pai — Não quero passar por mais uma noite embaraçosa, enquanto você e mamãe tentam me empurrar para algum homem que se mostre tolerante em relação a uma mulher que caiu em desgraça. — Chega — Disse o pai em tom ríspido. 92


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— Estamos apenas fazendo o que achamos ser melhor para você — Defendeu-se Eleanor — Estragou sua vida. Estamos tentando consertar seus erros da melhor forma possível. Acho que o mínimo que poderia fazer era... Eleanor completou a frase com a respiração entrecortada. Ergueu uma das mãos ao peito como se quisesse impedir um possível ataque do coração. Willard Andrews seguiu o olhar espantado da esposa e não conseguiu disfarçar a perplexidade. Aislinn não precisou girar para saber o que perturbava seus inabaláveis pais. Na verdade, quando se virou e se deparou com Greywolf sentiu aquele zunido em seu sistema, que era uma combinação de medo e expectativa. Todas as vezes em que olhava para Lucas, tinha aquela reação inicial. A figura alta e imponente se encontrava parada à soleira da porta que separava a sala de estar da cozinha. Os resolutos olhos cinza estavam fixados em seus pais. Os lábios, contraídos em uma linha fina. A camisa se encontrava desabotoada até quase a altura da cintura, e o torso praticamente não se movia com a respiração. Encontrava-se tão imóvel que poderia parecer uma estátua, não fosse a energia vital que exalava. — Mãe, pai, esse é o sr. Greywolf — Apresentou Aislinn, quebrando o silêncio tenso. Ninguém disse nenhuma palavra. Lucas cumprimentou Andrews com um gesto curto de cabeça, mas Aislinn achou que aquilo se devia mais ao fato de Alice Greywolf ter ensinado boas maneiras ao filho do que por uma possível deferência ou respeito que ele sentisse por seus pais. Eleanor encarava-o com o mesmo olhar amedrontado que dirigiria a um tigre enjaulado. Willard encontrava-se quase tão aturdido quanto a esposa, mas conseguiu se recobrar a tempo de perguntar: — Lucas Greywolf? — Sim — Respondeu ele em tom conciso. — Li sobre sua libertação da prisão no jornal desta manhã. — Meu Deus! — Eleanor oscilou e segurou o espaldar de uma cadeira para se equilibrar. Tinha o semblante fantasmagórico de uma vítima prestes a ser escalpelada, e rogava a Deus por piedade. Willard submeteu a filha a um olhar severo. Por força do hábito, Aislinn baixou a cabeça. — O que não consigo entender, sr. Greywolf — Começou o pai — É o que faz na casa da minha filha, aparentemente com o consentimento dela. Aislinn mantinha a cabeça baixa. Pensara que os encontros que tivera com Lucas eram ruins, mas nada poderia se comparar àquilo. Pelo canto do olho, viu Lucas se afastar da soleira da porta e entrar silenciosamente na sala. Caminhou diretamente em direção a ela. Eleanor recuou e ofegou outra vez, quando ele esticou a mão e ergueu o queixo da filha, forçando-a a encará-lo. — E então? Lucas estava lhe dando uma chance, embora uma não muito boa. Ou Aislinn lhes contava o que ele fazia em sua casa, ou Lucas se incumbiria de fazê-lo. Ela girou a cabeça para se livrar do dedo que lhe erguia o queixo e dirigiu o olhar aos incrédulos pais. Inspirando profundamente e sentindo-se como se estivesse prestes a se atirar da prancha de um navio, ela disse: 93


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— Lucas é... É... o pai de Tony. O silêncio que se seguiu se tornou tão espesso que poderia ser cortado com uma faca. Aislinn podia ouvir as batidas descompassadas do próprio coração enquanto observava as expressões vítreas dos pais. Nunca incapazes de se expressar em qualquer situação no trato social, agora a fitavam com os olhos tão arregalados e tão boquiabertos como um cardume de peixes mortos na praia. — Isso é impossível — Eleanor murmurou, por fim. — Lucas e eu, bem, nos conhecemos quando ele escapou da prisão há dez meses — explicou Aislinn. — Não acredito nisso — Insistiu Eleanor. — Sim, acredita — Confirmou Lucas em tom sarcástico — Ou não se mostraria tão horrorizada. Estou certo de que é um choque para a senhora saber que seu neto é também o neto de um cacique. — Não se atreva a falar com minha esposa nesse tom de voz! — Ordenou Willard, estridente, dando um beligerante passo adiante — Poderia mandar prendê-lo por... — Poupe-me de suas ameaças, sr. Andrews. Já ouvi toda a sorte delas. E de homens mais ricos e poderosos que o senhor. Isso não me intimida. — O que você quer? — Questionou Willard — Dinheiro? A expressão de Greywolf se tornou rígida e fria pelo desprezo que sentia por aquele homem. — Quero o meu filho — disse ele, empertigando os ombros. Eleanor se voltou à filha. — Dê a criança a ele. — O quê? — Aislinn cambaleou para trás — O que disse? — Dê o bebê a ele. Isso seria melhor para todo mundo. Horrorizada, ela alternou o olhar entre a mãe e o pai, que, ao silenciar, endossava as palavras de Eleanor. — Esperam que eu dê o meu filho? — Aquela era uma pergunta retórica. Podia depreender pelos rostos expectantes dos pais, que Eleanor estava sendo sincera. — Ao menos uma vez na vida, ouça-nos — disse o pai, segurando-lhe a mão — Sempre agiu contra nossos desejos, se opôs ao sistema, fez o que sabia que desaprovaríamos. Mas, desta vez, foi longe demais e cometeu um terrível erro. Não sei como pôde... — Incapaz de completar a frase, o pai se limitou a dirigir um olhar severo a Lucas, que dizia tudo, antes de se voltar outra vez à filha — Mas aconteceu. Lamentará esse erro o resto de sua vida se não lhe der a criança agora. Ao que parece, o sr. Greywolf consegue enxergar a sensatez desse ato, mesmo que você não veja. Dê-lhe a criança. Se quiser, ocasionalmente enviarei uma quantia em dinheiro... Aislinn retirou a mão com força e se afastou do pai como se ele fosse portador de alguma doença contagiosa. Naquele momento, achava que ele estava doente... Do coração. Como seus pais podiam sugerir que desse Tony? Nunca mais vê-lo. Despojar-se dele como se o filho fosse a prova incriminatória de alguma orgia. Fitando-os, concluiu que os pais eram dois estranhos. Como os desconhecia. Pior, como eles desconheciam a filha. — Amo meu filho. Não abriria mão dele por nada deste mundo. 94


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— Aislinn, seja razoável — Disse Eleanor — Admiro seu apego à criança, mas... — Acho melhor vocês irem embora. Mesmo que a voz de Greywolf não tivesse soado tão áspera e autoritária, seu semblante dizia tudo. Parecia se avolumar acima dos demais, que, ao mesmo tempo, giraram ao som suavemente perigoso. Willard resfolegou. — Não admito receber ordens de um... De você, na casa de minha própria filha! Além disso, esse assunto não lhe diz respeito. — Sim, diz — Contrapôs Aislinn — Ele é o pai de Tony. Qualquer que seja minha decisão, diz respeito a ele. — Ele é um criminoso! — Exclamou o pai. — Greywolf foi injustamente acusado. Levou a culpa pelos atos de outras pessoas — Ela percebeu Lucas girar para encará-la, surpreso com o modo como o defendia. — A justiça não pensa assim. De acordo com os registros, ele não passa de um ex-condenado. E, como se isso não fosse o suficiente — continuou Willard — É um índio. — Assim como Tony — Disparou Aislinn corajosamente — Isso não significa que eu o ame menos. — Bem, não espere que nós o aceitemos — Disse Eleanor em tom frio. — Então é melhor seguirem a sugestão de Lucas e partir. Willard estava prestes a perder a cabeça, mas se conteve e disse em tom de voz tenso: — Se tiver alguma coisa, qualquer coisa com esse homem, não terá mais nada de mim daqui em diante. — Nunca lhe pedi nada, pai — Lágrimas ameaçavam lhe banhar os olhos, mas Aislinn manteve a cabeça erguida, orgulhosamente — Devolvi o que investiu no estúdio fotográfico, contra minha vontade, diga-se de passagem. Não me sinto em dívida em relação ao senhor, nem mesmo por uma infância feliz. Há pouco disse que eu me opus ao sistema, mas não é verdade. Esse sempre foi meu desejo, mas o senhor sempre me dissuadiu. Até este momento. Se o senhor e a mamãe não conseguem aceitar o fato de Tony ser seu neto, então também não posso ocupar um lugar na vida de vocês. Ambos receberam o ultimato da filha com o mesmo frio controle que mostravam em todas as crises desagradáveis e ocasiões felizes de suas vidas. Sem dizer uma palavra, Willard segurou a esposa pelo braço e a guiou à porta da frente. Eleanor estacou apenas para pegar a raquete de tênis antes de partirem sem olhar para trás. A cabeça de Aislinn pendeu. As lágrimas que ameaçavam rolar durante os últimos cruciantes minutos deslizavam lentamente por seu rosto. Os pais queriam dominar sua vida completamente ou se recusavam a fazer parte dela. Não conseguia acreditar que podiam se aferrar ao preconceito a ponto de se negarem a reconhecer o próprio neto. Lamentava amargamente a decisão deles. Por outro lado, se os pais tinham a mente tão estreita e se mostravam tão inflexíveis, ela e Tony ficariam bem sem eles. Não queria que o filho se envergonhasse das emoções que viesse a experimentar. Desejava que ele crescesse com a liberdade de se expressar de uma forma que nunca lhe fora permitida. Queria que o filho sentisse a vida intensamente como sentira com... 95


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Aislinn girou e fitou o homem que se mantinha imóvel e silencioso atrás dela. Os pensamentos a levaram inevitavelmente àqueles dias que passara como refém de Lucas. Fora então que, pela primeira vez, sua vida havia deixado de ser previsível. Recordava claramente as descargas de excitação, alegria e tristeza. Aquele breve período de tempo não fora romantizado em sua mente, como pensara mais tarde. Não tinha sido totalmente maravilhoso. Longe disso. Mas fora real. Nunca antes se sentira tão viva como durante aquelas horas turbulentas. — O que fará? — indagou Lucas. — Ainda quer que eu me case com você? — Pelo bem do nosso filho, sim. — Será um pai amoroso e bom para Tony? — Juro a você. Aquela fora a coisa mais difícil que jamais perguntara a uma pessoa, mas fitou os olhos cinza, decidida. — E para mim? Que tipo de marido posso esperar que seja? — Você é a mãe do meu filho. Eu a tratarei com o respeito que merece. — Você me amedrontou em várias ocasiões. Não quero viver com medo de você. — Nunca lhe faria mal algum. Jurei isso sobre o corpo do meu avô, Joseph Greywolf. Que proposta bizarra, pensou Aislinn. Como a maioria das mulheres, imaginara luz de velas, rosas, vinho, música suave, lua cheia e juras de amor eterno. Exibiu um sorriso frouxo debochando de si mesma. Oh, bem, não se podia ter tudo. Acabara de abrir mão do que lhe era seguro e familiar. Não haveria como voltar atrás. Além disso, Lucas não desistiria do filho. Deixara aquilo bem claro. Aquele seria um casamento sem amor, com exceção do amor que devotavam a Tony. De qualquer forma, não existia amor em sua vida, portanto não sentiria falta daquele sentimento. A vida ao lado de Lucas e Tony não seria apenas uma sucessão de dias monótonos. Ao menos, seriam pontuados por algumas surpresas. O olhar de Aislinn se encontrava firme quando o ergueu para fitá-lo. — Está bem — Disse sem hesitar — Eu me casarei com você. E assim o fez, dois dias depois, às 9h da manhã, em uma cerimônia civil no mesmo fórum em que Lucas Greywolf fora declarado culpado pelos crimes que lhe foram imputados há quatro anos. A noiva mantinha o bebê recostado ao ombro, enquanto recitava os votos que a uniam legalmente a um homem que lhe era pouco mais que um estranho. Sem saber o que seria apropriado vestir, por fim se decidiu por um conjunto de linho cor de pêssego, composto por uma saia plissada e um spencer, sob o qual se encontrava uma blusa de cambraia preta tão fina que transparecia o corpete de renda que usava por baixo. O traje era fino e feminino, sem lembrar um traje de noiva. Um dos lados dos cabelos estava preso com uma presilha de marfim em formato de pente, que lhe fora dada pela avó paterna. Aquele era seu suvenir. Optara por roupa íntima azul, não querendo se ater inteiramente à tradição. Lucas a surpreendera vestindo calça comprida preta, um casaco esporte sobre uma camisa azul-clara e gravata. Parecia incrivelmente belo com seus cabelos longos e escuros afastados para trás a lhe roçarem os ombros. Lado a lado, Aislinn sabia que formavam um belo casal. Várias cabeças se viraram para admirá96


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los quando entraram no fórum. Antes que ela percebesse que os votos haviam sido solenizados, a cerimônia chegou ao fim e ambos deixavam o prédio. Lucas lhe dera um beijo rápido e superficial quando o juiz os declarara marido e mulher. Agora, a mão longa lhe segurava de leve o cotovelo, enquanto ele a guiava em direção à picape estacionada. O veículo devia ter pelo menos uns dez anos. — Vamos encher o porta-malas com as coisas que embalamos e partiremos. No dia anterior, Lucas lhe dissera que queria que a cerimônia, embora os breves minutos que passaram diante do juiz não pudessem ser denominados como tal, fosse realizada cedo para que pudessem chegar ao seu destino antes de anoitecer. Não queria demorar mais tempo para voltar à reserva. No apartamento, enquanto ela trocava a própria roupa e a do filho para trajes mais confortáveis, Lucas levou as coisas que Aislinn havia separado para o carro. Enquanto cruzava os aposentos de seu apartamento pela última vez, não conseguia conjurar sequer um vestígio de arrependimento por deixá-lo. Aquela fora apenas uma residência, não um lar. Não havia nenhum apego a ela. A única coisa que detestava deixar para trás era o quarto de bebê que montara para Tony. Aquele aposento fora planejado com amor. — Está levando tudo? — Perguntou Lucas, quando ela entrou na sala de estar, vinda dos fundos, após se certificar de que todas as luzes estavam apagadas. — Acho que sim. Lucas também mudara de roupa. Usava a mesma camisa, mas as mangas estavam dobradas. A calça comprida preta fora substituída por um jeans, os sapatos sociais, por botas, e uma bandana se encontrava atada a sua testa. Não colocara o brinco aquela manhã, mas o usava agora. Trancaram as portas. Haviam combinado de manter a mobília no apartamento até decidirem a melhor forma de se desfazer dela e da propriedade. Sabendo que o marido poderia se melindrar, sugeriu que seu carro ficasse na garagem. Um sacrifício que logo se tornaria aparente. — Esta coisa não tem ar-condicionado — Comentou Lucas sobre a picape. Cruzavam a estrada e o vento provocava uma revolução nos cabelos de Aislinn. Tony se encontrava na cadeira de bebê que eles fixaram no banco entre eles. Encontrava-se protegido por um leve cobertor. Estava muito quente para deixar as janelas fechadas, e ela lutava constantemente para afastar os cabelos do rosto. Aislinn não reclamou, mas ele percebeu. — Não está tão ruim assim — Mentiu ela. — Abra o porta-luvas — Disse Lucas. Ela obedeceu e encontrou vários itens no interior do compartimento — Pegue uma bandana extra e prenda seus cabelos para impedi-los de voar. Aislinn retirou uma bandana do porta-luvas e a dobrou meticulosamente até formar uma faixa estreita. Em seguida, retorceu-a e colocou-a em torno da cabeça. Inclinando-se para a frente, verificou seu reflexo no espelho do retrovisor. — Isso me torna oficialmente a esposa de um índio americano? — Perguntou ela, dirigindo-lhe o olhar e sorrindo. A princípio, Lucas não soube como responder àquela pergunta, mas, quando viu o brilho maroto nos olhos azuis, retribuiu-lhe o sorriso. Um movimento lento, como se seus lábios não se recordassem mais de como formar um 97


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sorriso. Mas, por fim, ele se estampou no belo rosto másculo, livrando-o da constante austeridade. Lucas deixou escapar até mesmo uma risada curta. Depois disso, a tensão entre eles diminuiu. Pouco a pouco, Aislinn conseguiu que ele abandonasse aquele estado taciturno. Contaram histórias de suas infâncias; algumas engraçadas, outras dolorosas. — De alguma forma, fui tão solitária quanto você — Disse ela. — Após conhecer seus pais, posso acreditar que sim. — Eles não têm a metade da capacidade de amar que sua mãe possui. Lucas limitou-se a lhe dirigir o olhar e concordar, meneando a cabeça. Ansioso como se sentia por chegar em casa, consultava-a freqüentemente sobre pararem para descansar, comer ou beber. — Teremos de parar em breve — Disse Aislinn pouco depois do meio-dia — Tony está acordando e vai querer se alimentar. A criança se revelara um perfeito anjo, dormindo no bebê-conforto. Porém, acordou faminto e impaciente pelo almoço. Quando alcançaram a próxima cidade, o choro forte ecoava na cabine da picape. — Onde devo parar? — Perguntou Lucas. — Pode continuar dirigindo. Conseguirei dar de mamar. — Não. Ficará mais confortável se pararmos. Diga apenas onde. — Não sei — Respondeu ela, mordiscando o lábio, ansiosa. Não queria que o choro de Tony irritasse Lucas. Talvez já tivesse mudado de idéia sobre ser um pai. E se ele se cansasse rapidamente da agitação que gerava cuidar de um bebê no dia a dia? — Um toalete? — Sugeriu ele, deslizando o olhar pelos prédios da rua principal. — Detesto levá-lo para um lugar público quando ele está agitado assim. Por fim, Lucas manobrou a picape por um parque municipal. Encontrou um lugar afastado sob a sombra de uma árvore e estacionou. — Que tal aqui? — Ótimo — Aislinn desabotoou rapidamente a blusa, ajustou o sutiã e posicionou Tony contra o seio. O choro da criança cessou abruptamente. — Deus! — disse ela, rindo — Não sei se poderíamos ter ido... — Deixou a frase morrer porque inocentemente ergueu o olhar da face afogueada do filho e fitou o pai. Lu cas estava com o olhar fixo no bebê, que sugava avidamente o seio. A intensidade daquela expressão fez cair no esquecimento qualquer coisa que estivesse prestes a dizer. Quando ele percebeu que Aislinn o estava observando, desviou o olhar para a paisagem além do para-brisa. — Está com fome? — perguntou. — Um pouco. — Que tal um hambúrguer em uma dessas lanchonetes de beira de estrada? — Está bem. Qualquer coisa. — Tão logo Tony seja alimentado, encontraremos um lugar. — Está bem. 98


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— Eu a machuquei? Aislinn ergueu a cabeça para fitá-lo. Os olhos cinza-claros ainda estavam fixados no para-brisa. — Quando? — Sabe quando. Naquela manhã. — Não — A negativa soou tão suave que até mesmo Aislinn teve de apurar os ouvidos para escutá-la. Lucas batia de leve com o punho contra o volante, o joelho se movimentando para a frente e para trás em um ritmo cadenciado. Os olhos exploravam a paisagem. Em qualquer outro homem, aqueles sinais indicariam nervosismo. Mas aquilo era impossível. Lucas Greywolf não ficava nervoso, certo? — Eu estava na prisão... — Eu sei. — Sem uma mulher. — Compreendo. — Fui rude. — Não muito... — Mais tarde, fiquei preocupado, pensando que talvez tivesse machucado... Seus seios... Ou sua... — Não me machucou. — Você é tão pequena... — Fazia tempo que... — E... Estreita... E eu... — Você não me estuprou. A cabeça de Lucas girou abruptamente em direção a ela. — Deveria ter alegado que foi. — Mas não foi. A mensagem que o olhar de cada um passava ao outro estava carregada de significados que seria melhor permanecerem não verbalizados. Aislinn baixou a cabeça e fechou os olhos, quando ondas de calor, que nada tinham a ver com o dia quente de verão, a envolveram. Até mesmo naquele instante podia sentir as investidas vigorosas de Lucas contra seu corpo. E ele fechou os ouvidos aos sons deliciosos que o filho emitia enquanto era alimentado ao seio. Recordava-se de seus próprios lábios lhe provocando os mamilos rígidos pela excitação. Com a língua, circundara-os e os acariciara. Deus, não pense sobre isso ou acabará se excitando. — Quando percebeu que estava grávida? — Indagou Lucas em tom brusco após um longo instante. — Dois meses depois. — Estava sentindo enjôos? — Um pouco, mas o sintoma principal era o cansaço. Não tinha energia e parei 99


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de... — Oh, sim. Pelo canto do olho, Lucas a viu erguer gentilmente o filho e transferi-lo para o outro seio. Aislinn era tímida. Sabia o que aquela intimidade forçada devia estar lhe custando. Ainda assim, gostaria de esticar a mão, desabotoar-lhe a blusa e observar aquela maravilha da natureza. Queria ver aqueles seios. Ansiava por tocá-los. Saboreá-los. A feminilidade daquela mulher o invadindo... Seu nariz, garganta, virilha. Encontrava-se inundado da fragrância, da visão e dos sons dela, e queria permanecer assim por muito tempo. — Foi uma gravidez tranqüila? — Tanto quanto uma gravidez pode ser — Respondeu Aislinn com um sorriso. — Ele chutava muito? — Como um jogador de futebol. — Prefiro pensar nele como um corredor de maratona. Os olhos dos dois se cruzaram através da curta distância. O olhar que trocaram era brando. O que se passava entre eles eram os sonhos que compartilhavam para o filho. — Sim, gosto de maratonistas — Concordou Aislinn com voz suave — Como você. O coração de Lucas se encheu de orgulho. A emoção se avolumando de tal modo em seu íntimo que mal lhe permitia respirar. — Obrigado — Ela lhe lançou um olhar inquiridor — Por ter gerado meu filho. Foi a vez de Aislinn se tornar embaraçosamente emotiva. Agradecer não era algo fácil para um homem orgulhoso como Greywolf. Fazer uma comoção daquilo apenas arruinaria o clima entre eles, portanto ela se limitou a concordar, meneando a cabeça. Concentrou a atenção em Tony até que ele ficasse saciado. Em seguida, entregouo para Lucas. Ele segurou a criança, enquanto Aislinn abotoava a blusa. Ajudou-a até mesmo a trocar a fralda do filho. Nada mais foi dito, porque haviam falado o suficiente. — Gene está aqui — Comentou Lucas, enquanto estacionava a picape em frente a uma pequena e asseada casa branca de estuque. O jardim frontal, dotado de cerca, era meticulosamente bem cuidado. A lâmpada da varanda estava acesa, como se lhes desse boas-vindas. Zínias floresciam, formando um leito colorido que margeava o caminho que levava à casa. Há muito já escurecera. Estiveram cruzando a reserva há horas, mas dessa vez não utilizaram estradas alternativas, como fizeram quando Lucas era um fugitivo. Ainda assim, a viagem fora longa e cansativa. Aislinn sentia-se exausta. — Ficaremos aqui esta noite? — Indagou esperançosa. — Não, pararemos apenas para cumprimentá-los. Estou ansioso por chegar em minhas terras. As terras de Lucas? Não sabia que ele possuía terras. Até então, nem se lembrara de perguntar como ele pretendia sustentar Tony, se já não podia mais praticar o direito. De alguma forma, não estivera preocupada com aquilo Greywolf havia demonstrado ser provedor, intuitivo e capaz. Aislinn não tinha dúvidas de que ele proporcionaria uma vida o mais confortável possível para o filho. Lucas contornou a picape e a ajudou a descer. Pela primeira vez, ela sentiu uma aguilhoada de preocupação. E se Alice Greywolf e o doutor Dexter tivessem a mesma 100


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reação que seus pais ao bebê? Ela era mais forasteira ali do que Lucas em seu mundo. Como seria recebida? Lucas parecia não compactuar dos mesmos receios. Ele cruzou, apressado, o caminho e saltou para a varanda. Em seguida, bateu duas vezes à porta, antes que Gene Dexter a escancarasse. — Finalmente! Alice estava... Quando o médico viu Aislinn cruzando o caminho, o discurso de boas-vindas foi bruscamente interrompido, — Gene, é Lucas? — Perguntou Alice do lado de dentro da casa — Lucas? — Ela contornou Gene com um sorriso, largo estampado no rosto — Oh, você está aqui. Estávamos preocupados. Por que não veio direto para casa? Decidiu ficar alguns dias em Phoenix? Lucas se afastou para o lado quando os olhos de Alice pousaram em Aislinn e se dilataram, tão belos quanto os de uma corça. Quando focalizou o bebê aninhado nos braços de Aislinn, os lábios formaram um pequeno "O". — Acho que é melhor saírem do sereno. Naquele instante, Aislinn soube que amaria Alice Greywolf. Sem questionamentos. Sem recriminações. Sem censura. Apenas uma afável e absoluta aceitação. Lucas manteve a porta aberta para que Aislinn passasse com o filho. Ela adentrou uma sala de estar simples, porém decorada com muito bom gosto. — Mãe, Gene, lembram-se de Aislinn? — Claro — Respondeu Gene. — Olá. Alice sorriu para ela antes de perguntar timidamente: — Posso ver o bebê? Aislinn girou a criança até que ficasse à mostra, e Alice ofegou suavemente. Lágrimas banhavam-lhe os olhos enquanto esticava a mão e tocava a cabeça macia. — Lucas — Conseguiu dizer. — Anthony Joseph — Corrigiu Lucas — Meu filho. — Oh, sim. Sei que é seu filho — Alice prendeu o lábio inferior entre os dentes brancos para evitar chorar e rir ao mesmo tempo — É a sua miniatura. Gene, você o viu? Não é maravilhoso? Anthony Joseph. Tem o nome do meu pai — Ela ergueu o olhar para Aislinn com os olhos marejados de lágrimas — Obrigada. — Eu... Nós... O chamamos de Tony. Quer segurá-lo? Alice hesitou apenas por um instante, antes de abrir os braços e receber a criança. Durante anos cuidara de recém-nascidos na clínica, mas segurava Tony com muito cuidado, como se ele fosse feito de porcelana. Os olhos nunca se desviavam do rosto do neto, enquanto o carregava até o sofá, onde se sentou, cantando uma cantiga Navajo. — Acho que isso me deixa no papel de anfitrião — Disse Gene, lembrando-se de fechar a porta da frente para não desperdiçar o ar-condicionado — Aislinn, entre e sentese — Convidou, gesticulando para indicar a sala de estar. — Nós nos casamos hoje — Informou Lucas de modo áspero, como se esperasse ser confrontado. 101


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— Bem, isso... Isso é ótimo — Retrucou Gene, meio indeciso. Mais uma vez, a situação poderia se tornar embaraçosa, não fosse a interferência de Alice. — Por favor, sentem-se todos — Pediu ela — Vou trazer algo para fazerem um lanche rápido, mas quero apenas alguns minutos com Tony. — Não se incomode mãe. Não podemos ficar por muito tempo. — Estão partindo? Mas acabaram de chegar. — Quero ir para minha casa antes que fique tarde demais. Alice fitou o filho, incrédula. — Para sua casa? Quer dizer, o trailer? — Sim. — Com Aislinn e Tony? — Claro. — Mas não pode acomodá-los em um trailer. E muito pequeno. Não foi nem ao menos limpo e... — Alice — interveio Gene em suave reprovação. Imediatamente ela se calou, alternando o olhar entre Lucas e Aislinn, apreensiva. — Sei que não é da minha conta, mas pensei que passariam alguns dias aqui antes de se mudarem para lá. Lucas baixou o olhar à esposa, que até então não emitira opinião. Ele sabia que Aislinn não a expressaria. Deus! Aquela mulher era corajosa. Quando necessário, mostra va-se firme como uma rocha. Admirara aquela qualidade nela desde o início. Porém, percebia as olheiras de fadiga e postura arriada dos ombros delicados. — Está bem. Uma noite — Concedeu ele, surpreendendo a si mesmo. — Oh, fico tão feliz! — Exclamou Alice — Segure a criança, Aislinn. Mantive a comida aquecida para a remota possibilidade de Lucas aparecer esta noite. — Eu a ajudarei — ofereceu Aislinn. — Não é necessário. — Mas eu quero. Gene e Lucas seguiram as mulheres em direção à cozinha. Quando transpuseram a porta, Lucas segurou o braço do médico. — Não os tiramos da cama esta noite, certo? — Indagou em tom baixo. — Infelizmente, não. — Ainda? Gene confirmou meneando a cabeça, melancólico. — Ainda. Sua mãe é uma mulher especial. Não pretendo desistir dela até que se torne minha esposa. Lucas deu-lhe palmadas leves nas costas. — Ótimo. Ela precisa de você. Quando entraram na cozinha, Lucas pensava em quanto era especial a mulher 102


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com quem se casara e seus olhos procuram Aislinn imediatamente. Percebendo-lhe o olhar, ela o encarou, tímida. Aquela era uma cena familiar e, ao mesmo tempo, não era. Levaria algum tempo para se acostumar a seu novo status de casada. Ainda assim, sentia-se estranhamente satisfeita quando Lucas se sentou a seu lado. — Por que não me contou sobre o bebê? — perguntou Alice ao filho, meia hora mais tarde, enquanto carregava os pratos do jantar para a pia. A pausa significativa se estendeu para um silêncio incômodo. Foi Aislinn que o quebrou com uma confissão: — Ele não sabia sobre o bebê. Não até três dias atrás, quando foi até minha casa para me agradecer por eu não tê-lo processado — Aislinn tentou sustentar os olhares perplexos da mãe de Lucas e de Gene, mas não conseguiu e baixou a cabeça. — Eu a forcei a se casar comigo — Revelou Lucas em seu costumeiro tom confiante — Ameacei-a de lhe tirar Tony se não o fizesse. Gene se remexeu, constrangido, na cadeira. Alice levou a mão à boca, esperando que seu choque não fosse tão evidente. — Ficou muito feliz que seja minha nora, Aislinn. — Obrigada — Agradeceu ela, sorrindo para a mãe de Lucas. Sabia que Alice e o médico deviam estar fervendo de curiosidade, portanto apreciou a discrição ao não fazerem mais nenhuma pergunta. — Devem estar cansados da viagem — Disse Alice em tom gentil — Portanto, deixem-me acomodá-los por esta noite. Você pode dormir no meu quarto — Acrescentou, dirigindo-se a Aislinn. — Não — Antes que qualquer um dos presentes pudesse se mexer, Lucas os paralisou com aquela simples negativa. — Ela é minha esposa e dormirá comigo.

Capítulo Nove

O silêncio que se seguiu foi constrangedor. Gene baixou o olhar à xícara de café que estava tomando e mexeu nos cabelos. Alice estudou as próprias mãos, calma, porém envergonhada. Os olhos de Aislinn se dirigiram para o topo da cabeça de Tony, enquanto as faces coravam. Apenas Lucas não parecia afetado com a declaração impetuosa. — Precisa de alguma coisa que está na picape? — Perguntou ele a Aislinn, afastando a cadeira para trás e se erguendo. — A mala pequena e a bolsa de Tony — Respondeu ela em tom de voz baixo. — Mãe, pode providenciar um berço para Tony a partir de uma gaveta ou algo parecido? 103


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— Claro. Venha, Aislinn — Convidou Alice, colocando-lhe a mão no ombro — Vamos acomodar Tony para passar a noite. — Eu ajudarei Lucas — Ofereceu Gene, agradecido por ter algo a fazer, e o seguiu para fora da cozinha. O quarto para o qual Alice levou Aislinn era pequeno, com espaço suficiente apenas para um toucador antigo, guarnecido com um banco, além de uma cômoda, um criado-mudo e uma cama de casal. — Essas gavetas estão vazias — Informou Alice, retirando uma delas do lugar — Retirei tudo quando papai morreu. — Não tive oportunidade... Antes, para lhe dizer o quanto sinto — Disse Aislinn. — Obrigada. Era inevitável. Ele era idoso e não queria acabar seus dias em um hospital ou em um asilo. Aconteceu exatamente do modo como ele desejava. Aqui está. Acha que será adequado? Enquanto conversavam, Alice forrara o fundo da gaveta com uma manta, dobrando-a várias vezes para que se tornasse uma cama confortável para o bebê. — Sim, está ótimo. Por enquanto. Dentro de mais um mês ou dois, ele estará atirando as pernas para fora — Aislinn puxou Tony contra o corpo de maneira afetuosa e lhe beijou a têmpora. — Oh, até lá comprarei um berço. Estou contando que o traga freqüentemente aqui. — Não se opõe ao nosso casamento? — Os olhos de Aislinn procuraram timidamente os da mãe de Lucas. — Talvez fosse eu a lhe fazer essa pergunta. Você se opõe ao seu casamento? — A princípio, sim, muito. Mas agora, não sei — Confessou Aislinn — Mal nos conhecemos, mas ambos amamos Tony. A qualidade de vida de nosso filho é extremamente importante para nós. Baseado nisso, acho que podemos fazer nosso casamento dar certo. — A vida no rancho será completamente diferente do que está acostumada. — Estava extremamente enjoada da vida que levava, mesmo antes de conhecer Lucas. — Não será fácil para você, Aislinn. — Nada que valha a pena o é. As duas mulheres se fitaram, a mais nova com determinação e, a outra, com ceticismo. — Vamos fazer a cama — Sugeriu Alice em tom calmo. Quando acabaram de esticar os lençóis, Aislinn percebeu o quanto a cama era estreita. Como conseguiria passar aquela noite ali, dormindo ao lado de Lucas? Ele tinha ido até o quarto depositar a bagagem que Aislinn lhe pedira, mas saíra com Gene em direção à sala de estar. — E melhor eu sair para que possa descansar — Disse Alice — Além disso, se não desejar um "boa-noite" especial para Gene, ele pensará que o abandonei por causa de Tony — Inclinou-se para beijar a criança, que dormia tranquilamente no berço improvisado. Antes de partir, tomou a mão de Aislinn — Estou muito feliz de recebê-la em minha família. 104


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— Mesmo sendo eu uma branca? — Ao contrário do meu filho, não costumo nutrir ódio por uma raça pelo que uma minoria faz. Em um gesto impensado, Aislinn beijou a sogra na face. — Boa noite, Alice. Obrigada pela gentileza comigo e com Tony. Quando ficou sozinha, alimentou a criança, esperando que ela dormisse direto até o dia seguinte e não perturbasse Lucas. Apressou-se em fazê-lo, antes que ele voltasse ao quarto. Não queria passar por outra cena igual à daquela manhã na picape. Havia apenas um toalete na casa, que ficava localizado no corredor entre os dois quartos. Aislinn se encaminhou a ele tão logo colocou Tony no berço. Quando retornou, não havia mais nada a fazer, senão se despir. Oficialmente, aquela era sua noite de núpcias, apesar de a camisola que retirou da mala não ser exatamente digna de uma noiva. Era o segundo verão que a usava e, embora o tecido fosse macio e transparente contra a luz, o decote recatado não era sexualmente atraente. Na verdade, parecia fora de moda e simples. Estava sentada em frente ao tocador, passando loção hidratante nos braços, quando Lucas entrou e fechou a porta. Aislinn atrapalhou-se com o frasco da loção, dizendo a si mesma que a falta de jeito tinha mais a ver com o fato de as mãos estarem escorregadias do que com a perspectiva de passar a noite ao lado de Lucas Greywolf naquele quarto. Se estivesse observando o próprio reflexo no espelho em vez de fixar o olhar no marido, teria reparado que seus olhos estavam arregalados e apreensivos, fazendo-a parecer muito jovem e inocente. Em contraste, seus cabelos cascateavam sobre os ombros, sedutoramente. Os lábios se encontravam úmidos e naturalmente rosados. A camisola emprestava-lhe um ar virginal. O conjunto, visto pelo prisma do noivo, era extremamente sexy. A luminária sobre o criado-mudo refletia uma luz tênue. A sombra que Lucas lançava sobre a parede e o teto era enorme e assustadora no confinamento do pequeno quarto. — Tony já adormeceu? — Perguntou ele, levando as mãos aos botões da camisa. — Sim. Acho que não se incomodou de dormir em uma gaveta. Através do espelho, Aislinn o viu sorrir, enquanto se inclinava sobre a gaveta que fora colocada no chão ao lado da cama. O coração de Aislinn pareceu flutuar ao ver a expressão do rosto másculo suavizar ao fitar o filho. Seria muito fácil se apaixonar por um homem que pudesse sentir aquele mesmo tipo de ternura por uma mulher. Mentalmente se pôs em alerta. Aquele tipo de emoção era desconhecida para a maioria dos homens, mas para Greywolf seria impossível. Como se para afastar os pensamentos tolos, pegou a escova e começou a deslizá-la pelos fios, que cintilavam cheios de vida. Lucas sentou-se na beirada da cama e retirou as botas, deixando-as cair ao chão. — Gene me disse que ficou feliz por termos nos casado. Não era característico de Lucas iniciar uma conversação inócua. Surpresa, os braços de Aislinn paralisaram, enquanto o observava através do espelho. — Por quê? Lucas disfarçou uma risada. Outro fenômeno. — Está tentando se casar com minha mãe há anos. Ele a fez prometer que se 105


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casariam quando eu saísse da prisão — Lucas se ergueu e afrouxou o cinto — Nosso casamento foi o trunfo que ele mantinha sob a manga. Agora ela não tem mais desculpas. — Ele parece ter um caráter bom e tranqüilo. Por que ela resiste em se casar com um homem assim? — Um homem tão diferente do seu marido. Aislinn estava pousando a escova no tocador, mas, diante daquelas palavras, seus olhos voaram para os dele. — Não quis dizer isso. — Não importa o que quis dizer. Sou o marido que lhe restou. Aislinn engoliu um nó de apreensão que se formara em sua garganta, enquanto ele se aproximava com passos lentos e estudados. Lembrava um animal macho confiante farejando uma fêmea. A braguilha da calça se encontrava aberta e os olhos de Aislinn se fixaram naquele estreito "V" que se abria logo abaixo do umbigo, enquanto sentia o coração dar um salto com uma mistura de desejo e nervosismo. A luz fraca, a cor morena adotava uma tonalidade bronze-escura. Os pelos pretos do corpo de Lucas cintilavam diante dos reflexos dourados que a lâmpada emitia, principalmente aqueles localizados ao redor do umbigo. A face máscula se encontrava sombreada por causa da drástica projeção dos ossos malares que se encontravam desnudados agora, com as longas sombras dos cílios. Os olhos cinza estavam fixados nela, como os de uma águia em uma impotente presa. Pareciam penetrar as camadas de sua pele e lhe ler a alma. Aquele olhar a incinerava, mas, ainda assim, Aislinn estremeceu. — Lucas? — Seus cabelos são lindos. Ele estacou logo atrás dela, de modo que os ombros de Aislinn ficassem no mesmo nível que os quadris de Lucas. Contra a expansão morena do abdome definido, os cabelos de Aislinn pareciam incrivelmente claros. Brilhavam como fios de ouro nas mãos longas quando ele ergueu algumas mechas, afastando-as dos ombros delicados. Em um gesto indolente, Lucas deixou que eles escorressem entre seus dedos e ela se viu enlevada diante da visão sensual. Embora estivesse acontecendo com ela, Aislinn se forçou a ser uma mera espectadora, fingindo que aquilo se passava com outra pessoa. O único modo que encontrou de sobreviver àquele momento. Do contrário, quando Lucas espalhou um punhado de cabelos sobre o abdome e os esfregou naquele ponto, como se estivesse ensaboando a pele, o coração de Aislinn teria saltado do peito. Caso se permitisse admitir que estava de fato tomando parte naquele ato erótico, seria capaz de girar e beijar o abdome firme às suas costas. Deixar que os lábios empreendessem uma jornada provocante em torno do umbigo e mais abaixo, ao longo dos pelos escuros que se pronunciavam pela abertura do jeans, umedecendo-os com beijos suaves e felinos. Lucas deixou que os cabelos longos caíssem outra vez em cascata sobre os ombros delicados e fechou as mãos em torno do pescoço de Aislinn, os dedos o acariciando suavemente. — Por que sua pele branca me parece tão atraente? — Indagou ele — Queria detestá-la. Lucas tocou-lhe os lóbulos das orelhas, roçando-as entre as pontas dos dedos indicador e polegar. 106


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Aislinn deixou escapar um gemido. Involuntariamente, o pescoço pendeu para trás e a cabeça se encostou à parede sólida do abdome musculoso. Sem pensar, ela rolou a cabeça de um lado para o outro. Observou os cabelos claros atritarem contra a pele morena e pensou que, juntos, formavam um belo casal. As mãos longas escorregaram por seus ombros, introduzindo-se sob o corpete de renda elástico da camisola. Os olhos de Aislinn, que até então se encontravam semicerrados, abriram-se para encontrar os dele através do espelho. — Quero ver minhas mãos em você — Disse ele. Aislinn observou, hipnotizada, os dedos fortes escorregarem por seu peito. Nenhum protesto lhe escapou dos lábios, quando elas rumaram mais para baixo, deslizando a camisola no processo. Sentia o ar correr apressado em seus pulmões, enquanto as palmas das mãos de Lucas lhe envolviam os seios, pressionado-os, massageando-os, esfregando-os. O corpo de Aislinn respondeu. Segurando os seios fartos pela base, ele roçou de leve os mamilos com as pontas dos polegares. Aislinn gemeu, enterrando a parte de trás da cabeça no abdome reto que se erguia e baixava rapidamente com a respiração pesada de Lucas. Os olhos de ambos nunca se desviavam do espelho. Encontravam-se memorizados pelo contraste formado pelas mãos longas, testemunhas de tão incontestável masculinidade, rumando pela elevação macia e aveludada dos seios fartos. Ele parecia saber a quantidade de pressão ideal a aplicar para lhe proporcionar o máximo de prazer. Os dedos brincavam delicadamente com os mamilos escuros até que pulsassem com uma dor prazerosa. Dentro dela, o desejo crescia a um ponto insuportável. A feminilidade quente e pulsante, pronta para recebê-lo. Apenas uma coisa poderia aplacar aquela ansiedade. E aquilo era impossível. A conclusão a atingiu de repente, fazendo-a afastar as mãos que a provocavam e se erguer do banco. Recompondo a camisola, Aislinn girou para fitá-lo. — Não posso. O som que emergiu da garganta de Lucas parecia o rugido de um felino. Ele a segurou pelos antebraços e a puxou contra o corpo. — Você é minha esposa. — Mas não seu objeto — Disparou ela — Solte-me. — Tenho o direito. Lucas enterrou os dedos nos cabelos macios, pressionando-os contra o couro cabeludo e lhe puxando a face contra a dele. Aislinn esticou as mãos para repeli-lo e as pousou nas laterais do torso largo, logo abaixo dos braços. A pele era macia e quente. Os músculos, tão rígidos que pareciam suplicar para serem explorados e admirados. Tinha vontade de cravar os dentes neles. Aquilo fez a determinação de Aislinn vacilar. Mas não podia ceder à tentação. Sim, eram casados e, com aquela certidão de casamento, vinham certos privilégios, mas aquele não teria de ser um ato de amor? Senão amor, não deveria ao menos envolver respeito mútuo? Sabia que Lucas sentia apenas desprezo pelo que ela era e por sua origem. Recusava-se a ser apenas um repositório da luxúria do marido. E, mesmo que aquela inadequação não fosse suficiente para desencorajá-lo, havia outra razão. E, como era a mais oportuna, resolveu lançar mão 107


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dela. Um segundo antes de os lábios sensuais assaltarem os dela, Aislinn desviou. — Pense, Lucas! Tony mal completou um mês — Ele estacou. Aislinn viu os olhos cinza piscarem, confusos, portanto se apressou em esclarecer — Perguntou-me se havia me machucado antes e eu disse que não. E foi verdade, mas, se você... Se nós... Fizermos isso, poderia me machucar. Meu resguardo ainda não acabou. Lucas encarou-a por um longo instante. A respiração quente fustigando o rosto de Aislinn. Quando por fim as palavras lhe assentaram na mente, ele lhe fitou o abdome. Aos poucos, a força com que lhe segurava os braços cedeu e ele a afastou. Em um gesto nervoso, ela umedeceu os lábios. — Pelo amor de Deus, não faça isso — Rosnou ele, passando as mãos pelos cabelos e, em seguida, cobrindo o rosto com as mãos. Pressionou os dedos contra os globos oculares antes de escorregá-los pela face — Vá para a cama. Aislinn não argumentou. Após verificar rapidamente se Tony estava dormindo, escorregou para baixo dos lençóis perfumados de Alice Greywolf, cobrindo a cabeça. O ar-condicionado requeria até mesmo um cobertor leve. Aislinn fechou os olhos, mas percebeu quando Lucas retirou a calça jeans e, através da cortina de cílios, observou a nudez do corpo escultural. Pernas longas. Peito largo. Um triângulo escuro entre as coxas musculosas. E a virilidade excitada. Em seguida, o quarto imergiu na escuridão, quando ele desligou a luminária. Tudo em que ela podia pensar era naquele homem deitado a seu lado, nu e excitado. Embora não se tocassem, Aislinn podia sentir o calor do corpo do marido lhe escaldando a pele. O ritmo da respiração, ao mesmo tempo eletrizante e suave. Manteve o corpo enrijecido até senti-lo se mexer e perceber que Lucas se virará para o outro lado. Só então permitiu-se relaxar o suficiente para, por fim, pegar no sono. Os olhos de Aislinn se entreabriram para se deparar com a luz rosa-acinzentada da madrugada. Seus seios estavam cheios. Tony dormira a noite toda sem precisar mamar, mas deveria estar prestes a acordar. Pelo menos, assim esperava. O desconforto a despertara de um sono profundo. Descerrou as pálpebras mais alguns milímetros e se surpreendeu com a proximidade de Lucas. O peito musculoso se encontrava a centímetros do seu nariz. Podia contar cada cabelo ondulado. Em segredo, agradeceu ao pai de Lucas por ter lhe dado sangue branco suficiente para que ele desenvolvesse barba e pelos no peito. As cobertas estavam enroladas na altura dos quadris retos. A pele macia e morena tinha uma aparência atraente, contrastando com o lençol branco. Ansiava por tocar o vale formado pela cintura de Lucas, mas, claro, não o fez. Deitada, imóvel, Aislinn deixou que os olhos vagassem pêlo pescoço moreno e o queixo imponente. Os lábios eram sensualmente esculpidos, embora um tanto austeros. O nariz era longo e reto, e não achatado e largo como a maioria dos apaches. Mais uma vez, ela abençoou mentalmente o DNA do soldado que o gerara. Aislinn ofegou suavemente quando ergueu os olhos e encontrou os dele a observando. Os cabelos espessos pareciam muito pretos contra a fronha alva. — O que está fazendo acordado? — Sussurrou ela. — Força do hábito — Apenas uma onda de determinação a impediu de recuar 108


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quando ele ergueu uma das mãos e lhe afastou uma mecha de cabelos do rosto. Estudando os fios de modo analítico, ele os esfregou entre os dedos antes de pousá-los sobre o travesseiro em que repousava a cabeça de Aislinn.— Embora não tenha sido um hábito nos últimos anos acordar com uma mulher a meu lado... Gosto do seu cheiro. — Obrigada. Outro homem talvez perguntasse que perfume ela usava ou diria que gostava da fragrância dela. Porém, seu marido era um homem de poucas palavras. Seus elogios não eram pródigos, mas expressavam exatamente o que ele tinha em mente. "Gosto do seu cheiro". O elogio simples a agradou. Lucas tocou-a. Os dedos a explorando com suavidade, com a curiosidade desinibida de uma criança a quem fora permitido entrar em uma sala de estar pela primeira vez. Sobrancelhas, nariz, boca. Ele observava cada ponto em que tocava. Deslizava os dedos para frente e para trás no pescoço e colo de Aislinn. — Tão macia! — Disse ele, como se estivesse maravilhado com a textura da pele dela. Com um movimento leve do braço, Lucas atirou as cobertas para o lado. Ela se forçou a permanecer imóvel, enquanto ele lhe baixava a camisola. Aquele era seu marido. Não podia se esquivar dele. E Aislinn descobriu que não era aquela sua vontade. Sabia que Lucas não a machucaria. Se fosse um homem truculento, poderia tê-la ferido em muitos momentos no passado. Recordou a gentileza com que ele cuidou do arranhão em seu braço. Além disso, ele jurara nunca machucá-la, e ela acreditava na palavra dele. Portanto, continuou imóvel, enquanto os olhos cinza-claro lhe devoravam os seios e o dedo longo traçava uma veia que rumava em direção ao mamilo. Aislinn percebeu a mandíbula bem marcada se contrair pela tensão. Por um breve instante, ele a fitou diretamente nos olhos, antes de se inclinar para a frente e pressionar os lábios na curva do pescoço macio. Emitindo um gemido baixo, Lucas se aproximou até que os seios fartos lhe tocassem o peito. Os lábios sugavam a pele sedosa, onde, em seguida, ele aplicava mordidas leves. Aislinn sentia o roçar da língua úmida, quente e macia. Precisou recorrer a toda sua força de vontade para não enterrar as mãos nos cabelos bastos e lhe segurar a cabeça contra a pele. Percebia que Lucas estava exercendo um surpreendente autocontrole e não ousou se mover. Seria cruel instigar algo que não poderia concluir satisfatoriamente. A boca exigente se moveu mais para baixo, umedecendo-lhe a pele onde aplicava mordidas suaves. Lucas ergueu a cabeça alguns centímetros e fitou os seios pesados. — Se eu...? Seu leite brotaria? — Ele lhe dirigiu o olhar e Aislinn confirmou, meneando a cabeça. Um espasmo de pesar contraiu os lábios de Lucas, antes de ele erguer o tronco, baixando-lhe ainda mais a camisola e lhe observando o corpo. Os olhos cinza se fixaram em sua feminilidade, antes de ele lhe tocar os pelos dourados. No mesmo instante, a respiração de Lucas se tornou curta e pesada. Na verdade, depois que atirou as cobertas para o lado, a potência do desejo que sentia ficara evidente. De repente, a mão forte se fechou em torno do pulso de Aislinn. Alarmada pelo movimento abrupto, ela lhe dirigiu um olhar questionador. — Você é minha esposa — Disse Lucas. — Não admitirei que se negue a mim. 109


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Antes que Aislinn lhe percebesse a intenção, ele lhe guiou a mão até a virilha e a fechou sobre a masculinidade excitada, pressionando-a. Os lábios de Aislinn se entreabriram para protestar, mas os dele os selaram e as palavras se perderam no contato sensual, no momento em que a língua exigente lhe explorou o interior da boca. Ele a rolou, deitando-a de costas, e montou sobre as coxas de Aislinn. As mãos de ambos ficaram presas entre os corpos, pousadas na maciez da feminilidade e fechadas em torno da virilidade rígida. Lucas utilizou a própria mão para manobrar a dela, mantendo-lhe os dedos pressionados em torno dele. A mão de Aislinn provia a fricção. O que se seguiu foi tão íntimo, tão profundo que ambos gemeram no tumulto daquelas emoções que pareceu durar uma eternidade. Por fim, Lucas descansou a cabeça sobre os seios fartos. A respiração, pesada. Aislinn podia sentir os dedos longos se moverem, distraídos, por seus cabelos, como se procurassem por algo muito desejado, porém elusivo e fora de seu alcance. Em seguida, de modo abrupto, ele se ergueu e saiu da cama. Recolheu as peças de roupa com movimentos bruscos e as vestiu a esmo e com raiva. Enfiou os pés dentro das botas e, sem mais do que um olhar para trás, abriu a porta e saiu. Aislinn sentia-se desanimada e melancólica. Permaneceu deitada na cama, fitando a porta pela qual ele passara, triste com o fato de Lucas não conseguir sequer olhar para ela após tudo que acontecera. Para Aislinn, tinha sido lindo. Quando os lábios de Lucas se suavizaram e a língua abandonara a agressividade, não precisara forçá-la a acariciálo, embora duvidasse de que o marido tivesse percebido. A profundidade daquele ato a deixara fraca e trêmula. E o havia deixado zangado. Estaria envergonhado? Perturbado? Desgostoso? Consigo mesmo ou com ela? Ou estaria Lucas tão abalado com o impacto do que acontecera quanto ela? E, dessa forma, confuso em como lidar com aqueles sentimentos? Ambos sobreviveram à infância, escondendo suas emoções. Os pais a ensinaram a agir assim. Graças ao escárnio do qual fora vítima quando criança, Lucas disfarçava os sentimentos cuidadosamente para não se ferir. Não sabia como demonstrar afeição ou ternura. E, muito menos, aceitá-las. Foi então que Aislinn soube. Amava Lucas Greywolf. E mesmo que levasse uma vida inteira para conseguir, faria com que ele aceitasse seu amor. Aislinn percebeu que não seria fácil no instante em que entrou na cozinha, meia hora depois. Lucas estava sentado à mesa com Alice, tomando café e comendo uma pilha de panquecas. Ele a ignorou por completo. Era irônico que a propensão de Aislinn em olhar para ele coincidisse com a determinação dele de evitá-la a todo o custo. Enquanto ela sentia o coração agitado de felicidade com o amor recém-despertado, os olhos cinza se encontravam turbulentos como nuvens carregadas. Durante o café da manhã, a partida da casa de Alice e o caminho até o rancho, Lucas permaneceu praticamente mudo, dando apenas respostas monossilábicas às perguntas que ela fazia. Cada tentativa de estabelecer uma conversação por parte de Aislinn se revelou infrutífera. Enquanto os olhos dela desejavam englobar cada detalhe de Lucas, ele não fazia contato visual com a esposa. Aislinn se mostrava amável e, ele, irritadiço. Em determinado momento, após dirigirem quilômetros com Tony dormindo no bebê-conforto entre eles, Lucas girou a cabeça em direção a ela. — Que diabos está olhando? 110


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— Você. — Bem, não olhe. — Por que isso o enerva? — Porque não gosto. — Não há mais nada o que olhar. — Tente a paisagem. — Quando furou a orelha? — Anos atrás. — Por quê? — Porque eu quis. — Em você, acho bonito. Os olhos cinza se desviaram da estrada mais uma vez. — Em mim? — Escarneceu ele — Quer dizer que não tem problema um homem ter a orelha perfurada se for um índio...? Aislinn suprimiu uma réplica mordaz. Em vez disso, respondeu em tom suave: — Não, quis dizer que em você acho muito atraente — A expressão austera vacilou por uma fração de segundo antes de ele retornar a atenção à estrada de mão dupla que os levava às mais altas elevações das White Mountains. — Também tenho as orelhas furadas. Talvez possamos trocar brincos. A tentativa de fazer graça não deu em nada. Se Lucas a escutou, não pareceu demonstrar. Aislinn pensou que ele fosse ignorá-la completamente, mas, após um ou dois minutos, Lucas voltou a falar. — Uso apenas este brinco. — Tem algum significado especial? — Meu avô o fez. — Joseph Greywolf era um artesão? — Esse era apenas um de seus muitos talentos. — Havia uma nuança defensiva na voz de Lucas, tão afiada como uma espada de dois gumes. Não seria mais desafiadora se ele tivesse dito "En garde" — Acha difícil acreditar que um índio possa ter vários talentos? Mais uma vez, Aislinn reprimiu uma resposta à altura. Embora controlar sua raiva dessa vez fosse mais difícil, acabou por conseguir. Compreendia que Lucas estava sendo agressivo apenas porque se sentia mortificado pelo que acontecera naquela manhã. Revelara-lhe uma fraqueza e, para ele, aquilo era insuportável. Sob aquela fachada implacável, Lucas Greywolf era um homem extremamente sensível. Possuía o mesmo desejo e necessidade de amor que qualquer outro ser humano. Estava se punindo por ter sido um bastardo, um fardo para a mãe adolescente e até mesmo por ser índio. Era tão severo consigo mesmo que havia cumprido pena por um crime que não cometera. Aislinn não sossegaria até descobrir cada ferida que lhe inflamava a alma para curá-la com seu amor. — Você não me contou que tinha terras. Eu sei, eu sei. — Ela se apressou em acrescentar, erguendo ambas as mãos — Eu não perguntei. Sempre terei de perguntar 111


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para obter qualquer informação de você? — Eu lhe direi o que achar necessário que saiba. A boca de Aislinn pareceu cair ante o desânimo que aquele chauvinismo ultrajante lhe causava. — Acha que uma mulher deve ser vista, mas não ouvida, certo? — Gritou ela — Muito bem, mais uma vez, pense, sr. Greywolf. A sra. Greywolf pretende ter direitos iguais neste casamento. E, se isso não o agrada, então não deveria ter sido tão obstinado a forçar a srta. Andrews a se casar com você. Os dedos longos se flexionaram contra o volante. — O que quer saber? — Indagou Lucas em tom tenso. Conseguindo se acalmar, Aislinn recostou-se ao assento do carro. — Herdou a terra de seu avô? — Sim. — Nos já estivemos lá... Antes? — Quer dizer, na choupana? Sim. Era naquele cume — Confirmou Lucas, apontando com o queixo na direção a que se referia. — Era? — Eu a incendiei. Aquilo a tomou de surpresa e, por vários minutos, Aislinn permaneceu calada. — Qual o tamanho de seu rancho? — Não somos ricos, se é isso que está perguntando — Retrucou ele, com escárnio. — Não foi isso que perguntei, e, qual o tamanho de sua propriedade. Lucas lhe disse e ela ficou impressionada. — Foi o que sobrou depois que os caloteiros deram o golpe em meu avô. Encontraram urânio na propriedade dele, mas meu avô nunca tirou proveito disso. Para evitar uma discussão acalorada sobre a exploração dos índios, principalmente por concordar com Lucas sobre aquele assunto, Aislinn resolveu continuar perguntando: — Que tipo de rancho é? De criação de gado? — Cavalos. Aislinn ponderou por um instante. — Não entendo. Por que seu avô morreu pobre se tinha todas essas terras e uma criação de cavalos? Ao que parecia, havia tocado em um ponto nevrálgico. Lucas voltou-lhe um olhar constrangido. — Joseph era muito orgulhoso. Achava que as coisas tinham de ser feitas conforme a tradição. — Em outras palavras — Disse Aislinn — Ele não utilizava técnicas modernas para tratar do rancho. — Algo desse tipo — Resmungou ele. Agradava-a o fato de Lucas defender o avô, embora não parecesse concordar com 112


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as ideias administrativas dele. O restante da viagem transcorreu em silêncio. Aislinn sabia que estavam se aproximando do destino final, quando ele desviou da estrada e passou por um portão que levava a uma estrada de terra. — Estamos chegando? — Perguntou ela. Lucas meneou a cabeça em um gesto afirmativo. — Não espere muita coisa. Porém, o que viram quando chegaram o surpreendeu mais do que a Aislinn. — Que diabos...? — Resmungou ele, quando a picape subiu o último aclive. Os olhos de Aislinn percorreram a clareira, tentando captar tudo ao mesmo tempo. Repreendendo-se por agir como uma criança em sua primeira ida ao circo, baixou o olhar e tentou digerir tudo que viu. A área ficava localizada entre duas colinas baixas que formavam uma ferradura. De um lado do escampado, havia um grande curral. Dois homens montados a cavalo guiavam uma pequena manada de cavalos pela porteira. Um celeiro, obviamente velho e gasto pelo tempo, estava encravado na encosta da colina. Do outro lado do semicírculo, ficava a casa-trailer. A pintura estava lascada e desbotada e parecia que iria desabar a qualquer instante. Bem no centro daquele refúgio tranqüilo, havia uma casa de estuque. Por causa das cores, misturava-se à parede de pedra que se erguia quase perpendicularmente atrás dela. A construção combinava com os arredores. Também parecia uma colméia em atividade. Homens gritavam uns para os outros. O ruído das marteladas reverberava pelas muralhas de pedra que a circundavam. De algum lugar, ainda indeterminado, Aislinn podia ouvir o som agudo de uma serra circular. Lucas freou a picape e saltou. Um homem, em trajes de cowboy, afastou-se dos demais que estavam trabalhando na casa, acenou e veio correndo em direção a eles. Era mais baixo e corpulento que Lucas, e possuía o andar torto de um homem acostumado a passar muito tempo no lombo de um cavalo. — Johnny, que diabos está se passando? — Indagou Lucas, em vez de cumprimentá-lo de maneira apropriada. — Estamos concluindo sua casa. — Eu ia viver no trailer até que pudesse juntar dinheiro suficiente para terminar a casa. — Então não precisará mais — Disse Johnny com os olhos negros cintilando, joviais — Antes de tudo, olá. E bom tê-lo de volta — Saudou, trocando um aperto de mãos com Lucas, que nem percebeu o gesto de tão absorto que se encontrava na visão da casa atrás de Johnny. — Não posso pagar por nada disso. — Já está pago. — Que diabos significa isso? Minha mãe sabe disso? — Sim, mas jurou guardar segredo. Estamos trabalhando nesta casa desde que soubemos da data de sua soltura, tentando concluí-la antes que chegasse. Obrigado por ter nos dado uns dias extras. Johnny distraiu-se enquanto falava e agora os olhos negros se encontravam fixados na mulher loira que descera da picape. Ela se aproximou, segurando um bebê no 113


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colo, e estacou ao lado de Lucas. A cabeça da criança estava coberta com uma manta fina para protegê-lo do sol escaldante. — Olá. Lucas girou, só então percebendo a presença da esposa. — Oh, Johnny Deerinwater, esta é minha... Bem, esposa. — Sou Aislinn — Disse ela, estendendo a mão. De maneira amigável, Johnny Deerinwater retribuiu o cumprimento e retirou o chapéu de palha de cowboy. — Prazer em conhecê-la. Alice nos contou que Lucas se casou. O filho da... Mãe iria manter o segredo dos amigos, acho eu. — Minha mãe deve ter lhe telefonado esta manhã. — Sim. Ela disse que você tinha acabado de partir para cá. Como disse, estivemos trabalhando na casa por várias semanas, mas tivemos de acelerar o motor quando soubemos que iria chegar esta manhã com a esposa e o filho. A propósito, por que não o tiramos do sol? Johnny afastou-se para o lado, indicando com um gesto de mão para que Aislinn seguisse à frente no caminho que levava à casa. Ela percebia o olhar dos homens fixados nela, enquanto caminhava. Quando se aventurou a sorrir para alguns, eles lhe retribuíram sorrisos tímidos e desconfiados. Quando os dois estavam a um passo atrás dela, Johnny disse: — Desde que Joseph morreu, todos nós nos dedicamos a alimentar a manada, mas foi tudo. Os cavalos se dispersaram para todos os lados. Levamos semanas para reuni-los. Nem todos foram recuperados ainda. — Eu os encontrarei — Disse Lucas. Aislinn penetrou na varanda ampla e baixa e, por não saber o que fazer, transpôs a porta da frente. O cheiro de tinta fresca e madeira cerrada era quase opressor, mas não desagradável. Ela girou, observando as paredes brancas que concorriam para aumentar a sensação de espaço na casa. Havia janelas em todas as paredes, vigas nuas no teto e cerâmica em todo o assoalho, o que emprestava uma uniformidade aos aposentos. Na sala principal, havia uma enorme lareira. Podia imaginar o fogo, brilhante, avermelhado, crepitando em uma noite fria. O olhar admirado de Aislinn se voltou ao marido, mas ele parecia tão surpreso com a casa quanto ela. — Quando parti, não havia nada aqui além de paredes nuas — Comentou ele — Quem é responsável por isso, Johnny? — Bem, Alice e eu conversávamos enquanto tomávamos uma xícara de café um dia — Explicou o amigo, secando o suor da testa com uma bandana — E decidimos que iríamos cobrar algumas de suas dívidas de pessoas que lhe deviam por serviços jurídicos. Em vez de recolher dinheiro, pedimos favores. Por exemplo, Walter Kincaid fez as telhas. Pete Deleon, o encanamento — Johnny enumerou uma lista de nomes e suas contribuições para a casa de Lucas. — Alguns dos acessórios e aparelhos são de segunda mão, sra. Greywolf — explicou Johnny, como se estivesse lhe pedindo desculpas — Mas foram limpos e estão parecendo novos. 114


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— Está tudo maravilhoso — Respondeu Aislinn, baixando o olhar ao lindo tapete Navajo tecido à mão que a avó de alguém fizera para Lucas — Obrigada por tudo e, por favor, chame-me de Aislinn. Johnny anuiu, sorrindo. — A única mobília que conseguimos reunir foi um conjunto de mesas e cadeiras para a cozinha. Esta manhã conseguimos encontrar uma, bem... Cama — O rosto moreno enrubesceu momentaneamente. — Tenho alguns móveis que posso trazer para cá — Aislinn se apressou em dizer para aliviar o acanhamento de Johnny. Lucas dirigiu-lhe um olhar severo, mas não disse nada, o que a fez se sentir aliviada. Não queria que iniciassem uma discussão na presença dos amigos dele. Aquele poderia não ser um casamento convencional, mas não queria que aquilo chegasse ao conhecimento de todos. — Linda, minha esposa, virá aqui esta tarde para lhe trazer alguns mantimentos. — Eu a estarei esperando. Um caminhão estacou com um solavanco do lado de fora. Johnny correu até a porta para se certificar do que se tratava. — Chegaram as instalações elétricas que encomendamos. — Não posso pagar por nada disso — Repetiu Lucas, obstinado, com o semblante sério. — Você tem um bom crédito — Johnny dirigiu um sorriso a Aislinn e partiu, saltando a varanda e dando ordens. — Talvez seja melhor me mostrar onde fica o quarto — Sugeriu Aislinn — Para que eu possa deitar Tony. — Não estou certo se sei onde fica — Respondeu Lucas, irritado. — Onde você vivia? — Indagou ela, seguindo-o pelo corredor — Em um trailer? — Sim. Estava construindo esta casa há anos, fazendo um pouco de cada vez, toda vez que conseguia juntar algum dinheiro. — Gostei dela — Disse Aislinn, entrando no quarto que era obviamente maior. Possuía uma ampla janela que descortinava a vista das montanhas. — Não precisa dizer isso. — Estou falando sério. — Comparada ao luxuoso condomínio onde vivia, isto é um lixo. — Não é! Eu a decorarei e... — Pode esquecer a idéia de trazer sua mobília para cá — Disse Lucas, apontando o dedo indicador para ela. Aislinn afastou-o com um tapa. — Por quê? Porque é orgulhoso demais para usufruir de qualquer coisa que pertença a sua esposa? Os índios não fazem escambo com seus futuros sogros por suas esposas? — Apenas nos filmes de John Wayne. — Considere como meu dote, o qual, queira admitir ou não, sei que é uma questão de orgulho para as mulheres indígenas. 115


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— Posso sustentar minha família. — Não duvido disso. Nunca duvidei. — Comprarei a mobília tão logo venda alguns cavalos. — Mas, enquanto isso, quer que seu filho durma no chão? A menção a Tony, Lucas baixou o olhar à criança. Aislinn o deitara na ampla cama no momento em que entraram no quarto. O bebê estava acordado e olhava ao redor, curioso, como se pressentisse que estava em um ambiente novo. Lucas inclinou-se sobre ele e lhe acariciou a face com o dedo indicador. Tony abriu um dos punhos que agitava no ar e lhe segurou o dedo, levando-o à boca instintivamente. Lucas deixou escapar uma risada suave. — Viu Lucas? — Sussurrou ela. — Quer queira aceitar ou não, há pessoas que o amam. Lucas voltou-lhe um de seus mais gélidos olhares antes de girar e sair em disparada pela porta.

Capítulo Dez

As semanas que se seguiram trouxeram mudanças milagrosas à vida do casal. Os amigos de Lucas, sob a supervisão amigável de Johnny Deerinwater, concluíram os acabamentos no interior da casa. Estava longe de ser glamourosa, mas era confortável. Aislinn lançou mão de bom gosto, conhecimentos em decoração, trabalho árduo e pintura para transformar a casa de estuque em uma residência tirada da capa de uma revista. Tão logo o telefone foi instalado, ela ligou para Scottsdale e providenciou para que sua mobília fosse transportada para a nova casa. Especificou os móveis que queria, incluindo a máquina de lavar e secar, e verificou duas vezes a lista com a transportadora. A van chegou sete dias depois. Enquanto a mobília era descarregada, Lucas se aproximou, cavalgando, e, com extrema habilidade, desmontou. Na primeira vez em que Aislinn o viu sentado sobre uma montaria, perdeu o fôlego diante da beleza daquele homem. Gostava de vê-lo trajado com jeans desbotado, camisas tipo cowboy, botas, chapéu e luvas de couro. Freqüentemente, parava qualquer tarefa fazendo para observálo da janela, quando ele saía para trabalhar. No entanto, naquele momento, ao vê-lo guiar o cavalo para a varanda, antes de desmontar, perdeu o fôlego por causa da expressão furiosa estampada no belo rosto do marido. As esporas tilintavam à medida que ele cruzava a varanda, obviamente irado. — Disse-lhe para não trazer essas coisas para cá — Disparou ele em tom de voz ameaçadoramente baixo. — Não, não disse. — Apesar do olhar furioso de Lucas, ela o fitou sem pestanejar. — Não vamos discutir sobre isso. Diga-lhes para colocar tudo de volta na van e voltar para Scottsdale, onde isso pertence. Não preciso da sua caridade. 116


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— Não estou fazendo isso por você. Nem mesmo por mim. — Bem, Tony ainda não pode se sentar em um sofá — Rebateu ele, em tom de escárnio, pensando que Aislinn usaria o bebê para conseguir o que queria. — Estou fazendo isso por Alice. O rosto de Lucas se tornou comicamente confuso. — Por minha mãe? — Sim, ela concordou em fazer sua festa de casamento aqui. Quer envergonhá-la, fazendo com que seus convidados sentem-se no chão, depois de tudo que ela fez por você? Uma veia latejou na têmpora de Lucas. Ela o colocara contra à parede. Pior, ele sabia que Aislinn tinha ciência daquilo. E, embora desejasse admirar a sagacidade dela e parabenizá-la por ser uma adversária a sua altura, Aislinn era sua esposa e ele estava furioso por não poder estrangulá-la. Lucas continuou a fitá-la, exasperado, por dez segundos. Em seguida, girou nas botas de esporas e saiu pisando fundo pela varanda antes de montar no cavalo. Deixou para trás uma nuvem de poeira ao se afastar pelo caminho. Aislinn trabalhou durante toda a tarde, arrumando os móveis, arrastando-os, sozinha, não importava o quanto fossem pesados. Surpreendentemente, a mobília parecia ter sido feita sob medida para a casa. Sempre a agradara o estilo da decoração do sudoeste. Quando comprara os móveis para sua casa no condomínio, tendera para os motivos daquela região. Mas a mobília havia ficado ainda melhor em sua nova casa: os tons areia, valorizados pelos acessórios indígenas que os amigos de Lucas lhe enviaram como presentes para a inauguração da casa nova. Ao fim da tarde, Aislinn se encontrava exausta, mas, para servir de consolo pela briga que tiveram naquela manhã, esmerou-se no jantar. A cozinha ainda não se encontrava equipada com os utensílios aos quais estava acostumada, mas compensava as deficiências com o espaço disponível. Tony decidiu não ajudá-la, no dia que escolhera para fazer um agrado ao marido. O bebê estava irritado e apresentava um choro espasmódico, embora Aislinn não conseguisse descobrir a razão. Enquanto mantinha o jantar aquecido no forno, tomou um banho rápido e se esforçou para parecer o mais atraente possível para quando Lucas retornasse. Aislinn não o puniu por chegar horas atrasado, quando finalmente ele apareceu, muito depois que escureceu. — Gostaria de tomar uma cerveja? — Ótima idéia — Retrucou ele mal-humorado, enquanto retirava as botas na porta dos fundos — Vou tomar um banho — Sem dizer uma palavra de agradecimento, pegou a garrafa da cerveja que ela lhe oferecia e a levou com ele para os fundos da casa. Se tivesse girado, talvez tivesse rido com a careta que Aislinn fez às costas dele. Quando ele retornou à cozinha, Aislinn havia posto a mesa, com uma de suas toalhas, louças e talheres. Lucas não disse sequer uma palavra sobre os utensílios ou os móveis. Limitou-se a se sentar e começar a comer, literalmente devorando a comida. — Que barulho é esse? — Indagou após um momento. — A máquina de lavar. 117


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— Máquina de lavar? — É. E a secadora — respondeu Aislinn em tom leve — Tony suja muita roupa. Será um alívio não ter de dirigir até a cidade todos os dias para ir à lavanderia. Temia essas viagens no inverno, tenho de expor Tony ao frio. Como ela esperava, Lucas dirigiu o olhar ao filho. Aislinn colocara o bebê-conforto sobre a mesa, onde a criança podia ouvir as vozes deles e fazer parte da refeição. Lucas parecia ponderar as vantagens de ter uma máquina de lavar e uma secadora em casa e não disse mais nada. Um dos nós que apertavam o peito de Aislinn se afrouxou consideravelmente. — Ter um quarto para Tony outra vez será maravilhoso — Arriscou ela, enquanto colocava mais uma colherada de batatas no prato do marido — Não precisarei me preocupar que ele role de cima de algum lugar. Percebeu como ele está ficando ativo? — Ela secou os lábios com o guardanapo e timidamente baixou o olhar — E ele não terá mais de dormir entre nós. Aislinn o percebeu hesitar e levar o garfo à boca. Em seguida, mastigou, engoliu e afastou o prato. — Tenho trabalho a fazer. — Mas fiz uma torta para a sobremesa. — Talvez mais tarde. Desanimada, Aislinn observou-o desaparecer pela porta. Deveria estar satisfeita por não terem travado uma batalha por causa da mobília, mas não podia evitar o desapontamento por Lucas se mostrar tão ansioso em levantar da mesa e partir logo depois que ela se referiu ao fato de dormirem sem Tony entre eles. Desde que se mudaram para a casa nova, por falta de opção, o bebê dormira na cama com eles. Porém, Aislinn duvidava que a presença do filho fosse a razão pela qual o marido não a tocara desde aquela manhã na casa de Alice. Quando não estavam discutindo por alguma razão, ele a tratava com pura indiferença. Raramente lhe dirigia o olhar e, quando o fazia, certamente não refletia desejo ardente. Não que ela o quisesse, afirmou Aislinn para si mesma, enquanto colocava o filho para dormir. Mas a casa ficava a quilômetros do mais próximo vizinho. As noites eram solitárias. Geralmente, Lucas partia logo depois de tomar um rápido café da manhã e, muitas vezes, não o via até a hora do jantar. Com apenas Tony como companhia durante todo o dia, sentia-se ávida por conversar com outro adulto, mas o marido continuava a se mostrar taciturno. Aislinn crescera em uma casa, onde fora desencorajada a expressar as próprias opiniões e não pretendia viver o resto da vida envolta em silêncio. Obstinada, decidiu pegar o touro pelos chifres e não permitir que o sr. Greywolf prosseguisse com aquele mau humor. Colocou Tony para dormir no berço pela primeira vez em semanas. Meia hora depois carregou uma bandeja para a sala de estar. Lucas estava sentado no sofá com vários papéis espalhados pela mesa de centro, fazendo anotações em um caderno de capa preta. Aislinn entrou sem que o marido percebesse, até ligar uma luminária ao lado do sofá. — Obrigado. 118


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— Isso vai ajudá-lo a ler melhor. Como consegue trabalhar com a luz apagada? — Não percebi. Aislinn imaginou se ele não se mostrava reticente em usar a "sua" luminária, embora estivesse sentado no "seu" sofá, porém se absteve de qualquer comentário. — Trouxe sua torta e café fresco — Aislinn pousara a bandeja no extremo da mesa. — De que tipo? — Tipo? — A torta. — Maçã. Gosta de maçã? — Acostumei-me a não ser muito seletivo na prisão. — Então por que perguntou? — Disparou ela. Ignorando a pergunta, Lucas devorou o pedaço da torta em tempo recorde. Ela se repreendeu em silêncio para não ser tão escrupulosa com o gosto do marido por doces. Ao que parecia, aquela preferência não era satisfeita há muito tempo. Dali em diante, incluiria sobremesa nas refeições. Quando acabou de comer a torta, Lucas colocou o prato de lado e voltou a se inclinar sobre os papéis. — Esses papéis são relativos ao rancho? — Perguntou Aislinn. — Não, um processo. Meu cliente... — Lucas se calou ao lembrar que não podia ter mais clientes — Ele, bem, quer saber se pode apelar da sentença de uma ação judicial. — E pode? — Acho que sim. Aislinn observou-o fazer outra anotação em seu caderno. — Lucas, quero conversar com você. Colocando o caderno e a caneta de lado, ele esticou a mão para pegar o café, que estava esfriando. — Sobre o quê? Aislinn se sentou em um dos cantos do sofá e dobrou os pés sob o corpo. — Meu equipamento de fotografia chegou junto com a mobília. Estou ansiosa por voltar a utilizá-lo — Brincando com a franja de uma das almofadas, deixou escapar um suspiro. — Estive pensando, o que acharia de eu transformar o trailer em uma câmara escura? — Os olhos cinza-claros voaram para ela, que se apressou em explicar — Não precisaria fazer uma grande mudança. Já existe uma pia na área da cozinha. Poderia fazer a maior parte da adaptação sozinha. Pense em como seria conveniente tirar fotos de Tony e revelá-las imediatamente, quantas cópias quisermos. Eu poderia fazer ampliações e... — Não sou tolo, Aislinn. — Aquela era a primeira vez que Lucas se referia a ela pelo nome em dias, e ambos estavam cientes disso. Porém, antes que pudessem refletir sobre o assunto, ele prosseguiu: — Tirar apenas fotos de Tony não justifica o esforço de transformar aquele trailer em uma câmara escura. O que mais tem em mente? — Quero trabalhar. Administrar a casa não me mantém ocupada o tempo todo. 119


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— Tem um filho para cuidar. — Um filho maravilhoso, a quem amo e adoro tomar conta e brincar. Mas isso não requer todos os minutos do meu dia. Preciso fazer algo. — Então quer fazer fotos. — Sim. — De quê? Aquela era a parte mais complicada. O maior obstáculo. O que ela mais temera. — Da reserva e do povo daqui. — Não. — Ouça, por favor. Antes de ver com os próprios olhos, não tinha idéia... — Da pobreza — Completou Lucas em tom rude. — Sim e da... — Miséria. — Isso também, mas o... — Da prevalência do alcoolismo, desespero e sensação de impotência — Lucas se ergueu e começou a vagar com passadas raivosas em frente ao sofá. — Acho que sim — Concordou ela em tom suave. — A impotência. Mas talvez, se eu registrasse isso em fotos e meu trabalho fosse publicado... — Não adiantaria — Cortou Lucas. — Mas também não faria mal algum — Argumentou Aislinn, aborrecida por ele ter descartado sua idéia sem nem ao menos ouvi-la — Quero fazer isso. — E sujar sua mãos brancas? — Você também é branco. — Não pedi para ser — Vociferou ele. — E todos os outros são monstros, certo? Por que nunca ridicularizou o trabalho de Gene na reserva? — Porque ele não age como um liberal altruísta que está nos fazendo um grande favor. — E é isso que pensa de mim? — Não acha que sua caridade seria uma ninharia hipócrita? — Como assim? — Viver assim — Disse ele, fazendo um gesto para incluir a casa, bem mais atraente e confortável após as contribuições de Aislinn — Sempre desprezei os índios que lucravam em cima de outros índios. A pele deles pode ser marrom, mas esquecem isso e vivem como brancos, e agora você me transformou em um deles. — Isso não é verdade. Ninguém seria capaz de confundi-lo com algo que não é — Ele lhe virou as costas, mas Aislinn o segurou pelo braço e o girou. — Esforça-se ao extremo para ser um índio. Com exceção de pintar o rosto e participar das lutas, faz tudo que está a seu alcance para que todos saibam que é um bravo índio até a medula dos ossos, apesar de seu sangue branco. Ou talvez por ele. — Estacou para tomar fôlego, mas prosseguiu, empolgada: — Ensinou-me o quanto estava errada. Até agora, pensava 120


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que índios corajosos tinham mente, alma, compaixão, assim como coragem e ousadia. — Aislinn cutucou o peito musculoso com a ponta do dedo indicador — Coisa que nunca terá, Lucas Greywolf. Não tem compaixão porque, para você, isso é um sinal de fraqueza. Pois bem, acho que a teimosia é uma fraqueza muito maior que a ternura. Duvido que sequer a conheça. — Consigo sentir ternura — Defendeu-se Lucas. — E mesmo? Sou sua esposa e nunca vi nenhuma evidência disso. Aislinn colidiu contra a barreira sólida do corpo másculo antes mesmo de perceber que Lucas a segurara e a puxara para perto. O braço forte lhe envolvendo a cintura, enquanto a outra mão pousava em um dos lados de seu rosto, inclinando-o até que quase lhe tocasse o ombro. Em seguida, uniu os lábios de ambos em um beijo suave. A boca de Lucas se movia com delicadeza, estimulando a dela a se entreabrir. A invasão da língua no interior macio da boca de Aislinn era gentil e doce. Tão deliciosa e sexy que a fez estremecer. Quando, antes, os beijos de Lucas eram caracterizados pela violência, aquele era extremamente terno e se prolongou, imitando um ato de amor. Ele utilizava a língua para lhe acariciar o céu da boca. Explorava e provocava até que Aislinn se visse enfraquecida, fechando os dedos em torno do tecido da camisa do marido. Quando, por fim, Lucas interrompeu o beijo, enterrou a face no fragrante vale entre o ombro e o pescoço macio. — Eu não a desejo — Gemeu ele. — Não a desejo. Aislinn roçou o corpo no dele. A virilidade de Lucas contradizia abertamente aquela afirmação. — Sim, deseja. Você me deseja! — Retrucou, enterrando os dedos nos cabelos bastos e lhe erguendo a cabeça. Em seguida, traçou com a ponta do dedo o contorno lustroso da sobrancelha negra e pela rigidez do osso malar até o nariz. Descendo mais um pouco, tocou-lhe o feitio dos lábios — Nunca poderia trair seu povo. O toque do dedo delicado sobre os lábios o enfraqueceu. A fragrância do corpo de Aislinn lhe embotava a mente e o fazia esquecer a miséria que permeava algumas áreas da reserva. A visão das crianças malvestidas foi substituída pelo desejo que viu estampado nos olhos azuis enevoados pela excitação. Não podia mais sentir o gosto da amargura que ò mantinha firme e resoluto. Tudo que podia era saborear o mel dos lábios daquela mulher. Aislinn era o mais perigoso de seus inimigos, porque a munição dela era o encanto. A doçura da esposa o seduzia. O que sentia no fundo de sua alma naquele momento o aterrorizava. Portanto, lançou da arma que estava mais disponível e que também era a mais letal. O cinismo. — Já sou um traidor. Tenho uma mulher branca. Aislinn retraiu-se como se tivesse sido esfaqueada. Afastou-se dele, com os olhos vítreos pela dor. Para evitar que ele visse as lágrimas que os banhavam, Aislinn correu para o quarto, batendo a porta com força. Quando Lucas entrou, quase uma hora mais tarde, fingiu estar dormindo. Não havia mais Tony como empecilho entre eles, mas a hostilidade estava presente, tão vigorosa como uma parede de tijolos que os mantinha separados. O antagonismo continuou a fervilhar entre ambos. No dia que o dr. Gene Dexter se casou com Alice Greywolf, Aislinn se esforçou para manter as aparências, fingindo que sua união com Lucas era feliz. A decoração para a festa não era extravagante, mas a atmosfera festiva tomava conta da casa. Todos os convidados foram pontuais. Aislinn havia sido treinada para dar ótimas festas. Era uma anfitriã graciosa, animada e parecia 121


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estar se divertindo. Porém, não conseguiu enganar a noiva. — Não posso acreditar que finalmente se tornou minha esposa. Gene e Alice viajaram para Santa Fé para passarem a lua de mel. Agora, envolvendo-a com ternura nos braços e lhe acariciando os cabelos negros, o médico mal podia acreditar que seus sonhos viraram realidade. — A igreja estava linda, não achou? — Perguntou ela. — Você estava linda. Mas, afinal, você é linda. — Aislinn teve muito trabalho para organizar a recepção. Não esperava algo tão exuberante. — E uma menina adorável — Murmurou Gene, distraído, enquanto beijava o rosto aveludado de Alice. — Tony parecia irritado. — Aislinn me contou que ele tem chorado mais do que de costume. Recomendei que ela o leve para uma consulta quando voltarmos. — Eles estão infelizes, Gene. O médico deixou cair os braços, enquanto suspirava profundamente. — Não sabia que tínhamos trazido Lucas e Aislinn para nossa lua de mel. — Oh, Gene —Alice abraçou-o pela cintura, recostando o rosto contra o peito do marido. Ele retirara o paletó assim que o camareiro deixara o quarto, mas ainda estavam completamente vestidos — Desculpe-me. Sei que não deveria me preocupar com eles, mas não posso simplesmente varrê-los da mente. Aislinn parece estar andando na corda bamba e Lucas... — Parece uma carga de dinamite pronta a explodir — Terminou Gene — Está mais truculento que nunca. Jamais o vi tão amuado e colérico — Gene soltou uma risada suave contra os cabelos da esposa. — Particularmente, acho que é um bom sinal. — Como assim? — Indagou Alice, erguendo a cabeça. Gene escorregou um dedo pela mandíbula da esposa. — Se ela não o perturbasse, Lucas não estaria tão irritado e defensivo. Acho que a moça o está deixando de um jeito que nenhuma outra o deixou. E isso aterroriza Lucas Greywolf. — Acha que Aislinn o ama? — Sim, sem dúvida. Andei fazendo uma investigação sobre o pai dela. Willard Andrews circula em qualquer junta de governadores e ocupa uma cadeira em todos os comitês de Scottsdale. Uma mulher com tais recursos, cujo pai ocupa esse tipo de posição na sociedade, poderia se opor a um índio solitário e ganhar de goleada. Não interessa que ameaças ele lhe possa ter feito, Aislinn não precisava se casar com seu filho. Sim, acho que ela o ama. — E quanto a Lucas? Ele a ama? Gene franziu o cenho enquanto pensava no brunch em homenagem a ele e Alice. Toda vez que seus olhos se voltaram para Lucas, ele estava olhando para Aislinn. E não era um olhar casual, mas observava-a com total concentração, alheio ao que se passava ao redor. 122


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Agora que pensava sobre aquilo, Gene se lembrou do momento em que Aislinn carregava uma vasilha com ponche para a mesa do bufê que havia arrumado na sala de estar Lucas se precipitara para a frente, como se tivesse a intenção de aliviá-la do fardo, mas estacou abruptamente, parecendo mudar de ideia de repente. Enquanto se despediam, Gene podia apostar que a mente de Lucas não estava focada na mãe e em seu novo marido. Parecia fascinado com a esposa. O corpo se mostrava rígido como se estivesse se contendo para não tocá-la, enquanto ela acenava para o casal, rindo e lhes desejando felicidades. Os cabelos loiros esvoaçando contra o ombro de Lucas. — Em minha opinião profissional, ele está apaixonado — respondeu Gene. — Pode não saber que a ama ainda ou, se sabe, não quer admitir, principalmente para si mesmo. — Quero que eles sejam felizes. — Quero que nós sejamos felizes. Sabe o que me faria delirantemente feliz no momento? — Gene colocou ajunta de um dedo sob o rosto da esposa e ergueu-lhe a cabeça. Beijou-a de modo terno a princípio, e em seguida com crescente paixão. Os braços escorregando para a cintura de Alice para puxá-la contra o corpo. — Alice, Alice — gemeu ele, quando, por fim, interrompeu o beijo — Esperei muito tempo por isso. Não consigo me lembrar de um tempo em que não a desejei, quando não ansiei por Alice Greywolf. — Alice Dexter — Sussurrou ela em tom tímido. Gene percebeu que aquela era a forma que ela encontrara de lhe dizer que compartilhava do mesmo amor e desejo. Ele esticou a mão para os botões traseiros do vestido abricó simples de linho. Rendas e babados iriam engolir uma mulher tão pequena quanto Alice. Como adorno, ela usou um simples par de brincos de ouro, uma corrente de ouro que Gene lhe dera de presente no último Natal e a aliança de noivado que agora se encontrava no dedo anular, esquerdo. Quando completou a tarefa, Gene lhe retirou o vestido. — Não sou mais jovem, Gene — Disse Alice com voz trêmula. — Sou avó. Gene limitou-se a rir e lhe escorregar o vestido pelos ombros. O ofego e o tremor que lhe perpassou o corpo deixavam evidente o deleite que sentia ante a visão do cor po pequeno, bem distribuído e perfeito. A lingerie bege era atraente, sem ser explicitamente sexy. Combinava com a mulher que a usava. Alice era tímida, mas possuía uma sensualidade latente, esperando para ser inflamada. Gene adorava a esposa. Envolvendo-a nos braços com ternura e lhe abrandando o nervosismo causado pela timidez com beijos suaves, Gene lhe removeu o restante da roupa, ergueu-a nos braços e a carregou para a cama, onde a deitou. Alice manteve os olhos fechados, enquanto ele se despia. E, então, Gene se aproximou, tomando-a nos braços, mantendo-a colada ao corpo, enquanto o puro êxtase, tão doce e viscoso quanto o mel, derramava-se sobre ele. Alice estava trêmula. — Alice — Sussurrou ele — Não tema. Apenas a abraçarei por quanto tempo você desejar. Sei que está assustada e por quê. Mas juro, diante de você e de Deus, que nunca faria nada que a ferisse. — Eu sei, Gene. Eu sei. E que faz muito tempo e... 123


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— Eu sei. Não precisa dizer mais nada. Nada acontecerá até que deseje — Ele a manteve cativa em seus braços de maneira protetora, ordenando ao corpo que se mantivesse sob controle. Sabia que tinha de ter uma paciência infinita com aquela mulher, a quem valia a pena tratar com todo o carinho. Por fim, Alice relaxou e ele se aventurou a acariciá-la. A pele era tão macia como o cetim; porém, vibrante. Possuía o corpo de uma mulher vinte anos mais nova. Gene venerou os seios, que ainda eram empinados, firmes e redondos. Quando os tocou, Alice gemeu. Relanceando o olhar ao rosto da esposa, descobriu que o som fora inspirado pelo prazer, e não pelo medo. Os lábios que beijavam os mamilos escurecidos eram tão suaves como a chuva da primavera. Ele a estimulou daquela forma, alternando a excitação com a suavidade, até percebê-la preparada. E então o ato de amor foi extremamente doce, terno e, por fim, selvagem e apaixonado. Mais tarde, segurando-a contra o corpo, Gene suspirou contra os cabelos lisos e pretos. — Se tivesse de esperar mais vinte anos por você, Alice Greywolf Dexter, teria valido a pena. — O mesmo digo eu — retrucou ela, beijando-lhe o peito — Meu amor. *** Lucas fechou a porta do celeiro e passou o trinco. Aquele podia ter sido o dia do casamento de sua mãe, mas em um rancho o trabalho nunca acabava. Tão logo os convidados se despediram, ele vestira seus trajes de trabalho. Estava cansado por ter acordado mais cedo naquela manhã e dirigido até a cidade para o casamento. No dia seguinte, iria receber a visita de um comprador de cavalos. Passara o dia tratando deles. Se fossem adquiridos pelo bom preço que pretendia pedir, talvez conseguisse contratar um ajudante. Talvez tivesse sido melhor não poder mais exercer o direito. Não conseguiria dar conta de um rancho e um escritório de advocacia ao mesmo tempo. Amava trabalhar a terra e com a criação de cavalos porque pertenceram a seu avô. Gostava da labuta ao ar livre. Não se importava sequer com o longo expediente. No entanto, sentia falta de praticar a advocacia. Sempre apreciara uma boa briga. Quando amadurecera a ponto de saber que esbravejar não resolvia nada, a sala do tribunal havia-lhe servido de arena. Saíra-se um excelente gladiador nos tribunais. Sentia falta das escaramuças jurídicas e a satisfação de ter feito seu melhor, ganhasse a causa ou não. Retirou a camisa e se encaminhou à torneira que havia do lado de fora da casa. Jogou água sobre a cabeça, pescoço, ombros, braços e peito para retirar a camada de poeira e suor. Todas as vezes que se lembrava da gentileza de amigos como Johnny Deerinwater, um nó de emoção se formava em sua garganta. Sem eles, não teria aquela casa. Levaria anos para que pudesse concluí-la em seu tempo livre, sem mencionar o dinheiro que iria custar. Ele e Aislinn... Danação! Odiava quando a mente automaticamente os unia. Aislinn e eu. Nós. Não gostava sequer de pensar nos dois como uma unidade, mas o cérebro teimoso persistia em fazê-lo. Furioso com o deslize mental, contornou a casa. Se tivesse colidido contra uma 124


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parede, não teria estacado de modo mais abrupto. Encontrava-se parado apenas alguns metros da janela aberta do quarto do casal. Aislinn caminhava lá dentro. Podia ouvir o ruído dos passos e a sombra que se projetava nas paredes, enquanto ela se deslocava. A área retangular iluminada parecia convidativa em meio à escuridão que circundava a casa. Acenava em sua direção como um farol atraindo um navegante, embora considerasse aquilo uma invasão à privacidade de Aislinn. Não é capaz de parar de pensar como um tolo? Aquela mulher é sua esposa. Ainda assim, sentia-se um tanto envergonhado por bisbilhotar. Ainda mais quando ela entrou em sua linha de visão outra vez... E começou a se despir. Lucas permaneceu imóvel entre as sombras, incapaz de mover sequer um cílio. Assistiu enquanto ela desabotoava um dos punhos da blusa de tecido fino e transparente. Por mais que se esforçasse para não notar, tinha de admitir que, naquele dia, Aislinn estava mais linda do que nunca. A blusa que usara tinha o corte de uma camisa masculina, exceto pelas mangas mais bufantes e os punhos mais longos. As pontas do colarinho se estendiam até o peito. Os botões eram pequenos e perolados. Quando ela se inclinou para desabotoar os do punho, os cabelos caíram em uma cascata dourada para frente. Desejava simplesmente enterrar o rosto neles para sentir a maciez dos fios contra a pele. Sabia qual era a sensação de esfregá-los no abdome. E se fizesse o mesmo em suas coxas? Seu... Bastardo! Nem pense nisso. Quando Aislinn retirou a blusa, coisa que fez com uma provocadora falta de pressa, brindou-o com a visão irrestrita da lingerie que o provocara durante todo o dia. Com alças finas, a peça de renda era feminina e lhe sustentava os seios fartos como se os venerasse. Os montes cor creme se elevavam sobre a margem, extremamente atraentes à luz da luminária. Deus! Queria saboreá-la naquele lugar. A lingerie não era transparente o suficiente, já que fora desenhada para ser usada por baixo da blusa. Mas até mesmo daquela distância, Lucas imaginou ver os círculos escuros dos mamilos através do tecido e imaginou seus lábios os envolvendo. A saia era da cor do céu do Oriente, antes do amanhecer. Era feita de um tecido farfalhante que o deixara desorientado durante todo o dia ao observá-lo ondular contra o corpo de Aislinn. Prendeu a respiração, quando ela esticou as mãos para trás à procura do fecho. Em seguida, a peça escorregou pelos quadris e revelou as pernas compridas que se encontravam envoltas por meias de seda bege. Lucas soltou um xingamento entre dentes e esfregou as palmas das mãos úmidas nas coxas. Aquele corpete era irresistível. Ligas rendadas prendiam-lhe as meias de seda, que Lucas supusera serem meias-calças. Entre o topo das meias e a lingerie body, as coxas tinham uma aparência macia e quente como o veludo. Ele se imaginou... Droga! O que estava fazendo ali do lado de fora, cobiçando a própria esposa como se fosse um pervertido? Se a desejava tão intensamente e seu corpo lhe dizia que "intensamente" era um termo que não chegava próximo de descrever o quanto a queria, por que não entrava e a possuía? Aislinn lhe pertencia, certo? Estavam legalmente unidos e tinha direitos conjugais, não tinha? Portanto, mexa-se, maldito. Vá até lá e tome o que é seu. Mas Lucas não obedeceu ao comando do corpo, pois sabia que seria demasiado arriscado. Se pudesse possuía-la sem envolver sentimentos, utilizaria o corpo de Aislinn para livrar o dele daquela febre feroz. Seria rápido, indolor e logo esquecido, até a próxima vez que sentisse a mesma necessidade física. Mas não seria assim. Aquela mulher o enfeitiçara. De alguma forma, havia aberto caminho através de sua mente e 125


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coração. O que ele estava pensando e sentindo acabava por interferir no que seu corpo desejava. Seu sexo não podia tomar parte naquilo sem envolver a cabeça. Lembrava-se constantemente daquela manhã no topo da montanha. Aislinn subira até lá para confortá-lo, quando certamente teria todas as razões do mundo para fugir dele. Recordava-se do semblante dela, enquanto ele se movia dentro daquele corpo macio. Nos momentos mais inoportunos, quando queria destilar toda sua amargura sobre Aislinn, lembrava-se dela carregando seu filho e a forma amorosa como cuidava de Tony. Sem contar as gentilezas que lhe fazia, como, por exemplo, manter o café aquecido em sua caneca sem que lhe pedisse. E a forma com que algumas vezes o esperava na varanda, quando ele retornava montado a cavalo após um dia exaustivo de trabalho. Aislinn sempre sorria, como se estivesse feliz em vê-lo. O que mais o confundia era não saber por que ela o tratava com tal consideração e ternura. Não conseguia atinar qual seria o motivo. Aislinn tinha todas as razões do mundo para odiá-lo. Se ela demonstrasse apenas ressentimento em vez de compreensão, a vida seria infinitamente mais fácil. Poderiam até mesmo ter uma sessão de sexo selvagem de vez em quando para aliviar a tensão. Mas, daquela forma, o sangue de Lucas fervia. Enquanto a observava através da janela, ele sentia a temperatura do sangue subir ao ponto de ebulição. Aislinn não estava mais em sua linha de visão, mas percebia, pe las sombras projetadas na parede, que estava removendo as meias. Ela pousou um dos pés sobre a beirada da cama, desprendeu a liga e rolou a meia pela perna com vagarosidade estudada. Em seguida, procedeu com o mesmo ritual na outra perna. Lucas observou, transfixado, quando ela retirou as alças, da lingerie pelos ombros e remexeu o corpo até que escorregasse. Pisou graciosamente para fora da peça rendada e, quando se empertigou, a sombra mostrava o perfil de Aislinn. Tudo era perfeito, dolorosamente projetado na parede. Lucas deixou escapar uma série de obscenidades. Por que Aislinn não discutia com ele? Sentiria pena dele? Seria isso? Ou se sentia na obrigação de ser uma esposa exemplar? Muito bem, por Deus, não precisava de sua generosidade. Só então Lucas se moveu, girando nos calcanhares e pisando firme em direção aos fundos da residência. Irrompeu pela porta, quase não se lembrando de trancá-la ao adentrar a casa, desligando as luzas por onde passava por força do hábito. Quando transpôs a porta do quarto, estava enlouquecido. — Que diabos pensa estar fazendo? — rosnou ele. Aislinn ergueu os olhos arregalados com uma inocência desanimada, o que a fazia parecer ainda mais culpada do que era. Encontrava-se sentada na cadeira de balanço. Uma madonna. Os cabelos loiros cascateando sobre os ombros. Uma das laterais da camisola estava aberta e Tony se alimentava avidamente em seu seio. — Estou dando de mamar a Tony — respondeu ela. Lucas, sustentando o peso em um dos braços, que mantinha apoiado contra o batente da porta, parecia pronto para uma briga. Sem camisa, a pele recentemente lavada brilhava à luz da luminária. Os cabelos negros estavam úmidos e enrolados. A cruz que lhe pendia do pescoço captava a luz e faiscava quase tanto quanto os olhos cinza. Ele percebeu que parecia um palhaço e desviou o olhar da esposa, fixando-os na cama. A lingerie e as meias se encontravam espalhadas sobre a colcha como se fossem recordações de uma indolente tarde de amor. A visão inflamou-o ainda mais. 126


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— Da próxima vez, pense duas vezes antes de desfilar seminua em frente a uma janela aberta com a luz acesa. — Não sei do que está falando. Apontando para a janela com um dedo trêmulo de raiva, ele disparou: — A janela, danação, a janela. Não se dispa em frente à janela. — Oh — Disse Aislinn, seguindo a direção do dedo do marido — Não prestei atenção. — Sim, mas, daqui em diante, preste. — Mas não havia ninguém do lado de fora que pudesse me ver. — Eu estava lá — Gritou Lucas — Podia vê-la desde que saí do celeiro. — Podia? — Diabos, sim, podia. — Mas você é meu marido. Havia apenas um discreto traço de deboche na voz de Aislinn, mas era tão leve que ele temeu confrontá-la por aquele motivo. Estava pronto para um combate corpo a corpo, mas não para a uma guerra de nervos. Na verdade, seus nervos nunca estiveram tão abalados. Tampouco se encontrara tão fora de controle. De uma maneira completamente diferente, ela parecia tão tentadora no momento quanto há poucos minutos, despindo-se sem malícia em frente à janela. O sangue latejava na cabeça e no sexo de Lucas. — Vou tomar um banho — Disse em tom conciso e deixou o quarto antes de se envergonhar ainda mais. Quando Lucas saiu do toalete, ela estava no quarto contíguo, colocando Tony no berço. — Deixe-me segurá-lo um pouco — Disse Lucas, consideravelmente mais calmo. A pele ainda úmida, com gotas de água coladas à superfície bronzeada. Encontrava-se nu, com exceção de uma toalha enrolada em torno dos quadris, que em muito se parecia com a tanga que seus ancestrais usavam. Parecia primitivo e perigoso, não fosse o olhar terno que lançou ao filho quando o ergueu e o aproximou do rosto. Dizendo palavras amorosas em Navajo, que se recordava de sua infância, beijou o rosto miúdo de Tony e o colocou no berço. A criança adormeceu instantaneamente. — Parece tão tranqüilo agora — Comentou Aislinn, com um suspiro cansado — Gostaria que ele dormisse até amanhã de manhã. Estou exausta. — Por que ultimamente ele está acordando tantas vezes durante a noite? — Não sei. Gene lhe fará um check-up quando eles voltarem da lua de mel. Oh, quase esqueci isso — Disse ela, enquanto entravam no quarto do casal. Em seguida, pegou um envelope que se encontrava no armário e lhe entregou. — Isso chegou pelo correio hoje. É para você. Lucas estudou o envelope alguns instantes antes de abri-lo. Ela fingiu desinteresse, embora estivesse comichando de curiosidade. O remetente era o diretor do presídio onde Lucas estivera encarcerado. Após lê-la, Lucas dobrou outra vez a carta e a recolocou no envelope. A expressão era impassível, e Aislinn não conseguiu conter a impaciência. 127


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— É algo importante? Lucas deu de ombros em um gesto negligente. — O diretor Dixon acha que eu deveria ser inocentado. Ele acredita que conhece os responsáveis pela violência que explodiu naquela manifestação. Foram julgados culpados e sentenciados por crimes similares. Se conseguir que esses homens assinem um depoimento juramentado me inocentando, acha que pode convencer um juiz a me absolver. — Lucas, isso é maravilhoso! — Gritou Aislinn. — Isso significaria lhe devolver o direito ao exercício de sua profissão. Lucas retirou a toalha dos quadris e se encaminhou à cama. — Aprendi a não confiar em promessas. Principalmente de um branco. Aislinn deitou-se ao lado dele. As palavras rudes não a enganavam. Percebera-lhe a expressão segundos antes de ele desligar a luz. Lucas podia fingir indiferença diante do inesperado fio de esperança, mas não era verdade.

Capítulo Onze

Aislinn aprendera onde ficavam localizados os piores buracos no pavimento da estrada e como evitá-los. Recentemente, Johnny e Linda Deerinwater viajaram a Scottsdale e se ofereceram para trazer seu carro quando retornassem. Ela e a picape de Lucas nunca haviam chegado a um consenso, portanto era um alívio voltar a dirigir o próprio carro. Enquanto guiava o veículo pela estrada de pavimento irregular em direção à casa, mal notava a ondulação na camada de piche. Estava contente por vários motivos e, quando viu Lucas se aproximando, montado em um cavalo preto e branco para encontrar ela e Tony, ficou ainda mais animada. Aislinn freou o carro e retirou o bebê da cadeira de criança ao mesmo tempo em que Lucas atirava as pernas compridas, por sobre a sela e desmontava. — Demoraram mais do que eu esperava — Disse ele. Aquilo significaria que estava preocupado com ela? Imaginou Aislinn. Ou apenas com Tony? Gostava de pensar que estava incluída. — A clínica de Gene estava lotada. Há uma virose disse minada por esta região. Ele e Alice pareciam muito ocupados. — Como eles estão? Aislinn sorriu. Os olhos brilhando, maliciosos. — Radiantes. Sempre achei sua mãe bonita, mas espere para vê-la agora. Está deslumbrante. E Gene não apaga aquele sorriso vigoroso dos lábios. Lucas sorriu e acariciou o queixo de Tony. Segurava as rédeas do cavalo com a 128


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outra mão. — O que Gene disse de Tony? — Está resfriado. Na verdade, Gene disse que era algo nas vias respiratórias superiores. Receitou um xarope descongestionante que irá solucionar o problema em poucos dias. — E por isso que ele tem chorado tanto? — Não é só isso. Há outra coisa. — O quê? — indagou com a testa franzida. — Tony está com fome. — Com fome? — Sim — Respondeu Aislinn, corando sob o bronzeado que adquirira — Está achando meu leite insuficiente. Gene sugeriu que eu introduza uma fórmula infantil, frutas e cereais. Lucas mudou o peso do corpo de um pé para o outro. — Então, não irá, bem... Amamentá-lo mais? — Aislinn manteve o olhar fixo nos botões da camisa do marido e confirmou com um gesto de cabeça — E o que acha disso? — Sentirei falta, mas claro que quero fazer o que for melhor para Tony. — Claro. — Passei no armazém e comprei algumas latas da fórmula que Gene prescreveu e comida para bebê. — Uma criança tão pequena pode comer isso tudo? — Indagou Lucas, incrédulo. Aislinn lhe seguiu o olhar até a parte traseira do carro e riu quando percebeu as caixas de papelão pousadas lá. — Apenas parte disso. A maioria daquelas caixas contém as substâncias químicas que encomendei — Interpretara ó silêncio de Lucas sobre o assunto referente à câmara escura como um consentimento e tomara as providências para transformar a área da cozinha do trailer. Para sua surpresa, certa manhã saíra da casa para descobrir Lucas pintando o trailer. E, antes que pudesse perguntar, ele se adiantara em tom queixoso. — Estou utilizando a tinta que sobrou da casa. Não há sentido em desperdiçá-la. — Porém, além de pintá-la, fez alguns reparos que fizeram a casa portátil tornar-se mais habitável. — Não conseguirei processar filmes coloridos — Explicou ela, mas posso trabalhar com fotos em preto e branco. Pensei em começar com os instantâneos que tirei na recep ção do casamento. Se ficarem bons, farei cópias ampliadas e darei a Gene e Alice. Convidei-os para jantar em breve. — Ótimo. — E tirei algumas fotos na cidade hoje. Sabe aquele conjunto habitacional, onde as condições são péssimas? Com expressão séria, Lucas confirmou com um gesto de cabeça. — Muito bem. — Havia algumas meninas brincando sob um varal de roupas. Acho que tirei 129


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ótimas fotos, mas levarei algum tempo para recuperar a prática. — E o que fez com Tony? — Ele estava no banco traseiro do carro, na cadeira de criança — Aislinn dirigiu um sorriso ao marido. — Como um pequeno índio, bom e comportado. Os lábios de Lucas tremeram ao tentar disfarçar o sorriso. Ele o conteve até onde pôde, mas por fim a vontade foi maior que a teimosia e a face austera se iluminou com um amplo sorriso que entonteceu a esposa. Os dentes eram perfeitos e brancos em contraste com o rosto moreno. — Não quero que o neto de um cacique seja criado como um maricas. Lucas tomou o menino dos braços de Aislinn e o ergueu, girando-o em direção ao cavalo, que permanecia documente parado. — O que está fazendo? Lucas, você não... —Já está na hora de Anthony Joseph Greywolf ter uma lição de equitação. — Não se atreva! — Gritou Aislinn. Indiferente aos protestos da esposa, Lucas segurou a criança no braço direito e utilizou a mão esquerda para segurar a parte mais alta da sela e dar impulso para montar. Com um movimento ágil e suave, em um segundo ele e Tony estavam sentados sobre o cavalo. O bebê movimentava as mãos miúdas de contentamento. — Lucas, dê-me esse bebê antes que você quebre o pescoço dos dois — Disse Aislinn em tom austero. Inconscientemente, pousou ambas as mãos na coxa musculosa para detê-lo. Lucas dirigiu-lhe um olhar provocante. — Podemos cavalgar para casa? — Lucas! Manobrando as rédeas para o lado, ele instigou o cavalo com os joelhos. O animal imediatamente se pôs em movimento. Aislinn levou as mãos à cintura e lançou um olhar furioso às costas do marido. Mas muito daquela expressão era fingida. Na verdade, seu coração nunca estivera tão pleno de amor. Vários dias após desmamar Tony, Aislinn sentia-se incomodada e, a criança, irritada. Porém, ele acabou por gostar da fórmula láctea. Seu filho era bastante efusivo na hora de fazer as refeições, espirrando papa de frutas com cereal nela, em Lucas e no que estivesse dentro do diâmetro de um metro. Ainda assim, tinha um apetite voraz e, dentro de pouco tempo, Aislinn percebeu que o filho estava ganhando peso. Lucas recebeu outra carta de Dixon. O diretor do presídio estivera em conferência com um juiz e fazia progressos no processo da absolvição de Lucas. Aislinn acreditou. Lucas guardou sua impressão sobre o assunto para si mesmo. Graças ao trabalho árduo de Lucas, o rancho prosperava. Pelas colinas no entorno do rancho, ele reuniu uma abundante manada de cavalos que ostentavam a marca Greywolf, mas que haviam se desgarrado desde a morte de Joseph. Muitas das éguas estavam prenhes e, aquelas que não estavam, eram inseminadas artificialmente. Uma prática à qual o avô era resistente. Os Greywolf eram afortunados por terem um córrego que descia das montanhas de uma das laterais de suas terras. A água era a mais valiosa mercadoria por aquelas paragens. Joseph nunca vendera o direito às águas por uma questão de princípio, mas 130


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Lucas pensava que o que era bom para um era bom para todos. Havia vários ranchos pequenos, não apenas indígenas, que agora pagavam pela água do rancho Greywolf. Tampouco Lucas não se permitia se afeiçoar aos cavalos a ponto de não querer vendê-los, como fazia o avô. Os compradores dos cavalos Greywolf pagavam um bom preço. Lucas era um negociante justo, porém astuto. Todos os dias, Aislinn passava algumas horas em sua câmara escura no trailer e sempre levava Tony com ela. Colocava-o em um cercado que comprara em uma loja de segunda mão. Após pintar a armação e forrá-lo com um acolchoado, ficou como novo. Certa tarde, ela estava trabalhando na câmara escura, experimentando algumas técnicas diferentes, quando ouviu o ruído distante de um trovão. A princípio, não deu importância. Seus ouvidos estavam treinados para escutar todos os sons produzidos pelo filho e se desligar das demais distrações. Os trovões se tornaram mais fortes, anunciando uma tempestade iminente. Transpondo as cortinas que cercavam o núcleo da câmara escura, Aislinn penetrou no que antes fora a sala de estar do trailer. Tony se encontrava adormecido no cercado. Surpresa, ela se deu conta do quanto era tarde. Quando consultou o relógio de pulso, constatou que estava apenas no meio da tarde, embora a escuridão lá fora desse a impressão de haver anoitecido. Encaminhou-se à porta do trailer e olhou através da janela em formato de diamante. Nuvens escuras assomavam sobre as montanhas. Seu primeiro pensamento foi para Lucas. O marido partira a cavalo logo cedo pela manhã, dizendo que iria para as mais altas elevações para ver se conseguia achar mais alguns dos cavalos que haviam se desgarrado. Assustada com o iminente temporal, desejou que ele retornasse em breve. O vento começava a soprar forte. Redemoinhos de poeira se erguiam do amplo pátio entre o trailer e a casa. Decidiu esperar por Lucas em vez de se arriscar com Tony e toda a parafernália do bebê em direção à casa. Além disso, a tempestade desabaria a qualquer instante. Após verificar como estava o filho, voltou à câmara escura e mergulhou outra vez no trabalho. Foi necessário um solavanco para deixá-la em alerta. O trailer oscilou com uma rajada de vento que o atingiu como o soco de um pugilista. Aislinn ouviu o filho choramingar. Rapidamente, deixou a câmara escura. O trailer se encontrava iluminado por uma luz frouxa esverdeada. Tony começou a chorar e ela se precipitou em direção à porta e a entreabriu, porém o vento a arrancou de sua mão, fazendo-a colidir violentamente com a parede externa do trailer. Os pingos da chuva lhe atingiam a pele exposta como agulhas. Aislinn desceu um dos degraus de concreto e esticou a mão para a porta. O granizo a fustigava e, em segundos, o chão do pátio adotou uma tonalidade branca, coberto por ele. Aislinn lutava com toda a força para fechar a porta. Nuvens negras pairavam acima. O céu estava completamente tomado delas, parecendo tão opaco quanto uma cortina de veludo. Descargas elétricas desciam das nuvens para atingir o chão, ziguezagueando até desparecerem outra vez. Os trovões rugiam tão alto que ela mal conseguia ouvir o choro de Tony. Por fim, Aislinn conseguiu fechar a porta, embora aquilo requeresse toda sua força. Agachada pela fadiga, ela praticamente engatinhou até o cercado, de onde retirou o filho. Não havia percebido que suas roupas estavam molhadas até aconchegá-lo ao corpo. Os cabelos se encontravam colados ao couro cabeludo e pingavam sobre a criança. — Shh, shh, Tony, tudo ficará bem — Cantarolava Aislinn, querendo acreditar no que dizia. 131


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Onde está Lucas? Fechou os olhos com força e imaginou-o cavalgando em meio ao temporal, com o vento, a chuva e o granizo o atingindo, inclementes. A cada vez que uma rajada de vento sacudia o trailer, Aislinn temia que a casa portátil tombasse, esmagando Tony e ela. Podia ouvir os entulhos batendo contra a parede externa e temia que algum atingisse a janela, quebrando-a a qualquer momento. Tony choramingava e ela o colou aos seios, mas aquilo não serviu para consolá-lo, pois a criança podia sentir o medo da mãe. Aislinn caminhava de um lado para o outro da sala, encolhendo-se cada vez que ouvia a queda de um raio por saber que algum deles poderia atingir o trailer facilmente. — Lucas, Lucas — Cantarolava Aislinn. Teria o cavalo se assustado e o atirado da sela? Estaria caído, inconsciente, em algum lugar? Teria tombado sobre alguma fenda e quebrado a perna? As aterrorizantes possibilidades eram infindáveis, embora ela conseguisse pensar em cada uma delas. Pressionou a face no topo da cabeça do filho e a banhou com suas lágrimas. Sentia-se pequena e insignificante. A ira de Deus era apavorante e Ele a estava expressando claramente. O que Lhe importaria se uma mulher com seu filho perecessem em uma tempestade de sua autoria? A espera era a pior parte. Porém, o que mais poderia fazer? Cruzar a clareira em direção à casa seria arriscado até mesmo se estivesse sozinha. Carregar Tony, protegendo-o em seus braços, tornaria a travessia impossível. O chão virará um mar de lama, incapaz de absorver o granizo com rapidez suficiente. A visão seria obstruída pela escuridão que se instaurava entre os lampejos de luz dos raios e poderia se perder facilmente. Por que não deixara o trailer quando percebera os primeiros sinais da iminente tempestade? Ficaria amedrontada no interior da casa, mas certamente estaria mais segura do que no trailer. Porém, auto-recriminações seriam inúteis àquela altura. Segurando o filho contra o corpo, ela o balançou, cantarolando distraidamente, esperando que o destino se encarregasse dos dois. Quando ouviu as primeiras batidas, Aislinn pensou que fossem mais entulhos colidindo contra o trailer, mas, ao ouvir seu nome sendo chamado, deixou escapar um grito de alívio e cambaleou em direção à porta. — Lucas! — Abra a porta — Gritou ele. Segurando Tony em um dos braços, ela conseguiu destrancar a porta desajeitadamente e Lucas quase caiu dentro do trailer, propelido pelo vento. Aislinn colapsou contra ele, soluçando incontrolavelmente. Apenas a força do corpo musculoso de Lucas impediu que os três se esparramassem no chão. Repetindo o nome dele incessantemente, ela se colou à segurança do corpo do marido. A camisa de Lucas estava ensopada e aderida ao peito e, as botas, cobertas de lama. O chapéu, seguro à cabeça pela fita de couro atada sob o queixo, pingava água. Porém, nunca tivera melhor aparência para Aislinn. Permaneceram abraçados por um longo instante, alheio à chuva que jorrava como uma tromba d'água pela porta aberta. Entre eles, Tony se agitava e berrava. Lucas pressionou a face da esposa contra seu pescoço e lhe esfregou as costas com a mão até que os soluços cedessem. 132


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— Está ferida? — Indagou ele por fim. — Não. Estou bem. Apenas assustada. — E Tony? — Ele está bem, mas também se assustou quando percebeu que eu fiquei apavorada. — Aislinn mordeu o lábio inferior com força para impedi-lo de tremer. — Pensei que algo de ruim lhe tivesse acontecido. — Aconteceu. Fui pego no meio da tempestade — disse ele. — Vi quando ela se formou, mas não consegui voltar a tempo. O cavalo torceu uma pata e tive que trazê-lo de volta. O animal estava relutante e assustado. Aislinn tocou-lhe a face. Estava úmida, mas ela sequer percebeu. — Pensei que estava perdido ou caído em algum lugar. Não sei o que aconteceria a nós sem você. — Fiquei apavorado quando cheguei em casa e descobri que você e Tony não estavam lá. — Lucas afastou uma mecha de cabelos úmidos da boca da esposa, tocando-lhe os lábios — Mas estamos todos seguros. Agora nosso único problema será atravessar a clareira até a casa. Não acredito que este trailer resista por muito tempo. Estaríamos mais seguros do lado de fora do que aqui. Acha que consegue? — Aislinn anuiu sem nem ao menos considerar o perigo. Lucas estava lá e se sentia segura outra vez — Tem algo no qual possa enrolar Tony? — Perguntou ele. Aislinn estocara algumas mantas extras no trailer e, enquanto Lucas avaliava a tempestade através da porta, planejando um caminho menos exposto, ela enrolava a criança em várias delas até que parecesse uma múmia viva. Ignorou-lhe os berros, pois sabia que, uma vez alimentado, seco e calmo, Tony voltaria a ficar bem. Lucas pegou outra manta e colocou sobre a cabeça de Aislinn, atando-a sob o queixo. — Isso não a protegerá muito, mas é melhor que nada. Agora — prosseguiu, segurando-a pelos ombros e a fitando diretamente nos olhos — Sua única função será segurar Tony. Eu faço o resto — Ela anuiu. — Muito bem, vamos. Aislinn nunca se lembraria dos detalhes daquela jornada, que geralmente não levava mais que sessenta segundos. Em sua mente, sempre estaria embotada em uma mistura de vento, chuva, raios e medo. Tão logo pisaram fora do trailer, seus sapatos ficaram presos na lama. Quando ela tentou pegá-los, Lucas gritou para que os deixasse para trás e Aislinn refez o restante do trajeto descalça. Escorregava e se desequilibrava no chão deslizante, mas os braços fortes de Lucas a impediam de cair. Segurava Tony contra o corpo com força tal que temia lhe quebrar as costelas. Mantinha a cabeça baixa e os olhos fechados na maior parte do tempo. Por fim, a canela colidiu contra algo e ela percebeu que se tratava da varanda da casa. Com a ajuda de Lucas, cambaleou pelos degraus e penetrou na proteção da projeção do teto. Ele abriu a porta da frente e a empurrou para dentro. Em seguida, a recostou à parede e, enquanto Aislinn recuperava o fôlego, retirou o chapéu e as botas e os atirou na varanda. Em seguida, desamarrou a manta que colocara sobre a cabeça dela e a jogou para junto das botas e do chapéu. — Não se mexa — Disse por fim, em tom austero — Vou pegar um cobertor. Descalço, Lucas se encaminhou ao quarto, deixando um rastro de água por onde passava. Enquanto o esperava, Aislinn retirava as mantas que envolviam Tony. — Meu menino corajoso — Disse, erguendo-o para lhe beijar a face — Você e seu pai são muito corajosos. 133


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Lucas retornou e atirou um cobertor sobre os ombros da esposa, envolvendo-a no tecido aconchegante. — Meus dentes não param de bater — comentou Aislinn, sem saber o que dizer. — Percebi. Venha, vamos nos apressar em secar Tony. Depois, cuidaremos de você — Juntos, correram em direção ao quarto da criança. A casa estava sem eletricidade, mas Lucas trouxera com ele duas velas do quarto do casal que até então serviam apenas como peças decorativas. Sob a luz bruxuleante, Aislinn despiu a criança e a secou. Enquanto isso, Lucas foi até a cozinha, aqueceu uma mamadeira e, quando voltou ao quarto, ela estava colocando Tony no berço. — Deixe-me alimentá-lo enquanto você toma um banho de água quente. Já abri uma das torneiras. Leve uma vela. — Para evitar que o bebê seco se molhasse outra vez, Lucas retirou as roupas, enquanto falava. Em seguida, pegou a toalha com que Aislinn secara Tony e a jogou sobre o peito. Então, ergueu a criança do berço e levou-o para a cadeira de balanço. Em outra ocasião, a visão do índio forte e nu, sentando em uma cadeira de balanço, oferecendo uma mamadeira ao bebê, seria hilária. Porém, Aislinn ainda se encontrava demasiado nervosa pelo medo que sentira para notar a comicidade daquela cena. — Não esqueça o remédio dele — Lembrou ela, gesticulando em direção ao frasco que Gene lhe dera para a congestão do bebê. — Não esquecerei. Percebendo que Tony se encontrava em mãos capazes, Aislinn deixou o quarto do filho para tomar um banho. Passara-se quase meia hora quando saiu do toalete, carregando uma vela na mão. Havia imergido na banheira até que a água quente lhe cobrisse os ombros. O calor se espalhara agradavelmente por seu corpo, afastando o frio e lhe abrandando os nervos abalados. Antes de sair, lavara os cabelos. Penteou-os e os deixou secar naturalmente. Em seguida, vestiu um robe de tecido atoalhado. Encaminhou-se ao quarto de criança e encontrou Tony profundamente adormecido. Pousou a mão na cabeça do filho, com lágrimas lhe banhando os olhos. Ele era demasiado precioso, não podia imaginar a vida sem Tony. Como fora vazia e estéril sua existência antes de ser abençoada com aquele filho. Pediu a Deus que desculpasse sua momentânea falta de fé no trailer. Ele a havia agraciado quando lhe dera Tony, trouxera-os em segurança em meio àquela terrível provação. Nunca mais poria em dúvida a graça e a bondade de Deus. Deixou a criança adormecida e saiu pé ante pé pela escuridão do quarto, iluminado apenas pelos ocasionais lampejos dos raios e a luz fraca e trêmula da vela que ela carregava. Lucas se encontrava na cozinha, parado era frente ao fogão, mexendo alguma coisa em uma panela com cabo. Quando Aislinn entrou, ele girou. Embora não tivesse feito barulho algum, Lucas sabia que ela estava lá. — Sabia que esse velho fogão a gás serviria para alguma coisa. Alguns dias atrás estava pensando em lhe comprar algo melhor para facilitar sua vida na cozinha. — Gosto dele. — Lucas vestira um jeans seco, mas o peito ainda estava nu. Os cabelos negros começavam a secar. Aislinn esperava que ele nunca tivesse vontade de cortá-los curtos. Amava a forma como reluziam cada vez que ele movimentava a cabeça. 134


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— O que está fazendo? — Chocolate quente. Sente-se. Aislinn pousou a vela na mesa e puxou uma cadeira. — Não tinha noção de que você sabia cozinhar. Lucas entornou o líquido fumegante em uma caneca e desligou o fogo. — É melhor provar antes de fazer julgamentos apressados — Disse ele, entregando-lhe o recipiente. Aislinn sorveu um gole, cautelosa, por estar muito quente. Era espesso, doce e delicioso. A quentura lhe desceu pela garganta, pousando em seu estômago e a aquecendo por inteiro. — Está divino, obrigada. — Quer comer algo? — Não. — De repente, Aislinn ergueu a cabeça e o fitou. — E você? Posso cozinhar... — Fez menção de se erguer da cadeira, mas Lucas lhe pousou as mãos nos ombros. — Não estou com fome. Beba seu chocolate. — Lucas a soltou e caminhou silenciosamente até a janela. — A tempestade está se afastando. A chuva ainda caía, mas o vento diminuíra consideravelmente. Os trovões soavam como tambores longínquos e os raios pareciam menos sinistros. Aislinn ergueu a xícara de chocolate, levou-a aos lábios e sorveu vários goles. Tentou beber todo o conteúdo, mas o nó que se formara em sua garganta não permitiu. Não conseguia desviar o olhar do marido. O perfil se encontrava fortemente delineado contra a janela cinza, fazendo-a reconhecer o quanto ele era belo. O trauma daquele dia a abalara. As emoções a assaltaram. De repente, começou a tremer de tal maneira que o chocolate entornou, queimando-lhe os dedos. Aislinn pousou a caneca na mesa, mas não conseguiu conter um gemido de dor que lhe escapou dos lábios. — O que foi? Aislinn não respondeu, pois sabia que sua voz soaria como um grasnido se tentasse falar. Pressionando os dedos fortemente contra os lábios, tentou conter a onda de emoção que parecia determinada a explodir. —Aislinn? — A preocupação na voz de Lucas foi a gota que faltava. Lágrimas explodiram através da barreira de seu orgulho e falsa coragem. Os ombros sacudindo pelos soluços, enquanto ela enterrava o rosto nas mãos. — O que você tem? Alguma coisa errada? Está ferida? — Lucas se ajoelhou em frente a ela, escorregando as mãos para cima e para baixo sobre os braços e ombros da esposa, como se procurando por feridas. Aislinn baixou as mãos, mas as lágrimas continuaram a lhe rolar pelo rosto. — Não, não estou ferida. Eu... Eu não sei por que estou fazendo isso — Gaguejou ela. — Acho que estou tendo uma reação tardia. Fiquei tão assustada. — Aislinn se dissolveu em outro surto de lágrimas. Ele esticou a mão e lhe tocou os cabelos. — Não chore — Sussurrou Lucas. — Está tudo bem. Um dos lados do rosto de Lucas se encontrava obscurecido pela escuridão, mas a luz da vela iluminava o lado oposto. Aislinn estendeu as duas mãos em direção a ele, 135


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suplicante. — Tive medo de não vê-lo nunca mais. Não sei como sobreviveria se algo lhe acontecesse. — Aislinn... — Mais que o medo que sentia pela minha segurança e a de Tony, temia pela sua. — Ela escorregou as mãos sobre a cabeça do marido, deixando-as vagar até os bíceps desnudos, antes de lhe tocar o rosto outra vez. — Eu estava seguro. — Mas eu não sabia — Retrucou ela, em desespero. Lucas pressionou três de seus dedos contra os lábios macios para que cessassem de tremer. — Estava aflito para voltar para você também. — Estava? — Fiquei preocupado. — Os dedos longos se moveram pelas feições delicadas, explorando-as como Aislinn fazia com as dele. — Lucas? — O quê? Inclinando-se para a frente, ele a beijou breve e suavemente. Aislinn deixou escapar um som trêmulo e cativante pela garganta, enquanto pousava as mãos nos ombros largos. Por puro reflexo, seus dedos se apertavam e relaxavam contra a pele forte. — Nunca mais quero ficar sozinha sem você. — Não. — Nunca me abandone. — Não abandonarei. — Conto com você para proteger Tony e a mim. — Sempre os protegerei. — Acha-me uma tola? Uma covarde? — É muito corajosa. Estou orgulhoso de você. — Está? — Muito. — Eu o amo, Lucas. Eu te amo. A declaração foi como uma alavanca que abre uma comporta. As palavras transbordavam dos lábios em confissões de amor que estiveram fermentando dentro dela há semanas. Agora lhe escapavam como bolhas de um champanhe desarrolhado. Indisciplinadas, indômitas e fora de controle. Nos intervalos entre as palavras, os lábios de ambos se encontravam em beijos breves e suaves. Mas logo não eram mais suficientes. Os braços fortes a envolveram repentinamente. Lucas inclinou a cabeça, apossando-se da boca macia com um beijo incinerador. Seus lábios famintos faziam dos dela um banquete. Com um gemido baixo, ele lhe invadiu o interior aveludado com a língua. O beijo era puramente carnal. As mãos frenéticas abandonaram as costas de Aislinn e escorregaram para a 136


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frente, desatando-lhe o robe, e lhe tocaram o corpo quente, macio e feminino. Os seios fartos lhe preenchiam as palmas das mãos, enquanto Lucas os massageava e, com os lábios, perfazia uma trilha de beijos molhados ao longo do pescoço delicado. Aislinn assistiu extasiada, quando a ponta da língua do marido lhe tocou o mamilo, estimulandoo. Um grito de prazer escapou-lhe da garganta. A boca ávida se movia de um lado para o outro como se fizesse amor com sua pele. Por sobre os ombros largos, Aislinn avistava a expansão macia das costas do marido, os músculos se contraindo a cada movimento que ele fazia. Lentamente, ela lhe explorou as costas como se estivesse espalhando uma loção hidratante. Ainda ajoelhado em frente a ela, os cabelos de Lucas lhe roçavam o abdome. Ele o tocou com a boca, beijando-lhe o umbigo. Quando pressionou a face ao ventre macio, Aislinn jogou a cabeça para trás em um espasmo de prazer, soluçando o nome do marido, que lhe puxava os quadris para frente. Lentamente, Lucas lhe afastou as pernas e a beijou. Aislinn foi catapultada a um redemoinho de paixão que a erguia às alturas. Quase não percebeu quando ele a ergueu nos braços e a carregou pela casa. Só quando Lucas a colocou sobre a cama foi que ela se deu conta de onde estava. Ouviu o farfalhar de tecido, quando ele retirou o jeans. Abriu os olhos em tempo de vê-lo descartar a peça de roupa. Como se lhe fizesse uma gentileza, um raio iluminou o céu, provendo luz suficiente para que Aislinn o visse nu e esplêndido. Lucas não se deitou como ela esperava, mas se ajoelhou entre as coxas macias e baixou a cabeça. — Lucas — Disse ela, em um protesto frágil. — Devo-lhe isso. A primeira vez, naquela manhã, muito tempo atrás, foi por mim. Agora é por você. A boca experiente a levou a uma infinidade de sensações, diferente de tudo que havia experimentado. A cabeça comprimida contra o travesseiro, enquanto tentava, sem sucesso, puxar algum ar para dentro dos pulmões enquanto era arrastada em onda após onda de êxtase. Lucas estava determinado a lhe proporcionar o grau máximo de prazer, mas se deteve até que ela pensasse que iria morrer com aquela eroticidade quase insuportável. Quando, por fim ele a libertou da gloriosa prisão de arrebatamento, o corpo de Aislinn estava coberto por uma camada de transpiração e os lábios esfolados por seus próprios dentes. Porém, logo Lucas os cobriu de beijos suaves, deslizando a língua gentilmente na superfície, antes de rumar para cada canto da face delicada. Mais uma vez, uma avalanche de prazer começou a se erguer dentro dela. Lucas baixou os quadris contra o corpo macio, cuidadosamente. Aislinn sentiu a excitação rígida e quente lhe roçar o interior da coxa. Ansiando por tê-lo dentro dela, arqueou o corpo em um convite sensual. — Não a machucarei? — Perguntou Lucas com voz rouca. — Não. Era como se fosse invadida por aço revestido em veludo. A penetração foi tão completa que a fez fazer uma careta de dor. — Eu a estou machucando — Disse ele, alarmado. Porém, quando tentou recuar, Aislinn contraiu as coxas. — Quero-o por completo. 137


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Enterrando o rosto na curva do ombro delicado, ele gemeu assolado por uma onda gigantesca de prazer produzida tanto pelas palavras de Aislinn quanto pela forma com que o corpo macio o envolvia. Lucas queria que aquilo durasse uma eternidade e prolongou o ato até onde suportou. Porém, seu corpo se encontrava faminto e não conseguiria se conter indefinidamente. Quando começou a se mover, o clímax os atingiu, inexorável, tão tempestuoso quando o dilúvio que enfrentaram há poucas horas. Lucas permaneceu deitado sobre ela até que a respiração de ambos normalizasse. Em seguida, rolou para o lado, levando-a consigo de modo que ficassem deitados de frente um para o outro. Toda vez que um raio iluminava o céu através da janela, Lucas se regozijava com o reflexo das costas e nádegas curvilíneas no espelho na parede oposta do quarto, compondo uma imagem provocante. Os cabelos loiros se encontravam sensualmente emaranhados, a pele extremamente pálida em contraste com as mãos que ele movia pelas curvas suaves do corpo da esposa. Tocava-a com surpreendente intimidade e, ainda assim, Aislinn não murmurava uma palavra sequer em protesto. Lucas era ousado, satisfazendo cada curiosidade que alimentara. As liberdades que ela lhe permitia o faziam ofegar. Ela não se retraía mesmo em face da carícia mais erótica. Em vez disso, parecia se deleitar com seu toque. Recordou ter rezado para morrer daquela primeira vez, por pensar que nada mais em sua vida seria tão bom quanto se sentir dentro de Aislinn. A mesma sensação que tinha agora, mas, egoisticamente, não pensava em morrer. Que tolo fora ao se negar o privilégio de fazer amor com a esposa. O resguardo de Aislinn acabara semanas atrás. Gene lhe dera o sinal verde de modo sorrateiro. Mesmo assim, obstinadamente negara o próprio desejo por ela, por se sentir aterrorizado com os sentimentos que o acompanhavam. Não queria apenas o corpo dela, mas, sim, a mulher. Pela primeira vez em sua vida, sentia a necessidade de outro ser humano. Agora, embriagado e lânguido na ressaca após o ato de amor, Lucas recuou alguns centímetros, erguendo-lhe o queixo com um dedo e beijando-lhe a boca. O que seria apenas uma forma de desejar "boa-noite". Porém, a língua de Aislinn lhe invadiu o interior da boca, aprofundando o beijo. — No dia do casamento da sua mãe... — Sussurrou ela contra os lábios de Lucas. — Sim? — Sabia que você estava do lado de fora, quando me despi em frente à janela. — Lucas afastou o rosto para trás e baixou o olhar para fitá-la. — Queria que me visse — Confessou Aislinn — Desejava seduzi-lo. A expressão do rosto másculo permaneceu vaga, mas, após um longo silêncio, durante o qual ela se viu cativa daqueles olhos atraentes, Lucas disse: — Fui seduzido. Rolando para se deitar de costas, ele a levou consigo e a sentou sobre o corpo. — Cavalgue em mim. Acomodando-o dentro dela, Aislinn realizou a fantasia do marido. Impetuosa, ela o levou além de suas mais ousadas expectativas. Foi com supremo esforço que Lucas conseguiu manter os olhos abertos para lhe saborear a beleza loira e a palidez da pele. Acariciou-lhe os seios, dispensando atenção especial aos mamilos responsivos. Quando Aislinn arqueou as costas, inebriada com as sensações que aquelas carícias lhe 138


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provocavam, ele a tocou em lugares que lhe fizeram as coxas tremer. Por fim, com o corpo estremecendo, Aislinn colapsou sobre o peito musculoso. Ele a envolveu com os braços, dando-lhe tudo que possuía. O corpo de Aislinn celebrou aquele presente. Mais tarde, fracos e exaustos, continuaram deitados. O corpo de Lucas aninhado ao dela por um longo tempo. Por fim, quando ele a puxou para acomodá-la a seu lado, recostando as costas de Aislinn ao peito, entregaram-se ao sono mais tranqüilo que jamais haviam experimentado.

Capítulo Doze

— Fico feliz que tenha escolhido minha casa para invadir naquela noite. Greywolf inclinou a cabeça para o lado e baixou o olhar à esposa. — Eu também. Aislinn brincava com os pelos negros do peito musculoso. Fizeram amor várias vezes durante a noite e cochilaram nos intervalos, a paixão se inflamando cada vez que se tocavam. Agora, com o desejo momentaneamente saciado, encontravam-se deitados e indolentes entre os lençóis. A tempestade da noite anterior há muito cessara e a luz matinal inundava o quarto com um fulgor róseo. — Estava com muito medo de você — Disse ela. — Eu também estava com medo de você — Retrucou Lucas. Rindo de surpresa, Aislinn ergueu o corpo, sustentando-o nos cotovelos para que pudesse olhar para ele. — Medo de mim? Estava com medo de mim? Por quê? Achou que eu pudesse dominá-lo? — Não no sentido a que está se referindo, mas, naquela hora, se alguma coisa pudesse me dominar, seria uma bela mulher. Você me desarmou completamente. Por que acha que peguei a faca? — Você me achou bonita? — Aislinn fitou-o com olhar acanhado através de uma cortina de cílios espessos. — Querendo elogios? — Sim, meu marido. Nunca me canso de ouvir os elogios que freqüentemente costuma me dirigir — Aislinn abrandou o sarcasmo com um sorriso. Lucas teve a virtude de lhe retribuir o sorriso. — De fato, acho-a linda, mas, quer saber a primeira coisa que pensei quando a conheci? — Sim. O que pensou? 139


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— Danação. — O quê? — Foi o que pensei. Danação. Por que tinha de ser estonteante e ter o corpo e o rosto de um anjo? Queria amaldiçoá-la por possuir tal aparência. Se fosse um homem, eu lhe teria dado um soco no queixo e fugido. Ou, se a srta. Aislinn Andrews fosse feia, eu a teria amarrado, comido seu pão com lingüiça, bebido seu leite, possivelmente roubado seu carro e escapado de lá. — Fez tudo isso... Mas passou a noite lá, também. Lucas arriscou um olhar à esposa. — Mesmo sabendo que aquilo multiplicava minhas chances de ser capturado. — Por que, Lucas? — Os dedos delicados vagavam sobre o abdome firme e liso. — Porque queria dormir com você. Aislinn ofegou de leve. — Oh. — Mas o tempo todo a desejei e me detestava por isso. — Escrúpulos? Lucas soltou uma risada robusta. Ela amava o som profundo e delicioso que ainda era novo para seus ouvidos. — Longe disso. Nunca tive muitos escrúpulos em relação às mulheres. — Isso é estranho. — Por quê? — Depois do que aconteceu com Alice... Lucas franziu o cenho. — Sempre me certifiquei de não engravidar nenhuma mulher. Aislinn dirigiu-lhe um olhar questionador, o qual ele retribuiu com um sorriso melancólico. — Exceto uma vez. Os lábios de ambos se uniram em um beijo profundo. — Naquela vez, não estava pensando em nada, exceto nisto — Lucas tocou-lhe a virilha e deixou que os dedos se deleitassem com os pelos louro-escuros macios — Nunca tirei vantagem de nenhuma mulher. Até conhecê-la. Você foi a exceção a todas as regras que impus a mim mesmo. — Parece que sim, e fico muito feliz. Mas por que se detestava por me desejar? — Não queria sentir aquele desejo desesperado por nenhuma mulher, muito menos por uma mulher branca. Aislinn parecia lisonjeada. — Era isso que estava sentindo? Um desejo desesperado? — Sim — Admitiu ele com voz rouca. — Durante todo o tempo em que estivemos juntos? Lucas anuiu com expressão séria. 140


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— E aquela conversa de eu ser sua apólice de seguro? — Era minha insensata racionalização. Por mais louco que pareça, queria mantê-la ao meu lado. Sentia-me culpado por ter bagunçado sua vida e a arrastado para aquela confusão, mas... — Lucas deu de ombros, impotente — Não podia me permitir deixá-la partir, embora o tempo todo temesse que você acabasse ferida — Ele pousou uma das mãos no pescoço delicado e esfregou o dedo contra a pele macia —Acho que acabou ferida de qualquer forma, certo? — Acho que não. — Está falando sério? — Sim. — Deus! Não sei por que não me matou enquanto eu estava dormindo. Aislinn presenteou-o com um sorriso. — Porque contava que aquele desejo desesperado ainda estivesse vivo. — Está. Mais desesperado que nunca. — Lucas enrolou algumas mechas dos cabelos loiros na mão, mantendo-lhe a cabeça imóvel para poder beijá-la ardentemente e deitá-las de costas. Após o beijo que lhe tirou o fôlego, Aislinn disse: — Poderíamos estar fazendo isso há semanas se você não fosse tão cabeça dura. Não cedia um centímetro, não é mesmo? Lucas exibiu um sorriso lascivo. — No momento, estou pensando em vários centímetros que poderia lhe ceder. Aislinn lhe puxou os cabelos como punição pela obscenidade, mas soltou uma risada. — Não consigo acreditar que acabou de fazer uma piada. — Posso ser muito engraçado. — Com todo mundo, menos comigo. No que se refere a mim, é sempre teimoso e inflexível. Não pode ser bem-humorado quando está muito ocupado se mantendo na defensiva em relação ao que aconteceu na casa de Alice naquela manhã. — O corpo de Lucas enrijeceu pela tensão, antes de ele começar a se afastar! Porém, Aislinn fechou os braços em torno da coluna lombar do marido. — Ficará exatamente onde está, Lucas Greywolf — Eu me envergonhei. — Precisava de mim — A suavidade com que Aislinn proferiu aquelas palavras lhe destruiu a reação defensiva — Necessitar de alguém não é motivo de vergonha. Por que é tão difícil para você admitir que precisa de outra pessoa, ocasionalmente? Ninguém é totalmente auto suficiente — Os dedos delicados lhe tocaram os lábios — Gostei de saber que precisava de mim naquela manhã. Não me senti ofendida com o que fez. Lamentei apenas o fato de não ter me permitido ser mais participativa — Aislinn ergueu a cabeça do travesseiro e o beijou. A princípio, Lucas se mostrou resistente, mas o movimento dos lábios sobre os dele o fez corresponder. Quando ela voltou a deitar a cabeça no travesseiro, Lucas lhe seguiu o movimento e lhe mostrou o quanto precisava dela. Mais tarde, as mãos de Aislinn escorregaram pelas costas largas e úmidas, e mais abaixo, pela cintura reta até as nádegas musculosas de Lucas. — Ouviu alguma coisa? 141


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— Sim — resmungou Lucas de encontro ao pescoço macio. — Meu coração. Ainda está batendo como um louco. Aislinn sorriu contra o ombro largo, mordendo-o de leve, amando cada traço de vulnerabilidade que ele demonstrava. — O meu também está acelerado, mas estou me referindo a algo, além disso. — Como Tony? — Precisamente Tony. É melhor eu ir verificar como ele está. Lucas se afastou dela e se deitou, esparramado de costas, observando com olhar ardente e possessivo enquanto Aislinn colocava o roupão que vestira na noite anterior e saía do quarto. Ele não conseguia lembrar de um tempo em sua vida que fosse tão feliz. Tivera momentos felizes, como aniversários e datas festivas. Amava as horas em que ele e Joseph caçavam nas montanhas. Exultara quando competia em maratonas e nas corridas a cavalo, mas a felicidade sempre havia sido algo que pertencia aos outros, pessoas com, famílias normais e antecedentes, sem sangue mestiço, que não viviam sob nenhum estigma e que não eram rotuladas. Naquela manhã, Lucas Greywolf aproximara-se da felicidade como nunca antes. Permitira-se sorrir abertamente. Espreguiçou-se como um gato montanhês sinuoso, que não tinha mais nada com que se preocupar, além do que iria comer no café da manhã. Sentir-se feliz era quase tão assustador quanto pensou que seria. Aislinn também flutuou em uma nuvem de felicidade até o quarto de Tony. Os horrores do dia anterior haviam sido dissipados pelo ato de amor com Lucas. Um sol radiante incidia pelas janelas. O futuro parecia ensolarado, porque amava o marido e, por fim, conseguira fazer com que ele aceitasse aquele amor. Lucas não lhe dissera que a amava, mas não se podia ter tudo ao mesmo tempo. Ele a desejava. Gostava de tê-la em sua vida e em sua cama. Talvez o amor acabasse por brotar daquele sentimento. Enquanto isso ficaria satisfeita com o que tinha. A vida era maravilhosa. — Bom dia, Tony — cumprimentou Aislinn em tom alegre. A criança choramingava. — Está com fome? Quer trocar a fralda? Isso o faria se sentir melhor? No instante em que se inclinou sobre o berço, ela percebeu que algo parecia muito errado. O inexplicável instinto materno lhe dizia que o filho não estava bem. O ruído da respiração de Tony a pôs imediatamente em alerta. Quando o tocou, gritou: — Lucas! Enquanto vestia a calça jeans, ele percebeu o desespero no grito de Aislinn. Sabia melhor do que ninguém que a esposa não costumava entrar em pânico por qualquer coi sa. Em questão de segundos, Lucas adentrava o quarto da criança. — O que foi? — Tony. Está ardendo em febre. Ouça o som da respiração dele. A criança emitia um som semelhante a um assobio toda a vez que o ar entrava e saía de seus pequenos pulmões. A respiração era rápida e superficial. O rosto de Tony estava sarapintado e, em vez do choro forte, que os pais tanto desejavam ouvir, parecia se esforçar para emitir um miado fraco. — O que quer que eu faça? 142


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— Ligue para Gene. —Aislinn estava despindo a criança e estendendo a mão para o termômetro retal, que os livros sobre saúde infantil que lera aconselhavam a manter por perto. Lucas não argumentou, submetendo-se à habilidade da esposa em tal situação. Disparou em direção à cozinha e discou o número do médico. — Alô — Atendeu Gene no segundo toque, com voz sonolenta. — Gene? É Lucas. Tony está doente. — É um resfriado. Eu receitei... — É mais que isso. Quase não consegue respirar. Gene havia percebido o tom preocupado na voz de Lucas. — Ele está com febre? — Só um instante. — Lucas cobriu o fone com a mão e gritou a mesma pergunta para Aislinn, que apareceu na porta da cozinha, aconchegando o filho ao peito. O olhar, aterrorizado. — Quarenta graus — Respondeu ela. — Lucas — Aquela era uma súplica. Lucas ouviu a voz de Alice ao fundo, perguntando quem estava ao telefone e o que havia de errado. — Droga, Gene! O que faremos? — Indagou ele. — Primeiro, procurem ficar calmos — Respondeu o médico em tom sensato — Depois, dêem um banho em Tony com água fria. Tentem baixar a temperatura dele. E o tragam para cá o mais rápido que puderem. — Para a clínica? — Sim. — Estaremos lá dentro de meia hora ou menos. Lucas desligou o telefone e rapidamente repetiu as instruções de Gene para Aislinn. Enquanto ela banhava Tony com água fria, Lucas terminou de se vestir e, em seguida, trocaram de lugar. Ele tomou conta do bebê, enquanto Aislinn vestia a primeira roupa que via pela frente. Após colocar a fralda em Tony, envolveu-o em um cobertor leve e disparou pela porta da frente, onde Lucas a aguardava com o carro ligado. O pátio em frente à casa encontrava-se encharcado por causa do temporal da noite anterior. O solo esponjoso parecia sugar os pneus, mas Lucas conseguiu manobrar o carro em direção à estrada, que não estava nas melhores condições. Por várias vezes, derrapou nas valas. Os pneus traseiros, escorregando no lodo. As mãos de Lucas se encontravam apertadas contra o volante e as costas se mantinham curvadas. A expressão austera no rosto do marido lembrava a Aislinn de um tempo em que ele dirigira com aquela mesma concentração. Naquela ocasião, parecia enfrentar uma situação de vida ou morte. Porém, jamais poderia se comparar com o momento presente. Agora, Aislinn reconhecia o significado do medo quando a vida de um filho corria perigo. A viagem até a cidade pareceu durar uma eternidade. O pequeno corpo de Tony gerava tanto calor que fazia queimar os seios da mãe. A criança estava irritada. Toda vez que adormecia, acordava sufocada pelo esforço de respirar. Gene e Alice saíram correndo da clínica no momento em que viram o carro entrar em disparada no estacionamento. 143


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— Como ele está? — perguntou Gene, abrindo a porta do passageiro. — Oh, Gene, ajude-o — Suplicou Aislinn — Está ardendo em febre. Acho que a temperatura dele voltou a subir. Todos correram em direção à clínica. Aislinn carregou Tony para a sala de exame. A clínica ainda não estava aberta ao público, portanto não havia outros pacientes que necessitassem da atenção do médico. Alice e Gene examinaram o bebê de modo minucioso, delicadamente afastando a mãe para o lado. Aislinn dirigiu o olhar a Lucas, à procura de apoio, mas os olhos do marido estavam fixados no filho. Ele quase não falara durante a viagem até a cidade. Aislinn queria lhe transmitir algum conforto, mas sabia que qualquer coisa que dissesse não passaria de um clichê. E como poderia confortá-lo se estava aterrorizada? Gene auscultou o tórax de Tony com o estetoscópio. Quando terminou, dirigiu o olhar aos pais. — Ele tem líquido nos pulmões. Aquela infecção respiratória alta se agravou. — Mas ele estava melhorando — Protestou Aislinn — Dei o remédio exatamente como prescreveu. — Ninguém a está culpando — Retrucou o médico em tom gentil, colocando a mão no ombro de Aislinn. — Essas coisas acontecem. — Ele... Se molhou ontem à noite e foi exposto ao frio. — Ela lhes contou sobre a tempestade — Quando Lucas nos levou de volta para casa, mantive-o aquecido o máximo que pude. Foi por isso que ele piorou? Havia uma entonação histérica na voz de Aislinn. Alice e Gene se apressaram em lhe assegurar que a infecção de Tony poderia ter se agravado de qualquer forma. — Ele não estava tomando antibiótico — Explicou o médico. — E certamente não foi negligência de sua parte. — Por favor, faça com que ele se recupere. Lucas, que se mantivera calado até então, falou do outro lado da maca, enquanto permanecia com o olhar fixo no filho, como se aquela criança fosse a principal estrela do universo e sua luz estivesse prestes a se extinguir. — Acho que não posso. — O quê? — Perguntou Aislinn, juntando as mãos e a levando aos lábios descorados. — Não tenho muitos recursos aqui — Explicou Gene. — Sugiro que o levem para um dos hospitais de Phoenix. Terá de ser internado em um Centro de Tratamento Intensivo Pediátrico, onde especialistas poderão tratar dele. Não estou equipado de maneira apropriada. — Mas fica a horas daqui — Disse Aislinn, frenética. — Tenho um colega de faculdade que possui um serviço de resgate em helicóptero. Vou telefonar para ele. Alice aplique um medicamento na criança para que a febre abaixe. Incapaz de se livrar da paralisia provocada pelo medo, Aislinn observou Alice preparar a seringa e aplicar a injeção em Tony. Em seguida, colocou uma fralda nova na 144


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criança e a entregou à mãe ansiosa. Aislinn se recostou à maca e balançou para a frente e para trás, confortando o bebê da melhor maneira que podia. Gene retornou. — Ele está despachando o helicóptero para cá imediatamente. Pousará naquele pasto do lado norte da estrada, aqui mesmo, dentro da cidade. O piloto que está enviando esteve aqui no ano passado para transportar uma vítima de picada de cobra, portanto sabe o caminho. Uma enfermeira pediátrica virá a bordo do helicóptero e especialistas os estarão aguardando quando chegarem ao hospital. — É tão grave assim? — indagou Aislinn, com voz trêmula. Gene tomou-lhe uma das mãos. — Não iria alarmá-la desnecessariamente. O estado dele é crítico. Poucas horas depois, um especialista do hospital de Phoenix confirmou o diagnóstico de Gene. As últimas horas haviam sido um pesadelo para Aislinn. Ela e Lucas foram rapidamente acomodados no helicóptero. Daquele momento em diante, ela percebeu que seria eternamente grata aos profissionais da área de saúde. A enfermeira que estava a bordo começou imediatamente a administrar os primeiros cuidados em Tony. Pelo rádio, permanecia em contato com os médicos do hospital e, no momento em que pousaram no teto, Tony já estava usufruindo do melhor tratamento médico. Tão logo o bebê foi levado à ala restrita do hospital, Aislinn se voltou para Lucas, procurando a força que lhe transmitia o abraço do marido. Porém, embora a envolves se nos braços, aquele era um gesto automático. O coração de Lucas não estava ali. Aislinn podia sentir um profundo abismo espiritual entre eles. Desde que saíram de casa, naquela manhã, ela o sentira se afastar cada vez mais. A expressão de Lucas permanecia fechada, como se estivesse distante daquela tragédia. Porém, ela sabia que o marido sofria terrivelmente. Como ele conseguia impor tamanho controle sobre as emoções era algo que Aislinn desconhecia. Sentia-se a ponto de bater com a cabeça contra a parede ou arrancar os cabelos a qualquer momento. Esperaram em um profundo silêncio que lhe era insuportável. Onde estava o adorável consolo que Lucas dera a Alice e ao avô, quando Joseph morria? Por que não restara nenhum para ela agora? Mas Joseph era um homem idoso. Lucas tivera anos para se preparar para o dia da morte de seu avô. Aislinn sentiu-se aliviada quando o médico se aproximou deles. — Sr. e sra. Greywolf? — Indagou em tom polido. Ambos anuíram — Seu bebê está muito doente — Começou ele, antes de proceder a uma enxurrada de termos médicos que nada significavam para Aislinn, mas finalizou com a palavra "pneumonia". — Então não é tão grave assim, certo? — Gritou Aislinn, aliviada. — Conheço muita gente que teve pneumonia e que se recuperou sem problemas. O médico dirigiu um olhar preocupado a Lucas, antes de voltar a encarar o rosto expectante de Aislinn. — As chances de cura para pneumonia são altas, mas estamos nos referindo a um par de pulmões de três meses de idade. Temo que isso reduza a habilidade de seu filho em se recuperar com tanta facilidade. — Então, é muito sério? — Seu estado atual é crítico. — Ele vai morrer? — Aislinn mal conseguia controlar os lábios trêmulos de modo 145


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que conseguisse articular a pergunta. — Não sei — respondeu o médico honestamente — Vou lutar como um louco para salvar a vida dele — Ele apertou os ombros de Aislinn para enfatizar suas palavras — Agora me dêem licença. Tenho de voltar para lá. — Posso vê-lo? — Indagou ela, apertando a manga do jaleco do médico. — Não a aconselho a fazê-lo. Está ligado a vários tubos. Vê-lo neste momento apenas aumentaria sua apreensão. — Ela quer vê-lo — Sibilou Lucas em um sussurro, mais ameaçador do que um grito. Ele e o médico se encararam por alguns segundos, antes de o doutor ceder. — Apenas por um minuto, sra. Greywolf nada mais que isso. Quando Aislinn retornou, caminhando pelo corredor do hospital, chorava copiosamente. Lucas envolveu-a com um braço, dando-lhe palmadas leves nas costas. Mas, assim como antes, Aislinn sentiu as barreiras invisíveis entre eles. Havia pouco consolo nos olhos cinza distantes e frios. Passaram o dia e a noite toda na sala de espera do hospital. Aislinn recusava-se a sair dali até mesmo para se alimentar, embora os enfermeiros a estimulassem gentilmente a fazê-lo. Ninguém se aproximou de Lucas. Aislinn achou que era por que o temiam. O que se passava no cérebro sob aquela expressão impassível era um mistério para todos, exceto para Lucas. Pouco depois da madrugada do segundo dia, o médico lhes informou de que o estado de Tony ainda era crítico. — Mas, quando ele chegou aqui, não apostava que resistisse por tanto tempo — Disse ele, com um traço de otimismo — Acho que seu filho é um guerreiro. Aislinn confiou naquelas palavras, agarrando-se a qualquer fio de esperança. Pouco depois, Gene e Alice chegaram. Deixaram um aviso de que a clínica estaria fechada e enfrentaram a longa viagem até ali, incapazes de se manterem afastados. A visita repentina teve tal impacto em Aislinn que a fez se desfazer em lágrimas de gratidão. Os Dexter se mostraram alarmados com a palidez e o abatimento que ela exibia e suplicaram para que fosse para um hotel descansar, mas Aislinn se recusou terminantemente. No entanto, o casal conseguiu convencê-la a comer a refeição quente servida na cafeteria do hospital colocada em bandejas para Lucas e para ela. Encontravam-se sentados na sala de espera, terminando o café da manhã, quando Lucas ergueu o olhar, atirou o guardanapo raivosamente sobre a bandeja e se ergueu, fazendo estremecer a mesa com o movimento brusco. — Quem os convidou? — Indagou ele em tom rude, não se importando se o casal que se aproximava o ouvira. — Eu — Respondeu Aislinn com a voz tão fraca quanto os próprios joelhos, enquanto se erguia para confrontar o marido, que estava obviamente furioso com os pais que não a viram nem falaram com ela desde seu casamento. — Obrigada por terem vindo. Os Andrew pareciam não saber o que dizer ou fazer. Eleanor retorcia a alça de marfim da bolsa e Willard olhava para todos os lados, menos para a filha e para o genro. — Achamos que era o mínimo que poderíamos fazer — Disse Eleanor para 146


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quebrar o silêncio que se prolongou incomodamente. — Sentimos muito pela doença da criança. — Precisa de alguma coisa, Aislinn? Dinheiro? — Ofereceu Willard. Lucas deixou escapar uma palavra obscena e os contornou, esbarrando neles ao passar. — Não, obrigada, papai — retrucou Aislinn em tom suave. Sentia-se envergonhada por perceber que a solução dos pais para qualquer problema era o dinheiro, mas os perdoou. A presença deles ali era um conforto para ela e, à luz da desavença entre eles, aquilo era mais que uma concessão que tinha o direito de esperar dos pais. Viu-se aliviada por não ter de lidar com aquela estranha situação, quando Alice deu um passo à frente. — Sou Alice Dexter, a outra avó de Tony. Por favor, queiram desculpar o comportamento do meu filho. Ele está extremamente estressado. Alice falou com suavidade. O que mais impressionara Aislinn, desde que a vira pela primeira vez naquele hogan, era a ausência de censura ou preconceito em seu tom de voz. A índia encarava Eleanor, cujo vestido custava mais do que Alice gastaria com roupas em vários anos. Porém, não se mostrava hostil e intimidada pela outra mulher ao lhe estender a mão. — Por favor, venha conhecer meu marido, dr. Gene Dexter. Aislinn deixou que os dois casais se apresentassem e saiu à procura de Lucas. Ele se encontrava parado no fim do corredor, de frente para uma janela. Fitava, pensativo, o dia claro que se descortinava do mesmo modo que Aislinn imaginava que ele fizesse através das grades da prisão. Para um homem que amava viver ao ar livre, aquilo deve ter sido o inferno. — Lucas? — Ela percebeu os ombros largos se enrijecerem, mas não obteve resposta — Está zangado comigo por eu ter avisado aos meus pais? — Não precisamos deles. — Você talvez não, mas eu, sim. Lucas girou repentinamente. Apenas a tenacidade impediu Aislinn de se encolher ante a raiva refletida nos olhos cinza. Segurando-lhe a mão, ele a arrastou para o quarto que as enfermeiras haviam providenciado para eles, mas que até então não utilizaram. Quando a porta maciça se fechou com um estalido suave, ele a encarou, furioso. — Acho que está sentindo falta do maldito dinheiro deles, afinal? Qual é o problema? Pensou que eu não pudesse prover o tratamento médico para o meu filho? Telefonou para o papai, suplicando-lhe que a perdoasse por ter se casado com alguém inferior a você e que viesse até aqui, trazendo seu talão de cheques? — Não mereço isso! — Aislinn esbofeteou-o com força suficiente para fazer a cabeça de Lucas girar. Quando se recobrou do impacto, os dentes brancos se encontravam cerrados e ele ergueu a mão para retaliar. No entanto, deteve-se antes de atingi-la no rosto. Aislinn se atirou contra o corpo forte, segurando-lhe o tecido da camisa com força. — Vá em frente. Bata em mim. Só assim pode ser que eu perceba que é um ser vivo, e não uma rocha! Aceitarei de bom grado que me agrida, se isso servir para que demonstre alguma emoção. Algum sentimento. — Ela o sacudiu, enterrando os dedos na 147


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parede sólida do peito musculoso — Droga, Lucas! Fale comigo. Grite. Berre. Mostre-me sua dor. Eu sei que ela está aí. Sei que ama Tony, mesmo que não ame mais ninguém. Ele corre perigo de morte e sei que está ferido com isso. Use-me como seu saco de pancadas ou sua caixa de ressonância. Deixe-me compartilhar sua dor. Aislinn chorava e as lágrimas lhe inundavam o rosto. Ela as limpou com o dorso da mão. — E tão orgulhoso certo? Nada pode atingi-lo. — Meneou a cabeça, negando as próprias palavras. — Mas eu sei que isso não é verdade. Eu o vi de joelhos quando Joseph morreu. Testemunhei sua dor. E aquela dor não é nada comparada ao que está sentindo agora por seu filho. Seu orgulho estúpido o mantém separado do resto do mundo, e não o contrário. E tão frio que não é capaz sequer de chorar no leito de morte do seu filho? Afirma não precisar de ninguém, mas precisa. Apenas não admite. Precisei do apoio dos meus pais nesta hora e, portanto, engoli meu orgulho e telefonei para eles, sem saber se iriam me atender. Preciso de todo o apoio que puder obter. Não quero passar por isto sozinha. Mesmo que significasse me humilhar, iria implorar para que eles ficassem ao meu lado. Você zomba deles, embora tenha mais em comum com meus pais do que pensa. E tão frio e inflexível quanto eles, com a diferença de que meus pais se arrependem. Estão aqui para me dar apoio, e você, não — Aislinn apertou ainda mais a camisa do marido, quase rasgando o tecido. — Quer você me ame ou não, é meu marido. Preciso de você. Não ouse me negar seu apoio. Casou-se comigo porque se sentiu moralmente obrigado a fazê-lo, mas há alguma moral em abandonar sua esposa quando ela mais precisa? Iria se tornar menos homem se chorasse comigo? — Ela o esbofeteou outra vez. E mais outra. As lágrimas explodiam, incontroláveis por seus olhos, e lhe inundavam o rosto. — Chore, maldito, chore! Com um rompante que tirou o fôlego de Aislinn, ele a envolveu nos braços e baixou a cabeça, enterrando-a na curva do pescoço delicado. A princípio, ela não percebeu que seu desejo fora realizado. Mas, em seguida, sentiu os ombros largos sacudirem e ouviu o som do choro incontido. Aislinn fechou os braços em torno da cintura do marido e o manteve colocado a ela, enquanto as grossas lágrimas de Lucas lhe banhavam o ombro e lhe umedeciam a blusa. Ele chorou indefinidamente e, quando Aislinn não conseguiu suportar o peso do corpo forte por mais tempo, ambos quedaram ao chão ainda nos braços um do outro. Ela pressionou a cabeça dele contra seus seios, curvou-se sobre o marido de forma protetora e o balançou para frente e para trás, como freqüentemente fazia com Tony. As próprias lágrimas, pingando sobre os cabelos de Lucas. Deus! Amava aquele homem de uma forma que chegava a doer. — Quero que nosso bebê viva — Soluçou ele — Não sabe o que significou para mim saber que eu tinha um filho. Quero que Tony sobreviva que me conheça. Quando eu era garoto, queria muito ter um pai. Quero ser o tipo de pai que eu sonhava em ter — Lucas enterrou a cabeça ainda mais no ombro da esposa — Seria Deus cruel a ponto de tirar o meu filho de mim? — Se ele o tirar de nós, não suportarei ver sua dor. Eu o amo muito. Após algum tempo, as lágrimas de Lucas cessaram, mas ele manteve a cabeça apoiada sobre a clavícula de Aislinn. Lucas beijou-a através do tecido molhado da blusa e murmurou palavras carinhosas, algumas em inglês e outra no idioma que ainda era desconhecido para Aislinn. — Não queria amá-la. — Eu sei. 148


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— Mas eu a amo. — Sei disso também. Lucas ergueu a cabeça e a fitou com os olhos vermelhos pelo choro. — Sabe? — Em resposta, ela limpou uma lágrima dos cílios negros, olhou para ele e exibiu um sorriso doce amargo. Partilharam um momento comovente, antes de ouvirem uma suave batida à porta. A expressão de ambos se tornou triste. Lucas se ergueu e estendeu a mão para ela. Confiante, Aislinn pousou a mão na dele e foi erguida. Ele a envolveu com um braço confortador. Fitavam a porta como o fariam com um carrasco. — Entre — Disse Lucas. Estavam esperando o médico, mas quem entrou foi o diretor Dixon. Aislinn não reconheceu o homem, mas percebeu, pela contração dos músculos do corpo do marido, que ele o conhecia bem. — Olá, sr. Greywolf. Sei que o momento não é propício — Começou ele, embaraçado, já que era óbvio que o casal estivera chorando — Sou Dixon — Disse ele a Aislinn, quando se tornou óbvio que Lucas não o apresentaria. — O que está fazendo aqui? — Indagou Lucas, interrompendo as amabilidades. — Como lhe disse, sei que é uma hora muito difícil para vocês e peço perdão por isso, sra. Greywolf, mas, se não fosse portador de boas notícias, jamais os teria incomo dado em um momento como este. — Como soube que eu estava aqui? — A secretária do sr. Andrew me informou. Telefonei para ele esta manhã, quando não consegui contatá-lo depois de ter tentando ontem, durante o dia todo. — Foi muito atencioso de sua parte, sr. Dixon — Disse Aislinn. — Veio nos informar de alguma coisa importante? — A isenção de culpa do seu marido. — Dixon dirigiu o olhar a Lucas — O juiz reviu a cópia dos registros do seu julgamento. Considerou também os depoimentos fei tos, voluntariamente, pelos dois homens que confessaram seus crimes. Os documentos o absolveram de qualquer culpa. Na verdade, atestaram que a única razão pela qual se encontrava em meio à balbúrdia era para apartar a briga. Tentava conter a violência, e não perpetrá-la. Será oficialmente inocentado e imediatamente reintegrado no direito de exercer a advocacia. Aislinn se jogou nos braços do marido, expressando seu contentamento, mas ele mal conseguiu ampará-la. A notícia deixara-o com os joelhos fracos. Porém, antes que pudessem expressar seus agradecimentos, Gene entrou correndo no quarto. — Lucas, Aislinn, venham rápido. O médico está procurando vocês.

Epílogo

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— Sorria! — Aislinn, meu rosto está quase rachando de tanto sorrir. — Não duvido. É uma expressão tão incomum em você — Ela gargalhou diante da carranca do marido. — Olhe para a mamãe, Tony. Aislinn tirou duas fotos, enquanto Tony tinha a cabeça virada naquela direção. O menino exibia orgulhosamente seu novo dente da frente em um sorriso babado. — Agora, pare de trabalhar com essas câmeras — Disse Lucas, caminhando em direção à esposa. — Pois estamos em uma festa. — Estou me divertindo muito — Retrucou Aislinn com expressão exultante, colocando-se na ponta dos pés para beijá-lo. Os olhos azuis faiscavam de felicidade — Prefiro tirar fotos de você e de Tony do qualquer outra coisa no mundo. Lucas fitou-a com franco ceticismo. — Posso citar algo que sei que você preferiria fazer. — Lucas! Foi a vez de ele rir diante da expressão da esposa. — No entanto, tenho de admitir que eu e Tony somos uma excelente diversão, certo? — Ele fitou orgulhoso, Tony, que era a cópia perfeita do pai. Os olhos do menino estavam adotando a mesma coloração dos de Lucas, com um halo azul ao redor da íris, que herdara da mãe. Os cabelos eram bem pretos, mas não tão lisos quanto os do pai. Os ossos malares igualmente proeminentes, mas tinha bochechas rechonchudas que os disfarçavam. Era a imagem do bebê saudável. — São minha diversão preferida — Aislinn abraçou pai e filho, esfregando a face ao pescoço de Lucas, enquanto Tony lhe puxava mechas de cabelos. — Vocês três querem parar com isso? — Disse Gene, entregando um copo de ponche para Aislinn — Tinham de estar dando atenção aos convidados. — Deixe-me pegar Tony — Pediu Alice, juntando-se a eles. A avó trazia um biscoito em uma das mãos e aquilo era suborno suficiente para atrair o bebê. Tony não objetou quando o pai o entregou a ela, embora sempre relutasse em sair do seu colo. — Willard e Eleanor querem vê-lo. — Agora, parem de namorar e vão cumprimentar os convidados — Disse Gene, empurrando-os em direção à multidão em torno do escritório. A recepção era para comemorar a abertura oficial do escritório de advocacia de Lucas. A publicidade em torno da isenção de culpa, que coincidiu com a publicação das fotos de Aislinn em uma revista de abrangência nacional, mais uma vez chamou a atenção do público para as condições , precárias em que viviam os índios nas reservas. Lucas não se iludira com a onda de interesse. Não tinha esperanças de um dia ver o fim de toda aquela opressão, quer fosse intencional ou não. Mas cada passo que dava naquela direção parecia gratificante. Era muito cauteloso com as aparências. Não queria que pensassem que tirava proveito de sua condenação e subsequente revogação. Nunca se esquecia de quem eram seus verdadeiros clientes. Até mesmo naquele dia, vestira uma camisa branca gasta, gravata e jaqueta esporte, jeans e botas. Havia optado por não usar a bandana, mas colocara o brinco de prata na orelha. Na parede atrás de sua mesa no escritório, encontrava-se pendurado o 150


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retrato de Joseph Greywolf, vestido com toda a parafernália de um cacique. Vários dignitários que compareceram comentaram sobre a foto, tirada quando Joseph era jovem. — Quanto tempo falta para voltarmos para casa? — Lucas perguntou à esposa, após uma hora de sorrisos e cumprimentos. — Os convites que Alice enviou diziam "das 14h às 18h". Porquê? — Porque estou com vontade de ir para casa e para a cama. — Shh! Alguém pode escutá-lo. Na frente de todos os convidados, Lucas inclinou a cabeça e lhe beijou os lábios. — Comporte-se, Lucas. A recepção é em sua homenagem — Aislinn tentava soar severa, mas não podia disfarçar o prazer que aquela demonstração de afeto a fazia sentir. Lucas brincou com uma mecha de cabelos loiros. — Poderia simplesmente arrastá-la daqui para fora. — Sequestrar-me? — É. — Você já fez isso. — Foi a atitude mais inteligente que já tomei. — Foi a melhor coisa que poderia me acontecer. Alheios ao burburinho da conversação que os rodeava, ambos procuravam um o olho do outro, encontrando o amor que sabiam lá existir. Johnny Deerinwater interrompeu aquele idílio, aproximando-se e batendo nas costas de Lucas, enquanto lhe estendia a mão. O casal bancou o anfitrião por quanto tempo se fez necessário e, por fim, a multidão começou a se dissipar. — Não demos muita atenção aos meus pais — Comentou Aislinn, segurando o braço do marido e o guiando em direção ao casal, que se encontrava sentado na sala, conversando com Gene. Lucas emitiu um som de protesto — Eles percorreram um longo caminho, e não estou me referindo à distância que tiveram de dirigir até aqui hoje. — Eu sei — Concedeu Lucas — Serei gentil. Afinal, seu pai está construindo aquela nova ala na clínica de Gene. Tão logo Willard e Eleanor partiram de Phoenix, Alice pediu para que Tony dormisse na casa dela e Gene naquela noite. — Não o vemos com frequência e vocês voltarão amanhã para limpar o escritório para o início do expediente na segunda-feira. Por favor. Ambos consentiram e partiram para casa, sozinhos. A noite estava linda. O céu coberto de estrelas e a lua cheia brilhando acima das montanhas. — Sabe de uma coisa? Acho que uma parte de mim se tornou indígena — Disse Aislinn, pensativa — Amo tudo isso — Declarou, gesticulando em direção ao horizonte. — Abriu mão de muita coisa — Retrucou Lucas em tom calmo, com os olhos fixos na estrada estreita que levava ao rancho. Aislinn segurou uma das mãos que ele mantinha no volante e apertou até que o olhar do marido se voltasse para ela. — Na vida que eu levava, não havia você nem Tony. Não a trocaria por esta. 151


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Na verdade, ela rompera com todas as ligações com Scottsdale. Vendera a casa e utilizara a quantia que havia recebido por ela para comprar equipamentos para áreas de lazer em todas as escolas da reserva. Tinha vendido também o estúdio fotográfico e, após usar parte do lucro para expandir sua câmara escura e comprar equipamentos fotográficos, comprara um magnífico garanhão para dar de presente ao marido. No dia em que o animal foi entregue, Lucas tivera de lutar contra o próprio orgulho para aceitá-lo. Porém, Aislinn pousara ambas as mãos no peito musculoso e o fitara com olhar suplicante. — Você me deu tanta coisa, Lucas. Deixe-me presenteá-lo com isso. Lucas apenas aceitara o cavalo porque havia percebido ser um presente dado com amor. Além disso, aquele garanhão iria fortalecer a manada, e as crias seriam valiosas. Quanto mais o rancho lucrasse, mais jovens que estivessem desempregados, Lucas, poderia contratar como mão de obra. Um dos primeiros prédios a serem erguidos em sua propriedade fora um alojamento para abrigar os seis peões que haviam sido contratados. Os homens geriam o rancho com habilidade, permitindo a Lucas dedicar mais tempo à prática da lei. Naquele momento, Aislinn fitava o perfil austero do marido esboçado contra a luz da lua e seu coração transbordava de amor. Mal podia conter a felicidade que sentira desde que Tony sobrevivera à pneumonia. — Espero que as fotos que tirei hoje fiquem boas, principalmente as de Tony. — Lucas parecia pressentir que ela ainda não havia terminado, portanto permaneceu calado. — Ainda sinto arrepios quando penso o quanto estivemos próximos de perdê-lo. Lucas retirou a mão que ela segurava e roçou as juntas dos dedos na face delicada de Aislinn. — Prometemos que nunca esqueceríamos aquilo, mas também que não iríamos nos consumir com esse assunto. — Eu sei — Retrucou ela em tom leve, depositando um beijo suave nas juntas dos dedos longos, enquanto eles lhe acariciavam os lábios. — Estava apenas pensando sobre aquele dia, quando disse que me amava, Dixon apareceu trazendo a boa nova e o médico nos informou que Tony iria se recuperar — Aislinn lhe voltou um sorriso — Uau! Muitas notícias boas ao mesmo tempo quase me fizeram desmaiar. — Está mesmo reflexiva esta noite. — E meu jeito de celebrar o quanto estou feliz. Lucas freou bruscamente o carro em frente à casa e fitou a esposa. — Bem, tenho outra forma de celebração em mente. — E o que seria, sr. Greywolf? Não perderam tempo nem mesmo para acender as luzes, deixando que o brilho da lua que incidia pelas janelas os guiasse ao quarto. Lucas retirou a jaqueta e a atirou sobre uma cadeira. Em seguida, desabotoou a blusa. Foi até onde conseguiu ir, antes de a paixão dominá-lo e ele tomar Aislinn nos braços. Ela atirou o blazer do conjunto que usava ao chão, mal tendo tempo de retirá-lo. A boca ávida exibia o mesmo ardor que demonstrara na primeira vez em que se beijaram. A amargura de Lucas podia ter se dissolvido, os preconceitos, diminuído, ele podia até mesmo exercitar sua metade branca, mas Aislinn esperava que a natureza selvagem com que ele fazia amor nunca mudasse. 152


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Lucas lhe tocou a parte da frente da blusa, procurando pelos botões, que desabotoou um por um, enquanto Aislinn enterrava os dez dedos nos cabelos negros e espessos, pressionando os lábios de Lucas firmemente aos dela. Ele lhe puxou a blusa, retirando-a para fora do cós da saia, abriu o fecho do sutiã e afastou os bojos de renda para o lado, antes de lhe cobrir os seios fartos com as mãos. Os dedos e as palmas das mãos calejadas eram provocadoramente abrasivos contra a pele macia de Aislinn. Executavam maravilhas em seu corpo e, quando ela ansiava pela boca de Lucas, ele lhe tomou a feminilidade nos lábios e a levou às alturas. Ambos gemeram de prazer quando Lucas se apossou dos lábios macios outra vez pressionando os seios fartos contra o peito. Mantendo-a colada ao corpo, envolveu-a em um abraço apertado. — Não quero me lembrar do tempo em que você não fazia parte do meu corpo. Quando não a amava. As palavras românticas eram tão incomuns no marido que fizeram com que Aislinn as amasse ainda mais. Lucas aprendera que admitir seus mais profundos sentimentos não lhe comprometia a masculinidade. Ainda assim, raramente dava voz a eles. E, quando o fazia, como naquele momento, Aislinn se deleitava com cada palavra preciosa. Com os lábios unidos em um beijo ardente, ele escorregou as mãos sob a saia de Aislinn e lhe explorou as coxas. Brincou por instantes com a parte superior da peça de seda e com as ligas. Lucas expressara sua preferência por aquele tipo de acessório e ela freqüentemente o usava para agradá-lo. Com as mãos espalmadas nas nádegas macias, ele a posicionou contra o corpo, maximizando as sensações para ambos. Momentos depois, Aislinn se livrava da calcinha. A mão longa abriu caminho entre suas coxas, e mais acima, dentro dela. Lucas permitiu que a esposa se entregasse aos espasmos de prazer, antes de trazê-la de volta com beijos suaves e elogios sussurrados. — Lucas — murmurou ela em tom fraco, abrindo-se para ele como uma flor que tivesse acabado de desabrochar. — Deus! Você é linda — Ele enterrou os dedos nos cabelos loiros, puxando-os com força — Minha esposa. Minha mulher — Murmurou possessivo, apertando-a mais ainda. Após compartilharem um beijo apaixonado, Aislinn se afastou. Aos olhos de Lucas, aquela era uma visão extremamente sexy. Os lábios macios se encontravam intumescidos pelos beijos, os cabelos loiros, emaranhados, caindo-lhe em cascata sobre os ombros, a blusa e o sutiã abertos e a saia amarrotada. Lucas permaneceu imóvel, levemente surpreso, quando, com os olhos fixos nos dele, Aislinn deslizou a blusa pelos ombros. Depois, deixou que escorregasse pelos dedos até cair ao chão. Em seguida, escorregou a mão por baixo do cinto turquesa ornado que ele usava. — Lembra-se quando carregava a faca aqui? — Perguntou. — Era extremamente fálico. — Era? — Sim. As mãos delicadas prosseguiram a jornada erótica por dentro do cós do jeans, as juntas dos dedos roçando prazerosamente os pelos ásperos do abdome de Lucas. Em seguida, sem desviar o olhar, Aislinn recuou em direção à cama, puxando-o 153


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consigo até que a parte de trás dos joelhos tocasse o colchão e ela se sentasse. Lucas parecia sinistro e perigoso com a luz da lua acentuando-lhe a beleza morena. Fazia os cabelos parecerem ainda mais negros, os olhos, mais brilhantes e, o corpo, mais ágil, escorregadio e ameaçador. A cruz que lhe pendia do pescoço fazia-lhe o peito parecer ainda mais forte com o contraste. O brinco de prata cintilava, como a piscar para ela. Com um toque suave, as mãos de Aislinn viajaram pelo peito largo, sobre os mamilos. Em seguida, rumaram para as costelas até alcançarem o orifício sombreado do umbigo de Lucas. Ele ergueu as mãos para a presilha do cinto. — Não — disse ela... Quando as mãos longas voltaram, obedientes, a pender nas laterais do corpo, Aislinn se incumbiu de desatar o cinto. Seus dedos nunca estiveram mais ágeis e, ainda assim, agonizantemente controlados e sem pressa. O ruído do metal soou como música na escuridão. A respiração apressada de Lucas era o único outro som no silêncio do quarto. Um por um, os botões do jeans foram libertados e a braguilha se abriu. O aroma do sabonete que ele usava misturado com a fragrância da pele e do sexo a atingiu, quente e almiscarado. Aislinn tinha vontade de engolir aquele cheiro. — Você é tão lindo — Sussurrou ela. — Tão alto, forte e... Rígido. Inclinando a cabeça para a frente, ela pressionou os lábios ao umbigo do marido, enquanto escorregava as mãos por dentro do jeans e o deslizava pelas pernas musculosas. Lenta, sedutora e suavemente. Lucas soltou um gemido rouco, quando a língua quente e macia o tocou. Repetidamente... Muito tempo depois, ambos se encontravam deitados, com os corpos entrelaçados, refestelando-se no calor do corpo um do outro. Aislinn beijou-lhe o pescoço e lhe sus surrou ao ouvido: — Eu o amo, Lucas Greywolf. — Eu sei. E o fato de ele saber a deixou feliz.

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